Reflexões sobre Depreciar ou Amortizar. Eis a Questão!

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Reflexões sobre Depreciar ou Amortizar. Eis a Questão!
Reflexões sobre Depreciar ou Amortizar. Eis a
Questão!
DUTRA, Adauto. “Reflexões sobre Depreciar ou Amortizar. Eis a Questão!”. Agência
CanalEnergia. Rio de Janeiro, 27 de outubro de 2015.
Não é estranho dizer que as regras que norteiam a contabilidade do setor elétrico por
vezes geram dúvidas para os operadores da contabilidade regulatória. De fato, é um
campo novo quando comparado com a contabilidade societária, esta regulada e
discutida de longa data por contadores, auditores e órgãos reguladores (CFC,
IBRACON, CVM etc).
A questão que abordo nestes breves comentários é conhecida do setor elétrico, mas
ainda não foi de todo absorvida pelas empresas do setor, notadamente os
Produtores Independentes, onde se incluem as Pequenas Centrais Hidrelétricas PCH´s. Vamos tratar aqui da questão que envolve a depreciação ou amortização dos
bens destas geradoras de energia.
Por óbvio, nossa intenção não é exaurir o assunto neste texto, mas contribuir para
uma reflexão importante sobre o tema, dado que a peculiaridade de cada situação
poderia nos obrigar a adaptações.
De acordo com o Manual de Contabilidade do Setor Elétrico, as imobilizações
tangíveis serão depreciadas por meio de quota de depreciação, enquanto que as
intangíveis serão amortizadas por intermédio de quota de amortização.
A partir deste ponto temos a primeira encruzilhada, qual seja: a de definir o que
temos pela frente, depreciar ou amortizar?
Pois bem, antes de decidir por qual caminho seguir, façamos uma rápida digressão
no tema depreciação no Setor Elétrico.
Inicialmente, a depreciação das imobilizações no Setor Elétrico era regulada por
normas exaradas pelo extinto Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica –
DNAEE, sendo que a Secretaria da Receita Federal também havia se manifestado
sobre o assunto através do Parecer Normativo (PN) CST nº 153 de 3 de Dezembro
de 1975, sendo este, ressalte-se, um referencial importante para se conhecer o
entendimento da Receita em relação a quais bens se submeteriam aos ditames do
DNAEE e quais não.
Portanto, naquele PN o Fisco determinou que a aplicação do disposto no Decreto nº
54.937/64, o qual vinculava a depreciação dos bens à aplicação de tabelas gerais de
depreciação elaboradas segundo critérios técnicos justificáveis, aprovadas pelo
Diretor da Divisão de Águas do Departamento Nacional da Produção Mineral, se
daria para as empresas organizadas exclusivamente para explorar serviços de
produção, transmissão ou distribuição de energia elétrica e que funcionassem sob o
regime de concessão, outorgado nos termos do Decreto nº 41.019, de 26.02.57, e
alterações posteriores.
Quando se tratasse de empresas com mais de uma atividade, sobre os bens
integrantes de seu complexo de produção, transmissão e distribuição de energia
elétrica, aplicar-se-ia os dispositivos do Decreto nº 54.937/64, desde que esta
atividade estivesse sob o regime de concessão. Os bens utilizados em outros
setores de atividade teriam suas quotas de depreciação calculadas de acordo com
normas consolidadas no Regulamento do Imposto de Renda (RIR).
Por fim, as empresas industriais que produzissem energia elétrica para consumo
próprio e que fornecessem, a título precário, mediante autorização, parcela dessa
energia a terceiros, calculariam as quotas de depreciação relativas aos bens
componentes de sua fonte produtora utilizando as mesmas normas do RIR,
aplicáveis aos demais bens integrantes de suas instalações industriais.
Em poucas palavras, o Fisco determinou que para efeito de cálculo da depreciação,
as empresas que funcionassem sob o regime de concessão se submeteriam a
aplicação do disposto no Decreto nº 54.937/64. Por outro lado, as que produzissem
energia elétrica para consumo próprio, possuidoras de autorização, vale dizer, os
autoprodutores de energia, deveriam adotar as taxas de depreciação consolidadas
no Regulamento do Imposto de Renda (RIR).
Mais tarde, com a criação da Aneel, após a publicação das normatizações
estabelecendo mudanças nas taxas anuais de depreciação para as concessionárias
e permissionárias de serviço público de energia elétrica, terminou-se por instituir o
Plano de Contas para o Setor Elétrico através da Resolução nº 444, de 26 de
outubro de 2001, cuja inclusão destas mudanças no Manual de Contabilidade se deu
através da Resolução nº 668, de 26 de dezembro de 2001, para entrada em vigor a
partir de 1º de janeiro de 2002.
Ao instituir o Manual de Contabilidade do Serviço Público de Energia Elétrica –
MCSPE, a Agência determinou ser obrigatória a sua utilização, pelas
concessionárias e permissionárias do serviço público de energia elétrica, mas deixou
a opção de utilização para os produtores independentes e autorizados. Em seguida,
através
da
Resolução
nº
605,
de
11
de
março
de
2014, a Aneel passou também a exigir dos produtores independentes, a utilização do
MCSPE, sem fazer menção ao autoprodutor, que, portanto, ficaria fora do alcance do
MCSPE.
Assim, no que tange ao tratamento a ser observado pelos produtores independentes
com bens reversíveis, sem previsão de indenização, o Manual de Contabilidade do
Serviço Público de Energia Elétrica – MCSPE, para o ano de 2015, determina no
item “6.3.8 Depreciação e amortização”:
“2. (...) Os produtores independentes com bens reversíveis, porém sem
previsão de indenização desses bens no referido Ato de Outorga, devem
amortizar esses bens pelo prazo da concessão/autorização.
3. A quota de amortização das imobilizações intangíveis será estabelecida em
função do prazo de duração do benefício propiciado pelo direito, o qual deve
ser devidamente suportado."
Um outro aspecto a considerar é o conceito dado pela legislação comercial,
notadamente, item IV, do artigo 179 da Lei nº 6.404/76, com as alterações
introduzidas pela Lei 11.638/07, para o Ativo Imobilizado e que estabelece como
sendo:
“Os direitos que tenham por objeto bens corpóreos destinados à manutenção
das atividades da companhia ou da empresa ou exercidos com essa
finalidade, inclusive os decorrentes de operações que transfiram à companhia
os benefícios, riscos e controle desses bens.”
Portanto, nos temos da legislação comercial, mesmo os bens que juridicamente não
pertençam à Companhia, mas que são destinados à manutenção das atividades, são
registrados no Ativo Imobilizado, é o que se abstrai também da interpretação de
Ativo Imobilizado dada pelo Manual de Contabilidade Societárias, da Fundação
Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras, FEA/USP:
“Uma entidade que exerça controle sobre determinado Ativo Imobilizado e que
também usufrua dos benefícios e assuma os riscos proporcionados por ele em
suas operações, deverá reconhecê-lo em seu balanço, mesmo não detendo
sua propriedade jurídica. Numa situação como a descrita, a propriedade
jurídica é apenas um detalhe, pois não é condição necessária que um ativo
pertença a entidade que o controla para que esta possa gozar dos benefícios
econômicos decorrentes de seu emprego em suas atividades ordinárias.”
Desta forma, tomando-se por base o MCSPE conjugado com a Lei nº 6.404/76,
podemos entender que os registros dos bens de geração deveriam ser classificados
no Ativo Imobilizado.
Dito isto, passamos ao ponto central destas considerações, qual seja: a de analisar a
obrigatoriedade dos agentes com outorgas de geração de depreciar ou amortizar os
bens em operação.
Conforme dito acima, as taxas anuais de depreciação dos bens vinculados ao Setor
Elétrico estabelecidas no MCPSE deverão ser adotadas pelas concessionárias e
permissionárias do serviço público de geração, transmissão e distribuição.
A questão da depreciação, neste caso, estaria vinculada ao fato de que ao final da
concessão, os bens ainda não totalmente depreciados seriam indenizados pelo
Poder Concedente, dado que não teriam sido recuperados via receita de venda de
energia, no decorrer do período da concessão.
Ocorre que os produtores independentes com bens reversíveis, sem previsão de
indenização desses bens no referido Ato de Outorga, caso depreciem e cheguem ao
final do prazo da concessão com bens ainda por depreciar, ficariam sem a
indenização desta parcela não depreciada e, por consequência, a recuperação do
valor investido.
Por este prisma, entende-se que os bens de geração independente de energia
elétrica em aproveitamento hidráulico previstos no projeto original, por se reverterem
ao Poder Concedente no final do prazo da concessão, deveriam ser amortizados
pelo prazo da concessão ou autorização e não depreciados.
Tal determinação encontra-se em linha com o Decreto nº 2003/96, no sentido de que
no final do prazo da concessão ou autorização, os bens e instalações realizados
para a geração independente de energia elétrica em aproveitamento hidráulico
passarão a integrar o patrimônio da União, mediante indenização dos investimentos
ainda não amortizados.
De acordo com o mesmo Decreto, seriam indenizáveis os valores dos investimentos
posteriores, aprovados e realizados, não previstos no projeto original, deduzido da
depreciação apurada por auditoria do Poder Concedente.
Veja que neste caso, passaríamos a ter duas situações distintas. A primeira referente
aos bens aprovados no projeto original, onde falamos de amortização. A segunda,
para os investimentos posteriores, aprovados e realizados, onde tratamos de
depreciação.
De acordo com as taxas de depreciação determinadas pela Aneel, verifica-se que a
depreciação para alguns bens supera o período de 30 anos, o que quer dizer que
nas situações em que a concessão não preveja a indenização e cesse ao fim do
período de 30 anos, os saldos não depreciados destes bens, existentes na
contabilidade, deveriam ser baixados. A adoção deste procedimento, ou seja, baixar
o saldo contábil de um bem no final do prazo de concessão terminaria por ajustar
algo que deveria ter sido feito durante a concessão na forma de amortização.
Teríamos assim dois efeitos indesejáveis, o primeiro resultante da possibilidade da
apresentação de uma demonstração financeira inadequada e o segundo de deixar
de aproveitar, para as empresas tributadas pelo Lucro Real, uma despesa dedutível
para fins de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL no decorrer da concessão e
concentrá-la no final do contrato.
Desta forma, faz-se mister criar controles acurados para fins de determinação de um
e outro, ou seja, dos saldos a amortizar e a depreciar, dado que no primeiro caso
não haverá indenização e no segundo sim.
Por fim, é fato que a adoção de um ou outro critério terá efeito direto na apuração
dos impostos, principalmente para as geradoras tributadas pela sistemática do Lucro
Real, dado que a maior ou menor despesa de depreciação/amortização produz
reflexo direto nas apurações do IRPJ, CSLL, PIS e da COFINS. Noutro sentido, do
ponto de vista societário, o efeito se dará sobre os lucros produzidos pelas
geradoras, o que também torna esta discussão importante para o setor, pois impacta
diretamente as demonstrações financeiras das geradoras e a distribuição de lucros e
dividendos para os sócios / acionistas.
Adauto Dutra é consultor e sócio da Assertivas – Outsourcing para o Setor
Elétrico.