Daniela Cristina Ribeiro Rodrigues

Transcrição

Daniela Cristina Ribeiro Rodrigues
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA (UCB)
DANIELA CRISTINA RIBEIRO RODRIGUES
DIREITOS HUMANOS E A VERTENTE ÉTICA DA REPRODUÇÃO
ASSISTIDA
Brasília/DF
2006
2
DANIELA CRISTINA RIBEIRO RODRIGUES
DIREITOS HUMANOS E A VERTENTE ÉTICA DA REPRODUÇÃO
ASSISTIDA
Trabalho de conclusão de curso apresentado à
Banca examinadora da Universidade Católica
de Brasília, como exigência parcial para
obtenção do grau de Bacharel em Direito sob
orientação da Professora Clarissa Teixeira
Karnikowski.
Brasília/DF
2006
3
DANIELA CRISTINA RIBEIRO RODRIGUES
DIREITOS HUMANOS E A VERTENTE ÉTICA DA REPRODUÇÃO
ASSISTIDA
Trabalho de conclusão de curso apresentado à
Banca examinadora da Universidade Católica
de Brasília, como exigência parcial para
obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Aprovado
pelos
membros
da
banca
examinadora
em
___/____/___
menção_______ (_____________________________________________).
Banca Examinadora
______________________________
Presidente Professora Clarissa Teixeira Karnikowski.
UCB
______________________________
Integrante Prof.
UCB
______________________________
Integrante Prof.
UCB
com
4
Aos meus pais, pelo estímulo sempre presente em
todos os estágios da minha vida, reconhecendo o
seu carinho inabalável, dedico-lhes essa conquista,
como extrema gratidão;
À minha orientadora, professora Clarissa Teixeira
Karnikowski, pela boa vontade com a qual me
acolheu como orientanda, faço desse registro uma
dedicatória da presente monografia.
5
[...] somos, ao mesmo tempo, animais e humanos,
com necessidades fisiológicas importantes e
imprescindíveis que precisam ser satisfeitas, assim
como temos consciência, razão e compaixão, que
precisam
ser
exercitadas.
Assim,
no
reconhecimento do humano dentro e ao lado das
necessidades básicas, levaria a sociedade madura a
perceber que a solução de seus conflitos está no
reconhecimento de que nossas necessidades todas,
inclusive as humanas, exige a participação de todas
as demais pessoas.
Fromm, Erich (1991)
6
RESUMO
RODRIGUES, Daniela Cristina Ribeiro. Direitos Humanos e a vertente ética da Reprodução
Assistida.. 2006. nº f. 85.Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação). Curso de Direito.
Universidade Católica de Brasília. Taguatinga. 2006.
A infertilidade constitui um problema que afeta o casal; com o tempo, o conflito pode agravarse, chegando a constituir motivo para separação, guardando as repercussões psicológicas e
sociais que uma ruptura dessa natureza acarretam. Diante disso, nessas últimas décadas as
sociedades têm recorrido às técnicas de Reprodução Humana Assistida, tendo surgido vários
problemas de índole ético-legal. Nesta pesquisa se identifica a infertilidade como problema de
saúde e se faz uma revisão dos principais procedimentos terapêuticos atuais, bem como dos
problemas surgidos ante as limitações normativas dos dispositivos jurídicos vigentes e a
ausência de legislação específica sobre o assunto. Em especial, neste trabalho, discute-se os
limites éticos e jurídicos da RA em seres humanos. Considerando certo, entretanto, que a
resposta ética necessária a elucidação de questão relativas à RA ainda não logrou a
profundidade, a amplitude e a riqueza que o tema em estudo requer. No âmbito jurídico, visto
sob o prisma da legislação positivada, a questão também não está definida a contento, embora
não se negue os inúmeros avanços da matéria tratada no âmbito constitucional interno, e no
âmbito de normas como as previstas na Lei de Biossegurança Nacional. Finalizando, coloca-se
como objetivo precípuo para a realização dessa monografia determinar como a reflexão sobre
os Direitos Humanos avigorará as ponderações éticas nas leis que irão reger a Reprodução
Assistida no Brasil. Para consecução de tal objetivo seguiu-se a linha teórica de Almeida
(2000); Araújo (2001); Berlinger (2004); Bobbio e Bovero (1986); Comparato (1999);
Herkenhoff (1999): Ommati (2006); Piovesan (1998) e Trindade (2000), entre outros
doutrinadores. Como conclusão mais importante, inferiu-se que o respeito aos Direitos
Humanos acarretará a edição de legislação que regule a Reprodução Humana Assistida
pautada na ética construída historicamente na sociedade brasileira.
Palavras-chave: Reprodução Assistida, questões éticas, implicações jurídicas.
7
ABSTRACT
RODRIGUES, Daniela Cristina Ribeiro. Human rights and the ethical slope of the Attended
Reproduction. 2006. n°. f. 85. Work of Conclusion of Course (Graduation). Study of Right.
Catholic University of Brasília. Taguatinga. 2006.
The infertility constitutes a problem that affects the couple; with the time, the conflict can
become worse, getting to constitute reason for separation, keeping the psychological and
social repercussions that a rupture of that nature carts. Before that, on those last decades the
societies have appellee to the techniques of Attended Human Reproduction, having appeared
several problems of ethical-legal nature. In this research he/she identifies the infertility as
problem of health and it is made a revision of the main current therapeutic procedures, as well
as of the problems appeared before the normative limitations of the effective juridical devices
and the absence of specific legislation on the subject. Especially, in this work, it is discussed
the ethical and juridical limits of the Reproduction Attended in human beings. Considering
certain, however, that the necessary ethical answer the relative subject elucidation to the
Reproduction Attended didn't still achieve the depth, the width and the wealth that the theme
in study requests. In the juridical extent, seen under the prism of the positive legislation, the
subject is not also defined satisfactorily, although he/she doesn't refuse the countless
progresses of the matter treated in the internal constitutional extent, and in the extent of norms
as foreseen them in the Law of Bio national security. Concluding, it is put as I aim at first for
the accomplishment of that monograph to determine as the reflection on the Human Rights
will increase the ethical considerations in the laws that will govern the Reproduction Attended
in Brazil. For attainment of such an objective Almeida's theoretical line was proceeded (2000);
Araújo (2001); Berlinger (2004); Bobbio and Bovero (1986); Comparato (1999); Herkenhoff
(1999); Ommati (2006); Piovesan (1998) and Trindade (2000), among other theoretical ones.
As more important conclusion was inferred that the respect to the Human Rights will cart the
legislation edition to regulate the Human Reproduction Attended ruled in the ethics built
historically in the Brazilian society.
Keywords: Attended reproduction, ethical subjects, juridical implications.
8
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANPOCS - Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais).
CEPs - Comitês de Ética em Pesquisa
CFM - Conselho Federal de Medicina
CIOMS
CNBS - Conselho Nacional de Biossegurança,
CONEP - Comitê Nacional de Ética em Pesquisa
CTNBio - Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
ESCA - Esterilidade Sem Causa Aparente
FIV – Fertilização in-vitro
NTRs - Novas Tecnologias Reprodutivas
OGM - organismo geneticamente modificado
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OMS – Organização Mundial da Saúde
ONU – Organização das Nações Unidas
RA – Reprodução Assistida
RHA - Reprodução Humana Assistida
SUS – Sistema Único de Saúde
UCB – Universidade Católica de Brasília
9
SUMÁRIO
INTRODUCAO.........................................................................................................................10
CAPÍTULO 1 – DIREITOS HUMANOS .................................................................................15
1.1 Denominação/ Definição .................................................................................................15
1.2 Evolução histórica ...........................................................................................................17
1.3 Direitos Humanos e a base principiológica do rdenamento jurídico brasileiro...............19
CAPÍTULO 2 - REPRODUÇÃO ASSISTIDA .......................................................................33
2.1 Tecnologias de Reprodução Medicamente Assistida ......................................................34
2.2 Como evoluíram as técnicas de RA.................................................................................35
2.3 As novas tecnologias empregadas na Reprodução Assistida ..........................................38
2.4 Limites terapêuticos e o respeito à pessoa humana .........................................................41
CAPÍTULO 3 - IMPLICAÇÕES ÉTICAS E JURÍDICAS DA REPRODUÇÃO ASSISTIDA
...................................................................................................................................................44
3.1 Considerações doutrinárias..............................................................................................48
3.2 Pressupostos legais que recaem sobre as práticas de Reprodução Assistida...................49
CAPÍTULO 4 - DIREITOS HUMANOS E A ÉTICA DISCUTIDA EM RELAÇÃO À
REPRODUÇÃO ASSISTIDA...................................................................................................53
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES .................................................................................59
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................64
ANEXO A – PORTARIAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE N°s 426/2005 e 388/ 2005 ........70
ANEXO B - RESOLUÇÃO Nº 196 DE 10 DE OUTUBRO DE 1996 DO CONSELHO
NACIONAL DE SAÚDE..........................................................................................................75
ANEXO C – PROJETOS DE LEI SOBRE REPRODUÇÃO ASSISTIDA .............................83
10
INTRODUCAO
Inicialmente, vale a explicação, de que o tema para esta pesquisa seria “A Reprodução
Assistida e as questões divergentes em relação ao ordenamento jurídico brasileiro”, no entanto
com o início do levantamento de dados teóricos percebeu-se a sua amplitude e houve
necessidade de delimitá-lo para “Direitos Humanos e a vertente ética da Reprodução
Assistida”, de forma que fosse enfocada a questão primordial que angustiava a pesquisadora,
questão essa que será oportunamente abordada.
Demarcados os limites do tema, é notório que nos dias atuais, com o avanço das
tecnologias que permitem a Reprodução Humana Assistida (RHA), não se pretende que a
sustentação legal, ofertada pelo Estado para casos em que se recorra a tais técnicas, seja
contrária aos avanços das ciências, muito menos seja conivente com práticas que possam
confrontar-se com os critérios éticos construídos pela sociedade brasileira em relação ao
respeito, sobretudo, à dignidade da pessoa humana.
Ante o exposto, restou claro que os efeitos provocados pelas técnicas de RHA
(Reprodução Humana Assistida) se produzem em várias áreas do conhecimento,
especialmente no campo da Ética e do Direito, ao qual cabe a tarefa de disciplinar essa
intervenção que repercute diretamente no vínculo da filiação.
Com relação à absorção das novas tecnologias reprodutivas, pela medicina brasileira, é
importante ressaltar a especificidade de sua lógica. Regra geral, as inovações tecnológicas na
área biomédica têm nos grandes hospitais públicos e universitários a porta de entrada no País.
A transferência do setor público para o privado depende, em larga medida, da
responsabilidade dos profissionais que trabalham nos dois setores e realizam a migração da
tecnologia. Mas, ao contrário da prática biomédica tradicional, as novas tecnologias
reprodutivas chegaram ao Brasil quase que exclusivamente pela medicina privada, setor no
qual, até hoje, encontram-se instaladas 99% das clínicas e hospitais que oferecem esse tipo de
serviço.
Hodiernamente,
observa-se
na
Reprodução
Humana
Assistida
(RHA)
ou,
simplesmente, Reprodução Assistida (RA), a condição de propiciar a um casal infértil o
advento de uma gestação e garantir para o individuo a condição das mais básicas da natureza,
qual seja, a reprodução.
11
Isso posto, entende-se de que forma o Direito tem papel significativo no trato com tal
problemática, sobretudo quando se vislumbra que aí existem movimentos em três fluxos: o
manuseio de células ou embriões como prática médica; o suporte ao casal infértil; e a
assistência necessária antes, durante e após a RHA, correntes essas que necessitam ser
abraçadas também pelas regulamentações jurídicas, para que a sociedade possa ter segurança
ao lidar com a RHA, respeitando o limitante da natureza, bem como reconhecendo que as
taxas de gestação são dados da espécie humana, encarados ambos como dados reais.
As polêmicas se avolumaram e o Direito necessita estabelecer bases lógicas tanto para
o posicionamento do legislativo, como para a fundamentação das construções jurisprudenciais,
pautado pela ética edificada até esse momento da história da humanidade.
Com essas colocações perfunctórias, vale ressaltar que essa investigação encontra
justificativa para a acadêmica porquanto será enriquecedora e permitirá que sejam alavancados
projetos pessoais a partir do conhecimento sobre quais são as implicações éticas no processo
de Reprodução Humana Assistida e como a introspecção relativa ao tema Direitos Humanos
dará novo vigor às considerações sobre Reprodução Humana Assistida.
A relevância do presente estudo reside no fato de que ele contribuirá para enriquecer a
discussão acerca da vertente ética da Reprodução Humana Assistida, sob o enfoque dos
Direitos Humanos, possibilitando a evolução do debate tanto no meio acadêmico como na
sociedade em geral, especialmente junto aos operadores do Direito.
Procurará a análise ora empreendida, portanto, tomando as construções teóricas sob os
aspectos doutrinários e jurisprudenciais, determinar como a reflexão sobre os Direitos
Humanos avigorará as ponderações éticas nas leis que irão reger a Reprodução Humana
Assistida.
Importa explicar que a proeminência do trabalho científico acerca desse assunto
estende-se, ainda, à verificação de como tem se processado a Reprodução Humana Assistida
no Brasil e quais as tendências jurídicas e éticas apontadas por estudiosos sobre o tema e por
formuladores de jurisprudência, levando-se em consideração os dispositivos legais e as teses
disponíveis em decisões proferidas até 2005.
Nesse sentido o Direito, aguilhoado pelo dinamismo das necessidades da sociedade,
precisa fazer valer as normas legais assim como a incidência dos valores humanos nas ações
humanas, pois o sentido de pertencer a uma comunidade gera o dever de participar em
12
conjunto com o Estado do planejamento de ações na busca de soluções para a promoção
conjunta do bem estar social.
Assim colocado, surge como problema de pesquisa a indagação: a reverência mais
aprofundada aos Direitos Humanos conduzirá à promoção de leis próprias que
enfatizem a vertente ética na Reprodução Assistida?
Convém ser salientado que como o primeiro sucesso da fertilização in-vitro, em seres
humanos, no Brasil, remonta a 1994, a análise em tela será desenvolvida em relação às teses
jurídicas sobre o tema adotado para o trabalho - “direitos humanos e a vertente ética da
reprodução assistida”, elaboradas por doutrinadores ou juristas, no período compreendido
entre 1994 e 2005, usando-se das contribuições do Direito Internacional no que for pertinente,
para alicerçar a tese a ser construída como conclusão do estudo. Para complementar,
considerando a tradição legalista brasileira, tem-se que a lei se constituiu em mecanismo
estatal efetivo de intervenção social, sendo campo próspero para o alargamento dos direitos
humanos e o desempenho da ética nos procedimentos que envolvam a Reprodução Humana
Assistida.
Procurando direcionar o estudo, foram estabelecidas como hipóteses dirigentes:
1. As limitações das democracias contemporâneas têm conduzido à
necessidade de se considerar o componente individual (inquietação interior, vontade de
construir) e o componente social (olhar crítico para a sociedade) em relação à Reprodução
Assistida;
2. A RA ou RHA e, sobretudo, o acesso a técnicas que a possibilitam,
dependem da adesão a uma certa maneira de viver, de pensar ou de crer, com forte cunho
ético;
3. A cognição introspectiva sobre os Direitos do Homem, enquanto pessoa,
conduzirá ao respeito ético necessário para o processamento da Reprodução Assistida,
nomeadamente no Brasil, quiçá no mundo.
Diante do problema mencionado, foi firmado como objetivo geral a pretensão do
estudo em determinar como a reflexão sobre os Direitos Humanos avigorará as ponderações
éticas nas leis que irão reger a Reprodução Assistida no Brasil.
13
Para materializar o objetivo proposto, fixou-se objetivos específicos seguindo o
propósito de alcançar-lhe a abrangência pretendida, sendo eles citados a seguir:
1. definir reprodução assistida;
2. conceituar Direitos Humanos;
3. conceituar os princípios constitucionais, dando especial destaque a dignidade da
pessoa humana, em consonância com os ideais democráticos vigentes;
4. determinar as implicações legais que recaem sobre as práticas de Reprodução
Assistida;
5. apontar o abarcamento ético a ser defendido pelo Direito no que concerne a
Reprodução Assistida.
Em conseqüência, é necessário explicitar que pesquisa é o processo formal e
sistemático de desenvolvimento do método científico, objetivando descobrir respostas para
problemas mediante o emprego de conhecimentos científicos, nas palavras de Gil (1999, p.
12). Esse autor (ibidem, p. 36) explica ser a pesquisa social o processo que, utilizando a
metodologia científica, torna possível a obtenção de novos conhecimentos no campo da
"realidade sócio-cultural", considerando os aspectos relativos do homem em seus múltiplos
relacionamentos com outros homens e instituições societárias.
A amplitude com a qual se deseja tratar o tema faz com que a pesquisa não possa se
concentrar em um só foco, precisando direcionar-se pelas várias feições apresentadas. De
início é importante conhecer o cenário nacional em que o fenômeno sob exame está
ocorrendo, daí a necessidade de adotar-se os pressupostos da pesquisa descritiva, bibliográfica
e documental.
Como o estudo ora proposto trata-se de uma pesquisa social, utilizou-se o método
positivista descritivo, ou seja, procedeu-se a “descrição das características de determinada
população ou fenômeno, tendo o objetivo de levantar opiniões, atitudes e crenças”, no caso a
Reprodução Assistida no Brasil, conforme a definição de Mattar (1996, p. 37).
Para esse autor a “pesquisa descritiva é uma investigação qualitativa, a qual tem a
característica de possuir objetivos bem definidos, procedimentos formais, ser bem estruturada
e dirigida para a solução de problemas ou para a indicação de alternativas de ação” (id.ibid).
14
É proveitoso destacar que a pesquisa descritiva “estuda as relações entre duas ou mais
variáveis de um fenômeno sem manipulá-las, tenta localizar situações ou condições existentes,
no seu habitat natural, avaliando o tipo da relação”, conforme os ensinamentos de Köche
(1978, p. 45).
Como técnica de pesquisa recorreu-se também à pesquisa bibliográfica, a qual na
dicção de Gil (1999, p.47) significa “a tentativa de explicar o problema a partir do material
publicado já existente, analisando as contribuições que já foram apresentadas pelos teóricos”.
Finalizando, é essencial colocar que a redação final foi organizada em capítulos,
nomeados conforme o domínio da abordagem neles versados: Capítulo 1 – Direitos Humanos;
Capítulo 2 – Reprodução Assistida; Capítulo 3 – Implicações éticas e jurídicas da Reprodução
Assistida; Capítulo 4 –Direitos Humanos e a ética discutida em relação à Reprodução
Assistida; partindo-se, em seguida, para as conclusões e recomendações autorizadas pelo
estudo realizado.
15
CAPÍTULO 1 – DIREITOS HUMANOS
1.1 Denominação/ Definição
Direitos humanos são aqueles que o homem possui pelo simples fato de existir, são
inerentes à pessoa e se proclamam sagrados, inalienáveis, imprescritíveis, fora do alcance de
qualquer poder político. Para alguns, são uma constante histórica, com nítida raiz no mundo
clássico; para outros são provenientes do cristianismo e da defesa que essa doutrina realizou
em relação à pessoa e à sua dignidade. Para os demais, são direitos surgidos na Idade
Moderna1.
Colocadas essas concepções, é importante deixar patente que, durante a consolidação
do Estado Moderno, se começou a falar em Direitos Humanos, decorrentes dos períodos de
conflitos coletivos. Tais direitos encorpam-se de substância mais adiante, em declarações de
direitos; permitindo a inclusão, no seu universo, dos direitos fundamentais garantidos pelos
Estados soberanos.
A teoria define de diferentes maneiras os direitos humanos. Assim, alguns autores2
assinalam que os direitos humanos:
[...] são o conjunto de faculdades que correspondem a todos os seres humanos como
conseqüência de uma dignidade inata, destinada a permitir-lhes atingir seus objetivos
e aspirações, em harmonia com os de outras pessoas e que devem ser reconhecidos e
amparados pelo ordenamento jurídico dos Estados.
Deduz-se da definição anterior que os direitos humanos são inerentes ao ser humano,
nascem com ele; sem que estes sejam concessão ou favor que o Estado outorga aos que vivem
em seu território.
Em conseqüência destas faculdades inerentes ao ser humano, autores como Perez
Pinzón3 sustentam: “os direitos humanos nascem e se desenvolvem com claro propósito:
proteger o homem dos abusos do Poder do Estado. Constituem, pois, um obstáculo, uma
barreira intransponível contra eventuais investidas do Poder”.
1
"Direitos humanos."Enciclopédia® Microsoft® Encarta 2001. © 1993-2000 Microsoft Corporation. Todos os
direitos reservados.
2
GOMES, Luiz Flávio; PIOVESAN, Flávia (Coords.). O sistema interamericano de proteção dos direitos
humanos e o direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 237
3
PINZÓN, Álvaro Orlando Pérez. Curso de Criminologia. Colômbia: Albernaz, 1993, p. 13.
16
Dessa maneira, é válido pensar em educar em Direitos Humanos; ao abordar o
processo metodológico dessa educação, recomenda-se que as “ações sejam planejadas e
executadas levando em consideração a direção do local ao internacional; do detalhe ao geral;
do fato ao princípio; do biográfico ao histórico”, como defende Frei Beto4.
Esse autor5 formula o entendimento:
[...] educação em direitos humanos deve humanizar, o que significa suscitar nos
educandos capacidade de reflexão crítica, bem como a aquisição do saber, o
acolhimento do próximo, a sensibilidade estética, a capacidade de encarar os
problemas da vida, o cultivo do humor etc.
Na perspectiva de Bobbio6 os Direitos Humanos nascem como direitos naturais
universais e desenvolvem-se como direitos positivos particulares.
Herkenhoff7 assim conceitua Direitos Humanos:
Por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente, entendidos aqueles
direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria
natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam
de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade
política tem o dever de consagrar e garantir.
Desses conceitos, como construção, pode-se afirmar, parafraseando Morais8, que
Direitos Humanos são aqueles direitos inerentes à pessoa humana, que visam resguardar a sua
integridade física e psicológica perante seus semelhantes e perante o Estado em geral. De
forma a limitar os poderes das autoridades, garantindo, assim, o bem estar social através da
igualdade, fraternidade e da proibição de qualquer espécie de discriminação.
Del Granado9 expõe com exatidão esse aspecto, quando sustenta que as ações de
indivíduos que vão contra esses valores jurídicos podem constituir erros, contravenções e, até,
mesmo delitos gravíssimos, mas tecnicamente não são violações aos direitos humanos, pois o
conteúdo doutrinário dos direitos humanos ressalta que unicamente as ações da autoridade, a
ação do Estado contra esses bens jurídicos, configuram violação aos direitos fundamentais.
4
BETO, Frei. Educação em Direitos Humanos. In: Direitos mais humanos. Rio de Janeiro. Garamound, 1998,
p.22.
5
Apud ALENCAR, Chico. Direitos mais humanos. Rio de Janeiro. Garamound, 1998, p. 27.
6
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, passim..
7
HERKENHOFF, João Baptista. Direito e Utopia. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 1999, p. 89.
8
MORAIS, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais. Coleção Temas Jurídicos – Vol. 3. São Paulo : Ed.
Atlas, 1998, passim.
9
DEL GRANADO, Juan. Análisis de la situación y perspectivas de los derechos humanos en Bolivia. Bolivia:
Ediprós, 1996, passim.
17
1.2 Evolução histórica
A história foi cautelosamente demonstrando que os direitos humanos não nasceram
todos ao mesmo tempo, tampouco são passíveis de deduzir seja da natureza humana ou de um
poder transcendental (vontade divina). Os direitos humanos se desenvolveram de acordo com
as circunstâncias históricas, fruto dos desafios que surgiram a partir da organização social e
política do homem.
Merece ressalva que a doutrina filosófico-jurídica que funda os direitos humanos é o
jusnaturalismo moderno, isto é, a teoria dos direitos naturais que rompe com a tradição do
direito natural antigo e medieval, sobretudo a partir do filósofo inglês Thomas Hobbes, no
século XVII10.
O jusnaturalismo teve seu período áureo entre os séculos XVII e XVIII, período de
ascensão da burguesia quando reivindicava uma maior liberdade de ação e de representação
política frente à nobreza e ao clero. Essa construção teórica constituiu-se numa justificativa
ideológica sólida aos movimentos revolucionários, os quais levariam à passagem do mundo
feudal para o mundo moderno.
A tradição liberal dos direitos do homem, dominante do século XVII até a metade do
século XIX, quando termina a era das revoluções burguesas, mostrava-se insuficiente para
resolver os novos problemas criados pelo capitalismo11. É nessa época que entra na cena
política o socialismo, que encontra suas raízes naqueles movimentos mais radicais da
Revolução Francesa, cujos objetivos prendiam-se não somente à realização da liberdade, mas
também da igualdade. Relacionado a esse período, Bobbio afirma que o direito de liberdade de
imprensa e de pensamento é um “direito monstruoso” deduzido da idéia de “igualdade e
liberdade humana” e comenta: “[...] não se pode imaginar nada de mais insensato que
estabelecer uma tal igualdade e uma tal liberdade entre nós”12.
Para Comparato13
10
BOBBIO, Norberto e BOVERO, Michelangelo. Sociedade e estado na filosofia política moderna, trad. Carlos
Nelson Coutinho, São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 31.
11
HOBSBAWN, Eric. A era das revoluções (1789-1848). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
12
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 130.
13
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. A afirmação histórica dos
direitos humanos, São Paulo, Saraiva 1999, pp. 163-164.
18
O reconhecimento dos direitos humanos de caráter econômico e social foi o principal
benefício que a humanidade recolheu do movimento socialista, iniciado na primeira
metade do século XIX.
Afirmou-se também a existência de novas espécies de direitos humanos: direitos dos
povos e direitos da humanidade.
A primeira fase de internacionalização dos Direitos Humanos teve inicio na segunda
metade do século XIX e findou com a Segunda Guerra Mundial, manifestando-se
basicamente em três setores: o direito humanitário, a luta contra a escravidão e a
regulação dos direitos do trabalhador assalariado.
Ainda no século XIX, no fim da Idade Moderna, Marx14 leva a humanidade a
compreender que o “homem fazia sua história, mas não em circunstâncias por ele próprio
escolhidas”.
Compete trazer à baila a fundação dos Direitos Humanos no Direito Internacional,
ocorrência datada da época da II Guerra Mundial, a partir da qual são elaborados inúmeros
documentos destinados a especificá-los, garantir sua proteção, ressaltar sua importância e a
necessidade de respeitá-los.
Desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão15 (1789), vários direitos
surgiram: o direito de liberdade, os direitos sociais e os direitos de solidariedade, tendo sido
pela primeira vez reunidos e aceitos, se não por toda humanidade, mas por uma parte
expressiva, a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem, assinada por 48 estados,
em 10/12/194816, na Assembléia Geral das Nações Unidas.
Com essa Declaração, obtém-se a positivação dos direitos humanos, pois foi a primeira
vez que um sistema de princípios fundamentais da conduta humana ficou livre e
expressivamente aceito pela maioria dos homens que viviam na Terra, através de seus
respectivos governos. O ser humano, então, passa a ser sujeito da história.
A propósito disso, Bobbio17 ilustra:
Somente depois da Declaração Universal é que podemos ter a certeza histórica de
que a humanidade – toda a humanidade – partilha alguns valores comuns; e
podemos, finalmente, crer na universalidade dos valores, no único sentido em que tal
14
A frase, célebre, é do texto O Dezoito Brumário de Louis Bonaparte. In: MCLELLAN, David. Karl Marx:
Selected Writing. Nova York: Oxford University Press, 1977, p. 300.
15
Passo para a universalização dos direitos humanos dado durante a Revolução Francesa, quando a Assembléia
Nacional declara os Direitos do Homem e do Cidadão, válida para todos os indivíduos. In: GUIMARÃES, Ylves
José de Miranda. Direito Natural − Visão Metafísica & Antropológica. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1991.
16
Tal Declaração estende a igualdade a todos os humanos, incluindo direitos nos campos econômicos, sociais e
culturais, como esclarece TRINDADE, José Damiano de Lima, Anotações sobre a história social dos direitos
humanos. In: Direitos Humanos. Construção da Liberdade e da Igualdade. São Paulo: Centro de Estudos da
Procuradoria Geral do Estado, 1998, pp. 23-163.
17
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 132.
19
crença é historicamente legítima, ou seja, no sentido em que o universal significa não
algo dado objetivamente, mas algo subjetivamente acolhido pelo universo dos
homens.
A contemporaneidade vai urdindo novas situações que demandam por novas opções
éticas e pela consignação de novos direitos. Não é possível se tratar de direitos humanos, ou
mesmo do Direito positivo, sem fazer referência às ideologias, valores, projetos históricos,
opções existenciais coletivas e pessoais. Também não é possível se entendermos direito, sem
se ter em mente que os direitos sempre são políticos, como normas de controle de poderes ou
pautas ainda não realizadas pelos poderes sociais ou, ainda, prenúncio de novos poderes.
Em conseqüência, diante da violência, da miséria, da discriminação e do preconceito
que assolam o Brasil, quiçá o planeta, não se poderia deixar de reconhecer e, sobretudo,
ressaltar a importância dos Direitos Humanos para toda a população mundial.
Feitas essas ponderações preliminares, importa dar relevo ao fato da Constituição
Federal de 1988 ter consagrado, definitivamente, os direitos fundamentais, mormente os
extrapatrimoniais, quando contemplou como princípio dirigente das relações interpessoais a
dignidade da pessoa humana. Predicado esse erguido, a um só tempo, a princípio
constitucional, assim como a fundamento da República, nos termos do artigo 1º, inciso III da
Carta Magna. Diante desse fato, serão tecidos comentários sobre o desenvolvimento que os
Direitos Humanos têm provocado no tecido jurídico-social pátrio.
1.3 Direitos Humanos e a base principiológica do ordenamento jurídico brasileiro
Os Direitos Humanos no Brasil são referenciados, historicamente, pelas Constituições
nacionais, conforme declara Piovesan18.
Conforme Almeida19, a Constituição Imperial de 1824, primeira constituição brasileira,
consagrou os Direitos Humanos e, apesar de autoritária, por concentrar uma grande soma de
poderes nas mãos do imperador, revelou-se liberal no reconhecimento de direitos. De acordo
com a Constituição Imperial Brasileira de 1824, a inviolabilidade dos direitos civis e políticos
18
PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Editora Max Limonad, 1998, passim.
ALMEIDA, Fernando Barcellos de. Teoria Geral dos Direitos Humanos. São Paulo: Sérgio Antônio Fabris
Editor, 2000.
19
20
baseavam-se na liberdade, na segurança individual e, como não poderia deixar de ser, na
propriedade.
A Constituição Política do Império do Brasil previa em seu Título VIII – Das
disposições gerais e garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros – extenso
rol de direitos humanos fundamentais. O art. 179 possuía 35 incisos, consagrando direitos e
garantias individuais, tais como: princípios da igualdade e legalidade, livre manifestação de
pensamento, impossibilidade de censura prévia, liberdade religiosa, liberdade de locomoção,
inviolabilidade de domicílio, possibilidade de prisão somente em flagrante delito ou por
ordem da autoridade competente, fiança, princípio do juízo natural, livre acesso aos cargos
públicos, abolição dos açoites, da tortura, da marca de ferro quente e todas as demais penas
cruéis, individualização da pena, respeito à dignidade do preso, direito de propriedade,
liberdade de profissão, direito de invenção, inviolabilidade das correspondências,
responsabilidades civil do Estado por ato dos funcionários públicos, direito de petição,
gratuidade do ensino público primário.
Morais20 expõe, que a Constituição Republicana, de 1891, instituiu o sufrágio direto
para a eleição dos deputados, senadores, presidente e vice-presidente da República, no entanto,
determinava, também, que os mendigos e os analfabetos, os religiosos não poderiam exercer
tais direitos políticos. Além disso, ela aboliu a exigência de renda como critério de exercício
dos direitos políticos.
A primeira Constituição Republicana ampliou os Direitos Humanos, além de manter os
direitos já consagrados pela Constituição Imperial. A Constituição de 1891, ao tratar das
reformas a ela própria, determinava que não podiam ser objeto de deliberação, no Congresso,
projetos tendentes a abolir a forma republicano-federativa ou a igualdade da representação dos
Estados no Senado (art. 90, 4º). Pode-se afirmar que a primeira Constituição Republicana
ampliou os Direitos Humanos, além de manter os direitos já consagrados pela Constituição
Imperial.
Esse mesmo autor21 relata que em 1926, com a reforma constitucional, procurou-se em
primeiro lugar remediar os abusos praticados pela União em razão das intervenções federais
nos Estados, no entanto, não atendeu de forma plena a exigência daqueles que entendiam que
20
MORAIS, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais. Coleção Temas Jurídicos – Vol. 3. São Paulo: Ed.
Atlas, 1998.
21
Id. Ibid..
21
a Constituição de 1891 não se mostrava adequada à real instauração de um regime republicano
no Brasil. Ainda segundo ele22, a Revolução de 1930 provocou um total desrespeito aos
Direitos Humanos; o Congresso Nacional e as Câmaras Municipais foram dissolvidos, a
magistratura perdeu suas garantias, suspenderam-se as franquias constitucionais e o habeas
corpus ficou restrito a réus ou acusados em processos de crimes comuns.
Para Portanova23, a Constituição de 1934 estabeleceu algumas franquias liberais:
determinou que a lei não poderia prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a
coisa julgada; vedou a pena de caráter perpétuo; proibiu a prisão por dívidas, multas ou custas;
criou a assistência judiciária para os necessitados; instituiu a obrigatoriedade de comunicação
imediata de qualquer prisão ou detenção ao juiz competente para que a relaxasse, se ilegal,
promovendo a responsabilidade da autoridade coatora, além de várias outras franquias
estabelecidas. Além dessas garantias individuais, a Constituição de 1934 inovou ao estatuir
normas de proteção social ao trabalhador, proibindo a diferença de salário para um mesmo
trabalho, em razão de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; proibindo o trabalho para
menores de 14 anos de idade, o trabalho noturno para os menores de 16 anos e o trabalho
insalubre para menores de 18 anos e para mulheres; determinando a estipulação de um salário
mínimo capaz de satisfazer às necessidades normais do trabalhador, o repouso semanal
remunerado e a limitação de trabalho a oito horas diárias que só poderão ser prorrogadas nos
casos legalmente previstos, além de inúmeras outras garantias sociais do trabalhador. A
Constituição de 1934 não se esqueceu também dos direitos culturais.
Tratava-se de uma constituição que tinha como objetivo primordial, o bem estar geral.
Ao instituir a Justiça Eleitoral e o voto secreto, essa constituição abriu os horizontes do
constitucionalismo brasileiro, como ensina Herkenhoff24, para os direitos econômicos, sociais
e culturais. Ela respeitou os Direitos Humanos e vigorou durante mais de três anos, até a
introdução do chamado Estado Novo, em 1937, que implantou o autoritarismo no Brasil.
No Estado Novo, foram criados os tribunais de exceção, competentes para julgar os
crimes contra a segurança do Estado. Nessa época, foi declarado estado de emergência no
país, ficaram suspensas quase todas as liberdades a que o ser humano tem direito, dentre elas,
22
MORAIS, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais. Coleção Temas Jurídicos – Vol. 3. São Paulo: Ed.
Atlas, 1998.
23
PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: RT, 2000, passim.
24
HERKENHOFF, João Baptista. Curso de Direitos Humanos – Gênese dos Direitos Humanos. Volume 1. São
Paulo : Ed. Acadêmica, 1994, p. 77.
22
a liberdade de ir e vir, o sigilo de correspondência (uma vez que as mesmas eram violadas e
censuradas) e de todos os outros meios de comunicação, sejam orais ou escritos, a liberdade de
reunião e etc. Os Direitos Humanos praticamente não existiram durante os, quase, oito anos
em que vigorou o Estado Novo.
Com a Constituição de 1946 o Brasil foi, como diz Morais25, "redemocratizado", já que
essa constituição restaurou os direitos e garantias individuais, sendo estes, até mesmo
ampliados, do mesmo modo que os direitos sociais. Foi proibido o trabalho noturno a menores
de 18 anos, estabeleceu-se o direito de greve, foi estipulado o salário mínimo capaz de atender
as necessidades do trabalhador e de sua família, dentre outros direitos previstos.
A Constituição de 1946, logo após a Segunda Grande Guerra, e posteriormente, as de
1967/1969, indicavam os direitos fundamentais no artigo 153, e não iam além de 33
parágrafos.
De acordo com Araújo e Nunes Júnior26, os direitos culturais também foram ampliados
em 1946, e essa Constituição vigorou até o surgimento da Constituição de 1967, no entanto
sofreu várias emendas e teve a vigência de inúmeros artigos suspensa por muitas vezes por
força dos Atos Institucionais de 1964: o AI-1 e o AI-2, no golpe, autodenominado "Revolução
de 31 de março de 1964". Apesar de tudo isso, pode-se afirmar que, durante os quase 18 anos
de duração, a Constituição de 1946 garantiu os Direitos Humanos.
Em consonância com esses doutrinadores27, a Constituição de 1967, porém, trouxe
inúmeros retrocessos, suprimindo a liberdade de publicação, tornando restrito o direito de
reunião, estabelecendo foro militar para os civis, mantendo todas as punições e arbitrariedades
decretadas pelos Atos Institucionais. Hipocritamente, a Constituição de 1967 determinava o
respeito à integridade física e moral do detento e do presidiário, no entanto na prática, tal
preceito não existia. No que diz respeito aos demais direitos, os retrocessos continuaram:
reduziu a idade mínima de permissão para o trabalho, para 12 anos; restringiu o direito de
greve; acabou com a proibição de diferença de salários, por motivos de idade e de
nacionalidade; restringiu a liberdade de opinião e de expressão; recuou no campo dos
chamados direitos sociais etc.
25
MORAIS, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais. Coleção Temas Jurídicos – Vol. 3. São Paulo: Ed.
Atlas, 1998, passim.
26
ARAÙJO, Luiz Alberto David e NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:
Saraiva, 2001.
27
Id. ibid.
23
Trindade28 comenta, que essa Constituição vigorou, formalmente, até 17 de outubro de
1969, com a vigência de nova Constituição, porém, na prática, a Constituição de 1967 vigorou
apenas até 13 de dezembro de 1968, quando foi baixado o mais terrível Ato Institucional (AI),
o que mais desrespeitou os Direitos Humanos no país, provocando a revolta e o medo de toda
a população, acarretando a ruína da Constituição de 1967, o AI-5.
Herkenhoff29 assevera que o AI-5 trouxe de volta todos os poderes discricionários do
Presidente, estabelecidos pelo AI-2, além de ampliar tais arbitrariedades, dando ao governo a
prerrogativa de confiscar bens, suspendendo, inclusive, o habeas corpus, nos casos de crimes
políticos contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.
Trindade30 depõe, que esse foi um longo período de arbitrariedades e corrupções. A tortura e
os assassinatos políticos foram praticados de forma bárbara, com a garantia do silêncio da
imprensa, que se encontrava praticamente amordaçada e as determinações e "proteções legais"
do AI-5. Tanto foi assim, que a Constituição de 1969 somente começou a vigorar, com a
queda do AI-5, em 1978 e nela notou-se flagrante retrocesso, pois em seu texto foram
incorporadas as medidas autoritárias dos Atos Institucionais, os quais desrespeitavam
sobremaneira os Direitos Humanos.
Quadra lembrar que a anistia conquistada em 1979 não aconteceu da forma que era
esperada, já que anistiou, em nome do regime, até mesmo os criminosos e torturadores. No
entanto, representou uma grande conquista do povo.
Para Herkenhoff31 e inúmeros brasileiros, a luta pela anistia representou "uma das
páginas de maior grandeza moral escrita na História contemporânea do Brasil", juntamente
com a convocação e o funcionamento da Constituinte.
Com a Constituição de 1988, houve a "redefinição do Estado brasileiro", bem como de
seus direitos fundamentais. Ao ler os dispositivos constitucionais, pode-se deduzir o quanto foi
acentuada a preocupação do legislador em garantir a dignidade, o respeito e o bem-estar da
pessoa humana, de modo a se alcançar a paz e a justiça social.
28
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos e o Brasil (1948 1997): as primeiras cinco décadas. Brasília: Editora Unb, 2000.
29
HERKENHOFF, João Baptista. Curso de Direitos Humanos – Gênese dos Direitos Humanos. Volume 1. São
Paulo : Ed. Acadêmica, 1994, p. 86.
30
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos e o Brasil (1948 1997): as primeiras cinco décadas. Brasília: Editora Unb, 2000.
31
HERKENHOFF, João Baptista. Curso de Direitos Humanos – Gênese dos Direitos Humanos. Volume 1. São
Paulo : Ed. Acadêmica, 1994, p. 88.
24
Piovesan32 corrobora:
[...] A ordem constitucional de 1988 apresenta um duplo valor simbólico: é ela o
marco jurídico da transição democrática, bem como da institucionalização dos
direitos humanos no país. A Carta de 1988 representa a ruptura jurídica com o
regime militar autoritário que perpetuou no Brasil de 1964 a 1985.
Portanto, a Constituição de 1988 veio para proteger, talvez tardiamente, os direitos do
homem. Tardiamente, porque isso poderia ter se efetivado na Constituição de 1946, que foi
uma bela Constituição, mas que logo em seguida foi derrubada com a ditadura da Era Vargas.
Por ser a pioneira a explicitar a proteção aos direitos humanos, a Carta Magna Vigente foi
considerada por Ulisses Guimarães como a "Constituição cidadã", numa referência denotativa
ao modo como significativas parcelas da sociedade brasileira participaram da elaboração
daquele texto legal; e também fazendo alusão ao fato de que ela tomou o homem como
referencial, deixando patente que ele tem uma dignidade, dignidade esta que precisa ser
resgatada a qualquer custo, em todos os estamentos sociais e que se expressa, politicamente,
como cidadania.
Convém dispor que, de acordo com Comparato33, a expressão da dignidade da pessoa
humana vem tratada na Constituição de 1988 já no preâmbulo, quando este fala da
inviolabilidade à liberdade, depois, no artigo primeiro, com os fundamentos, ainda no inciso
terceiro quando é explicitada como princípio basilar do Estado Democrático de Direito - a
dignidade da pessoa humana e, mais adiante, no artigo quinto, quando estão colocadas as
inviolabilidades do direito à vida, à liberdade, à segurança e à igualdade, subconjuntos do
conjunto mais abrangente dos Direitos Humanos.
Portanto, os Direitos Humanos são um todo, formam um conjunto indivisível, visto que
dependem entre si para sua realização empírica. Assim sendo, tais distinções assumem caráter
meramente explicativo, para que se esclareçam as peculiaridades de cada grupo que compõe a
unidade.
Essa dignidade que foi elevada a status de norma constitucional significa que o homem
não pode ser tratado como um animal qualquer, pois ele tem a sua individualidade, tem uma
essência que é própria. Cada indivíduo é totalmente diferente de outro e o que nos identifica é
32
PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Editora Max Limonad, 1998, p. 44.
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 1999, pp.
160-178.
33
25
essa essência de ser pessoa. A única coisa capaz de garantir a dignidade da pessoa humana, é a
justiça.
Em relação a esse ponto específico, Chaim Perelman34 declara:
Com efeito, se é o respeito pela dignidade humana a condição para uma concepção
jurídica dos direitos humanos, se se trata de garantir esse respeito de modo que se
ultrapasse o campo do que é efetivamente protegido, cumpre admitir, como
corolário, a existência de um sistema de direito com poder de coação. Nesse sistema,
o respeito pelos direitos humanos imporá a um só tempo, a cada ser humano – tanto
no que concerne a si próprio quanto no que concerne aos outros homens – e ao poder
incumbido de proteger tais direitos a obrigação de respeitar a dignidade da pessoa.
Com efeito, corre-se o risco se não se impuser esse respeito ao próprio poder, de este,
a pretexto de proteger os direitos humanos, tornar-se tirânico e arbitrário. Para evitar
esse arbítrio, é, portanto, indispensável limitar os poderes de toda a autoridade
incumbida de proteger o respeito pela dignidade das pessoas, o que supõe um Estado
de direito e a independência do judiciário.
Na lição de Sarlet35: “a dignidade é um valor supremo. O homem é digno, pelo simples
fato de ser racional, o que o diferencia dos outros animais. A dignidade é, portanto, um valor
fundamental”.
Trindade36 explica que os propósitos dessa organização estatal são traduzidos na figura
de se “conseguir uma cooperação internacional para promover e estimular o respeito aos
direitos humanos e as liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua
ou religião”.
Em complemento, a Constituição da República, de 1988, ainda faz referência aos
direitos humanos, além do preâmbulo, nos artigos: 13, inciso b; 55, c; 56; 62 e 76, c.
Portanto, no Brasil, os preceitos constitucionais historicamente solidificados dão plena
acolhida aos Direitos Humanos.
É importante acrescer que a universalidade dos direitos humanos resultou fortalecida
da I Conferência Mundial de 1968 sobre a matéria, tendo sido, 25 anos depois, reafirmada na
II Conferência Mundial. De acordo com Trindade37, nesse meio tempo o Brasil relutava, por
embates político-ideológicos, em tornar-se signatário da Convenção Americana, do Pacto de
34
Chaim Perelman, apud NUNES, Rizzato. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana
doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 53.
35
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2001.
36
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos e o Brasil (1948 1997): as primeiras cinco décadas. Brasília: Editora Unb, 2000, p. 68.
37 37
Ibidem, p. 78
26
Direitos Civis e Políticos e do Pacto dos Direitos, Econômicos, Sociais e Culturais, além do
Protocolo Facultativo, tendo aderido a esses instrumentos em 25/09/1992 e 24/01/1992, ao
fazê-lo o governo ainda deixou em aberto o alcance das competências dos órgãos
convencionais de supervisão da Convenção Americana e do Protocolo de Direitos Civis e
Políticos, em particular, a Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Comitê de Direitos
Humanos das Nações Unidas.
Além da Carta Internacional de Direitos Humanos, o Brasil é signatário, na
consolidação de Trindade38, dentre outros:
a) da Convenção das Nações Unidas contra o apartheid (1973 e 1985);
b) da Convenção 87 da OIT sobre a liberdade sindical;
c) do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre os Direitos Humanos em
matéria de direitos econômicos, sociais e culturais;
d) de 14 Convenções sobre eliminação de todas as formas de discriminação racial;
e) dos dois Protocolos (1988 e 1990 - referente a pena de morte) à Convenção
Americana de Direitos Humanos – Protocolo de San Salvador, tendo denunciado à Convenção
158 da OIT.
Nesse ponto, é essencial que se deixe claro que os Direitos Humanos se baseiam na
exigência ética de se respeitar a dignidade do homem como pessoa moral. O direito à
salvaguarda da dignidade, o direito ao respeito da pessoa humana, o direito à intimidade são os
direitos mais agredidos na maior parte das sociedades do mundo, não ficando de fora o Brasil.
Procurar esmiuçar o conteúdo material e formal dessa gama de direitos ajudará na construção
de um Estado em que os direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça deixem de ser utopia e passem a ser realidade.
No contexto do Estado Democrático de Direito, fórmula política adotada na mais
recente Constituição da República, em sintonia com o modo de pensamento jurídico
contemporâneo, as normas de direito privado não são de se considerar um esteio de interesses
individuais como um fim em si mesmo justificado, mas devem antes promover o ordenamento
38
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos e o Brasil (1948 1997): as primeiras cinco décadas. Brasília: Editora Unb, 2000, passim.
27
funcional desses interesses com aqueles outros, quer de natureza coletiva, social ou "difusa",
quer de natureza propriamente geral, pública39.
Esse ordenamento funcional jurídico brasileiro, entretanto, permeado por repetições e
lacunas, valora, sobremaneira os princípios que o constituem, sendo que esses princípios
devem ser analisados sob o contexto da organização federativa.
Para Gonçalves40:
Os princípios são detentores de tanta relevância que não seria nada imprudente dizer
que só pode ser reputado como ramo do Direito aquele que têm no seu epicentro
princípios próprios. Os princípios, embora, por vezes, aparentemente discordantes na
resolução do caso concreto, são teoricamente harmônicos e conseguir conferir
coerência e uniformidade ao Direito.
Muitas vezes confundidos com nuances estritamente éticas ou morais, em verdade os
princípios padeceram por muito tempo de ausência de efetividade. A doutrina principiológica
muitas vezes ficou limitada a considerações abstratas, simbólicas, bonitas em apresentações
retóricas, contudo desertas de eficácia. Paulatinamente, os princípios deixaram de ser apenas
ideais etéreos e inatingíveis na sistemática jurídica, obtendo força normativa a partir do
momento em que passaram a fazer parte do topo da pirâmide jurídica, uma vez que foram
expressamente incorporados nas Cartas Constitucionais.
Os princípios são o núcleo de todo o ordenamento constitucional e condicionam sua
interpretação de acordo com os fatores apresentados como mais eqüitativos, que conciliem os
fins do Estado com os meios pelos quais este agente busca atingir suas metas
constitucionalmente elencadas. Percebe-se claramente que o sentido de conjunto e unidade é
indispensável para a exclusão dos véus que ocultam o sentido do texto constitucional.
Pelos ensinamentos de Carraza41, princípio jurídico pode ser enunciado da seguinte
forma:
[...] princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua
grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do direito
e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das
normas jurídicas que com ele se conectam.
39
ZENAIDE Maria de Nazaré Tavares. Construção conceitual dos Direitos Humanos. In: ZENAIDE, M. N. T e
LEMOS, L. L. (orgs), Formação em Direitos Humanos na Universidade João Pessoa: Editora
Universitária/UFPB, 2001, pp. 41-49.
40
GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo curso de direito processual civil. Vol. 01. São Paulo: Saraiva,
2004. p. 25
41
CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito Constitucional tributário. 11 ed. rev. atua. amp. São Paulo:
Malheiros Editores, 1998, p.30.
28
Delimitando de forma clara o conceito de princípio, Mello42 expôs:
Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce
dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhe o
espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente
por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a
tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a
intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome
sistema jurídico positivo. [...].
Sobre princípio, vale fazer referência a Larenz43, quando afirma que:
[...] Os princípios jurídicos são os pensamentos diretivos de uma regulação jurídica
existente ou possível; não são, em si mesmos, suscetíveis de aplicação, como se
fossem regras, ainda que possam transformar-se em regras.Quando remetem a um
conteúdo intelectivo que conduz a uma regulação, são princípios "materiais", embora
careçam ainda do caráter formal de proposição jurídica, expresso na conexão de uma
hipótese (tatbestand) e uma estatuição (Rechtsfolge). Os princípios apenas indicam a
direção na qual está situada a regra que cumpre encontrar.
Para conceituar sistema jurídico, adota-se o entendimento de Freitas44 de que:
[...] o sistema jurídico é uma rede axiológica e hierarquizada de princípios gerais e
tópicos, de normas e de valores jurídicos cuja função é a de, evitando ou superando
antinomias, dar cumprimento aos princípios e objetivos fundamentais do Estado
Democrático de Direito, assim como se encontram consubstanciados, expressa ou
implicitamente na Constituição.
Além disso, os princípios podem ser observados como regulatórios da criação de
normas legislativas e, em sentido amplo, do processo geral de criação do direito positivo. Tais
princípios não precisariam estar explicitados no texto constitucional, mas devem se apresentar
como ponderação moral do ordenamento jurídico, em termos de se configurar em requisitos de
eticidade básica, relacionados à legitimação sócio-política da Constituição.
Os princípios constitucionais, portanto, demandam análise direcionada à legitimidade
de regras, ou normas jurídicas. Esses princípios não se identificam apenas com um único caso
concreto, mas com uma percepção mais genérica do ordenamento jurídico45.
42
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo.São Paulo: Malheiros Editores, 1996,
p.545.
43
LARENZ,Karl. Metodologia de la Ciência Del derecho. Marcelo Rodriguez (Trad.). Barcelona: Ariel,1980
Apud GRAU, Eros Roberto. A ordem Econômica na Constituição de 1988.Interpretação e crítica.
4ªEd.ver.atua.São Paulo:Malheiros Editores Ltda, 1998, pp.89-90.
44
FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. São Paulo: Malheiros Editores,1998, p.50.
45
Cf. ARAÚJO, Luiz Alberto Davi e NUNES JÚNIOR, Vidal Serra. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:
Saraiva, 1998, p. 51.
29
Importa acrescentar que a Constituição Federal de 1988 revelou expressamente os
princípios constitucionais da República: a perpetuidade do pacto federativo; a concepção de
Estado democrático de Direito; o princípio republicano da soberania popular; a postulação da
dignidade da pessoa humana; a defesa da livre-iniciativa; e o princípio do pluralismo político.
Contudo, a manifestação expressa de princípios já era definida pela Declaração Universal dos
Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, a qual buscava resguardar, com veemência, a
defesa dos direitos humanos; fato que marcou; por sua significação e abrangência, a
conformação textual da Constituição Cidadã em busca da segurança nas relações sociais.
Quem explicita com maestria a dimensão ontológica da segurança nas relações sociais
é Couture46 :
Em sendo indissociável da ordem jurídica a garantia da coisa julgada, a corrente
doutrinária tradicional sempre ensinou que se tratava de um instituto de direito
natural, imposto pela essência mesma do direito e sem o qual este seria ilusório; sem
ele a incerteza reinaria nas relações sociais e o caos e a desordem seriam o habitual
nos fenômenos jurídicos.
Um dos temas mais fascinantes do Direito Público, neste século, é o crescimento da
importância da segurança jurídica, que se liga visceralmente à moderna exigência de maior
estabilidade das situações jurídicas, aí incluídas aquelas, ainda que na origem, apresentem
vícios de ilegalidade. Para o jurista a segurança jurídica é geralmente caracterizada como uma
das vigas mestras do Estado de Direito. É ela, ao lado da legalidade, um dos subprincípios
integradores do próprio conceito de Estado de Direito.
Convém sublinhar que o princípio da segurança jurídica possui conexão direta com os
direitos fundamentais e ligação com determinados princípios que dão funcionalidade ao
ordenamento jurídico, no sentido da dinamicidade do Direito, levando-se em consideração o
acompanhamento do desenvolvimento social, onde se estabelece uma relação de
impossibilidade de serem positivadas, no trato das normas escritas, todas as situações e
necessidades, sem que isso represente menosprezo à força normativa dos preceitos.
Rocha47 ensina que a segurança jurídica:
É o direito da pessoa à estabilidade em suas relações jurídicas. Este direito articula-se
com a garantia da tranquilidade jurídica que as pessoas querem ter, com a sua certeza
46
COUTURE, Eduardo. Fundamentos del Derecho Processal Civil. Buenos Aires: Depalma, 1974, nº 263,
p.405, apud NICOLAU JUNIOR, Mauro. Segurança jurídica e certeza do direito: realidade ou utopia num Estado
Democrático de Direito? Disponível em: http:// www.jurid.com.br. Acesso em: 10/03/2006, p.21.
47
ROCHA, Carmem Lúcia. Segurança Jurídica e Justiça Constitucional . In: Revista da faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa. Volume XLI . n°02. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 17.
30
de que as relações jurídicas não podem ser alteradas numa imprevisibilidade que as
deixe instáveis e inseguras quanto ao seu futuro, quanto ao seu presente a até mesmo
quanto ao seu passado.
O direito à segurança espraia-se num conjunto de outros direitos e garantias que se
acoplam e se moldam no sistema constitucional e infraconstitucional, compondo um
ordenamento que deixa todos e cada um certos de seus direitos e da eficácia que eles
produzem.
Em nome da segurança jurídica, consolidaram-se institutos, e veio a certeza de que tal
segurança é o mínimo de previsibilidade necessária que o estado de Direito deve oferecer a
todo cidadão, a respeito de quais são as normas de convivência que ele deve observar e com
base nas quais pode travar relações jurídicas válidas e eficazes.
Dentre os princípios garantidores do Estado Democrático de Direito que
necessariamente informam a conduta estatal, o princípio da segurança jurídica ocupa lugar
destacado como consectário da dignidade da pessoa humana e da secular necessidade de
estabilidade nas relações sociais.
Em aditamento, destaca-se que além de estabelecer segurança, o Direito tem um papel
social a cumprir, e o juiz deve dele participar, interpretando as leis não somente segundo seu
texto e suas palavras, mas consoante as necessidades sociais que é chamado a reger, segundo
as exigências da justiça e da eqüidade que constituem seu fim.
E, na ausência da lei, é mister que o juiz invoque os princípios constitucionais, cujo
valor se encontra em sua universalidade e racionalidade e depende principalmente de uma
condição ética, que prestigie o ser humano, seus direitos fundamentais, principalmente o
direito à dignidade humana, erigido à categoria de princípio pelo próprio texto da CF/1988.
Andrade48, nesse foco, faz menção valiosa:
[...] o princípio da dignidade da pessoa humana radica base de todos os direitos
fundamentais constitucionalmente consagrados. No entanto, o grau de vinculação dos
diversos direitos àquele princípio poderá ser diferenciado, de tal sorte que existem
direitos que constituem explicitações em primeiro grau da idéia de dignidade e outros
que deste são decorrentes.
Convém ainda expor o posicionamento de Sarlet49:
[...] se, por um lado, consideramos que há como discutir – especialmente na nossa
ordem constitucional positiva – a afirmação de que todos os direitos e garantias
fundamentais encontram seu fundamento direto, imediato e igual na dignidade da
48
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976 Coimbra :
Almedina, 1987, p. 84/85.
49
SARLET, Ingo Wolfgang Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 81.
31
pessoa humana, do qual seriam concretizações, constata-se, de outra parte, que os
direitos e garantias fundamentais podem, com efeito, ainda que de modo e
intensidade variáveis, serem reconduzidos de alguma forma à noção de dignidade da
pessoa humana, já que todos remontam à idéia de proteção e desenvolvimento das
pessoas, de todas as pessoas.
Do exposto, infere-se que o sistema jurídico constitucional configura-se não só
meramente prescritivo de regras, em que se pretenda exaurir a regulação das condutas
humanas, se assim fosse seria desfalcado da necessária flexibilidade para buscar um melhor
balanceamento dos valores e interesses presentes em uma sociedade eminentemente pluralista;
ele também é principiológico, ou seja, parte de conceitos jurídicos valorativos, por vezes
indeterminados.
Como conseqüência, é preciso ressalvar que não importa que os princípios sejam
expressos, pois é tendência do fenômeno jurídico trabalhar, deduzindo do próprio sistema
como um todo, com princípios implícitos, normalmente supra-ordenadores o que, tem sido
trabalhado em nome de um princípio especial chamado de unidade da Constituição, através do
qual cada norma constitucional é considerada como um preceito integrado num sistema único
de princípios e normas, harmônico e sincronizado.
Segundo Bastos50:
Formando a Constituição um sistema, a significação de uma norma não é dada
apenas pela sua interpretação, com desprezo de toda a Constituição. Em tese, todas
as normas constitucionais podem influenciar outras normas constitucionais. E essa
influência é mais acentuada quando é exercida a partir dos princípios sobre meras
regras. Nunca será demais encarecer a particularidade que apresenta o Direito
Constitucional de repousar grande parte em princípios, que são a fonte última da
significação constitucional e, conseqüentemente, de suas regras, e que tanta atividade
demandam do intérprete, visto que são fracos de significação pelo caráter abstrato de
que se revestem. [...] O Direito evolui também por este caminho, pelo confronto com
a realidade. Ele não se aplica a coisas mortas, mas a processos, em maior ou menor
ritmo, em mutação. E deste entrechoque do fato com a norma, esta também resulta
gradativamente alterada, e isto absolutamente desligado de qualquer necessidade de
apelos ideológicos. O Texto Constitucional tem compromisso com valores, mas não
com a escamoteação da verdade. Tudo que for feito para aclarar seus conteúdos
estará no bom caminho da interpretação constitucional. Quem dela quiser se utilizar
para seguir caminhos pessoais, estará certamente fazendo qualquer outra coisa,
menos interpretação constitucional.
Por fim, fica fácil entender que a norma jurídica do direito evoluído caracteriza-se
justamente pela generalidade. Não tendo por objeto situações concretas, tem como escopo
estabelecer um padrão de conduta social, um tipo de relação jurídica que poderá ocorrer, não
50
BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional.São Paulo, Celso Bastos Editora, 3ª
edição, 2002, p. 300.
32
endereçado a ninguém em particular. A conseqüência desta generalidade é a flexibilidade da
norma, assim a ordem jurídica poderá se transformar pela interpretação sem a constante
interferência do legislador.
Então, como preleciona Maximiliano51:
A letra da lei permanece, apenas o sentido se adapta às mudanças que a evolução
opera na vida social – surgem novas idéias, aplicam-se os mesmos princípios a
condições sociais diferentes. O intérprete melhora o texto legal sem lhe alterar a
forma; a fim de adaptar aos fatos a regra antiga, ele a subordina às imprevistas
necessidades presentes, embora chegue a postergar o pensamento do elaborador
prestigioso; deduz corretamente e aplica inovadores conceitos que o legislador não
quis, não poderia ter querido exprimir.
Diante do até aqui exposto, traçou-se um perfil dos princípios basilares que se
constituem no arcabouço do constitucionalismo brasileiro e do ordenamento jurídico como um
todo subordinado aos ditames da Constituição vigorante.
51
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 39.
33
CAPÍTULO 2 - REPRODUÇÃO ASSISTIDA
Não é intenção aqui discutir a questão da Reprodução Assistida tal como ela se
apresenta no senso comum da apreensão quotidiana, nem dar razão a um delírio humano que
chega às raias do exagero, mas, ao contrário, trazer uma contribuição para o entendimento
jurídico de conceitos importantes abarcados pela bioética nessa área.
É imperioso se explicar o que seja reprodução, termo que para Dinis52
É o processo através do qual procriam os organismos ou células de origem animal e
vegetal. É uma das funções essenciais dos organismos vivos, tão necessária para a
preservação das espécies quanto é a alimentação para a conservação de cada
indivíduo.
Os distúrbios da função reprodutora constituem um problema de saúde, devendo o
Estado assumir a responsabilidade quanto ao acesso das pessoas aos tratamentos para a
esterilidade e o recurso à Reprodução Assistida (RA), respeitando-se o princípio da liberdade e
o direito à privacidade, e, concomitantemente, garantindo à criança nascida através de tais
técnicas a proteção integral assegurada pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança
e do Adolescente da ONU53, pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei 8.789/1990).
A infertilidade é um problema vivido por 8% a 15% dos casais, o que corresponde,
segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), há cerca de 60-80 milhões de casais
inférteis no mundo54. No Brasil, estima-se que mais de 278 mil casais tenham dificuldade para
gerar um filho em algum momento de sua idade fértil55.
Consoante Olmos56, “as causas da infertilidade são diversas, como defeitos nos
espermatozóides, alterações da ovulação, doença tubária ou causa desconhecida, classificada
52
DINIS, Joaquim José de Sousa. Filiação Resultante da Fecundação Artificial Humana. Trabalho apresentado
nas Primeiras Jornadas Judiciais Luso-Brasileira, Lisboa, Outubro de 1991.
53
ONU. A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos a Criança, de 20 de novembro de 1989 foi ratificada
pelo Brasil e incorporada ao ordenamento jurídico interno pelo Decreto 99.710 de 1999. Informação disponível
em: < http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/c_a/lex43.htm>. Acesso em: 02.09.2006.
54
OMS. Infecções, gravidezes e infertilidade: perspectivas em prevenção. In: Fertilidade e esterilidade.
Disponível em: <http://www.who.int/en/>. Acesso em: 02/09/2006.
55
REPRODUÇÃO
HUMANA
ASSISTIDA.
Disponível
em:
<http://portal.saude.gov.br/portal/sas/mac/area.cfm?id_area=832>. Acesso em: 20/08/2006.
56
OLMOS, Paulo Eduardo. Quando a cegonha não vem: os recursos da medicina moderna para vencer a
infertilidade. São Paulo: Carrenho Editorial, 2003, p. 14.
34
como ESCA (esterilidade sem causa aparente)”. Esse autor57 pondera que a ciência
proporcionou ao homem o conhecimento de várias etapas do fenômeno reprodutivo, nas quais
pode intervir, seja para bloquear o seu desenvolvimento, a anticoncepção, seja para criar
condições favoráveis à sua consecução, a chamada reprodução assistida.
As técnicas de Reprodução Assistida (RA) são aquelas “que importam na implantação
artificial de gametas, ou embriões humanos, no aparelho reprodutor de mulheres receptoras,
orientadas pela finalidade de facilitar a procriação”58.
Em realidade, todas as práticas técnicas e biológicas que permitam a reprodução
interferindo no processo natural, seja através da inseminação artificial, seja através da
concepção in vitro, ou pela transferência embrionária, são consideradas "reprodução assistida".
De igual forma, aquelas que consistem somente no acompanhamento médico e na eventual
administração de medicamentos que facilitem o processo natural de reprodução.
Segundo os princípios médicos, o melhor termo a ser utilizado seria “interferência”59,
para deixar claro que não se trata de métodos puramente artificiais, porque mesmo quando as
técnicas consistem no manuseio de gametas, elas não deixam de ser naturais, apenas não
ocorre o intercurso sexual.
2.1 Tecnologias de Reprodução Medicamente Assistida
As tecnologias de reprodução medicamente assistida inserem-se no contexto mais
amplo dos cuidados relativos à infertilidade. Segundo a Organização Mundial de Saúde
(OMS), “infertilidade é a ausência de concepção depois de pelo menos dois anos de relações
sexuais não protegidas”60. Os fatores de infertilidade podem ser absolutos ou relativos, dando
origem, respectivamente, à esterilidade ou à hipofertilidade.
A primeira causa de problemas com a capacidade de reproduzir “deriva de situações
irreversíveis em que a concepção só será possível por meio de técnicas de reprodução
57
OLMOS, Paulo Eduardo. Quando a cegonha não vem: os recursos da medicina moderna para vencer a
infertilidade. São Paulo: Carrenho Editorial, 2003, passim
58
Ibidem, p. 29.
59
Ainda segundo a visão de Olmos. Op. cit. p. 34.
60
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Disponível em: < http://www.who.int/en/>. Acesso em:
18.08.2006.
35
medicamente assistida”61. Nas situações de hipofertilidade, como infertilidades de causa
inexplicada, a concepção poderá ser conseguida, em alguns casos, por terapêuticas
tradicionais. As técnicas de reprodução medicamente assistida, também denominadas de
técnicas de inseminação artificial, classificam-se, como esclarece Ommati62, em dois grandes
gêneros: inseminação artificial homóloga ou simplesmente inseminação homóloga e
inseminação heteróloga. Diz-se que uma inseminação é homóloga quando realizada com o
sêmen do próprio marido, e heteróloga, quando feita em mulher casada com sêmen originário
de terceira pessoa ou, ainda, quando a mulher não é casada. Recorre-se à inseminação
heteróloga quando a esterilidade é indiscutível.
Cabe informar que diversas são as causas de esterilidade masculina, mas “as razões
mais freqüentes continuam sendo a ausência completa de espermatozóides (azoospermia), ou
quando a produção de espermatozóides é alterada (azoospermia secretória)”63.
Como técnicas principais disponíveis se pode destacar da composição de Reis64:
[...] a inseminação artificial (IA), transferência intratubária de gametas (GIFT),
transferência intratubária de zigotos (ZIFT), fertilização in vitro seguida de
transferência de embriões (FIV). Pode-se, ainda, recorrer a pessoas que carreguem o
embrião, caso de impossibilidade física da mulher, situação que ficou vulgarmente
conhecida como "mães de aluguel", mas que preferimos denominar "mães de
substituição.
Importante ressaltar que quaisquer dessas técnicas podem ser utilizadas ora de forma
homóloga, ora de forma heteróloga. O que vai definir como homólogo ou heterólogo será a
proveniência do material biológico utilizado.
2.2 Como evoluíram as técnicas de RA
A evolução da fertilização in-vitro está relacionada ao progresso tecnológico ao
desenvolvimento do conhecimento endocrinológico, associado a melhor qualidade das
61
CORRÊA M. V. As novas tecnologias reprodutivas: uma revolução a ser assimilada. In: Physis Revista de
Saúde Coletiva vol 7 nº 1, 1997, p. 73.
62
OMMATI, José Emílio Medauar. As novas técnicas de reprodução humana à luz dos princípios
constitucionais. Disponível em::<http://www1.jus.com.br> Acesso em: 06/02/2006.
63
CORRÊA M. V. As novas tecnologias reprodutivas: uma revolução a ser assimilada. In: Physis Revista de
Saúde Coletiva vol 7 nº 1, p. 73, 1997, p. 75.
64
REIS, A. R. Gomes. A fertilização in-vitro no Brasil - A história contada, as estórias, fotocópia. Brasília
Senado Federal, 1985.
36
induções e à perspectiva de um adequado crescimento folicular sem impactos negativos para
mulher e para a sociedade.
O marco evolucionário deu-se em 1978, com o nascimento do primeiro ser humano
através de fertilização extracorpórea, como relatado por Brinsden65. A probabilidade de
sucesso naquela época era de 5%. Hoje, há clínicas no Brasil e no mundo que oferecem 50%
de chance para o casal sem filho numa primeira tentativa.
As técnicas foram ampliadas e modernizadas assim como as conseqüências e
discussões que elas provocam. Reconheceu-se a possibilidade de cultivo de oócito (células
produzidas pelos ovários e que se transformarão em ovócitos e ovos maduros depois da
fertilização66) desde o final do século XIX, porém foi a partir do início da década de 1930 que
relataram-se alguns trabalhos em animais. A partir dos experimentos realizados em modelos
animais, surgiram os primeiros relatos de observação de oócitos humanos em seus diferentes
estágios de maturação in vitro. Tais estudos67 levaram a questionamentos quanto à
possibilidade, não somente de maturação, mas também de fertilização in vitro, sendo
publicadas as primeiras tentativas realizadas.
Trounson68 afiança, que Toyoda e Chang, em 1974, obtiveram gestação sendo
completado o ciclo de fertilização in vitro do oócito animal e a transferência do embrião
resultando em gestação em nove de 14 receptoras com obtenção de 43 fetos nascidos. A partir
de então, foram publicados vários relatos de programas que passaram a ser desenvolvidos em
diversos centros. Todos com alguma modificação cujo objetivo seria de facilitar a técnica,
diminuir custos e simplificação da mesma.
No mesmo ano ainda, vários trabalhos foram apresentados confirmando o relativo
sucesso adquirido nos vários centros que estavam desenvolvendo a técnica. Parece clara a
tendência dos vários autores de aprimorarem a técnica no que diz respeito à facilidade de
execução com diminuição dos custos.
65
BRINSDEN, Peter R. Regulation of assisted reproductive technology. I:n BRINSDEN, Peter R. Vitro
Fertilization and Assisted Reproduction – the born hall guide to clinical and laboratory pratice, 1999, pp.
415/445.
66
Id. Ibid..
67
Id. Ibid.
68
TROUNSON, E. A Human embryonic stem cells: mother of all cell and tissue types.. In: Reprod Biomed
Online; Suppl. 4, pp 1:58-163, 2002
37
No decorrer dos anos, foram sendo descritos estudos69 ressaltando as qualidades da
possibilidade de utilização da ultrassonografia como método auxiliar para punção folicular e,
nestes casos, a via transvaginal como de maior facilidade, com mínimo desconforto e de
menor custo.
Para Seifer et al70, o desenvolvimento da técnica de Reprodução Assistida passa a se
confundir com o próprio desenvolvimento da ultrassonografia como método auxiliar no
controle dos ciclos induzidos além das habituais dosagens hormonais. Foi estabelecido desde o
princípio que a indução de muiltiovulação corresponderia a uma taxa de gestação maior pelo
aumento de oócitos a disposição do laboratório. O uso de gonadotrofinas71 influenciou
sobremaneira os protocolos que estavam sendo estabelecidos.
A partir do melhor conhecimento da dinâmica ovariana e a utilização de fármacos que
induzissem a um crescimento folicular múltiplo, estabeleceu-se como padrão a estimulação
ovariana. Mais recentemente, a introdução dos análogos antagonistas72 possibilitou o advento
de novos protocolos de estímulo.
Assim, tem-se assistido à publicação de séries de casos demonstrando que este ou
aquele protocolo é melhor, porém à luz das evidências pode-se somente afirmar que o uso de
antagonistas trouxe benefícios em termos de resultados e facilidade de uso e que a busca por
esquemas mais simples ainda persiste73. Apesar das discussões pontuarem a utilização de
gonadotrofinas em detrimento do citrato de clomifene, parece que sua utilização pode ser
rediscutida a partir do melhor manuseio dos programas utilizando antagonistas, bem como sua
69
SEIFER,D.B.;COLLINS,R.L.;PAUSHTER,D.M.;GEORGE,C.R.;QUIGLEY,M.M.Follicular aspiration: a
comparison of an ultrasonic endovaginal transducer with fixed needle guide and other retrieval methods Fertil
Steril. Supl. 1988, 49: 462-467.
70
Id. Ibid.
71
As gonadotrofinas são hormônios que exercem seus efeitos primariamente sobre os ovários e testículos (que
são conhecidos como gônadas). Os sufixos trofina ou tropina significam ‘promovendo o crescimento’, porque
esses hormônios não apenas estimulam a liberação de hormônios gonadais, como também são responsáveis pelo
crescimento
e
desenvolvimento
das
gônadas.
Informação
disponível
em:
<http://www.fertilidadeonline.com.br/latam_brazil/treatment/Female_Treatments/Second_Step/index.jsp>Acesso
em: 05/09/2006.
72
os análogos/antagonistas do GnRH (hormônio liberador de gonadotrofina - gonadotropin-releasing hormone)
são utilizados primariamente nos protocolos de supressão da hipófise em reprodução assistida, para reforçar o
controle do ciclo da mulher e da estimulação dos ovários. Informação disponível em: <
http://www.abend.org.br/abend/GuiaParteII.pdf#search=%22an%C3%A1logos%20antagonistas%22>.
Acesso
em 05/09/2006.
73
BHATTACHARYA S, HAMILTON MP, SHAABAN M, KHALAF Y, SEDDLER M, GHOBARA T,
BRAUDE P, KENNEDY R, RUTHERFORD A, HARTSHORNE G, TEMPLETON A. Conventional in-vitro
fertilisation versus intracytoplasmic sperm injection for the treatment of non-male-factor infertility: a
randomised controlled trial. Lancet. 2001 Jun 30;357(9274):2075-9.
38
utilidade em caso de inseminação artificial. Evidentemente, a possibilidade de utilização desta
técnica resulta em percentual maior de fertilização, porém há evidências demonstrando de que
não há aumento de gestação. Assim, não havendo seleção natural do espermatozóide
fecundante, deve ser utilizada somente em casos restritos, devendo ser realizado o estudo
genético do casal previamente ao procedimento.
Os estudiosos relacionados74 esclarecem que a possibilidade de micromanipulação teve
avanço no diagnóstico genético pré-implantacional que resultou no desenvolvimento de sonda,
buscando a descoberta de doenças importantes que pudessem ser identificadas em casais
portadores. Assim, a evidência da presença de gens de patologias manifestas permitiria
selecionar embriões que não apresentassem esta possibilidade. Neste sentido cria-se uma
interface importante entre o tecnicamente realizável e o moralmente aceito, pois se entra em
discussão até sobre a seleção de sexo, o que não é tutelado pelo Direito.
Na oportunidade, pertinentes são as palavras de Fromm75:
[...] o homem, paralelamente à liberdade material que tem conquistado através da
história, tem se isolado cada vez mais de seus semelhantes, na busca por espaço e
sucesso material. E, em paradoxo, a mesma liberdade material torna-se uma condição
que assusta, [...]. Como opção mais saudável, haveria o reconhecimento da riqueza
do "outro" e da importância da cooperação e da solidariedade, num espírito de
fraternidade onde o bem-estar social deveria ter a primazia, garantindo o bem-estar
individual. Neste caso, a criatividade e as potencialidades humanas seriam usadas
para sedimentar a liberdade co-responsável dentro de uma sociedade equilibrada; no
primeiro caso, o homem construiria um novo tipo de servidão, aliás, bem conforme
aos ideias do neoliberalismo e da globalização, extremamente selvagem em sua
ganância e anulação do homem, enquanto indivíduo criativo.
2.3 As novas tecnologias empregadas na Reprodução Assistida
Em consonância com Olmos76, a reprodução assistida vem ampliando sobremaneira os
limites da fecundidade masculina e feminina. Dentre as técnicas que compõem o conjunto da
reprodução assistida, merecem destaque: a fertilização in vitro (FIV) e suas variantes; a
inseminação artificial; a doação de óvulos, sêmen e embriões; o "empréstimo" de útero; o
74
BHATTACHARYA S, HAMILTON MP, SHAABAN M, KHALAF Y, SEDDLER M, GHOBARA T,
BRAUDE P, KENNEDY R, RUTHERFORD A, HARTSHORNE G, TEMPLETON A. Conventional in-vitro
fertilisation versus intracytoplasmic sperm injection for the treatment of non-male-factor infertility: a
randomised controlled trial. Lancet. 2001 Jun 30;357(9274):2075-9.
75
FROMM, Erich, Análise do Homem. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1991, pp. 23/22.
76
OLMOS, Paulo Eduardo. Quando a cegonha não vem: os recursos da medicina moderna para vencer a
infertilidade. São Paulo: Carrenho Editorial, 2003, passim.
39
congelamento de embriões; o diagnóstico genético pré-implantatório; o assisted-hatching e as
pesquisas com embriões. Em estudos não-médicos sobre o tema, o mesmo conjunto de
técnicas é denominado, também, como novas tecnologias reprodutivas (NTRs).
O estabelecimento dessas técnicas veio responder a um desejo de reprodução de
homens e mulheres. Esse desejo - de filhos, de família, de reprodução, de continuidade, entre
outros significados simbólicos colados à procriação de seres humanos - é aquilo que vem
legitimando, em última instância, a proposição de uma série de inovações biotecnológicas,
surgidas de forma contínua no campo da medicina reprodutiva.
Procriar e constituir família são aspectos altamente valorizados em quase todas as
sociedades humanas, a infertilidade é repudiada como um infortúnio, como coloca
Berlinguer77. Atualmente, a procriação se liga não apenas à idéia de felicidade, mas também a
de êxito pessoal. Nesse sentido, na maternidade e na paternidade são mobilizados traços
arraigados das identidades individuais e sociais dos sujeitos humanos. Por tudo isso, é possível
afirmar que a impossibilidade de reprodução biológica fragiliza, de forma importante, homens
e mulheres, particularmente aqueles que se encontram em união.
Berlinguer78 comenta sobre as tecnologias de RA, as quais serão apresentadas de forma
concisa:
Inseminação artificial clássica "in vivo", vaginal e cervical - manuseia-se sêmen
total, isto é, o ejaculado, sem separar os espermatozóides do plasma seminal. Este
material é depositado na vagina, nunca além do canal cervical uterino, devido à
presença de diferentes antígenos e outros elementos figurados do sêmen. A
deposição pode ser realizada através de capuz cervical. É a inseminação clássica ou
médica, que será detalhada quanto as indicações e variantes técnicas.Denomina-se a
inseminação artificial clássica, ou convencional, como "homóloga" (IAH) ou
"heteróloga" (IAD), conforme a origem do material seminal: do marido ("husband")
ou de doador (“donnor"). Não se considera ética a inseminação mista, ou seja, com a
mistura de sêmen de procedências diferentes.
Inseminação artificial clássica "in vivo" além do canal cervical uterino - difere das
anteriores pela seleção e capacitação dos espermatozóides que são inseminados após
a manipulação em meio de cultura, livres do plasma seminal, dos elementos
antigênicos e outras células. As amostras podem ser homólogas (IAH) , provenientes
de material de ejaculado fresco ou descongelado, de aspirados epididimários (quando
concentração de espermatozóides for suficiente) ou ainda de doadores (IAD). Na
IAD, os doadores são selecionados e as amostras estocadas até que risco de
transmissão de vírus como HIV tenham sido afastadas. Sempre segue-se todos os
rigores estabelecidos para aceitar um indivíduo como doador.
GIFT - em ciclos espontâneos ou medicados obtêm-se ovócitos para imediatamente
transferi-los juntos ou separados com espermatozóides selecionados e capacitados,
para as trompas. A transferência é realizada no transcurso de laparoscopia,
77
78
BERLINGUER, Giovanni. Bioética cotidiana. Brasília: Editora UnB, 2004, passim.
Ibidem, pp. 32/39.
40
laparotomia, minilaparotomia e microlaparoscopia. As duas amostras (
espermatozóide e óvulos ) são transferidas no mesmo cateter em gotas separadas ou
em gota comum. Nos dias de hoje, habitualmente, procede-se a captação dos
ovócitos previamente por via transvaginal com guia ultrassonográfico. Este
procedimento pode ser aplicado durante diagnóstico ou tratamento de fator tuboperitoneal e endometriose. A GIFT ("Gamete Intrafallopian Transfer"),
excepcionalmente, é executada mediante transferência de gametas para as trompas
pela via transcervical transuterina.
ZIFT ou PROST e TET - obtidos os ovócitos, estes interagem em cultura com
espermatozóides até serem fertilizados. Como zigotos pró-nucleados (presença do
pró-núcleo masculino e feminino), são depositados nas trompas através de diferentes
procedimentos cirúrgicos. Estas intervenções ocorrem aproximadamente 24 horas
após a captura dos óvulos e da inseminação "in vitro", caracterizando a ZIFT (Zygote
Intrafallopian Transfer) . Mantendo gametas interagindo em cultura por mais tempo
antes da transferência, ocorre divisão do zigoto, dita clivagem. Este procedimento é
denominado agora deTET ( Tubal Embryo Transfer ). Observa-se que na ZIFT ou
TET manipulam-se embriões enquanto na GIFT, somente gametas.
FIV convencional - nesta técnica, os ovócitos são inseminados "in vitro" como no
ZIFT ou TET, porém, transfere-se os pré-embriões com dois, quatro ou mais
blastômeros, para o útero e não para as trompas. Logo, não há preocupação com a
permeabilidade tubária, embora possa ocorrer gestação ectópica em decorrência de
refluxos. A deposição intracavitária ocorre 50 a 70 horas após a inseminação "in
vitro", e é feita geralmente por via transcervical.
Para evitar gestações múltiplas, conforme o caso, transfere-se mais tardiamente 2 a 3
blastocistos, isto é, estágio obtido mantendo-se embriões de 4 a 6 células em cultura
por mais 2 a 3 dias.
FIV com técnicas de micromanipulação ( PZD, SUZI, ICSI ) - a cada dia as técnicas
de FIV vem se desenvolvendo no sentido de cada vez mais aumentar a taxa de
fertilização e o número de embriões. Esta evolução se iniciou com a
"microinseminação in vitro" ou seja, ovocitos eram inseminados em microgotas de 5
m l de meio de cultura, visando uma maior aproximação entre gametas masculinos e
femininos.
Surgiram então técnicas utilizando aparelhos conhecidos como micromanipuladores,
que permitiram a manipulação dos gametas através de micromovimentos com
agulhas especiais.
1) PZD (Partial Zona Dissection) - a primeira técnica de micromanipulação
desenvolvida e hoje abandonada foi a técnica de PZD, onde otimizava-se a
penetração espontânea do espermatozóide no espaço subzonal mediante orifícios
feitos na zona pelúcida por agentes físicos ou químicos (drilling ).
2) SUZI (Sub-Zonal Insemination) - deposita-se 5 a 10 gametas masculinos
diretamente no espaço subzonal expandido artificialmente, por retração do
citoplasma.
3) ICSI (Intracytoplasmatic Sperm Injection) - auspiciosamente, por fim, ressurgiu
em 1992 (Palermo) , com pleno sucesso, a FIV com ICSI , que consiste na injeção de
um único espermatozóide dentro do citoplasma do ovocito maduro desnudado
artificialmente. Esta técnica revolucionou os resultados de FIV com fator masculino,
substituindo as técnicas de micromanipulação anteriormente descritas. Os resultados
independem da forma e número dos gametas selecionados (até certo limite se não
houver cromossomopatias), assim como da procedência dos mesmos. Obtidos do
ejaculado, ou diretamente dos canais deferentes durante reanastomoses ou ainda do
epidídimo ou testículo por técnicas transcutâneas ou microcirúrgicas denominadas
TESA, TESE, MESA e PESA.
4) ROSI, ELSI, ROSNI - atualmente realiza-se a injeção intracitoplasmática de
células germinativas imaturas, ELSI (Elongated Spermatid Injection), ROSI ( Round
Spermatid Injection ) e ROSNI ( Round Spermatid Nuclear Injection), nos casos de
azoospermias do ejaculado e das biópsias testiculares. Segundo alguns autores,
quando encontramos verdadeiras células redondas na biopsia, significa que deve
haver também espermátides maduras assim como espermatozóides, as quais devem
41
ser preferencialmente usadas na micromanipulação. Cuidados devem ser tomados
uma vez que dado a dificuldade de reconhecimento das células redondas, outras
células podem ser injetadas, e levarem a formação de "embriões" por divisão
partenogenética.
5) Hatching artificial - utilizado para facilitar a nidificação , em pacientes idosas e
com falhas de implantação. O hatching consiste na fragilização da zona pelúcida dos
pré-embriões antes de transferi-los. Pode ser realizado de forma mecânica, química
ou com auxílio de aparelhos a LASER.
6) Troca ou substituição de citoplasma ovócitário - aplicada em pacientes idosas ou
com falhas em sucessivas tentativas de RA.Realizada de duas formas: Tranfere-se a
vesícula germinativa do ovócito da paciente para outro de doadora, ou somente
introduz-se parcialmente citoplasma do ovócito doado, no interior do óvulo da
paciente. Eticamente problemática devido à presença do DNA mitocondrial.
7) Diagnóstico pré-implantacional - realiza-se biópsias em embriões de 4 a 8 células
ou blastocistos para através das técnicas de FISH para realizar diagnóstico
cromossomico de normalidade, permitindo então a posterior transferência deste
embrião. Técnica aplicada em casais com antecedentes de cromossomopatias, ou
pacientes idosas. Pode-se realizar biópsias em corpúsculos polares, apesar de
apresentar maior risco de falso negativo.
Vê-se, desse modo, que em cada uma dessas novas tecnologias empregadas para a
reprodução humana assistida existe a preocupação com a representatividade de propiciar ao
casal infértil o advento de uma gestação e garantir para o individuo a condição da reprodução,
como define o Ministério da Saúde79.
2.4 Limites terapêuticos e o respeito à pessoa humana
A pessoa humana é o centro do ordenamento jurídico brasileiro. O princípio da
dignidade da pessoa humana, aclamado no artigo 1º, inciso III, da CF/1988 preconiza que o
homem deve ser considerado como fim, não como meio, e como sujeito, não como objeto.
Para Nunes80, “o preceito configura a autêntica base material dos direitos humanos positivados
na Constituição; do mesmo modo, o texto constitucional situa o direito à vida entre os direitos
fundamentais, como um direito subjetivo público, passível de exigência perante o Estado”.
Tratando-se do princípio da dignidade humana, as palavras de Andorno81 explicitam que
dignidade é uma palavra que pode ser empregada com dois sentidos diferentes:
A dignidade ontológica, que é uma qualidade inseparavelmente ligada ao ser mesmo
do homem; ela é a mesma para todos; É o valor que reconhecemos ao homem pelo
simples fato de existir. Neste sentido, todo homem, mesmo o pior dos criminosos, é
digno.
79
BRASIL. Regulação da Reprodução Humana Assistida. Brasília: Ministério Da Saúde/ Secretaria De Ciência,
Tecnologia E Insumos Estratégicos, 16 de março de 2004.
80
NUNES, Rizzatto. O princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p.
27.
81
ANDORNO, Roberto. La bioéthique et la dignité de la personne. Paris: PUF, 1997, p. 33.
42
A dignidade ética, que se refere não ao ser da pessoa mas a seu agir. Neste sentido, o
homem se tem ele mesmo por digno enquanto seu agir está de acordo com aquilo que
ele é, ou melhor, com aquilo que ele deve ser.
Vale deixar claro, que ao tratar do princípio da dignidade humana referenciado na
Carta Magna se aplicará a primeira significação, vez que, segundo Canotilho82:
Concebida como referência constitucional unificadora de todos os direitos
fundamentais, o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação
valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não a
uma qualquer idéia apriorística do homem.
Diante de tal princípio/fundamento, também Nunes83 adverte que “a dignidade da
pessoa humana é o núcleo essencial de todos os direitos fundamentais”.
Por conseguinte, como resultado de uma evolução legislativa que começou com a Lei
8.974/1995 (a primeira Lei de Biossegurança), a Lei 11.105/2005, mais conhecida como Nova
Lei de Biossegurança, criou o CNBS - Conselho Nacional de Biossegurança, que regulamenta
os incisos II, IV e V do parágrafo 1º do artigo 225 da Constituição Federal, reestrutura a
CTNBio - Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, estabelecendo normas de segurança
e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente
modificados - OGM's - e seus derivados, além de fixar as bases da política nacional de
biossegurança.
Assim, resguardando a pessoa humana e a sua dignidade, o Artigo 5° da Lei
11.105/2005 só permite o uso de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos
produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento; que sejam
embriões inviáveis, ou congelados há três anos ou mais, na data da publicação da Lei; ou que,
já congelados na data da publicação da Lei, completarem três anos, contados a partir da data
de congelamento. Exige ainda o artigo em análise que, em qualquer caso, o uso de embriões
congelados deve ser precedido do consentimento dos genitores, e que os protocolos de
pesquisas sejam aprovados pelos Comitês de Ética em Pesquisa - CEP.
Para garantir que os critérios estabelecidos sejam cumpridos, a própria Lei
11.105/2005, em seu artigo 24, criminalizou o uso de embrião humano em desacordo com as
regras estabelecidas pelo seu Artigo 5°. Ao mesmo tempo, o Ministério da Saúde lançou a
82
CANOTILHO, J. J. Gomes e MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada, v.1. Coimbra:
Almedina, 1984, p. 70.
83
NUNES, Rizzatto. O princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p.
25.
43
Política Nacional de Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, que terá como base o
documento "Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos: uma prioridade de governo".
Tal
política, que prevê ações voltadas ao planejamento familiar para o período de 2005 a 2007, é
uma demonstração da preocupação do governo federal em garantir os direitos de homens e
mulheres, adultos e adolescentes, em relação à saúde sexual e reprodutiva.
Ainda, torna-se cogente entender que a pesquisa científica médica trouxe imensos
benefícios à humanidade (praticamente 100% de todas as descobertas de novos tratamentos
médicos, grandes ou pequenos, exigiram em um determinado momento a experimentação em
voluntários humanos), mas também provocou imensos dilemas do ponto de vista ético e
moral.
No Brasil, a regulamentação da pesquisa científica médica é dada por uma Resolução
do Conselho Nacional de Saúde, datada de 1996 (Anexo A), baseada em uma clara distinção
entre o que é prática clínica e o que é pesquisa médica. A prática clínica tem o objetivo de
diagnosticar, curar e trazer benefícios para o bem-estar e a saúde do paciente, utilizando
princípios comprovados cientificamente. A experimentação médica tem o objetivo de inovar,
ou seja, descobrir novos tratamentos que irão por sua vez servir de base para a prática clínica
no futuro. Portanto, a pesquisa tem um efeito "amplificador" extremamente importante e
necessário, uma vez que atinge, em prazos mais longos, um número incomparavelmente maior
de pessoas.
A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e os Comitês de Ética em
Pesquisa (CEPs) são os únicos responsáveis pelo controle ético dos experimentos no país.
Vivendo essa fase de regulamentação da RA pelo Estado brasileiro, explicita-se que o
pai da Medicina, Hipócrates, como explicita Aucante84, foi o primeiro a formular o princípio
primum non nocere (em primeiro lugar, não causar dano), sendo esse o limite da atuação
médica em relação às pessoas humanas. Esse mesmo autor85 esclarece que “a medicina
moderna, de maneira mais abrangente, modificou esse o mandamento, estipulando que o
tratamento deve “maximizar o benefício e minimizar o dano””.
84
AUCANTE, V. Os médicos e a medicina. In: Cadernos de História e Filosofia da Ciência, Série 3, 8, 1, 1998,
p. 59-78.
85
Id. Ibib.
44
CAPÍTULO 3 - IMPLICAÇÕES ÉTICAS E JURÍDICAS DA REPRODUÇÃO
ASSISTIDA
Usando a linha teórica de Erich Fromm86 para a compreensão do significado da “ética”
abordada nesta monografia, verifica-se que para esse autor:
[...] o problema da Ética, das normas e valores levam à compreensão do Eu humano e
de suas potencialidades. O objetivo da análise é o homem moderno e o mundo por
ele construído, que supera os sonhos e as visões das Utopias; o homem que trabalha e
luta, mas tem um vago sentimento de futilidade a respeito da atividade que
desenvolve e não pode evitar a inquietação e a perplexidade que dele se apossam.
Enquanto aumenta o seu poder sobre a matéria, sente-se menos potente na sua vida
individual e em sociedade, parecendo haver-se enredado na malha por ele próprio
tecida.
O referido autor87 contrapõe a ética absoluta à ética relativa, ética universal contra ética
socialmente imanente e, concordando com suas análises, se passa a entender que a
Reprodução Assistida trouxe inúmeras questões éticas nas quais tanto o indivíduo que utiliza
tal prática como a sociedade em geral estão envolvidos.
Assim como Fromm vislumbra a ética, para a investigação em curso é necessário que
também se faça referência à bioética, ou a ética da vida, encarando-a como Abdelmassih88:
[...] bioética é o campo do saber ético e da moral, reajustado ao cenário
contemporâneo, que busca a análise de valores e do agir humanos que decorrem dos
fatos, eventos, problemas e desafios provenientes do desenvolvimento da ciência e da
tecnologia na área da biologia, genética, meio ambiente, medicina, biotecnologia e
setores afins.
De acordo com Oliveira89 vale acrescentar que: “a ciência experimental descreve fatos;
a ética indica valores e normas, segundo as quais é preciso agir. Não é fácil promover seu
encontro”.
Levando-se em conta esse motivo, observa-se que rápida evolução tecnológica da
medicina no campo da Reprodução Assistida, especialmente no que concerne a seus aspectos
mais polêmicos como a destruição de pré-embriões, a comercialização de óvulos ou
espermatozóides e a clonagem humana, têm provocado importantes questionamentos éticos.
86
FROMM, Erich. Análise do homam. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1983, passim.
Id. Ibid.
88
ABDELMASSIH, R. Aspectos Gerais da Reprodução Assistida. In: Revista de Bioética e Ética Médica. Vol. 9,
no. 2. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2001, p. 20.
89
OLIVEIRA, Guilherme Freire Falcão de. Direito Biomédico e Investigação Clínica. Revista de Legislação e de
Jurisprudência, nº3881, Portugal, 1997/1998.
87
45
Os filósofos se perguntam sobre o ser humano e a vida que estaria embutida na
concepção de Reprodução Humana Medicamente Assistida, na crítica ou na rejeição das
tecnologias e qual o referencial teórico que daria embasamento às diferentes posições.
Sociólogos e antropólogos indagam sobre os impactos que elas provocam na vida humana e a
perturbação nos sistemas de parentesco, filiação, consangüinidade e família. Os cientistas
avaliam perspectivas e riscos. Os juristas buscam a adequação dos problemas no campo
específico do direito individual e coletivo. Outros setores ponderam as perspectivas e
conseqüências da inclusão das mencionadas técnicas no sistema de saúde e o desenho, rumos e
financiamentos para a pesquisa em Reprodução Assistida no Brasil. Dessas análises decorrem
posicionamentos morais e éticos diferenciados, semelhantes ou até antagônicos.
Ante a leitura das colocações de Ramirez90, depreendeu-se que hoje são três as
principais posturas que vislumbram as implicações éticas da RA. Segundo os adeptos da
primeira linha, deverá ocorrer a aceitação da RA como conseqüência natural do progresso
tecnológico; essa linha entende que tudo o que é cientificamente possível de ser realizado por
meio das técnicas de RHA é válido do ponto de vista ético. Conforme a segunda corrente as
técnicas de RA serão aceitáveis desde sejam conhecidos os riscos e benefícios individuais e
sociais que possam delas advir e mediante controle de suas aplicações, para que não sejam
praticados abusos. A última verve de posicionamento aglutina aqueles que postulam pela
proibição ou são opositores e críticos às técnicas da reprodução humana assistida e suas
implicações genéticas; tal linha considera o que se deve ou não fazer em relação às
perspectivas de intervenção no campo da reprodução humana.
De tal fato se deduz que o progresso do conhecimento científico, com a aquisição de
novas técnicas de reprodução assistida (RA), mesmo tendo permitido solucionar grande parte
dos problemas de infertilidade em benefício dos pacientes trouxe, sem sombra de dúvida, o
imperativo de se conciliar a utilização de toda a tecnologia com os postulados da ética
médica91, tornando concretas questões éticas tanto em relação ao manuseio molecular quanto
relativos à assistência ao casal infértil, abrindo uma janela nunca antes imaginada pelo
homem.
90
RAMIREZ, M. C. GT Pessoa e Corpo: Novas Tecnologias Biológicas e Novas Configurações ideológicas. 2ª.
sessão: O feminino: pessoa e corpo. Caxambu: Outubro de 2002. Trabalho apresentado no XXVI Encontro Anual
da ANPOCS (Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), passim.
91
Cf. CFM. Código de ética médica. Disponível em: < http://www.gineco.com.br/codigo.htm>. Acesso em:
12/06/2006.
46
Nessa conjuntura, vale ser mencionado, que os aspectos éticos essenciais que
envolvem questões de reprodução humana são os relativos à utilização do consentimento
informado, a seleção de sexo, a doação de espermatozóides, óvulos, pré-embriões e embriões,
a seleção de embriões com base na evidencia de doenças ou problemas associados, a
maternidade substitutiva, a redução embrionária, a clonagem e pesquisa e congelamento de
embriões92.
Mais um importante questionamento que deve ser amplamente discutido é o da
utilização dessas técnicas de reprodução medicamente assistida em casais sem problemas de
infertilidade; também a utilização da RA para fins de proteção do parceiro de uma mulher
portadora do vírus HIV é uma outra demanda já encaminhada como consulta ao Conselho
Federal de Medicina (CFM) e ao Ministério da Saúde93, nesse caso específico as técnicas de
reprodução seriam utilizadas com o objetivo de proteger o parceiro de uma eventual
contaminação, permitindo ao casal ter filhos94.
Prosseguindo, os que se submetem às técnicas de RA ao estabelecer uma relação com o
próprio "embrião" passam a viver vários dilemas éticos, entre eles o de como proceder ao
descarte dos embriões não implantados; numa tentativa de solução e analisando o que
Carneiro e Emerick95 têm chamado de "ética da solidariedade” percebe-se que deveria haver
base legal para possibilitar a doação desses embriões para pesquisa e, para isso, seria preciso
que os envolvidos fossem levados a deter todas as informações pertinentes para optarem ou
não por tal decisão.
Por outro lado, as pesquisas com embriões poderiam chegar à clonagem terapêutica96,
etapa em que a vertente ética estabelece muitos limites. Sobre isso se tem que no caso da
clonagem reprodutiva, do indivíduo completo, o repúdio para a prática foi da comunidade
internacional; acredita-se, por conseguinte, que eticamente entendimento semelhante poderia
92
Cf. BARBAS, Stela Marcos de Almeida. Noves Aspectos Jurídicos da Inseminação Artificial "Post-Mortem";
Colectânea de Jurisprudência, Tomo II, Portugal, 1999.
93
Informações disponíveis em <http://www.portalmedico.org.br/php/pesquisa_resolucoes.php>. Acesso em:
12/06/2006.
94
REPRODUÇÃO
HUMANA
ASSISTIDA.
Disponível
em:
<http://portal.saude.gov.br/portal/sas/mac/area.cfm?id_area=832>. Acesso em: 20/08/2006.
95
CARNEIRO, F. e EMERICK, M.C. Limites: a ética e o debate jurídico sobre o acesso e uso do genoma
humano. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2000, passim.
96
Na clonagem terapêutica, o embrião clonado, gerado pela transferência nuclear (um conglomerado de
aproximadamente 100 células), é dissociado no laboratório para a obtenção das chamadas células-tronco (CTs)
embrionárias, células pluripotentes, que dariam origem a todos os tipos de células do embrião. Informações
disponíveis em: <http://www.comciencia.br/reportagens/celulas/10.shtml>. Acesso em: 05/09/2006.
47
ser aproveitado para a clonagem terapêutica (reprodução de partes do indivíduo, com a
previsão da doação de óvulos para a produção de embriões), não inviabilizando as pesquisas,
porém limitando-as para evitar abusos; até porque no bojo do processo também não seria ético
submeter a mulher às técnicas invasivas e aos riscos delas decorrentes apenas para a obtenção
de vários óvulos a cada ciclo menstrual.
Sob outra ótica as técnicas de RA possibilitam autonomia e liberdade à mulher em
relação à concepção e à maternidade, bem como permitem o exercício da escolha em termos
de sua sexualidade e da forma de reprodução, ampliando a esfera dos direitos reprodutivos,
como comentam Oliveira e Mota 97; daí se constatar a carência de uma normatização para que
se opere uma atitude vigilante por parte do Estado sobre possíveis efeitos negativos dessas
tecnologias.
Em face ao exposto, acrescenta-se que o cuidado com a questão da ética na prática da
Reprodução Assistida está explicitado na resolução nº 1.358, de 1992, do Conselho Federal de
Medicina (CFM), que adota as normas para a utilização das técnicas de RA98; informando-se
também que tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) n.º 90, de 1999, de autoria
do senador Lúcio Alcântara99, PL que dispõe sobre a RA e que, em 2005, entrou em vigor a
Lei 11.105100, permitindo o uso de células-tronco de embriões humanos em pesquisas e
terapias, cumpridos determinados requisitos legais; lei essa regulamentada pelo do Decreto
5.591101.
Há que se fazer referência, além disso, às Portarias 426/2005 (que institui, no âmbito
do Sistema Único de Saúde, a Política Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana
Assistida) e 388/2005 (que atribui aos Estados a coordenação da rede de Atenção em
Reprodução Humana Assistida), ambas do Ministério da Saúde (Anexo A).
Como a evolução da reprodução assistida se deu concomitantemente com o
desenvolvimento tecnológico, tendo caminhado do mínimo de conhecimento anatômico para o
97
OLIVEIRA, F. E & MOTA, J. A. C. Bioética e as Mulheres. In: Saúde da Mulher e Direitos Reprodutivos:
Dossiês. São Paulo: Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos, 2001, pp. 151-186.
98
CFM.
Resolução
1.358,
de
11/11/1992.
Disponível
em:
<http://www.portalmedico.org.br/php/pesquisa_resolucoes.php>. Acesso em: 12/06/2006.
99
Cf.
BRASIL.
Projeto
de
Lei
90/1999
–
substitutivo.
Disponível
em:
<http://www.ghente.org/doc_juridicos/pls90subst.htm>. Acesso em: 12/06/2006.
100
BRASIL. Lei 11.105, de 28/03/2005. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20042006/2005/Lei/L11105.htm> . Acesso em: 12/06/2006.
101
BRASIL. Decreto 5;591/05. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20042006/2005/Decreto/D5591.htm>. Acesso em 05/09/2006.
48
conhecimento endocrinológico e farmacológico, chegando, mais recentemente,
ao
desenvolvimento da biologia molecular, percebe-se que a questão de observância ética é
extremamente complexa quando se trata de Reprodução Humana Medicamente Assistida e
suas implicações, retratando a seriedade com que o tecido social deve encarar a problemática
surgida da aplicação das tecnologias advindas desse tipo de reprodução.
3.1 Considerações doutrinárias
No enfoque da ética nas práticas de RA, as quais ainda são consideradas como
experiências, entende-se que a reprodução humana possui uma função social e como tal deve
ser tratada, sendo que os doutrinadores têm classificado a reprodução assistida como
atendimento em matéria de saúde, chegando-se à conclusão de que a RA surge como potente
instrumento para a consolidação do direito à vida e da dignidade da pessoa humana. Sobre
esse ponto, Martins102 aquilata: “[...] verifica-se que a saúde é um direito público subjetivo,
que pode ser exigido do Estado, que, por contrapartida, tem o dever de prestá-la. Está, assim,
entre os direitos fundamentais do ser humano”.
Fernandes103 assevera que a fixação pela Administração Pública de qualquer sorte de
restrição quanto a RHA “redundará na necessidade de uma interpretação sistemática que
preserve os valores fundamentais da vida e da dignidade da pessoa humana”. Em outras
palavras, e em presença do até aqui exposto, pode-se inferir que perpassa da dignidade da
pessoa humana a preservação dos direitos da personalidade, direitos que configuram, na visão
de Pinto104:
[...] um conteúdo mínimo e imprescindível da esfera jurídica de cada pessoa”,
incidentes sobre a sua vida, saúde e integridade física, honra, liberdades física e
psicológica, nome, imagem e reserva sobre a intimidade de sua vida privada.
Averiguou-se, em face ao estudo realizado, que as dissensões doutrinárias têm
decorrido das dúvidas atinentes à vida em formação, aos novos métodos de reprodução da
pessoa humana e à manipulação genética do indivíduo. Destarte, no caso da RA, segundo
Berlinguer105, “a tese preliminar é se na procriação (como em outros campos da bioética) pode
102
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 9. ed. São Paulo: Atlas, 1998. p. 428.
FERNANDES, Sílvia da Cunha. As técnicas de Reprodução Assistida e a necessidade de sua regulamentação
jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 58..
104
PINTO Carlos Alberto da Mota. Teoria geral do direito civil. Coimbra: Coimbra Editora, 1996. p. 207.
105
BERLINGUER, Giovanni. Bioética cotidiana. Brasília: Editora UnB, 2004, p. 33.
103
49
existir uma diferença de avaliação moral entre aquilo que é natural e o que é artificial". Esse
autor106 consigna que “a RA pode aumentar a dependência corporal e mental a uma medicina
altamente invasiva, que seja capaz de minimizar riscos”.
Em conseqüência tem ocorrido, por toda parte, exigência por regras morais e éticas,
acompanhadas de normas jurídicas sobre as orientações a serem adotadas para o acesso e o
emprego das técnicas de Reprodução Assistida. Vê-se, por conseguinte, que para a doutrina as
novas tecnologias reprodutivas provocam o debate legal e ético sobre diversos aspectos, como
informa Symonides107, sendo mais relevantes dentre eles:
[...] a paternidade, a identidade legal, os direitos da criança nascidas de métodos nãocoitais, os requisitos para ser pai e mãe e os direitos respectivos dessa condição etc.
A abordagem desses temas e determinada por tradições culturais e religiosas e difere
de país para país.
Logo, fica francamente perceptível que os limites da ciência e das experiências
médicas, aqui inseridas as técnicas de RA assim como os interesses nelas envolvidas, precisam
ser definidos pela ética, mais especificamente pela bioética (pois esta é direcionada para a vida
humana), o que implicará numa produção legislativa coerente, notando-se o quanto é difícil a
compatibilização do progresso científico com o respeito pela vida humana e os valores
culturais assumidos como alicerces da sociedade, vez que eles interferem nas reflexões sobre
todos os dilemas apresentados relacionados à Reprodução Assistida.
Desse modo, os teóricos sobre o tema estudado estabeleceram que a medicina realizou
avanços consideráveis na emancipação com relação ao determinismo da natureza, viabilizando
a reprodução humana independente da relação sexual entre parceiros e permitindo à mulher a
concepção e geração de filhos sem necessidade do homem, por intervenção médica; avanços
que devem estar alicerçados em regras éticas sobre a Reprodução Humana, como fruto de
consenso determinado pela sociedade brasileira para os dias atuais.
3.2 Pressupostos legais que recaem sobre as práticas de Reprodução Assistida
O desejo de vivenciar a experiência da gravidez e do parto é um sentimento único que
envolve essa procura por um filho, de tal intensidade que o casal renuncia à intimidade da
106
BERLINGUER, Giovanni. Bioética cotidiana. Brasília: Editora UnB, 2004, p. 34.
SYMONIDES, Janusz (org.). Direitos Humanos: novas dimensões e desafios. Brasília: UNESCO Brasil,
Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2003, p. 47.
107
50
concepção e à sua privacidade quando admite a participação de um terceiro, o médico ou o
doador, nos casos de fertilização heteróloga108. No entanto, a autodeterminação de cada
indivíduo deve ser respeitada, pois cada um tem o direito de ver satisfeitas as suas aspirações
interiores. E se a ciência dispõe dos meios que permitam essa satisfação, não existe
impedimento de colocá-la à disposição daqueles que necessitam.
Diante dessa compreensão e com o escopo de impedir desvios e distorções no
desenvolvimento das novas tecnologias de reprodução assistida os países do mundo inteiro109
têm procurado criar protocolos e normas que tornem isso possível.
Portanto, os pressupostos legais que recaem sobre a prática da reprodução assistida
pautam-se por permitir que a ciência evolua respeitando os direitos fundamentais dos
indivíduos, assim como os direitos da coletividade, como observa Fernandes110.
Importa mencionar, num escorço histórico, que apesar do primeiro bebê brasileiro
resultante da fertilização in-vitro (FIV) ter nascido em 1984, só em 1992 surgiu uma primeira
resolução, emitida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), a Resolução Normativa
1.358/1992, retro referida. Depois disso, surgiram algumas medidas normativas que tratam
direta ou indiretamente da reprodução assistida.
Merece ressalva a Lei 8.974/1995111, Lei de Biotecnologia que regulamenta as
experiências com embriões humanos, células reprodutivas, material genético, indicando o
princípio de indisponibilidade de material biológico e da pessoa. No artigo 13, a citada lei
caracteriza como crime “a produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos
destinados a servirem como material biológico disponível”. Essa norma foi revogada, estando
em vigor a lei 11.105/2005, comentada no capítulo 2, a qual prevê a possibilidade uso de
células-tronco de embriões humanos.
108
FRANCO JUNIOR, J. G. Reprodução Assistida. In: CANELLA, Paulo VITIELLO, Nelson. Tratado de
Reprodução Humana. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 1996, pp. 416-417.
109
A Europa lidera o mundo da reprodução assistida. Em 1998, foram registrados 232.443 ciclos de reprodução
assistida em 18 países europeus, resultando 40 mil crianças nascidas. No Canadá e nos Estados Unidos, em 1997,
foram registrados 73.069 ciclos. •A maioria dos tratamentos ocorreu entre mulheres dos 30 aos 39 anos. A
Dinamarca tem a maior eficácia dos tratamentos, enquanto França e Grã-Bretanha, o maior número de bebês de
proveta. Fonte: Reuters. Disponível em: <http://www.sogipa.org.br/htmls/atualidades/reportagem/vontadesermae.asp>. Acesso em: 17/06/2006.
110
FERNANDES, Sílvia da Cunha. As técnicas de Reprodução Assistida e a necessidade de sua regulamentação
jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, passim.
111
BRASIL. Lei 8.974/1995. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20042006/2005/Lei/L11105.htm> . Acesso em: 12/06/2006.
51
Verificou-se que o debate bioético avançou desde 1994 no país, possibilitando a
redação da Resolução nº 196/1996, elaborada pelo Conselho Nacional de Saúde (Anexo B), a
qual passou a ditar as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres
Humanos.
Vale esclarecer que a Resolução 196/1996 orienta-se pelas diretrizes de declarações
bioéticas internacionais vigentes tais como a de Helsinque; as Propostas e Diretrizes Éticas
Internacionais para Pesquisas Biomédicas com Seres Humanos (CIOMS/OMS 1982, 1993);
Diretrizes Internacionais para Revisão Ética de Estudos Epidemiológicos (CIOMS, 1991); e
por outras mais genéricas e locais, sendo feita referência à própria Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, a Lei Orgânica da Saúde, outros códigos jurídicos pátrios tais
como o Código Penal, o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, na questão da
responsabilidade médica.
A citada Resolução n° 196/1996 instituiu o Comitê Nacional de Ética em Pesquisa
(CONEP) e estimulou a criação de Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) e estabeleceu nove
áreas temáticas destacadas como especiais nesse documento, estando entre elas a pesquisa em
reprodução humana, ainda que não qualificados os problemas específicos.
Nesse processo regulatório se encontram em curso, atualmente no Brasil, pelo menos
nove projetos de lei sobre “Reprodução Humana Assistida” (Anexo C). Todos eles formam
um contraponto à Resolução do CFM, de 1992, constituindo esta uma referência normativa
àqueles projetos.
Considerados os relevantes interesses envolvidos - saúde e vida humana - torna-se
necessário que, observados os princípios constitucionais, a legislação estabeleça cláusulas
gerais sobre a Reprodução Assistida frente o avanço constante da ciência nessa área, sob o
risco de que as disposições legais tornem-se rapidamente obsoletas ou facilmente
transgredidas.
Nesse passo, o Direito terá o importante papel de fixar o equilíbrio entre a privacidade
e os interesses coletivos, consolidando os limites éticos de condutas adotadas nos diferentes
processos de Reprodução Humana Assistida; apresentando soluções para os problemas éticojurídicos decorrentes do emprego das técnicas de RA e definindo como essas técnicas podem
afetar os direitos humanos. Assim sendo, o Direito precisará garantir, para tais procedimentos,
o respeito à dignidade humana, a inalienabilidade do corpo humano, a proteção ao patrimônio
52
genético, a inviolabilidade da pessoa humana e os limites da intervenção estatal nos assuntos
da família, observações pertinentes extraídas das idéias de Fernandes112.
Perante tais colocações, fica patente que a legislação precisa garantir como direitos do
indivíduo que se submete a esse tipo de tecnologia, a livre informação sobre as possibilidades
de êxito e os perigos da técnica utilizada, devendo o médico e o centro de reprodução serem
responsabilizados solidariamente em caso de dano causado, em decorrência de culpa ou dolo.
Mas não só isso, a Ciência Jurídica deve refletir a fundo sobre toda a problemática
surgida em decorrência das novas técnicas de reprodução humana, subsidiando o Poder
Legislativo na criação de uma legislação séria, embasada em cânones éticos, decorrentes de
uma discussão ampla com todos os setores da sociedade civil.
112
FERNANDES, Sílvia da Cunha. As técnicas de Reprodução Assistida e a necessidade de sua regulamentação
jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, passim.
53
CAPÍTULO 4 - DIREITOS HUMANOS E A ÉTICA DISCUTIDA EM RELAÇÃO À
REPRODUÇÃO ASSISTIDA
As reflexões sobre a importância contemporânea de luta pelos direitos humanos
incluem, dentre outros aspectos, o progresso científico e tecnológico na seara da Reprodução
Assistida. Para Symonides113: “[...] no despontar do século XXI, os surpreendentes avanços da
ciência e suas aplicações levantam questões graves quanto ao impacto disso sobre os direitos
humanos, a dignidade e a integridade humana”.
Conforme estabelece a Declaração de Viena114:
A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos observa que determinados avanços,
principalmente na área das ciências biomédicas e biológicas, assim como na
tecnologia da informação, podem ter conseqüências potencialmente adversas para a
integridade, a dignidade e os direitos humanos do indivíduo, e solicita a cooperação
internacional para que se garanta pleno respeito aos direitos humanos e à dignidade
nessa área de interesse universal.
Tendo essas afirmações como verdadeiras, neste ponto do trabalho ressaltar-se-á
algumas características da construção do campo da Reprodução Humana assistida no Brasil, as
quais dizem respeito à forma paradoxal como esse fenômeno ganhou visibilidade social e
difundiu-se no país.
Por um lado, há pouca transparência na aplicação dessas tecnologias se for considerada
a pobreza de registros dessas atividades, bem como a inadequada avaliação de seus resultados
no âmbito científico, evidenciada pela escassez de estudos comparativos e controlados do
sucesso/insucesso na aplicação de cada uma das diferentes técnicas e procedimentos
pertinentes à RA115.
Ommati116 deixa transparecer que, por outro lado, essas tecnologias e seus produtos
tais como bebês de proveta, diagnóstico pré-implantatório ou possibilidades de intervenção
genética em células germinativas e embriões são expostos pela mídia, fato que comporta o
113
SYMONIDES, Janusz (org.). Direitos Humanos: novas dimensões e desafios. Brasília: UNESCO Brasil,
Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2003, p. 44.
114
CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE DIREITOS HUMANOS. Declaração e Programa de Ação de Viena.
Viena: Nações Unidas, 1993, parágrafo 11; apud SYMONIDES, Janusz (org.). Direitos Humanos: novas
dimensões e desafios. Brasília: UNESCO Brasil, Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2003, p.46.
115
Conforme se pode inferir das concepções de OMMATI, José Emílio Medauar. As novas técnicas de
reprodução humana à luz dos princípios constitucionais. Disponível em::<http://www1.jus.com.br> Acesso em:
06/02/2006.
116
Id. Ibid.
54
encobrimento de efeitos controversos, os quais permanecem mal e obscuramente avaliados no
plano científico.
Assim, a dificuldade apontada não pode deixar de ser interrogada quando se pretende
incrementar uma discussão sobre a regulação (normatização e/ou controle) ligada à eticidade
(ou não) da aplicação das técnicas de RA. Portanto, esse terreno constitui um dos pontos sobre
o qual a bioética aplicada precisa estar debruçada, pois do contrário se estará empobrecendo a
reflexão crítica a respeito das novas tecnologias de Reprodução Assistida, as quais ainda
apresentam altos custos e muitos riscos para as mulheres117.
Ainda no que diz respeito às mulheres a Constituição de 1988 assume vários
pressupostos já estabelecidos em documentos internacionais, como a igualdade entre homens e
mulheres em geral (art. 5°, I) e especificamente no âmbito da família (art. 226, § 5°); a
proibição de discriminação no mercado de trabalho, por motivo de sexo, idade, cor ou estado
civil (art. 7°, XXX, regulamentado pela lei 9.029 de 1995, que proíbe a exigência de atestados
de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para admissão ou permanência
no trabalho); a proteção da maternidade como direito social (art. 6°); o planejamento familiar
como livre decisão do casal, devendo o Estado propiciar recursos educacionais e científicos
para o exercício desse direito (art. 226, § 7°, regulamentado pela Lei 9.263, de 1996, que trata
do planejamento familiar, no âmbito do atendimento global e integral à saúde).
Destarte, em consonância com os Direitos Humanos, verifica-se que o direito à vida da
mulher e do embrião implantado, fundamentado no princípio da dignidade humana, carece ser
respeitado, soberbamente, quando as análises forem empreendidas no campo de elaboração de
legislações relacionadas ao assunto em pauta e de aplicação da legislação existente, assim
como na hora em que se for produzir regulamentos para tais leis, objetivando atender ao
clamor social por uma condução ética que valorize a segurança jurídica daqueles que
praticarem ou forem submetidos às técnicas de RA.
De acordo com essa visão, é importante ressaltar como focos de ponderações
interativas dos direitos humanos com a ética em questões relativas às técnicas de RA: que
todos os projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional partem do suposto da família
heterossexual, propondo a elegibilidade de acesso a essas tecnologias apenas para "mulheres e
casais inférteis"; que o consentimento é considerado fundamental no caso da mulher, podendo
117
ANDORNO, Roberto. La bioéthique et la dignité de la personne. Paris: PUF, 1997, p. 62.
55
ser prescindido para os parceiros; que o número máximo de embriões a serem transferidos é
ainda de quatro (um número estipulado originalmente pela resolução do CFM de 1992), sendo
ilegal a redução embrionária, posto que escorrega para a legislação nacional restritiva sobre
aborto; que o debate em torno das gestações múltiplas quanto da prática da redução
embrionária está, hoje, dissociado de uma discussão sobre a eficácia e os limites científicos
das técnicas sob exame.
Diante disso, constitui-se como problema ético preliminar verificar se é correto que as
os centros de reprodução assumam, no campo da RA, “orientações finalísticas de valor” e
passem a decidir por “operações aptas a interferir propositalmente na realidade”118, isto é,
possam fazer escolhas que pertençam à esfera das liberdades pessoais. Entendendo-se de
forma negativa, portanto, cabe deixar registrado que o “discurso ético precisa deslocar-se,
mesmo mantendo a referência às liberdades pessoais, para a motivação, as finalidades e as
modalidades das escolhas individuais e coletivas”119 também no que concerne à prática da
Reprodução Humana Assistida.
Com o deslocamento discursivo proposto, nascem mais algumas controvérsias
diretamente ligadas aos direitos humanos, tais como: a necessidade de autorização para
manipulação de gametas (células) e embriões; o respeito ao corpo da mulher implantada; o
tempo de conservação das células e dos embriões antes, durante e após a prática da RA; além
da importância da garantia da igualdade de chances para o acesso a essas novas tecnologias de
reprodução.
Tendo esses problemas como motivos, depreende-se que os eventuais perigos advindos
da RA devem ser avaliados em face do pesado ônus do sofrimento que podem dar causa, como
acentua Symonides120.
Ante a complexidade de preservar-se eticamente os direitos humanos, na congruência
da Reprodução Assistida, constatou-se que apesar dos esforços realizados poucos países
118
BERLINGUER, Giovanni. Bioética cotidiana. Brasília: Editora UnB, 2004, p. 84.
CLOTET, Joaquim. A Bioética: uma ética aplicada em destaque. Anais do Seminário Internacional de
Filosofia e Saúde. Florianópolis, 1994.
120
SYMONIDES, Janusz (org.). Direitos Humanos: novas dimensões e desafios. Brasília: UNESCO Brasil,
Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2003, passim.
119
56
estabeleceram um consenso interno que se traduza numa legislação ou numa política nacional
coesiva para a RA121.
Ao revisar as regulamentações e disposições vigentes em diversos países, bem como as
recomendadas por comitês de organismos internacionais122, comprova-se que existem aspectos
comuns no que diz respeito à utilização das técnicas atuais de RA; sendo eles:
1. o acesso a essas técnicas deve ser limitados a casais heterossexuais que
mantenham união estável;
2. as instituições e médicos que oferecem esses serviços devem estar sujeitos à
supervisão governamental;
3. a paternidade e a maternidade devem estar reguladas por leis válidas para todos os
nascimentos realizados por essas técnicas;
4. as histórias clínicas e as informações pertinentes devem conservar-se em caráter
confidencial;
5. a vida embrionária in vitro deve estar limitada a quatorze dias;
6. o armazenamento de gametas e embriões precisa ter um limite temporal;
7. a inseminação post morten deve ser proibida;
8. previamente deve obter-se o consentimendo dos pacientes;
9. as tecnologias reprodutivas não poderão ser objeto de comércio;
10. não deve haver seleção de sexo, exceto em casos de enfermidades ligadas ao
sexo, nem tão pouco seleção eugênica;
11. proibição da manipulação genética por técnicas externas de engenharia genética
(clonagem, fertilização entre espécies distintas etc.).
Apesar de muitos países estarem de acordo nos aspectos mencionados, as
características sócio-culturais, econômicas e religiosas em cada Estado têm criado
divergências123 quanto a:
1. questão da remuneração dos doadores;
2. o acesso da criança à informação sobre os doadores e o tipo dessa informação (se
genérica ou nominativa);
3. a conservação dessa informação: o tipo, tempo, e quem deve custodiá-la;
4. a doação e a conservação de embriões, assim como a experimentação com o
material embrionário humano: quem terá acesso, com que finalidade, por que período
de tempo e outras considerações;
5. a limitação do número de filhos por doador;
121
Dentre os que conseguiram merecem ressalva a Alemanha, o Canadá, a Dinamarca, a Espanha, a França, a
Inglaterra, a Itália e os E.U.A., por procurarem garantir o devido respeito aos direitos humanos de todos os
indivíduos que recorrem a esse tipo de serviço médico. Informação disponível em:
<www.redesaude.org.br/2006/imgs/Dossiê%20Reprodução%20Humana%20Assistida.pdf
>.
Acesso
em
10/07/2006.
122
OMS. Fertilidade e esterilidade. Disponível em: <http://www.who.int/en/>. Acesso em: 02/09/2006.
123
Id. Ibid.
57
6. o diagnóstico genético do embrião.
Compete mencionar, que na comunidade internacional estão se solidificando princípios
independentes das variações políticas, culturais e religiosas124, os quais podem servir como
base para futuras regulamentações e que se resumem em:
1. o respeito pela dignidade humana;
2. a segurança do material genético;
3. a qualidade dos serviços oferecidos;
4. a inviolabilidade da pessoa;
5. a inalienabilidade do corpo humano.
Ressaltando-se que os três primeiros constituem mecanismos de proteção à pessoa e os
demais são meios para assegurar o controle sobre a liberdade pessoal e científica, assim como
o respeito à dignidade humana que é, em si, a origem dos demais direitos fundamentais.
De tudo isso se deduz que o Estado brasileiro já instituiu formas de proteção aos
direitos reprodutivos, deixando claro que a construção desses direitos, como parte da intenção
mais ampla dos direitos humanos, é um processo relativamente recente, datando da
Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento125, quando foi produzido um
texto final trazendo a explicação de que a saúde reprodutiva é caracterizada como “um estado
geral de bem-estar físico, mental e social em todos os aspectos relacionados ao sistema
reprodutivo”, então, sendo as técnicas de RA abordadas como tratamento para infertilidade, o
uso delas faz parte do direito à saúde reprodutiva do indivíduo, direito humano fundamental.
Nessa esteira, já está na hora de se ampliar o alcance da Portaria 426/2005 (Anexo A)
do Ministério da Saúde, a qual se restringe ao Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecendo
em leis as definições relativas à política nacional em matéria de RA, mantendo a atenção e o
devido cuidado para que a legislação não atente contra a liberdade e os direitos fundamentais;
mesmo porque outras problemáticas que fazem parte do ideário dos direitos humanos
124
UNESCO. Parte C: recomendações de suma importância III. In: Simpósio Internacional sobre os Efeitos nos
Direitos Humanos dos Recentes Avanços na Ciência e na Tecnologia. Barcelona, Espanha, 25-28 de março de
1985. In: Anais. Barcelona: UNESCO, Conselho Internacional de Ciência Social, 1985; apud SYMONIDES,
Janusz (org.). Direitos Humanos: novas dimensões e desafios. Brasília: UNESCO Brasil, Secretaria Especial de
Direitos Humanos, 2003, p. 46.
125
A Conferencia Internacional sobre POPULAÇÃO E Desenvolvimento foi realizada no Cairo, em setembro de
1994, na qual foi estabelecido um plano de ação na área de população e desenvolvimento para os 20 anos
subseqüentes. Informação disponível em: < http://www.unicrio.org.br/Textos/onu_20b.htm>. Acesso em
05/09/2006.
58
prontamente foram objeto de regulamentação, sendo possível o mesmo acontecer com a
Reprodução Assistida, ou seja, a lei específica abarcar todo o conjunto de técnicas e
procedimentos (além dos seus efeitos), relativamente recentes, que possibilitam a intervenção
no processo natural de reprodução da espécie humana e, por estar abrangendo uma área tão
íntima das pessoas passa a merecer, por parte do Estado legislador, a atenção reclamada.
Em conseqüência, dificuldades éticas emergentes da Reprodução Assistida tais como a
experimentação com embriões, a clonagem humana além dos outros colocados, precisam estar
presentes nas discussões da sociedade no “Estado ético”, o qual, de acordo com o
entendimento formulado por Berlinguer126 :
[...] é aquele que baseando-se na sua eticidade intrínseca, absorve as exigências dos
indivíduos, reconhecendo apenas uma moral como válida, ditando, com as normas,
os comportamentos dos cidadãos.
Isso explicado conclui-se que a idéia do Estado ético aparece nas experiências
legislativas dos Estados Democráticos, como o Brasil, no campo da Reprodução Assistida,
sendo imperioso que as mesmas se pautem na reverência aos direitos humanos, no pluralismo
de idéias, em objetivos livremente escolhidos, e não na simples tradução de princípios
religiosos ou ideologias totalitárias, manifestadas em leis repressoras, pois esses Estados
Democráticos são plenos de oportunidades reconhecidas e protegidas por tutelas especiais.
Finalizando, restou demonstrado que os direitos humanos e a ética discutida em relação
à Reprodução Assistida conduzirão os Poderes constituídos a formalizarem e implementarem,
de fato, política pública sobre RA, de âmbito nacional, objetivando garantir os direitos
reprodutivos e minimizar os riscos daqueles que praticam ou se submetem as tecnologias de
Reprodução Humana Medicamente Assistida.
126
BERLINGUER, Giovanni. Bioética cotidiana. Brasília: Editora UnB, 2004, p. 82.
59
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
A Reprodução Assistida recebe a definição de ser um conjunto de métodos que têm
como objetivo a solução dos problemas de infertilidade conjugal, interferindo no processo
natural de reprodução, principalmente pelo manuseio de gametas e embriões.
Assim definida, entende-se que a reprodução induzida pelas técnicas abordadas ante o
avanço da ciência nessa área deve ser utilizada de forma criteriosa e rigorosamente adstrita aos
comandos da lei, que deve ser específica para a regulamentação dessa importante contextura
de tecnologias que possibilitam a reprodução humana.
Essencial ressalvar que o arcabouço legal que trata, direta ou indiretamente, da
Reprodução Assistida, seus efeitos, implicações e conseqüências é constituído pela Resolução
Normativa 1.358/1992 do Conselho Federal de Medicina – aborda as questões éticas; pela Lei
8.974/1995, Lei de Biossegurança, revogada pela Lei 11.105/2005 – tratam da manipulação de
células e embriões; pela Resolução nº 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde – dispõe
sobre as implicações de pesquisas em seres humanos; pelas Portarias 426/2005 e 388/2005,
ambas do Ministério da Saúde – instituem e estabelecem a forma de funcionamento da
Política Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida no âmbito do
Sistema Único de Saúde; marcos regulamentadores fundamentados na Constituição de 1988,
porém que ainda não atingiram o objetivo de traçar uma estruturação nacional específica e
completa para a área de RA.
Em relação às questões éticas e jurídicas derivadas da aplicação das técnicas de RA,
algumas são de mais fácil solução pelo Direito (embora as decisões recorram às Resoluções do
CFM e do MS e a Portarias por carência de legislação própria), outras são mais complexas (a
maioria delas), pois envolvem a ponderação de direitos fundamentais de igual status
constitucional, tais como o da dignidade da pessoa humana e o direito a gerar um filho; ou a
liberdade sobre o próprio corpo e o direito à vida, entre outros, procurando como fundamento
o texto constitucional e sua base principiológica, além dos dispositivos infra constitucionais
mencionados.
Pode-se observar que os principais impasses éticos apontados na seara da RA são: a
dificuldade de acesso a essas técnicas; quais deverão ser os eleitos para utilizá-las; a
manipulação dos gametas e dos embriões; a forma como e em que espaço de tempo ocorrerá o
60
descarte dos embriões não implantados; o respeito ao corpo da mulher como fornecedora de
óvulos ou como receptora dos embriões; a consideração ao doador de espermatozóide; a
questão sobre remunerar ou não doadores; a possibilidade de doação dos embriões não
utilizados; a forma de conservação dos embriões; assim como a experimentação com o
material embrionário humano, especificando quem terá acesso, com que finalidade, por que
período de tempo; a limitação do números de filhos por doador; o papel do Estado ante todas
essas situações, entre outros embaraços que têm surgido do dinamismo com que são
aprimoradas as tecnologias de Reprodução Humana.
Vale salientar que três correntes existem sobre o início da vida humana. Para a
primeira a vida começa na fecundação, já que as células têm vida própria; a segunda deixa
claro que a vida inicia-se no nascimento, ou seja, adquire-se a personalidade ao nascer com
vida, e a terceira reconhece o nascituro como sujeito de direitos condicionados ao nascer vivo.
Logo, se o embrião é vivo, não pode ser usado ilimitadamente como objeto.
Portanto, há responsabilidade do Estado para com a vida humana desde antes do
nascimento e, desse modo, será responsável pela regulamentação da Reprodução Assistida,
realizada por qualquer das práticas descritas no corpo deste trabalho, para buscar soluções
éticas para os problemas surgidos diante da evolução da ciência que hoje consegue tratar a
infertilidade como uma doença, promovendo a casais inférteis a possibilidade de gerar filhos.
Nesses pontos polêmicos apontados concluiu-se, como pacificado, que o Estado
precisa garantir respeito à dignidade humana, à igualdade entre homens e mulheres e de acesso
às técnicas de RA e a proteção ao patrimônio genético; precisando estabelecer em lei os
direitos e deveres de todos os envolvidos na prática da RA (médicos, pacientes, centros de
reprodução etc), depois de ouvidas as pretensões da sociedade, para que o texto legal traduza
a vertente ética apontada pelo tecido social, mormente quanto à utilização de embriões não
utilizados para obtenção de células-tronco, que podem ser empregadas para os mais diversos
fins, notando-se que há dissensão doutrinária nítida, com uma corrente sendo favorável à
doação desses embriões para a pesquisa (corrente à qual se filia esta pesquisadora) e outra
sendo terminantemente contrária a esse procedimento.
No que concerne aos problemas jurídicos, consigna-se que a ética deverá orientar a
postura do operador do Direito para que, na ausência de legislação especial, encontre
princípios hermenêuticos mais apropriados ao caso concreto; bem como que a vertente ética
61
deverá ser o viés a nortear os posicionamentos dos legisladores na edição de leis que versem
sobre tal temática.
Diante do estudo realizado, quando se conheceu de maneira mais profunda o assunto e
as dificuldades ainda não superadas pelos legisladores e juristas em relação à RA, passou-se a
crer na necessidade da criação, pelo Governo, de uma Comissão composta por juristas,
sociólogos, cientistas dessa área do conhecimento, especialistas em bioética, psicólogos,
médicos especializados e outros agentes facultativos, vinculados à especialidade em questão,
para a análise da atual prática e elaboração de uma proposta de regulamentação das atuações
em Reprodução Assistida; salientando-se que a legislação reguladora da RA deverá proteger
os direitos humanos dos pais, do que vai nascer, da criança nascida por tais técnicas, dos
médicos e demais profissionais da área de saúde envolvidos no processo, não esquecendo das
instituições que deverão ser credenciadas para desempenhar as práticas relativas à Reprodução
Humana Assistida.
Considera-se essencial que as técnicas a serem aplicadas devam ter em conta a
segurança dos pacientes e devam estar sendo oferecidas apenas por centros médicos
designados e controlados pelos órgãos oficiais, tendo a obrigação de resguardar além dos
critérios médicos na escolha, os critérios éticos e jurídicos, pois o acesso à RA precisa ser
restrito a quem demonstre a real vontade de conceber e dar à luz um filho, tendo, para isso,
condições bio-psico-sociais e estável situação econômico-financeira. Tais colocações Têm o
objetivo de esclarecer que se formulou o entendimento de que alguns agentes da sociedade
devem estar impedidos, pela legislação, de ter acesso à RA, dentre eles: menores de 18 anos
de idade; pessoas promíscuas, entre outros.
Faz-se necessário, também, que seja determinada a natureza jurídica do ato de doação
de gametas e embriões, precisando que seja caracterizado como ato voluntário e altruísta,
isento de qualquer espécie de comercialização, devendo os doadores serem saudáveis física e
mentalmente e a responsabilidade pela seleção de doadores recairá sobre o centro médico
devidamente autorizado pelo Estado para atuar com RA.
Outro ponto importante é a discussão jurídica sobre a possibilidade de utilização na
Reprodução Humana Assistida de gametas criopreservados depois da morte do doador,
compreendendo-se a magnitude do tema e a seriedade com que deve se revestir o estudo nessa
62
questão, infere-se que ela precisa ainda de mais estudos para que se chegue a uma decisão
harmonizadora.
Diante do exposto, e considerando que o objetivo primordial do estudo foi determinar
como a reflexão sobre os Direitos Humanos dará um novo impulso às cogitações éticas nas
leis que regerão a Reprodução Assistida no Brasil, passou-se a acreditar que só pelo aporte de
concepções fundamentadas na ética de condutas e procedimentos, o legislador e os juristas
poderão enfrentar os desafios das questões advindas do emprego da RA, aludidas nesta
pesquisa.
Em relação à verificação se a reverência mais aprofundada aos Direitos Humanos
conduzirá à promoção de leis próprias que enfatizem a vertente ética na Reprodução Assistida,
colocada como problema norteador da pesquisa; espera-se que, conscientemente, as reflexões
sobre os direitos inerentes à pessoa, pela simples condição de ser homem, sirvam de
sustentáculo para a formulação de leis coerentes, justas e pautadas em princípios éticos, como
tem acontecido pelo mundo afora, consoante demonstram as legislações da Espanha, França,
Itália, Canadá, trazidas à baila no decorrer do estudo.
É importante, nessa esteira, demarcar o progresso das discussões sobre o assunto
analisado no período compreendido entre 1994 e 2005, sendo consenso que a lei deve ser
instrumento de intervenção do Estado na sociedade quando a matéria precisa dessa ingerência,
como é o caso da Reprodução Assistida, tendo como desígnio o efetivo desvio das práticas de
comercialização do corpo humano, quer seja como doador de células, embriões ou como
repositórios desses elementos, caracterizando o comércio indigno das barrigas de aluguel ou
mesmo de bebês, gerados por RA para serem negociados no mercado negro das adoções
ilegais e clandestinas.
Diante de tudo até então exposto, recomenda-se que sejam criados bancos de gametas e
embriões, como os bancos de sangue, devidamente fiscalizados pelo Poder Público, que seja
permitido o armazenamento de embriões de pessoas com risco severo de infertilidade, que o
período desse tipo de armazenamento deve ser limitado no tempo, os filhos nascidos por
técnicas de RA tenham iguais direitos aos procriados naturalmente, a paternidade do nascido
por técnicas heterólogas se impute ao companheiro estável da mãe, se estabeleça a adoção
como via para que os pais genéticos se convertam em pais legais, se houver interesse
demonstrado nisso; no caso de doação de embriões que os receptores possam adquirir a
63
paternidade legal por algum tipo de adoção pré-natal e que seja essencial para os que
necessitarem de técnicas de RA para conceber um filho, o consentimento informado das partes
e por escrito e prévio.
Como conclusão, face ao explicitado, entende-se que há necessidade de se inserir no
Código Civil, artigos que abarquem a problematização aduzida, enfrentando as questões de
definir quando se inicia a vida, como deverá ser a proteção às células e aos embriões, a quem
será atribuída a responsabilidade por manipulações indevidas desses elementos e de que tipo
será essa responsabilidade, como serão resguardados os direitos reprodutivos (tidos como
direitos personalíssimos), bem assim de se estabelecer no Código Penal as condutas delituosas
sobrevindas das práticas de RA, com a devida cominação de penas para quem as praticar.
Por último, é imperioso acrescentar que o Direito centrado no ser humano,
reconhecendo os direitos inerentes à pessoa, precisa encontrar caminhos para trazer a
harmonização da sociedade, apontando soluções para todas as questões levantadas e
reverenciando os Direitos Humanos, Espera-se, ainda, que num verdadeiro processo histórico
de construção coletiva, o Direito favoreça a elaboração de legislação que regule a RHA,
pautada na ética vislumbrada na sociedade brasileira.
64
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70
ANEXO A – PORTARIAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE N°s 426/2005 e 388/ 2005
PORTARIA Nº 426/GM Em 22 de março de 2005.
Institui, no âmbito do SUS, a Política Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida e dá
outras providências.
O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso de suas atribuições, e
Considerando a necessidade de estruturar no Sistema Único de Saúde - SUS uma rede de serviços
regionalizada e hierarquizada que permita atenção integral em reprodução humana assistida e melhoria do acesso
a esse atendimento especializado;
Considerando que a assistência em planejamento familiar deve incluir a oferta de todos os métodos e
técnicas para a concepção e a anticoncepção, cientificamente aceitos, de acordo com a Lei nº 9.263, de 12 de
janeiro de 1996, que regula o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar;
Considerando que, segundo a Organização Mundial da Saúde - OMS e sociedades científicas,
aproximadamente, 8% a 15% dos casais têm algum problema de infertilidade durante sua vida fértil, sendo que a
infertilidade se define como a ausência de gravidez após 12 (doze) meses de relações sexuais regulares, sem uso
de contracepção;
Considerando que as técnicas de reprodução humana assistida contribuem para a diminuição da
transmissão vertical e/ou horizontal de doenças infecto-contagiosas, genéticas, entre outras;
Considerando a necessidade de estabelecer mecanismos de regulação, fiscalização, controle e avaliação da
assistência prestada aos usuários; e
Considerando a necessidade de estabelecer os critérios mínimos para o credenciamento e a habilitação dos
serviços de referência de Média e Alta Complexidade em reprodução humana assistida na rede SUS,
R E S O L V E:
Art. 1º Instituir, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, a Política Nacional de Atenção Integral em
Reprodução Humana Assistida, a ser implantada em todas as unidades federadas, respeitadas as competências das
três esferas de gestão.
Art. 2° Determinar que a Política Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida seja
implantada de forma articulada entre o Ministério da Saúde, as Secretarias de Estado de Saúde e as Secretarias
Municipais de Saúde, permitindo:
I - organizar uma linha de cuidados integrais (promoção, prevenção, tratamento e reabilitação) que
perpasse todos os níveis de atenção, promovendo, dessa forma, a atenção por intermédio de equipe
multiprofissional, com atuação interdisciplinar;
II - identificar os determinantes e condicionantes dos principais problemas de infertilidade em casais em
sua vida fértil, e desenvolver ações transetoriais de responsabilidade pública, sem excluir as responsabilidades de
toda a sociedade;
III - definir critérios técnicos mínimos para o funcionamento, o monitoramento e a avaliação dos serviços
que realizam os procedimentos e técnicas de reprodução humana assistida, necessários à viabilização da
71
concepção, tanto para casais com infertilidade, como para aqueles que se beneficiem desses recursos para o
controle da transmissão vertical e/ou horizontal de doenças;
IV - fomentar, coordenar e executar projetos estratégicos que visem ao estudo do custo-efetividade,
eficácia e qualidade, bem como a incorporação tecnológica na área da reprodução humana assistida no Brasil;
V - promover intercâmbio com outros subsistemas de informações setoriais, implementando e
aperfeiçoando permanentemente a produção de dados e garantindo a democratização das informações; e
VI - qualificar a assistência e promover a educação permanente dos profissionais de saúde envolvidos com
a implantação e a implementação da Política de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida, em
conformidade com os princípios da integralidade e da Política Nacional de Humanização - PNH.
Art. 3º Definir que a Política Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida, de que
trata o artigo 1º desta Portaria, seja constituída a partir dos seguintes componentes fundamentais:
I - Atenção Básica: é a porta de entrada para a identificação do casal infértil e na qual devem ser
realizados a anamnese, o exame clínico-ginecológico e um elenco de exames complementares de diagnósticos
básicos, afastando-se patologias, fatores concomitantes e qualquer situação que interfira numa futura gestação e
que ponham em risco a vida da mulher ou do feto;
II – Média Complexidade: os serviços de referência de Média Complexidade estarão habilitados a atender
aos casos encaminhados pela Atenção Básica, realizando acompanhamento psicossocial e os demais
procedimentos do elenco deste nível de atenção, e aos quais é facultativa e desejável, a realização de todos os
procedimentos diagnósticos e terapêuticos relativos à reprodução humana assistida, à exceção dos relacionados à
fertilização in vitro; e
III - Alta Complexidade: os serviços de referência de Alta Complexidade estarão habilitados a atender aos
casos encaminhados pela Média Complexidade, estando capacitados para realizar todos os procedimentos de
Média Complexidade, bem como a fertilização in vitro e a inseminação artificial.
§ 1º A rede de atenção de Média e Alta Complexidade será composta por:
a) serviços de referência de Média e Alta Complexidade em reprodução humana assistida; e
b) serviços de Assistência Especializada - SAE que são de referência em DST/HIV/Aids.
§ 2º Os componentes descritos no caput deste artigo devem ser organizados segundo o Plano Diretor de
Regionalização - PDR de cada unidade federada e segundo os princípios e diretrizes de universalidade, eqüidade,
regionalização, hierarquização e integralidade da atenção à saúde.
Art. 4º A regulamentação suplementar e complementar do disposto nesta Portaria ficará a cargo dos
estados, do Distrito Federal e dos municípios, com o objetivo de regular a atenção em reprodução humana
assistida.
§ 1º A regulação, a fiscalização, o controle e a avaliação das ações de atenção em reprodução humana
assistida serão de competência das três esferas de governo.
§ 2º Os componentes do caput deste artigo deverão ser regulados por protocolos de conduta, de referência
e de contra-referência em todos os níveis de atenção que permitam o aprimoramento da atenção, da regulação, do
controle e da avaliação.
Art. 5º A capacitação e a educação permanente das equipes de saúde de todos os âmbitos da atenção
envolvendo os profissionais de nível superior e os de nível técnico, deverão ser realizadas de acordo com as
diretrizes do SUS e alicerçadas nos pólos de educação permanente em saúde.
Art.6º Determinar à Secretaria de Atenção à Saúde - SAS, isoladamente ou em conjunto com outras
Secretarias do Ministério da Saúde, que adote todas as providências necessárias à plena estruturação da Política
Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida, ora instituída.
Art. 7º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
HUMBERTO COSTA
72
PORTARIA Nº 388 DE 06 DE JULHO DE 2005
O Secretário de Atenção à Saúde, no uso de suas atribuições, e
Considerando a Portaria GM/MS nº 426 de 22 de março de 2005, que institui a Política Nacional de
Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida;
Considerando a necessidade de regulamentar a atenção em reprodução humana assistida aos casais inférteis, aos
portadores de doenças genéticas e aos portadores de doenças infecto-contagiosas, em especial os portadores do
HIV e das Hepatites virais;
Considerando a necessidade de adotar mecanismos capazes de permitir o acesso dos casais inférteis, dos
portadores de doenças genéticas e dos portadores de doenças infecto-contagiosas, em especial os portadores do
HIV e das Hepatites virais usuários do Sistema Único de Saúde - SUS aos serviços de Média e Alta
Complexidade em Reprodução Humana Assistida;
Considerando a necessidade de definir as ações de assistência à concepção por meio de técnicas de
reprodução humana assistida nos três níveis de atenção, bem como a de determinar os respectivos papéis desses
níveis e as qualidades técnicas necessárias ao bom desempenho de suas funções;
Considerando a necessidade de estabelecer protocolos clínicos, cirúrgicos e de atenção psicossocial em
reprodução humana assistida, que contenham critérios de diagnóstico e tratamento, que observem princípios
éticos e técnicos e estabeleçam mecanismos de acompanhamento de uso e de avaliação de resultados;
Considerando a necessidade de auxiliar os gestores no controle e avaliação da atenção em reprodução
humana assistida;
Considerando a necessidade de incluir procedimentos nas Tabelas do Sistema Único de Saúde para
contemplar a atenção em reprodução humana assistida;
Considerando a necessidade de estabelecer normas e critérios para o credenciamento e habilitação dos
serviços de Média e Alta Complexidade;
Considerando a necessidade do estabelecimento de um sistema de fluxo de referência e contra-referência
no âmbito do Sistema Único de Saúde, resolve:
Art. 1º - Determinar que as Secretarias de Saúde dos estados e do Distrito Federal adotem em conjunto com os
municípios, as providências necessárias para organizar e implantar as redes estaduais, municipais e do Distrito
Federal de Atenção em Reprodução Humana Assistida, sendo o Estado o responsável pela coordenação da rede,
conforme Anexo I e III desta Portaria,
Art 2º - As redes Estaduais e do Distrito Federal para a atenção em reprodução humana assistida serão compostas
por serviços de saúde que contemplem ações de prevenção e recuperação na Atenção Básica, na Média e Alta
Complexidade, descritas na forma do Anexo III desta Portaria.
§1º - Entende-se por serviços de referência em reprodução humana assistida na Média Complexidade, os
serviços que ofereçam atenção diagnóstica e terapêutica especializada, acompanhamento psicossocial, com
condições técnicas, instalações físicas, equipamentos e recursos humanos adequados ao atendimento dos casais
com infertilidade, dos portadores de doenças genéticas e dos portadores de doenças infecto-contagiosas, em
especial os portadores do HIV e das Hepatites virais, devendo estar articulados a uma central de regulação
estadual, e/ou municipal e do Distrito Federal que garanta a integração com o sistema local e regional,
complementando as ações da Atenção Básica e que ofereçam os procedimentos constantes no anexo II desta
Portaria e, sendo facultativo e desejável a realização, nestes serviços, de histeroscopia diagnóstica, histeroscopia
cirúrgica, laparoscopia, microcirurgias, inseminação artificial e avaliação genética.
§2º - Entende-se por serviços de referência em reprodução humana assistida na Alta Complexidade, os
serviços que ofereçam atenção diagnóstica e terapêutica especializada, acompanhamento psicossocial, com
condições técnicas, instalações físicas, equipamentos e recursos humanos adequados ao atendimento dos casais
inférteis, dos portadores de doenças genéticas e dos portadores de doenças infecto-contagiosas, em especial os
portadores do HIV e das Hepatites virais, devendo estar articulados a uma central de regulação estadual e/ou
municipal e do Distrito Federal que garanta a integração com o sistema local e regional, que complementem as
ações da Atenção Básica e de Média Complexidade e, que ofereçam todos os procedimentos de Média
Complexidade e realizem a fertilização assistida, conforme constante no Anexo II.
Art 3º - Estabelecer que, na definição dos quantitativos e na distribuição geográfica dos serviços de saúde que
integrarão as Redes de atenção em Reprodução Humana Assistida, as Secretarias de Saúde dos Estados e do
Distrito Federal devam observar os respectivos Planos Diretores de Regionalização e utilizar os seguintes
critérios que deverão estar detalhados nos Planos Estaduais e Municipais de atenção integral em reprodução
humana assistida:
a) população a ser atendida;
b) necessidade de cobertura assistencial;
73
c) nível de complexidade dos serviços;
d) distribuição geográfica dos serviços;
e) capacidade técnica e operacional dos serviços;
f) mecanismos de acesso com os fluxos de referência e contra-referência.
Parágrafo Único - Para a organização dos serviços de atenção em reprodução humana assistida na Média
e Alta Complexidade devem ser observados os quantitativos de serviços, definidos por Unidade da Federação,
onde a área de cobertura assistencial deve ser de 01 (um) serviço para abrangência de no mínimo 6.000.000 de
habitantes, para garantir a viabilidade econômica destes serviços;
Art. 4º - Estabelecer que os serviços de atenção em reprodução humana assistida na Média e na Alta
Complexidade devem ser de ensino públicos/filantrópicos certificados pelo Ministério da Saúde, designados pela
Comissão Intergestores Bipartite.
Parágrafo Único - No caso da não disponibilidade de unidades de ensino públicas/filantrópicas
certificadas, a referida Comissão poderá designar instituições da rede complementar, preferencialmente,
instituições públicas e filantrópicas, com experiência comprovada nesta área de atenção, conforme Anexo I;
Art. 5º - Determinar que as Secretarias de Saúde dos Estados e Distrito Federal em conjunto com os
Municípios, ao constituírem as suas redes estaduais de atenção em reprodução humana assistida, estabeleçam os
fluxos e mecanismos de referência e contra-referência.
Art. 6° - Determinar que os serviços de Média e Alta Complexidade para a atenção em Reprodução
Humana Assistida aos casais inférteis, aos portadores de doenças genéticas e aos portadores de doenças infectocontagiosas, em especial os portadores de HIV e das Hepatites virais, realizem esta atenção de acordo com as
diretrizes de indicações clínicas e de acompanhamento psicossocial, descritas no Anexo III desta Portaria.
Art. 7º - Estabelecer que, para serem credenciados no Sistema Único de Saúde, todos os serviços de
atenção em reprodução humana assistida na Média e na Alta Complexidade, devem ser vistoriados pelo órgão de
Vigilância Sanitária local e estar em conformidade com o Regulamento Técnico da Resolução de Diretoria
Colegiada - RDC/ANVISA;
§ 1º Os serviços de reprodução humana assistida da rede pública e privada de saúde, devem ser
submetidos à inspeção sanitária para obtenção de liberação de funcionamento;.
§ 2º Para fins de credenciamento e habilitação deve constar no processo relatório conclusivo da Vigilância
Sanitária Local e liberação para funcionamento do serviço.
Art. 8° - Aprovar, na forma de anexos desta Portaria, o que segue:
· Anexo I: Normas para o Credenciamento e Habilitação dos Serviços de Referência de Média e Alta
complexidade em Reprodução Humana Assistida;
· Anexo II: Relação de Procedimentos Incluídos nas Tabelas SIA e SIH/SUS para a Reprodução Humana
Assistida nos Três Níveis de Atenção;
· Anexo III: Diretrizes para Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida.
Art. 9° - Determinar que os atuais serviços de Média e Alta Complexidade públicos ou filantrópicos, que
já realizam os procedimentos em Reprodução Humana Assistida, devem se adaptar às normas da presente
Portaria, e solicitar credenciamento e habilitação ao gestor estadual ou municipal em Gestão Plena do Sistema, no
prazo de 180 dias a contar da data de publicação desta Portaria.
Art 10 - Os serviços de atenção em reprodução humana assistida na Média e na Alta Complexidade
devem submeter-se à regulação, fiscalização, controle e avaliação do gestor estadual e municipal e Distrito
Federal, conforme as atribuições estabelecidas nas respectivas condições de gestão.
Parágrafo único - Os procedimentos de Média e Alta Complexidade de atenção em reprodução humana
assistida, discriminados nas tabelas de procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS), devem ser submetidos à
autorização prévia pelo gestor local correspondente.
Art 11 - Instituir, no âmbito da Secretaria de Atenção a Saúde, uma Câmara Técnica da Assistência à
Reprodução Humana Assistida, com a finalidade de proceder a implantação e implementação da Política
Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida.
§ 1º - A Câmara Técnica de que trata este Artigo será composta pelos seguintes membros, e atuará sob a
coordenação do primeiro:
- 04 (quatro) representantes do Ministério da Saúde, indicados pela Secretaria de Atenção a Saúde;
- 01 (um) representante da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana - SBRH;
- 01 (um) representante da Sociedade Brasileira de Urologia - SBU;
- 01 (um) representante da Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia –
FEBRASGO;
- 01 (um) representante Núcleo Brasileiro de Embriologistas em Medicina Reprodutiva – PRONÚCLEO;
- 01 (um) representante do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde – CONASS;
74
- 01 (um) representante do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde – CONASEMS;
§ 2º - Estabelecer o prazo de 60 dias, a contar da data de publicação desta Portaria, para que esta Câmara
Técnica, defina uma proposta de mecanismo de financiamento e valores de remuneração das ações e serviços
objeto desta Portaria.
Art.12 - Estabelecer o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da data de publicação desta Portaria,
para que a Secretaria de Atenção à Saúde defina indicadores e instrumentos de monitoramento e avaliação da
qualidade das unidades habilitadas.
Art. 13 - Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
JORGE SOLLA
Secretário
75
ANEXO B - RESOLUÇÃO Nº 196 DE 10 DE OUTUBRO DE 1996 DO CONSELHO
NACIONAL DE SAÚDE
O Plenário do Conselho Nacional de Saúde em sua Quinquagésima Nona Reunião Ordinária, realizada nos dias
09 e 10 de outubro de 1996, no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei nº 8.080,
de 19 de setembro de 1990, e pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, RESOLVE:
Aprovar as seguintes diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos:
I - PREÂMBULO
A presente Resolução fundamenta-se nos principais documentos internacionais que emanaram declarações e
diretrizes sobre pesquisas que envolvem seres humanos: o Código de Nuremberg (1947), a Declaração dos
Direitos do Homem (1948), a Declaração de Helsinque (1964 e suas versões posteriores de 1975, 1983 e 1989), o
Acordo Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ONU, 1966, aprovado pelo Congresso Nacional Brasileiro
em 1992), as Propostas de Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres
Humanos (CIOMS/OMS 1982 e 1993) e as Diretrizes Internacionais para Revisão Ética de Estudos
Epidemiológicos (CIOMS, 1991). Cumpre as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988 e da legislação brasileira correlata: Código de Direitos do Consumidor, Código Civil e Código Penal,
Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Orgânica da Saúde 8.080, de 19/09/90 (dispõe sobre as condições de
atenção à saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes), Lei 8.142, de 28/12/90
(participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde), Decreto 99.438, de 07/08/90 (organização e
atribuições do Conselho Nacional de Saúde), Decreto 98.830, de 15/01/90 (coleta por estrangeiros de dados e
materiais científicos no Brasil), Lei 8.489, de 18/11/92, e Decreto 879, de 22/07/93 (dispõem sobre retirada de
tecidos, órgãos e outras partes do corpo humano com fins humanitários e científicos), Lei 8.501, de 30/11/92
(utilização de cadáver), Lei 8.974, de 05/01/95 (uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio
ambiente de organismos geneticamente modificados), Lei 9.279, de 14/05/96 (regula direitos e obrigações
relativos à propriedade industrial), e outras.
Esta Resolução incorpora, sob a ótica do indivíduo e das coletividades, os quatro referenciais básicos da bioética:
autonomia, não maleficência, beneficência e justiça, entre outros, e visa assegurar os direitos e deveres que dizem
respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado.
O caráter contextual das considerações aqui desenvolvidas implica em revisões periódicas desta Resolução,
conforme necessidades nas áreas tecnocientífica e ética.
Ressalta-se, ainda, que cada área temática de investigação e cada modalidade de pesquisa, além de respeitar os
princípios emanados deste texto, deve cumprir com as exigências setoriais e regulamentações específicas.
II - TERMOS E DEFINIÇÕES
A presente Resolução, adota no seu âmbito as seguintes definições:
II.1 - Pesquisa - classe de atividades cujo objetivo é desenvolver ou contribuir para o conhecimento
generalizável. O conhecimento generalizável consiste em teorias, relações ou princípios ou no acúmulo de
informações sobre as quais estão baseados, que possam ser corroborados por métodos científicos aceitos de
observação e inferência.
II.2 - Pesquisa envolvendo seres humanos - pesquisa que, individual ou coletivamente, envolva o ser humano,
de forma direta ou indireta, em sua totalidade ou partes dele, incluindo o manejo de informações ou materiais.
II.3 - Protocolo de Pesquisa - Documento contemplando a descrição da pesquisa em seus aspectos
fundamentais, informações relativas ao sujeito da pesquisa, à qualificação dos pesquisadores e à todas as
instâncias responsáveis.
II.4 - Pesquisador responsável - pessoa responsável pela coordenação e realização da pesquisa e pela
integridade e bem-estar dos sujeitos da pesquisa.
II.5 - Instituição de pesquisa - organização, pública ou privada, legitimamente constituída e habilitada na qual
são realizadas investigações científicas.
II.6 - Promotor - indivíduo ou instituição, responsável pela promoção da pesquisa.
II.7 - Patrocinador - pessoa física ou jurídica que apoia financeiramente a pesquisa.
II.8 - Risco da pesquisa - possibilidade de danos à dimensão física, psíquica, moral, intelectual, social, cultural
ou espiritual do ser humano, em qualquer fase de uma pesquisa e dela decorrente.
II.9 - Dano associado ou decorrente da pesquisa - agravo imediato ou tardio, ao indivíduo ou à coletividade,
com nexo causal comprovado, direto ou indireto, decorrente do estudo científico.
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II.10 - Sujeito da pesquisa - é o(a) participante pesquisado(a), individual ou coletivamente, de caráter
voluntário, vedada qualquer forma de remuneração.
II.11 - Consentimento livre e esclarecido - anuência do sujeito da pesquisa e/ou de seu representante legal, livre
de vícios (simulação, fraude ou erro), dependência, subordinação ou intimidação, após explicação completa e
pormenorizada sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o
incômodo que esta possa acarretar, formulada em um termo de consentimento, autorizando sua participação
voluntária na pesquisa.
II.12 - Indenização - cobertura material, em reparação a dano imediato ou tardio, causado pela pesquisa ao ser
humano a ela submetida.
II.13 - Ressarcimento - cobertura, em compensação, exclusiva de despesas decorrentes da participação do
sujeito na pesquisa.
II.14 - Comitês de Ética em Pesquisa-CEP - colegiados interdisciplinares e independentes, com "munus
público", de caráter consultivo, deliberativo e educativo, criados para defender os interesses dos sujeitos da
pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir no desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões
éticos.
II.15 - Vulnerabilidade - refere-se a estado de pessoas ou grupos que, por quaisquer razões ou motivos, tenham
a sua capacidade de autodeterminação reduzida, sobretudo no que se refere ao consentimento livre e esclarecido.
II.16 - Incapacidade - Refere-se ao possível sujeito da pesquisa que não tenha capacidade civil para dar o seu
consentimento livre e esclarecido, devendo ser assistido ou representado, de acordo com a legislação brasileira
vigente.
III - ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA ENVOLVENDO SERES HUMANOS
As pesquisas envolvendo seres humanos devem atender às exigências éticas e científicas fundamentais.
III.1 - A eticidade da pesquisa implica em:
a) consentimento livre e esclarecido dos indivíduos-alvo e a proteção a grupos vulneráveis e aos legalmente
incapazes (autonomia). Neste sentido, a pesquisa envolvendo seres humanos deverá sempre tratá-los em sua
dignidade, respeitá-los em sua autonomia e defendê-los em sua vulnerabilidade;
b) ponderação entre riscos e benefícios, tanto atuais como potenciais, individuais ou coletivos (beneficência),
comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos;
c) garantia de que danos previsíveis serão evitados (não maleficência);
d) relevância social da pesquisa com vantagens significativas para os sujeitos da pesquisa e minimização do ônus
para os sujeitos vulneráveis, o que garante a igual consideração dos interesses envolvidos, não perdendo o sentido
de sua destinação sócio-humanitária (justiça e eqüidade).
III.2- Todo procedimento de qualquer natureza envolvendo o ser humano, cuja aceitação não esteja ainda
consagrada na literatura científica, será considerado como pesquisa e, portanto, deverá obedecer às diretrizes da
presente Resolução. Os procedimentos referidos incluem entre outros, os de natureza instrumental, ambiental,
nutricional, educacional, sociológica, econômica, física, psíquica ou biológica, sejam eles farmacológicos,
clínicos ou cirúrgicos e de finalidade preventiva, diagnóstica ou terapêutica.
III.3 - A pesquisa em qualquer área do conhecimento, envolvendo seres humanos deverá observar as seguintes
exigências:
a) ser adequada aos princípios científicos que a justifiquem e com possibilidades concretas de responder a
incertezas;
b) estar fundamentada na experimentação prévia realizada em laboratórios, animais ou em outros fatos
científicos;
c) ser realizada somente quando o conhecimento que se pretende obter não possa ser obtido por outro meio;
d) prevalecer sempre as probabilidades dos benefícios esperados sobre os riscos previsíveis;
e) obedecer a metodologia adequada. Se houver necessidade de distribuição aleatória dos sujeitos da pesquisa em
grupos experimentais e de controle, assegurar que, a priori, não seja possível estabelecer as vantagens de um
procedimento sobre outro através de revisão de literatura, métodos observacionais ou métodos que não envolvam
seres humanos;
f) ter plenamente justificada, quando for o caso, a utilização de placebo, em termos de não maleficência e de
necessidade metodológica;
g) contar com o consentimento livre e esclarecido do sujeito da pesquisa e/ou seu representante legal;
h) contar com os recursos humanos e materiais necessários que garantam o bem-estar do sujeito da pesquisa,
devendo ainda haver adequação entre a competência do pesquisador e o projeto proposto;
i) prever procedimentos que assegurem a confidencialidade e a privacidade, a proteção da imagem e a não
estigmatização, garantindo a não utilização das informações em prejuízo das pessoas e/ou das comunidades,
inclusive em termos de auto-estima, de prestígio e/ou econômico - financeiro;
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j) ser desenvolvida preferencialmente em indivíduos com autonomia plena. Indivíduos ou grupos vulneráveis não
devem ser sujeitos de pesquisa quando a informação desejada possa ser obtida através de sujeitos com plena
autonomia, a menos que a investigação possa trazer benefícios diretos aos vulneráveis. Nestes casos, o direito dos
indivíduos ou grupos que queiram participar da pesquisa deve ser assegurado, desde que seja garantida a proteção
à sua vulnerabilidade e incapacidade legalmente definida;
l) respeitar sempre os valores culturais, sociais, morais, religiosos e éticos, bem como os hábitos e costumes
quando as pesquisas envolverem comunidades;
m) garantir que as pesquisas em comunidades, sempre que possível, traduzir-se-ão em benefícios cujos efeitos
continuem a se fazer sentir após sua conclusão. O projeto deve analisar as necessidades de cada um dos membros
da comunidade e analisar as diferenças presentes entre eles, explicitando como será assegurado o respeito às
mesmas;
n) garantir o retorno dos benefícios obtidos através das pesquisas para as pessoas e as comunidades onde as
mesmas forem realizadas. Quando, no interesse da comunidade, houver benefício real em incentivar ou estimular
mudanças de costumes ou comportamentos, o protocolo de pesquisa deve incluir, sempre que possível,
disposições para comunicar tal benefício às pessoas e/ou comunidades;
o) comunicar às autoridades sanitárias os resultados da pesquisa, sempre que os mesmos puderem contribuir para
a melhoria das condições de saúde da coletividade, preservando, porém, a imagem e assegurando que os sujeitos
da pesquisa não sejam estigmatizados ou percam a auto-estima;
p) assegurar aos sujeitos da pesquisa os benefícios resultantes do projeto, seja em termos de retorno social, acesso
aos procedimentos, produtos ou agentes da pesquisa;
q)assegurar aos sujeitos da pesquisa as condições de acompanhamento, tratamento ou de orientação, conforme o
caso, nas pesquisas de rastreamento; demonstrar a preponderância de benefícios sobre riscos e custos;
r) assegurar a inexistência de conflito de interesses entre o pesquisador e os sujeitos da pesquisa ou patrocinador
do projeto;
s) comprovar, nas pesquisas conduzidas do exterior ou com cooperação estrangeira, os compromissos e as
vantagens, para os sujeitos das pesquisas e para o Brasil, decorrentes de sua realização. Nestes casos deve ser
identificado o pesquisador e a instituição nacionais co-responsáveis pela pesquisa. O protocolo deverá observar
as exigências da Declaração de Helsinque e incluir documento de aprovação, no país de origem, entre os
apresentados para avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição brasileira, que exigirá o cumprimento
de seus próprios referenciais éticos. Os estudos patrocinados do exterior também devem responder às
necessidades de treinamento de pessoal no Brasil, para que o país possa desenvolver projetos similares de forma
independente;
t) utilizar o material biológico e os dados obtidos na pesquisa exclusivamente para a finalidade prevista no seu
protocolo;
u) levar em conta, nas pesquisas realizadas em mulheres em idade fértil ou em mulheres grávidas, a avaliação de
riscos e benefícios e as eventuais interferências sobre a fertilidade, a gravidez, o embrião ou o feto, o trabalho de
parto, o puerpério, a lactação e o recém-nascido;
v) considerar que as pesquisas em mulheres grávidas devem, ser precedidas de pesquisas em mulheres fora do
período gestacional, exceto quando a gravidez for o objetivo fundamental da pesquisa;
x) propiciar, nos estudos multicêntricos, a participação dos pesquisadores que desenvolverão a pesquisa na
elaboração do delineamento geral do projeto; e
z) descontinuar o estudo somente após análise das razões da descontinuidade pelo CEP que a aprovou.
IV - CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
O respeito devido à dignidade humana exige que toda pesquisa se processe após consentimento livre e
esclarecido dos sujeitos, indivíduos ou grupos que por si e/ou por seus representantes legais manifestem a sua
anuência à participação na pesquisa.
IV.1 - Exige-se que o esclarecimento dos sujeitos se faça em linguagem acessível e que inclua necessariamente
os seguintes aspectos:
a) a justificativa, os objetivos e os procedimentos que serão utilizados na pesquisa;
b) os desconfortos e riscos possíveis e os benefícios esperados;
c) os métodos alternativos existentes;
d) a forma de acompanhamento e assistência, assim como seus responsáveis;
e) a garantia de esclarecimentos, antes e durante o curso da pesquisa, sobre a metodologia, informando a
possibilidade de inclusão em grupo controle ou placebo;
f) a liberdade do sujeito se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem
penalização alguma e sem prejuízo ao seu cuidado;
g) a garantia do sigilo que assegure a privacidade dos sujeitos quanto aos dados confidenciais envolvidos na
pesquisa;
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h) as formas de ressarcimento das despesas decorrentes da participação na pesquisa; e
i) as formas de indenização diante de eventuais danos decorrentes da pesquisa.
IV.2 - O termo de consentimento livre e esclarecido obedecerá aos seguintes requisitos:
a) ser elaborado pelo pesquisador responsável, expressando o cumprimento de cada uma das exigências acima;
b) ser aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa que referenda a investigação;
c) ser assinado ou identificado por impressão dactiloscópica, por todos e cada um dos sujeitos da pesquisa ou por
seus representantes legais; e
d) ser elaborado em duas vias, sendo uma retida pelo sujeito da pesquisa ou por seu representante legal e uma
arquivada pelo pesquisador.
IV.3 - Nos casos em que haja qualquer restrição à liberdade ou ao esclarecimento necessários para o adequado
consentimento, deve-se ainda observar:
a) em pesquisas envolvendo crianças e adolescentes, portadores de perturbação ou doença mental e sujeitos em
situação de substancial diminuição em suas capacidades de consentimento, deverá haver justificação clara da
escolha dos sujeitos da pesquisa, especificada no protocolo, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, e
cumprir as exigências do consentimento livre e esclarecido, através dos representantes legais dos referidos
sujeitos, sem suspensão do direito de informação do indivíduo, no limite de sua capacidade;
b) a liberdade do consentimento deverá ser particularmente garantida para aqueles sujeitos que, embora adultos e
capazes, estejam expostos a condicionamentos específicos ou à influência de autoridade, especialmente
estudantes, militares, empregados, presidiários, internos em centros de readaptação, casas-abrigo, asilos,
associações religiosas e semelhantes, assegurando-lhes a inteira liberdade de participar ou não da pesquisa, sem
quaisquer represálias;
c) nos casos em que seja impossível registrar o consentimento livre e esclarecido, tal fato deve ser devidamente
documentado, com explicação das causas da impossibilidade, e parecer do Comitê de Ética em Pesquisa;
d) as pesquisas em pessoas com o diagnóstico de morte encefálica só podem ser realizadas desde que estejam
preenchidas as seguintes condições:
- documento comprobatório da morte encefálica (atestado de óbito);
- consentimento explícito dos familiares e/ou do responsável legal, ou manifestação prévia da vontade da pessoa;
- respeito total à dignidade do ser humano sem mutilação ou violação do corpo;
- sem ônus econômico financeiro adicional à família;
- sem prejuízo para outros pacientes aguardando internação ou tratamento;
- possibilidade de obter conhecimento científico relevante, novo e que não possa ser obtido de outra maneira;
e) em comunidades culturalmente diferenciadas, inclusive indígenas, deve-se contar com a anuência antecipada
da comunidade através dos seus próprios líderes, não se dispensando, porém, esforços no sentido de obtenção do
consentimento individual;
f) quando o mérito da pesquisa depender de alguma restrição de informações aos sujeitos, tal fato deve ser
devidamente explicitado e justificado pelo pesquisador e submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa. Os dados
obtidos a partir dos sujeitos da pesquisa não poderão ser usados para outros fins que os não previstos no
protocolo e/ou no consentimento.
V - RISCOS E BENEFÍCIOS
Considera-se que toda pesquisa envolvendo seres humanos envolve risco. O dano eventual poderá ser imediato
ou tardio, comprometendo o indivíduo ou a coletividade.
V.1 - Não obstante os riscos potenciais, as pesquisas envolvendo seres humanos serão admissíveis quando:
a) oferecerem elevada possibilidade de gerar conhecimento para entender, prevenir ou aliviar um problema que
afete o bem-estar dos sujeitos da pesquisa e de outros indivíduos;
b) o risco se justifique pela importância do benefício esperado;
c) o benefício seja maior, ou no mínimo igual, a outras alternativas já estabelecidas para a prevenção, o
diagnóstico e o tratamento.
V.2 - As pesquisas sem benefício direto ao indivíduo, devem prever condições de serem bem suportadas pelos
sujeitos da pesquisa, considerando sua situação física, psicológica, social e educacional.
V.3 - O pesquisador responsável é obrigado a suspender a pesquisa imediatamente ao perceber algum risco ou
dano à saúde do sujeito participante da pesquisa, conseqüente à mesma, não previsto no termo de consentimento.
Do mesmo modo, tão logo constatada a superioridade de um método em estudo sobre outro, o projeto deverá ser
suspenso, oferecendo-se a todos os sujeitos os benefícios do melhor regime.
V.4 - O Comitê de Ética em Pesquisa da instituição deverá ser informado de todos os efeitos adversos ou fatos
relevantes que alterem o curso normal do estudo.
V.5 - O pesquisador, o patrocinador e a instituição devem assumir a responsabilidade de dar assistência integral
às complicações e danos decorrentes dos riscos previstos.
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V.6 - Os sujeitos da pesquisa que vierem a sofrer qualquer tipo de dano previsto ou não no termo de
consentimento e resultante de sua participação, além do direito à assistência integral, têm direito à indenização.
V.7 - Jamais poderá ser exigido do sujeito da pesquisa, sob qualquer argumento, renúncia ao direito à indenização
por dano. O formulário do consentimento livre e esclarecido não deve conter nenhuma ressalva que afaste essa
responsabilidade ou que implique ao sujeito da pesquisa abrir mão de seus direitos legais, incluindo o direito de
procurar obter indenização por danos eventuais.
VI - PROTOCOLO DE PESQUISA
O protocolo a ser submetido à revisão ética somente poderá ser apreciado se estiver instruído com os seguintes
documentos, em português:
VI.1 - folha de rosto: título do projeto, nome, número da carteira de identidade, CPF, telefone e endereço para
correspondência do pesquisador responsável e do patrocinador, nome e assinaturas dos dirigentes da instituição
e/ou organização;
VI.2 - descrição da pesquisa, compreendendo os seguintes itens:
a) descrição dos propósitos e das hipóteses a serem testadas;
b) antecedentes científicos e dados que justifiquem a pesquisa. Se o propósito for testar um novo produto ou
dispositivo para a saúde, de procedência estrangeira ou não, deverá ser indicada a situação atual de registro junto
a agências regulatórias do país de origem;
c) descrição detalhada e ordenada do projeto de pesquisa (material e métodos, casuística, resultados esperados e
bibliografia);
d) análise crítica de riscos e benefícios;
e) duração total da pesquisa, a partir da aprovação;
f) explicitaçao das responsabilidades do pesquisador, da instituição, do promotor e do patrocinador;
g) explicitação de critérios para suspender ou encerrar a pesquisa;
h) local da pesquisa: detalhar as instalações dos serviços, centros, comunidades e instituições nas quais se
processarão as várias etapas da pesquisa;
i) demonstrativo da existência de infra-estrutura necessária ao desenvolvimento da pesquisa e para atender
eventuais problemas dela resultantes, com a concordância documentada da instituição;
j) orçamento financeiro detalhado da pesquisa: recursos, fontes e destinação, bem como a forma e o valor da
remuneração do pesquisador;
l) explicitação de acordo preexistente quanto à propriedade das informações geradas, demonstrando a inexistência
de qualquer cláusula restritiva quanto à divulgação pública dos resultados, a menos que se trate de caso de
obtenção de patenteamento; neste caso, os resultados devem se tornar públicos, tão logo se encerre a etapa de
patenteamento;
m) declaração de que os resultados da pesquisa serão tornados públicos, sejam eles favoráveis ou não; e
n) declaração sobre o uso e destinação do material e/ou dados coletados.
VI.3 - informações relativas ao sujeito da pesquisa:
a) descrever as características da população a estudar: tamanho, faixa etária, sexo, cor (classificação do IBGE),
estado geral de saúde, classes e grupos sociais, etc. Expor as razões para a utilização de grupos vulneráveis;
b) descrever os métodos que afetem diretamente os sujeitos da pesquisa;
c) identificar as fontes de material de pesquisa, tais como espécimens, registros e dados a serem obtidos de seres
humanos. Indicar se esse material será obtido especificamente para os propósitos da pesquisa ou se será usado
para outros fins;
d) descrever os planos para o recrutamento de indivíduos e os procedimentos a serem seguidos. Fornecer critérios
de inclusão e exclusão;
e) apresentar o formulário ou termo de consentimento, específico para a pesquisa, para a apreciação do Comitê de
Ética em Pesquisa, incluindo informações sobre as circunstâncias sob as quais o consentimento será obtido, quem
irá tratar de obtê-lo e a natureza da informação a ser fornecida aos sujeitos da pesquisa;
f) descrever qualquer risco, avaliando sua possibilidade e gravidade;
g) descrever as medidas para proteção ou minimização de qualquer risco eventual. Quando apropriado, descrever
as medidas para assegurar os necessários cuidados à saúde, no caso de danos aos indivíduos. Descrever também
os procedimentos para monitoramento da coleta de dados para prover a segurança dos indivíduos, incluindo as
medidas de proteção à confidencialidade; e
h) apresentar previsão de ressarcimento de gastos aos sujeitos da pesquisa. A importância referente não poderá
ser de tal monta que possa interferir na autonomia da decisão do indivíduo ou responsável de participar ou não da
pesquisa.
VI.4 - qualificação dos pesquisadores: "Curriculum vitae" do pesquisador responsável e dos demais participantes.
VI.5 - termo de compromisso do pesquisador responsável e da instituição de cumprir os termos desta Resolução.
VII - COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA-CEP
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Toda pesquisa envolvendo seres humanos deverá ser submetida à apreciação de um Comitê de Ética em Pesquisa.
VII.1 - As instituições nas quais se realizem pesquisas envolvendo seres humanos deverão constituir um ou mais
de um Comitê de Ética em Pesquisa- CEP, conforme suas necessidades.
VII.2 - Na impossibilidade de se constituir CEP, a instituição ou o pesquisador responsável deverá submeter o
projeto à apreciação do CEP de outra instituição, preferencialmente dentre os indicados pela Comissão Nacional
de Ética em Pesquisa (CONEP/MS).
VII.3 - Organização - A organização e criação do CEP será da competência da instituição, respeitadas as normas
desta Resolução, assim como o provimento de condições adequadas para o seu funcionamento.
VII.4 - Composição - O CEP deverá ser constituído por colegiado com número não inferior a 7 (sete) membros.
Sua constituição deverá incluir a participação de profissionais da área de saúde, das ciências exatas, sociais e
humanas, incluindo, por exemplo, juristas, teólogos, sociólogos, filósofos, bioeticistas e, pelo menos, um membro
da sociedade representando os usuários da instituição. Poderá variar na sua composição, dependendo das
especificidades da instituição e das linhas de pesquisa a serem analisadas.
VII.5 - Terá sempre caráter multi e transdisciplinar, não devendo haver mais que metade de seus membros
pertencentes à mesma categoria profissional, participando pessoas dos dois sexos. Poderá ainda contar com
consultores "ad hoc", pessoas pertencentes ou não à instituição, com a finalidade de fornecer subsídios técnicos.
VII.6 - No caso de pesquisas em grupos vulneráveis, comunidades e coletividades, deverá ser convidado um
representante, como membro "ad hoc" do CEP, para participar da análise do projeto específico.
VII.7 - Nas pesquisas em população indígena deverá participar um consultor familiarizado com os costumes e
tradições da comunidade.
VII.8 - Os membros do CEP deverão se isentar de tomada de decisão, quando diretamente envolvidos na
pesquisa em análise.
VII.9 - Mandato e escolha dos membros - A composição de cada CEP deverá ser definida a critério da
instituição, sendo pelo menos metade dos membros com experiência em pesquisa, eleitos pelos seus pares. A
escolha da coordenação de cada Comitê deverá ser feita pelos membros que compõem o colegiado, durante a
primeira reunião de trabalho. Será de três anos a duração do mandato, sendo permitida recondução.
VII.10 - Remuneração - Os membros do CEP não poderão ser remunerados no desempenho desta tarefa, sendo
recomendável, porém, que sejam dispensados nos horários de trabalho do Comitê das outras obrigações nas
instituições às quais prestam serviço, podendo receber ressarcimento de despesas efetuadas com transporte,
hospedagem e alimentação.
VII.11 - Arquivo - O CEP deverá manter em arquivo o projeto, o protocolo e os relatórios correspondentes, por 5
(cinco) anos após o encerramento do estudo.
VII.12 - Liberdade de trabalho - Os membros dos CEPs deverão ter total independência na tomada das decisões
no exercício das suas funções, mantendo sob caráter confidencial as informações recebidas. Deste modo, não
podem sofrer qualquer tipo de pressão por parte de superiores hierárquicos ou pelos interessados em determinada
pesquisa, devem isentar-se de envolvimento financeiro e não devem estar submetidos a conflito de interesse.
VII.13 - Atribuições do CEP:
a) revisar todos os protocolos de pesquisa envolvendo seres humanos, inclusive os multicêntricos, cabendo-lhe a
responsabilidade primária pelas decisões sobre a ética da pesquisa a ser desenvolvida na instituição, de modo a
garantir e resguardar a integridade e os direitos dos voluntários participantes nas referidas pesquisas;
b) emitir parecer consubstanciado por escrito, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, identificando com clareza o
ensaio, documentos estudados e data de revisão. A revisão de cada protocolo culminará com seu enquadramento
em uma das seguintes categorias:
- aprovado;
- com pendência: quando o Comitê considera o protocolo como aceitável, porém identifica determinados
problemas no protocolo, no formulário do consentimento ou em ambos, e recomenda uma revisão específica ou
solicita uma modificação ou informação relevante, que deverá ser atendida em 60 (sessenta) dias pelos
pesquisadores;
- retirado: quando, transcorrido o prazo, o protocolo permanece pendente;
- não aprovado; e
- aprovado e encaminhado, com o devido parecer, para apreciação pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
-CONEP/MS, nos casos previstos no capítulo VIII, item 4.c.
c) manter a guarda confidencial de todos os dados obtidos na execução de sua tarefa e arquivamento do protocolo
completo, que ficará à disposição das autoridades sanitárias;
d) acompanhar o desenvolvimento dos projetos através de relatórios anuais dos pesquisadores;
e) desempenhar papel consultivo e educativo, fomentando a reflexão em torno da ética na ciência;
f) receber dos sujeitos da pesquisa ou de qualquer outra parte denúncias de abusos ou notificação sobre fatos
adversos que possam alterar o curso normal do estudo, decidindo pela continuidade, modificação ou suspensão da
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pesquisa, devendo, se necessário, adequar o termo de consentimento. Considera-se como anti-ética a pesquisa
descontinuada sem justificativa aceita pelo CEP que a aprovou;
g) requerer instauração de sindicância à direção da instituição em caso de denúncias de irregularidades de
natureza ética nas pesquisas e, em havendo comprovação, comunicar à Comissão Nacional de Ética em PesquisaCONEP/MS e, no que couber, a outras instâncias; e
h) manter comunicação regular e permanente com a CONEP/MS.
VII.14 - Atuação do CEP:
a) A revisão ética de toda e qualquer proposta de pesquisa envolvendo seres humanos não poderá ser dissociada
da sua análise científica. Pesquisa que não se faça acompanhar do respectivo protocolo não deve ser analisada
pelo Comitê.
b) Cada CEP deverá elaborar suas normas de funcionamento, contendo metodologia de trabalho, a exemplo de:
elaboração das atas; planejamento anual de suas atividades; periodicidade de reuniões; número mínimo de
presentes para início das reuniões; prazos para emissão de pareceres; critérios para solicitação de consultas de
experts na área em que se desejam informações técnicas; modelo de tomada de decisão, etc.
VIII - COMISSÃO NACIONAL DE ÉTICA EM PESQUISA (CONEP/MS)
A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - CONEP/MS é uma instância colegiada, de natureza consultiva,
deliberativa, normativa, educativa, independente, vinculada ao Conselho Nacional de Saúde.
O Ministério da Saúde adotará as medidas necessárias para o funcionamento pleno da Comissão e de sua
Secretaria Executiva.
VIII.1 - Composição: A CONEP terá composição multi e transdiciplinar, com pessoas de ambos os sexos e
deverá ser composta por 13 (treze) membros titulares e seus respectivos suplentes, sendo 05 (cinco) deles
personalidades destacadas no campo da ética na pesquisa e na saúde e 08 (oito) personalidades com destacada
atuação nos campos teológico, jurídico e outros, assegurando-se que pelo menos um seja da área de gestão da
saúde. Os membros serão selecionados, a partir de listas indicativas elaboradas pelas instituições que possuem
CEP registrados na CONEP, sendo que 07 (sete) serão escolhidos pelo Conselho Nacional de Saúde e 06 (seis)
serão definidos por sorteio. Poderá contar também com consultores e membros "ad hoc", assegurada a
representação dos usuários.
VIII.2 - Cada CEP poderá indicar duas personalidades.
VIII.3 - O mandato dos membros da CONEP será de quatro anos com renovação alternada a cada dois anos, de
sete ou seis de seus membros.
VIII.4 - Atribuições da CONEP - Compete à CONEP o exame dos aspectos éticos da pesquisa envolvendo
seres humanos, bem como a adequação e atualização das normas atinentes. A CONEP consultará a sociedade
sempre que julgar necessário, cabendo-lhe, entre outras, as seguintes atribuições:
a) estimular a criação de CEPs institucionais e de outras instâncias;
b) registrar os CEPs institucionais e de outras instâncias;
c) aprovar, no prazo de 60 dias, e acompanhar os protocolos de pesquisa em áreas temáticas especiais tais como:
1- genética humana;
2- reprodução humana;
3- farmácos, medicamentos, vacinas e testes diagnósticos novos (fases I, II e III) ou não registrados no país
(ainda que fase IV), ou quando a pesquisa for referente a seu uso com modalidades, indicações, doses ou vias de
administração diferentes daquelas estabelecidas, incluindo seu emprego em combinações;
4- equipamentos, insumos e dispositivos para a saúde novos, ou não registrados no país;
5- novos procedimentos ainda não consagrados na literatura;
6- populações indígenas;
7- projetos que envolvam aspectos de biossegurança;
8- pesquisas coordenadas do exterior ou com participação estrangeira e pesquisas que envolvam remessa de
material biológico para o exterior; e
9- projetos que, a critério do CEP, devidamente justificado, sejam julgados merecedores de análise pela CONEP;
d) prover normas específicas no campo da ética em pesquisa, inclusive nas áreas temáticas especiais, bem como
recomendações para aplicação das mesmas;
e) funcionar como instância final de recursos, a partir de informações fornecidas sistematicamente, em caráter exofício ou a partir de denúncias ou de solicitação de partes interessadas, devendo manifestar-se em um prazo não
superior a 60 (sessenta) dias;
f) rever responsabilidades, proibir ou interromper pesquisas, definitiva ou temporariamente, podendo requisitar
protocolos para revisão ética inclusive, os já aprovados pelo CEP;
g) constituir um sistema de informação e acompanhamento dos aspectos éticos das pesquisas envolvendo seres
humanos em todo o território nacional, mantendo atualizados os bancos de dados;
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h) informar e assessorar o MS, o CNS e outras instâncias do SUS, bem como do governo e da sociedade, sobre
questões éticas relativas à pesquisa em seres humanos;
i) divulgar esta e outras normas relativas à ética em pesquisa envolvendo seres humanos;
j) a CONEP juntamente com outros setores do Ministério da Saúde, estabelecerá normas e critérios para o
credenciamento de Centros de Pesquisa. Este credenciamento deverá ser proposto pelos setores do Ministério da
Saúde, de acordo com suas necessidades, e aprovado pelo Conselho Nacional de Saúde; e
l) estabelecer suas próprias normas de funcionamento.
VIII.5 - A CONEP submeterá ao CNS para sua deliberação:
a) propostas de normas gerais a serem aplicadas às pesquisas envolvendo seres humanos, inclusive modificações
desta norma;
b) plano de trabalho anual;
c) relatório anual de suas atividades, incluindo sumário dos CEP estabelecidos e dos projetos analisados.
IX - OPERACIONALIZAÇÃO
IX.1 - Todo e qualquer projeto de pesquisa envolvendo seres humanos deverá obedecer às recomendações desta
Resolução e dos documentos endossados em seu preâmbulo. A responsabilidade do pesquisador é indelegável,
indeclinável e compreende os aspectos éticos e leagis.
IX.2 - Ao pesquisador cabe:
a) apresentar o protocolo, devidamente instruido ao CEP, aguardando o pronunciamento deste, antes de iniciar a
pesquisa;
b) desenvolver o projeto conforme delineado;
c) elaborar e apresentar os relatórios parciais e final;
d) apresentar dados solicitados pelo CEP, a qualquer momento;
e) manter em arquivo, sob sua guarda, por 5 anos, os dados da pesquisa, contendo fichas individuais e todos os
demais documentos recomendados pelo CEP;
f) encaminhar os resultados para publicação, com os devidos créditos aos pesquisadores associados e ao pessoal
técnico participante do projeto;
g) justificar, perante o CEP, interrupção do projeto ou a não publicação dos resultados.
IX.3 - O Comitê de Ética em Pesquisa institucional deverá estar registrado junto à CONEP/MS.
IX.4 - Uma vez aprovado o projeto, o CEP passa a ser co-responsável no que se refere aos aspectos éticos da
pesquisa.
IX.5 - Consideram-se autorizados para execução, os projetos aprovados pelo CEP, exceto os que se enquadrarem
nas áreas temáticas especiais, os quais, após aprovação pelo CEP institucional deverão ser enviados à
CONEP/MS, que dará o devido encaminhamento.
IX.6 - Pesquisas com novos medicamentos, vacinas, testes diagnósticos, equipamentos e dispositivos para a
saúde deverão ser encaminhados do CEP à CONEP/MS e desta, após parecer, à Secretaria de Vigilância
Sanitária.
IX.7 - As agências de fomento à pesquisa e o corpo editorial das revistas científicas deverão exigir documentação
comprobatória de aprovação do projeto pelo CEP e/ou CONEP, quando for o caso.
IX.8 - Os CEP institucionais deverão encaminhar trimestralmente à CONEP/MS a relação dos projetos de
pesquisa analisados, aprovados e concluídos, bem como dos projetos em andamento e, imediatamente, aqueles
suspensos.
X. DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS
X.1 - O Grupo Executivo de Trabalho-GET, constituido através da Resolução CNS 170/95, assumirá as
atribuições da CONEP até a sua constituição, responsabilizando-se por:
a) tomar as medidas necessárias ao processo de criação da CONEP/MS;
b) estabelecer normas para registro dos CEP institucionais;
X.2 - O GET terá 180 dias para finalizar as suas tarefas.
X.3 - Os CEP das instituições devem proceder, no prazo de 90 (noventa) dias, ao levantamento e análise, se for o
caso, dos projetos de pesquisa em seres humanos já em andamento, devendo encaminhar à CONEP/MS, a relação
dos mesmos.
X4 - Fica revogada a Resolução 01/88.
ADIB D. JATENE
Presidente do Conselho Nacional de Saúde
Homologo a Resolução CNS nº 196, de 10 de outubro de 1996, nos termos do Decreto de Delegação de
Competência de 12 de novembro de 1991.
ADIB D. JATENE
Ministro de Estado da Saúde
83
ANEXO C – PROJETOS DE LEI SOBRE REPRODUÇÃO ASSISTIDA
Proposição
Orgão
Situação
PL 5624/2005
CCJC
Tramitando em Conjunto (Apensada à PL1184/2003
Autor: Neucimar Fraga - PL/ES.
Ementa: Cria Programa de Reprodução Assistida no Sistema Único de
Saúde e dá outras providências.
PL 4686/2004
CCJC
Tramitando em Conjunto (Apensada à PL120/2003
Autor: José Carlos Araújo - PFL/BA.
Ementa: Introduz art. 1.597-A à Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de
2002, que institui o Código Civil, assegurando o direito ao
conhecimento da origem genética do ser gerado a partir de reprodução
assistida, disciplina a sucessão e o vínculo parental, nas condições que
menciona.
PL 4555/2004
CCTCI
Tramitando em Conjunto (Apensada à PL3055/2004
Autor: Henrique Fontana - PT/RS.
Ementa: Dispõe sobre a obrigatoriedade da Natureza Pública dos
Bancos de Cordão Umbilical e Placentário e do Armazenamento de
Embriões resultantes da Fertilização Assistida e dá outras
providências. Explicação: Revogando o parágrafo único do artigo 2º da
Lei nº 10.205, de 2001 - Lei do Sangue.
PL 2061/2003
CCJC
Tramitando em Conjunto (Apensada à PL1184/2003
Autor: Maninha - PT/DF.
Ementa: Disciplina o uso de técnicas de Reprodução Humana
Assistida como um dos componentes auxiliares no processo de
procriação, em serviços de saúde, estabelece penalidades e dá outras
providências.
PL 1184/2003
CCJC
Pronta para Pauta
Autor: Senado Federal.
84
Ementa: Dispõe sobre a Reprodução Assistida.
Explicação: Definindo normas para realização de inseminação
artificial e fertilização "in vitro"; proibindo a gestação de substituição
(barriga de aluguel) e os experimentos de clonagem radical.
Despacho: Às Comissões de Seguridade Social e Família e
Constituição e Justiça e de Redação. Apense a este :PL-2855/1997;PL120/2003.
PL 1135/2003
CCJC
Tramitando em Conjunto (Apensada à PL2855/1997
Autor: Dr. Pinotti - PMDB/SP.
Ementa: Dispõe sobre a reprodução humana
assistida. Explicação: Definindo normas para realização de
inseminação artificial, fertilização "in vitro", barriga de aluguel
(gestação de substituição ou doação temporária do útero), e
criopreservação de gametas e pré - embriões.
PL 120/2003
CCJC
Tramitando em Conjunto (Apensada à PL1184/2003
Autor: Roberto Pessoa - PFL/CE.
Ementa: Dispõe sobre a investigação de paternidade de pessoas
nascidas de técnicas de reprodução assistida. Explicação: Permitindo à
pessoa nascida de técnica de reprodução assistida saber a identidade de
seu pai ou mãe biológicos; alterando a Lei nº 8.560, de 29 de dezembro
de 1992.
Despacho: Às Comissões : Seguridade Social e Família e Constituição
e Justiça e de Redação.
Pl 2855/1997
CCJC
Tramitando em Conjunto (Apensada à PL1184/2003
Autor: Confúcio Moura - PMDB/RO.
Ementa: Dispõe sobre a utilização de técnicas de reprodução humana
assistida e dá outras providências. Explicação: INCLUINDO A
FECUNDAÇÃO IN VITRO, TRANSFERENCIA DE PREEMBRIÕES, TRANSFERENCIA INTRATUBARIA DE GAMETAS,
A CRIOCONSERVAÇÃO DE EMBRIÕES E A GESTAÇÃO DE
SUBSTITUIÇÃO, A CONHECIDA BARRIGA DE ALUGUEL).
Despacho: DESPACHO INICIAL À CSSF E CCJR (ARTIGO 54 DO
RI).
PL 3638/1993
MESA
Aguardando Retorno
85
Autor: Luiz Moreira - PTB/BA.
Ementa: Institui normas para a utilização de técnicas de reprodução
assistida. Explicação: INCLUINDO AS QUESTÕES RELATIVAS A
FERTILIZAÇÃO 'IN VITRO', INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL E
BARRIGA DE ALUGUEL - GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO OU
DOAÇÃO TEMPORARIA DO UTERO.
Despacho: DESPACHO INICIAL A CSSF E CCJR (ARTIGO 54 DO
RI).