Nucor fixador

Transcrição

Nucor fixador
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
KARLA SUZY ANDRADE PITOMBEIRA
A CONSTRUÇÃO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL NO PÓLO
SIDERÚRGICO DE CARAJÁS: o caso do Instituto Carvão Cidadão (ICC)
São Luís
2011
2
KARLA SUZY ANDRADE PITOMBEIRA
A CONSTRUÇÃO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL NO PÓLO
SIDERÚRGICO DE CARAJÁS: o caso do Instituto Carvão Cidadão (ICC)
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências Sociais da Universidade
Federal do Maranhão como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Ciências Sociais.
Orientador: Prof. Dr. Marcelo Domingos Sampaio
Carneiro
São Luís
2011
3
Pitombeira, Karla Suzy Andrade
A construção da responsabilidade social empresarial no polo
siderúrgico de Carajás: o caso do Instituto Carvão Cidadão (ICC) /
Karla Suzy Andrade Pitombeira. – São Luis, 2011.
122 f.
Orientador: Prof.º Dr.º Marcelo Domingos Sampaio Carneiro
Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade Federal
do Maranhão, 2011.
1. Responsabilidade social empresarial. 2. Polo siderúrgico de
Carajás - Responsabilidade social. I. Título
CDU 658.3
4
KARLA SUZY ANDRADE PITOMBEIRA
A CONSTRUÇÃO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL NO PÓLO
SIDERÚRGICO DE CARAJÁS: o caso do Instituto Carvão Cidadão
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências Sociais da Universidade
Federal do Maranhão como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Ciências Sociais.
Aprovada em: ____/____/____
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Domingos Sampaio Carneiro (Orientador)
Universidade Federal do Maranhão
__________________________________________
Prof. Dr. Paulo Fernandes Keller
Universidade Federal do Maranhão
__________________________________________
Prof. Dr. Juarez Lopes Carvalho Filho
Universidade Federal do Maranhão
5
A Sociologia é uma ciência que nasce ‘torturada’ pela
necessidade de explicar as transformações sociais.
José de Sousa Martins.
6
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço a minha família (força que me leva a desvelar
sempre outros horizontes), em especial, ao apoio incondicional de minha mãe, pela
dedicação e zelo com que esteve ao meu lado durante todas as jornadas de minha
vida.
Aos meus amigos da turma seis do Mestrado em Ciências Sociais que
compartilharam comigo todos os desafios e anseios dessa empreitada acadêmica.
Bruno Leonardo e Raíssa Lima, conviver ao lado de vocês durante o mestrado fez
com que fortalecêssemos ainda mais nossa amizade.
E é claro aos amigos que também vibraram por essa conquista, que
souberam me ouvir e me confortar nas horas de anseio, passando-me lições de vida
e ajudando-me nas horas de ‘precisão’: Dayana Delmiro, Flávia Moura, Katiuscia
Pinheiro, Carol Miranda, Socorro Aires, Laert Moraes, Salvador Gomes.
A turma do Grupo de Pesquisa ‘Vozes da Esperança’, pelas discussões
sobre o trabalho escravo e pelas boas conversas: Saara, Max, Rosiane, Socorro,
Clenilson, Andréia, Claudiane, Raíla.
Ao meu mestre, Prof. Marcelo Carneiro pelo incentivo e pela sua valiosa
contribuição em minha formação profissional. E a todos os professores que
ministraram aulas, fundamentais para a construção desse trabalho: Benedito Souza
Filho, Igor Gastal Grill e Maristela de Paula Andrade.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) que me proporcionou o apoio financeiro à realização de meus estudos e
participação em encontros acadêmicos.
Ao diretor do Instituto Carvão Cidadão, Ornedson Carneiro, pela forma
gentil com que me recebeu durante o período em que estive conversando com ele
em Imperatriz/Ma. Ao pessoal do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos
de Açailândia (CDVDH) pelo acolhimento durante minha estada em Açailândia-Ma,
pelos diálogos e lições apreendidas sobre o que é dedicar-se à defesa dos direitos
humanos. E é claro a todos aqueles que compartilharam em conceder as entrevistas
realizadas nesse trabalho.
7
RESUMO
A análise da construção da chamada responsabilidade social empresarial no âmbito
da atividade siderúrgica desenvolvida na região de Carajás constitui-se como o
principal objetivo do presente trabalho dissertativo. Nesse sentido, busca
compreender o processo de constituição do Instituto Carvão Cidadão (ICC), entidade
criada por parte das empresas siderúrgicas de Carajás para lidar com a existência
de situações de trabalho escravo na produção de carvão vegetal na cadeia de
produção de ferro gusa. Nesse trabalho ressalta-se o processo de construção do
discurso de responsabilidade social engendrado a partir da mobilização de atores
sociais objetivando responder à crítica social, dado os impactos socioambientais
ocasionados em decorrência da atuação dessas empresas.
Palavras-chave:
Mobilização.
Trabalho
Escravo.
Responsabilidade
Social
Empresarial.
8
ABSTRACT
The analysis of the construction of so-called corporate social responsibility within the
steel industry developed in the Carajás region was established as the main objective
of this work dissertational. In this sense, it seeks to understand the process of
formation of the Citizen Coal Institute (ICC), an entity created by the steel companies
for Carajás cope with the existence of situations of forced labor in the production of
charcoal in the production of pig iron. In this work highlights the process of
constructing the discourse of social responsibility engendered from the mobilization
of social actors aiming to respond to social criticism as social and environmental
impacts caused due to the performance of these enterprises.
Key Words: Slave Labor. Corporate Social Responsibility. Mobilization.
9
LISTA DE SIGLAS
APP
- Área de Preservação Permanente
CCN
- Centro de Cultura Negra
CEDEC
- Centro de Estudos da Cultura Contemporânea
CDVDH
- Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia
CENTRU
- Centro de Cultura do Trabalhador Rural
CNBB
- Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CODIGMA
- Cooperativa para Dignidade do Maranhão
COETRAE
- Comissão Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo no
Maranhão
CONATRAE
- Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo
CNPQ
- Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CPT
- Comissão Pastoral da Terra
CTPS
- Carteira de Trabalho e Previdência Social
COSIPAR
- Companhia Siderúrgica do Pará S/A
COVAP
- Companhia Siderúrgica Vale do Pindaré
COSIMA
- Siderúrgica do Maranhão Ltda
CUT
- Central Única de Trabalhadores
DIEESE
- Departamento Intersindical de Estudos Sócio-Econômicos
DRT
- Delegacia Regional do Trabalho
EFC
- Estrada de Ferro Carajás
EPI
- Equipamento de Proteção Individual
FAPEMA
- Fundação de Amparo a Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico
e Tecnológico do Maranhão.
FEBRABAN
- Federação Brasileira das Associações de Bancos
FERGUMAR
- Ferro Gusa do Maranhão Ltda;
FIDH
- Federação Internacional de Direitos Humanos
FOREM
- Fórum de Erradicação do Trabalho Escravo no Maranhão
FGTS
- Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
GEFM
- Grupo Especial de Fiscalização Móvel
GERUR
- Grupo de Estudos Rurais e Urbanos
GPTEC
- Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo
GERTRAF
- Grupo Executivo de Repressão do Trabalho Escravo
10
GTZ
- Agência de Cooperação Técnica Alemã
IBAMA
- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis
ICC
- Instituto Carvão Cidadão
IDESP
- Instituto de Desenvolvimento Economico-Social do Pará
INSS
- Instituto Nacional do Seguro Social
IOS
- Instituto Observatório Social
ICC
- Instituto Carvão Cidadão
ITERMA
- Instituto de Colonização e Terras do Maranhão
INCRA
- Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
IOS
- Instituto Observatório Social
MARGUSA
- Maranhão Gusa Ltda.
MDA
- Ministério do Desenvolvimento Agrário
MTE
- Ministério do Trabalho e Emprego
MIRAD
- Ministério do Desenvolvimento e Reforma Agrária
MIQCB
- Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu
MPF
- Ministério Público Federal
OAB
- Ordem dos Advogados do Brasil
OEA
- Organização dos Estados Americanos
OIT
- Organização Internacional do Trabalho
ONU
- Organização das Nações Unidas
PIBIC
- Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
PIS
- Programa de Integração Social
PFC
- Projeto Ferro Carajás
PGC
- Programa Grande Carajás
PSC
- Pólo Siderúrgico de Carajás
PRF
- Polícia Rodoviária Federal
SEDH
- Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da
República
SEMA
- Secretaria Estadual do Meio Ambiente
SIDEPAR
- Siderúrgica do Pará S/A
SIT
- Secretaria de Inspeção do Trabalho
SIMASA
- Siderúrgica do Maranhão Ltda
SINOBRÁS
- Siderúrgica Norte Brasil
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SUDAM
- Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
SUDENE
- Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
RG
- Registro Geral / Carteira de Identidade
TAC
- Termo de Ajustamento de Conduta
UNITRABALHO- Rede Internacional Universitária de Estudos e Pesquisas sobre o
Trabalho
UFMA
- Universidade Federal do Maranhão
VALE
- Companhia Vale do Rio Doce
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LISTA DE QUADROS E GRÁFICOS
Quadro 01 Descrição das atividades de trabalho de campo realizadas .............. 19
Quadro 02 Denúncias de trabalho escravo registradas pela CPT, segundo os
estados de maior destaque (2003 a 2010) .......................................................... 22
Gráfico 01 Evolução da Exportação de Ferro Gusa do Pólo Siderúrgico de Carajás
............................................................................................................................. 39
Quadro 03 Localização das empresas siderúrgicas, início da operação e nº de AltosFornos .................................................................................................................. 42
Quadro 04 Procedências do carvão vegetal consumido pelas empresas siderúrgicas
situadas no Estado do Maranhão (2000-2004) ................................................... 44
Quadro 05 Produção de ferro-gusa e consumo estimado de carvão vegetal (1990 a
2008) .................................................................................................................... 46
Quadro 06 Tarefas e funções no processo de produção do carvão vegetal ....... 49
Quadro 07 Evolução da relação associativa das empresas siderúrgicas do Pólo
Carajás com o ICC ............................................................................................... 88
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES E FOTOGRAFIAS
Foto 01 - Comércio de carvão vegetal no município de Açailândia/Ma ............... 27
Foto 02 - Trabalhador de carvoaria sem EPI ....................................................... 54
Foto 03 - Brinquedo e carvão ecológico produzido pela CODIGMA .................... 65
Diagrama 01 - Configuração dos stakeholders relacionados com a questão da
erradicação do trabalho escravo na cadeia da produção siderúrgica do Pólo
Carajás ................................................................................................................ 78
Foto 04 - Bebedouros em conformidade com o TAC .......................................... 92
Foto 05 - Banheiro e alojamento em conformidade com o TAC .......................... 92
Foto 06 - Água armazenada e refeitório em desacordo com o TAC .................... 93
Foto 07 - Reunião com produtores de carvão vegetal ......................................... 97
14
SUMÁRIO
1
APRESENTAÇÃO ........................................................................................ 16
2
ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO .......................................................... 22
3
INTRODUÇÃO .............................................................................................. 23
3.1 O papel desempenhado pela crítica social na organização da atividade
siderúrgica de Carajás ...................................................................................... 28
3.2 A questão da Responsabilidade Social Empresarial (SER) no setor
siderúrgico ......................................................................................................... 36
4
CAPÍTULO I – A ATIVIDADE SIDERÚRGICA COMO PARTE DO PROCESSO
DE MODERNIZAÇÃO DA AMAZÔNIA BRASILEIRA ........................................ 40
4.1 A produção brasileira de ferro gusa e seu deslocamento para Amazônia
............................................................................................................................. 42
4.2 A política de desenvolvimento para a Amazônia ...................................... 44
4.3 O surgimento e a organização do mercado de carvão vegetal para a
produção siderúrgica ........................................................................................ 46
4.4 A produção de carvão vegetal para o Polo Siderúrgico de Carajás ....... 49
4.5 Divisão de tarefas no interior das carvoarias ........................................... 50
4.6 A questão do trabalho escravo no interior das carvoarias ..................... 53
4.7 O Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo .................... 59
5
CAPÍTULO II – A MOBILIZAÇÃO DOS ATORES SOCIAIS NO
ENFRENTAMENTO AO TRABALHO ESCRAVO .............................................. 61
5.1 A Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a campanha pela erradicação do
trabalho escravo no Brasil contemporâneo .................................................... 62
5.2 A atuação do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de
Açailândia (CDVDH) .......................................................................................... 64
5.3 As atividades do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) do
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) ........................................................ 68
5.4 O Fórum de Erradicação do Trabalho Escravo no Maranhão (FOREM) . 71
5.5 A Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE)
............................................................................................................................. 74
5.6 O Instituto Observatório Social (IOS) ........................................................ 76
5.7 ONG Repórter Brasil ................................................................................... 77
15
6
CAPÍTULO III – RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL NO
CONTEXTO DA PRODUÇÃO SIDERÚRGICA DE CARAJÁS .......................... 79
6.1 O envolvimento das siderúrgicas de Carajás com a questão do combate ao
trabalho escravo................................................................................................. 80
6.2 A criação do Instituto Carvão Cidadão como adoção da prática de
responsabilidade social pelas siderúrgicas de Carajás ................................ 85
6.3 A estrutura e o funcionamento do Instituto Carvão Cidadão (ICC) ........ 87
6.4 A crise no setor siderúrgico e suas repercussões para o Instituto Carvão
Cidadão .............................................................................................................. 91
6.5 O processo de auditorias realizado pelo Instituto Carvão Cidadão ....... 92
6.6 Impasses na atuação do Instituto Carvão Cidadão .................................. 101
6.7 A ampliação da atuação do Instituto carvão Cidadão: o Programa de
Reinserção de Trabalhadores Resgatados ......................................................... 102
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 104
REFERÊNCIAS ............................................................................................. 108
ANEXOS ....................................................................................................... 115
16
1 APRESENTAÇÃO
Essa dissertação tem como objetivo principal analisar a construção da
chamada Responsabilidade Social Empresarial (RSE) no âmbito da atividade
siderúrgica desenvolvida na região de Carajás. Portanto, focaliza o processo de
constituição do Instituto Carvão Cidadão (ICC), entidade criada pelas empresas
siderúrgicas de Carajás para lidar com o problema da existência de situações de
trabalho escravo na produção de carvão vegetal na cadeia de produção de ferro
gusa1.
Deste modo, procuro compreender a conjuntura que tornou necessária a
adoção de práticas de responsabilidade social por parte das indústrias que
compõem o setor siderúrgico localizado entre os estados do Maranhão e Pará; bem
como as iniciativas desse empresariado voltadas a responder à crítica social, dado
os impactos socioambientais ocasionados em decorrência da atuação dessas
empresas.
A pesquisa que deu origem a essa dissertação está relacionada com os
estudos que venho realizando desde o período da graduação, sobre a questão da
existência e do combate ao trabalho escravo na cadeia de produção do ferro gusa.
Logo, o presente estudo é resultado de um esforço de investigação que vem sendo
realizado em diferentes momentos e ocasiões, iniciado há pelo menos cinco anos, e
que tem possibilitado um acúmulo de informações e reflexões pertinentes a esse
campo enquanto objeto de minhas investigações acadêmicas.
No transcurso do segundo ano de graduação no Curso de Ciências
Sociais na Universidade Federal do Maranhão – UFMA, aproximei-me da temática
do trabalho escravo contemporâneo, através da minha inserção nas discussões
empreendidas no âmbito Grupo de Estudos Rurais e Urbanos (GERUR), que travava
debates acerca das questões pertinentes ao mundo do trabalho contemporâneo,
grupo este coordenado pelo Prof. Dr. Marcelo Domingos Sampaio Carneiro. A partir
de então, comecei a ter contato com bibliografias que abordavam sob diferentes
1
No decorrer deste trabalho utilizo as terminações ‘unidades indústrias, guseiras, empreendimento
minero-metalúrgico’ para referir-me as siderúrgicas. Portanto, o sentido atribuído a estas categorias
vinculam-se as empresas do setor siderúrgico que produzem ferro-gusa com vista à exportação.
17
ângulos situações sociais constituídas na Amazônia Brasileira relativas à
modernização projetada para esse território e seus desdobramentos.
Ainda nessa condição, participei de algumas atividades de pesquisa que
me permitiram delimitar a temática sobre a qual me debruçaria a partir de então, o
que me deu uma aproximação principiante com as principais dinâmicas sociais que
envolvem a região de influência da Estrada de Ferro Carajás (EFC), no caso
específico do município de Açailândia-Ma, localidade que abriga cinco indústrias
siderúrgicas e um dos principais polos industriais criados no âmbito do Programa
Grande Carajás (PGC).
Esse município também é sede de uma importante entidade de combate
ao trabalho escravo - o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de
Açailândia (CDVDH) - que teve seu trabalho iniciado a partir da demanda de
trabalhadores evadidos de fazendas e carvoarias, por se encontrarem em situação
de trabalho escravo e/ou superexploração. Portanto, o CDVDH surge, buscando dar
apoio e amparo às vítimas de trabalho escravo através do encaminhamento dos
casos as autoridades competentes2.
Transcorrido o período de seis meses, fui convidada pelo coordenador do
Grupo de Pesquisa a participar do Projeto “Crítica Social e Combate a
Responsabilidade Empresarial: análise da evolução do padrão socioambiental das
empresas siderúrgicas localizadas ao longo da Estrada de Ferro Carajás”, na
modalidade de bolsista PIBIC/UFMA/CNPq por um período de dois anos.
Dentro desse projeto, atuei especificamente no subprojeto de pesquisa
intitulado “Responsabilidade Social Empresarial na cadeia produtiva do ferro gusa a
carvão vegetal: o caso do Instituto Carvão Cidadão (ICC)”, momento em que estive
direcionada a compreender o processo de constituição do ICC e seu funcionamento.
No período de desenvolvimento desse estudo, participei de trabalhos de
campo realizados nos municípios de Açailândia e Imperatriz-Ma3 objetivando situarme na temática de investigação a partir de contatos de cunho exploratório com
ativistas de movimentos sociais e representantes do ICC com vistas à observação
mais passiva. Noutros termos, posso dizer que estive mais voltada a exercitar o
2
Vide BOLETIM DA VIDA, CDVH, nº76.
A sede do Instituto Carvão Cidadão e da empresa Ferro Gusa Carajás, empresa produtora de ferrogusa de propriedade da Companhia Vale do Rio Doce, ficam localizadas em Imperatriz; motivo pelo
qual realizamos atividades de pesquisa nesse município.
3
18
olhar e o ouvir4, no sentido trabalhado pelo antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira
(2006) em seu texto intitulado O trabalho do Antropólogo: Olhar, Ouvir e Escrever.
Penso que esse posicionamento foi fundamental, no sentido Oliveriano,
para visualizar o contexto social em que está inserido o objeto de estudo sobre o
qual passei a construir minhas inquietações, pois neste momento pude lê-lo a partir
dos esquemas conceituais apreendidos pelas leituras efetuadas no âmbito das
discussões do grupo de pesquisa no qual fiz parte. Verificando assim, até que ponto
aproximava-se ou constituía-se enquanto específico, exercício este que se fez
presente durante todo o desenrolar da pesquisa.
Associado ao exercício do olhar, pus em prática também o ouvir, na
medida em que conduzi a observação no sentido de entender a significação das
categorias nativas
acionadas pelos agentes sociais imersos em meu campo de
investigação. Por isso, ouvi-los adquiriria toda uma significação especial, porque tal
habilidade me permitiria transitar no universo linguístico ativado pelos agentes
sociais com os quais tive contato, no caso em tela, membros do Movimento
Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), Centro de Cultura do
Trabalhador Rural (CENTRU) e do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos
Humanos de Açailândia (CDVDH).5
É importante colocar que esse processo de aproximação com uma nova
realidade até então desvelada com e pela teoria não é um processo fácil, pois
depende muito do contato sistemático com o leque de contextos que o seu objeto de
estudo lhe possibilita. Em meio e mesmo durante esse processo, nos damos conta
de que contatos pontuais não nos permitem perceber a estrutura e o jogo de
relações que se desenrola no universo a ser pesquisado, fase ainda em que
estamos em um processo contínuo de desvencilhamento do senso comum, que um
contato empreendido para observar apenas o exótico, não nos permite.
4
Oliveira (2006, p. 21) enfatiza que “Evidentemente tanto o ouvir como o olhar não podem ser
tomados como faculdades totalmente independentes no exercício de investigação. Ambas
complementam-se e servem para o pesquisador como duas muletas - que não nos percamos com
essa metáfora tão negativa - que lhe permitem caminhar, ainda que tropegante na estrada do
conhecimento”.
5
Diferentemente do primeiro contato estabelecido com o CDVDH de Açailândia, em que me atrelei a
conhecer os motivos que levaram a criação do centro e seu funcionamento; nessa segunda
aproximação pude visitar duas cooperativas fruto do trabalho do CDVDH, que atuam na produção de
brinquedos artesanais em madeira e na produção de carvão ecológico, respectivamente. A
cooperativa chama-se “Cooperativa para a dignidade do Maranhão”. No segundo capítulo, esboçarei
mais detidamente sobre estes dois projetos de reinserção de social de trabalhadores envolvidos em
situação de trabalho escravo
19
Compilando, sistematizando e analisando o trabalho de campo até então
desenvolvido e conjugando-os com bibliografias pertinentes a temática e a
discussão acerca da responsabilidade social, estruturei meu trabalho de conclusão
de curso, no ano de 2008, intitulado “O exercício da responsabilidade social
empresarial no setor siderúrgico do Polo Carajás: uma análise do Instituto Carvão
Cidadão”. Trabalho este que foi um desdobramento de minhas reflexões e pesquisas
acadêmicas subsidiadas pelo apoio financeiro concedido pelo PIBIC/UFMA/CNPq.
O percurso de minha inserção no GERUR à estruturação de meu trabalho
monográfico de conclusão de curso caracteriza-se como sendo a primeira fase de
minhas pesquisas e o primeiro momento de elaboração de uma reflexão sobre a
questão do trabalho escravo na cadeia da produção siderúrgica.
No ano de 2009, já na condição de aluna do Programa de Pós-Graduação
em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão6, início uma segunda
fase acadêmica e, portanto, uma nova etapa de inquietações. Dando continuidade
às atividades de pesquisa até então desenvolvidas, busquei elucidar de forma mais
ordenada questões que ainda precisavam ser analisadas com mais profundidade,
aceitando dessa forma os desafios que me oferece um tema tão complexo.
Reorientando meu olhar e propondo-me agora a responder indagações de
outra ordem, inauguro o processo de construção de minha dissertação com as
seguintes questões: i) de que forma se configura as relações estabelecidas pelo
Instituto Carvão Cidadão e os agentes que sistematicamente tem demandado uma
atuação mais responsável, por parcela das siderúrgicas que compõem o chamado
Polo Siderúrgico de Carajás7; ii) Como
se deu a inclusão do discurso da
responsabilidade social no setor siderúrgico de Carajás; iii) e como os agentes
envolvidos no setor da produção siderúrgica (re)estruturam suas ações para se
adequarem as exigências urdidas por outros agentes envolvidos nesse mesmo
processo, atentando ainda para a inserção/exclusão de outros agentes nesse
espaço social.
Arquitetado em três etapas, o presente trabalho foi estruturado da
seguinte forma: O primeiro momento esteve associado à revisão da bibliografia
relevante para a compreensão do processo de instalação das siderúrgicas na
6
Subsidiado pelo apoio financeiro da CNPq.
O Polo Siderúrgico de Carajás possui, atualmente, dezoito siderúrgicas implantadas, distribuídas em
diferentes municípios nos estados do Pará e Maranhão. Retomarei esse assunto no capítulo dois.
7
20
Amazônia brasileira, em específico, nos Estados do Maranhão e Pará. Leituras
pertinentes a inserção da responsabilidade social no contexto brasileiro também
foram necessárias para compreender de que forma este fenômeno seria interpretado
pelo setor siderúrgico.
O segundo momento consistiu no levantamento de informações primárias.
Fase em que a apreensão do ponto de vista de outros agentes sociais a respeito da
atuação do Instituto Carvão Cidadão (ICC), foi relevante, uma vez que estes assim
como o ICC, estão envolvidos no combate ao trabalho escravo, questão esta de
grande recorrência no setor siderúrgico, que por sua vez tem chamado a atenção da
crítica social. Nessa fase do trabalho de campo desenvolvi entrevistas etnográficas8,
que não possuem por pretensão produzir dados quantitativos e que não são
“isoladas” nem independentes da situação de pesquisa (BEAUD; WEBER, 2007).
Diria como Oliveira (1998, p. 22), que a obtenção das explicações
fornecidas pelos próprios membros da comunidade investigada, no caso o ICC, me
permitiu obter aquilo que os antropólogos chamam de “modelo nativo”, matériaprima para o entendimento antropológico, no caso em tela, perceber como a questão
da responsabilidade social é traduzida/decodificada pelas empresas siderúrgicas do
Polo Carajás9.
É nesse confronto entre dois mundos, o do pesquisador (balizados pelas
teorias das ciências sociais) e o do pesquisado (com categorias nativas por
desvelar) que procurei estabelecer uma relação dialógica através de perguntas
“abertas” que não tinham por intenção buscar respostas fechadas e pontuais. Mas,
deixar com que o informante se sentisse o mais livre possível para comentar sobre
determinados aspectos por mim colocados em pauta.
Perseguindo esquivar-me do campo ilusório de interação, caracterizado
por Oliveira (1998, p. 23), como um empecilho na constituição de um “encontro
etnográfico10”. Assim, esforçando-me por levar a termo a habilidade de ouvir o nativo
e por ele ser ouvido, e atentando para não atribuir e/ou imputar elementos de meu
8
Conforme explicitam Beaud e Weber (2007) nas entrevistas etnográficas os entrevistados falam em
primeira pessoa e apóiam-se em observações prévias, as quais, por sua vez, guiam as observações
por vir.
9
Considerando que o ICC é uma espécie de porta-voz dessa empresas no que tange as ações de
responsabilidade social voltadas a cadeia de produção do ferro gusa a carvão vegetal.
10
Esse encontro etnográfico, em termos Oliveirianos , seria um diálogo que fluísse, criando um
ambiente e uma relação afável entre pesquisador e pesquisado.
21
discurso no discurso do “outro”, é que se caracteriza o cenário do trabalho de campo
por mim vivenciado.
As entrevistas, com cunho exploratório, feitas durante o trabalho de
campo foram realizadas com pessoas ligadas a movimentos sociais (Centro de
Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia, Fórum de Erradicação do
Trabalho Escravo no Maranhão); representantes do Governo (Ministério do Trabalho
e Emprego), e pessoas envolvidas em casos de trabalho escravo.
As entrevistas aprofundadas, por sua vez, foram desenvolvidas com
representantes do Instituto Carvão Cidadão e ajudaram-me a perceber de que forma
essa instituição vem abordando a questão da responsabilidade social empresarial no
setor siderúrgico de Carajás, assim como suas estratégias de atuação.
Apresento a seguir um quadro com o conjunto das atividades de campo
realizadas durante o mestrado. Nele, destaco também as pessoas entrevistadas
com suas respectivas vinculações institucionais.
Período
29 de
março de
2011
Local

São Luís

06 a 16 de
julho de
2010

Açailândia


16 a 17 de
junho de
2010
Açailândia


Atividade
Entrevista com Flávia Moura, ex-assessora de Comunicação
do FOREM
Entrevista com Milton Teixeira, do Centro da Defesa da Vida
e dos Direitos Humanos de Açailândia
Entrevista com Luís Antonio Camargo de Melo (sub–
procurador do Ministério do Trabalho, de Brasília)
Entrevista José Albino dos Santos Silva, 46 anos (Líder
comunitário da Comunidade Nossa Senhora do Rosário,
bairro operário do Pequiá)
Entrevista com Antonio Filho, do Centro de Defesa da Vida e
dos Direitos Humanos de Açailândia;
Entrevistas com trabalhadores envolvidos em situação de
trabalho escravo.
Entrevista com Ornedson Carneiro, Diretor Presidente do
Instituto Carvão Cidadão
Entrevista com Bruno de Castro, ex-auditor do Instituto
Carvão Cidadão
17 de
Imperatriz

junho de
2010
18 de
 Entrevista com Adauto, supervisor do Instituto Carvão
Fevereiro
Marabá-PA
Cidadão, responsável pelo Escritório de Marabá-PA
de 2009
Quadro 01: Descrição das atividades de trabalho de campo realizadas.
A terceira etapa, por sua vez, constitui-se na sistematização e análise dos
dados recolhidos no trabalho de campo, culminando na elaboração do presente
trabalho.
22
2 ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO
O texto está organizado em quatro partes, uma introdução e três
capítulos. Na introdução apresento os principais elementos da discussão teórica que
embasa a pesquisa realizada. Nela discuto os conceitos de crítica social e
responsabilidade social empresarial.
No primeiro capítulo apresento o quadro geral da produção siderúrgica na
Amazônia Oriental, destacando a importância do carvão vegetal como insumo
energético
para as
siderúrgicas
da região
estudada,
o que as
vincula
necessariamente à questão da presença do trabalho escravo em sua cadeia
produtiva.
No capítulo dois do texto discuto a configuração que marca a atuação de
ONGs, entidades e Governo no combate ao trabalho escravo contemporâneo no
Brasil, considerando essa atuação em seu plano mais geral (o combate ao trabalho
escravo), quanto no nível mais imediato de meu objeto de estudo (o combate ao
trabalho escravo na produção siderúrgica).
O capítulo três contém os dados e a reflexão sobre a forma como a
questão do trabalho escravo foi incorporada pelas empresas do Polo Siderúrgico de
Carajás, através da adesão ao Pacto pela Erradicação do Trabalho Escravo na
Cadeia da Produção Siderúrgica e pela criação do Instituto Carvão Cidadão. Como
poderá ser visto, considero a criação do ICC um marco importante na atuação de
parte das empresas que atuam no campo siderúrgico, uma vez que esse Instituto
passa a funcionar como um balizador de boas práticas sociais, estabelecendo o
acesso ao principal mercado consumidor da produção siderúrgica amazônica, o
mercado norteamericano.
23
3 INTRODUÇÃO
A repercussão das denúncias relacionadas ao trabalho escravo e as
condições degradantes de trabalho nas carvoarias é o tema central das respostas
que as siderúrgicas localizadas na Amazônia Oriental têm de responder. Desde o
final dos anos 1980 essas denúncias passaram a ser amplamente divulgadas por
grupos de defesa de direitos humanos, que a partir de então bse voltaram a
acompanhar e monitorar a atuação dessas siderúrgicas.
Provocadas e pressionadas a reordenarem as relações estabelecidas em
sua cadeia de produção, atentando para as condições e relações de trabalho
desenvolvidas no interior das carvoarias que produzem carvão vegetal para ser
empregado na produção de ferro gusa; o empresariado desse setor percebe que tal
conjuntura apresenta-se como uma ameaça ao desempenho econômico no mercado
internacional, considerando que o destino final de sua produção está voltado
primordialmente ao mercado norteamericano e ao europeu, em menor escala
(CARNEIRO, 2008). Fator este que associou a produção guseira de Carajás às
influências externas, tornando-a por sua vez, extremamente sensível.
A luta contra as práticas de trabalho escravo no Brasil tem seu início na
década de 1970, com as ações da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que foi a
primeira entidade a denunciar a existência desse tipo de relação de trabalho no
campo brasileiro.
Frei Xavier Plassat11, Coordenador da Campanha Contra o Trabalho
Escravo na Comissão Pastoral da Terra – CPT coloca que por muito tempo as
equipes da CPT foram o canal principal de recepção e encaminhamento das
denúncias desses trabalhadores. Nesse sentido, as denúncias apresentadas pela
CPT foram o principal canal para a afirmação da existência de situações
contemporâneas identificadas como trabalho escravo no Brasil, ao passo que
também serviam de orientação para a atuação dos órgãos governamentais
responsáveis pela repressão a esse tipo de situação, caso, por exemplo, da Polícia
11
Em entrevista concedida a IHu on-line: “Trabalho Escravo no Brasil: uma herança maldita do
capitalismo”,
disponível
em:
http://www.cptnacional.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=587:trabalho-escravono-brasil-uma-heranca-maldita-do-capitalismo-entrevista-especial-com-frei-xavierplassat&catid=49:trabalho-escravo&Itemid=54
24
Federal e, em período mais recente, do Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério
do Trabalho.
Como produto dessa mobilização, com destaque para o papel
desempenhado por Dom Pedro Casaldáliga, bispo de São Félix do Araguaia no
Mato Grosso, autor das primeiras denúncias que relatavam as condições
desumanas de trabalho a que estavam submetidos muitos trabalhadores na fronteira
Amazônica, temos que a questão do trabalho escravo, começa a adquirir certa
visibilidade e a exigir respostas do Estado brasileiro.
Apesar dessas situações ocorrerem em maior quantidade na Amazônia
brasileira, principalmente nos estados do Pará, Tocantins e Maranhão, o registro de
situações de trabalho escravo estendeu-se aos poucos a totalidade do território
nacional.
Unidade da Federação
Registro de casos
(UF)
Número de trabalhadores
resgatados
Pará
901
8.973
Maranhão
218
1.967
Tocantins
208
2.400
Mato Grosso
195
4.020
Quadro 02: Denúncias de trabalho escravo registradas pela CPT, segundo os estados de maior
destaque (2003 a 2010).
Fonte: CPT, 2010.
Ainda segundo esses dados a região sul apresentou oitenta e cinco (85)
casos de trabalho escravo durante o período levantado, enquanto o estado de Goiás
registrou 84 casos, seguidos pelos estados da Bahia (com 56 denúncias); Minas
Gerais com 48; Mato Grosso do Sul com 38; Rio de Janeiro com 27 casos; seguidos
pelo estado de São Paulo com 24 casos registrados. Piauí, Rondônia e Espírito
Santo, que apresentaram, respectivamente, 20 casos12.
São diversos os segmentos econômicos nos quais a força de trabalho das
pessoas submetidas a essa condição é empregada, o que inclui as atividades
agrícolas (pecuária, cana de açúcar e soja), industriais e agroindustriais.
12
Vale registrar que o trabalho escravo também é uma realidade urbana brasileira, caso por exemplo,
das oficinas de confecção no Estado de São Paulo, onde predomina a exploração de imigrantes,
geralmente irregulares ou traficados, a exemplo dos bolivianos residentes nesse estado.
25
“[...] o rastro do agronegócio o qual, na última década se tornou a menina
dos olhos nas Políticas Públicas: na fumaça das carvoarias que sacrifica
homens e florestas para produzir aço, nas pegadas do gado que continua
avançando na Amazônia Legal com desmatamento em grande escala; na
onda da lavoura da soja que conquistou os serrados centrais; no boom do
etanol que explode de norte a sul e ressuscita o velho canavial. Presente
nas principais cadeias do agronegócio brasileiro: carne e madeira (metade
das denúncias), cana e demais lavouras (metade dos libertados), e carvão
vegetal para uso na siderurgia” (PLASSAT, 2007).
Esse trabalho iniciado pela CPT provocou grande repercussão sobre o
Estado brasileiro, e, nos anos seguintes, passou a ser realizado por entidades de
atuação mais localizada (casos da Pastoral do Migrante em São Paulo, do Centro de
Defesa de Direitos Humanos em Açailândia-MA), por outras organizações de
representação
dos
trabalhadores
rurais
(Sindicatos
de
Trabalhadores
e
Trabalhadores Rurais) e por outras organizações não-governamentais (caso do
Repórter Brasil e do Instituto Observatório Social).
Na década de 1970 o Estado do Maranhão vivencia um contexto de
investimentos voltados ao modelo de modernização projetado para a Amazônia
Brasileira.
Motivado por interesses de natureza militar e estratégica, o governo
militar13 preocupado com a cobiça internacional das terras amazônicas planejou
políticas públicas que implicassem na defesa de nossas fronteiras territoriais e
integração econômica da Amazônia ao restante do país. Até então a Amazônia era
considerada como sinônimo de atraso, comparada as outras regiões brasileiras.
Investimentos vultosos e financiamentos públicos levados a termo pela
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e, em menor medida,
pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) foram
direcionados para a agropecuária e o agroextratismo vegetal e mineral, o que veio a
modificar de forma profunda a realidade socioeconômica regional.
Na década de 1980 essa intervenção estatal na Amazônia será reforçada
com a decisão do governo federal em realizar a exportação do minério de ferro da
Serra de Carajás através da opção ferroviária (Ferrovia Carajás – Ponta da Madeira)
e da criação do Programa Grande Carajás.
Em meio a esse processo a atividade siderúrgica adquire posição de
destaque, considerando que a exploração de recursos minerais corroboraria para o
projeto de valorização econômica da Amazônia brasileira, estimulado pelos
13
O período compreendido pelos governos militares se estende de 1964, ano em que ocorre o golpe
militar que depõe o governo eleito do presidente João Goulart, até o ano de 1985, com a eleição no
Colégio Eleitoral do governo civil composto por Tancredo Neves e José Sarney.
26
governos militares. Por meio dos investimentos nas atividades de exploração mineral
– principalmente de minério de ferro - foi viabilizada a implantação de unidades
industriais produtoras de ferro gusa, que passaram a aproveitar o minério das
jazidas de Carajás e a infraestrutura (ferrovia-porto) criada para viabilizar sua
exportação.
A instalação do Polo Siderúrgico Carajás, compreendendo inicialmente
quatro siderúrgicas instaladas entre os estados do Maranhão e Pará resultou
também
do
projeto
desenvolvimentista
imposto
a
Amazônia
Brasileira,
consubstanciado através do Programa Grande Carajás-PGC, coordenado pelo
Governo Federal. Iniciativa que demandou uma série de ações que subsidiassem o
escoamento da produção e atendesse as demandas externas a região, tais como,
construção de hidrelétrica, edificação de unidades industriais, ferrovias e o controle
de
amplas
extensões
de
terras,
contrapondo-se
a
agricultura
tradicional
predominante na região.
Do outro lado do processo de composição do cenário de modernização
planejado e imposto à região amazônica, estão as pessoas: seres humanos que
tiveram suas formas de organização social e econômica impactadas com a chegada
dos projetos desenvolvimentistas que estavam em descompasso com a realidade
regional (socioculturais e ecológicas), redefinindo desta forma o cenário geográfico e
social da região.
Com um grande contingente de trabalhadores disponíveis (dada à falta de
oportunidades) para a venda de sua mão de obra, a arregimentação de
trabalhadores passa a significar uma atividade central, pois serão necessárias
centenas de trabalhadores para realizar as atividades econômicas recém-instaladas
na região (derrubada da mata nativa para a formação de pastos, extração de
madeiras, além das atividades ligadas à operacionalização das indústrias
siderúrgicas).
Esses trabalhadores serão compelidos para execução dessas atividades
através da economia da precisão, categoria trabalhada por Moura (2009), utilizada
para caracterizar uma necessidade extrema resultante da falta de acesso à terra
conjugada com ausência de oportunidades de empregos, que garantam condições
de sobrevivência, que com a fragilização da agricultura familiar submetem-se a
situações de jornadas excessivas de trabalho, alimentação e alojamentos precários,
dentre outras situações que os impedem a abandonarem seus locais de trabalho sob
27
coação física e/ou emocional, elementos que, por sua vez, tem caracterizado o
trabalho escravo contemporâneo.
A questão do trabalho escravo já era apontada nos debates sobre o
modelo desenvolvimentista programado para região Amazônica, sobretudo no
segmento agropecuário. No caso da siderurgia, esse assunto também se tornou
evidente desde os primeiros estudos14 sobre a produção de carvão vegetal para fins
siderúrgicos, assim como na agropecuária, esse segmento também estava imerso
numa teia de relações que burlavam a legislação trabalhista, utilizando-se de
mecanismos de recrutamento e mobilização de trabalhadores para o exercício de
atividades relacionadas à produção de carvão vegetal.
Com a questão do trabalho escravo adentrando as principais pautas de
discussões de entidades de defesa dos direitos humanos, o que gestou uma ampla
repercussão na opinião pública, nacional e internacional, tornou-se necessário a
adoção de posturas que visassem o enfrentamento a esse problema social, tanto por
parte do Governo quanto das empresas siderúrgicas. O que, por sua vez, urdiu a
construção de estratégias que engajassem as empresas quanto ao enfrentamento
dessa questão.
É com esse viés que surge a criação do Instituto Carvão Cidadão (ICC),
instituição concebida pelas siderúrgicas a partir do reconhecimento de que nas suas
estruturas de produção do carvão vegetal (carvoarias), estariam ocorrendo situações
de trabalho escravo, conforme denunciado pelos movimentos sociais.
Para combater essa prática o ICC passará a realizar atividades de
auditoria no interior das carvoarias com vistas à verificação das condições de
trabalho, buscando assegurar que as usinas siderúrgicas não adquiram insumo
energético (carvão vegetal) de fornecedores que se utilizem de práticas de trabalho
escravo em sua cadeia de produção..
Em relação ao Estado brasileiro, podemos dizer que com a inserção da
temática
do
trabalho
escravo
em sua
agenda
política,
engendrou-se
o
desenvolvimento de ações para seu enfrentamento, uma vez que este passou
também a sofrer pressões internacionais que motivaram a criação e estruturação de
mecanismos de fiscalização e repressão à prática do trabalho escravo, procurando
responsabilizar àqueles que se beneficiavam, direta ou indiretamente, do trabalho
14
Nesse sentido são significativos os estudos de Carneiro (1997, 2008) e Monteiro (1988)
desenvolvidos acerca dessa temática.
28
empreendido à revelia dos marcos legais trabalhistas. Pressões que se
consubstanciaram nos compromissos internacionais assumidos pelo país junto a
Organizações das Nações Unidas (ONU), Organização Internacional do Trabalho
(OIT) e Organização dos Estados Americanos (OEA), como resultado da atuação
conjunta da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
3.1 O papel desempenhado pela crítica social na organização da atividade
siderúrgica de Carajás
A instalação do polo siderúrgico de Carajás na Amazônia Oriental e sua
proposta de desenvolvimento trouxeram consigo uma série de consequências que
destoavam do frisson de modernização direcionado a Amazônia brasileira.
Os
impactos referentes à atuação desses projetos eram postos de lado frente ao
discurso inebriante de geração de trabalho e expansão de bens e serviços que
tornariam, portanto, a região “integrada” aos circuitos econômicos internacionais, o
que implicaria em melhoria para a região de influência desses projetos.
Na contra corrente desse discurso, evidenciou-se uma crescente
degradação ambiental, posta em xeque por organizações ambientalistas e
caracterizada pela poluição das áreas circunvizinhas às siderúrgicas, que passam a
ser impactadas com a emissão de poluentes na atmosfera e nos cursos d’água.
(PITOMBEIRA, 2008).
Além da crítica no front ambiental as empresas guseiras devem responder
também aos questionamentos oriundos de entidades de defesa dos direitos
humanos sobre as condições em que se realiza o trabalho nas carvoarias
(CARNEIRO, 1989, 1997).
O desenvolvimento da atividade carvoeira exemplifica um dos processos
desencadeados após a efetivação da Estrada de Ferro Carajás (EFC), devido à
instalação das empresas siderúrgicas, em que o trabalho nas carvoarias assume
uma dimensão relevante na cadeia de produção siderúrgica.
O carvão vegetal, principal recurso energético usado na fabricação do
ferro gusa, passou a adquirir uma dimensão econômica significativa na área de
influência da estrada de ferro, pois as indústrias o consomem em larga escala,
provocando desta forma a modificação da realidade regional, compondo uma
29
“vocação” imposta à região em razão dos empreendimentos siderúrgicos, uma vez
que estes trabalhadores encontram-se pressionados (por falta de alternativas) e
atraídos pelo carvoejamento.
Foto 01: Comércio de carvão vegetal no município de Açailândia-MA.
Fonte: Repórter Brasil, 2010.
A utilização da força de trabalho sob forma repressiva e precarizada tem
se apresentado como uma questão recorrente no segmento siderúrgico da
Amazônia Oriental, em decorrência da aquisição (pelas empresas siderúrgicas) de
carvão vegetal de fornecedores (terceirizados) que se utilizam de práticas de
trabalho escravo e/ou superexploração do trabalho em suas carvoarias.
Questões estas, que se tornaram mais conhecidas e reprimidas a partir
das fiscalizações do Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho e da
atuação de entidades da sociedade civil e organizada engajadas no combate ao
trabalho escravo.
As desigualdades sociais são apontadas por Esterci (1994) como o vetor
responsável pela utilização de práticas degradantes da força de trabalho, realidade
esta destoante quando se trata da riqueza mineral e florestal que a área de
influência da Estrada de Ferro Carajás dispõe.
O que torna necessário situar o contexto que compele dezenas de
trabalhadores a empregarem sua força de trabalho nas carvoarias que fornecem
insumo para as siderúrgicas, situando assim a questão do trabalho escravo, pois é a
30
existência deste, na cadeia produtiva siderúrgica que tornou inevitável a criação do
Instituto Carvão Cidadão.
Considerando a atividade de produção de carvão como um apoio ao
parque siderúrgico de Carajás, o pesquisador Maurílio Monteiro destaca a produção
de carvão como:
“O principal elo de articulação dessas indústrias industriais com a
socioeconomia da região [...] não só pelos valores movimentados, mas
principalmente pelo surgimento de variadas e diversas estruturas sociais
que passaram a viabilizar a produção do carvão vegetal. Esta demanda
impulsiona transformações sociais na região. Dentre elas o surgimento de
um grande contingente de trabalhadores dedicados à produção de carvão
vegetal”. (MONTEIRO, 1988, p. 5)
Portanto, a compreensão do processo de criação do Instituto Carvão
Cidadão pressupõe a apresentação da questão do trabalho escravo na cadeia de
produção guseira de Carajás, de forma a entendermos as razões que legitimam a
existência dessa instituição. Segundo Carneiro (2008) as ocorrências de trabalho
escravo nesse setor aparecem com um dos critérios que singularizam a produção de
Carajás do restante da produção de ferro gusa nacional15.
O trabalho de denúncias das entidades mobilizadas no combate ao
trabalho escravo levou a criação, em 1997, do Grupo Especial de Fiscalização Móvel
– unidade federal de combate ao trabalho escravo e ao trabalho degradante –
tornando assim mais efetiva a ação do governo na fiscalização quanto ao
cumprimento da legislação trabalhista, aumentando de forma substantiva a pressão
sobre as empresas do setor siderúrgico.
A pressão exercida pela mídia internacional é bastante significativa, caso,
por exemplo, da reportagem publicada no Jornal The New York Times16 com o título
Modern-day Slavery, que denunciou a existência de 27 milhões de pessoas
submetidas as mais diversas formas de escravidão, destacando como principais
focos desses problemas: a República Dominicana (nas atividades ligadas à cana de
açúcar), a Tailândia (tráfico humano para fins de exploração sexual), a Mauritânia e
Sudão (exploração de negros no trabalho doméstico e agrícola), e o Brasil (na
15
Os outros elementos de diferenciação caracterizados por Carneiro (2008) são: a) a orientação para
o mercado externo; b) dependência quase que integral do fornecimento de minério por parte da
CVRD.
16
Publicado no dia 09 de setembro de 2000.
31
cadeia de produção do ferro gusa, em especial nas condições de vida e trabalho nas
carvoarias brasileiras)17.
O Instituto Observatório Social (IOS) também divulgou uma publicação18
em que apresentava resultados de um estudo realizado sobre o trabalho escravo no
Brasil, enfatizando as condições de trabalho no ambiente das carvoarias. Em estudo
sobre a cadeia produtiva do aço produzido no Brasil, a matéria Escravos do Aço
aponta para diversas corporações que se beneficiavam do trabalhão escravo. Essa
matéria identificava a Nucor Corporation19 como a principal compradora do ferro
gusa produzido na região de Carajás.
Por outro lado, o crescimento vertiginoso das denúncias, colocou às
claras, a falta de infraestrutura do Grupo Móvel de Brasília. As demandas eram
tantas que em 1996 foram implantadas coordenações regionais do Grupo Móvel de
Fiscalização de Brasília, representadas estadualmente pelas Delegacias Regionais
do Trabalho (DRT`s) 20.
A repercussão dessas ações associada ao fato da produção guseira de
Carajás possuir como principal destino um mercado bastante sensível ao tema dos
direitos humanos - o mercado norteamericano - colocou um problema fundamental
para as empresas siderúrgicas, que passaram a desenvolver esforços no sentido de
demonstrar que possuem preocupações com o tema da responsabilidade social21.
Os esforços empreendidos por essas entidades havia posto a questão do
trabalho escravo em termos de uma crise que afetava o meio ambiente e
desrespeitava os direitos humanos, expondo assim a imagem dessas empresas a
critica social em nível internacional.
Apreciar a questão da construção da responsabilidade social no
segmento guseiro de Carajás, enquanto estratégia de legitimidade empresarial
configurada a partir de contextos socioeconômicos que demandam redefinições de
17
Essa reportagem foi pautada nos estudos desenvolvidos pelo sociólogo norte americano Kevin
Bales, que desenvolveu pesquisas sobre o setor siderúrgico brasileiro.
18
Em junho de 2004 intitulado: Observatório Social em Revista: Trabalho Escravo no Brasil. Essa
revista encontra-se disponível no website do Instituto Observatório Social no seguinte endereço:
www.instituoobservatoriosocial.org.br/download/er6bx.pdf.
19
Essa companhia é responsável pela produção de grande parte do aço que abastece a maioria das
indústrias automotivas norteamericanas.
20
Atualmente, conhecidas por Superintendência Regional do Trabalho.
21
Sobre esse tema vide discussão proposta por Cappelin et al (2001) para o caso brasileiro e por
Capron e Quairiel-Lanoizelée (2004) para o debate europeu.
32
postura nos ajuda a abrir possibilidades de compreensão quanto ao problema
sociológico que é posto em questão.
A responsabilidade social começa a ser construído a partir da inserção de
questões sociais no âmbito econômico de atuação dessas empresas, o que vem a
desencadear a construção de processos que podem alterar a forma como a
empresa se relaciona com a sociedade, ou mais especificamente, o contexto social
que direta ou indiretamente, está ocasionando alguma consequência que vá se
resvalar em sua atuação econômica.
Esse, de certa forma, é o tom mais assinalado nas iniciativas direcionadas
à responsabilidade social no contexto brasileiro, o que nos instiga a conjecturar,
conforme salienta Veloso (1995, p. 15), que os efeitos produzidos são ambíguos e
precisam ser compreendidos mais amplamente e assim analisados em sua
especificidade contextual.
As condições em que é obtido o carvão vegetal para uso na siderurgia
têm chamado atenção, principalmente quando se trata de jornadas de trabalho
semanais intensas e exposição de trabalhadores a condições laborais insalubres,
“com o trabalhador exposto a altas temperaturas nas operações com o forno, sujeito
a inalação de partículas de poeira, quando das descargas destes” (CARNEIRO,
1989, p. 170).
Considerando denúncias desse teor, efetivadas por órgãos estatais e
entidades, como o Centro de Defesa da Vida dos Direitos Humanos de Açailândia,
Comissão Pastoral da Terra (CPT) dentre outras envolvidas com a causa, é que se
desencadearam ações voltadas ao enfrentamento dessa questão.
Inicia-se então, um processo no setor siderúrgico que demanda a atenção
quanto às questões relacionadas às condições de trabalho nas carvoarias, o que
significa em outros termos, atentar para as reivindicações dos movimentos sociais
que vinham denunciando sistematicamente ocorrências de trabalho escravo.
Assim, os reclames e anseios sociais passam a incorporar-se como
critério que vem a atribuir alguma legitimidade a um segmento que tem despertado a
crítica social, ou seja, àquele que tem denunciado a miséria e a exploração22
daqueles que se encontram distanciados do reconhecimento de seus direitos,
22
Em termos de Boltanki e Chiapello (2009, p. 363), a noção de exploração encontra-se atreladas
atividades em cadeia (conexão) que propiciam a realidade do lucro. Por homologia, podemos
considerar que na cadeia de produção do ferro gusa existiriam atividades que permitiram o lucro
oportunista.
33
embora
estejam
atrelados
a
instâncias
que
deveriam
propiciar-lhes
o
reconhecimento. Fazendo eco ao pensamento de Boltanski e Chiapello (2009, p.
129) enfatizaria que “[...] as críticas às quais está exposto o capitalismo constituem
um dos elementos determinantes da formação do espírito do capitalismo próprio de
uma época”.
A satisfação de algumas reivindicações, conforme Boltanski e Chiapello
observam é uma característica presente na configuração delineada pelo capitalismo
nos últimos trinta anos. Nesses termos, perseguindo atender exigências impostas
pela legislação, mas que eram frequentemente descumpridas, as siderúrgicas,
portanto não podem mais estar “alheias” a repercussão que tais críticas adquiriram.
Podemos ainda considerar que é essa mesma crítica que atribui a
renovação de seu espírito, fornecendo indícios para uma nova representação da
empresa. Respondê-las, portanto, é justificar os caminhos de obtenção do lucro. A
nova representação das questões com as quais o empresariado tem se deparado e,
por conseguinte, sua ampla repercussão, tem se configurado como um elemento
impulsor da mudança de postura do empresariado quanto a essas questões.
Incorporando as críticas direcionadas a forma de utilização da força de
trabalho nas carvoarias é que se engendra o discurso de responsabilidade social no
setor siderúrgico, encontrando em tais críticas os elementos para a construção
desse discurso. Noutros termos, o capitalismo desse contexto social encontra em
seus detratores (movimentos de defesa dos direitos humanos) o caminho para a
reconfiguração de suas práticas.
O conceito de crítica social que considero é aquele trabalhado por
Boltanski e Chiapello (2009) no sentido de que esta só adquire relevância no
contexto social em que ela está direcionada, quando se encontra um estado de
coisas real (desrespeito á legislação trabalhista e ambiental, aos tratados de direitos
humanos, superexploração da força de trabalho) e se aspira por estado de coisas
desejável (cumprimento dos marcos legais).
É nesses termos que a crítica torna-se válida e encontra apoio
normativo23 para sua fundamentação. “Portanto, ela não deixa de fazer referência à
justiça”, pois a transgressão dela é que baliza sua repercussão, desvelando as
23
Não observância da legislação trabalhista e dos princípios fundamentais de direitos humanos.
34
relações de forças, dominação e exploração nas carvoarias distribuídas na região da
Amazônia Oriental (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009, p. 62).
Deslegitimando desta forma, o modus operandi das relações de trabalho
utilizadas para obtenção do carvão vegetal e as condições em que a atividade do
carvoejamento era desenvolvida, coagindo assim, os responsáveis por tais práticas
a justificarem suas ações, legitimando-as em termos de bem comum (e/ou
responsabilidade social empresarial).
A atuação dos agentes sociais engajados no enfrentamento ao trabalho
escravo e a repercussão de suas denúncias demandou resposta às questões
apontadas pela crítica, uma vez que esta põe em xeque a forma de acumulação e
obtenção do lucro dessas empresas siderúrgicas.
Há em meio a essa injunção outro processo que se desencadeia: parte
das questões mobilizadas pela crítica para opor-se aos mecanismos de acumulação
contemporâneos, são postas a serviço dessa mesma acumulação, no sentido de
que tais elementos são incorporados ao discurso (de responsabilidade social)
construído pelo empresariado do segmento guseiro de Carajás. A crítica, por esse
viés, adquire uma atuação ambígua, assim como o processo de acumulação
capitalista ao longo de toda sua história24.
A crítica corresponde ao processo em que agentes sociais engajados
numa determinada causa denunciam violações, adquirindo ampla repercussão, o
que por sua vez, demanda a implantação de dispositivos que garantam a
observância desta.
Atentando-se aos reclames exigidos pela crítica (aos objetos de
reivindicações), esta pode deslocar-se, por outro lado, para outras questões. No
caso da atuação do Instituto Carvão Cidadão (entidade criada pelas empresas
siderúrgicas de Carajás para monitorar a cadeia de produção do carvão vegetal
utilizado por essas empresas), percebe-se que sua atuação está centrada na
questão trabalhista25, embora as críticas direcionadas ao setor façam referência
também à questão ambiental. Portanto, esta é outra frente que já começa a
demandar respostas de outra ordem, o que vem a demonstrar os deslocamentos
que a crítica social pode adquirir em determinados contextos sociais.
24
Boltanski e Chiapello (2009) ressaltam que esse é o preço que a crítica tem de arcar.
Conforme poderá ser observado no Cap. III.
25
35
Um estudo elaborado pela organização não governamental Justiça
Global, FIDH (Federação Internacional de Direitos Humanos) e a Rede Justiça nos
Trilhos26, divulgado em 18/05/2011, intitulado Poluição de Siderúrgica e carvoaria
causam dano ao Maranhão, retrata a situação de saúde dos moradores do Povoado
Piquiá de Baixo27 e Assentamento Califórnia28 que estão circunvizinhos a cinco
siderúrgicas e uma usina termoelétrica, no município de Açailândia-MA29.
O estudo aponta que são frequentes as ocorrências de doenças de pele,
visão, problemas respiratórios, inflamações na garganta e nos olhos. O relatório já
foi encaminhado aos Ministérios de Minas e Energia e de Meio Ambiente e ao
Ministério Público Federal (MPF), a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a
Organização das Nações Unidas (ONU).
Outra denúncia, veiculada na web site da Rede Justiça nos Trilhos
denuncia a intervenção da Companhia Vale do Rio Doce - Vale, em Áreas de
Preservação Permanente (APP), ocasionando danos ambientais, em decorrência
das obras de duplicação dos pátios de cruzamento da Estrada de Ferro Carajás.
Crítica essa que levou o Ministério Público Federal a propor ação civil pública contra
a Vale:
“A ação decorre de autuação da Vale feita pelo IBAMA por infração a
legislação ambiental. Pede-se a condenação da Vale e da União (por ser
concedente da EFC à Vale, e por isso co-responsável) ao pagamento de
uma indenização pecuniária e as ações de recomposição florestal na área
atingida, ou caso não seja possível em outra de igual tamanho”. (Disponível
em: htpp:/ /www.justicanostrilhos.org)
Portanto, a questão ambiental inevitavelmente adentrará no âmbito de
atuação do Instituto Carvão Cidadão. O Estatuto Social do ICC30 aponta para essa
direção quando este preconiza que dentre seus objetivos e finalidades está:
26
Justiça nos Trilhos é uma rede que congrega várias entidades, movimentos sociais, ONGs e
cidadãos que atuam com vistas à compensação pelos danos causados os meio ambiente e a
população que vive nas áreas que perpassam a Estrada de Ferro Carajás.
27
No Povoado Piquiá de Baixo, moram aproximadamente 300 famílias.
28
No entorno do assentamento Califórnia, há 66 fornos de produção de carvão vegetal. Duzentas e
sessenta e oito famílias são impactadas com a emissão de poluentes.
29
Estudo disponível na web site da Rede Justiça nos Trilhos: http://www.justicanostrilhos.org/quemsomos
30
Com nova redação aprovada dia 25 de maio de 2010, em assembléia realizada com seus
associados.
36
“Orientar, auxiliar e fiscalizar todas as atividades relacionadas com a cadeia
de produção de carvão vegetal, inclusive sobre seu fornecimento às
indústrias siderúrgicas instaladas nos estados do Maranhão, Pará, Piauí,
Tocantins ou em qualquer outro estado da federação, onde os associados
do INSTITUTO tenham atuação com seus beneficiários finais, com vistas ao
cumprimento da legislação trabalhista, ambiental de demais normas de
proteção à segurança, a saúde do trabalhador e a preservação do ambiente
do trabalho correlatas às suas atividades” (ESTATUTO SOCIAL, Cap. I, art..
2, ICC, 2010).
A autossuficiência em relação à matéria-prima para produção de carvão
produzido a partir do eucalipto já está sendo incorporada nas ações das empresas,
no entanto os impactos ambientais decorrentes da produção deste ainda não foi
posto como prioridade em sua agenda de discussão.
3.2 A questão da Responsabilidade Social Empresarial (RSE) no setor
siderúrgico
A responsabilidade social é um termo de múltiplos significados e
implicações, como lembram Schroder e Lourenço (2002). É um tema que está cada
vez mais presente na agenda das organizações, influenciando seu comportamento e
remodelando suas estratégias de atuação.
A noção de responsabilidade social não deve ser examinada em si
mesma e por si mesma. É uma utilização que deve ser considerada em seu aspecto
inseparavelmente duplo, ou seja, pela via teórica e empírica. A campanha em torno
da responsabilidade social “procura disseminar uma nova imagem do empresariado,
mais consciente, mais politizado [...] a favor da sociedade”. (GARCIA, 2004, p. 7)
Os sentidos que podem ser atribuídos ao termo evidência que sua
apreensão está vinculada à maneira como o setor empresarial se engaja com as
questões relacionadas ao interesse público. Assim, de acordo com cada cultura
econômica delineiam-se práticas “socialmente comprometidas” com o interesse
geral. Algumas acentuam medidas tomadas que procuram sanar aspectos
ambientais, outras ações voluntárias, sempre no sentido de atingir um mínimo de
sincronia entre as diversas representações da responsabilidade empresarial.
Na busca por uma melhor imagem e um desempenho exitoso, as
organizações passam a incorporar dimensões que vão além dos objetivos
econômicos, e que dizem respeito à vida social, cultural e à preservação ambiental
(CAPELLIN, et al., 2005, p. 33).
37
A combinação desses fatores aos objetivos econômico-financeiros da
empresa está atrelada a necessidade de enfrentar a concorrência de mercado, seja
ela a nível local, nacional ou internacional. Não é difícil, pois, reconhecer que
incorporar as demandas socioambientais em seu saber-fazer é um engajamento
necessário que vem a corroborar para uma nova representação da empresa e, por
conseguinte, do processo econômico, desvelando assim um dos aspectos das
transformações por qual o capitalismo vem passando, durante os últimos trinta anos
(BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009).
Nesse sentido, como dito por Capellin, et al. (2001, p. 34) face a
concorrência, a empresa deve procurar canais certos para se manter em sintonia
com o sociedade. Estar atento às demandas dos agentes sociais que se relacionam
direta ou indiretamente com empresa, é tornar a relação empresa e sociedade mais
flexível, no sentido de tornar o diálogo possível. Essa é uma característica que vai
singularizar a representação da empresa num contexto de competitividade, de
canais cada vez mais fugazes e inovadores de comunicação e tecnologias.
Há de se considerar que a mobilização da sociedade em relação aos
novos critérios de sobrevivência empresarial é relativamente recente, data do século
XX, e encontra-se fortemente vinculada ao estabelecimento do regime democrático.
Dessa forma, em um contexto democrático, a empresa deve se por em condições de
responder aos reclames e anseios de seus stakeholders
As partes interessadas ou stakeholders são qualquer grupo dentro ou fora
da organização que tem interesse no desempenho da empresa. Cada parte
interessada tem um critério diferente de reação porque tem um interesse diferente
na organização (SCHRODER; LOURENÇO, 2002, p. 10).
A relação que a empresa estabelece com os atores interessados nos
objetivos da empresa é caracterizada, pela teoria da responsabilidade social, sob a
perspectiva da abordagem das partes interessadas. Atrelam-se não só aqueles que
possuem um contrato explícito com a empresa (acionários, fornecedores, clientes,
trabalhadores), mas também àqueles que possuem uma relação implícita com ela
(órgãos governamentais, Ongs, movimentos ambientalistas, etc.).
O poder de ação de certos grupos (Ongs, partidos, movimentos sociais,
instituições religiosas e etc.) nos últimos anos inseriu no cenário internacional uma
forte preocupação com a questão dos indicadores sociais. Não é sem motivo que
diversos encontros e debates acerca dessa temática, passaram a ser realizados.
38
Colocando em pauta o comprometimento das empresas diante dos efeitos
provocados pelas suas atividades no tecido social.
Nesse sentido é notável também a emergência de agrupamentos
organizacionais que tem por objetivo disponibilizar meios para que os investimentos
em espécie possam transformar-se em investimento social e que este seja, de fato,
um lugar de destaque das ações sociais de cunho privado31.
A criação do Instituto Carvão Cidadão (ICC) ilustra bem essa
transformação no discurso empresarial, que procura conferir as ações realizadas
pelas empresas siderúrgicas uma dimensão socialmente relevante.
O ICC é uma instituição fundada em 2004, por iniciativa das siderúrgicas
que compõem a cadeia de siderurgia do Polo Carajás, cujo principal objetivo é
erradicar a ocorrência do trabalho escravo da cadeia de produção siderúrgica. Essa
iniciativa deu-se em função das inúmeras denúncias relacionando situações de
trabalho escravo em carvoarias de propriedade dessas siderúrgicas ou de
propriedade de terceiros (mas fornecedoras de carvão para essas empresas).
Com o objetivo de enfrentar e combater ocorrências de situações de
trabalho escravo na cadeia de produção dos fornecedores de carvão vegetal das
siderúrgicas que são suas associadas, o Instituto Carvão Cidadão realiza de forma
sistematica auditorias em carvoarias localizadas nos estados do Pará, Maranhão,
Tocantins
e
Piauí.
Elaborando
relatórios
das
irregularidades
encontradas,
promovendo reuniões educativas e informativas com fornecedores e trabalhadores
do setor, de modo a orientar os métodos de trabalho. As informações recolhidas nas
auditorias são repassadas aos associados do instituto, disponibilizadas aos órgãos
do governo e demais instituições interessadas. (ICC, 2010)
No entanto a prática da Responsabilidade Social Empresarial (RSE)
possui suas dificuldades inerentes. A primeira diz respeito à própria utilização da
categoria e a segunda refere-se ao processo de demonstração das atividades de
atuação social das empresas, que assim como a primeira não se apresenta de uma
forma clara e universal.
31
Diversos agrupamentos têm formado círculos de difusão de práticas sociais, aonde as empresas
participantes buscam refletir e visualizar as práticas que vem sendo exercidas. A esta característica, é
notável o caso da bussines social responsability, nos Estados Unidos; da corporate social
responsability europe, na Europa; bussines in comunnity, no Reino Unido; e das entreprise pour
l´environnement, L´institut du Mécénat social, Observatoire da la responsabilité sociétale des
entreprises, na França. (ROSSEAU; POSTEL; BOIDIN, 2009)
39
O empresariado assumindo esta nova identidade coloca-se como um
novo agente nas relações que tradicionalmente se desenrolavam apenas entre
Estado e sociedade. Esse é o caso, por exemplo, quando empresas assumem o
papel de prestação de serviços antes oferecidos exclusivamente pelo Estado.
Será nessa conjuntura que as empresas siderúrgicas de Carajás
começarão a investir em mecanismos alternativos para a legitimação da sua
produção, de forma a responder a crítica social, como o exemplo da assinatura, em
Agosto de 2004, da “Carta-Compromisso pelo fim do trabalho escravo na produção
de carvão vegetal, e pela dignificação, formalização e modernização do trabalho na
cadeia produtiva do setor siderúrgico”, acordo formalizado na sede do Tribunal
Superior do Trabalho, em Brasília-DF.
40
4 CAPÍTULO I - A ATIVIDADE SIDERÚRGICA COMO PARTE DO PROJETO DE
MODERNIZAÇÃO NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
A instalação do Polo Siderúrgico de Carajás (PSC) nos estados do
Maranhão e Pará pode ser compreendida como uma das principais consequências
do processo de modernização da Amazônia brasileira levado a cabo pelo Programa
Grande Carajás (PGC) e outras ações de planejamento estatal nos anos 1980.
O PGC, lançado no fim da década de 1970, teve por objetivo principal
viabilizar a exploração mineral na Amazônia Oriental, caso do minério de ferro, mas,
também de outros recursos como a bauxita, cobre, ouro, manganês e níquel. Além
da exploração mineral, esse projeto incluiu também a exploração de recursos
agroflorestais, extrativistas, agropecuários, além do aproveitamento do potencial
hidrelétrico de alguns rios amazônicos, caso do rio Tocantins32.
Parte dessa política desenvolvimentista foi voltada para o incremento de
atividades industriais, caso da siderurgia, através da concessão de incentivos fiscais
e financeiros. Além de investimentos siderúrgicos o campo de atuação do PGC
comportou
também
projetos
silviculturais,
de
pesca,
agropecuários,
de
beneficiamento de madeira dentre outros (CARNEIRO, 1989, p. 155)
O PGC teve como eixo central o Projeto Ferro Carajás (PFC), cuja
infraestrutura foi a base para outras iniciativas delineadas, caso do complexo minaferrovia-porto, em que obras centrais foram a Estrada de Ferro Carajás, de 890 km,
e o porto de Ponta da Madeira, que junto com o de Itaqui estabelece as duas
possibilidades de exportação dos produtos transportados pela ferrovia (IDESP 1988,
p. 11).
O caso do fomento às atividades siderúrgicas mostra como a
infraestrutura do PFC serviu de base para as atividades estimuladas pelo PGC, pois
a implantação dos distritos industriais teve como localização algumas cidades
situadas as margens da Estrada de Ferro Carajás (EFC), caso de Marabá,
Açailândia, Pindaré-Mirim (Santa Inês) e Rosário (Bacabeira).
Esses distritos industriais foram construídos para abrigar as usinas de
ferro gusa, que, através da ferrovia, recebiam seu principal insumo produtivo
32
O aproveitamento hidráulico do Rio Tocantins serviu de base para a construção da hidrelétrica de
Tucuruí que teve como objetivo principal o fornecimento de energia elétrica para as indústrias de
alumina e alumínio localizadas em Barcarena-PA e São Luís-MA.
41
(minério de ferro) e exportavam sua produção (ferro gusa), obtendo assim ganhos
de produtividade devido a possibilidade de utilização do transporte ferroviário e da
localização privilegiada do Porto de Ponta da Madeira para o mercado americano e
europeu.
Por tornar necessária a instalação de todo um aparato logístico e o
consequente desencadeamento de impactos sociais e ambientais, é que a
instalação do Polo Siderúrgico de Carajás pode ser compreendida em termos de um
projeto com impactos socioambientais de várias ordens.
Como mostra o gráfico 1, a produção siderúrgica na região da Amazônia
Oriental vem crescendo de forma importante nos últimos dezesseis anos,
principalmente a partir do final dos anos noventa. A partir desse ultimo período sua
produção salta de aproximadamente de 500 mil toneladas em 1990 para algo em
torno de 3.500 mil toneladas em 2007.
Gráfico 1: evolução da exportação de ferro gusa do Polo Siderúrgico de Carajás
Fonte: Carneiro (2008)
Será somente após a crise econômica de 2008 que se alterará essa
dinâmica de crescimento da exportação e produção de ferro gusa (CARNEIRO;
RAMALHO, 2009), como resultado da forte dependência da exportação amazônica
42
de ferro gusa para mercado norteamericano, o que fará com que a retração do
crescimento econômico nesse país produza forte efeito na produção siderúrgica de
Carajás.
Uma das características mais importantes dessa indústria é sua relação
com a cadeia produtiva do carvão vegetal, insumo fundamental para a produção do
ferro gusa. Destaque-se que a implantação do Polo Siderúrgico de Carajás foi
acompanhada por fortes impactos sociais e ambientais, cuja expressão mais
importante é a ocorrência de formas de trabalho escravo, de precarização do
trabalho e concentração da propriedade da terra. (CARNEIRO, 1995, 1997)
4.1 A produção brasileira de ferro gusa e seu deslocamento para a Amazônia
A produção brasileira de ferro gusa vem se consolidando desde as
primeiras décadas do século passado. Em sua fase inicial, essa produção
concentrava-se basicamente no estado de Minas Gerais, localização que por sua
vez, apresentava-se como estratégica pela proximidade dos insumos que
determinam o preço do ferro gusa, a saber: o minério de ferro e o carvão vegetal
(CASTRO, 2009).
Constituindo-se como principal região produtora de ferro gusa do país33,
Minas Gerais, teve seu sistema produtivo marcado pela coexistência de dois tipos de
produtores de ferro gusa (CARNEIRO, 1989):
i) Produtores integrados: são unidades siderúrgicas de maior porte, que
transformam o ferro gusa em produtos siderúrgicos mais elaborados, como
laminados e semi-acabados34.
ii) Produtores independentes: são unidades siderúrgicas que produzem
exclusivamente ferro gusa e fundições para o complemento da produção das
indústrias integradas.
A concentração da produção siderúrgica na região sudeste, manteve-se
até fins da década de 1980, período em que se começou demonstrar sinais de
33
Responsável por 60% da produção nacional de ferro gusa (CASTRO, 2009, p. 28).
Consideram-se semi-acabados produtos que vão ser transformados em produtos elaborados, tais
como blocos, placas e tarugos. Os laminados por sua vez, são utilizados na indústria de material de
transporte (automobilística, ferroviária e naval), de máquinas e equipamentos, de eletrodomésticos,
de tubos, de embalagens (latas, containers). Empregam-se também na indústria metal mecânica,
sendo a construção civil (vergalhões, barras, perfis e trilhos) seu mais importante setor consumidor
(PILLA, 2006).
34
43
escasseamento de recursos florestais para a produção de carvão vegetal, o que se
desdobrou na ocorrência de uma crise nas unidades siderúrgicas independentes.
Tal crise corroborou para a expansão da siderurgia para área do
Programa Grande Carajás, onde a localização de reservas florestais aliadas às
políticas governamentais de isenção de tributos e concessão de incentivos voltados
ao desenvolvimento industrial da região amazônica era visto como uma boa
perspectiva de rentabilidade para as empresas do setor siderúrgico e de crescimento
econômico para a região (CARNEIRO, 1989; CASTRO, 2009).
Dentro dessa lógica foram instalados inicialmente, na Amazônia Oriental,
Distritos Industriais no sudoeste do Pará (na cidade de Marabá) e no oeste
maranhense35 (na cidade de Açailândia), atraídos então por:
“[...] iniciativas governamentais para o desenvolvimento da Amazônia
Oriental, que incluíam a concessão de incentivos fiscais para
empreendimentos agrícolas e industriais, a implantação de infra-estrutura
de transporte e energia (construção da Estrada de Ferro Carajás, do Porto
da Ponta da Madeira em São Luís e da hidrelétrica de Tucuruí), a existência
de minério de ferro abundante (a Serra de Carajás possuía a maior reserva
mundial de minério de ferro) e o grande potencial madeireiro, dirigiram para
área do PGC empreendimentos para produção de ferro gusa” (CASTRO
2009, p. 30).
O que estamos
denominando
de Polo
Siderúrgico de
Carajás
corresponde a um conjunto de dezoito unidades industriais produtoras de ferro gusa,
localizadas em dois municípios no estado do Pará (Marabá e Barcarena) e em três
municípios no estado do Maranhão (Açailândia, Pindaré-Mirim e Bacabeira). Vale
destacar que Marabá-MA e Açailândia-MA respondem pela localização da grande
maioria desses empreendimentos, com dez unidades industriais situadas em
Marabá e cinco em Açailândia.
35
O Maranhão encontrava-se numa posição privilegiada para a implantação de plantas siderúrgicas,
pois as empresas tanto a recursos da SUDAM quanto aos da SUDENE, visto que o estado é
considerado geograficamente como parte tanto da Amazônia Legal, como da região nordeste.
44
Siderúrgica
Localização
Município
Açailândia
Açailândia
Açailândia
Açailândia
UF
MA
MA
MA
MA
Início da
operação
1996
1993
1988
1993
Nº de Altos-fornos
Fergumar
2
Gusa Nordeste
3
Cia. Vale do Pindaré
3
Siderúrgica Maranhense
2
S/A
Viena Siderúrgica
Açailândia
MA
1988
5
Margusa
Bacabeira
MA
1997
2
Cia. Siderúrgica do
Pindaré-Mirim
MA
1991*
2
Maranhão
Cia. Siderúrgica do Pará
Marabá
PA
1988
4
Siderúrgica do Pará
Marabá
PA
2005
2
Siderúrgica Ibérica
Marabá
PA
2002
3
Siderúrgica Marabá
Marabá
PA
1988
2
Siderúrgica Terra Norte
Marabá
PA
2003
2
Usina Siderúrgica de
Marabá
PA
2002
3
Marabá
Ferro Gusa Carajás
Marabá
PA
2005
2
Usina Siderúrgica do
Barcarena
PA
2007
S/I*
Pará
Sidenorte Siderurgia
Marabá
PA
2006
1
Ltda.
Marabá Gusa Ltda.
Marabá
PA
2007
1
Da Terra Siderúrgica
Marabá
PA
2007
2
Ltda.
Quadro 03: localização das empresas siderúrgicas, início da operação e nº de altos-fornos.
Fonte: Carneiro (2008).
* Sem informação
O ferro gusa produzido no Polo Siderúrgico de Carajás, ao contrário da
produção localizada na região sudeste, é voltada primordialmente para o mercado
externo o que, segundo Carneiro (2008), torna a produção desse polo muito sensível
ás oscilações do mercado internacional, da conjuntura econômica dos países
importadores e da política cambial brasileira.
4.2 A política de desenvolvimento para a Amazônia
A implantação do Polo Siderúrgico de Carajás (PSC) está inserida num
contexto mais amplo da ação do Estado brasileiro para a Amazônia, de forma que
podemos associar o seu desenvolvimento com as orientações mais amplas que
marcaram a intervenção estatal na região a partir do final dos anos 1960.
O modelo de desenvolvimento pensado para Amazônia Brasileira foi
marcado decisivamente pela intervenção governamental, por uma racionalidade
45
tecnocrática, não levando em consideração as atividades econômicas préexistentes.
Expectativas em relação à geração de empregos não deixavam de ser
vivenciadas pela população com grande euforia, provocando também o confronto de
lógicas diferenciadas de domínio, uso e utilização dos recursos naturais.
Propalava-se,
em
decorrência
do
funcionamento
das
unidades
siderúrgicas, a geração de 14.058 empregos diretos no Estado do Pará, anunciados
pela Companhia de Desenvolvimento Rural do Pará, e 8.351 no Estado do
Maranhão, estatísticas estas superdimensionadas (GISTELINK, 1988).
No entanto, a realidade estabelecida foi outra, pois os projetos que
compunham o Programa Grande Carajás mostraram-se desarticulados das
características da realidade regional. Gistelinck36 (1988), por exemplo, observou que
as usinas de ferro gusa estavam se instalando, produzindo carvão vegetal de
maneira desordenada, sem os devidos cuidados com o meio-ambiente e os
trabalhadores empregados, criando um desequilíbrio social ainda maior.
Ainda segundo esse autor o que ocorreu foi a completa negligência com o
aspecto social, pois enquanto as empresas entram com parte dos recursos
necessários para implantação das atividades produtivas, o governo assume parte
dessa implementação - com a concessão de incentivos fiscais e isenção de
impostos de renda às empresas – não conseguindo destinar os recursos
necessários
para
a
infraestrutura
social
que
deveria
sustentar
esses
empreendimentos (op. cit., p. 62).
Carneiro
(1989,
p.
155),
por
sua
vez,
acrescenta
que
os
empreendimentos siderúrgicos:
“[...] adequados precipuamente ás necessidades da política de exportações
brasileiras, são geralmente desconectados da realidade socioeconômica
regional, não absorvendo as amplas parcelas da população, o eu gera
grandes descontentamentos. Pois a área destinada a esse vultoso projeto
não tinha a tradição na exploração de carvão para fins industriais, restando
a estes a adequação à nova tendência que o PGC instaurava: a produção
massiva de carvão vegetal”. (grifo nosso).
36
Franz Gistelinck, à época da implantação desses empreendimentos atuava como pesquisador e
funcionário do ITERMA. Possuía experiência como padre na região cortada pela Estrada de Ferro
Carajás e também atuou no escritório do PCG, em São Luís.
46
4.3 O surgimento e a organização do mercado de carvão vegetal para a
produção siderúrgica
Como já destacamos a produção de carvão vegetal é o principal elo de
articulação da atividade siderúrgica com a economia regional. Conforme destaca
relatório elaborado pelo Instituto Observatório Social essa atividade é realizada por
“milhares de grandes e pequenas carvoarias espalhadas por um amplo território
abrangendo os estados do Maranhão, Pará, Tocantins e, em menor escala, do
Piauí”. (IOS, 2004, p.12).
Outro aspecto que deve ser destacado, é que a matéria-prima empregada
para fabricação do carvão vegetal possui origens diversas, Sousa (2009) nos
detalha quatro: madeira nativa, resíduos de serrarias, reflorestamento e coco
babaçu.
A madeira oriunda de mata nativa, em tese, seria aquela extraída através
de autorização legal, comumente obtida através autorizações concedidas pelo
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA)
e/ou pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA).
Ao tecer análises sobre as fontes de suprimento de carvão vegetal para
fins siderúrgicos entre os anos de 2000 a 2004, informadas pelo IBAMA, Sousa
(2009, p. 57) verifica que a fonte de suprimento mais expressiva do carvão utilizado
pelas siderúrgicas localizadas no estado do Maranhão é a oriunda de resíduos de
serrarias, vindo em seguida o desmatamento e o aproveitamento de coco babaçu.
PROCEDÊNCIA
PERCENTAGEM
Resíduo de serraria
52,33%
Desmatamento
26,10%
Babaçu
12,56%
Reflorestamento
7,31%
Manejo (resíduos)
1,67%
Quadro 04: Procedências do carvão vegetal consumido pelas empresas siderúrgicas situadas no
Estado do Maranhão (2000-2004).
Fonte: Sousa (2009).
Contudo, como destaca esse autor, essa forte participação dos resíduos
de serraria como fonte do carvão vegetal utilizada pelas siderúrgicas precisa ser
relativizada, pois os próprios dados fornecidos pelo IBAMA mostram que o número
47
de serrarias atualmente existentes no estado do Maranhão não seria capaz de
ofertar carvão na quantidade indicada pelas siderúrgicas.
Ademais, como Sousa salienta37·, irregularidades são recorrentemente
diagnosticadas nas inspeções realizadas pelo IBAMA nas indústrias siderúrgicas:
alega-se que o carvão é fabricado a partir de resíduos de serraria, mas uma
verificação mesmo que empírica, desvelaria a real procedência desse carvão - na
maioria dos casos - de madeira proveniente de desmatamento ilegal.
A identificação da procedência do carvão, como observa Sousa, é
facilmente percebida pelos seguintes aspectos: a) o carvão oriundo de resíduos
possui aspecto “esfarelado”, os pedaços são pequenos; b) o carvão proveniente de
babaçu apresenta formas arredondadas; c) o carvão originário de mata nativa possui
pedaços maiores e a aparência remete a pedaços de madeira bruta talhados; d) já
carvão o produzido a partir de eucalipto, lembra o eucalipto em seu formato in
natura, seus pedaços são finos e longos.
Dessa forma, apesar das indústrias informarem que o carvão consumido
é oriundo de resíduos de serrarias os agentes, a partir das características descritas
acima, constata-se que a assertiva não condiz com as evidências.
Mesmo figurando na legislação florestal38 a obrigação das empresas em
manter florestas próprias (o reflorestamento) para exploração, os investimentos
realizados pelas siderúrgicas em plantios destinados ao seu autoconsumo ainda são
incipientes, mostrando que muito precisa ser feito para que elas possam atingir a
sustentabilidade na produção de carvão vegetal39.
Os dados da evolução da produção siderúrgica de Carajás apresentados
na primeira seção desse capítulo, mostram que após um período de crescimento
contínuo, quando chegou a alcançar um total de 3,5 milhões de toneladas, que a
produção de ferro gusa foi fortemente afetada pela crise econômica de 2008, com os
dados de 2009 e 2010 mostrando que a produção atual situa-se na faixa de 1,5
milhões de toneladas. Ou seja, a produção foi reduzida em cerca de dois milhões de
toneladas.
37
Com base em documentos resultantes de inspeções realizados pelo IBAMA.
A Lei 4.771/65, art. 21 estabelece que as empresas siderúrgicas à base de carvão vegetal, lenha
ou outra matéria-prima florestal são obrigadas a manter florestas próprias destinadas ao seu
suprimento.
39
As siderúrgicas COSIMA, FERGUMAR, GUSA NORDESTE, MARGUSA, SIMASA e VIENA
localizadas no Estado do Maranhão já possuem investimentos em aquisição de terras para o plantio
de eucalipto destinado a produção de carvão vegetal.
38
48
Apesar dessa redução, o volume de carvão vegetal que deve ser obtido
pelas empresas siderúrgicas ainda é bastante elevado o que significa dizer que a
pressão sobre a madeira de mata nativa e do carvão de coco babaçu vai continuar,
ainda que com uma pressão menor do que a que havia antes da crise econômica.
No quadro 5 apresentamos uma simulação da quantidade de carvão vegetal
necessária para abastecer a produção siderúrgica de Carajás, conforme elaboração
realizada por Assis e Carneiro (2011)40.
Ano
Produção de Ferro
Gusa
(em Toneladas)
Estimativa do Carvão Vegetal Consumido
(em m³)
Mínimo
Máximo
1990
383.683
705.976,72
844.102,60
1991
241.966
445.217,44
532.325,20
1992
347.004
638.487,36
763.408,80
1993
398.354
732.971,36
876.378,80
1994
623.083
1.146.472,72
1.370.782,60
1995
632.216
1.163.277,44
1.390.875,20
1996
694.194
1.277.316,96
1.527.226,80
1997
942.632
1.734.442,88
2.073.790,40
1998
1.218.483
2.242.008,72
2.680.662,60
1999
1.390.543
2.558.599,12
3.059.194,60
2000
1.652.000
3.039.680,00
3.634.400,00
2001
2.021.500
3.719.560,00
4.447.300,00
2002
2.245.000
4.130.800,00
4.939.000,00
2003
2.364.500
4.350.680,00
5.201.900,00
2004
3.102.750
5.709.060,00
6.826.050,00
2005
3.228.287
5.940.048,08
7.102.231,40
2006
3.452.400
6.352.416,00
7.595.280,00
2007
3.599.315
6.622.739,60
7.918.493,00
2008
3.532.259
6.499.356,56
7.770.969,80
Quadro 05: Produção de ferro gusa e consumo estimado de carvão vegetal (1990 a 2008).
Fontes: SECEX/MDIC e IBAMA (apud ASSIS; CARNEIRO, 2011).
Não é à toa que ainda é expressiva a utilização de mata nativa, inclusive
pelo fato de ser economicamente menos custosa e rentável, além de possuir
qualidade melhor, no que se refere ao ciclo de duração dentro dos alto-fornos. De
40
O valor máximo utiliza o fator de correção adotado pelo IBAMA que estabelece que para a
produção de uma tonelada de carvão são necessários 2,2 m³ de carvão vegetal. O valor mínimo tem
como base o fator indicado pelas empresas siderúrgicas do Maranhão, que relacionam 1,84 m³ de
carvão para a produção de uma tonelada de ferro gusa (IBAMA, 2005 apud ASSIS; CARNEIRO,
2011).
49
acordo com Sousa (2009, p.59), “um metro cúbico de lenha de mata nativa, gera em
média, 320 kg de carvão vegetal. No caso do eucalipto, a quantidade de carvão
gerada com o mesmo volume de lenha fica em torno de 220 kg, ou seja, 100g a
menos”.
Nessa conjuntura são construídas estratégias por parte das empresas
para que o suprimento de matéria-prima para produção do ferro gusa não venha a
se tornar um entrave para a obtenção de resultados excepcionais pela produção
siderúrgica de Carajás. É sobre esse aspecto que discorrei mais detidamente no
próximo tópico.
4.4 A produção de carvão vegetal para o Polo Siderúrgico de Carajás
Como vimos anteriormente as políticas desenvolvimentistas direcionadas
para a Amazônia, corroboraram para instalação das empresas siderúrgicas, a partir
do final da década de 1980. Como desdobramento da implantação desses
empreendimentos houve uma tendência para a produção de carvão vegetal em
grande escala, ou seja, voltada ao consumo industrial, o que não era comum na
região41.
“[...] esse tipo de estratégia adotada pelas empresas, a de fomentar um
mercado produtor, condicionou a subordinação da produção de carvão
vegetal a atividades já existentes e dominantes na região, qual seja, a da
exploração da madeira e da pecuária.” (PEREIRA, 2005, p. 44)
No início da atividade siderúrgica na região, a estratégia de obtenção de
carvão vegetal por parte das empresas baseou-se na sua articulação com a
exploração madeireira e a atividade pecuária. No primeiro caso foram privilegiadas
relações com empresas madeireiras, que, utilizavam resíduos de sua atividade para
a produção de carvão vegetal, enquanto no outro a articulação foi estabelecida com
proprietários fundiários – normalmente médios e grandes fazendeiros42 – que
arrendavam para empreiteiros a limpeza das áreas em que iriam implantar
41
A atividade carvoeira existente baseava-se na produção de carvão para consumo doméstico e/ou
venda em pequenas quantidades, obtido através de um tipo de unidade de carbonização identificada
regionalmente como caieira.
42
Em algumas situações a produção ode carvão vegetal podia também ser obtida a partir de áreas de
camponeses, como no caso estudado por ANDRADE (1995) na região do Baixo Parnaíba ou mesmo
de assentados da reforma agrária, como no caso estudado por PEREIRA (2005).
50
pastagens, fornecendo assim material lenhoso para a produção de carvão vegetal
(CARNEIRO, 1997).
Em período mais recente essa situação se modificou, com a ampliação
das fontes utilizadas pelas empresas para o seu suprimento de carvão vegetal.
Como destacaram Assis e Carneiro (2011) as empresas siderúrgicas passaram a
utilizar, além do carvão de mata nativa, o carvão oriundo do aproveitamento do coco
babaçu, de reflorestamento e do manejo florestal.
Apesar dessa diversificação, esses autores ressaltam que a maior parte
do carvão consumido pelas siderúrgicas de Carajás43 ainda é produzido em grandes
carvoarias que utilizam a madeira de mata nativa como principal fonte de matériaprima.
4.5 Divisão de tarefas no interior das carvoarias
As atividades exercidas no interior das carvoarias possuem uma divisão
de tarefas, que acarretam funções e responsabilidades diferenciadas e que se faz
necessária sua compreensão para que possamos entender o funcionamento da
cadeia produtiva do carvão vegetal e seu consequente enquadramento enquanto
problema social e sociológico44, conforme vem sendo denunciado por diversas
entidades e estudiosos Carneiro (1989, 2002, 2005, 2008, 2009); Cardoso (2002);
Gistelinck (1988); IOS (2004); OIT (2009); Sousa (2009); Pereira (2005).
O quadro abaixo caracteriza os agentes identificados no processo de
produção do carvão vegetal levando em conta a distinção de termos e tarefas,
observados a partir dos estudos qualitativos realizados por Sousa (2009) e Pereira
(2005).
43
Exceção feita para a empresa Ferro Gusa Carajás, de propriedade da Cia. Vale do Rio Doce, cujo
carvão consumido é oriundo na sua totalidade de madeira reflorestada (CARNEIRO, 2008).
44
Nos termos propostos por Remi Lenoir (1996).
51
Função
Roceiro
Operador de
Atividade Realizada
Limpa e prepara a área para a retirada da lenha
Responsável pelo corte da madeira
motosserra ou
motoqueiro
Empilhador
Recolhe e organiza a madeira cortada pelo motoqueiro. O empilhador
comumente é o auxiliar do operador de motosserra.
Batedor de tora
Responsável pelo carregamento e descarregamento de material lenhoso nos
caminhões de transporte de lenha. O batedor de tora também é conhecido
como peão.
Motorista
Dirige o caminhão que transporta a madeira que foi cortada/derrubada pelo
operador de motosserra até a beira do forno e/ou transporta o carvão vegetal
das carvoarias até as siderúrgicas. Em geral o motorista conta com o auxílio
do gaioleiro.
Barrelador
45
Veda a porta de entrada do forno com tijolos empilhados, e argamassa ,
formando uma parede para que seja iniciado então, o processo de
carbonização. Ao término do processo de carbonização, o barrelador inicia o
resfriamento do forno, molhando o barro e passando-o em volta do forno para
que então seja retirado o carvão vegetal, que já se encontra pronto.
Forneiro
Enche os fornos com a lenha para que esta seja carbonizada. Responsável
pelo processo de transformação da lenha em carvão, que dura em média seis
dias. Quando o carvão está pronto, ele o retira e coloca-o na praça utilizando
um carro de mão e uma espécie de “garfo”, ferramenta utilizada para retirar o
carvão do forno e o colocar no carro de mão.
Também conhecido como carvoeiro, este é a atividade considerada pelos
agentes de maior responsabilidade na cadeia de produção do carvão vegetal.
O forneiro sabe quando o carvão está pronto pelo aspecto da fumaça.
Gaioleiro
Desempenha as atividades de carregar lenha, encher e esvaziar os fornos,
transportando o carvão vegetal para o caminhão gaiola, como são chamados
os caminhões que transportam o carvão vegetal. Também conhecido como
peão ou operador de enchedeira.
Galfiador
Fica em cima do caminhão gaiola enquanto o gaioleiro carrega o caminhão.
Sua função é “ajeitar” o carvão, acomodando-o da melhor forma possível, em
cima do caminhão para que o espaço seja preenchido de forma homogênea.
Gato ou empreiteiro
Desempenha a função de agenciador de mão de obra para o exercício de
funções diversificadas no interior da carvoaria.
Quadro 06: Tarefas e funções no processo de produção do carvão vegetal
Fonte: Sousa (2009) e Pereira (2005)
Existem ainda outras atividades exercidas que não estão diretamente
relacionadas com a produção direta do carvão vegetal, mas que são essenciais para
o funcionamento de uma carvoaria, destaco entre elas:
45
Essa argamassa geralmente é feita à base de barro e água, utiliza-se também a escória
(subproduto do processo de produção do ferro gusa) para a produção desta.
52
a. Cozinheiro: responsável pelo preparo da alimentação para os
trabalhadores;
b. Cantineiro: vende produtos de higiene pessoal, cigarro, bebida, e em
alguns casos, até ferramentas de trabalho e (EPI’s) equipamentos de proteção
individual, como luvas, botas, capacetes etc., pode ocorrer também de o
responsável pela cantina ser o encarregado da fazenda e o gato, ou mesmo o
proprietário da fazenda.
c. Mecânico bombeiro: responsável pela organização da infraestrutura
para os trabalhadores, como água, alimentação, ferramentas e etc.;
d. Fiscal: fiscaliza se os trabalhadores estão utilizando os equipamentos
de proteção individual (EPI’s) inerente ao desempenho de suas funções;
e. Encarregado de turma: responsável pela fiscalização dos postos de
trabalho. Também é responsável pela gestão de uma ou duas baterias de fornos,
verificando se as tarefas estão sendo exercidas de forma correta;
f. Gerente: responsável pela gestão de todos os serviços executados na
carvoaria.
É importante observar, que essas atividades exercidas no interior das
carvoarias podem se rearranjar de diversas formas, dependendo do tamanho da
carvoaria e da quantidade de trabalhadores que são mobilizados.
A realização desse conjunto de atividades no interior de uma carvoaria
não implica em si mesmo nenhuma ilegalidade, o problema surge pelo fato de que a
mobilização dos trabalhadores para essas tarefas é normalmente feito sob o regime
de empreitada, através de empregadores conhecidos regionalmente como gatos,
que, por meio de diferentes artifícios procuram imobilizar essa força de trabalho
através de práticas conhecidas como de escravidão pela dívida (CARNEIRO, 1995).
Nesse sentido podemos dizer que atuação dessas empresas passou a
chamar a atenção não mais pelo espetáculo da modernização, mas pelas
recorrentes denúncias quanto à utilização de mão de obra escrava e degradante
(que por vezes, é considerada “apenas” como infrações trabalhistas) na cadeia de
produção do ferro gusa e a expansiva (e expressiva!) degradação ambiental.
53
4.6 A Questão do trabalho escravo no interior das carvoarias
Existem importantes disputas em torno da conceituação do trabalho
escravo contemporâneo. Para alguns o trabalho escravo contemporâneo é
interpretado apenas como infração trabalhista, cujo significado seria somente o
descumprimento da legislação que regula as relações de trabalho46. Para outros,
como no caso da Organização Internacional do Trabalho, o “trabalho forçado (ou
escravo) é a antítese do trabalho digno” (OIT, 2009, p. 13), identificando nessa
condição pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade, porém essa
não é a única característica preponderante.
A Convenção nº 29 da OIT de 1930 define trabalho forçado como "todo
trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual
não se tenha oferecido espontaneamente". No entanto, não pode ser atrelado
apenas a baixos salários e/ou má condições de trabalho, mesmo estas propriedades
estando comumente associadas à tipificação do trabalho forçado.
As condições de trabalho forçado são antes, uma afronta aos direitos
humanos e se coadunam com a restrição da liberdade humana, uma vez que os
direitos oriundos do trabalho também constituem àquele. Tem-se assinalado que o
trabalho forçado é uma prática que tem assumido formas muito sutis na economia
contemporânea, associados por vezes, ao tráfico de seres humanos e a migração,
por exemplo. (OIT, 2009, p. 15).
Assim, de acordo com os critérios estabelecidos pela Organização
Internacional do Trabalho, os elementos principais que apontam para definição de
trabalho forçado atrelam-se aos casos em que o trabalho ou serviço é exercido sob
ameaça47 e desenvolvido de forma não voluntária.
A passagem a seguir, extraída do relatório da OIT publicado em 2009,
destaca algumas situações com as quais esta tem se deparado nos últimos anos:
46
Essa é a posição, por exemplo, de representantes da Confederação Nacional da Agricultura, que
tentam com essa interpretação reduzir os efeitos que uma caracterização do trabalho escravo em
termos de atentado aos direitos humanos provoca sobre a atividade econômica por eles
representada.
47
A ameaça nos termos propostos pela OIT pode incidir desde a violência física à psicológica,
penalização de caráter econômico, restrição de documentos, enfim trata-se também das formas mais
sutis de coerção.
54
“As situações analisadas pela OIT incluem ameaças de denúncia das
vítimas às autoridades policiais ou de imigração, quando a sua situação
laboral é ilegal, ou denúncia aos anciãos das aldeias, no caso de raparigas
forçadas a prostituírem-se em cidades distantes. Outras punições podem
assumir um carácter financeiro, incluindo penalizações econômicas
relacionadas com dívidas. Os empregadores muitas vezes exigem que os
trabalhadores entreguem os seus documentos de identificação, e podem
usar a ameaça da confiscação destes documentos, para exigir trabalho
forçado” (OIT, 2009, p.18).
O relatório global sobre o trabalho forçado, publicado em 2005 pela OIT,
aponta que esse problema tem se apresentado em âmbito global, porém de uma
forma mais acentuada na Ásia, América Latina e Caribe, afetando praticamente
todos os tipos de atividade econômica, muito embora reconheça o fato de que a
maioria desses países possui legislação que tipifica essa prática no âmbito jurídico.
O relatório produzido pela Organização Internacional do Trabalho em
2009, intitulado “O custo da coerção”, aborda as tendências básicas do trabalho
forçado durante os últimos quatro anos (de 2005 a 2009) ressaltando que:
a. O trabalho forçado é uma violação grave dos direitos humanos;
b. Um dos fatores que pode determinar a existência de trabalho forçado é
o tipo de relação que se estabelece entre o empregador e empregado. A relação de
poder estabelecida nesse contexto pode desdobrar-se em práticas abusivas que
violem a liberdade do indivíduo e o seu direito de decidir se quer ou não exercer tal
atividade. Importante ressaltar, conforme enfatiza o relatório supracitado, que a
ilegalidade do exercício de qualquer atividade econômica não são decisivos para
caracterizar se um determinado trabalho é forçado ou não48.
c. As formas sutis de ameaça podem levar o individuo a exercer um
trabalho involuntariamente;
d. As punições direcionadas à pessoa podem ser de caráter financeiro
através de penalizações financeiras. Envolvem também ameaças e penalizações
psicológicas e/ou violência física.
e. Um dos elementos que tipifica o trabalho forçado é a exploração no
local onde o serviço ou trabalho é exercido.
48
“Uma mulher que seja obrigada a prostituir-se encontra-se numa situação de trabalho forçado, dada
a natureza involuntária do trabalho, e a ameaça sob a qual ela trabalha, independentemente da
legalidade ou ilegalidade daquela atividade em particular” (OIT, 2009, p. 18).
55
Outra perspectiva de abordagem da questão do trabalho escravo destaca
a servidão pela dívida como sendo o aspecto de maior relevância para compor a
definição de práticas análogas à escravatura49:
“A servidão por dívidas é definida como o estado ou condição resultante de
uma obrigação de um devedor dos seus serviços pessoais, ou daqueles
pertencentes a um indivíduo sob o seu controle, como garantia de uma
dívida, se o valor destes serviços, conforme razoavelmente analisados, não
é aplicado para a liquidação da dívida, ou que a extensão e a natureza
desses serviços não sejam respectivamente limitadas e definidas”. (OIT,
2009, p. 20).
Para Esterci (apud Moura, 2009, p. 16) a utilização do mecanismo de
imobilização do trabalhador pela dívida constitui um aspecto central de várias
situações que identifica a existência do trabalho escravo. Segundo essa autora a
constituição da dívida está associada à forma de exploração e controle exercida
sobre a força de trabalho, controle esse que normalmente é exercido através de
intermediários.
Levando em conta essas diferentes abordagens, acatamos que a
servidão por dívida é um dos aspectos que compõem a definição da categoria
trabalho forçado.
As ocorrências que tem retratado as situações de trabalho escravo,
trabalho forçado e degradante tem também se referido ao não pagamento e/ou
atraso no recebimento de salário, ou mesmo pagamento inferior ao valor combinado;
coerção física e moral, cerceamento da liberdade, alojamentos sob condições
insalubres, feitos basicamente de lona e tocos de pau armados no meio do mato
sujeitos a toda uma sorte de doenças tropicais, como a malária, a dengue, a febre
amarela e até mesmo tuberculose. A alimentação consta basicamente de arroz e
feijão, preparados em ambiente sem nenhuma condição de higiene (FAHAH, 2009)
49
A Convenção Suplementar para Abolição da Escravatura, o Comércio de Escravos e Instituições e
Práticas similares à escravatura, publicada em 1956 pelas Nações Unidas, define as práticas
análogas à escravatura, identificando as formas contemporâneas de escravidão.
56
Foto 2: Trabalhador de carvoaria sem EPI
Fonte: Rede Justiça nos Trilhos
É importante destacar que a definição sobre o que significa trabalho
escravo no Brasil contemporâneo é objeto de disputas, contendas essas que
envolvem diversos agentes: representantes de agências governamentais (caso, por
exemplo, do Ministério do Trabalho), do Poder Judiciário, organizações de defesa
dos direitos humanos, entidades de trabalhadores, assim como representantes de
segmentos empresariais.
Por conta dessa situação de disputa afirmo que pelo fato do setor
siderúrgico de Carajás reconhecer a existência do trabalho em sua cadeia produtiva
e ter assinado um documento – a “Carta-Compromisso pelo fim do trabalho escravo
na produção de carvão vegetal e pela dignificação, formalização e modernização do
trabalho na cadeia produtiva do setor siderúrgico” - através do qual reconhece essa
existência e compromete-se com a luta por sua erradicação, o que de certa forma
representa uma vitória importante das entidades que lutam contra o trabalho escravo
na Amazônia.
No caso da cadeia de produção siderúrgica, além das situações
identificadas como de escravidão pela dívida (CARNEIRO, 1995), há registros
também de situações classificadas como de trabalho escravo por conta das
condições absolutamente insalubres em que se desenvolve o trabalho de produção
de carvão vegetal.
Há de se considerar que a instalação das indústrias siderúrgicas causou
impacto sobre força de trabalho local, até então marcada pela experiência de
57
trabalho na agricultura camponesa e em serrarias e madeireiras implantadas a partir
do final dos anos 1960 (CASTRO, 2009, p. 49).
As
situações
de
trabalho
escravo,
sobretudo
nas
atividades
agropecuárias, já se faziam presentes nos debates que tratavam sobre o
desenvolvimento do capitalismo na região. Contudo, logo que os primeiros estudos
sobre a estrutura da produção de carvão vegetal para fins siderúrgicos começaram a
ser realizados, verificou-se que o recrutamento e a mobilização de trabalhadores
para a atividade carvoeira fazia-se ao arrepio da legislação trabalhista, em vários
casos, através do mecanismo da subcontratação e do trabalho escravo
(CARNEIRO, 2008, p. 10).
As pessoas arregimentadas para o trabalho nas carvoarias são
geralmente recrutadas em seu município de moradia, exercendo as atividades longe
de seus locais de habitação. Fahah (2009, p. 26) relata que nas Fiscalizações do
Ministério do Trabalho e Emprego, muitas vezes são “maquiadas” as situações em
que se encontram os trabalhadores em seus locais de trabalho.
As fazendas mostradas aos fiscais (auditores fiscais do Ministério do
Trabalho) pelos empregadores apresentam alojamentos em consonância com o que
é requisitado pela legislação trabalhista, enquanto que na verdade, os trabalhadores
estavam em barracos plásticos, bebendo água envenenada e mantidos escondidos
em buracos atrás de arbustos até que fossem embora. Cita ainda como exemplo,
um caso concreto que ocorreu em uma fazenda situada em Buriticupu-MA, no dia 08
de abril de 2001, em que os fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego libertaram
trabalhadores que ficavam alojados no curral, dormindo com o gado à noite.
A matéria publicada, em 28 de outubro de 2010, no site da Ong Repórter
Brasil50 sob o título “Carvoaria que abastece siderúrgica repete escravidão”,
descreve a situação em que se encontravam 11 trabalhadores51 (sendo quatro
adolescentes e uma mulher) de uma carvoaria localizada no município de Abel
Figueiredo no Pará, que fornece carvão vegetal para Companhia Siderúrgica do
Pará S/A (COSIPAR) também retrata situação similar.
O cenário encontrado é caracterizado pela ausência de registro em
carteira, salários não pagos, jornadas longas (que chegavam até 10 horas de
50
Disponível em: http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1816
Resgatados pelo Grupo Móvel de Fiscalização. A mesma carvoaria já havia sido flagrada em 2009
com os mesmos problemas.
51
58
trabalho), ausência de equipamentos de proteção individual – EPI’s, e alojamentos
precários, sem banheiro nem chuveiro.
“Os carvoeiros não utilizavam EPI’s como máscaras, botas e roupas
adequadas para altas temperaturas. A ausência de proteção adequada fazia
com que os trabalhadores inalassem fumaça tóxica da queima do carvão,
52
estando assim, sujeitos a graves problemas respiratórios” .
Em 2009 a COSIPAR foi desvinculada (desassociada) do Instituto Carvão
Cidadão, por ter descumprido o Estatuto da entidade (que preconiza a restrição de
relações comerciais com agentes envolvidos em casos de trabalho escravo), fato
este que teve como consequência a exclusão da empresa do Pacto Nacional pela
Erradicação do Trabalho Escravo.
Em nota pública o Comitê de Monitoramento do Pacto Nacional pela
Erradicação do Trabalho Escravo, composto pelo Instituto Ethos de Empresas e
Responsabilidade
Social, pela
ONG
Repórter
Brasil
e
pela
Organização
Internacional do Trabalho esclareceu que:
“O Comitê de Monitoramento do Pacto Nacional pela Erradicação do
Trabalho Escravo comunica que está excluída em caráter definitivo da lista
de signatários a Companhia Siderúrgica do Pará (COSIPAR). A decisão tem
como base a exclusão da empresa do rol de membros do Instituto Carvão
Cidadão – entidade criada pelas empresas siderúrgicas do Pólo Carajás
para regularizar a situação trabalhista de suas carvoarias fornecedoras de
matéria-prima – por descumprimento do estatuto. A decisão foi tomada após
deliberação do Comitê de Monitoramento do Pacto Nacional pela
Erradicação do Trabalho Escravo, que tem por objetivo zelar pelo
53
cumprimento desse acordo ”.
Ao ICC cabe denunciar às autoridades competentes quaisquer ações e
omissões prejudiciais aos trabalhadores e ao ambiente de trabalho em toda a cadeia
produtiva do carvão vegetal, desde que não adotadas as recomendações do
INSTITUTO, no prazo que for estabelecido, mesmo que essa denúncia se refira a
uma siderúrgica associada a ele (ICC, ESTATUTO SOCIAL, 2010).
52
Disponível em: http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1816
Vide web site da Ong Repórter Brasil: www.reporterbrasil.org.br
53
59
4.7 Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo
Com a intenção de criar mecanismos que barrassem fornecedores que se
utilizam de trabalho escravo, o Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho
Escravo surge com a missão de implementar ferramentas para que o setor
empresarial e a sociedade brasileira não comercializem produtos que em sua cadeia
de produção tenha sido constatada a utilização de trabalho escravo.
O Pacto surge a partir de um estudo54 sobre as cadeias produtivas do
trabalho escravo, realizado em 2004, demandado pela Secretaria Especial de
Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) à Organização Internacional
do Trabalho (OIT). Em parceria com a Ong Repórter Brasil, o estudo foi
desenvolvido buscando mapear as relações comerciais de empresas (fazendas) que
estavam constando no Cadastro de Empregadores Infratores (conhecido como Lista
Suja) do Ministério do Trabalho.
A pesquisa revelou que 200 empresas, nacionais e internacionais,
comercializavam os produtos oriundos dessas organizações. A partir dessa
constatação a ONG Repórter Brasil, a OIT e o Instituto Ethos articularam reuniões
sistemáticas com as empresas referidas no estudo, iniciativa esta que resultou no
lançamento, em maio de 2005, do Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho
Escravo55.
A iniciativa já conta com a participação de 220 empresas, entidades
comerciais e entidades da sociedade civil, dentre elas podemos destacar a adesão,
em 2005, de onze indústrias siderúrgicas da Região de Carajás56, do Instituto
Carvão Cidadão e do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho. Cabe
enfatizar que nesse período havia uma quantidade significativa de denúncias
relativas à utilização de trabalho escravo na cadeia de produção do ferro gusa.
O Instituto Observatório Social (IOS) desenvolveu uma ferramenta de
monitoramento digital (Comitê de Coordenação e Monitoramento do Pacto Nacional
para a Erradicação do Trabalho Escravo) para verificar o cumprimento dos acordos
54
Esse estudo foi desenvolvido durante um ano.
Figuraram como testemunhas do Pacto a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (em
2005) e o Ministério Público Federal do Pará (em 2009).
56
Cikel Siderúrgica Ltda; Companhia Siderúrgica Vale do Pindaré; Cosima- Siderúrgica do Maranhão
Ltda; Fergumar- Ferro Gusa do Maranhão Ltda; Margusa – Maranhão Gusa Ltda; SIMASASiderúrgica do Maranhão Ltda; Sidepar – Siderúrgica do Pará S/A; Siderúrgica Ibérica S/A;
SINOBRÁS – Siderúrgica Norte Brasil; Viena Siderúrgica S/A e Vale.
55
60
do Pacto Nacional pelos seus signatários que esta disponível no web site dessas
instituições. Integram o Comitê a Ong Repórter Brasil, a OIT, Instituto Ethos de
Empresas e Responsabilidade Social e Instituto Observatório Social 57.
57
Informações
disponíveis
para
consulta
no
web
site
da
<http://www.reporterbrasil.org.br/pacto/signatarios>. Acesso em: 06 maio 2011.
Repórter
Brasil:
61
5 CAPÍTULO II - A MOBILIZAÇÃO DOS ATORES SOCIAIS NO NFRENTAMENTO
AO TRABALHO ESCRAVO
O engajamento de diversos atores na luta contra o trabalho escravo foi
um passo decisivo para tornar a questão do trabalho escravo um problema público,
conferindo a essa questão um caráter social, e para exigir do Estado brasileiro a
construção de mecanismos efetivos de fiscalização e combate à prática do trabalho
escravo nos diversos segmentos produtivos em que ela se manifesta.
O presente capítulo tem por objetivo identificar a mobilização dos atores
sociais
e suas
respectivas
ações, de sensibilização, acompanhamento e
enfrentamento ao trabalho escravo na cadeia de produção do ferro gusa. Buscando
compreender desta forma como a questão do trabalho escravo se insere nas
agendas de discussões do Estado brasileiro e das empresas que compõe o Polo
Siderúrgico de Carajás, influenciando a adoção de estratégias que estivessem
voltadas a legitimar a representação de interesses dos agentes envolvidos nesse
contexto.
Nessa perspectiva, é importante dizer que a inserção dessa questão na
agenda de discussões do empresariado guseiro de Carajás é uma decisão
influenciada pela ação de outros, nos termos propostos por Weber (1999), diríamos
que é uma ação social racional referente a fins, pois se orienta pelo comportamento
de outros agentes (Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia,
Grupo Móvel de Fiscalização, Ong Repórter Brasil, Comissão Pastoral da Terra,
Organização Internacional do Trabalho)58.
Essa postura tem por objetivo legitimar a atuação das empresas
siderúrgicas e reconfigurar sua imagem junto à opinião pública, nacional e
internacional, uma vez que a cadeia de produção desse setor tem sido alvo, ao
longo dos últimos dez anos, de diversas denúncias de ocorrência de situações de
trabalho escravo. Denúncias essas que são o resultado do trabalho de entidades
como a Comissão Pastoral da Terra. Nesse sentido concordamos com a afirmação
de Prado (2008), para quem:
58
Nessa lógica, podemos entender essas entidades como grupos de pressão. Essas instituições vem
denunciando os descumprimento não só da legislação brasileira, mas de vários tratados
internacionais.
62
“A história do combate ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil
coincide com a origem e o percurso de lutas de entidades da sociedade civil
dedicadas a este problema em nosso país. Nesse cenário se destaca a
Comissão Pastoral da Terra (CPT), órgão ligado à Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB)”. (PRADO, 2008).
5.1 A Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a campanha pela erradicação do
trabalho escravo no Brasil contemporâneo
Engendrada pela atuação de freiras, padres, leigos (advogados,
jornalistas, dentre outros) e diversos setores da igreja católica, a Comissão Pastoral
da Terra surge em meados da década de 1970, a partir do envolvimento desses
agentes na defesa dos direitos humanos, especialmente quanto ao combate da
violência rural e veiculação de denúncias de trabalho escravo e degradante,
despertando assim, o interesse de outras entidades a somarem esforços no
enfrentamento ao trabalho escravo (PRADO, 2008).
Nesse período o Estado
brasileiro ignorava a existência do trabalho escravo e como conseqüência as
empresas também adotavam essa postura, tendo em vista que até então não havia
nenhuma pressão que afetasse sua imagem.
Rocha (2009, p. 79) descreve que o marco de responsabilização de
grandes corporações sobre a questão do trabalho escravo se deu, mais
especificamente em 1983, quando a empresa automobilística Volkswagem foi
denunciada, em reportagem realizada pelo jornal ‘O Globo’, pela existência de
trabalho escravo na Fazenda Rio Cristalino, de sua propriedade, localizada no
estado do Pará; constatação que obteve grande repercussão na mídia internacional.
Vale dizer que nessa época pouco se falava em responsabilidade social e a
empresa negava taxativamente as acusações.
Assim, começaram a se desvelar inúmeros casos que envolviam grandes
corporações que abrigavam em suas cadeias de produção trabalhadores
submetidos a situações de trabalho escravo. A utilização da mão de obra escrava
ocorre na ponta das cadeias produtivas, que são geralmente aquelas atividades em
que é empregado o trabalho manual, com pouca exigência de qualificação.
Funções que são delegadas através da contratação de empresas
terceirizadas, contribuindo desta forma, para que as empresas contratantes não se
reconheçam como responsáveis pelos atos de seus fornecedores, financiado assim
o círculo vicioso que explora e deprecia a dignidade humana de trabalhadores.
63
Durante muito tempo os agentes pastorais da CPT na Amazônia foram os
principais suportes para acolher os trabalhadores que fugiam das situações
classificadas como de trabalho escravo. Nesse trabalho militante a entidade foi
auxiliada por Sindicatos de Trabalhadores Rurais, que, em algumas regiões, como
no sul e sudeste do Pará, tinham no trabalho escravo um dos eixos de sua atuação.
A CPT foi, portanto, uma instituição que acolheu denúncias e amparou
muitos trabalhadores envolvidos em situações diversas, divulgando e denunciando
ocorrências de trabalho escravo, além de realizar o registro sistemático dessas
denúncias identificadas desde o início de sua atuação59. Podemos dizer que esse
registro das situações de trabalho escravo, tornado público através da publicação
regular do Caderno de Conflitos do Campo60, foi e continua sendo uma das
principais ferramentas de mobilização para o combate a escravidão no Brasil.
Plassat (2008) comentando sobre o objetivo da campanha da CPT,
assumida por várias organizações da sociedade civil ressalta que a erradicação do
trabalho escravo está imbricada também na luta pela reforma agrária, com a busca
por outro modelo de desenvolvimento que possa respeitar o direito das pessoas, da
terra e da água.
Em 1997, a CPT dá mais um passo no enfrentamento ao trabalho
escravo, através do lançamento da Campanha Nacional de Prevenção e Combate
ao Trabalho Escravo “De olho aberto para não virar escravo”. O chamado da
campanha está direcionado, inicialmente, aos trabalhadores com que a CPT
desenvolvia atividades voltadas à auto-organização, aos governos (no plano federal
e estadual) e para o conjunto da sociedade (nacional e internacional).
Em torno dessa campanha articularam-se cerca de 15 equipes da CPT,
dos estados do Pará, Maranhão, Tocantins, Mato Grosso, Piauí, Bahia, Rio de
Janeiro e Alagoas; estados que por sua vez, tem figurado com os que mais tem
registrado casos de denúncias de trabalho escravo.
59
Vale ressaltar que o trabalho da CPT foi de diversificando ao longo dos anos e hoje são
consideradas suas prioridade a luta pela terra, pela água e por direitos humanos (PRADO, 2008, p.
58).
60
Recentemente a CPT passou a disponibilizar suas estatísticas dos conflitos no campo através de
sua página na internet:
<http://www.cptnacional.org.br/index.php?option=com_jdownloads&Itemid=23&view=viewcategory&ca
tid=4>. Acesso em: 05 fev. 2010
64
“As atividades desenvolvidas no âmbito desta campanha versam de
oficinas, seminários, mobilizações, cobranças, organização em núcleos,
sindicatos e grupos que assumem iniciativa de resistência, denúncias e até
sugestão de alternativas” (PLASSAT, 2008, p. 85).
Com atividades de mobilização e a realização de encontros com
trabalhadores rurais, as unidades regionais da CPT, desde 1998, vem fazendo a
divulgação de uma cartilha confeccionada com o intuito de alertar os trabalhadores
para os riscos do aliciamento.
A cartilha é ilustrada em forma de história em quadrinhos, ilustração esta
de entendimento simples, que permite ao trabalhador alfabetizado ou não, entender
a mensagem que se quer passar. Ela mostra situações que retratam a contratação
fraudulenta, as condições precárias de alojamento, a que muitos trabalhadores são
submetidos, os preços exorbitantes cobrados na cantina, e a coerção física e/ou
psicológica vivenciada por muitos deles.
O verso da cartilha traz uma lista de telefones e endereços de entidades
que acolhem denúncias61 de trabalho escravo (PITOMBEIRA, 2008). A questão do
aliciamento, portanto, é uma das questões que atraem os trabalhadores em situação
vulnerável para as armadilhas que geralmente os tem levado a aceitar postos de
trabalho que estão imersos num profundo desrespeito a dignidade da pessoa
humana.
5.2 A Atuação do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de
Açailândia (CDVDH)
Fundado em novembro de 1996, na Cidade de Açailândia, o Centro de
Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia – CDVDH – surge buscando
enfrentar as diversas violações aos direitos humanos vivenciadas em Açailândia e
municípios circunvizinhos. Situado numa região acometida pela exploração do
trabalho e “assolada pela indústria do carvão vegetal” (PLASSAT, 2007).
Movimentos sociais ligados a igreja católica, associações comunitárias e
padres da ordem Comboniana, com forte atuação na questão social no município, a
algum tempo se deparavam com a questão da situação dos trabalhadores evadidos
61
A CPT classifica as denúncias relacionadas a questão trabalhista em três categorias diversas: a)
situação de trabalho escravo provável; b) trabalho escravo caracterizado; c) e casos graves de
exploração. De acordo com o relato do trabalhador é utilizada uma ficha de registro diferente.
65
de fazendas e carvoarias situadas no município de Açailândia e em seu entorno.
Muitos trabalhadores procuravam a Paróquia e os movimentos sociais para
denunciar as violações que sofriam em seus locais de trabalho (carvoarias).
Na década de 1990 as carvoarias estavam localizadas muito próximas da
cidade de Açailândia62, o que tornava a apresentação de denúncias muito mais fácil
do que em outras situações na Amazônia. Nessa circunstância, militantes de
movimentos sociais, agentes de pastorais e religiosos progressistas sentiram-se
motivados para a criação de uma entidade que voltasse sua atenção basicamente
para o enfrentamento ao trabalho escravo. Como destacou um membro do CDVDH:
“[...] basicamente já tinha Carmen, Danilo, Padre Carlos que também fazia
parte dessa discussão, Neide, Edna, Vagner, Terezinha, Conceição, é um
grupo. De umas doze pessoas mais ou menos, então eles passaram a fazer
essa discussão do quê que poderiam fazer”. (Antônio Filho, Membro do
CDVDH, Entrevista realizada em 16 de junho de 2010).
Depois de instituído o CDVDH iniciou um trabalho de sensibilização
convidando professores, profissionais liberais, jovens, estudantes, donas de casa
para integrarem Centro de Defesa, que, através dessa mobilização procurou
estender sua atuação para os bairros populares de Açailândia.
Realizando atividades de mobilização, sensibilização e denúncias o
Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia se tornou uma
referência no encaminhamento de denúncias de trabalho escravo na Amazônia
Oriental (CARNEIRO, 2008). É nesse sentido, uma entidade de referência
internacional que tem denunciado práticas de trabalho escravo e super exploração
do trabalho. Suas iniciativas estão voltadas para a promoção da cidadania e defesa
dos direitos humanos, objetivando a conscientização dos trabalhadores, bem como
sua organização.
No plano mais geral o CDVDH vem atuando através da participação no
debate e na mobilização estadual e nacional contra o trabalho escravo. No caso do
estado do Maranhão o Centro de Defesa teve um papel decisivo na formalização do
Plano Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo, que está baseado no Plano
Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, vigente desde 2003.
62
“Você andava 50 km, 40, você encontrava carvoarias num entorno aqui num raio dentro de
Açailândia” (Depoimento de Antônio Filho, Membro do CDVDH).
66
Dentre suas atividades está à realização de conferências sobre trabalho
escravo, que vem contanto com a participação de diversas entidades de todo país:
“Articulado com as entidades nacionais (CPT, Ministério Público,
CONATRAE, Repórter Brasil, Secretaria de Direitos Humanos) e
internacionais (Organização dos Estados Americanos), Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, e Organização Internacional do
Trabalho), o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de
Açailândia vem desempenhando uma ação de “monitoramento de políticas
públicas estaduais voltadas para essa questão.” (PLASSAT, 2007, p. 23).
As Conferências realizadas pelo CDVDH sobre trabalho escravo são
significativas quanto à mobilização e sensibilização de diversos agentes e militantes
de movimentos sociais do Maranhão e dos demais estados do País. Assim,
podemos dizer que a primeira “Conferência Interparticipativa sobre Trabalho Escravo
e Superexploração em Fazendas e Carvoarias”, ocorrida em Açailândia, de 29 de
novembro a 01 de dezembro de 2002, foi a base para elaboração do Plano Nacional
de Erradicação do Trabalho Escravo63, lançado em 2003, no Governo do Presidente
Lula. Portando, a atuação do CDVDH foi decisiva para a construção desse plano.
Em novembro de 2006, realizou-se em Açailândia, a 2º Conferência
intitulada “Trabalho escravo é crime, desenvolvimento sustentável é vida”, que
também contou com a presença de representantes de movimentos sociais
64
de
vários estados da federação, trazendo à baila discussões que estavam voltadas para
avaliação e revisão crítica do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e
sistematização de propostas voltadas para sua erradicação, divididas em três eixos
temáticos, a saber: 1) repressão; 2) prevenção; 3) geração de alternativas emprego
e renda.
Entre as ações de geração de emprego e renda vale destacar o trabalho
que o CDVDH vem desenvolvendo para a reinserção social de trabalhadores
resgatados em situação de trabalho escravo, através da criação da Cooperativa para
Dignidade do Maranhão (CODIGMA). Essa atividade vem possibilitando a um grupo
de cerca de 100 trabalhadores a possibilidade de fixá-los em seus locais de origem,
63
O Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo apresenta 75 medidas distribuídas entre “11
medidas jurídico legais, 6 medidas referentes a fiscalização; 4 referentes as ações estruturais na
região de origem; 4 referentes a mobilização social; 5 ações de nível estadual e municipal; e 10
ações específicas nas carvoarias” (PLASSAT, 2007, p. 21).
64
Na oportunidade de realização da conferência houve também a comemoração dos 10 anos de
existência do CDVDH. O evento contou a presença de movimentos sociais de onze estados
brasileiros, além de representantes do Governo.
67
combatendo o retorno dos mesmos as situações de trabalho escravo. Além de dar
essa oportunidade de trabalho o projeto de reinserção desenvolve atividades
voltadas à capacitação profissional e educacional dos participantes (aulas de
alfabetização, cooperativismo, noções de cidadania). Noutros termos, está voltado
para a geração de trabalho e renda nos moldes proposto pela economia solidária.
A CODIGMA atua na produção de brinquedos artesanais em madeira
(proveniente de retalhos descartados por serrarias da região), produção de carvão
ecológico reciclado (produzido a partir de resíduos de carvão provenientes das
siderúrgicas) e papel reciclado (utilizado na fabricação de cartões, sacolas, pastas,
caixas, dentre outros objetos). Os brinquedos fabricados pela cooperativa são
atóxicos e pedagógicos e o carvão ostenta um selo de produto ecológico, além de
possuir um poder calorífico maior do que o carvão de lenha tradicional.
Além da Cooperativa distribuída em três núcleos (carvão ecológico, papel
reciclado e fábrica de brinquedos), o Centro de defesa desenvolve projetos ligados à
dança, capoeira, teatro, poesia e comunicação comunitária que também são
instrumentos que atuam no combate e conscientização do trabalho escravo.
O trabalho desenvolvido pelo CDVDH conta com a parceria de diversas
entidades, como a Manos Unidas (Espanha), Ministério da Justiça, Ministério da
Cultura, Comissão Pastoral da Terra, Conselho Tutelar, Igrejas, Conselho de Direitos
da Criança e do Adolescente de Açailândia, Secretaria de Educação, escolas das
redes municipal e estadual, dentre outras.
Foto 3: Brinquedo e carvão ecológico produzido pela CODIGMA
Fonte: Réporter Brasil.
68
5.3 As atividades do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) do
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)
A Constituição do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), pelo
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em 1995, cuja coordenação está sob a
incumbência da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do MTE, foi um passo
decisivo para combater o trabalho escravo e fazer com que de fato, a legislação
relativa ao trabalho escravo viesse a ser posta em prática, atingindo àqueles
agentes que estariam violando esse tipo de direito.
A questão do trabalho escravo passa a adentrar na agenda nacional de
discussões do Governo Federal, quando este admite a existência de uma “realidade
trágica e contemporânea”
65
no país. De fato, o reconhecimento oficial dessa prática
foi admitido pela primeira vez em 1985, pelo então Ministério de Desenvolvimento e
Reforma Agrária (MIRAD), malgrado o descaso com a questão.
Vilela (2008, p. 141), em artigo publicado na compilação de estudos sobre
o trabalho escravo organizado pelo GPTEC66 (Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo
Contemporâneo), menciona que além da instituição do Grupo Especial de
Fiscalização Móvel (GEFM), o Governo Federal atuará nessa questão também com
a criação do Grupo Executivo de Repressão do Trabalho Escravo (GERTRAF), cujo
escopo estaria voltado a desenvolver ações integradas de combate e repressão ao
trabalho escravo.
Até então ignoradas, as situações de trabalho escravo passaram a
adquirir visibilidade, de forma a despertar a atenção da sociedade, pressionando
assim empregadores e setores estatais omissos. Trata-se, portanto, de uma
conjuntura histórica socialmente determinada que põe em relevo o trabalho exercido
por uma rede de agentes e instituições articuladas com vistas ao enfrentamento do
trabalho escravo (PITOMBEIRA, 2008, p. 45).
A criação e atuação do GEFM veio a desvelar facetas desconhecidas (ou
mesmo ignoradas) do contexto rural brasileiro.
65
Expressão utilizada por Pedro Casaldáliga para caracterizar o trabalho escravo contemporâneo, em
prefácio do livro Trabalho escravo no Brasil contemporâneo: contribuições críticas para sua análise e
denúncia (Cerqueira et. al., 2008, p. 17).
66
Esse grupo de estudo é vinculado ao Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direito Humanos,
do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Gptec/NeppDH/CFCH/UFRJ)
69
“Diante das denúncias referentes ao trabalho escravo, encaminhadas ao MTE
(Ministério do Trabalho e Emprego) oriundas de todo país, mas com ênfase nas
chamadas regiões de fronteira, o Governo Federal Criou, em 1995, um programa
de fiscalização específico para o trabalho rural, no qual um grupo de auditores,
começou a percorrer alguns estados do Brasil, em busca de estabelecimento
rurais que haviam sido denunciados pela prática de trabalho escravo (MOURA,
2006, p.18, grifo nosso)
Antes da instituição de um Grupo Especial de Fiscalização específico
para lidar com a questão do trabalho escravo rural, denúncias oriundas de todo o
país, eram apuradas pelo GEFM de Brasília, porém, com o crescimento vertiginoso
das denúncias pôs-se em evidência a falta de infraestrutura desse grupo, uma vez
que as operações realizadas estavam aquém da quantidade de denúncias
recebidas.
Nesse contexto, surge então a necessidade de descentralizar as
operações de fiscalização e, em 1996, implementam-se coordenações regionais do
Grupo Especial de Fiscalização Móvel de Brasília, representadas estadualmente
pelas Delegacias Regionais do Trabalho67 (DRT’s).
Há de se considerar que as ações de fiscalização empreendidas pelo
GEFM são norteadas pela mobilização de entidades sociais no tocante às denúncias
referentes à prática do trabalho escravo oriundas de diversos estados, tais como
Pará, Rondônia, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Bahia, Tocantins dentre outros;
sobretudo, nas áreas de expansão de fronteira agrícola. Convém esclarecer, para
uma percepção mais acurada, que a equipe do GEFM é constituída por:
“[...] sete equipes, integradas por auditores-fiscais do trabalho, delegados e
agentes da Polícia Federal (PF) e procuradores do Ministério Público do
Trabalho (MPT) e, em certas circunstâncias, por membros da ProcuradoriaGeral da República, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA)” (CERQUEIRA et al., 2008,
p.141).
Moura (2006, p. 39) detalha que cada operação conta em média com três
(3) ou quatro (4) auditores, o mesmo número de agentes da Polícia Federal e um
procurador do trabalho.
Aos auditores fiscais do trabalho cabe a apuração quanto ao cumprimento
dos direitos trabalhistas; aos agentes da Polícia Federal a segurança da equipe e o
67
Atualmente a Delegacia Regional do Trabalho (DRT) é denominada de Superintendência Regional
do Trabalho.
70
direito de abrir inquéritos policiais68; ao procurador do trabalho a cobrança de danos
morais individuais e coletivos69; ao representante do Ministério Público a aplicação
do Termo de Ajuste de Conduta (TAC), que funciona como um instrumento de
apuração das conformidades trabalhistas em relação ao ambiente e as condições de
trabalho, tais como alojamentos, estruturas sanitárias e contrato de trabalho, por
exemplo.
Este possui também, a competência de abrir inquéritos civis públicos
assim como, tomar as providências cabíveis para que a Justiça do Trabalho tenha
conhecimento dos casos de recusa do empregador a indenizar os trabalhadores
pelos danos sofridos.
O Ministério Trabalho e Emprego (MTE) presta assistência emergencial
aos trabalhadores, no que se refere à alimentação, hospedagem, e transporte dos
trabalhadores resgatados para seus locais de origem, quando o empregador não
cumpre imediatamente essas obrigações; além de atuar tomando as providências
necessárias ao pagamento do seguro-desemprego aos trabalhadores resgatados
em situação de trabalho escravo (CERQUEIRA, 2008, p.144).
As inspeções de trabalho levadas a cabo pelo Grupo Móvel são
realizadas de acordo com os seguintes critérios: i) as denúncias apresentadas pelas
entidades de combate ao trabalho escravo e, ii) o sorteio de endereços para visitas,
conforme se explicita no relato de uma auditora fiscal do trabalho:
“Atualmente, a grande maioria das fiscalizações é motivada por denúncias.
O denunciante principal é o trabalhador individual, porém costuma-se
priorizar o atendimento às denúncias dos sindicatos, do Ministério Público e
da Policia (nos casos de acidente de acidentes de trabalho). Embora a
grande maioria das ações de fiscalização seja motivada por denúncias, é
impossível atender a todas, não temos pessoal suficiente, por isso também
se costuma priorizar, entre os denunciantes individuais, aqueles que se
identificam. Onde é possível, pode-se também organizar um programa para
atender, coletivamente, denúncias acerca de uma mesma empresa ou setor
produtivo”.(CARDOSO; LAGE, 2007, p. 84, grifo nosso).
68
Para apurar crimes referentes ao trabalho escravo e à prática de aliciamento embasados no Código
Penal Brasileiro.
69
O valor estipulado pelas indenizações por danos morais individuais variam de acordo com as
condições de trabalho encontradas e são pagas diretamente a cada trabalhador. Ao passo que às
relativas aos danos morais coletivos, são cobradas ao empregador e revertidas diretamente ao Fundo
de Amparo ao Trabalhador (FAT) e/ou utilizadas na compra equipamentos para a equipe de
fiscalização, como aparelhos celulares, GPS e etc.
71
Vale dizer que o procedimento do sorteio é utilizado principalmente para
as fiscalizações de rotina do serviço de inspeção do trabalho, no caso da apuração
das situações de trabalho escravo predomina a apuração das denúncias.
Sobre o trecho acima assinalado cabe um comentário sobre os
rendimentos auferidos pelos fiscais do Ministério do Trabalho: o salário dos
auditores fiscais encontra-se vinculado a quantidade de trabalhadores atingidos nas
ações de fiscalização, mirar as grandes empresas obedeceria a critérios de ordem
prática que se coadunam com o reduzido quadro de auditores fiscais distribuídos
nas unidades da federação. Noutros termos, “[...] o sistema de remuneração e de
prêmios dos fiscais está lastreado, também, no número de trabalhadores atingidos e
no número de carteiras de trabalho registradas” (CARDOSO; LAGE, 2007, p. 91).
Assim, atingir um maior número de trabalhadores visitando um menor
número de empresas é uma lógica imbricada no agir do auditor fiscal que pode ser
equiparada a lógica de mercado. A produtividade e a rentabilidade passam a ser os
elementos
que
vão
orientar
a
ação.
Priorizando-se
dessa
forma,
empresas/empreendimentos que oferecem um quantitativo de funcionários e
consequentemente de “atrativos” que confluam para justificar a auditoria em
determinada empresa.
5.4 Fórum de Erradicação do Trabalho Escravo no Maranhão (FOREM)
O FOREM surge em outubro de 2003, como parte do processo de
mobilização de instituições públicas de representação estadual, nacionais e
representantes de movimentos sociais engajados no enfrentamento ao trabalho
escravo e da nova estratégia de atuação da Delegacia Regional do Trabalho-Ma
(DRT-Ma), quando um ex-dirigente sindical70, assume sua presidência.
Quando Bira do Pindaré assume a DRT-Ma, em 2003, uma de suas
primeiras iniciativas foi realizar um levantamento de informações sobre as principais
questões que incidiam sobre trabalhadores no campo e na cidade do estado do
Maranhão71, realizando consultas às entidades de defesa dos trabalhadores e a
70
Ubirajara do Pindaré foi presidente do Sindicato dos Bancários do estado do Maranhão e dirigente
da Central Única dos Trabalhadores (CUT-MA). Atualmente é deputado estadual pelo Partido dos
Trabalhadores.
71
Antes de assumir o cargo de Delegado, Bira fez mestrado em Políticas Públicas pela Universidade
Federal do Maranhão - UFMA. Na sua dissertação de mestrado ele aborda a questão do mundo do
72
organizações dos movimentos sociais. As demandas que foram apontadas como
principais:
“[...] Quando Bira (do Pindaré) vai a campo, ele identifica que havia uma
entidade Movimento social forte em Açailândia, que é o Centro de Defesa
da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia, e que ele já conhecia por
outras relações com movimentos sociais principalmente ligados à igreja,
pastoral social [...]. Então ele faz uma grande reunião no Centro de Defesa
para entender o problema. E na reunião ele percebe a gravidade do
problema do trabalho escravo, principalmente rural, no Maranhão”
(Entrevista de Flávia Moura, ex-assessora de comunicação do FOREM,
realizada em 29 de março de 2011.).
Diante, dessa constatação em seu primeiro ano de trabalho na DRT-Ma
ele coloca como prioridade de sua gestão a questão do combate ao trabalho escravo
no Maranhão no meio rural e urbano. Ainda segundo Flávia Moura, é nesse período
em que a DRT passa a ter uma atuação mais relevante no combate ao trabalho
escravo no Maranhão.
Portanto, podemos dizer que o surgimento do Fórum de Erradicação do
Trabalho Escravo no Maranhão está marcado pela mobilização das entidades de
combate ao trabalho escravo72, com destaque para o CDVDH, e pelo papel mais
ativo que a DRT-MA assumiu quanto a essa questão, com essa instituição federal
dando suporte material ao funcionamento do Fórum73.
Desenvolvendo campanhas de mobilização social, com distribuição de
cartilhas, folhetos, cartazes e camisetas, principalmente em áreas de maior
aliciamento, o FOREM começa mostrar os resultados do “trabalho de mobilização a
partir do aumento no número de denúncias encaminhas à DRT-MA de condições
precárias de trabalho em outras regiões” (MOURA, 2006, p. 47). Configurando-se,
portanto como um importante agente no combate ao trabalho escravo.
Participaram do primeiro
encontro da Campanha
Estadual pela
erradicação do trabalho escravo no Maranhão desenvolvido pelo FOREM, a partir de
2003, o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos; Comissão Pastoral da
Terra; Delegacia Regional do Trabalho; Sociedade Maranhense de Direitos
trabalho no Maranhão. “ Seu trabalho portanto, já tinha um histórico de pesquisa anterior [...] então
ele já tinha identificado alguma coisa sobre trabalho escravo” (Depoimento de Flávia Moura, exassessora de comunicação do FOREM).
72
Caso do trabalho que já vinha sendo realizado pelo Centro de Defesa da Vida de dos Direitos
Humanos de Açailândia, Sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras Rurais (STTR’s), Organizações
Não-Governamentais e entidades civis; promovendo atividades e mobilização social junto aos
trabalhadores rurais.
73
O FOREM funcionava inicialmente numa sala da Delegacia Regional do Trabalho-MA. Toda a
infraestrutura (computador, telefone, impressora, fax etc..) era subsidiada pela DRT.
73
Humanos; Centro de Cultura Negra (CCN); Polícia Federal; Polícia Rodoviária
Federal74; Procuradoria do Trabalho e Justiça do Trabalho.
“O FOREM também promoveu um encontro só com jornalista para explicar
o que é trabalho escravo. A gente fez uma espécie de formação de
comunicadores. Porque a gente observou, numa pesquisa rápida que fiz em
jornais, que a cobertura era muito aleatória e tinha muita divergência do que
era realmente trabalho escravo. Então a gente fez todo esse trabalho de
formação para os comunicadores, tanto para os comunicadores da mídia
tradicional como para os comunicadores populares”. (Entrevista com Flávia
Moura, ex-assessora de comunicação do FOREM, realizada em 20 de abril
de 2011).
Num segundo momento de sua atuação, entre 2004 e 2006, o FOREM
começa a fazer seminários de sensibilização regional e conscientização do trabalho
escravo, direcionado para a formação de lideranças comunitárias. Esses seminários
serão realizados em parcerias com movimentos sociais de diversas localidades do
estado do Maranhão com vistas a ampliar a luta contra o trabalho escravo em
regiões que não havia essa tradição de mobilização.
A partir de 2007 o FOREM adquire outra configuração “passando a ser
um fórum de articulação apenas da sociedade civil, não tendo mais presença de
representantes de órgãos públicos” (CDVDH, 2011). Surge então a COETRAE
(Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo no Maranhão), composta
por representantes de órgãos públicos e entidades da sociedade civil, “tendo como
função a elaboração e posterior monitoramento das metas do Plano Estadual de
Enfrentamento ao Trabalho Escravo” (op. cit.). Esse plano estadual prevê medidas
de repressão e prevenção ao trabalho escravo, constituindo-se em 43 propostas,
voltadas a implementação por instituições públicas e entidades privadas.
É importante dizer que a COETRAE nasce como parte de um processo
nacional de elaboração de iniciativas estaduais de combate ao trabalho escravo.
Essas iniciativas são pensadas como ações complementares ao que é feito no plano
nacional pela CONATRAE (ver a seguir). Para a elaboração e execução dessas
ações – que conformam o Plano Estadual de Combate ao Trabalho Escravo – faz-se
necessário a existência de um conselho estadual, de forma semelhante ao que já
74
Em 2005 o FOREM articulou o pacto da PRF com a DRT com vistas a inibição da saída de ônibus
que transportavam pessoas para trabalhar em outros estados, regiões. Inclusive, segundo
depoimento da ex-assessora de comunicação do FOREM, nesse período foram identificadas algumas
rotas de exportação de mão de obra, como por exemplo, Suriname, Guianas Francesas para o
exercício de atividades na mineração.
74
existia, desde 2003, em estados como Piauí, Tocantins, Mato Grosso, que já haviam
lançado seus planos estaduais de enfrentamento ao trabalho escravo.
Então se percebe que tanto o FOREM quanto a COETRAE acabam por
exercer atribuições muito próximas. Fator determinante para que o FOREM desloque
sua atuação para o viés da articulação, direcionando-se então a atuar, apenas, com
movimentos sociais com vistas a monitorar a COETRAE quanto a implementação do
Plano Estadual de Enfrentamento ao Trabalho Escravo.
5.5 Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE)
No mesmo ano em que é instituído pelo Governo Federal o Plano
Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (2003), é criada, através do
decreto presidencial de 31 de julho de 2003, a Comissão Nacional para a
Erradicação do Trabalho Escravo, órgão responsável pelo monitoramento quanto à
execução do referido Plano. Portanto pode ser considerada como a consolidação de
uma política de Estado para o enfrentamento da questão, noutros termos trata-se do
primeiro plano de ação governamental brasileiro voltado a essa questão.
A CONATRAE é um órgão colegiado vinculado à Secretaria Especial de
Direitos
Humanos
da
Presidência
da República
(SEDH)75,
integrada
por
representantes governamentais e de entidades não governamentais que possuam
atuação relevante relacionada ao combate ao trabalho escravo, a saber:
 Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República;
 Ministros de Estado (da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Defesa;
Desenvolvimento Agrário; Meio Ambiente; Previdência Social; Trabalho e Emprego);
 Representantes do Ministério da Justiça (do Departamento da Polícia
Federal e da Polícia Rodoviária Federal) e;
 Representantes de entidades privadas não-governamentais, num total
de até nove membros.
Como representantes da sociedade civil, podemos citar a Ong Repórter
Brasil, Instituto Carvão Cidadão, Organização Internacional do Trabalho, Comissão
Pastoral da Terra, dentre outros.
75
A Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República preside a CONATRAE.
75
Um ano após o lançamento do Plano Nacional, em 2004, é criado pelo
Ministério do Trabalho e Emprego76 (MTE) o “Cadastro de Empregadores que
tenham mantido trabalhadores em condições análogas a de escravo”, que ficou
conhecido como a “Lista Suja do Trabalho Escravo”.
A Lista Suja é formada por pessoas físicas e jurídicas, flagradas pelo
Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho (GEFM), que
estejam se utilizando de práticas relacionadas ao trabalho escravo. Esse cadastro é
atualizado semestralmente pelo MTE e encaminhado a diversas instituições:
“[...] encaminhado aos Ministérios da Fazenda (MF), da Integração Nacional
(MI), do Ministério do Desenvolvimento Agrário, do Ministério do Meio
Ambiente e à Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), a fim de
que cada instituição adote as medidas oportunas em seu respectivo âmbito
de competência. A inclusão do nome do infrator no cadastro acontece
somente após a conclusão do processo administrativo originário dos autos
de infração lavrados no decorrer das inspeções. A exclusão, por sua vez,
depende da conduta do infrator, monitorada pela inspeção do trabalho, ao
longo de dois anos” (VILELA, 2008).
Não havendo reincidência ao longo desses dois anos e cumprido o
pagamento de todas as multas (débitos trabalhistas, previdenciários, rescisórios etc.)
o nome é retirado do cadastro. Caso contrário, o infrator (fornecedores e empresas)
fica impedido de acessar linhas de crédito e incentivos fiscais.
Atualmente a Lista Suja é utilizada por diversas instituições, decorrendo
em restrições cadastrais a empreendimentos que tenham se envolvido em casos de
trabalho escravo comprovado. Um exemplo desse tipo de uso no setor privado nos é
dado pela Federação Brasileira das Associações de Bancos (FEBRABAN) que
orienta seus associados a utilizar a Lista Suja para restringir o acesso ao crédito
bancário. No setor público temos os casos do MDA e INCRA, que utilizam a lista
suja para identificar a cadeia dominial dos imóveis rurais em que foram encontrados
vítimas de trabalho escravo e realiza a arrecadação de terras irregulares para fins de
reforma agrária.
76
Pela Portaria Nº 540, de 15 de outubro de 2004.
76
5.6 Instituto Observatório Social (IOS)
O Instituto Observatório Social é uma organização que analisa e pesquisa
o comportamento das empresas multinacionais, nacionais e estatais em relação aos
direitos fundamentais dos trabalhadores. O IOS é uma iniciativa da CUT Brasil
(Central Única dos Trabalhadores) em cooperação com o CEDEC (Centro de
Estudos de Cultura Contemporânea), DIEESE (Departamento Intersindical de
Estudos Sócio-Econômicos) e da UNITRABALHO (Rede Inter - Universitária de
Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho).
Entidade comprometida e engajada na luta contra o trabalho escravo e
degradante, em 2004 realizou um estudo sobre o trabalho escravo no Brasil, pondo
em destaque nessa investigação a questão das carvoarias e sua relação com o
trabalho escravo77.
Em “Escravos
do Aço”,
o IOS
identificou
empresas
multinacionais que compram aço produzido no Brasil e que utilizam trabalho escravo
em sua cadeia produtiva. De acordo com essa investigação a Nucor Corporation
(identificada como a principal compradora do ferro gusa produzido em Carajás)
utiliza o ferro gusa brasileiro para abastecer a maioria das indústrias automotivas
dos Estados Unidos.
Logo a mobilização social já em curso, cada vez mais articulada e
vigilante, passou a exercer pressão não somente sobre o Estado Brasileiro, mas
também sobre as empresas que tiveram suas imagens expostas à crítica
internacional, demandando desta forma, a reformatação de práticas adotadas
(controle de suas cadeias produtivas) pelas empresas envolvidas nessa situação.
Afinal de contas elas seriam responsabilizadas pelos atos ilícitos de seus
fornecedores.
A principal contribuição do IOS para o combate ao trabalho escravo foi
seu engajamento no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, e, de
forma mais específica, na assinatura da Carta-Compromisso78, com a entidade
tendo ficado com a responsabilidade pelo monitoramento regular das atividades do
ICC nas carvoarias que abastecem as siderúrgicas de Carajás.
77
Assim como a Repórter Brasil divulga matérias relacionadas à temática contribuindo desta forma,
para a sensibilização da sociedade quando a este grave problema social.
78
Carta-compromisso pelo fim do trabalho escravo na produção do carvão vegetal e pela dignificação,
formalização e modernização do trabalho na cadeia produtiva do setor siderúrgico.
77
5.7 ONG Repórter Brasil
A ONG Repórter Brasil surge em 2001, com o objetivo de identificar e
divulgar a violação de direitos dos povos e trabalhadores do campo no Brasil. É
considerada hoje, uma das maiores fontes de divulgação de informações sobre o
trabalho escravo:
“Suas reportagens, investigações jornalísticas, pesquisas e metodologias
educacionais tem sido usadas por lideranças do poder público, do setor
empresarial, e da sociedade civil como instrumento para combater a
escravidão contemporânea, um problemas que afeta milhares de
79
brasileiros” .
Seu trabalho de atuação esta concentrado em duas vertentes:
- Jornalismo: que é desenvolvido com viés de programa educacional,
como os programas de rádio (On-line) Agência de Notícias e Escravos, nem pensar!.
O programa Escravos, nem pensar! É veiculado em âmbito nacional. Está voltado
para a formação de lideranças populares e educadores quanto à temática do
trabalho escravo e também tem direcionado apoio financeiro e técnico a projetos de
conscientização sobre a violação de direitos humanos. Por sua vez, o programa
Agencia de notícias está mais direcionado a divulgação de informações sobre o
meio ambiente, questão agrária e trabalho rural.
- Pesquisa: que concentra a produção de informações, estudos que
servem de subsídios para atuação de diversos agentes sociais (políticos,
empresariais, econômicos). A exemplo das pesquisas em cadeias produtivas (que
consiste na identificação de cadeia que possuem graves problemas sociais,
ambientais e trabalhista); e agro combustíveis e commodities, que é uma das
referências brasileiras no que diz respeito a pesquisa e divulgação de informações
sobre as culturas agroenergéticas (cana de açúcar, mamona, soja, dendê e etc.).
A Repórter Brasil, em pesquisa encomendada pela Secretaria Especial de
Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República e pela Organização
Internacional do Trabalho (OIT) identificou que o trabalho escravo está inserido
principalmente nas cadeias produtivas da pecuária (80%), algodão e soja (10%),
cana-de-açúcar (3%), café (1%), pimenta do reino (3%) e carvão vegetal (carvão
para siderurgia), (3%). Em todas essas cadeias produtivas, identificou-se que são
79
In: http://www.reporterbrasil.org.br/conteudo.php?id=40
78
exportadas mercadorias que utilizam mão de obra escrava. (SAKAMOTO, 2008, p.
65).
Essa pesquisa contribui também, para chamar ainda mais a atenção do
setor empresarial quanto a essa questão. Baseado nas informações levantadas pelo
estudo, a OIT e Instituto Ethos lança o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho
Escravo em 2005, onde as empresas que assinaram ao pacto (mais de sessenta)
comprometem-se a adotar medidas para manter suas cadeias produtivas longe do
trabalho escravo (SAKAMOTO, 2008).
.
79
6 CAPÍTULO III - RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL NO CONTEXTO
DA PRODUÇÃO SIDERÚRGICA DE CARAJÁS
A questão do trabalho escravo na cadeia de produção de ferro gusa
constituiu o cenário para o estabelecimento de um conjunto de agentes que se
relacionarão (direta ou indiretamente) às siderúrgicas do Polo Carajás, considerando
que este problema expôs à crítica social os produtores de ferro gusa. Assim,
podemos considerar que foi essa configuração político-social específica que fez com
que emergisse uma mudança de postura do empresariado, o que levou por sua vez,
a uma redefinição do papel da empresa frente às questões sociais.
Como protagonistas que iniciaram o processo de mobilização de combate
ao trabalho escravo na cadeia de produção siderúrgica, destacaram-se a atuação do
Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia (CDVDH),
Comissão Pastoral da Terra (CPT), Fórum de Erradicação do Trabalho Escravo no
Maranhão (FOREM), e o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM). Será a
atuação decisiva desses agentes que levará a emergência do discurso da
responsabilidade social empresarial nesse segmento produtivo.
É nesse cenário que se estrutura o exercício da responsabilidade social
empresarial no âmbito da cadeia de produção do ferro gusa de Carajás, pois,
desconsiderar as críticas mobilizadas por esses agentes quanto à questão da
existência do trabalho escravo na cadeia de fornecimento da siderurgia seria pôr em
jogo a imagem da empresa.
Assim, podemos dizer que ao procurar responder as críticas elaboradas
pelas entidades que combatem a existência do trabalho escravo as empresas
siderúrgicas estão assumindo o desafio de tentar legitimar sua produção,
observando o contexto social no qual se exerce sua atividade produtiva.
Nesse sentido podemos também considerar essa interação entre
empresas e atores envolvidos no combate ao trabalho escravo como constituindo a
configuração específica das partes interessadas (stakeholders) no combate ao
trabalho escravo na cadeia da produção siderúrgica de Carajás.
80
Centro de Defesa da
Vida e dos Direitos
Humanos (CDVDH)
Comissão Pastoral da
Terra
Grupo de Fiscalização
Móvel
(CPT)
(GEFM)
TRABALHO
Fórum de Erradicação
do Trabalho Escravo no
Maranhão (FOREM)
ESCRAVO
Comissão Nacional
para Erradicação do
Trabalho Escravo
(CONATRAE)
Ong Repórter Brasil
Instituto Observatório
Social (IOS)
Diagrama 01: Configuração dos stakeholders relacionados com a questão da erradicação do
trabalho escravo na cadeia da produção siderúrgica do Polo Carajás.
6.1 O envolvimento das siderúrgicas de Carajás com a questão do combate ao
trabalho escravo
O processo de envolvimento das siderúrgicas de Carajás no combate ao
trabalho escravo está relacionado com o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) 01/99,
procedimento este oriundo de Inquérito Civil Público, que teve por intento
estabelecer condições adequadas de trabalho nas carvoarias que forneciam carvão
vegetal para as siderúrgicas situadas no Estado do Maranhão. Uma vez que as
Fiscalizações do Grupo Especial Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE),
ocorridas em 1996 e 1997, apontaram para a existência de situações de trabalho
escravo nas fazendas e carvoarias localizadas no oeste maranhense.
O TAC estabeleceu a corresponsabilidade das siderúrgicas nos
procedimentos utilizados para produção de carvão, considerando o fato que as
siderúrgicas “embora não dirigindo diretamente os serviços desenvolvidos nas
carvoarias, se
beneficiam dos serviços
executados”
considerada, portanto, como uma beneficiária indireta.
(TAC,
1999), sendo
81
Constituindo-se como beneficiária indireta, as siderúrgicas passariam
então a ser responsabilizadas quanto “ao cumprimento de todas as normas de
segurança e medicina do trabalho” (TAC, 1999), independentemente das carvoarias
estarem localizadas em propriedades suas ou de terceiros.
Com o escopo de adequar à legislação trabalhista o trabalho
desenvolvido nas carvoarias, o TAC especificou os seguintes elementos que
deveriam ser cumpridos pelas empresas e seus fornecedores de carvão vegetal:
a) dotar os estabelecimentos de instalações sanitárias para uso dos
trabalhadores;
b) fornecer água potável em condições higiênicas de armazenamento,
implantando, se necessário, sistema adequado para a filtragem da água;
c) dotar os locais de trabalho de abrigo capaz de proteger os
trabalhadores contra as intempéries;
d) providenciar equipamentos de primeiros socorros;
e) fornecer escadas engatáveis de material resistente, com corrimões
laterais e pisos antiderrapantes de modo a minorar os riscos de acidente nas
operações de carga dos veículos;
f) Fornecer equipamento de proteção individual adequado contra gases e
inalação de resíduos sólidos, de forma gratuita, obrigando os empregadores
originários a diligenciar pelo seu uso correto.
Nesse sentido, o TAC figurou como um importante instrumento para
desencadear a adoção de práticas mais responsáveis por parte das empresas
siderúrgicas,
principalmente
daquelas
situadas
no
estado
no
Maranhão,
pressionando para o seu engajamento na reorganização das condições de trabalho
existente em sua cadeia de fornecimento de carvão vegetal.
A partir desse momento podemos dizer que os efeitos decorrentes do não
cumprimento da lei (legislação trabalhista) passam a ser encarados pelo
empresariado siderúrgico, de outra forma, com a consideração mais efetiva da
possibilidade de serem culpabilizados pela existência de situações de trabalho
escravo ou mesmo pelas infrações trabalhistas identificadas no processo de
fiscalização nas carvoarias. Como ressaltou o ex-auditor do Instituto Carvão Cidadão
entrevistado para essa pesquisa:
82
“Karla - Qual o valor em média, das multas decorrentes pelo não
cumprimento da legislação trabalhista?
Bruno - Olha, o valor era muito relativo, mas era uma faixa de 60 a 80 mil
reais por carvoaria. E quem pagavam o valor das multas eram as
siderúrgicas que compravam o carvão dessas carvoarias. Porque as
carvoarias não são das siderúrgicas [...] Eles começaram a perceber que
era, de certa forma, um prejuízo grande não investir nessa qualidade de
vida dos trabalhadores em carvoarias. E o preço que estava sendo pago,
por conta dessas irregularidades, era bastante significativo. Então assim,
essa ação do Ministério do Trabalho é uma ação que fez surgir dentro das
siderúrgicas, a necessidade de criar o Instituto Carvão Cidadão para evitar
essas penalidades.” (Entrevista com Bruno Castro, ex-auditor, realizada em
17 de junho de 2010).
Conforme Cardoso e Lage (2007, p. 72) observam, ao analisar a
efetividade do cumprimento da legislação trabalhista no Brasil, o empresário
considera o risco de ser apanhado burlando a lei e a sanção decorrente desse
descumprimento – segundo uma perspectiva racional, que toma como parâmetro a
relação custo/benefício entre burlar a lei e ser apanhado pela fiscalização.
Nessa perspectiva “o empregador cumpre a lei, porque a sanção é
considerada alta o suficiente para tornar racional evitá-la”, ao passo que se a sanção
é pequena e o risco de ser apanhado diminuto o empregador terá estímulo a
descumprir a lei.
O caso em tela mostra que a melhoria da fiscalização implicaria em um
custo mais alto do descumprimento da lei pelas empresas siderúrgicas, acresceria
ainda que o descumprimento desta, retraduziu-se de forma a transformar as
“infrações trabalhistas” em aparato argumentativo voltado para o discurso da
responsabilidade social engendrado a partir de então, e que possui como escopo
“fomentar e promover a responsabilidade social empresarial, a ética, a paz e a
cidadania80”.
Refletindo nos termos propostos por Boltanski e Chiapello, poderíamos
conjecturar que os efeitos negativos oriundos do não cumprimento da legislação
trabalhista, e mesmo a ocorrência de situações de trabalho escravo possibilitou
transformar os reclames sociais em termos de uma teoria crítica, ou seja,
transformando “a indignação em aparato argumentativo (BOLTANSKI; CHIAPELLO,
2009, p. 357)”.
80
Excerto de informação extraída do site do ICC, que trata dos objetivos dessa instituição. Acesso
em: 15 jun. 2010.
83
A questão que começa a se delinear no setor siderúrgico, no contexto da
ampliação das ações de fiscalização do MTE e da elaboração do Termo de Ajuste
de Conduta, é a mudança de postura do empresariado no que concerne as relações
de trabalho na produção carvoeira, assim como a qualidade desse trabalho (normas
de segurança e medicina do trabalho) no ambiente das carvoarias.
Nesse sentido a falta da responsabilidade com a atividade de produção
de carvão vegetal passa a ser algo que coloca efetivamente em risco a imagem da
empresa e consequentemente, compromete seus lucros. O que requer, portanto, a
supressão de toda e qualquer postura que seja conivente a situações inapropriadas
nas
relações
de trabalho estabelecidas nas carvoarias. O empresariado,
representado pelo ICC, passou então a incorporar em seu discurso e sua atuação as
exigências imputadas pelo TAC:
“[...] é desejado que eu preciso fazer ferro gusa, é indesejado porque você
não sabe de onde está vindo aquele carvão. Se é uma criança, se é uma
mulher, em que condições trabalha, [...] essa é a questão. [...] nós temos de
falar de um mercado que a gente tenha garantia e certeza que 100% da
mão de obra está sendo vista de maneira adequada, tratada de maneira
adequada, trabalhando nas condições que a legislação exige [...]” (Adauto,
Coordenador do escritório do Instituto Carvão Cidadão (ICC) em
Marabá/PA, em 18 de fevereiro de 2009).
Os termos desejado e indesejado na fala do funcionário do Instituto
Carvão Cidadão transmite a ideia de reformatação de posturas frente ao que não
está sendo visto com “bons olhos” pelo Ministério Público, pela sociedade civil,
Organizações Não-Governamentais dentre outros agentes, no que tange “a
dignidade do trabalhador na cadeia produtiva do ferro gusa do Polo Siderúrgico de
Carajás”.
Nesse contexto, promover iniciativas que estejam voltadas à eliminação
de irregularidades relacionadas à cadeia produtiva do carvão vegetal (ou mais
especificamente nos processo de produção do carvão vegetal nas carvoarias)
configura-se como uma atitude necessária para manter-se apto à concorrência de
mercado.
É conveniente ressaltar, contudo, que no momento em que as
siderúrgicas de Carajás passam a se preocupar com a vinculação de sua imagem ao
trabalho escravo, já se encontravam em ampla difusão no meio empresarial
brasileiro a adoção de iniciativas consideradas como éticas. No entanto, conforme
84
se depreende do TAC, a questão da responsabilidade no setor siderúrgico só veio à
tona, a partir de uma imputabilidade levada a cabo pelo Ministério Público do
Trabalho.
Dessa forma, como destacou Carneiro (2008), o início do envolvimento
das siderúrgicas localizadas no Estado do Maranhão com a questão da
responsabilidade social está relacionado com a assinatura do Termo de Ajuste de
Conduta entre essas empresas e o Ministério Público do Trabalho:
“Após as primeiras fiscalizações do Grupo Especial Móvel nas carvoarias
localizadas no oeste maranhense, em 1997, [...] as empresas guseiras
situadas no Estado do Maranhão assinaram um Termo de Ajuste de
Conduta (TAC) com o Ministério Público no movimento de pressão sobre as
siderúrgicas, o aspecto mais importante desse TAC consistiu na vinculação
estabelecida entre empresas guseiras e seus fornecedores de carvão”
(CARNEIRO, 2008).
Mesmo tendo firmado esse compromisso, ainda eram recorrentes as
denúncias, o que mobilizou a atenção da Organização Internacional do Trabalho OIT, que culminou na assinatura da “Carta-Compromisso pelo fim do trabalho
escravo na produção de carvão vegetal e pela dignificação, formalização e
modernização do trabalho na cadeia produtiva do ferro gusa”, cinco anos após a
assinatura do TAC, em 19 de agosto de 2004.
Nessa Carta compromisso retoma-se a questão da responsabilização das
siderúrgicas quanto ao controle da produção e comercialização do carvão vegetal,
reiterando o compromisso das siderúrgicas de:
a) Realizar um diagnóstico dos focos de trabalho degradante e trabalho
escravo na cadeia produtiva do carvão vegetal;
b) Definir metas para a formalização dessas relações de trabalho e
cumprimento de todas as obrigações trabalhistas;
c) Definir restrições às empresas identificadas como utilizadoras da mão
de obra escrava;
d) Desenvolver e apoiar, em parceria com o Governo e ONGs, ações de
reintegração social e produtiva dos trabalhadores libertos;
e) Desenvolver e apoiar ações de informação contra o aliciamento e
contra o trabalho escravo;
f) Desenvolver ações de treinamento e aperfeiçoamento profissional dos
trabalhadores do carvoejamento;
85
g) Colaborar com o Governo nas ações para implantação do Plano
Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo e;
h) Monitorar e tornar público os resultados desse esforço conjunto.
Além desses compromissos assumidos as empresas se comprometem
também a criar um instrumento de fiscalização das condições de trabalho entre seus
fornecedores de carvão vegetal, temos então a constituição do Instituto Carvão
Cidadão (ICC). Em agosto de 2004, os representantes das sete siderúrgicas do
Maranhão, constituem o Instituto Carvão Cidadão (ICC)81:
“O Instituto Carvão Cidadão” foi criado com o objetivo principal de auxiliá-los
(os produtores de carvão vegetal) no cumprimento do Termo de Ajuste de
Conduta e da Carta Compromisso firmada em agosto/2004 por vários
setores produtivos, inclusive o siderúrgico, onde houve o compromisso da
eliminação do trabalho escravo na produção de carvão vegetal, bem como
pela dignificação, formalização e modernização do trabalho na cadeia
produtiva de ferro gusa (Ornedson Carneiro, Diretor presidente do ICC, 17
de junho de 2010).
6.2 A criação do Instituto Carvão Cidadão como adoção da prática de
responsabilidade social empresarial pelas siderúrgicas de Carajás
De maneira geral, as reflexões em torno da responsabilidade social
pautaram-se em abordagens diferenciadas: i) as que partilhavam da teoria
econômica neoclássica, orientada pela eficácia do mercado, no sentido de que a
finalidade da empresa circunscreve-se apenas ao nível econômico. O interesse
principal é o lucro, sendo o ganho econômico a única responsabilidade social de
uma empresa; ii) as que atribuem à empresa um dever moral de agir de forma
responsável, com a construção de uma “ética dos negócios’.
É importante frisar que cada posição teórica acima indicada está
condicionada as variações que dizem respeito ao grau de integração da empresa
com a sociedade. No caso estudado podemos dizer que predomina a segunda
interpretação, com as empresas indo além da preocupação com seus resultados no
plano econômico.
81
Como “[...] uma associação civil, sem fins econômicos, com o objetivo principal de exercer a
orientação, auxílio e fiscalização de todas as atividades relacionadas com a cadeia de produção e
fornecimento de carvão vegetal, nos Estados do Maranhão, Pará, e Tocantins, com vista ao
cumprimento da legislação trabalhista e demais normas de proteção à segurança e à saúde do
trabalhador, e à preservação do ambiente de trabalho” (Ata de Assembleia Geral de Constituição do
Instituto Carvão Cidadão, realizada em 19 de agosto de 2004.)
86
Podemos assim perceber o quanto é importante para as empresas
responderem as diversas demandas de seus diferentes interlocutores.
No caso
específico da siderurgia implantada na região de Carajás a criação do Instituto
Carvão Cidadão (ICC), foi a resposta dada por parte das empresas para a crítica
relacionada com a existência do trabalho escravo na produção de carvão vegetal.
Após sua criação será o ICC que assumirá a tarefa de intermediar a
relação entre os produtores de ferro gusa e os diferentes stakeholders com os quais
esses produtores se relacionam.
O Instituto Carvão Cidadão foi criado para atuar numa questão muito
delicada dessa relação entre essas empresas guseiras e seus stakeholders: a
questão do trabalho escravo. Superar esse problema, que passou nesse contexto a
ser associada ao segmento siderúrgico, requer a incorporação dos preceitos
assumidos, pois conforme salienta o funcionário do ICC:
“[...] não podemos existir só por existir [...] vamos encarar o problema de
frente e vamos mostrar para sociedade, vamos mostrar para o Congresso
Americano, pro Brasil, pra todo mundo que se diz interessado nessa
questão [...] que estamos com vontade de fazer esse negócio (de combater
o trabalho escravo nas carvoarias)” (Entrevista com Adauto, Supervisor do
ICC, realizada em 18 de fevereiro de 2009)
Considerando as fiscalizações do Ministério do Trabalho e as multas
sistemáticas imputadas ao descumprimento da legislação trabalhista Ornedson
Carneiro82 enfatiza que:
“[...] pra tentar ajudar as siderúrgicas a fazer isso (cumprir a legislação
trabalhista), eles (os empresários das siderúrgicas localizadas no
Maranhão) criaram o Instituto Carvão Cidadão, a ideia foi exatamente essa.
De fazer um trabalho semelhante ao que o Ministério do Trabalho faz, mas
de forma preventiva”.
A criação do ICC se insere, portanto, em um processo que visa legitimar a
produção siderúrgica (guseira), sua atuação vem permitindo a essas empresas a
passagem de uma posição defensiva para de atores exemplares no combate ao
trabalho escravo, conforme salienta Carneiro (2008, p. 330).
A fala do diretor presidente do ICC, a seguir, é bastante esclarecedora
nesse sentido, pois nos coloca o reconhecimento da não observância aos preceitos
82
Diretor presidente do ICC, Entrevista realizada em Janeiro/2006.
87
legais estabelecidos na legislação trabalhista e o reconhecimento de que antes da
mobilização dos agentes engajados no enfrentamento ao trabalho escravo a
situação era insatisfatória:
“[...] a cadeia de dívida é uma coisa que escraviza o empregado. É aquele
cidadão que trabalha lá dentro do mato e ele tem um produtor que tem um
caderninho de dívidas, aonde vende para ele cigarro, o aparelho de
barbear, creme dental etc. Ele pega e anota isso no caderninho. Quando
chega no final do mês o empregado tem lá 500 reais pra receber e 700 para
pagar [...]. Então isso caracteriza escravidão, porque na hora que você tem
essa dívida, você não pode largar o seu emprego na hora que você quiser
[...]. Então quando a gente começou a fiscalização a gente bateu forte em
cima desse item e melhorou muito”. (Entrevista com Ornedson Carneiro,
realizada em 17 de junho de 2010).
Tendo como foco essa questão procuramos explicitar sob quais
perspectivas o Instituto Carvão Cidadão aborda a temática da erradicação do
trabalho escravo, assumindo-a como parte de sua intervenção no campo da
responsabilidade social empresarial. Interessa-nos, portanto, na análise dessa
questão, evidenciar as dinâmicas de atuação e estratégias do agir empresarial, das
diferentes empresas que integram o segmento guseiro e observar como o ICC
difunde e configura os preceitos de responsabilidade social.
6.3 A Estrutura e o Funcionamento do Instituto Carvão Cidadão (ICC)
O instituto Carvão Cidadão está organizado da seguinte forma: Diretoria
Executiva, Conselho Fiscal, Conselho Administrativo e auditores de campo.
A Diretoria Executiva é responsável por convocar as assembleias gerais e
administrar a instituição, como a elaboração de orçamentos, programas anuais e
plurianuais de trabalho, editar normas, resoluções e demais atos necessários ao
funcionamento da instituição.
Os cargos de Diretor Presidente e diretor técnico estão inscritos na
diretoria executiva, com as seguintes atribuições: ao diretor presidente cabe zelar
pelo cumprimento do Estatuto Social da instituição, presidir as assembleias gerais,
conceder entrevistas aos órgãos de comunicação como porta-voz dos interesses do
instituto, coordenar o desempenho político-administrativo e econômico financeiro do
instituto dentre outras responsabilidade83.
83
Vide Estatuto Social do ICC, disponível em seu web site.
88
A Diretoria Técnica, por sua vez, cabe coordenar as atividades técnicas e
operacionais do instituto (serviços administrativo, quadro de pessoal, arquivos e
documentos) e avaliar a participação da instituição em espaços públicos de debates
(fóruns, congressos, etc.).
O Conselho Fiscal é responsável por fiscalizar os atos da administração
da diretoria executiva, emitindo pareceres sobre o desempenho financeiro e contábil.
Ao Conselho Administrativo, destina-se a alteração de propostas com vista à
alteração do estatuto social da organização, deliberar mediante proposta da diretoria
financeira sobre questões relacionadas ao viés econômico-financeiro e políticoadministrativo. Aos auditores cabem realizar a verificação “in loco” das condições de
trabalho nas carvoarias que fornecem carvão vegetal para as empresas associadas
ao ICC.
É importante observar que a coordenadora do Grupo Móvel de
Fiscalização do Ministério do Trabalho à época da assinatura do TAC pelas
siderúrgicas do Maranhão (que regulamenta as relações de trabalho nas carvoarias),
e que participou da elaboração deste, a posteriori, passa a compor o quadro de
funcionários do ICC, torna-se Diretora Técnica e a partir de então, passa a ser uma
referencia importante na condução dos trabalhos iniciais do Instituto:
“[...] aí convidaram pra esse instituto inicialmente a Drª Cláudia Márcia Brito
que era oriunda do Ministério do Trabalho. Ela era auditora do Ministério do
Trabalho. Ela trabalhava exatamente no Grupo Móvel de Fiscalização do
Ministério do Trabalho que tinha uma área de atuação muito grande aqui no
Maranhão. Ele se aposentou e ao se aposentar eles pegaram e contrataram
ela pra fazer esse trabalho” (Entrevista com Ornedson Carneiro, Diretor
Presidente do ICC, em 17 de junho de 2010).
A ex-auditora do Grupo Móvel de Fiscalização e Diretora Técnica do
ICC, Cláudia Brito, fez uma espécie de treinamento com as pessoas que iriam
compor a equipe de auditores de campo, nos moldes requisitados pelo Ministério do
Trabalho: “[...] aí nós demos um treinamento pra eles. Cláudia passou um mês com
esses caras, lá na sala de aula todos os dias. Fazendo teste, levava ao campo, fazia
laboratório de campo, treinava e tudo”(Entrevista com Ornedson Carneiro, diretor do
ICC, 17/06/2010).
89
No período de constituição do ICC, segundo Ornedson Carneiro, havia
uma grande dificuldade para a contratação de técnicos em segurança do trabalho,
em razão da inexistência de oferta de mão de obra qualificada nessa área; motivo
pelo qual resolveram fazer um treinamento em curto prazo84 para que as atividades
do Instituto tivessem início. Além desse treinamento imediato todos os auditores
teriam de fazer o curso de técnico de segurança do trabalho.
Descrevendo o processo de seleção e treinamento dos funcionários que
iriam compor o quadro do ICC, um ex-auditor nos relatou sua experiência nesse
processo:
“[...] entre entrevistas, provas escritas e treinamento eu fiquei entre os
quatro escolhidos. [...] Primeiramente a gente teve de estudar a legislação
trabalhista, pra saber o que era e o que não era. Pra saber o que era certo e
o que era errado. Depois desse estudo da legislação trabalhista, nós
fizemos um estudo de campo com o acompanhamento de nossa
coordenadora que nos levou para conhecer carvoarias modelos (aquelas
que estavam dentro dos padrões exigidos pela legislação trabalhista) e
carvoarias que não tinham um trabalho adequado para fazer um
comparativo, um estudo prático. E a partir disso aí (do laboratório de
campo), depois fizemos um treinamento de como desenvolver as atividades
de um auditor. O que é um auditor, qual o comportamento de um auditor,
como ele deve proceder nas atividades dele, como ele deve abordar as
pessoas para levantar essas informações. Então a gente teve todo esse
acompanhamento, esse treinamento para poder desenvolver as atividades”.
(Entrevista com Bruno de Castro, ex- auditor do ICC, 17/06/2010).
O Instituto Carvão Cidadão quando da sua fundação, no ano de 2004,
possuía oito empresas siderúrgicas associadas, sendo sete localizadas no estado do
Maranhão e uma no Estado do Pará, denominadas de sócias fundadoras85, a saber:
1) Companhia Siderúrgica Vale do Pindaré (COVAP); 2) Siderúrgica do Maranhão
Ltda (COSIMA); 3) Ferro Gusa do Maranhão Ltda (FERGUMAR); 4) Gusa Nordeste
S/A; 5) Maranhão Gusa S/A (MARGUSA); 6) Siderúrgica do Maranhão S/A
(SIMASA); 7) Viena Siderúrgica S/A e, 8) empresa Terra Norte (estado do Pará).
Em 2005 associam-se ao ICC, mais cinco siderúrgicas, todas localizadas
no Estado do Pará, perfazendo um total de 12 (doze) siderúrgicas associadas nesse
ano. Para o ano de 2006, o quantitativo de associados permaneceu o mesmo.
Sendo que cinco siderúrgicas do Polo Carajás ainda não estavam associadas.
84
Quase dois meses, segundo informações obtidas em entrevista com ex-auditor do ICC, Bruno de
Castro): “[...] nós passamos quase dois meses fazendo treinamento assim, pra poder desenvolver as
atividades” (outubro/2007).
85
Consideram-se sócias fundadoras aquelas siderúrgicas que assinaram a Ata de constituição do
Instituto em 19 de Agosto de 2004.
90
A informação mais atual que possuímos, de maio de 2011, estabelece o
quadro de sócios do ICC com 11 (onze) associados, com 7 (sete) localizados no
Estado do Maranhão e quatro no Estado do Pará (Quadro 07).
Nome da Empresa
UF
Adesão ao ICC
Situação Atual
Viena Siderúrgica do Maranhão S/A
MA
Fundadora
Associada
Cia. Vale do Pindaré S/A
MA
Fundadora
Associada
Cia. Siderúrgica do Maranhão S/A
MA
Fundadora
Associada
MA
Fundadora
Associada
Gusa Nordeste S/A
MA
Fundadora
Associada
Ferro Gusa do Maranhão Ltda.
MA
Fundadora
Associada
Maranhão Gusa S/A (MARGUSA)
MA
Fundadora
Associada
Ferro Gusa Carajás S/A (VALE S/A)
PA
Em 2006
Associada
Siderúrgica Marabá S/A (Atual
PA
Em 2005
Associada
PA
Fundadora86
Associada
Cia Siderúrgica do Pará S/A
PA
Em 2005
Não associada
Usina Siderúrgica do Pará S/A
PA
Não associada
Não associada
Siderúrgica do Pará S/A (SIDEPAR)
PA
Em 2005
Associada
Siderúrgica Ibérica Pará S/A
PA
Em 2005
Não associada
Sidenorte Siderurgia Ltda.
PA
Não associada
Não associada
Marabá Gusa Siderúrgica Ltda.
PA
Não associada
Não associada
Da Terra Siderúrgica Ltda.
PA
Em 2007
Não associada
Usina Siderúrgica de Marabá
PA
Em 2005
Não associada
(COSIMA)
Siderúrgica do Maranhão S/A
(SIMASA)
(FERGUMAR)
SINOBRÁS)
Terra Norte Metais (atual Cikel
Siderúrgica)
Quadro 07: Evolução da relação associativa das empresas siderúrgicas do Polo Carajás com o ICC.
Fonte: Levantamento nas Atas do ICC, Instituto Observatório Social (2006) e entrevistas com diretor
presidente do ICC (julho, 2010).
Os dados dispostos no quadro acima evidenciam que sete siderúrgicas
nunca
se
associaram
ao
Instituto,
empresas
estas
que
se
encontram
majoritariamente localizadas no estado do Pará, mostrando uma diferença
importante entre as empresas situadas nesses dois estados.
86
Na reformulação do estatuto do ICC realizada em 2010 a empresa Terra Norte (adquirida pela Cikel
em 2008), não aparece como sócia-fundadora do ICC, contudo, as diversas notícias da criação do
ICC apontam essa empresa como a única siderúrgica do Pará presente na fundação do Instituto.
91
Uma possível explicação para esta constatação relaciona-se ao fato de
que a crítica social atuou com mais força inicialmente sobre as siderúrgicas no
estado do Maranhão (CARNEIRO, 2008) e, pelo fato de que um número importante
de siderúrgicas localizadas no estado do Pará foram implantadas na segunda
metade dos anos 1990.
A situação paraense torna vulnerável o setor siderúrgico, pois, como
destaca o próprio Instituto Carvão Cidadão em documento interno: “no Pará a
resolução dos problemas são mais difíceis” (ATA DE ASSEMBLEIA DO ICC, 26 de
março de 2009), tendo em vista que há muitos produtores marginais (avulsos), ou
seja, que não estão subordinados oficialmente como fornecedores de uma
siderúrgica específica.
Circunstância essa que impossibilita, por exemplo, a aplicação de uma
sanção – desligamento desse fornecedor de uma siderúrgica - no caso da
identificação de situação de trabalho escravo ou de infração trabalhista grave por
parte de um determinado produtor independente de carvão vegetal.
Ponderando a diferença entre os produtores do Maranhão e do Pará,
Adauto (ICC) esclarece que:
“[...] A relação, por exemplo, dos fornecedores de carvão com as
siderúrgicas do Maranhão é diferente, ela é de exclusividade ou muito
próxima disso. O fornecimento aqui no Pará, ele nunca teve o contrato ou
uma única ação de exclusividade, então você tem o produtor de carvão que
fornece para várias siderúrgicas, você tem intermediários, que são pessoas
que apenas comercializam, mas que não possuem elas próprias sua
unidade de produção (ou seja, carvoaria). O que não é bom para o modelo
(de responsabilidade social) e para o trabalho que nós fazemos. Porque
nem sempre esse produtor se posiciona como responsável. Ele acha que o
papel dele é pegar o carvão que já está pronto e trazer para as siderúrgicas.
[...] e isso deixa um hiato”. (Entrevista com Adauto, realizada em 18 de
fevereiro de 2009).
6.4 A crise no setor siderúrgico e suas repercussões para o Instituto Carvão
Cidadão
A crise econômica mundial de 2008/2009 provocou reações importantes
na produção de ferro gusa do Polo Carajás, devido sua dependência do mercado
norte-americano (CARNEIRO; RAMALHO, 2009). Como mostramos no gráfico 1 (ver
capítulo 1) a exportação de ferro gusa passou de 3,5 milhões de toneladas em 2008
para 1,5 milhão em 2010.
92
Como a manutenção do ICC depende da contribuição das empresas
associadas, a redução (ou mesmo o encerramento) das atividades destas acabariam
por produzir algum tipo de repercussão nas atividades do Instituto. Segundo os
dados que obtivemos foram adotadas as seguintes medidas como consequencia da
crise sobre o ICC:
 Redução do quadro de funcionários, o que incorreu na alteração do
organograma;
 Fechamento do escritório de Marabá-PA;
 Reajustamento dos custos operacionais;
 Desligamento de vários produtores de carvão, “considerando a
paralisação e fechamento de várias siderúrgicas” (Ata do ICC, 26/03/09). O que
ocasionou a redução na compra de carvão vegetal.
Antes da crise, o ICC atuava sobre um universo de 1.400 fornecedores de
carvão para as siderúrgicas localizados nos estados do Pará, Maranhão, Piauí e
Tocantins.
Para o ano de 2010 – dados de até 17 de junho de 2010 - como
decorrência da crise, o Instituto conseguiu auditar apenas 402 carvoarias. Constatase, portanto, uma diminuição drástica nas auditorias efetuadas pelo ICC, como
destacou seu diretor-presidente: “Então nós estamos trabalhando com uma equipe
menor, com um universo de trabalhadores também menor [...] essa crise nos
atrapalhou violentamente”. (Ornedson Carneiro, diretor presidente do ICC, julho de
2010).
6.5 O processo de auditoria realizado pelo Instituto Carvão Cidadão
Direcionado ao cumprimento da Carta-Compromisso e do Termo de
Ajustamento de Conduta- TAC, que assinalavam a necessidade de mecanismos que
diagnosticassem as condições de trabalho na cadeia produtiva do carvão vegetal, o
Instituto Carvão Cidadão elabora formulários (questionários) para verificar a situação
dos fornecedores de carvão vegetal das siderúrgicas associadas a ele.
Instrumento este que seria utilizado para averiguar a observância da
legislação trabalhista por parte dos fornecedores de carvão e avaliar o desempenho
da resposta das empresas em relação ao trabalho exercido nas carvoarias.
93
Os questionários utilizados pelo ICC foram construídos tendo por
parâmetro os formulários de verificação utilizados nas ações do Grupo Móvel de
Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego.
É através desse instrumento que os empresários desse segmento
começam a ter uma aproximação, diga-se de passagem, condicionada com a
realidade das carvoarias tão incisivamente denunciadas:
“Então a gente fez um estudo e depois desse estudo (visita as carvoarias)
foi construído um sistema de levantamento de informações de dados (os
questionários) para que a gente pudesse ter uma base de como cada
carvoaria agia. [...] E essas informações elas foram construídas de acordo
com as exigências do Ministério do Trabalho. O que é que o Ministério do
Trabalho exige para aquele tipo de serviço: se tem carteira assinada, se não
tem; qual a idade, se fez exame admissional, se fez exame de saúde. Se
usa EPI, que é equipamento de proteção individual; se tem luva, se tem
capacete, se tem óculos se não tem por quê não tem, se já foi fornecido, se
recebe mas não usa...” (entrevista com Bruno de Castro, ex- auditor do ICC)
São quatro os questionários que são utilizados pelo Instituto Carvão
Cidadão em campo, para apurar a situação das carvoarias que fornecem carvão
vegetal para as empresas filiadas ao ICC (PITOMBEIRA, 2008): Formulário de
apuração do empregador, Formulário de apuração do trabalhador, Formulário de
análise das condições individuais de trabalho (Check-List de EPIs e EPCs) e o
Formulário de identificação das condições da área de vivência (Check-List da Área
de Vivência).
O Formulário de apuração do empregador observa basicamente o
conjunto das
informações
relacionadas com a empresa/fazenda
auditada,
identificando também a(s) siderúrgica(s) para qual se fornece carvão vegetal.
Esse instrumental é subdividido em seis itens: no item um, se faz a
identificação da empresa (como nome, endereço, município, CNPJ), indaga-se se o
fornecedor possui ou não autorização do IBAMA para o exercício de sua atividade
(produção de carvão vegetal). Verifica-se se existem placas que possam identificar a
carvoaria,
assim como
a quantidade de
empregados
e de fornos
(em
funcionamento).
O segundo item relaciona-se à caracterização da siderúrgica para a qual
se fornece o carvão vegetal, tendo em vista que a produção deste é terceirizada.
Detalha-se o nome da siderúrgica, seu CNPJ, endereço, cidade e Estado. Do
terceiro ao último (sexto) item averigua-se à observância dos produtores de carvão
94
as exigências do Termo de Ajuste de Conduta (TAC), ou seja, quanto às condições
de trabalho na carvoaria (como por exemplo, alojamento, instalações sanitárias,
acomodações, água consumida, procedimentos de contratação, dentre outros.
Foto 4: Bebedouros em conformidade com o TAC.
Fonte: ICC, 2011.
No que se refere aos alojamentos, são observadas as características das
paredes (se são de madeira ou cimento liso, se possuem altura mínima de um metro
e meio), do teto (se possuem avaria de pé direito com altura de três metros),
limpeza, ventilação, piso (se é de cerâmica ou cimento e suas respectivas
condições) e a instalação elétrica. A atenção, portanto, está voltada as condições
estruturais/físicas de habitabilidade do trabalhador.
Quanto
às
instalações
sanitárias
(banheiros)
averiguava-se
sua
localização: se fica perto ou longe do local que o trabalhador exerce sua atividade,
se possui porta, as condições de higiene, se há papel higiênico no local, se a
descarga e o chuveiro estão em condições adequadas, se há cesto de lixo.
Foto 5: Banheiro e alojamento em conformidade com o TAC
Fonte: ICC, 2011.
95
Atenta-se também para a qualidade, origem e armazenamento da água
consumida no alojamento. Observa-se se esta é oriunda de poço artesiano, carropipa, poço, cacimbão, riacho ou lagoa. Se o armazenamento é feito em tanque
fechado, aberto ou caixa d’água, se os copos que os trabalhadores utilizam para o
consumo da água são individuais ou não87.
Foto 6: água armazenada e refeitório em desacordo com o TAC
Fonte: ICC, 2011.
Nos locais onde o trabalho é exercido a atenção está voltada para a
existência de locais de para abrigos, materiais de primeiros socorros e a existência
de profissional habilitado para prestar pronto socorro à vítima, assim como o
transporte para o deslocamento dos acidentados.
Em relação ao transporte de trabalhadores aos locais de trabalhadores,
procura-se saber se este é realizado em caminhão, se este possui cobertura (quanto
às intempéries da natureza), se possui bancos e se o deslocamento é realizado com
excesso de passageiros.
Os procedimentos de contratação dos trabalhadores é outro aspecto que
é levado em consideração: apura-se se os exames médicos previstos em lei são
realizados (admissional, periódico e demissional), se menores de dezoito anos são
contratados para serviços insalubres; assim como se pontua a assinatura da
Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), conta do Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço (FGTS), salário88 e conta do Programa de Integração Social
87
No caso da água consumida pelos trabalhadores em seus locais de trabalho, verifica-se se a
mesma é servida nas acomodações, se é armazenada em garrafas térmicas, fornecida pelo
empregador ou comprada pelo trabalhador.
88
Verifica-se se o pagamento e feito através de recibo, holerite ou folha de pagamento.
96
(PIS). Quanto às verbas trabalhistas, se é pago o 13º Salário, horas extras, saláriofamília e adicional noturno.
Nesse formulário há um espaço destinado ao auditor para que ele registre
se observou a existência de animais peçonhentos, locais úmidos ou encharcados e
a existência do caderno de dívidas, cerceamento de liberdade e vigilância armada. A
jornada de trabalho é outro quesito levado em consideração. O empregador informa
a quantidade de trabalhadores por função, que por sua vez são distribuídas nas
seguintes categorias: carbonizador, motoqueiro, batedor de torra, forneiro, motorista,
ajudante de barrelador e cozinheira.
O segundo formulário é o Formulário de apuração do trabalhador. Nesse
instrumental são informados os aspectos referentes ao trabalhador, como nome,
data de nascimento, naturalidade, endereço, filiação, estado civil, posse de
documentos pessoais de identificação (CPF, RG e Certidão de Nascimento),
atividade exercida, remuneração dentre outros aspectos relativos à família do
trabalhador89. Este tem por objetivo coletar informações junto a cada trabalhador,
buscando dados sobre sua identidade, informações sociais (nome, apelido,
identidade, naturalidade, endereço, cidade, bairro, filiação, RG, estado civil, nome do
companheiro (a), identificação da empresa/empregador) para quem ele trabalha.
Questões relacionadas ao associativismo dos trabalhadores e o grau de
satisfação dos trabalhadores em relação ao trabalhado exercido, são indagações
que singularizam esse questionário.
Assim, como no Formulário de apuração do empregador, anteriormente
descrito, retoma-se sobre a existência do caderno de anotação de dívidas,
cerceamento de liberdade e vigilância armada. Atenta-se para “a quantidade de
fornos, de trabalhadores registrados e sem registro, nome dos fornecedores, do
empreiteiro e da empresa siderúrgica” (PITOMBEIRA, 2008, p. 60).
Neste formulário foi criado um critério de classificação que visa identificar
as infrações cometidas pelos fornecedores de carvão, distinguidos como Falta Grave
ou Falta Moderada. O ICC considera como falta grave as situações de cerceamento
de liberdade, vigilância armada, caderneta de dívidas, inadimplemento de encargos
sociais (INSS, FGTS, PIS), inadimplemento salarial e trabalho de crianças e
adolescentes menores de dezoito anos.
89
Informações sobre a quantidade e idade de filhos, freqüência escolar.
97
As faltas moderadas estão associadas aos sub-registros de pagamentos
e a inobservância de exames médicos, recolhimento de FGTS, INSS, 13º salário,
férias, horas extras, salário família, adicionais, primeiros socorros e transporte de
trabalhadores.
O terceiro instrumental é o Formulário de análise das condições
individuais de trabalho. Nele recolhe-se de maneira pormenorizada, as condições de
trabalho em cada função exercida nas carvoarias, atentando-se para a existência e
uso de equipamentos de proteção individual (EPI’s) e também para o desempenho
de funções sem oferecer riscos ao trabalhador em seu ambiente laboral.
O conjunto das informações recolhidas refere-se às exigências da
legislação trabalhista quanto aos equipamentos mínimos necessários para o
desempenho das funções inerentes a produção de carvão vegetal.
Por último temos o Formulário de identificação das condições da área de
vivência. Esse instrumental é identificado como Check-List da área de vivência, e
nele são observadas informações relativas a instalações sanitárias, vestiários,
alojamentos, refeitórios, cozinha, lavanderia e área de descanso.
Como pode ser observado, os quatro instrumentos utilizados nas
auditorias realizadas pelo Instituto Carvão Cidadão estão direcionados a verificação
do cumprimento (ou não) das exigências estabelecidas pelo TAC.
Após a realização das auditorias, as informações coletadas pelos
auditores do ICC são repassadas para um banco de dados que serve para a
geração de relatórios sobre as condições de trabalho dos fornecedores de carvão
que abastecem as siderúrgicas associadas ao Instituto Carvão Cidadão.
“[...] Foi construído um sistema de levantamento de dados, para que a
gente pudesse ter uma base de como cada carvoaria agia (Bruno de Castro, exauditor de campo do ICC)”. Uma vez consolidados esses dados, eles são
repassados as siderúrgicas.
Essas informações também são disponibilizadas na web site do ICC,
atuando como instrumento de accountability e apresentadas nas assembleias
periódicas
realizadas
com os
associados,
disponibilizando-se
também
as
informações aos órgãos do governo e instituições interessadas (Ministério do
Trabalho e Emprego; Ministério Público do Trabalho; OIT, entidades de direito
público e privado etc.).
98
Os resultados das auditorias são apresentados para avaliação dos
associados de forma a apontar as irregularidades encontradas nas unidades de
produção de carvão (carvoarias) e solicitar providências por parte das empresas
associadas ao ICC.
Além dessa função interna o relatório é também apresentado para um
público externo, composto por órgãos do governo (Ministério do Trabalho e
Emprego, Ministério da Justiça, Secretaria Estadual de Direitos Humanos, etc.) e
outras instituições relacionadas com o tema da erradicação do trabalho escravo
(Ministério Público do Trabalho; Organização internacional do Trabalho, Instituto
Observatório Social, Instituto Ethos, ONG Repórter Brasil, etc.).
Esses
resultados
são
apresentados
nas
assembleias
realizadas
regularmente (geralmente anuais) pelo ICC em que participam todos os associados.
Nesses encontros é facultado aos participantes a possibilidade de contestar os
dados apresentados, ou mesmo de criticar o resultado negativo apresentado por
carvoarias vinculada a uma siderúrgica específica. Na assembleia realizada, dia 18
de maio de 2011, foram postas à prova as atitudes de duas empresas associadas ao
ICC, conforme podemos visualizar no extrato abaixo:
“[...] os números apresentados (leia-se resultados obtidos nas auditorias)
geraram discussão e cobrança de atitudes dos associados, notadamente da
FERGUMAR e SIDEPAR, cujos resultados estão muito abaixo das
expectativas, e maculando o conceito do segmento e de sua cadeia
produtiva no cenário nacional e internacional. Os associados presentes
cobraram dos representantes dessas siderúrgicas uma melhor postura e,
adoção de providências em suas empresas para resolver os problemas
gerados na produção de carvão vegetal, considerando que antes da criação
do ICC, foram alvo de inúmeras multas aplicadas pelos órgãos de
fiscalização”. (ATA DA ASSEMBLEIA DO ICC, 18 de maio de 2011).
Ou seja, é nesse momento que o desempenho das empresas siderúrgicas
associadas ao ICC quanto à questão do trabalho escravo é efetivamente avaliado.
Nos relatórios são apresentadas informações sobre as irregularidades encontradas
nas carvoarias que fornecem carvão vegetal (ou seja, informações sobre todas as
atividades relacionadas à cadeia e produção do carvão vegetal) para suas
associadas (siderúrgicas) de modo as denunciar as ações e omissões prejudiciais
aos trabalhadores e ao ambiente de trabalho, preponderantemente aquelas
relacionadas ao Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
99
As siderúrgicas cabem deixar claro no contrato firmado com fornecedores
de carvão que os mesmos autorizem o livre acesso das equipes do ICC aos locais
de trabalho, aos empregados e a todo e quaisquer documento que tenha relação
com a atividade de produção do carvão vegetal. (ATA DA ASSEMBLEIA DO ICC, 18
de maio de 2011).
Podemos dizer, portanto, que o trabalho do Instituto Carvão Cidadão
consiste basicamente em mapear as carvoarias que são fornecedoras de suas
associadas e enviar equipes para verificar se as carvoarias estão em conformidade
com as exigências da legislação trabalhista tal como estas foram expressas no
Termo de Ajustamento de Conduta.
As entidades convidadas a participar das assembleias recebem cópias
dos relatórios das auditorias realizadas e ainda há a disponibilização dos resultados
(inclusive as atas das assembleias) no site da instituição, de forma que quaisquer
interessados possam ter acesso às informações.
Foto 7: Reunião com produtores de carvão vegetal.
Fonte: ICC, 2010.
O convite ao ICC para compor a Comissão Nacional de Erradicação do
Trabalho Escravo (CONATRAE) em 2010 pode ser interpretado como uma
consubstanciação do reconhecimento, por parte do Estado Brasileiro da contribuição
dessa instituição no enfrentamento ao trabalho escravo. Tornando-se uma entidade
legítima para a realização de estudos e iniciativas voltadas a esse fim, assim como
outros agentes que já atuam nesse sentido, a exemplo da CPT, Repórter Brasil, e
OIT.
Tecendo ações voltadas à sua legitimação, o ICC – instituição idealizada
a partir de pressões sociais e financiada pelas próprias siderúrgicas – se constitui
100
como um mecanismo de autocontrole da cadeia de produção dos seus próprios
financiadores. Este preconiza em seu estatuto social que cabe a ele a autonomia de
denunciar as autoridades competentes quaisquer ações que estejam à revelia da
legislação trabalhista, considerando que são as condições de trabalho nas
carvoarias que expuseram as siderúrgicas à crítica social, situação esta que
denegria a imagem do setor siderúrgico como um todo.
Podemos associar como elemento decisivo para o início da construção
da credibilidade dessa instituição a convocação de uma ex-auditora do trabalho,
Claudia Márcia Brito, (do Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho)
para compor o quadro de funcionários do Instituto. A coordenação e o desenho das
atividades (forma e metodologia) que seriam desenvolvidas pelo ICC foram
arquitetados, por essa ex-auditora que já tinha desenvolvido atividades de
fiscalização nas carvoarias e sido relatora de processos administrativos que recaíam
sobre as siderúrgicas.
É através dos resultados obtidos quanto à adequação das carvoarias as
exigências requisitadas na Carta-Compromisso e no Termo de Ajustamento de
Conduta (TAC) que se mensura a eficácia de suas ações, ou seja, sua legitimidade.
Noutros termos, podemos dizer que o Instituto Carvão Cidadão (ICC) faz o
mapeamento das carvoarias que são fornecedoras de suas associadas e realiza
auditorias nessas carvoarias.
É com a divulgação dessas ações (auditorias, desligamento de
fornecedores90) que podemos acompanhar as mudanças ocorridas na realidade das
carvoarias desde o início da atuação do ICC.
Além do trabalho de auditoria, o ICC realiza reuniões periódicas com os
produtores (proprietários das carvoarias) e com os trabalhadores. Nessas reuniões
são feitos esclarecimentos referentes aos direitos trabalhistas, informações quanto à
necessidade/obrigação da utilização dos equipamentos de proteção individual, com
vista a assegurar a saúde e a segurança no ambiente de trabalho, com vistas à
orientação dos mesmos quanto às questões relativas à Carta-Compromisso e TAC.
“[...] Sempre fui convidado para assembleias do ICC, já participei de
algumas, outras não tive condição. Mas sempre sou convidado. Nas
assembleias eles discutem esses problemas que os empresários tem. Eles
apresentam os relatórios que eles tem das auditorias, das irregularidades
90
Supressão do fornecimento de carvão vegetal às siderúrgicas associadas ao ICC em decorrência
do não cumprimentos dos requisitos exigidos na Carta-Compromisso e no TAC
101
que eles verificam. Eles encaminham propostas de solução. Então me
parece que o ICC tem procurado se aproximar e trabalhar em conjunto,
articuladamente com os órgãos públicos (Luís Camargo, Sub-Procurador do
Ministério do Trabalho e ex-Coordenador Nacional do Grupo Móvel de
Fiscalização)”.
Essas atividades figuram, portanto, como uma forma de autocontrole
engendrada pelas siderúrgicas para controlar sua cadeia produtiva, agregando,
desta forma, legitimidade a atuação das mesmas.
6.6 Impasses na atuação do Instituto Carvão Cidadão
O trabalho de auditagem nas carvoarias desenvolvido pelo Instituto
Carvão Cidadão tem adquirido uma ampla repercussão pública, passando a ser
reconhecido pelas entidades que vem atuando no combate ao trabalho escravo na
Amazônia Oriental, como por exemplo, o Ministério do Trabalho e Emprego e a
Organização Internacional do Trabalho.
Apesar do ICC não ter o controle total dos produtores (designados por
produtores marginais ou atravessadores) que vendem o carvão de forma irregular
(sem passar pelo controle de certificação do ICC) para carvoarias regulares, que por
sua vez o repassa para as siderúrgicas. Ou seja, ainda não há o controle total da
origem dos insumos (carvão vegetal) utilizados na cadeia de produção, em
decorrência da figura do atravessador.
Não se sabe se este atravessador emprega crianças ou menores de 18
anos em sua carvoaria, se está em consonância com a legislação trabalhista, se em
sua carvoaria a indícios de trabalho escravo ou superexploração, se observa os
requisitos estabelecidos no TAC e na Carta Compromisso dentre outros fatores.
O controle do carvão marginal, produzido por atravessadores, é uma das
questões que tem dificultado o trabalho do ICC, pois devido à existência deste não
há como se ter o controle total da procedência do carvão vegetal utilizado pelos seus
associados. Logo, não há como assegurar a erradicação do trabalho escravo na
cadeia produtiva das siderúrgicas associadas ao Instituto Carvão Cidadão.
Essa dificuldade é assinalada, principalmente no Estado do Pará, onde o
os atravessadores fornecem para várias siderúrgicas, eles geralmente compram o
carvão de terceiros (de pequenos produtores) e não mantêm nenhuma unidade de
produção (carvoaria). Portanto, não há como realizar auditoria, tendo em vista que
102
ele transita no mercado marginal sem possuir nenhuma referência de localização.
Característica esta que é diferenciada no Maranhão, conforme é explicitado no
extrato abaixo:
“[...] A relação, por exemplo, do fornecedor de carvão e as siderúrgicas no
Maranhão, ela é de exclusividade ou muito próxima disso. O fornecimento
aqui no Pará, ele (o atravessador) nunca teve o contrato ou exclusividade
no fornecimento. Então você tem um produtor de carvão que fornece para
várias siderúrgicas, você tem intermediários que são pessoas que apenas
comercializam, mas não têm elas próprias sua unidade de produção, o que
não é bom para o modelo e o trabalho que fazemos. Porque nem sempre
esse produtor se posiciona como responsável. Ele acha que o papel dele é
ir lá, pegar o carvão que está pronto e repassar” (Entrevista com Adauto,
Coordenador do Escritório do ICC em Marabá-PA).
A relação entre as siderúrgicas no Pará e seus produtores de carvão é
um aspecto singular, situação esta que por vezes, está associada aos conflitos
fundiários, que são recorrentes na região. No Maranhão, o atravessador é quase
inexistente, pois a atuação da fiscalização do Grupo Móvel, teve uma repercussão
mais incisiva. E as siderúrgicas do Maranhão, desde a fundação do ICC, estavam
associadas, o que de certa forma as submeteu a um controle sistemático de
qualidade.
6.7 A ampliação da atuação do Instituto carvão Cidadão: o Programa de
Reinserção de Trabalhadores Resgatados
Com o objetivo de inserir trabalhadores resgatados nas fiscalizações do
Grupo Móvel de Fiscalização, encontrados em situações de trabalho escravo, o
Instituto Carvão Cidadão criou, em 2006, o Projeto de inserção de trabalhadores no
mercado de trabalho.
Esse projeto consiste em cadastrar, capacitar e viabilizar vagas de
emprego, disponibilizadas pelas siderúrgicas aos trabalhadores resgatados (em
diversos ramos de atividade, portanto não necessariamente na atividade de
carvoejamento) pelo Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE).
A partir da lista de trabalhadores resgatados fornecida pelo MTE o
instituto localiza os trabalhadores, verifica se eles possuem documentação pessoal
(RG, CPF, CTPS) e viabiliza a emissão desses documentos, caso necessário. Tendo
em vista, que muitos desses trabalhadores não possuem esta documentação, que é
103
requisito necessário para eles estabelecerem vínculo empregatício com as
siderúrgicas.
Após esse procedimento, o instituto providencia o Curriculum Vitae do
trabalhador e o cadastra no banco de dados do ICC. Na etapa seguinte o Instituto
articula com as siderúrgicas possíveis postos de trabalho (geralmente ajudante
geral, auxiliar de produção, plantio de eucalipto, serviços gerais; dada a baixa
escolaridade que é um aspecto que singulariza o perfil desses trabalhadores),
realizando palestras educativas com vistas a conscientização quanto a importância
da participação dos mesmos no programa.
O projeto de inserção é desenvolvido em parceria com a OIT, o Ministério
do Trabalho e Emprego e a Agência de Cooperação Técnica Alemã (GTZ), esta
última sendo a responsável pela alocação dos recursos para o desenvolvimento do
projeto.
Segundo informações disponibilizadas pelo ICC, entre 2006-2008 o
Projeto conseguiu inserir de 266 trabalhadores resgatados (ICC, 2011), contudo, no
final de 2008, o programa teve suas atividades paralisadas em decorrência da crise
mundial, que afetou expressivamente o setor siderúrgico, ocasionando demissões.
Portanto, esta é uma atividade que tem sido considerada como referência
no combate e enfrentamento ao trabalho escravo. O extrato da entrevista com o
Sub-Procurador do Ministério do Trabalho exemplifica a repercussão do trabalho
realizado pelo ICC:
“[...] Karla: Como o Ministério do Trabalho tem avaliado o trabalho
desenvolvido pelo ICC?
Luís Camargo: Então a mim, me parece que é uma instituição que merece
toda a nossa atenção, na medida em que eles atuam em duas frentes.
A primeira é a frente de dar orientação para o empresário, o que já é bom.
Pelo menos dá orientação para os empresários facilita, porque você fala faz
isso, faça assim, resolva aquilo... Porque isso tá prejudicando o trabalhador.
E Isso é fantástico! Isso é orientação.
E no momento seguinte eles trabalham com os trabalhadores resgatados,
selecionam e encaminham pra postos de emprego. Então é uma instituição
que merece toda a nossa admiração. Eu acredito que é uma Ong que está
desenvolvendo um trabalho de muita relevância” (Luís Camargo de Melo,
91
Sub-Procurador do Ministério do Trabalho) .
91
Luís Camargo também foi durante sete anos (de 2001 a 2008) Coordenador Nacional do Grupo
Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho.
104
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora sejamos testemunhas oculares do processo de desenvolvimento
científico e tecnológico estruturados a partir dos movimentos de modernização social
e econômica gestados desde o século XIX, vivenciamos ainda, em pleno século XXI,
situações classificadas como de trabalho escravo contemporâneo. Sendo estas
apontadas através de relatórios oficiais, produzidos por agências governamentais
nacionais e multinacionais (caso da OIT), e documentos de denúncias, publicados
por diferentes agentes sociais – CPT, Repórter Brasil, Instituto Observatório Social,
etc.
Esses relatórios mostram que parte considerável dessas situações de
trabalho escravo está relacionada com a atuação de empresas de grande porte, que
fornecem produtos para corporações internacionais de grande importância no
mercado internacional. A lógica subjacente à atuação dessas empresas é a da
contratação de mão de obra a baixo custo, para assegurar sua competitividade,
desconsiderando os aspectos relativos aos direitos dos trabalhadores que integram
essa cadeia de exploração. Pode, portanto, ser interpretado como mais uma
estratégia do capitalismo para obtenção do lucro.
Em contraposição a essa estratégia de obtenção de lucro a qualquer
custo temos a atuação de um conjunto importante de agentes sociais na denúncia
das situações de escravidão contemporânea (CPT, CDVDH, IOS, Repórter Brasil,
FOREM), cuja mobilização tem sido crucial para o reconhecimento da existência das
diferentes situações de trabalho escravo e para exigir atuação do governo brasileiro
no cumprimento da legislação trabalhista de forma a garantir as relações e
condições de trabalho estabelecidas nas cadeias produtivas de vários produtos
(cana de açúcar, soja, ferro gusa, pecuária, confecção etc.) produzidos no território
nacional.
Contudo, mesmo que o Estado brasileiro já tenha admitido oficialmente a
existência do trabalho escravo, que tenha estruturado marcos legais (Plano Nacional
para a Erradicação do Trabalho Escravo, Lista Suja, dentre outros) e figurado como
signatário de pactos internacionais, esta é uma prática que ainda persiste, o que
demonstra a vulnerabilidade e a fragilidade das ações empreendidas com vistas a
sua erradicação.
105
Mas não é somente o Estado brasileiro que tem sido alvo da crítica e
produtor de ações para a erradicação do trabalho escravo. Algumas empresas,
atuantes nos segmentos que são alvo das denúncias, também tem procurado
desenvolver iniciativas, de forma a responder as críticas que lhes são dirigidas pelos
agentes anteriormente arrolados.
O caso aqui estudado, da siderurgia localizada na região de Carajás,
mostra como um conjunto específico de empresas pressionadas pela mobilização
realizada contra a existência de trabalho escravo em sua cadeia produtiva foi
forçada a reconhecer esse fato e a tomar medidas para responder a crítica social.
A criação do Instituto Carvão Cidadão (ICC) representa nesse sentido a
preocupação das empresas siderúrgicas de Carajás em produzir uma resposta
efetiva à questão da existência do trabalho escravo em sua cadeia produtiva.
Podemos dizer que o ICC é o porta-voz das experiências dessas empresas na
questão da repressão ao trabalho escravo na produção do carvão vegetal. Fator que
por sua vez, vem sendo reconhecido por entidades importantes como o Ministério do
Trabalho e Emprego, o Instituto Observatório Social, a Secretaria Especial de
Direitos Humanos da Presidência da República e o Centro de Defesa da Vida e dos
Direitos Humanos, e que tem possibilitado interação e diálogo entre o ICC,
movimentos sociais e diversos agentes governamentais.
A criação do ICC é também o reconhecimento de que, até então, as
siderúrgicas não detinham o devido controle sobre sua cadeia de produção,
adquirindo carvão vegetal das mais diversas fontes e sem qualquer preocupação
com o cumprimento da legislação trabalhista.
Com a criação do ICC essas empresas passam a dispor de um sistema
de monitoramento de seus fornecedores, através das auditorias realizadas de forma
sistemática, que identificam o nível de cumprimento da legislação trabalhista nas
carvoarias, o que possibilita a aplicação de sanções contra esses fornecedores.
A mudança de postura desse segmento do empresariado siderúrgico
reflete também uma transformação na mentalidade92 do empresariado quanto à
responsabilidade que estes tinham com relação aos seus fornecedores, afinal
percebeu-se que o problema do trabalho escravo macularia a imagem da empresa,
92
Embora esta mudança não diga respeito a todas as siderúrgicas que compõem o polo Siderúrgico de Carajás.
106
e se desdobraria em consideráveis prejuízos econômicos. Tornando, portanto,
necessário reafirmar sua legitimidade em seu campo de atuação.
Assumir a postura de uma empresa responsável possibilita, por outro
lado, a reconversão da crítica em elementos de seu próprio discurso (condições de
trabalho, alimentação e alojamento dignos) revertendo-se em lucro para as
empresas e para sociedade.
A responsabilidade social desenvolvida no segmento siderúrgico de
Carajás é traduzida em termos de equacionar o trabalho escravo na cadeia de
produção do ferro gusa, portanto, esta relacionada intrinsecamente a esse problema.
Percebemos que é possível criar mecanismos para enfrentar o trabalho
escravo, e a aproximação com os agentes mobilizadores que recebem, acolhem,
ouvem e denunciam casos de superexploração, violação e trabalho escravo, é
imprescindível, pois motiva a adesão e articulação de práticas responsáveis voltadas
a elucidar essa vergonhosa realidade ainda presente.
A divulgação dos relatórios produzidos pelo ICC com informações sobre
as condições de trabalho verificadas nas carvoarias tem sido um importante
instrumento de mensuração do grau de responsabilidade assumido por cada
empresa associada ao instituto e também se configurado em um canal de diálogo
entre a sociedade e as empresas.
No estado do Pará essa relação é mais difícil, porque o controle do
carvão marginal, produzido por atravessadores, é uma das questões que tem
dificultado o trabalho do Instituto. Os atravessadores fornecem para várias
siderúrgicas, eles geralmente compram o carvão de terceiros (de pequenos
produtores) e não mantêm nenhuma unidade de produção (carvoaria). Nesse tipo de
situação a atuação do ICC fica dificultada, pois a realização das auditorias só é
realizada a partir da indicação da lista de fornecedores por parte das siderúrgicas
associadas. Como o atravessador não possuí vínculo firme com nenhuma
siderúrgica ele pode não constar nas listas de carvoarias a serem fiscalizadas.
No Maranhão, o atravessador é quase inexistente, pois a atuação da
fiscalização do Grupo Móvel teve uma repercussão mais decisiva. E as siderúrgicas
do Maranhão, desde a fundação do ICC, estavam associadas, o que de certa forma
as submeteu a um controle sistemático de qualidade.
Portanto, a existência desse agente na cadeia de produção não permite
que o ICC tenha mecanismos para garantir o controle total da procedência do carvão
107
utilizado pelos seus associados. Não há como se ter o controle efetivo (como se tem
demonstrado no Maranhão) da cadeia de produção do carvão vegetal, o que de
certa forma os tornam alvo de críticas mais incisivas.
A relação do ICC com as siderúrgicas localizadas no Pará mostra que
nem todas as empresas incorporaram a questão da erradicação do trabalho escravo
como um componente importante de sua atuação. A não associação da maior parte
das empresas localizadas nesse estado adicionada a existência da figura do
vendedor livre de carvão vegetal (atravessador) mostra que o discurso e a prática da
Responsabilidade Social Empresarial não se estabeleceu de forma homogênea no
conjunto da produção siderúrgica de Carajás.
108
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115
ANEXOS
116
Anexo A - Exigências do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em relação a
atividade de carvoejamento.
Função desempenhada
Exigências do TAC
Capacete de segurança, protetor de ouvido,
protetor facial, luvas, calça de segurança,
Corte de madeira (motoqueiro)
perneira, calçado de segurança (botas),
certificação de aprovação em treinamento
com
motosserra.
Que
a
motosserra
contenha dispositivos de segurança, tais
como, freio manual de corrente, protetor da
mão
direita
e
esquerda
e
trava
de
segurança do acelerador. Ao ajudante de
motoqueiro são requisitados os mesmos
instrumentos utilizados pelo motoqueiro,
com exceção do certificado de aprovação
em treinamento com motosserra.
Transporte da madeira (Batedor de Óculos
Torra)
de
proteção,
capacete
de
segurança, luvas de segurança, perneira e
botas.
Capacete, óculos, luvas, perneira, botas e
Enchimento do forno (forneiro)
respirador purificador de ar93 (para proteção
das vias respiratórias)
Capacete, luvas e calça de segurança;
Retirada do carvão do forno
camisas ou batas (camisa com manga de
(forneiro)
segurança para proteção do braço e
antebraço
contra
materiais
aquecidos,
botas, respirador, purificador de ar.
Carbonização (realizada pelo
Capacete, boné ou chapéu de palha,
carbonizador e/ou barrelador)
calçado
de
segurança
purificador de ar.
93
Máscaras respiratórias.
e
respirador
117
Chapéu, luvas, respirador purificador de ar,
calçado de segurança, escadas adequadas.
Carregamento manual de carvão
(carregador)94.
As escadas utilizadas para o transporte
manual
devem
possuir
guarda-corpo,
fixadores na parte superior, geralmente são
ganchos,
e
degraus
com
pisos
antiderrapantes. O peso carregado não eve
ultrapassar
o
máximo
permitido
(carregamento manual de no máximo 50 kg
(raramente) ou 18 kg (freqüentemente) que
devem incluir suporte de apoio manual95.
Fonte: Formulário de análise das condições individuais de trabalho (ICC, 2010).
94
Carregamento feito para colocação do carvão nos caminhões, conhecidos como ‘caminhões gaiola’
ou ‘gaiola’.
95
Os recipientes onde é depositado o carvão para transporte manual, são conhecidos como ‘balaios’.
Balaio é um cesto trançado de palha que é utilizado para o transporte de carvão vegetal pelos
carregadores.
118
TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA - 01/99
MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 16ª REGIÃO
INQUERITO CIVIL PÚBLICO Nº 01/99
TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA
MARANHÃO GUSA S/A - MARGUSA; COMPANHIA SIDERURGICA DO
MARANHÃO - COSIMA; FERRO GUSA DO MARANHÃO LTDA - FERGUMAR;
COMPANHIA SIDERURGICA VALE DO PINDARÉ; SIDERURGICA DO
MARANHÃO S/A - SIMASA e VIENA SIDERURGICA S/A, firmam pelo presente
instrumento nos autos do Inquérito Civil Público 01/99 COMPROMISSO DE
AJUSTAMENTO DE CONDUTA, nos termos do artigo 5º, § 6º da Lei 7.347/95, e
artigo 9º da Resolução nº 28/97, do Conselho Superior do Ministério Público do
Trabalho, perante o Ministério Público do Trabalho / Procuradoria Regional do
Trabalho da 16ª Região - CONDIN, representada pelo Procurador Eduardo
Varandas Araruna, com participação da SEFIT - SECRETARIA DE FISCALIZAÇÃO
DO TRABALHO, representada por Dra. Claudia Marcia Ribeiro Brito e Dr. Paulo
César Lima e DELEGACIA RETGIONAL DO TRABALHO, representada por Dr
Timóteo Gomes Cantanhede, nos seguintes termos:
CAPITULO I
DOS ESCLARECIMENTOS PROEMINAIS
I.1) Visa o presente termo adequar o trabalho desenvolvido nas carvoarias do
Estado do Maranhão, envolvendo as siderúrgicas signatárias, empreiteiros e
fornecedores, aos preceitos legais vigentes.
I.2) Considera-se empregador originário, para efeitos exclusivos de aplicação dos
dispositivos contidos neste texto, a pessoa física ou jurídica que contrate e dirija
diretamente, de forma habitual e onerosa, o trabalho desenvolvido nas carvoarias
com fins voltados para a produção de carvão. Em regra geral, tal figura equivale ao
fornecedor de carvão vegetal.
I.3) Considera-se beneficiário indireto, para efeitos exclusivos de aplicação dos
dispositivos contidos neste termo, as siderurgicas supra qualificadas que, embora
não dirigindo diretamente os serviços desenvolvidos nas carvoarias, se
beneficiam dos serviços executados, eis que o carvão é elemento essencial à
produção do ferro gusa (atividade-fim das signatárias).
CAPITULO II
DAS DIVERSAS FORMAS DE CONTRAÇÃO
PRODUÇÃO DE CARVÃO EM PROPRIEDADES DAS SIGNATARIAS
II.1) As empresas signatárias poderão, no âmbito de suas propriedades de manejo
florestal e de reflorestamento, arrendar ou dar em comodato parte das mesmas para
exploração da atividade de produção de carvão em favor de pessoas jurídicas que
tenham por objeto social tal atividade, desde que se abstenham de dirigir os
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trabalhadores diretamente, sob pena de sub-rogar-se na condição de empregador
originário.
PRODUÇÃO DE CARVÃO EM TERRAS DE TERCEIROS
II.2) As empresas signatárias poderão adquirir carvão produzido em terras de
terceiros, preservando, consoante exposto no item 1.2 (capitulo I), a condição de
beneficiário indireto, e principal adquirente (comprador) da matéria produzida, desde
que se abstenha de dirigir com pessoalidade a prestação dos serviços, sob pena de
sub-rogar-se na condição de empregadores originários;
CAPITULO III
DAS OBRIGAÇÕES DIRETAS DAS SIGNATARIAS EM RELAÇÃO AOS
TRABALHORES
III.1) As empresas signatárias, na qualidade de beneficiárias indiretas, deverão
custear, seja o carvão produzido em terras próprias ou de terceiros, os
equipamentos necessários ao cumprimento de todas as normas de segurança e
medicina do trabalho e mais especificamente:
a) dotar os estabelecimentos de instalações sanitárias para uso dos
trabalhadores;
b) fornecer água potável em condições higiênicas de armazenamento,
implantando, se necessário, sistema adequado para a filtragem da água;
c) dotar os locais de trabalho de abrigo capaz de proteger os trabalhadores
contra as intempéries;
d) providenciar equipamentos de primeiros socorros (NR7);
e) fornecer escadas engatáveis de material resistente, com corrimões laterais e
pisos antiderrapantes de modo a minorar os riscos de acidente nas operações
de carga dos veículos;
f) Fornecer equipamento de proteção individual adequado contra gases e
inalação de resíduos sólidos, de forma gratuita, obrigando os empregadores
originários a diligenciar pelo seu uso correto e mais especificamente, quanto
aos seguintes trabalhadores:
MOTOQUEIROS (operadores de motosserra)
f.1) Motosserras deverão conter todos os dispositivos de segurança necessários, tais
como pino de trava, protetor da mão direita e protetor da mão esquerda;
f.2) Treinamento dos motoqueiros para operar as referidas maquinas, propiciandolhes capacete, protetor auricular, óculos de segurança, luvas e botas (NR 12, anexo
I)
BATEDORES DE TORA - CARREGADORES DE LENHA (trabalhadores que
transportam a madeira)
f.3) Os batedores de tora (carregadores de lenha) deverão estar munidos de luvas e
botas (NB 06/21) e capacetes (estes quando cabíveis).
FORNEIROS E CARBONIZADORES (trabalhadores que lidam com a queima da
madeira)
f.4) Os forneiros e carbonizadores devem utilizar botas, luvas, calça de lona de
algodão antichamas e máscaras contra gases (RR 6);
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Parágrafo único (alínea f): a enumeração dos EPI´s neste item não é numerus
clausus, (tendo mero efeito exemplicativo).
CAPITULO IV
DAS OBRIGAÇÕES DIRETAS DA SIGNATARIAS PARA COM OS
EMPREGADORES ORIGINÁRIOS (FORNECEDORES DE CARVÃO)
IV.1) As signatárias implantarão no âmbito administrativo de suas entidades
empresariais, de acordo com a sua conveniência e critérios, meios para fiscalizar a
atividade dos empregadores originários (fornecedores de carvão) a fim de garantir o
cumprimento das regras contidas no item IV.2 deste capitulo.
IV.2) As signatárias deverão exigir dos empregadores originários (fornecedores de
carvão), através de clausula contratual escrita, o cumprimento das seguintes
obrigações:
a) Transporte para os trabalhadores em veículos seguros e sem excesso de
passageiros;
b) Organização de serviço especializado em engenharia de segurança e
medicina do trabalho, quando cabíveis e realização de exames médicos
admissionais, periódicos e demissionais (artigo 168, I, II e III da CLT, NR 07 do
MTb e Portaria 18 SSST/MTb/96);
c) Abstenção de contração de menores de 16 (dezesseis) anos em quaisquer
circunstancias, e menores de 18 (dezoito) anos para serviços insalubres;
d) Anotação da CTPS de todos os empregados, sem exceção, na forma da
legislação em vigor;
e) Concessão de intervalo mínimo de 11 horas entre uma jornada e outra
(artigo 66 da CLT), inclusive quanto ao carbonizador;
f) Concessão de repouso semanal remunerado (art. 67, caput da CLT);
g) Abstenção no sentido de exigir trabalho aos domingos e feriados legais,
exceto quando autorizados pela autoridade competente (art 60, caput da CLT),
inclusive quanto ao carbonizador;
h) Não prorrogação da jornada além dos limites e na forma estabelecida pela
CLT (art. 59 caput da CLT), inclusive quanto ao carbonizador;
i) Fornecimento de recibos de pagamento para os trabalhadores, com
descrição separada de cada verba percebida;
j) Pagamento nos termos da legislação em vigor, de todas as verbas
trabalhistas, mais especificamente salários não inferior ao mínimo, gratificações
natalinas, férias, FGTS, horas extras (quando extrapolada a jornada) e
adicional noturno;
k) Realização de perícia técnica para avaliação ambiental a fim de aferir se os
trabalhadores estão em contato com gases tóxicos, bem como a perfeita
identificação desses elementos, de forma que se possa precisar os tipos de
máscaras a serem utilizados. A perícia deverá ser acompanhada por técnico do
Ministério do Trabalho e Emprego, durante a coleta de dados, com a emissão
de laudo técnico, ao final, e respectiva memória de cálculo;
l) Fornecimento de copos individuais para a ingestão de água.
PARAGRÁFO PRIMEIRO: O não cumprimento, por um lapso máximo de três meses
(mora contumaz) das obrigações enumeradas neste capitulo por parte dos
empregadores originários, compelirá as signatárias a distratarem imediatamente
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todos os negócios jurídicos (compra-e-venda de carvão e/ou arrendamento)
mantidos com os fornecedores / produtores de carvão.
PARAGRAFO SEGUNDO: Se, a qualquer época, as produtoras de carvão
comprovarem que sanaram as irregularidades antes encontradas, as siderúrgicas
poderão voltar a adquirir o produto das mesmas, mediante autorização do Ministério
Público do Trabalho em requerimento escrito, acompanhado das provas
necessárias, sem que as mesmas sofram qualquer penalidade, desde que atendido
integralmente o teor do parágrafo anterior.
PARAGRÁFO TERCEIRO: O Ministério Público do Trabalho terá o prazo de até 30
duas para despachar fundamentadamente o requerimento a que se refere o
parágrafo anterior, podendo o mesmo requisitar inspeção in loco ao Ministério do
Trabalho e Emprego. Excepcionalmente, o prazo poderá ser prorrogado por mais
trinta dias, desde que por ato fundamentado do Parquet, respaldado em caso fortuito
ou força maior.
PARÁGRAFO QUARTO: Transcorrido o prazo a que se refere o § 3º, a ausência de
manifestação do Ministério Público implicará em autorização tácita para a
recontratação.
CAPITULO V
DAS OBRIGAÇÕES SUBSIDIÁRIAS DAS SIGNATARIAS PARA COM OS
TRABALHADORES
V.1) A mora dos empregadores originários (desde que fornecedores exclusivos), no
pagamento das verbas salariais por mais de 30 (trinta) dias, a contar da data legal
do vencimento da obrigação, unicamente quanto a salários e 13º salários, acarretará
a assunção dos custos pelas signatárias de modo a assegurar a satisfação direta
dos referidos títulos aos trabalhadores lesados, sem que isso implique em
formação do vinculo empregatício para com as mesmas, podendo tais valores
serem compensados das quantias a que façam jus os fornecedores, no tocante aos
contratos de compra-e-venda de carvão ou quaisquer outros negócios jurídicos
correlatos.
PARÁGRAFO ÚNICO: A responsabilidade subsidiária se limitará aos créditos
trabalhistas relativos ao período em que as siderurgicas mantiverem efetivamente
enlace contratual (expresso ou tácito) para com os fornecedores / produtores de
carvão (empregadores originários).
CAPITULO VI
DAS OBRIGAÇÕES DAS SIGNATARIAS PERANTE O MINISTERIO PUBLICO DO
TRABALHO E O MINISTERIO DO TRABALHO E EMPREGO
VI.1) As signatárias ficam obrigadas, quando requisitado pelo Ministério Público, a
notificiar analiticamente a situação dos trabalhadores perante os empregadores
originários.
VI.2) As siderurgicas signatárias encaminharão no prazo de 08 dias, quando
solicitado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (Coordenadoria do Grupo de
Fiscalização Móvel - SEFIT), a relação dos produtores e / ou fornecedores de carvão
vegetal com quem negociem, discriminando firma individual ou razão social,
endereço, C.G.C., e a localização das carvoarias.
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CAPITULO VII
DA COMISSÃO DE MELHORIAS
VII.1) As signatárias elegerão 02 representantes para, em conjunto com 02
Auditores Fiscais do Ministério do Trabalho, formarem, dentro do prazo máximo de
30 dias, a contar da data de subscrição deste termo, uma comissão para analisar as
possibilidades de melhorias quanto à questão da saúde e segurança do trabalho,
devendo tal comissão apresentar laudo conclusivo nos 150 dias subseqüentes.
PARÁGRAFO PRIMEIRO: A comissão em epígrafe será presidida por um
representante do Ministério do Trabalho o qual convocará seus pares para a
formação do colegiado através da ASICA - Associação das Siderurgicas do Carajás,
sediada na Rua Viçosa, nº 43, sala 903, Santo Antonio - Belo Horizonte / MG.
PARÁGRAFO SEGUNDO: Se ficar provado que o laudo não foi apresentado dentro
do prazo legal, por culpa ou dolo das signatárias, sujeitar-se-ão as mesmas à multa
de 50 UFIR´s por dia de atraso, face a cada empresa.
PARÁGRAFO TERCEIRO: O laudo deverá conter descrição analítica do contexto
vivenciado pelos trabalhadores, bem como solução conclusiva dos eventuais
problemas existentes com propostas de medidas concretas a serem tomadas.
PARÁGRAFO QUARTO: A critério da comissão, os empregados das carvoarias
poderão ser chamados para participarem dos trabalhos.
PARÁGRAFO QUINTO: As decisões do colegiado serão tomadas por voto direto dos
seus integrantes, devendo o relator ser eleito entre os mesmos.
PARÁGRAFO SEXTO: Havendo empate na deliberação, o Ministério Público será
chamado para proferir o voto de minerva.
PARÁGRAFO SÉTIMO: O laudo será apresentado ao membro do Ministério Público
para homologação, quando, a partir de então, serão executadas as medidas
preconizadas no referido termo.
PARAGRAFO OITAVO: A comissão, mediante pedido fundamentado e legitimado
pela maioria absoluta de seus membros, poderá requerer ao Ministério Público
alteração, adição ou supressão de alguma das obrigações enumeradas no capitulo
IV, mormente no que concerne ao item IV.2 - alínea "b".
PARÁGRAFO NONO: O inicio da execução das medidas a que se refere o parágrafo
terceiro deste Capitulo dependerá da intimação formal oriunda do Ministério Público.
CAPITULO VIII
DAS MULTAS POR DESCUMPRIMENTO DO PRESENTE TERMO
VIII.1) O descumprimento de algum dos itens inseridos do Capitulo III deste termo
acarretará a empresa inadimplente com a obrigação a multa de 10.000 (dez mil)
UFIR´s, por cada dispositivo não cumprido.
PARÁGRAFO ÚNICO: O Ministério Público do Trabalho poderá, se entender
necessário, notificar a empresa para cumprir a obrigação em prazo determinado,
antes da cobrança judicial.
VIII.2) O descumprimento das obrigações disciplinados no Capitulo IV acarretará à
siderúrgica infratora a multa de 1.000 UFIR`s por item descumprido e 100 UFIR´s ,
por trabalhador(es) encontrado(s) em situação irregular.
VIII.3) O descumprimento das obrigações disciplinadas no Capitulo V acarretará à
siderúrgica infratora a multa de 250 UFIR´s por trabalhador encontrado na situação
prevista no item V.1 do mesmo capítulo.
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VIII.4) O descumprimento das obrigações disciplinadas no Capítulo VI acarretará à
siderúrgica infratora a multa de 1.000 UFIR´s por inobservado.
CAPITULO IX
DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
IX.1) O pagamento das multas previstas no artigo anterior não desobriga as
signatárias ao cumprimento das obrigações preconizadas pelos Capítulos III, IV e V
deste termo.
IX.2) O presente termo de compromisso, no tocante às relações trabalhistas, não
substitui, modifica ou restringe convenções coletivas e / ou acordos coletivos de
trabalho firmados entre entidades sindicais profissionais e as entidades sindicais
patronais intervenientes e empresas signatárias, nem suprime qualquer direito
complementar previsto na CLT, sendo o mesmo simples reprodução do que está
contido na legislação. As multas contidas no presente ajuste não substituem as
multas administrativas porventura aplicadas pela fiscalização do trabalho, e serão
cobradas independentemente daquelas previstas na legislação.
IX.3) O presente compromisso é por prazo indeterminado, ficando assegurado
direito de revisão das cláusulas e condições, em qualquer tempo, através de
requerimento ao Ministério Publico do Trabalho.
IX.4) O prazo para adequação às normas trabalhistas e condições ora firmadas são
de 180 (cento e oitenta) dias, contados da assinatura deste ato, devendo o inicio das
providencias, para a implementação das novas condições, ocorrer imediatamente.
IX.5) Fica revogado, a partir da subscrição do presente termo, o TERMO DE
AJUSTE DE CONDUTA firmado em 29 de setembro de 1998, nos autos dos
inquéritos civis públicos n.ºs 09/97 e 10/97, exclusivamente quanto às signatárias
deste documento.
São Luis, 07 de outubro de 1999
_______________________________
EDUARDO VARANDAS ARARUNA
Procurador do Trabalho
_______________________________
CLAUDIA MARCIA RIBEIRO BRITO
Coord. Grupo de Fiscalização M.T.E. (Região 04)
_______________________________
PAULO CESAR LIMA
Auditor Fiscal do Trabalho
________________________________
TIMOTÉO GOMES CANTANHEDE
Auditor Fiscal do Trabalho - DRT / MA
124
________________________________
LEONIDIO PONTES FONSECA
Diretor e representante da MARGUSA
________________________________
VAGNER ANTONIO BRUGNARA
Advogado e representante da FERGUMAR
_________________________________
AFONSO AGENOR ALBUQUERQUE OLIVEIRA
Representante da COSIMA
_________________________________
MATEUS DE OLIVEIRA MENEZES
Superintendente da COSIMA
_______________________________
JOSE OTÁVIO PATRICIO CARVALHO
Advogado da COSIMA, PINDARÉ e SIMASA
________________________________
ANDRE DE OLIVEIRA CANCIO
Diretor da PINDARÉ e SIMASA
_________________________________
NACIB HETTI
Representante da VIENA e da ASICA

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