Fazer - Programa de Pós

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Fazer - Programa de Pós
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
PATRÍCIA DE SALES BELO
SOCIEDADES DE ECONOMIA NATURAL NA AMAZONIA: uma reflexão
crítica
BELÉM
2012
PATRÍCIA DE SALES BELO
SOCIEDADES DE ECONOMIA NATURAL NA AMAZONIA: uma reflexão
crítica
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Serviço Social do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da
Universidade Federal do Pará, como requisito para a obtenção do
grau de Mestre em Serviço Social.
Área de concentração: Trabalho, Estado e Sociedade
Orientador: Profª. Drª. Nádia Socorro Fialho Nascimento.
BELÉM
Fev/2012
PATRÍCIA DE SALES BELO
SOCIEDADES DE ECONOMIA NATURAL NA AMAZONIA: uma
reflexão crítica
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Serviço Social do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da
Universidade Federal do Pará, como requisito para a obtenção
do grau de Mestre em Serviço Social.
Área de concentração: Trabalho, Estado e Sociedade
Orientador: Profª. Drª. Nádia do Socorro Fialho Nascimento.
Data de aprovação: 29/08/2011
Conceito: _____________________
Banca Examinadora:
Profª.
Drª
Nádia
Socorro
Fialho
Nascimento
Orientador ________________________________________
Profª Drª. Maria Elvira Rocha Sá- Examinador Interno
Universidade Federal do Pará
Examinador Interno __________________________________
Membro: Profº Dr. Gilberto de Souza Marques
Universidade Federal do Pará
Examinador externo __________________________________
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Biblioteca Central/UFPA, Belém-PA
Belo, Patrícia de Sales, 1983Sociedade de economia natural na Amazônia: uma reflexão crítica
/ Patrícia de Sales Belo; orientadora, Nádia Socorro Fialho
Nascimento. — 2012
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Instituto
de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em
Serviço Social, Belém, 2011.
1. Capital (Economia). 2. Comunidades agrícolas – Juruti (PA). 3.
Populações tradicionais. 4. Economia extrativista. I. Título.
CDD - 22. ed. 335.412
Dedico este trabalho a minha mãe, irmã e
ao meu amor, fortalezas de onde busquei
forças para superar o momento mais difícil
de toda a minha vida até aqui,
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a Deus, por tudo o que obtive até hoje, fortaleza
que me guia. À minha mãe, Maria José de Sales Belo que desde cedo lutou por
mim, passando por adversidades que só nós sabemos, mas que se manteve forte e
nunca deixou de me ofertar amor e carinho. Exemplo de força, dedicação por suas
filhas. Obrigada por tudo minha querida mãe. Amo você.
À minha irmã Vanessa de Sales Belo por seu carinho, apoio e pelos
momentos que passamos juntas em toda a nossa trajetória. Por ser tão alegre e
espirituosa e me fazer rir quando precisei, por estar sempre ao meu lado em todos
os momentos.
Ao meu companheiro, amor e amigo André Miguel Pena Bahia, que esteve ao
meu lado durante esta caminhada, que soube me entender e apoiar integralmente,
sendo paciente e compreensivo quando não pude estar diretamente ao seu lado e
oferecendo-me todo o seu amor e companheirismo nas horas mais difíceis. Obrigada
por ter acreditado em mim.
A minha querida professora e orientadora Profª Drª Nádia Socorro Fialho
Nascimento por me fazer achar o caminho certo, pela atenção, orientação e
paciência em tantos telefonemas e dúvidas e pela grande contribuição na minha vida
acadêmica com seus ensinamentos, dedicação e paciência com os erros desta
aprendiz aspirante ao título de Mestre. Minha eterna gratidão.
Ao querido Profº. Drº Aluisio Lins Leal, com quem tive a honra de construir
muitos dos raciocínios aqui expostos. Não me atrevo a mensurar sua contribuição
para este trabalho. Muito obrigada pelas inquietações que me trouxe e pelo imenso
conhecimento compartilhado com esta aluna.
À minha amiga e parceira de muitos anos Roselídia Farias, pelas várias
conversas e debates que tivemos, pelo incentivo nos momentos de crise, pela sua
alegria contagiante e amizade inestimável em todos os momentos. A você meu
carinho e respeito, por estar sempre ao meu lado.
A lutadora comunidade de Juruti Velho, em especial, ao Presidente da
ACORJUVE senhor Gerdeonor Pereira que me recebeu com muita atenção e
contribuiu de forma expressiva para este trabalho. E para todos aqueles que
contribuíram direta ou indiretamente para a concretização deste trabalho, o meu
muito obrigada.
Um mercado reúne uma série de comunidades
que estão espalhadas em torno de maneira
periférica, como os planetas do sistema solar ao
redor
do
sol
(Erick
Wolf,
Sociedades
Camponesas).
SUMÁRIO
I-INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 9
CAPÍTULO II – TRABALHO E NATUREZA NA ECONOMIA POLÍTICA CRÍTICA . 14
2.1 A CONCEPÇÃO DA CATEGORIA TRABALHO ......................................... 14
2.2 ROSA LUXEMBURGO E A SOCIEDADE DE ECONOMIA NATURAL ...... .21
2.2.1 O Processo De Acumulação Primitiva .................................................... .21
2.3 LEI GERAL DA ACUMULAÇÃO CAPITALISTA ....................................... ..28
CAPITULO III- GRANDES PROJETOS E SOCIEDADE DE ECONOMIA NATURAL
NA AMAZÔNIA ...................................................................................................... .37
3.1 IMPERIALISMO E INTERNACIONALIZAÇÃO DO CAPITAL ..................... 35
3.2 GRANDES PROJETOS E EXPANSÃO CAPITALISTA .............................. 45
3.3 SOCIEDADES DE ECONOMIA NATURAL NA AMAZÔNIA ....................... 54
CAPITULO IV- AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS NO MUNICIPIO DE JURUTI
VELHO/PA E A MINERAÇÃO ALCOA .................................................................. 60
4.1 CARACTERIZAÇÃO DO EMPREENDIMENTO ......................................... 60
4.2 CARACTERIZAÇÃO DO MUNICIPIO DE JURUTI ..................................... 66
4.2.1 Breve Histórico Da Formação Do Município De Juruti ............................ 66
5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 86
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 89
APÊNDICES ............................................................................................................ 93
ANEXOS .................................................................................................................. 99
RESUMO
Este trabalho objetiva analisar de forma critica a noção de comunidades tradicionais
da região de Juruti Velho, Juruti, no âmbito de Projeto Agroextrativista (PAE)
conduzido pela Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA), em Santarém. apresentando como marco teórico a
definição de sociedade de economia natural e superpopulação relativa. Para a
elaboração desta pesquisa utilizou-se entrevistas,
análises documentais e
bibliográficas. Concluiu-se que estas comunidades atingidas pelo projeto são, em
muitos casos, expulsos de seu território e migram para as cidades em busca de
melhores condições e trabalho contribuindo para o aumento do exército de reserva
do capital e para a dissolução de seu aspecto tradicional.
Palavras Chaves: Acumulação Capitalista; Superpopulação Relativa; Sociedade de
Economia Natural.
Abstract
This paper aims to examine critically the notion of traditional communities in the
region of Old Juruti, Juruti under Project Settlement Project (PAE) conducted by the
Regional Superintendent of the National Institute of Colonization and Agrarian
Reform (INCRA) in Santarém. presenting as a theoretical definition of natural
economy and society of relative surplus population. For the preparation of this
research used interviews, analysis, documentation and bibliography. It was
concluded that these communities affected by the project are in many cases,
expelled from its territory and migrate to cities in search of better working conditions
and contributing to the increase of the reserve army of capital and the dissolution of
its traditional appearance.
Keywords: Capitalist Accumulation; Relative Overpopulation, Natural Economy
Society.
LISTA DE FIGURAS
Figura 01:Municipio de Juruti e base da ALCOA....................................................... 64
Figura 02: Porto de Juruti ..............................................................................65
Figura 03: Município de Juruti ........................................................................70
Figura 04: Guarita na entrada do PAE Juruti Velho ............................................76
LISTA DE SIGLAS
ACOJURVE- Associação dos comunitários de Juruti Velho
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária PAE Projeto de Assentamento Agroextrativista
EIA- Estudo de Impacto Ambiental
PCA- Plano de controle ambiental
RIMA- Relatório de Impacto ambiental
SEMA – Secretaria de meio Ambiente
I- INTRODUÇÃO
No Brasil, a Região Amazônica, por apresentar uma grande diversidade de
recursos naturais, com inegável potencial econômico, torna-se, a partir da década
de 1960, a última fronteira do capital nacional, dando início a um novo e
conturbado ciclo.
Nesse contexto, a Amazônia constituiu-se como espaço privilegiado para
os grupos econômicos. O que significa possibilidades de implantação de
empreendimentos produtivos e expansão em escala mundial.
As problemáticas que atingem a Amazônia desde sua ocupação até os dias
atuais, estão envoltas na sua inserção e subordinação a dinâmica do capital. Seu
processo de ocupação se constitui em uma prática antiga de conquistar e
desenvolver pautada em uma lógica desenvolvimentista de ―fora para dentro‖.
Desde que surgiu, e devido à sua essência, produzir para o mercado,
objetivando o lucro e, consequentemente, a acumulação da riqueza, o capitalismo
sempre tendeu à internacionalização, ou seja, à incorporação do maior número
possível de povos ou nações ao espaço sob o seu domínio.
Grandes empresas de países desenvolvidos, também conhecidas como
corporações, instalam filiais em outros países, onde passam a produzir cada vez
mais produtos utilizando-se dos recursos disponíveis tanto força de trabalho
quanto matéria-prima. Por produzirem seus diferentes produtos em muitos países,
tais empresas ficaram conhecidas como multinacionais.
Na região amazônica é imensa a quantidade de multinacionais que se
instalaram nas últimas décadas entre elas, pode-se citar a ALBRÁS, ALUNORTE,
Para Pigmentos, Imerys Rio Capim Caulim, Mineração Rio do Norte, ALCOA
entre outras que vieram e modificaram os aspectos locais tanto físicos
(infraestrutura) como sociais (modo de vida) da comunidade local.
As populações residentes nas áreas, ditas ―tradicionais‖ são atingidas e
acabam por serem expulsas de suas terras e migrarem para outros locais em
busca da sobrevivência. Esta população local que em sua base são economias
extrativistas apresentam um modo de vida próprio e diferenciado que é
9
transformado pelo capital que se expande ocasionando destruição na maioria dos
casos, visto que são sujeitas a ruptura devido ao deslocamento competitivo do
capital.
É desta forma que este trabalho objetivou realizar uma analise critica
destas ―populações tradicionais‖ à medida que se encontram ameaçadas com o
avanço do capital sobre a região o que, em muitas localidades, ocasionou
expulsão e dissolução, evidenciando como estas comunidades podem ser vistas
em sua organização como ―sociedades de economia natural‖, termo utilizado por
Rosa Luxemburgo (1976).
A escolha de um caminho teórico-metodológico que permita não só a
compreensão teórica sobre grandes projetos e sociedades de economia natural é
fundamental à medida que possibilite desvendar as múltiplas determinações
desse processo. Assim, para tal análise utilizou-se o método dialético por
possibilitar uma apreciação critica e totalizante da problemática abordada. Desta
forma justifica-se a opção pelo estudo de caso, pois, este
é caracterizado pelo estudo profundo e exaustivo de um ou poucos
objetos, de maneira a permitir conhecimento amplo e detalhado deste;
tarefa praticamente impossível mediante outros delineamentos
considerados (GIL, 1996, p.66).
.
Como afirma Martinelli (1999, p. 24) ―o estudo de caso na descoberta e
interpretação de processos sociais são também determinados pela experiência
vivida pelo sujeito e pelo objeto de conhecimento‖.
As idéias de Chizzoti (1991, p. 23), também apóiam esta opção, pois para o
mesmo, o estudo de caso é uma caracterização abrangente para designar uma
diversidade de pesquisas que coletam e registram dados de um caso particular ou
de vários casos a fim de organizar um relatório ordenado e crítico de uma
experiência, ou avaliá-la analiticamente, objetivando tomar decisões a seu
respeito ou propor uma ação transformadora.
A pesquisa foi realizada por meio de um estudo aprofundado, crítico sobre
o objeto. Para tal, recorreu-se ao levantamento de dados históricos, pesquisa
bibliográfica, documental e de campo, a partir de um estudo exploratório,
objetivando precisar os limites e as possibilidades desta investigação in loco.
10
Realizou-se no município de Juruti, mas precisamente na Vila de Juruti
Velo, localizado no oeste do Pará, diretamente com as 44 comunidades que
compõe a Associação das Comunidades da Região de Juruti Velho (ACORJUVE).
Esta associação é composta por 44 comunidades e cerca de 1988 famílias,
segundo o seu estatuto. Porém, o levantamento foi realizado com 22 lideres, visto
que o processo de liderança nestas comunidades é muito forte, respeitado e
representativo.
O local foi escolhido pela grande problemática evidenciada, além de
facilidade de acesso às informações devido a uma extensa rede de relações com
os envolvidos.
Buscou-se investigar e estudar o objeto escolhido por meio de análises de
comunicações, observação visando obter, procedimentos sistemáticos como a
descrição e interpretação do conteúdo das entrevistas, dos documentos e
bibliografias consultados, indicadores quantitativos e qualitativos que permitam a
inferência de conhecimentos relativos, considerando-se o processo histórico dos
sujeitos envolvidos de forma que possibilite reunir informações articuladas na
perspectiva do desvendamento, compreensão e análise da realidade social
estudada.
Adotou-se para tal propósito, a abordagem qualitativa e quantitativa, junto
aos sujeitos envolvidos em tais circunstâncias e a comunidade. Segundo Minayo
(1994, p.18), a pesquisa qualitativa preocupa-se com o nível de realidade que não
pode ser quantificado, ou seja, trabalha com o universo de significados, o que
corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos
fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.
No que tange a obtenção dos dados qualitativos foi privilegiada a
descoberta de fenômenos latentes, a exemplo: o conflito entre a comunidade e a
ALCOA, quando do processo degradação ambiental, aprofundamento das
expressões da ―questão social‖, abstrações desenvolvidas pelos sujeitos, relação
homem e natureza, procurando compreender a real situação gerada a partir da
relação comunidade-ALCOA, degradação-conservação, desenvolvimento-questão
social existentes no município.
Para obtenção dos dados da pesquisa, foram utilizadas várias fontes de
coletas de dados como:
11
Fontes
Documentais
e
Bibliográficas:
a
pesquisa
de
campo
foi
acompanhada de pesquisa documental e bibliográfica, objetivando avanços cada
vez maiores acerca da compreensão do problema pesquisado.
Para clarificar a compreensão sobre esse tipo de fonte de informação,
valendo-se ainda das ideias de Chizzoti (1991, p.65), percebe-se que:
"Documentação é toda informação sistemática, comunicada de forma oral, escrita
ou gestual, fixada em suporte material, como fonte durável de comunicação.
Documentação é a ciência que trata da organização do manuseio de
informações.‖.
A partir desse entendimento, utilizou-se como fonte documental: relatórios
e documentos produzidos pelos órgãos atuantes no município como o INCRA,
SEMA, ECOIDEA, pelas associações comunitárias existentes e projetos
desenvolvidos pela ALCOA, além de arquivos, textos bibliográficos. .
Fez-se uso, ainda, de entrevistas semiestruturadas com a comunidade
utilizando-se apenas a definição, comunitário ou líder para o sujeito que não quis
ser identificado e por fim a observação sistemática, enquanto técnica de pesquisa
pois engloba uma série de situações ou fenômenos que poderão escapar a
análise do pesquisador por meio de perguntas ou em documentos.
Como método de abordagem, utilizou-se o método materialista histórico por
se julgar este o que melhor dará suporte a esta pesquisa, pois possibilita uma
visão critica da totalidade da problemática abordada.
este método possibilita a interação e o exercício simultâneo da reflexão,
traduzidos nas diversas formas de ação coletiva, orientada em função da
solução de problemas que são vivenciados, visando objetivos de
mudança e de transformação social dos sujeitos (DINIZ, 1999p. 11).
Em forma de anexo, estão disponibilizados os instrumentos utilizados
como: o roteiro de entrevista, além da cópia dos documentos consultados, quando
autorizados, além do registro fotográfico.
Este trabalho está dividido em 04 (quatro) capítulos começando pela
introdução o qual se faz uma breve apresentação do objeto de pesquisa. O
segundo capitula aborda a categoria trabalho e suas especificidades enquanto
base para a formação do ser social, desenvolvedor de habilidades e
conhecimentos analisando seu modo de vida e organização com base em
12
Luxemburgo (1976) que nos fala das sociedades de economia natural que são
envoltas pelo capital em seu processo de expansão e acumulação, o que resulta
em exploração e dissolução.
O terceiro capitulo aborda a expansão do capital e sua estratégia
imperialista pautada em implantação de multinacionais que buscam outros países
para explorar. Como é o caso da Alcoa em Juruti e por fim o quarto capitulo
evidencia uma tendência destas populações a serem vistas como superpopulação
relativa latente no campo prestes a se tornar estagnados ou até mesmo
pauperizados.
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CAPITULO II – TRABALHO E NATUREZA NA ECONOMIA POLITICA CRITICA
2.1 A CONCEPÇÃO DA CATEGORIA TRABALHO
Ao falar da categoria trabalho, deve-se analisá-la em seu caráter histórico,
compreendendo sua historicidade e a relação homem x natureza que permeia e
concretiza este processo. Marx (1996), em O Capital, analisa o trabalho enquanto
categoria fundante, como um processo no qual o homem em contato e
transformação da natureza modifica a si mesmo, seu espaço, a própria natureza
externa a ele, reproduzindo-se, apreendendo e desenvolvendo habilidades. É por
meio desta interação que ocorre o desenvolvimento das sociedades mais simples
às formações cada vez mais complexas, assim:
Antes de tudo, o trabalho é um processo em que o homem, por sua
própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza.
Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural.
Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua
corporalidade, braços pernas, cabeça e mão, a fim de sua própria vida.
Ao atuar, por meio desse movimento sobre a Natureza externa a ele e ao
modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza.
(MARX, 1996, p.297)
Marx (1996) evidencia, no fragmento acima, a importância do trabalho na
formação do homem, pois ao transformar a natureza, também se transforma, ao
adquirir novos conhecimentos e habilidades. Ou seja, o intercâmbio do homem
com a natureza é essencial para a concretização de qualquer forma de
sociedade, pois é através dele que o homem retira seus meios de subsistência e
produz os objetos necessários a sua reprodução. Segundo Lessa (2007, p.132)
―Toda sociedade tem sua existência hipotecada à existência da natureza‖.
É
preciso avaliar ―que não há qualquer possibilidade de reprodução social sem a
transformação da natureza nos meios de produção e meios de subsistência
imprescindíveis a cada sociedade‖ (idem, ibidem).
Essa apropriação da natureza, a qual é anterior à sociedade, se modifica
ao longo do tempo, através da modificação dos meios utilizados para sua
14
exploração. Porém, o fato de entender a natureza como a base da construção
social não pode levar ao equivoco de pensar que tudo é aspecto da natureza.
Existem diferenças demasiadas entre sociedade e natureza.
Realmente, marcando a distinção entre a natureza inorgânica e a
orgânica- há a vida- a capacidade de reproduzir a si mesmo
rigorosamente desconhecida do inorgânico que apenas opera reações
químicas ou processos físicos. E diferenciando a natureza (inorgânica e
orgânica) da sociedade, há uma constelação de complexos (linguagem,
trabalho, relações sociais, arte, religião,etc.) que consubstanciam esta
última como outro tipo de ser, que não só é extremamente mais
complexo que o ser natural (orgânico e inorgânico). Mas que, sobretudo,
não pode ser derivado da natureza. (LESSA, 2007, p.133).
Neste sentido é preciso evidenciar que o ser social é diferente da natureza,
mesmo que não possa reproduzir-se sem ela. Marx (1996) evidencia isto ao
escrever sobre o arquiteto e a abelha diferindo o homem dos demais animais pela
capacidade de idealização anterior dos objetos que irá materializar incidindo de
forma objetiva e material sobre a natureza.
Pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente
ao homem. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão,
e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construção
dos favos de suas colmeias. Mas o que distingue, de antemão, o pior
arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça
antes de construí-lo em cera. (MARX, 1996, p.298).
Assim percebe-se que o homem não apenas transforma a natureza de
forma natural como faz a abelha, mas este age sobre a natureza de forma
objetiva e orientada a um fim. Como diz Marx ―Os elementos simples do processo
de trabalho são a atividade orientada a um fim ou o trabalho mesmo, seu objeto e
seus meios‖. (ibidem, idem). Esta capacidade de idealização e concretização
orientada a um fim que diferencia os homens dos demais animais e proporciona o
desenvolvimento e reprodução social é vista como teleologia.
No fim do processo do trabalho obtêm-se um resultado que já no início
deste existiu na imaginação do trabalhador, e, portanto idealmente. Ele
não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural;
realiza ao mesmo tempo, na matéria natural seu objetivo, que ele sabe
que determina, como lei, a espécie e o modo de sua atividade e ao qual
tem de subordinar sua vontade. (idem, ibidem).
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Este fragmento evidencia a concepção de realização material e concreta do
objetivo humano, a partir do qual o homem interfere na natureza, controlando-a,
dominando-a, transformando-a, a fim de atingir seu objetivo.
Em outras palavras, a finalidade que é objetivada se transforma em
objeto, se converte em objetividade - é a realização, na ―matéria natural‖
do ―objetivo‖ humano. O novo objeto que assim vem a ser é submetido a
uma relação de causas e efeitos, objetiva, externa à consciência, em
alguma proporção não criada por atos humanos, que faz com que a
evolução do objeto criado pela ação humana sofra a influência de outros
fatores que não se limitam aos atuantes na sua criação. Isto faz com que
sua história não seja idêntica à história de quem o criou. (LESSA, 2007,
p. 137).
Para Marx produção não é apenas um ramo particular da produção
(agricultura, pecuária, manufatura...), mas um ―certo corpo social, sujeito social,
que exerce sua atividade numa totalidade maior ou menor de ramos da produção‖
(MARX, 1974, p.110).
Ao se falar de produção tem-se uma análise não de produção individual e
isolada, mas ―trata-se da produção em um grau determinado do desenvolvimento
social, da produção de indivíduos sociais‖ (idem, p.04), ou seja, os indivíduos
produzindo em sociedade, de forma determinada. Desta forma, tem-se a
produção não como um conceito metafísico e abstrato, mas a produção situada
em determinada mediação social da existência e desenvolvimento humano.
A produção em geral é uma abstração, mas uma abstração razoável, na
medida em que, efetivamente em que, efetivamente sublinhando e
precisando os traços comuns, poupa-nos a repetição. Esse caráter geral,
contudo, ou este elemento comum, que se destaca através da
comparação, é ele próprio um conjunto complexo, um conjunto de
determinações diferentes e divergentes. Alguns desses elementos
comuns pertencem a todas as épocas, outros apenas são comuns a
poucas. Certas determinações serão comuns à época mais moderna e à
mais antiga. Sem elas não se poderia conceber nenhuma produção. [...]
As determinações que valem para a produção em geral devem ser
precisamente separadas, a fim de que não se esqueça a diferença
essencial por causa da unidade, a qual decorre já do fato de que o
sujeito – a humanidade – e o objeto – a natureza – são os mesmos
(idem, p. 110-111).
O
homem na produção social de sua
existência vive relações
determinadas, independentes de sua vontade. Estas relações correspondem a um
grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais.
16
na produção social da própria existência, os homens entram em relações
determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; essas
relações de produção correspondem a um grau determinado de suas
forças produtivas materiais (MARX, 1996 p. 47).
A necessidade da produção e reprodução da vida material, ou seja, a
conquista dos gêneros necessários para a manutenção da própria vida (alimento,
agasalho, proteção, entre outros.) faz com que os homens estabeleçam relações
entre si. Elas são independentes de sua vontade porque eles nascem em um
determinado momento e numa determinada formação social, na qual essas
relações já estão constituídas, não sendo, portanto, objeto de sua escolha.
A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura
econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma
superestrutura jurídica e política à qual correspondem formas sociais
determinadas de consciência. O modo de produção da vida material
condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não é a
consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu
ser social que determina sua consciência (idem, ibidem).
Assim, o trabalho coloca-se como categoria central na vida humana: a
mediação para sua constituição enquanto ser social. Ser social, este, que constrói
suas relações materiais de existência por meio de suas ações em um processo
histórico de transformação.
O modo pelo qual os indivíduos exteriorizam sua vida, assim eles o são.
O que os indivíduos são coincide com sua produção, com o que
produzem e como produzem. O que os indivíduos são, portanto, prendese às condições materiais que determinam sua produção. (MARX, 1996,
p. 46).
.
Com isso, o processo de reprodução social é fundado no trabalho o qual
Marx afirma ser ―o processo entre o homem e a natureza‖ (idem, p. 133), o qual
deve ser orientado a um fim. Neste sentido, o processo de trabalho apresenta
elementos que o determinam:
17
Inicialmente, tem-se o objeto de trabalho1, o qual pode ser a matéria bruta,
se provém diretamente da Natureza e a matéria-prima se já sofreu alguma
modificação através de um processo de trabalho.
Todas as coisas que o trabalho só desprende de sua conexão direta com
o conjunto da terra, são objetos de trabalho. Assim o peixe que se pesca
ao separá-lo de seu elemento de vida, a água, a madeira que se abate
na floresta virgem, o minério que é arrancado de seu filão [...] Se, ao
contrário, o próprio objeto de trabalho já é, por assim dizer, filtrado por
meio de trabalho anterior, denominamo-lo matéria-prima. Por exemplo, o
minério já arrancado que agora vai ser lavado. Toda matéria-prima é
objeto de trabalho, mas nem todo objeto de trabalho é matéria-prima. O
objeto de trabalho apenas é matéria-prima depois de já ter
experimentado uma modificação mediada por trabalho (idem, p. 298).
Outro elemento são os instrumentos ou ferramentas utilizados na
transformação do objeto. Marx (1996) os titulou de meios de trabalho,
é uma coisa ou um complexo de coisas que o trabalhador coloca entre si
mesmo e o objeto de trabalho e que lhe serve como condutor de sua
atividade sobre esse objeto. Ele utiliza as propriedades mecânicas,
físicas, químicas das coisas para fazê-las atuar como meios de poder
sobre outras coisas, conforme o seu objetivo. O objeto do qual o
trabalhador se apodera diretamente - abstraindo a coleta dos meios
prontos de subsistência, frutas, por exemplo, em que somente seus
próprios órgãos corporais servem de meio de trabalho - não é objeto de
trabalho, mas o meio de trabalho. (idem, p. 298-299).
Neste sentido os meios de trabalho representam as condições sociais nas
quais se trabalha, pois os diversos modos de produzir e consequentemente os
meios utilizados para tal, evidenciam as características de cada sociedade. ―Não é
o que se faz, mas com que meios de trabalho se faz, é o que distingue as épocas
econômicas‖ (idem, ibidem).
Marx (1996) faz uma breve distinção entre os meios de trabalho; Os meios
de trabalho em sentido estrito, que são as coisas ou conjuntos de coisas que o
trabalhador interpõe entre ele e o objeto sobre o qual trabalha (matéria bruta ou
prima). Como exemplo tem-se o machado para cortar a madeira, a pá para cavar
a terra, entre outros. E os meios de trabalho em sentido amplo, que
compreendem todas as condições materiais, sem intervir diretamente no processo
1
Marx (1996) institui a terra (em um sentido econômico também a água) o objeto geral de
trabalho do homem, assim como seu principal meio de trabalho.
18
de transformação, que são indispensáveis para sua realização (terra, estradas,
ferrovias, entre outros).
O processo de trabalho conta, em sentido lato, entre seus meios com
todas as condições objetivas que são exigidas para que o processo se
realize. Estas não entram diretamente nele, mas sem elas ele não pode
decorrer ao todo ou só deficientemente. O meio universal de trabalho
2
desse tipo é a própria terra, pois ela dá ao trabalhador o lócus standi e
ao processo dele o campo de ação (idem, p. 300).
Neste processo, a atividade humana desenvolvida/ gasta no processo de
produção é denominada por Marx (1996) de força de trabalho e por fim se tem o
produto, resultado final do processo de produção. O produto é valor de uso, pois
responde a necessidades humanas determinadas.
No processo de trabalho a atividade do homem efetua, portanto,
mediante o meio de trabalho, uma transformação do objeto de trabalho,
pretendida desde o princípio. O processo extingue-se no produto. Seu
produto é um valor de uso; uma matéria natural adaptada ás
necessidades humanas mediante transformação da forma. O trabalho se
uniu com seu objetivo. O trabalho está objetivado e o objeto trabalhado.
(idem, ibidem).
Assim verifica-se que em todo processo de produção intervêm três
elementos fundamentais: a força de trabalho, a matéria bruta ou prima e os meios
de trabalho. O objeto mais os meios de trabalho constituem os meios de
produção.
Com isso, verifica-se porque o trabalho é elemento fundante do ser social,
visto que é uma forma peculiar de transformação da natureza pela ação do
homem o qual é também de transformação da própria natureza humana, pois é
por meio do trabalho que se possibilita o desenvolvimento das capacidades
humanas, das forças produtivas e o surgimento de relações sociais determinadas,
o que torna a sociedade cada vez mais desenvolvida e contraditória.
É este processo contraditório fundado pelo trabalho, que origina as
relações entre os homens, que não mais se limitam ao trabalho enquanto tal, mas
em sua reprodução social, pois eles não produzem apenas os bens necessários à
sobrevivência, como produzem ao mesmo tempo, novas habilidades e
conhecimentos.
2
Isto possibilita o desenvolvimento da sociedade, uma nova
Lugar para ficar
19
situação histórica, nova organização social que deixa de ser aquela mais simples
do início da história humana para se tornar mais complexa, como a sociedade
capitalista atual.
As origens históricas da sociedade capitalista, segundo Marx (apud HUNT
1981, p.239), não estão em uma ―sociedade de comportamento econômico frugal
e abstêmio de uma elite moral‖, como se acreditava, mas na criação de uma
classe operária sem propriedades e outra classe capitalista rica.
A esse processo de formação da sociedade capitalista em duas classes, a
de proprietários e a de não-proprietários de meios de produção, Marx (apud
HUNT 1981, p.239) denominou de ―acumulação primitiva‖. Isto se deu
principalmente, pela dissolução do regime feudal e expropriação do trabalhador
dos seus vínculos com a terra.
Com a criação da classe operária, isto é, dos não proprietários de meios de
produção, destruiu-se os ―vínculos sociais feudais pelos quais a maioria dos
trabalhadores garantira seu acesso à terra‖. A transformação da ―propriedade
feudal‖ na ―moderna propriedade privada‖ mudou as relações econômicas na
sociedade. Os trabalhadores foram expulsos das terras que cultivavam e
mandados para a cidade, engrossando a massa de mendigos e desempregados
(HUNT, 1981).
Marx (apud Hunt, p.240) relaciona alguns métodos ―poéticos‖ de
acumulação primitiva adotados pela sociedade pré-capitalista: ―A espoliação da
propriedade da igreja, a alienação fraudulenta dos domínios do estado, o roubo de
terras comuns, a usurpação da propriedade feudal‖ foram alguns destes
procedimentos.
Estas práticas não foram adotadas apenas no continente europeu, mas
atingiu também outros países, com vistas à acumulação de fortuna para sua
transformação em capital.
A descoberta de ouro e prata na América, a aniquilação, escravização e
o emprego forçado, nas minas, da população indígena, o começo da
conquista e da pilhagem nas Índias Orientais, a transformação da África
num viveiro de caça comercial de negros assinalaram a aurora cor-derosa da era da produção capitalista (idem, p.240).
20
Espanha, Portugal, Holanda e Inglaterra estão entre os principais países
que empreenderam a acumulação primitiva. A Inglaterra no fim do século XVII,
por exemplo, impõe uma política externa sistemática com vistas à dominação das
colônias da América, por meio de um sistema moderno de tributação, comércio de
escravos, dívida externa, protecionismo e ação do estado.
As diferentes forças que acionaram a acumulação primitiva distribuemse, agora, mais ou menos em ordem cronológica, pela Espanha,
Portugal, Holanda, França e Inglaterra. Na Inglaterra do fim do século
XVII, elas chegaram a uma combinação sistemática, abarcando as
colônias a dívida nacional, o moderno sistema de tributação e o sistema
protecionista. Estes métodos dependem, em parte, da força bruta, quer
dizer colonial. Todos eles, porém empregam o poder do Estado. (idem p.
241).
Na Inglaterra, os cercamentos foram a expressão da ―usurpação legal‖ 3, se
assim podemos dizer. Com eles os grandes proprietários de terra foram
apoderando-se das terras dos pequenos proprietários e arrendatários, os quais
foram vender a sua força de trabalho nas cidades. Quando se observa esse
processo do ponto de vista do camponês, pode-se afirmar que os proprietários
fundiários tomaram o lugar dos senhores feudais no que se refere a posição de
dominantes. No entanto, há uma diferenciação no tocante a esse processo, visto
que os senhores feudais exploravam os camponeses, enquanto os proprietários
fundiários expulsaram os mesmos de suas terras. A semelhança é que eles
continuaram sendo vítimas de um processo brutal.
2.2 ROSA LUXEMBURGO E A SOCIEDADE DE ECONOMIA NATURAL
2.2.1 O processo de acumulação primitiva
A acumulação primitiva representa a formação de capital anterior à
predominância do trabalho assalariado e consistiu, sobretudo, na expropriação e
3
Paralelamente ao modo violento utilizado para expropriar as terras, foi utilizada a lei como
veículo para realizar o roubo das terras. A classe dominante da época emergiu ao poder e utilizouse dele para assegurar o seu domínio sobre as terras, utilizando cada vez mais a mecanização no
campo. A diferença é que a partir desse momento eles estavam amparados legalmente, mas com
as leis que eles próprios fizeram.
21
separação dos proprietários originais dos seus meios de produção, como por
exemplo, no processo de cercamento dos campos e na ação colonial
mercantilista.
A primeira expropriação foi a da terra. Essa expropriação ocasionou a
dissolução dos laços do trabalhador com a terra, processo que começou com a
alienação da propriedade coletiva e terminou com a alienação da propriedade
privada do camponês. (FIORAVANTE, 1978). ―O produtor direto, o trabalhador,
não pôde dispor de sua pessoa enquanto não deixou de viver sujeito à gleba e de
ser escravo ou servo de outra pessoa‖. (MARX, 1996, p.655).
A segunda forma de expropriação baseou-se na separação do homem de
seus instrumentos de trabalho, pois esta era condição que faltava para tornar-se
um trabalhador ―livre‖ disposto a vender sua força de trabalho como mais uma
mercadoria.
Para converte-se em livre vendedor de força de trabalho que concorre
com sua mercadoria, onde quer que encontre mercado para ela, teve
que se livrar, também, do jugo dos grêmios, ausentar-se das ordenanças
exercidas sobre os aprendizes e oficiais e de todos os estatutos que
embaraçavam o trabalho...; estes trabalhadores recém-emancipados só
podiam converter em vendedores de si próprios, uma vez que vêem
despojados de todos seus meios de produção e de todas as garantias de
vida que as velhas instituições feudais asseguravam. (idem, p 655-656).
Estas são as duas condições históricas pelas quais o trabalhador foi
expropriado das condições objetivas da produção e passa a ser evidenciado
apenas como força de trabalho necessária ao avanço capitalista.
O regime do capital capitalista pressupõe a separação entre os operários
e a propriedade das condições de realização de seu trabalho. Quando já
se move por seus próprios pés, a produção capitalista não só mantém
esta separação, como a reproduz e acentua em uma escala cada vez
maior. Portanto, o processo que engendra o capitalismo pode ser apenas
um: o processo de dissociação entre o operário e a propriedade sobre as
condições de seu trabalho, processo que de um lado transforma em
capital os meios sociais de vida e de produção, enquanto do outro
transforma os produtores diretos em operários assalariados. A chamada
acumulação primitiva nada mais é que o processo histórico de
dissociação entre o produtor e os meios de produção. (idem, p.655).
Essa prática de dissociação e roubo resultaram em um acúmulo de capital,
ou seja, a consequente obtenção de riqueza foi o modo predominante pelo qual
22
se formou o capital nos períodos anteriores ao surgimento da venda da força de
trabalho em troca de um salário.
A separação dos operários de todos os meios de produção foi suficiente
para iniciar o capitalismo dirigido por suas próprias ―leis de movimento‖ .
logo que a produção capitalista se firma por si mesma, não só mantém
esta separação, como também a reproduz em escala sempre crescente‖
(MARX apud HUNT, 1981, p. 714).
Com o surgimento do trabalho assalariado a formação de capital passou a
ser feita de modo predominante pela imposição do trabalho excedente extraído da
força de trabalho.. Quando a prática do assalariamento se dissemina em regime
predominante, deixa de existir a formação de capital através da acumulação
primitiva, passando, porém, a partir daí, a ocorrer o recurso aos seus métodos,
mas não mais à prática da mesma, visto que o capital passa a se formar
maciçamente através da exploração do trabalho produtivo. É por essa razão que
não se pode falar hoje em acumulação primitiva, pois esta remonta ao período de
formação pré-capitalista, ou seja, ao processo de constituição do capital.
Se
analisarmos
atentamente,
o
capitalismo
nasce
a
partir
do
desenvolvimento da economia que se baseava tanto na agricultura - em um
sistema de servidão e vassalagem - quanto no artesanato desenvolvido nas
corporações de ofício nas cidades, produzindo mercadorias, porém de forma mais
simples em comparação àquelas que serão desenvolvidas posteriormente. É
neste contexto que o processo de acumulação primitiva do capital ganha espaço e
força.
Nos países europeus ocidentais, o capitalismo está cercado,
primeiramente, pelo meio feudal de cujo seio surge - a servidão da gleba
no campo, o artesanato da corporação na cidade - e, posteriormente,
desaparecido o feudalismo, um meio onde predomina a agricultura
camponesa e o artesanato, isto é, produção simples de mercadorias,
tanto na agricultura como na indústria. (LUXEMBURGO, 1976, p. 317).
De acordo com a autora distinguem-se três momentos: luta do capital com
a economia natural, com a economia de mercado, além da luta pela concorrência
do capital a fim de obter mais elementos para a acumulação.
Segundo Luxemburgo (idem, ibidem), verifica-se que historicamente, ―o
capitalismo aparece e se desenvolve em meio social não-capitalista‖ Com base
23
neste argumento percebe-se que o sistema capitalista para manter-se enquanto
tal necessita de economias naturais que visam a subsistência e não a produção
de excedente para a (re) produção de riqueza.
Isto parece contraditório, pois ao analisar o capitalismo a primeira coisa que
se percebe é a busca pelo lucro - lucro este alcançado a partir da produção de
mais-valia extraído do excedente.
Nas palavras de Luxemburgo (idem, p.315) as sociedades naturais
constituem ―o meio histórico da acumulação do capital‖. È preciso evidenciar que
não
é
qualquer
forma
de
economia
não-capitalista
que
possibilita
o
desenvolvimento do capitalismo e sim aquelas que sirvam de fonte potencial de
elementos necessários ao capital, como depósito de força-de-trabalho, a fim de
que o capital possa dispor deles quando desejar e se tornem futuramente
trabalhadores assalariados e mercado de mais-valia, além de fonte de meios de
produção.
O capitalismo necessita, para sua própria existência e desenvolvimento,
estar cercado por formas de produção não-capitalista. Não se trata,
porém, de qualquer forma. Necessita de camadas sociais nãocapitalistas, como mercado para colocar sua mais-valia, como fonte de
meios de produção e como reservatórios de mão-de-obra para seu
sistema assalariado. O capital não pode alcançar nenhum de seus fins
com formas de produção de economia natural. Em todas as formações
de economia natural - comunidades camponesas primitivas com
propriedade comum da terra, relações de servidão feudal ou outras
quaisquer - o que a define é a produção em função das necessidades
domésticas, e por isso mesmo não existe ou é escassa a demanda de
mercadorias estrangeiras e, de modo geral, não há excedente de
produtos próprios ou pelo menos nenhuma necessidade premente de dar
saída a produtos excedentes (idem, p.317).
Verifica-se que Luxemburgo, refere-se às sociedades feudais européias,
baseando-a no que denomina de sociedade de economia natural. O termo
―natural‖ utilizado pela autora refere-se a uma economia autônoma, sem
precedentes econômicos capitalistas, ou seja, que não depende da circulação
comercial uma vez que, segundo Marx:
Na economia natural propriamente, nenhum produto agrícola ou só parte
ínfima dele se lança no processo de circulação, ou neste só entra fração
relativamente insignificante da parte do produto na qual se configura a
renda (revenue) do proprietário da terra, como se observa, por exemplo,
em numerosos latifúndios da velha Roma, nas vilas de Carlos Magno e
mais ou menos em toda a Idade Média. [...] Nessas condições, o produto
e o produto excedente desses grandes domínios não consistem
unicamente em produtos do trabalho agrícola. Abrangem também os
24
produtos do trabalho industrial. Trabalhos domésticos de artesanato e de
manufatura, atividades acessórias da agricultura, que constitui a base,
condicionam o modo de produção em que se baseia essa economia
natural, na Antiguidade e na Idade Média européias e ainda hoje na
comuna rural indiana, onde ainda persiste a organização tradicional. O
modo capitalista de produção extingue por completo essa conexão; um
processo que se pode observar em grande escala notadamente na
Inglaterra, no último terço do século XVIII. (MARX, 1991, p.902).
É necessário analisar que o processo de acumulação está também
baseado nas sociedades naturais que exercem papel fundamental neste
processo, como detentoras de recursos imprescindíveis ao capital, pois ―para
estender, sem obstáculos, o movimento da acumulação, necessita dos tesouros
naturais
e
das
forças
de
trabalho
existentes
na
superfície
terrestre‖
(LUXEMBURGO, 1976, p.315).
Assim, o que se observa historicamente é que esta riqueza, que se
encontra em maior parte sob o domínio destas sociedades naturais, leva o capital
a buscar de todas as formas a apoderar-se delas e de seus territórios ou mesmo
destruí-los em um processo de expansão e acumulação capitalista.
Como nos mostra Luxemburgo (1976) ao falar dos métodos aplicados pelo
capital nas colônias por meio da Inglaterra na Índia e França na Argélia. Ela
evidencia que a Índia passou por muitas invasões, guerras massacres, mas
sobreviveu a tudo.
A estrutura econômica ancestral dos índios- a comunidade rural
comunista- conseguiu manter-se em suas diversas formas durante
decênios e mesmo durante um longo período histórico, apesar de todas
as tormentas ocorridas. (idem, p. 320).
Isso se deu, segundo ela, porque os conquistadores limitavam-se ao
domínio e exploração territoriais e mantinham intactas, apesar de tudo, a estrutura
social interna das comunidades.
A comunidade rural indígena sobreviveu a tudo isso. Pois os
conquistadores muçulmanos que se sucederam deixaram em última
instância, intactas a vida social interna da massa camponesa e sua
estrutura tradicional. Limitavam a instalar nas províncias um Governo
que controlasse a organização militar e arrecadasse os tributos impostos
à população. Todos os conquistadores dedicavam-se ao domínio e
exploração do país, mas nenhum se interessou em privar o povo de suas
forças produtivas e aniquilar sua organização social (idem, ibidem).
25
Porém, com a chegada dos ingleses o aspecto colonizador mudou e o
objetivo passou a ser ―adquirir a base da própria subsistência da comunidade
indígena: a propriedade da terra‖ (idem, p. 321). Para isso, valeram-se da ideia de
que o solo sempre fora propriedade do soberano, além da elevação de impostos e
uso da violência para a desintegração da organização produtiva existente. Com
isso, surgiu a grande propriedade territorial e consequentemente, a transformação
de camponeses em uma massa empobrecida. ―É natural que o capital inglês não
se interessasse em manter as comunidades indígenas e sustentá-las,
economicamente, mas, ao contrário, pretendiam destruí-las e arrancar suas
forças produtivas‖ (idem, p.325).
Para esta autora, o processo de avanço do capitalismo sobre toda a
superfície terrestre se dá pela busca de suprimento aos mercados capitalistas,
das matérias-primas e da força de trabalho. Esse processo, por sua vez, resulta
no avanço da destruição de formações sociais não-capitalistas em novos
territórios.
Não foi diferente o que ocorreu em relação a Argélia que se tornou colônia
da França e teve sua organização social destruída.
A destruição sistemática, consciente, da propriedade comum, e sua
partilha, foi o polo imutável sobre o qual girou a politica colonial francesa
durante meio século. Sua absoluta indiferença a todas as conflagrações
na vida interna do Estado pode ser explicada através de certos fins
claramente definidos: o aniquilamento da propriedade comum que devia
destruir o poder das famílias árabes como comunidades sociais e
enfraquecer sua resistência tenaz ao jugo francês (Idem, p. 328).
Outro ponto importante a se observar é a construção destas zonas não
capitalistas como mercado externo na medida em que absorvem a produção
capitalista, fornecem matéria-prima para a sua produção, além de força de
trabalho, como evidenciado, anteriormente. Ou seja, são externos na medida em
que não pertencem a um tipo de mercado elaborado pelas próprias estruturas
reprodutivas do capital; e, antes de qualquer coisa, são mercados não-capitalistas
inseridos historicamente nos processos de acumulação do capital.
Luxemburgo (1976) caracteriza mercado interno e externo como:
26
Mercado interno, do ponto de vista da produção capitalista, é mercado
capitalista, é a própria produção como compradora de seus produtos e
fonte de aquisição de seus próprios elementos de produção. Mercado
externo para o capitalista é a zona social não-capitalista que absorve
seus produtos e lhe fornece elementos de produção e operários. Desse
ponto de vista, economicamente, Alemanha e Inglaterra, na sua mútua
troca de mercadorias, são principalmente mercado interno capitalista,
enquanto a troca entre a indústria alemã e os consumidores camponeses
alemães, como produtores para o capital alemão, representa relações de
mercado externo (Idem, p. 316).
Percebe-se assim que, por um lado, a reprodução das relações nãocapitalistas acontece sob o domínio do capital, e pelo outro, a acumulação do
capital fundamenta-se na reprodução das relações não-capitalistas. Isso porque o
capitalismo transforma estas sociedades em força de trabalho e consumidoras de
seus produtos. Porém para isso elas precisam se tornar dependentes, ou seja,
seu processo de autonomia deve deixar de existir, e, neste sentido, o capitalismo
busca destruir sua organização social independente.
O que ocorre partir do avanço do capital sobre estas sociedades é a
repetição da separação dos trabalhadores de seus meios de produção e a
implantação de arranjos institucionais 4. Isto redunda na concentração da
propriedade, entre outros, o que indica, neste processo de colonização e avanço
do capital sobre áreas ainda relativamente preservadas, uma reposição
continuada daquilo que Marx chamou de acumulação primitiva, não em sua
essência, mas sim um método, processo de acumulação, como abordado
anteriormente.
Para Luxemburgo (1976), esse avanço do capital, não só geográfico, mas
também de estrutura capitalista se manifesta sob a forma da exploração ou
colonização de territórios não-capitalistas em qualquer espaço na qual possam
ocorrer os processos de reprodução do capital.
Para que esta reprodução e apropriação ocorram é necessária à introdução
da economia de mercado ou capitalista nas sociedades de economia natural por
meio da compra e venda de produtos entre ambos.
4
Sobre este assunto ver FIALHO NASCIMENTO. Amazônia e desenvolvimento capitalista:
elementos para uma compreensão da ―questão social‖ na região. 2006. 195f. Tese (Doutorado em
Serviço Social) – Programa de Pós Graduação da Escola de Serviço Social, Universidade Federal
do Rio de Janeiro.
27
Todas as classes e sociedades não-capitalistas devem adquirir as
mercadorias produzidas pelo capital e vender-lhes seus próprios
produtos. Parece como se aqui começassem a ―paz‖ e a ―igualdade‖, o
do ut des, a reciprocidade dos interesses, a ―competição pacifica‖ e a
―ação civilizadora‖. Se o capital pode arrancar pela força meios de
produção, das estruturas sociais estrangeiras, e obrigar os trabalhadores
a converte-se em objetos de exploração capitalista, não pode obrigá-los
pela violência a torna-se compradores de suas mercadorias nem forçálos a realizar sua mais-valia (Idem, p. 334).
Neste sentido que o capitalismo buscando sua expansão promove a
exploração e até mesmo a destruição destas comunidades que se desagregam,
perdem seu território e passam a compor a massa de desempregados vivendo em
péssimas condições.
2.2 LEI GERAL DA ACUMULAÇÃO CAPITALISTA
Para dar continuidade a esta discussão sobre a acumulação necessário faz
avaliar o processo de acumulação do capital e sua influências e impactos para o
trabalhador5.
Inicialmente é preciso evidenciar que à medida que se amplia a
acumulação, aumenta-se a procura por força de trabalho, desde que a
composição do capital, ou composição orgânica do capital, seja constante.
Esta composição deve ser analisada sobre duas formas. A primeira referese ao valor, ou melhor, a composição valor ou composição orgânica do capital e a
segunda é a material, da matéria utilizada no processo produtivo, a chamada
composição técnica do capital.
A composição do capital tem de ser compreendida em duplo sentido. Da
perspectiva do valor, ela é determinada pela proporção em que se
reparte em capital constante ou valor dos meios de produção e capital
variável ou valor da força de trabalho, soma global dos salários. Da
perspectiva da matéria, como ela funciona no processo de produção,
cada capital se reparte em meios de produção e força de trabalho viva;
essa composição é determinada pela proporção entre, por um lado, a
massa dos meios de produção utilizados e, por outro lado, o montante
de trabalho exigido para seu emprego (MARX, 1996, p. 718).
5
Marx em o Capital, Capítulo XXIII chamou de Lei Geral da Acumulação Capitalista
28
Ao se falar de composição técnica, tem-se à quantidade de força de
trabalho necessária para operar determinada quantidade de meios de produção,
tendo em vista que no processo produtivo todo o capital empregado se decompõe
nestes dois fatores, ou seja, quanto de força de trabalho é necessário para operar
uma quantidade dada de meios de produção.
Chamo a primeira de composição-valor e a segunda de composição
técnica do capital. Entre ambas há estreita correlação. Para expressá-la,
chamo a composição-valor do capital, à medida que é determinada por
sua composição técnica e espelha suas modificações, de: composição
orgânica do capital. Onde se fala simplesmente de composição do
capital, deve-se entender sempre sua composição orgânica ((Idem,
ibidem).)
Na medida em que se intensifica a acumulação em virtude de uma
produtividade crescente, imposição concorrencial e, principalmente busca
desenfreada pelo lucro, tende a ocorrer aumento da produtividade do trabalho e
uma parcela relativamente menor de capital variável precisa ser mobilizada para
uma dada quantidade de capital constante. A tendência, então, é a de que a
composição orgânica do capital aumente progressivamente e que, portanto,
aumente a massa de capital constante relativamente à massa de capital variável.
A expansão do capital depende de que a força de trabalho seja
continuamente incorporada a ele, de modo que a reprodução do trabalho se
confunde com a própria reprodução do capital. Sendo assim, acumular capital
significa necessariamente aumentar o proletariado, inclusive porque o trabalho
vivo (força de trabalho) por ele exercido é o único capaz de criar valor adicional,
ao passo que o trabalho morto (máquinas) corresponde à parte constante do
capital total que apenas transfere valor para o produto final.
Com isso, quando se aumenta o capital, aumenta na mesma proporção a
demanda por força de trabalho. Tendo em vista que, quando se amplia
demasiadamente a procura por trabalho em relação às necessidades de
acumulação chega-se a um ponto em que a oferta de trabalho torna-se menor
que sua demanda. Como disse MARX (idem, p. 722-723), ―dados os fundamentos
gerais do sistema capitalista, chega-se sempre, no curso da acumulação, a um
ponto em que o desenvolvimento da produtividade do trabalho social se torna a
mais poderosa alavanca da acumulação‖.
29
Estas observações levam à interpretação de que o assalariado produz o
capital e, ao mesmo tempo, é dominado e se subordina ao seu próprio produto.
a lei da acumulação capitalista (...) na realidade só significa que sua
natureza exclui todo decréscimo do grau de exploração do trabalho ou
toda elevação do preço do trabalho que possam comprometer
seriamente a reprodução contínua da relação capitalista e sua
reprodução em escala sempre ampliada. E tem de ser assim num modo
de produção em que o trabalhador existe para as necessidades de
expansão dos valores existentes, ao invés de a riqueza material existir
para as necessidades de desenvolvimento do trabalhador (idem, p. 722).
Ele demonstra que o movimento da acumulação do capital produz uma
crescente superpopulação relativa, também denominada exército industrial de
reserva. A formação de um exército industrial de reserva é inerente ao capitalismo
Por isso, a população trabalhadora, ao produzir a acumulação do capital,
produz, em proporções crescentes, os meios que fazem dela,
relativamente, uma população supérflua. Está é uma lei da população
peculiar ao modo capitalista de produção. Na realidade, todo modo
histórico de produção tem suas leis próprias de população, válidas
dentro de limites históricos. (MARX, 1996 p. 734-735).
Isso ocorre, porque o aumento contínuo do capital constante em relação ao
variável ―libera‖ força de trabalho, a qual não pode ser totalmente reabsorvida no
processo produtivo, mesmo com o aumento da acumulação, já que,
sendo a procura de trabalho determinada não pela magnitude do capital
global, mas pela magnitude de sua parte variável ela [a procura por
trabalho] cai progressivamente com o aumento do capital global‖ dada a
mudança na composição orgânica deste capital. (MARX 1996, p.199).
Importante notar que, para Marx, a superpopulação relativa é produto
necessário da acumulação de capital e torna-se, portanto, a alavanca da
acumulação e até mesmo a ―condição de existência do modo de produção
capitalista‖ (MARX, 1990, p.200). Isto reforça a idéia de que, para Marx, o
aumento da composição orgânica do capital é elemento característico e inerente
ao processo de acumulação, sendo que ―os períodos em que a acumulação atua
como mera expansão da produção sobre uma base técnica dada torna-se cada
vez mais curtos.‖ (MARX, 1990, p.199).
Portanto, embora na fase de prosperidade a superpopulação possa ser em
parte exaurida, a tendência contínua de aumento da composição orgânica do
30
capital implica que, a cada novo ciclo, a acumulação se dê sobre bases técnicas
cada vez mais desenvolvidas e, portanto, a cada ciclo o exército industrial de
reserva se apresenta maior que no anterior.
Nesta [na produção capitalista], não se compra a força de trabalho para
satisfazer as necessidades pessoais do adquirente por meio dos
serviços que ela presta ou do que ela produz. O objetivo do comprador é
aumentar seu capital, produzir mercadorias que contêm mais trabalho do
que ele paga e cuja venda realiza também a parte do valor obtida
gratuitamente. Produzir mais-valia é a lei absoluta desse modo de
produção. A força de trabalho só é vendável quando conserva os meios
de produção como capital, reproduz seu próprio valor como capital e
proporciona, com o trabalho não pago, uma fonte de capital adicional. As
condições de sua venda, mais favoráveis ou menos favoráveis ao
trabalhador, implicam, portanto a necessidade de sua revenda contínua e
a reprodução constantemente ampliada da riqueza como capital. O
salário [..] pressupõe sempre, por sua natureza, fornecimento de
determinada quantidade de trabalho não pago por parte do trabalhador.
(Marx 1996, p.719-720).
A partir da lógica de ocupação e dominação das economias naturais
discutidas anteriormente e a inserção da economia de mercado nestas
comunidades tem-se uma desestruturação e perda significativa tornando-as,
―presa fácil‖ ao capital que apresenta como consequência, entre outros casos, a
migração para as cidades em busca de algo melhor e acabam por integrar os
contingentes de desempregados, visto que são desprovidos de meios de
subsistência e formas de consegui-los, pois por não apresentarem conhecimento
e interação com o sistema capitalista em sua forma mais direta, passam de
possuidores de meios e trabalhadores ―livres‖ (agricultores de subsistência) a
integradores do exército industrial de reserva em busca de vender sua força de
trabalho. Neste sentido é importante avaliar como se compõe/analisa este
exército de reserva.
Se os meios de produção, ao crescer em volume e eficiência, se tornam
meio de ocupação dos trabalhadores em menor grau, essa mesma
relação é modificada de novo pelo fato de que, à medida que cresce a
força produtiva do trabalho, o capital eleva mais rapidamente sua oferta
de trabalho do que sua demanda de trabalhadores. O sobretrabalho da
parte ocupada da classe trabalhadora engrossa as fileiras de sua
reserva, enquanto, inversamente, a maior pressão que a última exerce
sobre a primeira obriga-a ao sobretrabalho e à submissão aos ditames
do capital. A condenação de uma parcela da classe trabalhadora à
ociosidade forçada em virtude do sobretrabalho da outra parte e viceversa torna-se um meio de enriquecimento do capitalista individual e
acelera, simultaneamente, a produção do exército industrial de reserva
numa escala adequada ao progresso da acumulação social (Marx 1996.
p. 723).
31
A superpopulação relativa ou o exército industrial de reserva pode assumir
três formas: a flutuante, a latente e a estagnada. A superpopulação relativa sob a
forma flutuante caracteriza-se pelos trabalhadores que ―são ora repelidos ora
atraídos em quantidade maior‖ para dentro do processo produtivo, ou seja,
aqueles trabalhadores que são demitidos em função de uma contração da
atividade industrial e que serão reabsorvidos, em maior ou menor proporção de
acordo com as necessidades de nova expansão do capital.
Nos centros da indústria moderna — fábricas, manufaturas, siderúrgicas,
minas etc. — trabalhadores são ora repelidos, ora atraídos em maior
proporção, de modo que, ao todo, o número de ocupados cresce, ainda
que em proporção sempre decrescente em relação à escala da
produção. A superpopulação existe aqui, em forma fluente. (idem, p.
725).
.
Sob a forma latente encontram-se os trabalhadores que são expulsos da
atividade agrícola em função da crescente capitalização da agricultura e da
consequente introdução de máquinas e equipamentos que diminuem a demanda
por força de trabalho.
Assim que a produção capitalista se apodera da agricultura, ou à medida
que se apoderou dela, decresce, com a acumulação do capital que aí
funciona, a demanda de população trabalhadora rural de modo absoluto,
sem que sua repulsão, como na indústria não-agrícola, seja
complementada por maior atração. Parte da população rural encontra-se,
por isso, continuamente na iminência de transferir-se para o proletariado
urbano ou manufatureiro, e à espreita de circunstâncias favoráveis a
essa transferência (idem, 726).
Essa população trabalhadora rural transferir-se-á para a cidade, à procura
de ocupação, na medida em que a agricultura tem muito menos poder de
reabsorção de trabalhadores do que a indústria.
Parte da população rural encontra- se, por isso, continuamente na
iminência de transferir-se para o proletariado urbano ou manufatureiro, e
à espreita de circunstâncias favoráveis a essa transferência.
(Manufatureiro aqui no sentido de toda a indústria não-agrícola.) Essa
fonte da superprodução relativa flui, portanto, continuamente. Mas seu
fluxo constante para as cidades pressupõe uma contínua
superpopulação latente no próprio campo, cujo volume só se torna visível
assim que os canais de escoamento se abram excepcionalmente de
modo amplo. O trabalhador rural é, por isso, rebaixado para o mínimo do
salário e está sempre com um pé no pântano do pauperismo (Marx 1996,
p. 726).
32
Por fim, a forma estagnada da superpopulação relativa ―constitui-se parte
do exército de trabalhadores em ação, mas com ocupação totalmente irregular.
(...) Conhecemos já sua configuração principal sob o nome de trabalho a
domicílio.‖ (MARX, 1996, p.208). Esse tipo de atividade domiciliar exige dispêndio
máximo de trabalho e proporciona os menores salários possíveis, incorporando os
trabalhadores que se tornaram supérfluos na indústria e na agricultura.
A terceira categoria da superpopulação relativa, a estagnada, constitui
parte do exército ativo de trabalhadores, mas com ocupação
completamente irregular. Ela proporciona, assim, ao capital, um
reservatório inesgotável de força de trabalho disponível. Sua condição
de vida cai abaixo do nível normal médio da classe trabalhadora, e
exatamente isso faz dela uma base ampla para certos ramos de
exploração do capital. É caracterizada pelo máximo do tempo de serviço
e mínimo de salário. Sob a rubrica de trabalho domiciliar (idem, p. 726727).
Além destas tem-se ainda, os chamados pauperizados que se subdividem
em a)aptos ao trabalho os quais se expandem na crise e decrescem nas
retomadas dos empreendimentos; b) órfãos e crianças indigentes, candidatos ao
exército industrial de reserva os quais são incorporados ao exército ativo de
trabalhadores em tempos de prosperidade econômica e por fim os degradados,
maltrapilhos, incapacitados para o trabalho. Indivíduos que sucumbem, devido a
sua imobilidade causada pela divisão do trabalho, aqueles que ultrapassam a
idade ―normal‖ para o trabalho e os considerados, vítimas da indústria, fábricas,
minas, ou seja, aleijados, doentes, viúvas, entre outros.
Finalmente, o mais profundo sedimento da superpopulação relativa
habita a esfera do pauperismo. Abstraindo vagabundos, delinqüentes,
prostitutas, em suma, o lumpemproletariado propriamente dito, essa
camada social consiste em três categorias. Primeiro, os aptos para o
trabalho. Basta apenas observar superficialmente a estatística do
pauperismo inglês e se constata que sua massa se expande a cada crise
e decresce a toda retomada dos negócios. Segundo, órfãos e crianças
indigentes. Eles são candidatos ao exército industrial de reserva e, em
tempos de grande prosperidade, como, por exemplo, em 1960, são
rápida e maciçamente incorporados ao exército ativo de trabalha- dores.
Terceiro, degradados, maltrapilhos, incapacitados para o trabalho. São
notadamente indivíduos que sucumbem devido a sua imobilidade,
causada pela divisão do trabalho, aqueles que ultrapassam a idade
normal de um trabalhador e finalmente as vítimas da indústria, cujo
número cresce com a maquinaria perigosa, minas, fábricas químicas
etc., isto é, aleijados, doentes, viúvas etc (idem, p.728).
33
Então, conforme exposto, o exército industrial de reserva é formado pelo
contínuo aumento da composição orgânica do capital, ou em outras palavras, pela
constante substituição de força de trabalho por novas máquinas ou métodos de
produção, pois esse tipo de procedimento aumenta a produtividade do trabalho
trazendo como consequência a liberação de parte da força de trabalho, tornandoa excedente relativamente ao capital acumulado.
No entanto, a intensidade na qual essa superpopulação relativa é formada
depende das fases do ciclo industrial, conforme observou
O curso característico da indústria moderna (...) com a intercorrência de
movimentos oscilatórios menores, constituído de fases de atividade
média, de produção a todo vapor, de crise e de estagnação, baseia-se
na formação contínua, na maior ou na menor absorção e na
reconstituição do exército industrial de reserva (MARX,1996, p.201):
Portanto, se o exército industrial de reserva se expande e se contrai, tal
como Marx propõe, na medida em que é formado e reconstituído e se os salários
são regulados por tal expansão e contração, então os salários deverão, também,
variar ciclicamente dentro de tal processo. Cabe ressaltar que à medida que a
mecanização penetra todas as esferas da sociedade (industrial, comercial,
agrícola, financeira) o exército industrial cresce a ponto de ficar cada vez mais
difícil sua absorção significativa nas fases de maior capital.
Na busca pelo lucro, a acumulação do capital cresce assim como o exército
industrial de reserva. Enquanto uns produzem ao máximo outros aguardam uma
oportunidade, sendo que a situação poderia ser diferente se o trabalho fosse
dividido racionalmente entre a população. A variação da quantidade de força de
trabalho excedente, provocada pela oscilação da demanda de mercadorias
(produção), muitas vezes é direcionada a outros ramos da Indústria.
Marx (1996) mostra que essa massa dirige-se aos ramos antigos da
indústria ou aos novos, como no caso da construção de ferrovias e também em
subempregos. As oportunidades variam de acordo com os ciclos industriais, ou
seja, quando está em expansão absorve uma parte desse exército de reserva e
quando se contrai, libera-a. Como existem vários setores de produção, essa
população trabalhadora migra para aquele que está em expansão, com boas
margens de lucro e oferecendo melhores salários e, quando este ramo específico
34
satura, então os salários voltam a cair e os trabalhadores acabam voltando para a
reserva.
Marx aponta o desenvolvimento tecnológico e a acumulação de capital
inerente a este, como as principais causas da exploração do trabalhador. A busca
pelo acúmulo de capital resulta, em contrapartida, em acúmulo de miséria e
mantém o exército industrial de reserva totalmente preso e disponível ao capital.
Marx (1996, p.748) diz que ―quanto maior a produtividade do trabalho, tanto
maior a pressão dos trabalhadores sobre os meios de emprego, tanto mais
precária, portanto, sua condição de existência, a saber, a venda da própria força
para aumentar a riqueza alheia ou a expansão do capital‖.
A propriedade privada é o embasamento da essência do capitalismo e
enfatiza a importância de um mercado livre com mecanismo para o movimento e
acumulação de capital. Marx (1988) observa isso, através da dinâmica das lutas
de classes, dando ênfase às relações entre proletariado (classe dominada) e
burguesia (classe dominante). Assim, a classe operária é um pressuposto do
sistema, ou seja, a classe dominante acumulará riquezas por meio da exploração
do trabalho da classe operária.
No capitalismo o trabalhador não possui os meios de produção, pois, foi
destituído deles, logo venderá sua força de trabalho em troca de um salário.
Teoricamente esse salário seria proporcional ao que o mesmo produz, no entanto,
na prática a economia é deturpada pelo capitalista para seu único benefício. O
trabalhador sempre irá produzir mais do que ganha, ou seja, produzirá
excedentes, esse excedente para Marx denomina-se Mais Valia que é o trabalho
excedente apropriado pelo capitalista. Marx demonstrou que o capitalismo se
baseia na exploração do trabalho. Huberman expõe esta análise.
O sistema capitalista se ocupa da produção de artigos para a venda, isto
é, de mercadorias. 0 valor de uma mercadoria é determinado pelo tempo
de trabalho socialmente encerrado na sua produção. 0 trabalhador não
possui os meios de produção (terras, ferra mentas, fábricas, etc.), que
pertencem ao capitalista. 0 valor de sua força de trabalho, como o de
qualquer mercado ria, é o total necessário a sua reprodução - no caso, a
soma necessária para mantê-lo vivo. Os salários que lhe são pagos,
portanto, serão iguais apenas ao necessário a sua manutenção Mas,
esse total que recebe, o trabalhador pode produzir em par te de um dia
de trabalho. Isso significa que apenas par-ce do dia de trabalho o
trabalhador estará trabalhando para si. 0 resto do dia, ele está
trabalhando para o patrão. A diferença entre o que o trabalhador recebe
35
de salário e o valor da mercadoria que produz é a mais-valia. A maisvalia fica com o empregador - o dono dos meios de produção. É a fonte
do lucro, dos juros, das rendas - as rendas das elas classes que são
proprietárias. A mais-valia é também a medida da exploração do
trabalhador no sistema capitalista. (HUBERMAN, 1983, p. 232-233.)
Portanto, a exploração do trabalhador provém da lógica individual,
exploradora do sistema, para o empresário vencer a concorrência entre os demais
produtores e obter lucros para novos investimentos, para isso ele utiliza-se da
destruição daquilo que não lhe trará lucro.
36
CAPITULO III- GRANDES PROJETOS E SOCIEDADE DE ECONOMIA
NATURAL NA AMAZÔNIA
3.1 IMPERIALISMO E INTERNACIONALIZAÇÃO DO CAPITAL
Para se entender o conceito de imperialismo hoje é necessário evidenciar
algumas definições existentes e defendidas por intelectuais ao longo da história.
Hobson (apud HUNT 1982) definiu o Imperialismo como:
um processo social parasitário, através do qual interesses econômicos
existentes no interior do Estado, usurpando as rédeas do governo,
promovem a expansão imperialista para explorar economicamente
outros povos, de modo a extorquir-lhes a riqueza para alimentar o luxo
nacional (HOBSON apud HUNT 1982, p. 379).
Além disso, o imperialismo era visto como decorrente do sentido
nacionalista, religioso, patriótico e do militarismo, além da busca por novos
mercados e lugares que servissem como base para o capital obter lucros.
Assim as estratégias de implementação e legitimação do caráter
imperialista estaria, por exemplo, na utilização do cristianismo como forma/meio
de servir aos interesses do capital monopolista. Isso levou Hobson a dizer que:
O Imperialismo que procuramos entender não é produto de paixões
cegas ou da loucura associada à ambição dos políticos. É muito mais
racional do que parece à primeira vista. Irracional, do ponto de vista de
toda a nação. É racional, do ponto de vista de certas classes da nação
(...) é uma fonte de grandes ganhos para o investidor, que não
conseguindo encontrar em seu próprio país a aplicação lucrativa que
procura para seu capital, insiste em que o Governo o ajude a encontrar
investimentos lucrativos e seguros no exterior‖ (Idem, p. 380).
Com isso é possível verificar o quão propício foi levar os princípios
―civilizatórios‖ e ―cristãos‖ para os países não-capitalistas, provocando a
destruição de suas instituições tradicionais e extermínio de parte da população,
através de várias guerras e expropriações.
Segundo Luxemburgo (1976), o Imperialismo seria uma consequência do
chamado processo de acumulação primitiva, intrínseco ao processo de
acumulação em sua totalidade. Para ela o capital utiliza como solução o uso da
37
força para permitir a livre apropriação dos recursos naturais daquelas sociedades
de economia natural.
A acumulação não pode mais esperar por uma desintegração natural das
formações não capitalistas e sua transição para uma economia de
mercadorias, [ou mesmo] do aumento natural da população apta para o
trabalho e se contentar com isso. A força é a única solução ao alcance
do capital (LUXEMBURGO, 1976, p. 356).
Neste contexto, o processo de dominação imperialista apresentaria quatro
objetivos visando subjugar as chamadas economias naturais, ou seja, aquelas
que não apresentavam uma organização produtiva e de consumo capitalista
(como explicitado no capitulo anterior). O primeiro desses objetivos seria
apoderar-se dos recursos naturais destas economias, seja pela apropriação direta
ou pelo barateamento do preço de suas mercadorias. O segundo seria a
destruição de suas formas de organização (métodos tradicionais de produção), a
fim de transformar seus integrantes em força de trabalho assalariada para servir
ao capital; a terceira seria a inserção da economia de mercado e por fim o quarto
seria possibilitar a separação da agricultura e comércio interligado a estas
economias naturais ( idem).
Ao abordar o imperialismo Lênin (1982) observou a formação de estruturas
industriais que não estavam presentes nas fases anteriores do capitalismo, tais
como trustes e cartéis. Para ele, apoiado em Marx, essas novas estruturas
industriais
surgiriam
da
concorrência,
como
parte
da
dinâmica
de
desenvolvimento imanente ao próprio sistema capitalista. Segundo ele, o
imperialismo do final do século XIX é ―consequência direta da fase de monopólio
do capitalismo nos países avançados, ou seja, a combinação, em uma só
empresa, de diferentes ramos da indústria‖. (LÊNIN, 1982, p. 19).
Assim, com base em Lênin, pode-se observar que as corporações
financeiras se unem para dominar e comandar parte significativa de toda a
riqueza mundial. Isso porque, dentro de uma lógica liberal, as empresas tendem
a concentrar vários ramos da indústria a fim de se tornarem mais competitivas no
mercado e vão buscar sempre parcerias e fusões, com o intuito de aumentarem o
seu poder, gerando megaempresas que dominam uma ou mais áreas da
indústria, monopólio.
38
Este processo de desenvolvimento do capital monopolista acarreta uma
centralização do capital em bancos, que acabam por controlar a economia, visto
que passam a dispor de grande parte do capital das indústrias.
Dessa maneira, uma parte cada vez maior do capital industrial não
pertence aos industriais que o utilizam. Podem dispor do capital
unicamente por intermédio do banco que representa, para eles, os
proprietários desse capital. Por outro lado, o banco também se vê
obrigado a fixar na indústria uma parte cada vez maior de seu capital,
convertendo-se, em proporções crescentes, em capital industrial. E é
esse capital bancário, sob a forma de dinheiro, que pelo processo
rapidamente descrito se transforma em capital industrial, que é chamado
capital financeiro. Ou seja, o capital que se encontra à disposição dos
bancos e que os industriais utilizam. (HILFERDING, apud LÊNIN, 1982,
p.20).
A formação de poderosos blocos de capital bancário e industrial, que
buscam controlar os mercados, intensifica-se por meio da incorporação constante
das empresas com maiores dificuldades, processo este que é inseparável da
internacionalização do capital financeiro.
A exportação de capitais e a repartição do mundo entre os grupos
capitalistas internacionais e as grandes potências são condição e resultado do
predomínio do capital financeiro, da sua transformação em força que impulsiona a
acumulação capitalista em escala mundial.
É neste sentido, que se tem uma nova concepção da prática imperialista
que Lênin (1982, p. 42) denomina ―fase superior do Capitalismo‖ à medida que
ocorre a substituição do caráter concorrencial pela fase monopolista do capital.
A livre concorrência atingiu o limite do seu desenvolvimento entre 1860 e
1880; ora agora vemos que é precisamente após este período que se
inicia o ―esforço‖ prodigioso das conquistas coloniais, que se torna
infinitamente mais aberta a luta pela partilha territorial do mundo. É, pois,
indubitável que a passagem o capitalismo ao seu estágio monopolista,
ao do capital financeiro, se encontra relacionada com o agravamento da
luta pela partilha do mundo (LÊNIN, 1982, p. 77).
Este é o novo contorno assumido pelo imperialismo no início do século XX
momento em que
A particularidade fundamental do capitalismo moderno consiste na
dominação exercida pelas associações monopolistas dos grandes
patrões. Estes monopólios adquirem a máxima solidez quando reúnem
nas suas mãos todas as fontes de matérias-primas, e já vimos com que
ardor as associações internacionais de capitalistas se esforçam por
retirar ao adversário toda a possibilidade de concorrência, por adquirir,
39
por exemplo, as terras que contêm minério de ferro, os jazigos de
petróleo, etc. A posse de colônias é a única coisa que garante de
maneira completa o êxito do monopólio contra todas as contingências da
luta com o adversário, mesmo quando este procura defender-se
mediante uma lei que implante o monopólio do Estado. Quanto mais
desenvolvido está o capitalismo, quanto mais sensível se toma a
insuficiência de matérias-primas, quanto mais dura é a concorrência e a
procura de fontes de matérias-primas em todo o mundo, tanto mais
encarniçada é a luta pela aquisição de colônias. (LÊNIN, 1982, p. 68).
Lênin (1982) entende o imperialismo como exportação de capitais realizada
pelo capital monopolista financeiro em busca de altas taxas de lucro e que, às
vezes, vem associado à ocupação territorial. Para ele, seria imperialismo a
ampliação da acumulação capitalista, com exportação de capitais e fusão do
capital bancário com o industrial; novo arranjo das classes dominantes; nova
forma
de
extrair
sobretrabalho;
organização
política
característica,
a
socialdemocracia (FONTES, 2007).
Assim, pode-se entender o imperialismo como fenômeno de expansão e
mundialização da economia capitalista caracterizado pela exportação de capitais
em busca de maiores taxas de lucro e que se mostra de diferentes formas ao
longo de sua história.
Então, o Imperialismo seria, na definição do próprio Lênin, a fase
superior, monopolista do capitalismo, em que a divisão entre a propriedade e a
gestão do capital atinge grandes proporções. Ou seja, representa uma fase
superior do desenvolvimento capitalista. Conforme argumenta;
É o capitalismo chegado a uma fase de desenvolvimento onde se afirma
a dominação dos monopólios e do capital financeiro, onde a exportação
dos capitais adquiriu uma importância de primeiro plano, onde começou
a partilha do mundo entre os trustes internacionais e onde se pôs termo
à partilha de todo o território do globo, entre as maiores potências
capitalistas‖ (LÊNIN, 1982. p. 88).
Neste sentido, as multinacionais representam uma importante ferramenta
neste processo de imperialismo e internacionalização do capital descrito por
Lênin.
Para
Benakouche
(1986)
houve
no
pós-guerra
uma
intensa
internacionalização do capital, cuja novidade seria a internacionalização dos
processos produtivos, através dos investimentos diretos das multinacionais.
40
A ‗internacionalização do capital‘ (entendendo capital como relação
social) indica essencialmente, um alargamento do espaço no qual é
produzido, e no qual se reproduz esta relação social. Logo, o processo
de exploração da força de trabalho se organiza e se reproduz em escala
internacional. (BENAKOUCHE, 1986, p.67).
Por produzirem seus diferentes produtos em muitos países, tais empresas
ficaram consagradas como multinacionais. O termo ―multinacional‖ foi cunhado
pelo economista norte-americano David Lilienthal, em 1960, o qual dirigiu o
projeto de desenvolvimento do Vale do Tennessee (KUCINSKI, 1989).
as grandes empresas oligopolísticas e monopolísticas que dominam a
economia dos países centrais, sejam industriais, comerciais, extrativas,
financeiras ou de serviços, apenas alcançam o estágio de efetiva
integração mundial da produção a partir da segunda metade deste
século, quando passam a ser denominadas multinacionais (BRESSER,
1978, p.12).
Este processo econômico é evidenciado inicialmente como base de troca,
interação entre países: a ―Economia Internacional é entendida como um conjunto
de trocas entre nações‖ (BENAKOUCHE, 1986, p. 10).
São os capitais internacionais, como o da Volkswagem, que fizeram com
que a produção internacional (produção das filiais fora dos seus países
de origem) seja hoje bastante superior aos fluxos tradicionais de
mercadorias entre as nações (idem, p. 09).
Inicialmente é preciso verificar que a expansão capitalista nos níveis
nacional e mundial mudou bastante desde seu aparecimento até agora, ou seja,
as formas de acumulação do capital transformaram-se, isso quer dizer que as
relações sociais, formas de exploração mudam em função do capitalismo. Assim:
Se os modos e formas de acumulação de capital mudam com o tempo
seus elementos de articulação, tais como as formas de exploração, as
formas das relações sociais, as formas da estrutura produtiva, as formas
do Estado, as modalidades das cotas de classes etc., evoluem e mudam
em função do grau atingido pelo desenvolvimento do capitalismo. (idem,
p. 28)
Nesta perspectiva, é necessário evidenciar que o capitalismo estende-se
em uma escala mundial, suas formas de expansão mudam bastante ao longo dos
anos, conduzindo a um processo de internacionalização do capital. Esta
internacionalização torna-se mais evidente hoje com as empresas multinacionais,
41
porém, originou-se durante os anos 1880 surgiu com a emergência do capitalismo
e só atualmente atinge seu pleno desenvolvimento .
Este desenvolvimento se fez em três fases. O primeiro refere-se à
internacionalização do capital-mercadoria que contribuí para uma expansão do
processo de troca, além da inserção do capital nos espaços onde existem outras
formas diferenciadas de organização e produção:
O movimento da acumulação do capital, sob a base
internacionalização do capital-mercadoria contribui para um processo
ampliação das esferas de troca (mercados), para a introdução
capitalismo nos espaços onde existiam outros modos e formas
produção, e também para a inserção das relações externas
desenvolvimento contraditório da acumulação de capital (idem, p.36).
da
de
do
de
no
A segunda baseia-se na internalização do capital dinheiro o qual se deu por
meio da expansão dos mercados internos representados pelos países centrais
que, conseqüentemente, precisou da formação de um capital financeiro. Porém, é
preciso evidenciar que essa internacionalização é parcial, pois ocorre apenas em
países centrais Por fim, tem a internacionalização do capital produtivo, o qual se
intensificou
a
partir
dos
anos
60
do
século
XX.
Este
processo
de
internacionalização deve-se a um espaço econômico mundial único. Isso quer
dizer que este processo estendeu-se aos países periféricos deixando de ser
apenas central e parcial. Esta expansão deveu-se, principalmente, à atuação das
empresas multinacionais, ou seja, ―a deslocação da produção industrial do centro
para a periferia‖ (idem, p. 37).
De acordo com Pereira (1978) pode-se distinguir quatro etapas no
processo de expansão internacional das multinacionais. Inicialmente, tem-se o
desenvolvimento de empresas extrativistas, agrícolas, baseadas na divisão
internacional do trabalho.
As empresas extrativas são organizadas pelos próprios países centrais.
No caso da produção agrícola, ou se apoiam na atividade empresarial de
produtores locais (como foi o caso do Brasil), ou organizam eles próprios
as plantations. Em qualquer hipótese, controlam o comércio em alto grau
e tendem a implantar serviços públicos — como ferrovias, administração
dos portos, geração de energia, comunicações — além de
desenvolverem um sistema bancário nesses países (BENAKOUCHE,
1986, p.13).
42
O que se verifica nesta fase é que as multinacionais não se interessam em
implantar indústrias, cuja produção fica reservada aos países centrais.
Na
primeira metade do século XX, tem-se uma nova fase que compreende ao
estabelecimento de escritórios de vendas, montagem e assistência técnica das
empresas industriais dos países centrais.
A partir da introdução da energia elétrica, do taylorismo, e das técnicas
de produção em massa através da linha de montagem (especialmente
na indústria automobilística), ou da produção por fluxos contínuos
(indústria química e petroquímica, principalmente), as empresas
industriais crescem extraordinariamente. O desenvolvimento do modelo
de organização multinacional-funcional descentralizada permite que esse
crescimento ocorra sem perda de eficiência administrativa. As empresas
buscam então garantir seus mercados internacionais para exportação,
instalando tais escritórios de vendas e oficinas de assistência técnica e
de montagem nos demais países centrais e nos periféricos (idem, p.14).
O terceiro momento se dá, a partir dos anos 50, pós Depressão quando o
capitalismo encontra-se plenamente recuperado, momento em que as empresas
dos países desenvolvidos/centrais buscam substituir as exportações por meio da
implantação de empresas/unidades industriais em outros países também centrais,
e ainda nos periféricos mais emergentes.
No Brasil, a entrada das empresas multinacionais manufatureiras,
durante os anos cinquenta, tem nitidamente o sentido de substituir
exportações e assegurar o mercado brasileiro ameaçado pelo
desenvolvimento da indústria nacional substitutiva de importações. A
indústria de eletrodomésticos, a farmacêutica, a de alimentos
sofisticados, a automobilística, a petroquímica e a de bens de capital
implantam-se, principalmente, nesse período (idem, ibidem).
A quarta etapa no movimento das empresas multinacionais dá-se a partir
dos anos sessenta do século xx, define-se a concomitante à continuação do
desenvolvimento da terceira etapa. Nesta fase o objetivo básico era assegurar os
mercados locais. Para tanto, visava-se aproveitar a força de trabalho barata para
a produção de bens. O elemento decisório o qual se encontra agora é a oferta e
não a procura.
Principalmente as grandes empresas norte-americanas, depois de
experimentarem durante alguns anos a concorrência da mão-de-obra
barata japonesa, decidem contra-atacar, estabelecendo bases
manufatureiras de exportação nos países periféricos. Os países
escolhidos para esse tipo de investimento são aqueles que aliam a mãode-obra barata a uma total dependência política. E o caso de Hong-Kong
e de Formosa (idem, p.15).
43
Hoje o capitalismo é mundial e as relações de produção capitalista foram
introduzidas e propagadas em países ditos periféricos. Com isso observa-se a
―internacionalização da produção‖ (idem, p.08).
Há um quarto de século que as empresas multinacionais vêm crescendo de
demasiado crescimento no cenário das relações internacionais. Isso se deve ao
extenso controle de recursos que elas possuem, a sua extensa inserção, a grande
força-de-trabalho que aglomeram e até mesmo a sua própria estrutura e natureza
oligopolista, o que implica em um papel importante nas relações econômicas.
―Toda multinacional é a sobrevivente vitoriosa de lutas por mercados nas quais
arruinou concorrentes que depois absorveu, um processo interminável de
concentração de capital e monopolização da produção‖ (KUCINSKI, 1989, p.27).
Nesse contexto, opera-se, pois, uma profunda alteração na Divisão
Internacional do Trabalho, porquanto muitos países deixam de ser apenas
fornecedores de alimentos e matérias-primas para o mercado internacional para
se tornarem produtores e até exportadores de produtos industrializados.
Grandes empresas de países desenvolvidos, também conhecidas como
corporações, instalaram filiais em países subdesenvolvidos, onde passaram a
produzir cada vez mais produtos. É neste sentido que as multinacionais assumem
um papel importante no cenário mundial no processo de acumulação e avanço
imperialista.
Assim sendo, verifica-se que esta nova realidade, a internacionalização da
produção, é consequência do deslocamento destas empresas, apresentando
como suporte deste processo as multinacionais. ―Ou seja, as multinacionais
participam dinâmica e maciçamente da metamorfose da Economia Internacional
para uma Economia Mundial‖ (BENAKOUCHE, 1986, p. 57). Isso significa que
reprodução das condições de produção e a realização do capital ocorrem, a partir
deste momento, em escala mundial.
44
3.2 GRANDES PROJETOS E EXPANSÃO CAPITALISTA
Desde que surgiu, e devido à sua essência, produzir para o mercado,
objetivando o lucro e, consequentemente, a acumulação da riqueza, o capitalismo
sempre tendeu à internacionalização, ou seja, à incorporação do maior número
possível de povos ou nações ao espaço sob o seu domínio.
Isto pode ser apreendido em dois níveis, quais sejam a
internacionalização das seções e dos ramos industriais e o fato de que o
mesmo capital explora as forças de trabalho localizadas nos diversos
quadros nacionais (BENAKOUCHE, 1986, p. 64).
Observa-se que a internacionalização do capital tende a igualar o modo de
reprodução da força de trabalho, isto é, as formas de extração de mais-valia.
Para escapar dos encargos sociais e do pagamento dos altos salários
conquistados pelos trabalhadores de seus países, além de buscar mercados e
aumentar seu poderio imperialista as grandes empresas industriais dos países
desenvolvidos optaram pela estratégia de, em vez de apenas continuarem
exportando seus produtos, também produzi-los em outros países, até então
importadores dos produtos industrializados que consumiam.
Dessa maneira, barateando custos, graças ao emprego de força de
trabalho bem mais barata, menos encargos sociais, incentivos fiscais, entre outros
e, assim, mantendo, ou até aumentando, lucros, puderam praticar altas taxas de
investimento e acumulação.
A inclusão da Amazônia nesta internacionalização do capital trouxe para a
região a concepção de fornecedora de recursos naturais. Dessa forma, várias
foram as formas econômicas que estabeleceram essa lógica de desenvolvimento
regional: a mineral, a madeireira, a agrícola, a energética e a urbana. As
implicações no ordenamento econômico-territorial dessas mudanças podem ser
verificadas na expansão por toda a região de uma racionalidade direcionada pela
ideia de modernidade.
No Brasil, a Região Amazônica, por apresentar uma grande diversidade de
recursos naturais, com inegável potencial econômico, torna-se, a partir da década
45
de 1960, a última fronteira do capital nacional, dando início a um novo e
conturbado ciclo.
Nesse contexto, a Amazônia constituiu-se como espaço privilegiado para
os grupos econômicos. O seu reordenamento territorial e os eixos de
produção estão relacionados à nova ordem econômica e tecnológica.
Isso significa a ―possibilidade de implantar rapidamente novas estruturas
produtivas no território, abrindo mercados para seus produtos e
expandindo-o em escala internacional, conectando o local ao global pelo
sistema de produção capitalista mundial‖ (BECKER, 1998, p. 64).
Para se compreender os Grandes Projetos na Amazônia e suas inúmeras
consequências, é indispensável que se realize uma análise histórica de seu
processo de implantação na região amazônica.
Os grandes projetos que se implantaram na Amazônia, dispuseram de uma
atrativa política governamental: incentivos fiscais, baixos preços pagos pelo bem
extraído (minerais e outros), baixa qualificação da força de trabalho e, por
consequência, salários irrisórios, entre outras vantagens.
A compreensão dos Grandes Projetos na Amazônia, e suas inúmeras
consequências, demanda a indispensável tarefa de realizar uma análise histórica
do processo de implantação destes empreendimentos na região amazônica.
Para Leal (1996) apud Fialho Nascimento (2006), ―o termo grande projeto
surgiu na Amazônia da década de 70 para designar empreendimentos-enclaves
que operam retirando recursos em grande quantidades e mandando-os para fora‖.
Os Projetos FORD e ICOMI são alguns destes:
O primeiro situou-se a partir da década de 1920, no rio Tapajós ligado aos
interesses norte-americanos pela disputa do monopólio da borracha com os
britânicos e o segundo, configurou-se no Amapá no final da década de 1940 com
a extração do manganês a fim de atender as necessidades militaristas dos
Estados Unidos na Guerra Fria. Configurando-se ambos como processos
neocoloniais de ocupação e saque da região amazônica.
A partir do século XVI, evidenciou-se o primeiro problema do qual
padeceria a Amazônia: seus supostos ―descobridores‖. Desde o século XV,
europeus, principalmente portugueses e espanhóis, lançam-se nos oceanos
Índico e Atlântico, com dois objetivos principais: descobrir uma nova rota marítima
para as Índias e encontrar novas terras, período conhecido como a Era das
Grandes Navegações e Descobrimentos Marítimos. No século XV, os países
46
europeus que quisessem comprar especiarias (pimenta, açafrão, gengibre, canela
e outros temperos), tinham que recorrer aos comerciantes de Veneza ou Gênova,
que possuíam o monopólio da comercialização destes produtos.
Com relação ao comércio, a Índia era o principal mercado fornecedor, e os
burgueses italianos cobravam altos preços pelas especiarias, pois o canal de
comunicação e transporte destas, vindas do oriente era o Mar Mediterrâneo,
dominado pelos italianos. Assim, encontrar um novo caminho para as Índias era
uma tarefa necessária, porém um objetivo importante. Portugal e Espanha
ambicionavam o acesso direto às fontes dos produtos orientais, a fim de também
lucrar com este comércio que, na época, era próspero.
Com efeito, a partir do ―Tratado da Capitulação da Partição do Mar
Oceano‖, conhecido por Tratado de Tordesilhas, acordo da divisão das terras por
descobrir, celebrado em 1494, a Amazônia, tal como está hoje legalmente
configurada, tornar-se-ia domínio, em sua maior parte, da Espanha, mais tarde,
em 1580, Portugal, por meio de lutas e conquistas, teria maior parte do território
amazônico.
O que se verificou ao longo dos anos, é que desde o chamado
descobrimento, a porção da Amazônia pertencente aos portugueses não era o
centro de suas investidas econômicas, o que se pode evidenciar no sistema de
donatarias que visou colonizar e ocupar o litoral, e não o sertão 6 brasileiro. A
Amazônia, portanto, não foi o objeto inicial de interesse da ação portuguesa, que
não interveio de imediato na região, o que vai ocorrer apenas no início do Século
XVII.
Conquistada pelos portugueses a partir de muitas lutas, com holandeses,
espanhóis, entre outros a Amazônia precisava ser mantida. Era de se esperar que
espanhóis, franceses, holandeses e ingleses não se conformassem com a
propriedade/ posse portuguesa da região, outorgada por meio do Tratado já
citado; este inconformismo motivou as disputas em torno das terras ―descobertas‖.
Os ingleses tentaram se estabelecer, na margem Norte, junto à foz. Quanto
aos espanhóis, pressionaram de Oeste para Leste, pretendendo conduzir suas
6
O significado original da palavra refere-se a uma região afastada dos centros urbanos.
Ou, simplesmente, o interior de um país ou região.
47
ações,. Foi aí que se depararam com as estátuas de pedra, os fortes da
Amazônia, erigidos pelos luso-brasileiros para lhes fechar o caminho.
É neste contexto que se dá a fundação do Forte do Presépio, em 1616, por
Francisco Caldeira Castelo Branco, que deu origem à atual cidade de Belém.
Percebe-se que esta fundação não foi ocasional, pois além da ―suposta‖ defesa
militar, o Forte exerceu papel importante para a consolidação da conquista da
Amazônia pelos portugueses e, além disto, havia o interesse nas chamadas
drogas do sertão7.
Estas especiarias nativas brasileiras não existiam na Europa, e atraíam, por
isso, o interesse dos europeus, que as consideravam ―novas especiarias‖,
comparadas às indianas.
Com a construção do Forte do Presépio, de inspiração militar, conforme se
viu, surge, também, uma perspectiva que comandará, posteriormente, a
intervenção estatal na região, dando-lhe o sentido que se tornará um signo: o
pretexto da defesa militar evocado de acordo com as sazonais pretensões
econômicas que se formulam em face da região.
Pode-se fazer tal análise, também, acerca do denominado período
gomífero, primeiro grande período da integração da Amazônia ao mercado
mundial capitalista, ou seja, quando ela passa para o estágio de produção,
primeiro de meio de consumo para atender a metrópole, em uma relação colonial,
para condição de espaço de suprimento de meios de produção para acumulação
centrada na indústria, então esse é o período gomífero que vai da década de
1870 até a segunda década século XX, consistindo em processo de ocupação,
decorrente da migração de pessoas e empresas para a Região Amazônica.
A descoberta da borracha, enquanto goma elástica ocorreu já quando
Colombo chegou ao continente americano, na sua segunda viagem,
quando observou no Haiti as bolas especiais que as populações
indígenas faziam, a partir do látex extraído de algumas plantas. No
México, os europeus observaram que as populações indígenas
fabricavam vários produtos de uso pessoal e de utilidade doméstica,
como vasilhames, capas para proteção contra frio, inclusive de recémnascidos. Chamava também a atenção o fato de que o produto tinha
grande elasticidade e impermeabilidade (RIBEIRO, 2005, 163).
7
Este termo designa determinadas especiarias extraídas do sertão brasileiro, à época das
entradas e das bandeiras.
48
Foi na Amazônia, porém, que os colonizadores do continente americano
descobriram que existia o melhor tipo de goma elástica da qual iria surgir a
economia gomífera no qual a borracha acabaria por ser reconhecida como
produto estratégico para o desenvolvimento. .
Nesta fase de produção mais empírica, seja na coleta do produto, seja
na sua manufatura, passou ser conhecido pela denominação de
borracha, termo adotado pelos portugueses aplicado a um produto de
uso tradicional em Portugal: um saco de couro ou odre totalmente
vedado, para conter líquidos, principalmente água e vinhos; com o
aparecimento da goma elástica possível fazer esse saco de forma mais
adequada, pois tinha um pequeno tubo ajustável na boca que servia
como seringa. O nome do saco ou odre passou a ser aplicado a matériaprima de que era fabricado, isto é, o látex da seringueira passou a
chamar-se borracha (idem, p. 164).
Esta economia da borracha provocou grandes mudanças na Região
Amazônica com a migração de nordestinos atingidos pela seca e miséria que
vieram para a Amazônia em busca de melhores condições de vida, o que não
aconteceu visto que se tornaram ―escravos‖ por dividas 8.
Constituía-se, assim, uma economia não monetarizada: produtos
trocados por produtos; o escambo. Isolado do mundo, reduzido a solidão
humana, o seu universo era o binômio, o rio e a floresta; não tinha
alternativa , a anão ser deixar-se manipular pelo patrão; era a práxis da
escravidão por dividas, cuja dimensão não sabia sequer avaliar, porque
era analfabeto e se achava em situação de dependência absoluta diante
do seringalista (IDEM, p. 169).
A segunda fase dessa economia na verdade é a fase da ―batalha da
borracha‖ que se prende a uma reutilização das condições naturais da região para
o suprimento dos insumos indispensáveis para guerra pela hegemonia mundial
dos Estados Unidos da América para o princípio da segunda metade do século
XX.
É importante acentuar o modelo creditício concebido pelo capitalismo
atuante na Região, o custeio das safras
de exploração dos produtos: o
aviamento9. É a batalha da borracha que nasce a partir do acordo de Washington
8
Os nordestinos ficaram dependentes do seringalistas, aquele que de fato era o dono do
seringal e que lhe fornecia os gêneros alimentícios que ele e a sua família precisavam para
sobreviver (o minimo possível) os quais eram pagos com o produto da coleta da borracha o que
nunca era suficiente e o nordestino sempre estava em divida com o seringalista (FERREIRA, p.
171)).
9 Modelo creditício concebido para o custeio da safra de borracha (FERREIRA, p. 171).
49
o qual cria não só o banco de crédito da borracha como a Vale do Rio Doce e que
estrutura a economia da borracha como uma economia de guerra e de
atendimento as necessidades militares dos Estados Unidos.
O objetivo do esforço ou da batalha era o fornecimento de látex (matériaprima de muitos dos instrumentos utilizados na Segunda Guerra), cujo grande
fornecedor, a partir de 1941, foi quase totalmente dominado pelas forças
japonesas do Eixo.
Tal situação deixou os Estados Unidos da América em uma situação muito
difícil, o que motivou acordos com o Brasil em dois sentidos: a) envio de forças
militares para lutar na Europa e b) fornecimento de borracha dos seringais
amazônicos. Foram enviados para a Região cerca de 60 mil pessoas, em sua
maioria, recrutadas no Nordeste, quase que à força (NEVES, 2004).
A confirmar tal quadro, têm-se os fatos, depois reconhecidos pela
Constituição de 1988, de seringueiros terem sido abandonados à própria sorte
nos seringais, sabendo do fim da Guerra apenas muito tempo depois do fim
(NEVES, 2004).
No período seguinte, décadas de 1960 e 1970, ficou evidente que a
formação
de
um
exército
de
reserva,
em
anos
anteriores,
composto
principalmente de nordestinos, provocou um deslocamento maciço de pessoas na
direção da Amazônia, de maneira mais ou menos espontânea, mas de todo modo
em função dos Grandes Projetos que a Ditadura Militar projetava para a
Amazônia, tal como a colonização oficial.
A década de 1970 foi marcada pela propaganda agressiva e ufanista do
regime militar, no sentido de ser o Brasil um país imbatível economicamente e em
plena ascensão, o que possibilitava às campanhas publicitárias do Governo o
sucesso no estímulo, direto ou indireto, aos migrantes, no sentido de ocuparem a
Amazônia.
A partir do final da década de 50 surgiram os prenúncios de mudanças
cada vez mais aceleradas, alheias a essa dinâmica interna, relativa ao
ritmo de trabalho e à vida diária da grande maioria da população
amazônica, francamente diverso daquele das grandes cidades,
principalmente no uso do tempo e na relação com os recursos naturais,
Da simples aquisição de terras, os grupos econômicos industriais e
financeiros passaram a instalar suas empresas na Amazônia.
Acompanhando esse movimento e buscando garanti-lo, o Estado
reelaborou as políticas de incentivo a essa forma de ocupação que, num
50
primeiro momento, era incipiente. De uma ocupação garantida e
incentivada pelo Governo Federal na década de 60, iniciou-se uma
ocupação fortemente induzida pelo Estado e com ritmo acelerado a partir
da década de 70. O discurso justificador da ação estatal passou a ser a
busca da ‗integração nacional‘. Na realidade isso quer dizer maior
articulação da Amazônia com a economia que se desenvolvia no CentroSul do país, onde ela se inseria como fornecedora de produtos primários
(borracha, madeira, couros, peles, etc.) para exportação e para suas
fábricas, visando o pagamento da dívida externa e o desenvolvimento
dessa economia (BENTES 1992, p. 90-91).
Vinham os migrantes por meio de tais Projetos (as Rodovias) e/ou para
neles trabalhar em grandes obras, como hidrelétricas ou projetos de extração
mineral, agropecuários, entre outros (IANNI, 1979).
Se a visão nacional sobre a Amazônia é esta, como foi apresentada acima,
e se o seu papel é o de servir ao ―grande capital‖, então é fácil entender a ideia
introdutória acerca dos incentivos que permitem a implantação dos Grandes
Projetos na Amazônia. Paula (2008) afirma que:
é preciso pensar no desenvolvimento do capitalismo na Amazônia como
um complexo de superposição de fronteiras em que, há uma fronteira
básica baseada no sistema de aviamento, superpõe-se uma nova
fronteira comandada por um novo sujeito, o Estado, que chamou a si a
missão de garantir não só a ampliação territorial a fronteira, como
também adicionou uma nova fonte de superlucros mediante a política de
incentivos fiscais, que não fez mais que transferir para o grande capital
parcela da renda nacional, repondo assim a velha prática das classes
dominantes brasileiras de socialização das perdas e privatização dos
lucros (Idem, p. 21).
A sustentar esta ideia está o fato de que a Região Amazônica é sempre um
lugar a ser modernizado, a ser posto em evolução, a ser desenvolvido. Ocorre
que tudo o que é pensado para a Região e/ou praticado, pauta-se na lógica de
tornar a Região sempre o uma reserva de recursos no qual o capital pode
apoderar-se quando desejar, a pretexto de trazer desenvolvimento para a
Amazônia. Como afirma Paula (2008):
Em grande parte desconhecida, e frequentemente mitologizada, a
Amazônia tem sido de fato uma reserva estratégica de riquezas de que o
Capital, intermitentemente, lança mão para a produção de superlucros,
seja como exploração das drogas do sertão, seja como fronteira passível
de apropriação e valorização do capital investido na compra de terras,
seja como província mineral, seja como fronteira agropecuária (Idem, p.
23).
51
É importante notar que os anos de exclusão e ausência de planejamento,
combinados com a tendência, já vista, de tratar a região amazônica como uma
reserva de recursos naturais, produziram assentamentos humanos sem a mínima
infraestrutura social (educação, saúde, transportes, saneamento).
Neste contexto, é importante evidenciar o papel do Estado neste processo
que não é novo no desenvolvimento do capitalismo monopolista nos últimos anos.
Ele é aquele que possibilita as condições necessárias à implantação das
multinacionais e com isso dos grandes projetos minero-metalúrgico como
ferrovias, estradas, portos entre outros, além disto, é o protetor da distribuição
desigual da propriedade.
Isto demonstra que desde a colonização, a Amazônia, apenas de modo
episódico, foi objeto de políticas sociais planejadas e concretizadas, para os que
vivem
na
região,
apresentando,
assim,
características
tecnocráticas,
determinando o autoritarismo da intervenção do Estado.
Não paira qualquer dúvida, deste modo, sobre qual é a visão que o Estado
brasileiro, desde sua formação, tem da Amazônia: um cenário a ser
―redescoberto‖ e reconquistado. Essa conclusão ampara a ideia de que a diminuta
concretização de qualquer política pública para a Amazônia é, em si mesma, uma
regulação do problema: na ausência do Estado, as regras são ditadas por quem
detém a força (os meios de coerção) e por quem detém os meios de formação de
algum ―consenso‖ social em torno de sua atuação (vide, por exemplo, o poder de
fazendeiros em algumas regiões, de caráter paternalista, até mais populista que o
praticado pelo Estado).
O fato de o Estado possuir o poder de decretar impostos, regular o
comércio internacional, às terras públicas, o comércio e o transporte, a
manutenção das forças armadas, e o encargo da administração pública, funciona
como um mecanismo de drenagem de riqueza para as mãos de grupos
―especiais‖ e minoritários, tanto por meios legais como ilegais.
O que se verifica é que, historicamente, a implantação dos grandes
projetos está ligada à exploração territorial e degradação ambiental da Amazônia,
pautada em um discurso de desenvolvimento e modernização, mas ocasionando
problemas sociais e ambientais à população que nela reside.
52
Os Grandes Projetos na Amazônia, apesar de seu pretenso objetivo de
ocupar e integrar a Amazônia assim não se fez. Os da vertente mineral foram
assim analisados por Leal (1991, p. 21).
Esse ramo (mineral) sedia os maiores exemplos, hoje, dos chamados
grandes projetos, que, embora não sendo novidade na Região – seus
modelos já existiram nela desde o século XIX – se tornaram no
instrumento acabado de ocupação e exploração em escala das riquezas
naturais amazônicas nêste (sic) período recente.
Além disto, a relação entre indicadores econômicos (como o superávit de
uma balança comercial, a mineral a propósito, ou o PIB estadual e/ou nacional) e
indicadores sociais (IDH) tem se mostrado deficitária 10..
Os efeitos que esta espécie de ocupação e uso do território amazônico
gerou se fizeram sentir drasticamente no meio ambiente e no homem amazônida
que tinha uma atividade essencialmente extrativista dos produtos da floresta e
dos rios, para fins de subsistência e agora se vê, em boa medida, seja pela
contaminação/destruição das fontes de recursos (águas, florestas), tolhido na sua
relação com tais recursos.
O significado de desenvolvimento econômico é mais amplo que o de
enriquecer e crescer. Envolve a diminuição da desigualdade social e regional, a
garantia de um padrão de vida digno e a justa distribuição e acesso dos homens e
mulheres às riquezas, sejam estas: renda, território ou recursos ambientais.
No entanto, o modelo de ―projetos de desenvolvimento‖ implantado no
Brasil tem produzido impactos irreparáveis para as populações da Amazônia e
para o desenvolvimento de seus territórios. O deslocamento forçado de
populações ribeirinhas devido à implantação de grandes projetos é um exemplo
de impacto desses projetos.
Com isso, os Grandes Projetos podem ser vistos como empreendimentos
econômicos de larga escala que visam à produção (geração de capital) por meio
da exploração dos recursos naturais da Amazônia, bem como a organização e
controle do território e, caracterizam-se, principalmente, pela grandiosidade das
10
Sobre este assunto ver FIALHO NASCIMENTO, Nádia. Amazônia e desenvolvimento
capitalista: elementos para uma compreensão da ―questão social‖ na região. 2006. 195f. Tese
(Doutorado em Serviço Social) – Programa de Pós Graduação da Escola de Serviço Social,
Universidade Federal do Rio de Janeiro. referente aos indicadores sociais e sua vinculação aos
grandes projetos.
53
construções, da mobilização de capital e força de trabalho, implicando em lucro
para o capitalista e degradação para o local em que se instala.
3.3 SOCIEDADES DE ECONOMIA NATURAL NA AMAZÔNIA
A partir da última década, a Amazônia, especialmente, a área do Baixo
Amazonas tornou-se espaço de grande atração para empreendimentos não só
minerais, mas de outras atividades econômicas de cunho ocupacionista e
expansionista como, a soja, a extração de madeira, o agronegócio, entre outros
visando a obtenção de lucro a partir da expropriação dos recursos, da terra,
degradação ambiental, tudo isto com a anuência do Estado. ―Os agentes dessa
ocupação são fazendeiros, madeireiros e sojeiros oriundos de outros Estados,
mas principalmente do Sul do país, sobretudo do Mato Grosso do Sul e Rio
Grande do Sul. Chegando à Região geralmente através da BR-163‖ (LEAL,
2011.).
Assim, em busca de terra para desenvolver e explorar estas atividades
invadem espaços, desmatam, agridem e até mesmo matam em um processo de
aquisição violento e conflitante. Como, na maioria das vezes estas áreas estão
em territórios ocupados, isso acaba por aproximar estes ―capitalistas‖ de
comunidades locais que habitam tradicionalmente estas áreas.
Devido a isso, encostam, inevitàvelmente, nas áreas tradicionalmente
ocupadas por populações locais organizadas segundo formas simples de
atividade produtiva: ou remanescentes de indígenas ou quilômbolas, ou
grupos sociais nativos ali fixados imemorialmente, e que, na terminologia
costumeira, são classificados como populações tradicionais (Idem, p. 02)
Estas comunidades apresentam um sistema produtivo de caráter natural,
formas simples de produção voltadas, principalmente, para subsistência, com
pouca ou nenhuma caraterística capitalista de organização.
Porém com a chegada destes fazendeiros, empresários interessados na
terra estabelece-se um conflito em relação à população local que tem destruído
seu ambiente natural, indispensável ao seu processo de desenvolvimento e
sobrevivência, seja pelo desmatamento, necessário ao plantio de soja e outros
produtos, pela extração de madeira, pela poluição consequente de projetos
minero metalúrgicos, ou ainda para pecuária e agronegócio.
54
A partir daí, várias são as estratégias de controle e formas de dominação
destas populações. Estas são obrigadas a vender suas terras, a modificar seus
hábitos até findarem e/ou venderem sua força de trabalho ao capital.
Como resultado disso, e devido ao que sempre acompanham essa onda
invasora os métodos violentos de tomada da terra, começam a surgir
ameaças de morte contra os moradores ou as lideranças que resistem
às pressões dos invasores ou organizam a resistência contra o esbulho,
porque a figura do pistoleiro está sempre associada à pressão sobre a
terra por parte dêsses grupos que chegam de fora (idem, p.03).
As consequências disso levaram a que essas comunidades locais
passassem a serem acompanhadas e assistidas pelos órgãos de assistência,
pastorais, ONGs, entre outros, tornando-se ainda, objeto de pesquisa e analise
por muitos pesquisadores a fim de possibilitar um desenvolvimento critico a fim de
que percebam o processo em que estão inseridos e possam manter-se como
grupo social, contra todo esse processo.
Assim estas populações atingidas por esta lógica de desenvolvimento e
ocupação moderna acabam por perder sua identidade, sua organização social e
são obrigadas a deixar suas terras e a migrarem para outros locais em busca de
reconstruir sua vida e passam a estabelecer-se em torno de cidades ou periferias
visto que não possuem condições básicas de prover sua subsistência o qual lhe
foi retirada pelos capitalistas.
Via de regra, as populações nativas atingidas pela ocupação moderna
que se instala no espaço ocupado por elas têm tido, como única
alternativa – embora as tentativas de resistência que surgem dentro
delas contra êsse processo –, assistir passivamente às transformações
provocadas pela chegada da modernização, e a destruição das suas
formas originais de organização produtiva e social, e da sua cultura
(idem, ibidem ).
Dessa forma, estas comunidades retiradas de seu local passam a
concentrar-se em locais dominados pela lógica do capital, porém como estes não
possuem a convivência direta com o sistema e não são força produtiva e,
portanto, constituem a partir disto segmento pauperizado, marginalizado o que
implica no agravamento das condições sociais já existentes no ambiente, acabam
contribuindo para o inchaço urbano, o aumento da miséria, da violência, do
desemprego e outras problemáticas oriundas
55
Como são grupos sociais tradicionalmente desacostumados à
convivência com o mercado e com a sociabilidade que dêle emana, a
falta de familiaridade com êle os relega, na nova situação, à condição de
segmentos marginalizados, marcados pelo desemprêgo e pela falta de
ocupação produtiva, passando a constituir-se agentes diretos do
agravamento das condições sociais já críticas, existentes no novo local
(idem, ibidem)
É necessário evidenciar, porém, que estas comunidades são definidas
jurídicas e por muitos pesquisadores como populações tradicionais, termo que
não se configura analiticamente como categoria conceitual, e sim como uma
terminologia que, ao longo dos anos foi redimensionada, reconfigurada e
constituída de um caráter simbólico e cultural em função das lutas de resistência
desses grupos, tornando-se, em muitos casos, um instrumento (in) direto a
acumulação do capital.
Segundo Santilli (2005) deve-se entender a definição de ―populações
tradicionais‖ a partir da interface entre biodiversidade e sociodiversidade.
Ainda que alguns antropólogos apontem as dificuldades geradas pela
forte tendência à associação com concepções de imobilidade histórica e
atraso econômico e considerem o conceito ―problemático‖ em face da
forma diversificada e desigual com que os segmentos sociais se inserem
na Amazônia socioambiental, a categoria ―populações tradicionais‖ tem
sido bastante reconhecida em sua dimensão política e estratégica.
(SANTILLI, p. 124-125).
Para Léna (2002, p. 18) existem outras dificuldades para a categoria
―populações tradicionais‖:
A categoria ―populações tradicionais‖ formada por vários grupos
humanos (quilombolas, ribeirinhos, jangadeiros, sertanejos, indígenas,
etc.) constituem ambigüidades, pois misturam categorias nativas,
sociológicas e políticas. Essas ambigüidades dificultam a definição de
políticas adaptadas. Sendo assim, certas populações parecem ter um
estatuto bem definido hoje, como é o caso das populações indígenas,
dos seringueiros e dos quilombolas, outras nem tanto, como é o caso
dos ribeirinhos. São construções elaboradas para fins jurídicos.
A partir da segunda metade dos anos 1970, a categoria ―populações
tradicionais‖ passou a configurar-se como identidades coletivas que, a princípio,
apresentavam um comportamento de resistência às agressões a seus interesses,
mas logo se tornaram propositivas (SANT‘ANA JÚNIOR, 2004). Nesta análise, os
termos:
populações
tradicionais,
sociedades
tradicionais,
comunidades
56
tradicionais, ou ainda, comunidades locais, possuem a mesma conotação. Assim
sendo:
Utiliza-se neste estudo a noção de ―sociedades tradicionais‖ para definir
grupos humanos diferenciados sob o ponto de vista cultural, que
reproduzem historicamente seu modo de vida, de forma mais ou menos
isolada, com base na cooperação social e relações próprias com a
natureza. Essa noção refere-se tanto a povos indígenas quanto a
segmentos da população nacional, que desenvolveram modos
particulares de existência, adaptados a nichos ecológicos específicos
(DIEGUES; ARRUDA, 2001, p. 27).
Em texto sobre o tema, Diegues (1994, p.79) elenca características que
ajudam a identificar quem seriam os povos e comunidades tradicionais. No qual
se evidencia a) dependência da relação de simbiose entre a natureza com os
quais constrói um modo de vida; b) conhecimento aprofundado, estratégico e o
manejo destes recursos naturais e seus ciclos. c) moradia e ocupação do território
por várias gerações e com uma noção de ―território‖ pautada no espaço onde o
grupo social se reproduz econômica e socialmente; d) reduzida acumulação do
capital com ênfase nas atividades de subsistência, ainda que a produção de
‗mercadorias‘ possa estar mais ou menos desenvolvida, o que implicaria uma
relação com o mercado; Evidente importância dada a unidade familiar e aos mitos
e simbologias associados à caça, pesca e atividades extrativistas.
No entanto, em sua maioria, as características enunciadas permitem fazer
a busca destas comunidades e identificá-las quando se auto-afirmam e/ou são
assim entendidas por pesquisadores e grupos que com elas tomam contato.
De todo modo, a legislação federal brasileira, nomeadamente o Decreto
6.040 de 07 de fevereiro de 2007, em seu art. 3º, inciso I, assim definiu povos e
comunidades tradicionais:
I - Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente
diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas
próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos
naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa,
ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas
gerados e transmitidos pela tradição;
De
maneira
bem
sintética,
esta
definição
contempla
várias
das
características enumeradas por Diegues (1994). A definição legislativa foi fruto de
debates, que precederam, também, e mais decisivamente, a aprovação da
57
Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais11, que foi instituída pelo Decreto Federal citado.
É necessário frisar a compreensão do vocábulo tradicional sob uma
perspectiva de Almeida ao pontuar que:
Embora a noção de tradição [bem como os termos daí derivados, em
forma e significação] apareça em textos clássicos associada ao
postulado de ‗continuidade‘, conforme sublinha Foucault in ‗Resposta ao
Círculo Epistemológico‘ (1968), importa sublinhar que o termo
‗tradicional‘ da expressão ‗povos tradicionais‘, aqui frequentemente
repetida, não pode mais ser lido segundo uma linearidade histórica ou
sob a ótica do passado ou ainda como uma ‗remanescencia‘ das
chamadas ‗comunidades primitivas‘ e ‗comunidades dosmésticas‘ (...). O
chamado ‗tradicional‘, antes de aparecer como referência histórica
remota, aparece como reivindicação contemporânea e como direito
envolucrado em formas de autodefinição coletiva‖. (...). Deste ponto de
vista, além de ser do tempo presente, o ‗tradicional‘ é, portanto, social e
politicamente construído‖. ―Ao problematizar a historicidade da ‗tradição‘
e reinterpretá-la criticamente estamos de fato produzindo uma análise
arqueológica, porquanto a libertamos da noção de passado, remetendo-a
para os conflitos contemporâneos (ALMEIDA, 2006, p. 9-11).
As comunidades tradicionais, portanto, são vistas hoje, por muitos grupos
como sujeitos historicamente situados, que intervêm, decisivamente, em um
processo histórico de afirmação da diversidade social.
Contraditoriamente, Hobsbawn e Ranger (1997) reconhecem o termo
tradição/tradicional de forma diferenciada não como um processo politicamente
construído como afirma Almeida (2006), mas para ele a tradição é inventada, ou
seja, nem todas as tradições possuem uma origem distante, indeterminada,
antiga. Muitas delas são inventadas, recentes e formalmente institucionalizadas.
Neste sentido a tradição inventada tem objetivos ideológicos, legitimadores das
relações de status nas sociedades de classe. Veja sua definição:
Por ―tradição inventada‖ entende-se um conjunto de práticas,
normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas; tais
práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e
normas de comportamento através da repetição, o que implica,
automaticamente; uma continuidade com o passado (HOBSBAWN e
RANGER, 1997, p 09).
11
Vários grupos de Comunidades Tradicionais envolveram-se nas discussões: Coletores e
Produtores Não-Madeireiros ou Coletores/Produtores de Sementes, Sertanejos/vaqueiros,
Quilombolas, Quebradeiras de Côco, Geraizeiros, Babaçueiros, Comunidades de Terreiros,
Pantaneiros, Ciganos, Seringueiros, Pomeranos, Fundo de Pasto, Faxinais, Caipiras/sitiantes,
Extrativistas, Vazanteiros, Pantaneiros, Jangadeiros, Pescadores Artesanais, Caiçaras,
Caboclos/ribeirinhos amazônicos, e Varjeiros (ribeirinhos não-amazônicos).
58
Assim evidencia-se que a expressão ―tradição inventada‖ é utilizada em
sentido amplo, mas bem definido, incluindo tanto as tradições propriamente
inventadas e institucionalizadas, quanto àquelas que surgem repentinamente e da
mesma forma se estabelecem, permanecendo tal como as outras, como se sua
origem fosse remota, ainda que durem relativamente pouco.
Esse conjunto de práticas de natureza ritual ou simbólica teriam por
objetivo incorporar determinados valores e comportamentos definidos por meio da
repetição em um processo de ―continuidade em relação ao passado‖, via de regra,
um passado histórico apropriado (HOBSBAWN e RANGER, 1997).
Assim deve-se estabelecer uma distinção entre tradição e costume.
A ―tradição‖ neste sentido deve ser nitidamente diferenciada do
―costume‖, vigente nas sociedades ditas ―tradicionais‖ O objetivo e a
característica das ―tradições‖, inclusive das inventadas, é a
invariabilidade. O passado real ou forjado a que elas se referem impõe
praticas fixas (normalmente formalizadas), tais como a repetição, o
―costume‖, nas sociedades tradicionais, tem a dupla função de motor e
volante. Não impede as inovações e pode mudar até certo ponto,
embora evidentemente seja tolhido pela exigência de que deve parecer
compatível ou idêntico ao precedente. Sua função é dar a qualquer
mudança desejada (ou resistência à inovação) a sanção do precedente,
continuidade histórica e direitos naturais conforme o expresso na
história. (HOBSBAWN e RANGER, 1997, p.10).
Na perspectiva marxiana, as sociedades ―tradicionais‖ são concebidas a
partir da ideia de associação com a natureza e da dependência dos seus ciclos.
Sendo assim, essas culturas distinguem-se daquelas associadas ao modo de
produção capitalista em que não só a força de trabalho como a própria natureza,
transforma-se em objeto de compra e venda (mercadoria). Pressuposto este, já
explicitado em Rosa Luxemburgo com a definição de sociedades de economia
natural.
Para fins desta analise, veem-se estas comunidades ditas ―tradicionais‖ em
sua especificidade, como sociedades de economia natural, os quais se encontram
ameaçadas em seu ambiente.
59
CAPITULO IV- AS COMUNIDADES EXTRATIVISTAS NO MUNICIPIO DE
JURUTI VELHO/PA E A MINERAÇÃO ALCOA
4.1 CARACTERIZAÇÃO DO EMPREENDIMENTO
Em meados de 1880, o alumínio era um metal semiprecioso, mas raro do
que a prata, mas não se tinha a informação de como se dava sua produção, Foi
em 1886 que o americano Charles Martin Hall descobriu o processo de fabricação
com apenas 22 anos de idade. Solicitou a patente em 09 de julho de 1886, porém
só foi emitida em abril de 1889 (ALCOA, 2010).
Tendo descoberto o processo de obtenção de alumínio, Hall buscou
financiamento para iniciar a produção. Obteve-o junto a um grupo de industriais
de Pittsburg. Hall e o grupo de empreendedores formaram a Pittsburg Reduction
Company. Em fins de 1888, a planta produzia os primeiros lotes de alumínio
comercial (ALCOA, 2010).
A preliminar ausência de clientes foi contornada ao longo do tempo,
enquanto a empresa de Hall elaborava os primeiros artefatos comerciais de
alumínio, tais como utensílios de cozinha, fios elétricos, partes de motores, etc.
Em fins de 1893, o custo do alumínio produzido nas plantas de Hall era de
US$0,78 ante US$ 4,86 em 1888 (ALCOA, 2010).
Formou-se então a "Pittsburgh Reduction Company". Em 1907, a
companhia havia crescido incluindo minas de bauxita no Arkansas, uma refinaria
em Illinois e três unidades de fundição em Nova York e no Canadá. Mudou-se
então o nome da empresa para: Aluminium Company of America – ALCOA
(idem).
Com a Primeira Guerra Mundial 90% da produção da Alcoa era usada em
aplicações militares como suporte aos EUA. Em 1918, a fábrica de New
Kensington produzia conjuntos para refeições, cantis e capacetes, em vez de
utensílios de cozinha. O alumínio tornou-se regulado como outros materiais
estratégicos e os preços permaneceram baixos. (idem). Ao final da guerra, a
Alcoa estava com excesso de capacidade, enfrentou grande queda na demanda e
devolução de importações. Os controles de preço foram suspensos e a expansão
do alumínio chegou às utilizações sociais.
60
Após a Primeira Guerra Mundial, à medida que os recursos energéticos
nos Estados Unidos ficavam cada vez mais caros, a Alcoa expandiu sua atuação.
Em 1924 a Alcoa sofreu um grande impacto com a Lei antitruste 12, pois a
Comissão Federal do Comércio considerou que a empresa teria tentado
monopolizar a bauxita e a energia hídrica mundial, dominado e controlado o
mercado internacional do alumínio nos Estados Unidos e promovido cortes
prejudiciais de preços.
Em 1928, a Alcoa tinha mais da metade da capacidade mundial de
alumínio primário: 90 mil toneladas nos Estados Unidos, 45 mil no Canadá e 15
mil na Europa, mas a administração de operações no exterior apresentava
problemas. Em 4 de Junho de 1928, a Alcoa alienou sua participação em 34
empresas em todo o mundo e a transferiu para a Aluminium Limited of Canadá
(idem). A Segunda Guerra Mundial começou durante estes
processos de
antitruste. Enquanto a Alcoa lutava nos tribunais, o alumínio tornou-se um
material estratégico e decisivo para vencer a guerra.
O alumínio era tão importante que, em 1942, oito sabotadores alemães
aportaram em barcos-U; quatro em Long Island e quatro logo ao sul de
Jacksonville, na Flórida, com a missão de destruir as usinas da Alcoa em
Tennessee, Massena, Nova York e ao leste de St. Louis, Missouri (idem,
p. 01). .
Depois do fim da guerra, os Estados Unidos cancelaram os
arrendamentos das instalações da Alcoa e a maioria delas foi vendida para a
Kaiser e Reynolds, pelo mesmo custo ou abaixo de sua construção e a
companhia foi solicitada a licenciar a tecnologia necessária para operá-las. A
única instalação que a Empresa teve permissão para manter foi a fábrica de
Extrusão de Cressona, na Pensilvânia.
Os Estados Unidos ficaram com um oligopólio de quatro grandes
empresas: Alcoa Aluminium Limited, que mais tarde se tornaria a Alcan,
Reynolds e Kaiser. Em 1947, a Alcoa entrou com um pedido decretando o fim
12
Segundo esta Lei O Tribunal considerou que a Alcoa controlava mais de 90% do mercado
americano de lingote de alumínio. Essa proporção, isoladamente, já era suficiente para
fundamentar a violação da lei independentemente da intenção de monopolizar (ALCOA, 2010) .
.
61
do monopólio no mercado, mas o pedido foi indeferido e o Departamento de
Justiça manteve jurisdição sobre a Alcoa até 1957.
Ao fim do monopólio da Alcoa, ainda havia concorrência: Anaconda em
1955, Ormet em 1956 e Harvey em 1958. Esses recém-chegados
estabeleceram usinas de fundição nos Estados Unidos. A perda de participação
no mercado da Alcoa foi mais do que compensada pelo aumento da demanda
de produtos. Em 1958, no Suriname, o empreendimento Brokopondo para a
construção de uma usina hidrelétrica e uma usina de fundição foi o primeiro
grande empreendimento de transformação de minério em metal da Alcoa no
exterior. (idem).
A Alcoa nos anos 60, pós o sucesso de Brokopondo, a Alcoa almejava
participar de empresas no exterior e, em 1961, formou a Alcoa da Austrália com
a Western Mining, para desenvolver as grandes reservas de bauxita da
Austrália. Em meados dos anos 60, a empresa começou a desenvolver
operações de alumínio no Brasil e em 1961, entrou no mercado de sucatas de
alumínio
para
latas
de
bebidas,
começando
pelas
latas
de
sucos
desenvolvendo a tecnologia da tampa de alumínio de fácil abertura.
Nos anos 70 a empresa aumentou sua expansão internacional. No início
da década, a Alcoa estabeleceu fábricas na Colômbia, El Salvador, França,
Holanda, Alemanha
Ocidental,
Marrocos, Tunísia
e
Líbia
(Idem).
A
concorrência adicional de outros materiais, exceto o alumínio, também
aumentou durante essa década, o que obrigou a empresa em investir na
modernização, introduzindo sistemas informatizados nas operações de
fundição e laminação usando modelos matemáticos para controlar a produção
e cortar os custos. Sob a liderança de George, os investimentos estrangeiros
da Alcoa no Brasil e na Austrália aumentaram e surgiu o conceito da unidade
de negócios.
Nos anos 80 o colapso da União Soviética fez com que os preços do
alumínio caíssem drasticamente, uma vez que a Rússia expandiu seu mercado
de alumínio em uma ação para levantar recursos. A empresa nos anos
seguintes passou a diversificar e desenvolver produtos diferentes do alumínio.
A Alcoa passou a fabricar produtos para os quais se acreditava que o knowhow técnico de materiais relacionados com o alumínio da empresa
62
proporcionava uma vantagem (Idem). Porém voltou a sua produção originária
de alumínio anos depois.
Neste período a empresa mudou oficialmente o seu nome para Alcoa
Inc. para representar seu enfoque global. Em 2002, foi criada a Alcoa Women
Network em 2003, a Alcoa African Heritage Network Em 2006, a Alcoa
contratou seu diretor de Diversidade da Força de Trabalho e, em 2007, foi
estabelecido o Employees at Alcoa Gay and Lesbian Equality. Klaus Kleinfeld
tornou-se presidente e diretor executivo em Maio de 2008 (ALCOA, 2010).
O projeto Juruti é um empreendimento da ALCOA Inc., a maior produtora
de alumínio do mundo. A empresa requereu licenciamento de um complexo de
atividades e infraestrutura, que afetarão largamente os processos naturais e as
atividades sociais da região, são elas: mina de bauxita, usina de concentração de
minério, bacia de rejeitos, estruturas de apoio, abertura e pavimentação de
estrada de rodagem, construção de ferrovia, de usina diesel-elétrica e construção
do porto visando o escoamento de sua produção (CNEC, 2005).Após alguns anos
de prospecção mineral por toda a região, realizada pela empresa Reynolds
Metals, em 2000, a ALCOA – uma das líderes mundiais na produção de alumínio,
que adquiriu a empresa Reynolds Metals no final da década de 90 – iniciou a
pesquisa nos platôs Capiranga, Guaraná e Mauari, localizados nos limites
municipais de Juruti. Diante da decisão de investir na extração de bauxita, a
ALCOA estabeleceu o processo de licenciamento, com a elaboração dos Estudos
de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), bem
como a realização de uma série de reuniões e audiências públicas.
Em 2005 foram concedidas a Licença Prévia13 e a de Instalação14 e, em
junho de 2006, tiveram início as atividades de construção do empreendimento de
mineração. Em dezembro de 2007, a Licença de Instalação foi renovada.
13
Concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade
aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os
requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação;
14
Autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações
constantes dos planos, programas e projetos aprovados.
63
Figura 01 : Município de Juruti e Base da ALCOA
Fonte: Google Maps, 2011.
Com uma reserva de cerca de 700 milhões de toneladas métricas, Juruti
possui um dos maiores depósitos de bauxita de alta qualidade do mundo,
segundo dados da própria empresa. A produção começa com 2,6 milhões de
toneladas métricas por ano (ALCOA, 2010). Além da frente de lavra, outras
instalações completam o empreendimento como o terminal portuário de Juruti, a
02 quilômetros do centro da sede do município e às margens do Rio Amazonas.
64
Figura 02: Porto de Juruti
Durante o processo de licenciamento do projeto da ALCOA, os Ministérios
Públicos (MPs) apontaram 22 irregularidades nos estudos de impactos, nos
quesitos:
1) Diagnóstico superficial, incompleto ou inexistente; 2) Não realização
de estudos sobre partes estruturais importantes do projeto e seus
impactos; 3) Problemas na identificação, caracterização, análise,
mitigação e compensação dos impactos: 3.1. Impactos regionais não
dimensionados, a partir da necessidade de definição de áreas de
influência mais abrangentes; 3.2. Ausência de identificação de impactos
importantes e medidas correspondentes; 3.3. Não mensuração
adequada dos impactos e não correlação entre impactos e medidas
mitigadoras e/ou compensatórias; 3.4. Não definição sobre a
compensação ecológica unidade de conservação; 3.5. Ausência de
clareza sobre a compensação financeira dos impactos; 3.6. Avaliação
matricial inadequada dos impactos e sua sinergia. (MPF; MPE,
2005, p. 18-9)
.
Desde o início das atividades do empreendimento, várias reuniões
preliminares e audiências públicas foram realizadas com lideranças comunitárias,
instituições públicas e privadas e outras partes interessadas, em
Juruti, Santarém e Belém (às margens do Rio Amazonas – Pará), das quais
participaram até seis mil pessoas. Essas ações deram origem aos Planos de
Controle Ambiental-PCAs e à Agenda Positiva15.
15
São compromissos assumidos pela ALCOA com a população de Juruti, intermediados
pela Prefeitura Municipal, no sentido de oferecer bens e serviços que façam frente aos impactos
sociais que o Projeto de mineração irá trazer.
65
4.2 CARACTERIZAÇÃO DO MUNICIPIO DE JURUTI
4.2.1 Breve histórico da formação do Município de Juruti
O município de Juruti localiza-se no Estado do Pará, na mesorregião do
Baixo Amazonas e na microrregião de Óbidos, fazendo fronteira ao Norte com
os municípios de Oriximiná e Óbidos, a Leste com Santarém, ao Sul com Aveiro
e a Oeste com Parintins e Nhamundá (no Estado do Amazonas) e Faro.
Juruti16 teve origem em uma aldeia de índios Munduruku, no século XIX, e
mantém influência marcante da cultura indígena. De acordo com PENNA (1869,
p. 45-46) ―Juruty foi uma aldêa (sic) de Indios Mundurucús (Muturucus), fundada
ha 50 annos (sic) (1818) e sujeita a direcção de um missionário (sic) com todos os
poderes parochiaes (sic).‖. A cidade divide-se entre Juruti Velho e o núcleo mais
atual, que se poderia chamar Juruti Novo, onde se encontram a sede dos Poderes
Executivo e Legislativo Municipais, além do Poder Judiciário.
De acordo com INCRA (2007, p. 06) na obra ‗História da Paróquia de
Juruti", [relato] de uma viagem feita por Dom Jose Afonso de Moraes em 1846, a
população de Juruti Velho era composta em sua maioria por índios, porém, já com
a presença de portugueses.
Com a construção da igreja pelos índios, foi transformada em freguesia sob
a proteção de N. S. da Saúde. Em 25 de novembro de 1832, em cumprimento à
Lei Geral do Império, a freguesia de Nossa Senhora da Saúde de Juruti passou
a fazer parte do Termo de Faro, de acordo com as sessões do Conselho do
Governo da Província do Pará de 10 a 17 de maio de 1833, que efetuaram a
divisão da Província em Termos e Comarcas (COMELLI, 2007).
Em 28 de maio de 1847 uma portaria do governo provincial determinava
que a freguesia de Nossa Senhora da Saúde de Juruti, juntamente com a de
Faro, fizesse parte do círculo eleitoral da então vila de Óbidos (COMELLLI, 2007).
Em razão do pequeno desenvolvimento alcançado pela freguesia de Juruti
no local estabelecido, solicitou-se a mudança da sede para a margem do rio
16
Palavra de origem tupi, o qual significa, o colo firme, o pescoço teso, em alusão a ave
deste mesmo nome no ato de cantar.
66
Amazonas, a qual foi efetivada pela Lei nº 339, de 3 de dezembro de 1859. Assim,
a administração de Juruti foi transferida para a margem direita do rio, fato este
que gerou muitas manifestações contrárias (PENNA, 1869) por parte dos nativos
da Vila Muirapinima17, haja vista temerem a mudança da imagem de Nossa
Senhora da Saúde para a nova sede, o que de fato sucedeu, no mesmo ano, por
determinação do pároco responsável (INCRA, 2007).
Pela lei nº 930, de 15 de julho de 1879, Juruti passou a ser ponto de escala
da navegação a vapor subvencionada pelo governo. Com isso a freguesia de
Juruti apresentou acentuado progresso, o que determinou a sua elevação à
categoria de Vila, de acordo com a Lei nº 1152, de 09 de abril de 1883, que foi
instalada somente a 9 de março de 1885 (COMELLI, 2007).
Com o advento da República, em 1900, durante o governo do Dr. Paes de
Carvalho, dissidências políticas concorreram para a extinção dos municípios de
Juruti, Oriximiná e Quatipurú através da Lei nº 729 de 3 de abril, sendo o território
de Juruti anexado aos de Faro e Óbidos. Treze anos depois, a 9 de março de
1913, pela Lei nº 1295, o município de Juruti foi restabelecido e instalado a 3 de
maio de 1914. (idem)
Consoante PENNA (1869), após a chegada dos missionários, a população
indígena foi-se aos poucos extinguindo, dando origem a ocupação pela população
mestiça. Como não existem registros das causas, pode-se associar ao contato
com os ‗brancos‘ e a tomada (administrativa ou não) dos recursos naturais pelos
'invasores‘18 trazendo a proliferação de doenças das quais os nativos não
estavam biologicamente imunizados e a escassez de víveres.
Em toda a primeira metade do século XX, a prelazia da vila Muirapinima
esteve sob a administração da prelazia do município de Faro, sendo,
responsabilidade que mais tarde coube ao município de Óbidos. Com uma
população mais rarefeita as atividades econômicas desta época giravam em torno
17
Vila localizada no município de Juruti também conhecida como Juruti Velho.
18
Baena (2004, p. 235) afirma que são brancos, e não índios que se entregam ao fabrico de
guaraná: ―No mesmo lago [lago Juruti], também residem alguns brancos, que fabricam guaraná,
farinhas de mandioca, agricultam algodão, e sacam da espessura saldo e cravo‖.
67
do cultivo da juta, malva, mandioca, outras raízes e o extrativismo animal e
vegetal (INCRA, 2007).
Nesse mesmo período registra-se a chegada de madeireiros, com projetos
de extração do pau-rosa, que chegaram a instalar diversas usinas de extração de
essência na região. A última que se tem noticia fechou em 1999, a qual foi
intensamente combatida pelos comunitários, pois esta funcionava em barco
flutuante e despejava resíduos no lago.
Desse momento histórico tem-se conhecimento das primeiras lutas pela
posse da terra na região. Alem desses supracitados, na segunda metade
do século XX chegaram novos atores sociais como posseiros, grileiros,
madeireiros e.posteriormente, chegou à congregação católica de
Maristela, que veio somar com os nativos na luta pela preservação
ambiental, posse da terra e justiça social (idem, p. 08).
No que tange ao seu modo de vida, os indígenas desenvolviam atividades
que incluíam desde a pesca até os cultivos de raízes e beneficiamento de
guaraná. ―As terras de Juruty são de grande fertilidade; mas o povo não planta
senão mandioca para o fabrico da farinha e, em mui pequena escala, o guaraná
que os antigos Mundurucús alli introdusiram (sic)‖ (PENNA, 1869, p.46). Além da
caça e criação de pequenos animais, sendo certo que todas essas atividades
eram realizadas de forma comunitária colimando, exclusivamente, o consumo
doméstico indígena.
Acessa-se o Município por via fluvial, através de embarcações de diversos
portes, que são o meio de transporte principal de passageiros e mercadorias no
âmbito regional.
Desde a segunda metade do século XX, as atividades produtivas
diversificaram-se, incluindo-se as relacionadas ao comércio, chegando a navegar
embarcações de médio porte, que traziam mercadorias e abasteciam-se de lenha,
pois os mesmos funcionavam a vapor. Ainda nesse período, chegaram às
primeiras empresas de prospecção e pesquisa mineral como a Petrobrás (1965) e
uma empresa de procedência francesa, que atuou na área até 1972, vendendo
posteriormente para a OMNIA Minérios os direitos de pesquisa.
68
Na região do Trombetas – mais ao sul e na margem direita do Amazonas
– encontram-se as jazidas do Juruti, inicialmente pesquisadas pela
ALCAN, mas atualmente sob controle da REYNOLDS – outra da seis
irmãs -, que está desenvolvendo estudos para implantar um projeto de
exportação de bauxita da ordem de 1 milhão de toneladas por ano, a fim
de atender suas fábricas de alumínio (SANTOS 1981, p.104-105).
Tem população de cerca de 35 mil habitantes, sendo que 60% vive na
área rural. O município apresenta consideráveis carências: possui infra-estrutura
de saneamento pouco estruturada, a maioria da população vive com menos de
R$ 75,5 de renda per capita mensal e 21% das pessoas com mais de 25 anos
de idade são analfabetas (CNEC, 2005).
O município já viveu importantes ciclos econômicos, como os da extração
do pau-rosa e da juta, que não o conduziram a um desenvolvimento estável e
duradouro. A economia se concentra nas lavouras temporárias, destacando-se o
cultivo da mandioca, pesca, extrativismo vegetal e, mais recentemente,
pecuária, comércio e serviços de pequeno porte (portuários, mercearias,
alimentação) são outras atividades presentes no território e que visam à
subsistência e o mercado local.
4.2.2 A Formação das Comunidades de Juruti Velho
Em 1931, a região de Juruti Velho foi englobada no projeto Vila Amazônia,
de colonização japonesa desenvolvida pelos estados do Pará e Amazonas com a
embaixada japonesa, o qual destinou 300 mil hectares (78.270 hectares no estado
do Amazonas e 221.730 hectares no Pará) para a prática de novas técnicas e
cultivos agrícolas, principalmente de juta e guaraná. Com o início da Segunda
Guerra Mundial, os japoneses passaram a ser perseguidos, muitos foram presos,
e a Vila Amazônia ficou como espólio de guerra, ou seja, área pertencente ao
Estado. Em 1972, a Vila Amazônia foi adquirida de forma escusa por proprietário
de Belém, Luiz do Vale Miranda, e está atualmente sob responsabilidade dos seus
herdeiros, e Antônio Cabral de Abreu. A titularidade e legitimidade da Vila
Amazônia foi questionada em investigações da Comissão Parlamentar de
69
Inquérito - CPI destinada a averiguar a ocupação de terras públicas na região
amazônica em 2000/200119.
Encontram-se
atualmente
no
território
―tradicional‖
60
(sessenta)
comunidades dispostas geograficamente ao longo do Lago Grande Juruti e
Igarapé do Balaio, tendo como polo de organização política, econômica e social a
Vila de Muirapinima, esta localizada na desembocadura do Lago com o rio
Amazonas.
Figura 03: do Município de Juruti
Fonte: Google Maps, 2011.
19
Esta Comissão Parlamentar de Inquérito ficou conhecida como a CPI da Grilagem de
Terras da Amazônia
70
Ao observar-se a formação histórica das mais antigas comunidades,
ressalta-se principalmente a relação das primeiras famílias ocupantes com as
famílias que hoje ocupam a área, a demonstrar, com clareza, uma relação sólida
de continuidade no processo de ocupação e na ancianidade dos povos residentes
no Território.
Outrossim, aspectos da historicidade permitem inferências acerca das
condições básicas estabelecidas nas relações sociais ao longo da ocupação. A
descrição das sequências apresentadas no quadro (INCRA, 2007, p. 9) descreve,
de maneira sucinta, a evolução e a correlação entre as fases de ocupação da
área de Juruti Velho e a mobilidade de suas comunidades tradicionais, o que
subsidia a compreensão da formação e distribuição das comunidades ao longo do
Território.
Quadro 01: Registro do processo de ancianidade dos comunitários de Juruti
Data de
Chegada da 1ª
Família
Séc.XIX
Origem do
fundador
1ª Família a
ocupar a área
Fundador
Data de
fundação
Juruti Velho
Família do Sr.
Pedro Sá.
Pedro Sá
Séc.XIX
Séc.XVIII
Juruti Velho
Mundurukus
1818
Capiranga
Séc.XIX
Juruti Velho
SR
Surval
Inicio do Séc.
Séc.XIX
Séc.XIX
Juruti Velho
Juruti Velho
Nova União
A partir de
1850
1959
Pau D'Arco
Séc.XIX
Juruti Velho
Xavier e outras
Prudente
Maravilha
Alemanha
Germano
Séc.XX
Séc. XIX
Séc. XIX
Séc. XIX
SR
Juruti Velho
Juruti Velho
SR
Batista e outras
Maciel Pinheiro
Fausto Piranha
Batista e outras
Pe. Antonio
Manoel
Sanches
Manoel
Henrique
Fernandes
Manoel
Rodrigues
Clementino
Guerreiro
Família
Santarém
Domingos
Pereira de
Matos
Antonio Ferreira
Xavier
SR
SR
SR
SR
Comunidade
Vila Vinente
(cabeceira do
Mocambo)
Vila Muirapinima
Pompom
Jumti Miri
Família
Rodrigues
Família
Guerreiro
Família
Santarém
Pereira de
Matos
Juruti Velho
Juruti Velho
1964
1920
1920
SR
1989
SR
SR
SR
SR
SR
Quadro 01: Ancianidade dos comunitários de Juruti
Fonte: INCRA (2007, p. 09).
71
Ao mesmo tempo, essa descrição sinaliza, com destaque, a importância da
sistematização de dados para a consolidação da formação histórica das
comunidades, até então pouco registrada. Vale ressaltar que, a oralidade
constitui, nessa realidade, a principal fonte de repasse e manutenção do
conhecimento entre os comunitarios de Juruti, que ao longo do tempo de
ocupação têm estabelecido uma relação de profundo respeito com todos os
elementos que compõem o território, especialmente em relação aos recursos
naturais, responsáveis pela produção e compartilhamento de valores e
representações desse espaço, carregadas de simbolismo e expressão das
relações de pertencimento destes povos em relação seu território.
Todas as intervenções populacionais externas sobre a determinação das
localizações das comunidades provinham de regiões muito próximas do Lago
Grande Juruti, principalmente da área de várzea do município de Parintins no
Estado do Amazonas, que chegaram com expectativa de cultivo da juta e malva
no final do séc. XIX, e abundância dos recursos extrativistas, com destaque para
extração do látex (BAENA, 2004).
A vila de Muirapinima recebeu um contingente populacional expressivo a
partir de 1818, data da chegada dos Portugueses na região (religiosos), que
impuseram o modelo de ocupação através das Reduções (aldeamento), onde os
nativos eram obrigados a fixarem residência em torno das edificações religiosas.
Desta forma, as atividades produtivas e sua comercialização, além dos serviços
essenciais, tais como educação, saúde, benefícios sociais e orientação religiosa
passaram a ser desenvolvidas quase exclusivamente na Vila de Juruti, como se
pode aferir desde a análise de lista de batistério da igreja católica, registro de
casamentos católicos e filiação no Sindicato dos trabalhadores rurais (INCRA,
2007).
Deste modo, os recursos naturais localizados na vila já não davam conta
de garantir a sobrevivência da população. Resulta deste fato, o de que a maioria
das famílias que estão na base de formação das comunidades encontrem suas
origens familiares na Vila de Juruti Velho. Dá-se, assim, a partir do final do
Séc.XIX essas famílias começaram a dispersar-se ao longo do vale do Lago
Grande Juruti, dando origem as comunidades.
72
As primeiras a serem ocupadas foram as que se localizam ao longo do
Igarapé do Balaio e nas cabeceiras do Lago Grande Juruti (Alemanha, Vila
Vinente, Surval, Capiranga, Pau D‘arco, Recordação, Pompom, etc), logo depois,
com a ajuda da Igreja, fundou-se as comunidades mais longínquas do ponto de
vista de proximidade com o lago (INCRA, 2007).
As comunidades localizadas na extensão do Igarapé do Balaio possuem
um diferencial em relação às comunidades residentes às margens do lago Grande
Juruti, no que alude à formação e ocupação. As primeiras, a despeito de terem
sido ocupadas no mesmo período (Século XIX), seus fundadores têm sua origem
nas famílias portuguesas que ocuparam a área desde a fundação em 1818. Já as
comunidades ao longo Lago Grande tem seus fundadores provenientes quase
que exclusivamente na própria Vila Muirapinima (Juruti Velho). Resulta disso, a
diferença na ocupação étnica do PAE. As famílias que moram nas comunidades
dentro do lago Grande, possuem um forte aspecto indígena proveniente da
ocupação primária da etnia Munduruku, já os ocupantes das comunidades do
Igarapé do Balaio, possuem aspectos de população mestiça, com pele clara,
facilmente identificada como pardos (CNEC, 2005).
Na área de influência direta do Grande Projeto da ALCOA, encontram-se
45 comunidades ditas tradicionais, assim identificadas e reconhecidas, pela
Superintendência Regional do INCRA em Santarém (SR-30) (INCRA/SR-30,
2007), Pará, e que também assim se autoidentificam nos termos do Decreto
6040/2007 e Convenção 169 da OIT, cujos territórios foram garantidos pela SR-30
do INCRA, com a criação do Projeto Agroextrativista Juruti Velho (PAE Juruti
Velho).
O Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE20) está regulado pela
PORTARIA/INCRA/P/Nº 268, de 23/10/1996, que revogou a Portaria P/Nº 627, de
30/07/87, adequando-se ao Plano Nacional de Reforma Agrária.
20
De acordo como Benatti (2003, p. 208), as principais notas características do PAE são: ―a) é
necessário existir uma área dotada de riqueza extrativa, com presença de populações
tradicionais para sua criação; b) a motivação de sua criação é social e ecológica; c) possibilita
que a sua área não seja dividida em lotes, respeitando-se o apossamento dos seringueiros e
ribeirinhos, ou seja, a posse agroecológica; d) o órgão responsável pela sua criação,
fiscalização e implantação é o INCRA; e) a sua regularização se fará pelo Contrato de
Concessão de Direito Real de Uso, assim como nas Reservas Extrativistas; f) deverá ser
elaborado um Plano de Utilização para definir como ocorrerá o manejo dos recursos naturais,
73
Dentre outros princípios, a normativa citada reconhece que:
a especificidade ecológica de determinadas regiões do país, possibilita o
desenvolvimento de atividades agro-extrativistas, as quais propiciam às
populações delas dependentes base econômica auto-sustentável, não
interferindo sobre os ecossistemas colocados em uso e assegurando a
manutenção das condições naturais neles predominantes;
a atividade agro-extrativista afirma-se como alternativa para os projetos
de assentamentos executados pelo INCRA, de modo particular na
Amazônia e em áreas que mereçam uma proteção especial.
Portanto, a base normativa do PAE reconhece a adequação desta
modalidade de assentamento ao ecossistema amazônico, pois, diferentemente de
outras modalidades de assentamento, sua essência é o equilíbrio na fixação e
regularização territorial dos habitantes tradicionais da área, visando à exploração
das
riquezas
extrativistas,
enquanto
componentes
do
desenvolvimento
econômico, mas com proteção especial do espaço, na perspectiva ambiental e
cultural.
Os limites territoriais do PAE tiveram parte de sua extensão outorgados à
empresa minerária para atender à exploração da bauxita, o que agravou ainda
mais os conflitos sob o ponto de vista fundiário e de recursos naturais, até então
livremente apropriados pelos comunitários.
Suas demandas territoriais são reconhecidas pelas duas autarquias
fundiárias envolvidas na questão: o Instituto de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA) e o Instituto de Terras do Pará (ITERPA), que trabalham juntos para
resolver o mais rápido possível e, a contento, os problemas acerca da
regularização fundiária das áreas em que os territórios tradicionais têm sido
indicados pelos comunitários. Para tanto, contam, ainda, com o apoio da Igreja
Católica Apostólica Romana, por meio da Ordem Franciscana de Maristela, que
assim compreendem a disputa entre a empresa e os comunitários (apud
MONTEIRO, 2009, p. 91):
[...] os comunitários exigem respeito por sua cultura, seu modo de vida
tradicional. Muitos vivem da pesca, agricultura, coleta de frutos. Se
identificam como tradicionais pelo seu próprio modo de vida, como
tratam a natureza. As terras [em] que vivem são deles, moram nela há
muito tempo, e não querem mudar isto (entrevista 3) – Concedida pela
irmã Nilma Sousa, à autora citada.
como também as atividades agropecuárias. Esse Plano é parte integrante do Contrato de
Concessão.‖
74
Os Ministérios Público Federal e Estadual, no Pará e do Pará, também, no
cumprimento de seus misteres públicos têm atuado em favor das comunidades,
fiscalizando
a
atuação
da
empresa
e
expedindo
recomendações
(v.
RECOMENDAÇÃO nº 01/2007/MP/PJ Juruti21), para que os órgãos públicos
competentes fiscalizem a adequação dos procedimentos da empresa, no sentido
de respeitar o modo de vida das comunidades. procurando sempre minimizar ou
evitar, se possível, impactos que atentem contra os direitos das comunidades e,
mesmo, suspendam licenças administrativas já concedidas, por descumprimento,
por parte da empresa, de obrigações decorrentes do processo de licenciamento
ambiental.
Anote-se que as obras já executadas da infraestrutura provocaram
deslocamentos das comunidades, em razão da Construção do Porto, da Ferrovia
e do preparo da infraestrutura da área de Lavra, conforme relatório da Secretaria
de Estado de Meio Ambiente, que precedeu a concessão da Licença de Operação
do empreendimento (SEMA, 2008), afetando, inclusive, rotas comunitárias de
coleta de castanha e captação de água (MONTEIRO, 2009,). A poluição de
igarapés, como o Igarapé do Fifi, foi relatada em entrevistas de campo e consta
do relatório da Sema (2008).
No lago Juruti Velho, com o início da construção da infra-estrutura para o
parque industrial, o acesso passou a ser controlado. É preciso permissão para
extrair nos castanhais ou simplesmente para circular. Diferentemente de
Oriximiná, em Juruti os platôs encontram-se mais próximos das comunidades
ribeirinhas (menos de 1km em certos pontos). Assim, o acesso a essas áreas é
mais frequente, chegando, em alguns casos, a serem os locais de roça das
famílias. Nestes casos, o impacto é relativamente maior. Perde-se a fonte de
21
O
texto
da
recomendação
encontra-se
disponível
em<
http://www.prpa.mpf.gov.br/institucional/prpa / recomendacoes/ recomendacao-mpf -e-mpenumero01-07.pdf> Merece registro, ainda, o fato de que os Ministérios Públicos, conjuntamente, ajuizaram
Ação Civil Pública objetivando discutir a competência do Estado do Pará para conduzir o processo
de licenciamento ambiental. Os órgãos do Ministério Público entendiam que a competência era do
IBAMA, pois a área de influência direta do Projeto atingia Rio federal (o Amazonas) que banha
mais de um Estado, além de impactar diretamente porções de dois Estados da Federação, o Pará
e o Amazonas. A ação, no entanto, não teve o resultado esperado e tramita, lentamente, com
poucas perspectivas de gerar o resultado cogitado. Além deste tema a ação enfocou ainda as
várias lacunas do EIA/RIMA e falhas durante o processo de licenciamento, como a limitação do
número de audiências públicas.
75
renda temporária do extrativismo da floresta, os animais de caça e ainda a
produção agrícola.
Estes impactos foram previstos, ainda que com falhas graves, (sobretudo
omissões), pelo Estudo Prévio de Impacto Ambiental encomendado à CNEC, pela
ALCOA, a fim de subsidiar seu pedido de licença prévia do empreendimento
minerário à Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Pará. Ali está assumida a
ocorrência de 37 impactos ambientais, dos quais 32 são negativos e apenas 5
são positivos, nos três meios de influência: biótico, físico e socioeconômico
(TAPAJÓS, 2004), a serem sentidos nas áreas de influência direta e indireta do
Projeto.
.
Figura 04: GUARITA NA ENTRADA DO PAE - JURUTI VELHO
O presidente da ACOJURVE, Gerdeonor Pereira dos Santos, assim relata
a luta pelo território:
[...] o que falta pra gente ser dono de direito é um pedaço de papel
assinado por um órgão competente que destina, porque de fato nós já
76
somos dono, de viver, de morar, de trabalhar em cima dela [da terra], nós
já somos donos; o papel é para um reconhecimento que vem depois. [...]
Então a gente considera que desde somos donos. Nossos costumes são
praticados há muito tempo nessas terras e isso não pode se perder.
Diversas foram as frentes em que as comunidades tradicionais atuaram
para lutar por seus direitos territoriais e culturais. Isso pode ser perfeitamente
inferido dos objetivos institucionais da ACORJUVE, art. 3º, tais como:
a) agir por todos os meios legítimos para que venha a ser regularizada a
posse agrária das terras compreendidas imóvel Vila Amazônia, parte do
Estado do Pará, não contempladas no processo mencionado no art. 2º
deste Estatuto aos moradores tradicionais e permanentes da Região de
Juruti Velho;
b) representar os interesses das comunidades e dos moradores que
fizeram
a
opção
administrativo
especialmente
ou
pela
terra
judicial,
para
em
garantir
coletiva,
perante
qualquer
qualquer
instância
infra-estrutura
ou
órgão
tribunal,
necessária
ao
desenvolvimento dos assentamentos de reforma agrária compreendidos
no imóvel Vila Amazônia, podendo firmar qualquer tipo de contrato e/ou
ajuste, por deliberação da Assembléia Geral;
c) incentivar o desenvolvimento sustentavel das comunidades de sua
abrangência, em todos os seus aspectos;
d) agir em defesa da função social da terra contra a exploração
predatória da terra e de seus recursos naturais, tendo em vista a sadia
qualidade de vida das comunidades da região;
e) atuar em defesa da preservação e resgate da cultura e tradição dos
habitantes das comunidades da região de Juruti Velho;
f) unir e sotidarizar-se com os movimentos sociais e da classe
trabalhadora;
g) atuar em defesa dos direitos ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida e à moralidade
administrativa; ao patrimônio artístico, estético, histórico e turístico e
paisagístico da região, além de outros interesses difusos dos cidadãos;
inclusive tomando e implementando medidas necessárias em face de
empresas mineradores, ou que agem a seus interesses, visando à
preservação e conservação ambiental da Região, como meio de
erradicar a pobreza e marginalidade e reduzir as desigualdades sociais,
tendo sempre como referência a população local;
77
h) outros objetivos organizativos que não conflitem com o presente
ESTATUTO.
Conforme se vê, as comunidades passam a se organizar para pleitear
direitos territoriais quando julgam que as políticas públicas, notadamente as
ambientais e fundiárias/agrárias, podem não garantir-lhes os direitos que
secularmente exercem em relação ao seu território.
Em 1982, eu trabalhei nessa firma aí, Omnia Minéria, como pesquisa.
Depois de um tempo, essa firma fechou, e eles foram embora, deixaram
alguém tomando conta. Quando foi em 2006, eles voltaram. E o nosso
povo já tá vivendo aqui. Então a partir de (2000), eles entraram
novamente, a Alcoa. E nós criamos aqui uma associação, o nome dela é
ACOPROM, Associação de Comunidades dos Pequenos Produtores de
Muirapinima. Aí, nós criamos um projeto pra trabalhar na lavoura. Só
seria através da associação- organizamos, legalizamos, tudo, tudo ia
bem organizado. E fomos embora para Óbidos, atrás do projeto, atrás
de fazer o cadastramento no banco, para trabalhar na lavoura.
Chegamos lá e disseam que nós éramos invasores da terra. Foi aí que
veio a luta nossa. A nossa luta. Foi lá que nós começamos a nos
organizar de verdade, em toda a região, em toda essa área, para fazer
uma associação grande que é a ACORJUVE agora. (Líder comunitário).
Nas comunidades rurais, o trabalho na roça constitui a principal atividade
criadora de sociabilidade. Qualquer criança destas comunidades, antes mesmo
de falar ou ir à escola, ainda no colo, acompanha a mãe ao roçado. É na roça
que ocorrem os primeiros passos para a sociabilidade, é na roça que a criança
vê a família reunida em torno de uma atividade comum e é dali que não apenas
sai o seu sustento, mas seus primeiros aprendizados e seu contato com a terra.
A roça, além disso, é à base do puxirum, da festa, do padrão de reciprocidade.
Meu filho aprende desde cedo a atividade de roça. Quero ele
trabalhando e cuidando do que é dele. Se num é ele quem será? Essa
terra era do meu avô e um dia será dele e dai em frente. É por isso eu
luto pra ninguém tira isso (Líder comunitário).
O trabalho na roça se realiza a partir de três modos de organização - o
primeiro é o puxirum - sistema onde o dono da roça oferece alimento e pajiroba
(bebida fermentada de mandioca) e é auxiliado por compadres na abertura do
78
roçado, para então num estilo de mutirão empreender o plantio envolvendo
homens e mulheres (os homens abrem as covas e as mulheres enterram a
semente / a colheita e preparo dos alimentos são de responsabilidade das
mulheres, a farinha de mandioca é de todos). O produto é de posse exclusiva do
dono do roçado que retribui o auxílio tomando parte do mutirão das roças de
outros donos que também promovem o puxirum (CNEC, 2005, entrevistas,
2009).
O puxirum é motivo de alegria, de confraternização e ajuda. A gente
se ajuda, homem, mulher, criança. Aqui sabe, não tem essa de cada um
por si. Do meu e do teu. Tudo é dividido. Pelo menos até agora né.
Ainda tem nossa pajiroba, nossa bebida que as mulhe fazem
(Comunitário).
O segundo é o sistema de união, permanece o modelo de mutirão, mas a
comida oferecida é fruto da contribuição de todos. O terceiro recebe o nome de
empreita, quando o dono da roça possui algum a fazer, compromisso ou
emprego, estando impedido de abrir seu roçado, e paga a alguém por este
serviço. Na maior parte das comunidades da ainda que puxirum seja a
denominação genérica para a organização do trabalho em mutirão, é o sistema
de união o mais comumente adotado (idem).
Outro ponto a ser enfocado foram os costumes e crenças da região. Ao
andar pelas ruas e conversas com as pessoas percebe-se uma grande influência
da Igreja Católica quanto à religião e, principalmente, ao modo de viver e se
comportar (ao se analisar a formação do município também se verifica esta
influência religiosa).
Aqui todo mundo tem Deus no coração. Aqui o povo fazia umas festa
que que a igreja chamava de festa profana. Até a própria festa da
comunidades podia dizer que ra profana também. Por que? Porque
rezava, terminava a reza, a música começava e todo mundo dançava.
Depois é que nós participamos de vários debates e discutimos as coisas,
então a igreja foi mudando o procedimento. Aqui a nossa festa religiosa
ela é diferente das outras. Não tem mais festa dançando nem bebida
alcoólica, só refrigerante e sentimos bem (comunitário).
Nestas comunidades são fabricados também alguns artefatos, utensílios,
tais quais tipitis (espremedor de mandioca ralada, feito de palha, de origem
79
indígena), canoas, cestarias, cerâmica, casas, pilões, remos, carpintaria
(móveis), costura, e muitos outros. Embora todos façam de tudo um pouco, há
os especialistas, feitores, que acabam sendo reconhecidos em função da
dedicação mais intensa a um determinado tipo de produção.
Aqui nós aprendemos um oficio, algo pra sobreviver usando o que a
gente tem e sabe, fazemo cesta, vaso, espremedor, costura, as irmãs
ensinam, ajudam e assim vamo seguindo nossa vida e criando nossos
filhos (comunitário).
Assim, verifica-se que a estrutura produtiva é, prioritariamente, voltada para
a agricultura de subsistência, que se organiza com base na força de trabalho
familiar e na estrutura comunitária, características distintas do modo de
organização capitalista.
Aqui nós planta, pesca pra viver. Sem hora pra dormir só pra
acordar. Trabalho no que gosto no que sei. No que vivi fazendo.
To nessa terra desde 1970, isso sem conta meus avós. A terra é
minha vida (Líder Comunitário).
Assim, percebe-se uma relação de dependência e ao mesmo tempo
complementaridade dos comunitários com a terra.
Todas as formas de produção da economia natural se baseiam, de um
modo ou de outro, numa dependência tanto dos meios de produção
como das forças de trabalho. ―As comunidades camponesas, assim
como a propriedade feudal, etc., fundamentam sua organização
econômica na conexão do meio de produção mais importante - a terra‖
(LUXEMBURGO, 1976, p. 318).
Além disto os moradores se auto-determinam como ―população tradicional‖,
o que permite dizer que os moradores se identificam como coletivos, e passam a
fortalecer a estrutura da comunidade e as ―práticas de uso comum dos recursos
naturais, que se tornam um fator coextensivo à sua consolidação‖ (ALMEIDA,
2010, p.69).
Em muitas das entrevistas verificou-se que os comunitários se reconhecem
enquanto tradicional a partir de sua organização, mas, principalmente, pela sua
ligação com a água, terra e floresta.
80
Somos tradicionais e eu falo em nome da comunidade, porque é da
terra, da água e da floresta através da agricultura, caça e pesca que
tiramos o sustento pra nossas famílias. Somos extrativistas vivemos da
coleta de castanha, da farinha e da caça de alguns animais. Temos essa
relação de dependência com a natureza (Gerdeonor, Presidente da
ACORJUVE).
Há diversas definições para o termo, porém sem nenhum consenso até
hoje. Muitos autores tentaram definir esta terminologia. Arruda (1999) infere que
populações tradicionais são aquelas que
apresentam um modelo de ocupação do espaço e uso dos recursos
naturais voltados principalmente para a subsistência, com fraca
articulação com o mercado, baseado em uso intensivo de mão de obra
familiar, tecnologias de baixo impacto derivadas de conhecimentos
patrimoniais e, normalmente, de base sustentável... Em geral ocupam a
região há muito tempo e não têm registro legal da propriedade privada
individual da terra, definindo apenas o local de moradia como parcela
individual, sendo o restante do território encarado como área de
utilização comunitária, com seu uso regulamentado pelo costume e por
normas compartilhadas internamente. (ARRUDA 1999, p.79-80).
Alguns autores como Cunha e Almeida (2001) avaliam este conceito como
amplo e ainda em construção sinalizam para o fato de que este conceito aponta
para a formação de sujeitos políticos por meio de novas práticas. Ou seja, os
autores demonstram que termos são criados para que determinado grupo tome
alguma forma e, em alguns casos, este termo garante ao grupo uma posição
política interessante, conferindo-lhe direitos. Dessa forma, é possível verificar que
o termo vem sendo amplamente habitado por estes novos atores sociais, assim
como vem transformando-se em uma bandeira política para os seus
componentes,.
.A partir destas colocações é possível verificar que a definição ―população
tradicional‖ não apresenta um embasamento teórico e conceitual aplicado. O que
se tem é uma terminologia empírica e pouco definida enquanto categoria
analítica.
O que leva a avaliar estas comunidades a partir da perspectiva de
Luxemburgo (1976) como sociedades de economia natural, cuja característica é a
produção para subsistência, com pouco ou nenhum excedente de produtos e
pouca atividade comercial.
Porém a região vive um período diferente com a implantação do projeto de
extração da bauxita o que vem ameaçando de forma significativa este modo de
81
vida. Tem-se em média 45 comunidades na área de influência direta do projeto
(CNEC, 2005), muitos dos lideres entrevistados mostraram-se apreensivos e com
receio de perder o que tem.
Esta empresa veio aqui e só trouxe degradação, poluição, desordem e
tristeza pra nossa gente. Tamo perdendo tudo aos pouquinho, terra, rio
poluído, espaço para caçar, árvore, madeira e até nossos filhos tão indo
pra lá.
Geralmente, os conflitos minerais referem-se à perda de recursos naturais
e de troca, como os produtos extrativistas, especialmente a castanha-do-pará. A
impossibilidade do extrativismo da castanha representa a maior perda
socioeconômica vivenciada pelos moradores do entorno do projeto da ALCOA. É
o produto de maior valor de mercado, sendo a principal fonte de renda das
famílias.
A empresa ta acabando com tudo, derrubando tudo. Muitos não tem
mais como ir pegar castanha, ou somos proibidos de entrar ou não existe
mais. O que a gente vai fazer? Tem gente que já ta indo pra cidade,
vendendo sua terra. É isso que a empresa quer. Mas vamo fica aqui
como? E na cidade vamo fazer o q? (comunitário)
Estas comunidades são vistas pela empresa como um atraso ao progresso
e crescimento econômico planejado. Trata-se de sociedades arcaicas, atrasadas
e primitivas, que devem passar pelos processos de civilização e modernização
propiciada pelo desenvolvimento capitalista, ou, então, que devem ser removidas,
desobstruindo-se, assim, o caminho rumo a este ―progresso‖ imposto pelo
capitalismo.
O método inicial do capital é a destruição e o aniquilamento sistemáticos
das estruturas sociais não-capitalistas, com que tropeça em sua
expansão [..] a esperança de que o capitalismo se limite exclusivamente
à ―concorrência pacifica‖, isto é, ao comércio regular de mercadorias, tal
qual é praticado entre países capitalistas, como base única de sua
acumulação, baseia-se na possibilidade ilusória de que a acumulação se
pode efetuar sem as forças produtivas, sem o consumo das populações
e que pode confiar no lento processo de desintegração interna da
economia natural (LUXEMBURGO, 1976, p. 319).
O resultado é a desterritorialização, a expropriação e a consequente perda
da identidade coletiva destas comunidades que perdem seus meios de produção
82
e sobrevivência e acabam migrando para outros locais a procura de condições
melhores.
desterritorialização é o conjunto de medidas adotadas pelos interesses
empresarias, vinculados aos agronegócios, para incorporar novas terras
aos seus empreendimentos econômicos, sobretudo na região
Amazônica, liberando-as tanto de condicionantes econômicos jurídicoformais e político-administrativos, quando de fatores étnicos e culturais
ou determinados pela modalidade de uso das terras tradicionais
ocupadas por povos indígenas, quilombolas, seringueiros, quebradeiras
de coco babaçu, castanheiros, comunidades de fundos de pasto,
faxinais, ribeirinhos, geraizeiros e outras categorias sociais. (ALMEIDA
2009, p. 76).
O capitalismo não está interessado no modo de vida da população e sim
em sua lucratividade. Para conseguir este almejado lucro passa e destrói tudo
que estiver em seu caminho de forma velada. Não é diferente me Juruti, as
comunidade vivenciam uma época de lutas e desafio contra o empreendimento,
com alguns ganhos que, significam para eles vitórias e são até certo ponto.
Não se pode deixar de lado que muitos comunitários já venderam suas
terras por quantias baixas e depois se arrependeram, como é o caso da
Comunidade Jabuti, uma comunidade que se distância da ACORJUVE, pois vive
no município de Juruti e tem a ferrovia construída dentro de suas terras.
A Alcoa chegou aqui e nos ofereceu uma quantia que achamos boa.
Vendemos tudo e agora você vê, estamos aqui sem nada. Fomos
enganados. Nos juntamos com a ACORJUVE e estamos lutando para
reverter esta situação (Comunitário).
O processo de expropriação de pequenos produtores (proprietários e nãoproprietários) antes engendrado pela pecuária, é retomado com força pelo grande
capital com apoio integral do governo. Empresas como a ALCOA, marcham em
diferentes frentes, desorganizando e desarticulando populações rurais inteiras,
estabelecidas secularmente e que tem nestes territórios seu espaço de
sobrevivência e reprodução social. Esses territórios de milhões de hectares
passam a ter donos, viram campos de reprodução do capital, tornam-se
mercadorias.
A reprodução da força de trabalho, que incessantemente precisa
incorporar- se ao capital como meio de valorização, não podendo livrar
se dele e cuja subordinação ao capital só é velada pela mudança dos
capitalistas individuais a que se vende, constitui de fato um momento da
83
própria reprodução do capital. A acumulação do capital é, portanto,
multiplicação do proletariado (MARX, 1996, p. 179).
Em Juruti Velho, as comunidades não se encontram como força de trabalho
empregadas na ALCOA, muitos já estiveram outros, como seus filhos, encontramse deslumbrados com o projeto e o ideológico desenvolvimento local que
menciona.
Meu filho não fala em trabalhar na roça comigo, quer sair, ir pra cidade,
trabalhar pra ALCOA. Vejo os nossos laços de costume fracos. Ele não
quer fazer o que eu e meus avós fazíamos. Não sei o que fazer. Se to
errado. Se ele tá (comunitário).
A partir deste panorama o que se percebe é uma estratégia de
desmobilização, e desmoronamento da sociedade de economia natural de Juruti
que surgem do fato de que, numa dimensão de fundo, o Capital, no seu processo
de expansão, depende, numa medida significativa, das sociedades de economia
natural, das quais não só retira as pessoas que converte em exército de trabalho
ou exército de reserva, mas também as riquezas naturais necessárias à sua
acumulação – e expropriá-las e retirá-las dos seus locais de origem são os
primeiros passos para fazer isso.
Assim que a produção capitalista se apodera da agricultura, ou à medida
que se apoderou dela, decresce, com a acumulação do capital que aí
funciona, a demanda de população trabalhadora rural de modo absoluto,
sem que sua repulsão, como na indústria não-agrícola, seja
complementada por maior atração. Parte da população rural encontra-se,
por isso, continuamente na iminência de transferir-se para o proletariado
urbano ou manufatureiro, e à espreita de circunstâncias favoráveis a
essa transferência. (Manufatureiro aqui no sentido de toda a indústria
não-agrícola.)528 Essa fonte da superprodução relativa flui, portanto,
continuamente. Mas seu fluxo constante para as cidades pressupõe uma
contínua superpopulação latente no próprio campo, cujo volume só se
torna visível assim que os canais de escoamento se abram
excepcionalmente de modo amplo. O trabalhador rural é, por isso,
rebaixado para o mínimo do salário e está sempre com um pé no
pântano do pauperismo. (MARX, 1996, p. 272)
Com isso percebe-se que o domínio está ocorrendo aos poucos e que
estas comunidades estão sendo dissolvidas lentamente, mesmo com toda a luta
travada.
Esta dissolução é o que leva a preocupação de que esta comunidade venha
a compor o que Marx chamou de superpopulação relativa, ou seja a população
―excedente‖. ―Ela constitui um exército industrial de reserva disponível, que
84
pertence ao capital de maneira tão absoluta, como se ele o tivesse criado à
própria custa‖ (MARX, 1996, p. 191).
Muitos comunitários estão indo trabalhar na fábrica como braçal, mas
tem muitos que já foram demitidos. Não passam nem ano lá. Acaba o
trabalho eles saem. ai vão atrás de uma coisa aqui uma coisa ali. De
lugar em lugar. Isso quando não vão pra outro local.
Assim,
mais
do
que
populações
tradicionais
estas
comunidades
caracterizam-se por sociedades de economia natural que ao serem expropriadas
de suas terras, perder, seus meios de produção, tornam-se trabalhadores que tem
apenas a sua força de trabalho para vender. Este contingente acaba por integrar a
superpopulação relativa latente, composta pelos trabalhadores rurais que são
expulsos gradativamente do campo, devido a expansão capitalista na agricultura.
Assim ―parte da população rural encontra-se sempre na iminência de
transferir-se para as fileiras do proletariado urbano [...] e na espreita de
circunstâncias favoráveis a essa transferência‖ (MARX, 1996, p.746). dessa
forma, essa população está sempre migrando para as cidades em busca de
melhores condições o que implica na existência de uma superpopulação latente
no campo, provocando o rebaixamento de salários do trabalhadores deste local
que segundo Marx (1996, p. 746) permanecem ―com um pé no pântano do
pauperismo‖.
Portanto o que se verifica é que o capital sempre cria uma população
sempre pronta a atender aos anseios do capital por trabalho com a formação de
um exercito de reserva, além de uma massa de desocupados aptos ao trabalho e
miseráveis que constituem reserva de força de trabalho para o capital.
.
85
5- CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização de investimentos em grandes projetos na Região apresentouse, inicialmente, como uma alternativa viável para de desenvolvimento capaz de
promover mudanças inovadoras e propiciar a ―internalização‖ de efeitos positivos,
via aumento de renda e do emprego locais, segundo os capitalistas. No entanto, o
que se verifica é um conjunto de impactos polarizados e desagregadores, cuja
magnitude real apresenta-se, ainda, ininteligível.
As principais características destes projetos permite inferir que os
resultados positivos esperados para a economia amazônica resumem-se na
infraestrutura instalada: na disponibilidade de energia elétrica, nas ferrovias,
instalações portuárias e infraestrutura urbana.
O setor agropecuário é o mais imediatamente suscetível aos impactos
inerentes à implantação dos grandes projetos, na medida em que sobre ele se
assenta quase toda a base econômica regional.
A partir da implantação dos grandes projetos, o perfil do setor vem
modificando-se radicalmente com reflexos marcantes sobre a estrutura fundiária
(concentração) e organização da produção (desintegração).
É necessário registrar que a organização da atividade agrícola, como a de
todas as atividades produtivas da Região, tem por base a pequena produção que
visa, sobretudo, à sua própria sobrevivência. Na medida em que não é respeitada
essa evidência, ao se implantarem grandes projetos sem possibilidade de
integração com base produtiva local, a tendência é que se acentue o processo de
desintegração da estrutura produtiva existente sem perspectiva de uma
correspondente absorção das populações envolvidas.
A instalação de grandes empreendimentos, logicamente, gera benefícios
aos donos do meio de produção. Porém, convém salientar, que sendo aqueles
projetos monopolistas ou oligopolistas, cuidados especiais deverão ser tomados,
em nível de política econômica, no sentido de evitar a extrema dependência e
vulnerabilidade a que são expostos os produtores/ comunidades rurais.
Do ponto de vista demográfico, a desarticulação provocada sobre a
economia rural vem se registrando, como característica marcante, a aceleração
do fluxo migratório rural-urbano que elevou progressivamente o crescimento das
86
populações urbanas, ao mesmo tempo em que a expansão das populações rurais
é, geralmente, diminuta ou mesmo negativa.
Geralmente, os projetos implantados na Região não consideram a cultura e
a experiência locais. O pressuposto de uma organização social da produção e
toda uma tecnologia, alheias às características regionais, vêm agregadas aos
projetos. O primeiro choque resultante disso é o conflito de interesses: de um
lado, os pequenos produtores agrícolas visando fundamentalmente à sua
reprodução física e social, de outro, os objetivos desses projetos que tem em
vista, principalmente, assegurar taxas de lucratividade que os viabilize
economicamente.
A remoção de populações de áreas de produção agrícola, abrindo espaço
aos grandes projetos, deve considerar como esses grupos irão se adaptar ao
novo modo de vida que lhes oferece como alternativa. Portanto, é indispensável
conhecer mais intimamente a realidade local para fundamentar propostas que se
contraponham a modelos que, incapazes de integrarem a população produtiva,
promovam, de fato, a sua expulsão e consequentemente inchaço dos núcleos
urbanos e aumento de desempregados e pauperizados.
È preciso considerar que a implantação de muitas políticas traçadas para a
Amazônia encerram, via de regra, uma contradição, visto que os seus objetivos se
opõem às medidas recomendadas. Desse modo, políticas que visam atender as
expressões da questão social sugerem medidas fundadas apenas na pressuposta
nacionalidade empresarial. Assim, por exemplo, políticas que visam à integração
de populações se convertem em medidas tão somente voltadas para
investimentos empresariais. Como consequências têm-se, ao invés de ―integração
de populações‖ a sua expulsão e a concentração de terra.
As diferenças sociais sejam em nível local ou global, produzidas no modo
de produção capitalista, mormente em uma fase altamente monetarista e/ou
especulativa, salientam a crueldade do crescimento econômico desacompanhado
de políticas que priorizem a repartição da renda e dos benefícios advindos de tal
crescimento.
Muitos dos grandes projetos criaram uma demanda social, pois não
conseguem transferir o bem-estar para as populações circunvizinhas, que vivem
na mais absoluta pobreza, em detrimento de grandes riquezas, pela incapacidade
87
de geração de empregos e rápida degradação ambiental, e consequente
diminuição da qualidade de vida da população, gerando pobreza e miséria para a
maioria.
Ou seja, esse ―desenvolvimento‖ trazido pelas multinacionais e seus
projetos de extração, beneficia muito mais um seleto e restrito grupo de
empresas, os detentores dos meios de produção, deixando à margem a
população residente na região que acaba em busca de melhores condições de
vida, migrando para áreas urbanas do estado ou mesmo para outros estados.
Neste sentido as comunidades que vivem nesses territórios amazônicos
que, em muitos casos, são vistas e se autoafirmam tradicionais, porém são
constituídas em sua maioria por trabalhadores extrativistas (coletores de
castanha), agricultores de subsistência como em Juruti Velho. o qual em uma
caracterizam-se como sociedades de economia natural, que, submetidas ao
capital e sua expropriação, acabam por integrar o exército de reserva, mas
especificamente, no que Marx denominou população latente, na iminência de
serem transformada em população estagnada ou em segmentos do pauperismo,
conforme sua absorção pelo capital.
88
REFERENCIAS
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Arqueologia da tradição: Uma apresentação
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.
92
APÊNDICE
93
APÊNDICE A
Fotos na Comunidade de Juruti Velho
94
95
96
97
APENDICE B
Roteiro de entrevista realizado com os lideres comunitarios
01)Qual o seu nome e a que comunidade pertence?
02)Há quanto tempo mora no local?
03)Qual o seu principal meio de sobrevivencia?
04) Como se dá no municipio a organização e luta de vocês pela terra e pelos
seus recursos frente a empresa Alcoa?
05) O que é ser tradicional? O que define isto?
06) Como se dá a estreita relação de vocês com os recursos naturais
existentes na região?
07) Como avalia a atuação da ALCOA no municipio?
98
ANEXOS
99
Anexo A
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO - MDA
INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA
SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DE SANTARÉM - SR30
DANOS E PREJUÍZOS DA IMPLANTAÇÃO DO PROJETO JURUTI
OMNIA/ALCOA DE EXPLORAÇÃO DE BAUXITA NO ÂMBITO DO
PROJETO AGROEXTRATIVISTA - PAE JURUTI VELHO
ANALISE PRELIMINAR
Agosto de 2007
10
11
ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO
Página
1
2. OBJETIVO
2
3. DANOS E PREJUÍZOS
2
3.1.DESMATAMENTO
3.1.1.DANOS ECONÔMICOS DO DESMATAMENTO
3.1.2. ESTIMATIVA DE PERDA DE RECURSOS FLORESTAIS
MADEIREIROS
3.1 .3. ESTIMATIVA DE VALORAÇÃO DO RECURSO MADE1RE1RO
SUPRIMIDO
3.1.4. ESTIMATIVA DE PERDA DOS PRODUTOS NÃO - MADEIREIROS
3
3
7
3.2. PERDA DE BIODIVERSIDADE
15
3.3. IMPACTOS NOS RECURSOS HÍDRICOS
17
3.4. IMPACTO NA FAUNA LOCAL (AFUGENTAMENTO DE
ANIMAIS)
21
3.5. DESTERRITORIALIZAÇÃO
22
3.6. CARÁTER DE ENCLAVE DO PROJETO JURITI
23
3.7. DESESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA
26
3.8. IMPACTO NA CAPACITAÇÃO
28
4. CONCLUSÃO
28
5. BIBLIOGRAFIA
29
ANEXO 1- LICENÇAS EXPEDIDAS PELA SECTAM AO PROJETO
JURITI
30
ANEXO 2 - MAPA DE LOCALIZAÇÃO DO PAE JURUTI VELHO
33
ANEXO 3 - CROQUI DE USO E OCUPAÇÃO DO PAE JURITI
VELHO
35
ANEXO 4- RELATÓRIO FOTOGRÁFICO
37
10
11
EQUIPE TÉCNICA RESPONSÁVEL
ANDERSON DE OLIVEIRA NASCIMENTO Engenheiro Florestal SR-30/STA (Coordenação)
DAGGO CHAGAS DANIEL Técnico em Agrimensura SR-30/STA
ELITA BELTRÃO DE FREITAS Analista em Reforma e Desenvolvimento Agrário SR-30/STA
GILVANDERSON FERREIRA BARROS Analista em Reforma e Desenvolvimento Agrário SR30/STA
JOÃO JOSÉ CORREIA Engenheiro Agrônomo
RAQUEL AMARAL Socióloga EMATER / PA
RITA DE CÁSSIA CERQUEIRA CONDE DE PISCOYA Engenheira Agrônoma INCRA/SEDE
SILVANA MARIA RODRIGUES SILVEIRA Analista em Reforma e Desenvolvimento Agrário SR30/STA
VANILDO MAIA Assessor de Comunicação Social do Governo do Estado do Pará
Danos e prejuízos da implantação do Projeto Juruti OMNIA/ALCOA de exploração de bauxita no âmbito do Projeto Agroextrativista - PAE
Juruti Velho — Análise Preliminar
1. INTRODUÇÃO
O projeto Juruti é um empreendimento minerário da OMMA Minérios, subsidiária da ALCOA inc.,
a maior produtora de alumínio no mundo. A empresa requereu licenciamento de uma complexidade de
atividades e infra-estruturas, que afetarão largamente os processos naturais e as atividades sociais da região,
são elas: mina de bauxita, usina de concentração do minério, bacias de rejeitos, estruturas de apoio, abertura e
pavimentação de estrada de rodagem, construção de ferrovia, construção de usina diesel elétrica e construção
de porto.
O Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM concedeu alvará de pesquisa à empresa
OMN IA Minérios para que esta realize pesquisa e a exploração das jazidas minerais, bem como para que
constitua as respectivas servidões minerarias. As autorizações concedidas pelo DNPM permitem que a
empresa possa pesquisar e, após autorização, minerar em terrenos de domínio público ou particular,
utilizando áreas para a instalação da infra-estrutura necessária. Os processos que orientam as autorizações de
pesquisa e autorização para lavrar foram registrados pelo DNPM pelos números 850.504/00; 850.026/2001;
850.028/04; 808.954/75; 751.777/96; 850.446/02; 850.506/00.
A fim de viabilizar a implantação do empreendimento, a empresa solicitou à Secretaria de Ciência e
Tecnologia do Estado do Pará - SECTAM as licenças ambientais necessárias. Foram expedidas seis
autorizações de supressão de vegetação, totalizando uma área de 2051,12 hectares de florestas a serem
desmatadas; duas autorizações de funcionamento de captação de água para acampamento, uma autorização
de funcionamento de extração de 257.500 nr de cascalho para pavimentação da estrada de acesso, uma
licença dc instalação para implantação de infra-estrutura para lavra, beneficiamento, transporte e embarque
de minério de bauxita, quatro licenças de instalação para a execução de 8 poços para captação de água
subterrânea na Rodovia PA-257, uma licença de operação para célula emergencial para disposição de
resíduos sólidos, uma licença de operação para captação de água subterrânea na Rod. PA-257 e uma licença
de operação para a atividade de pesquisa mineral. (Anexo 1).
Parte do empreendimento da ALCOA insere-se na Gleba Juriti Velho, arrecada e matriculada em
nome da União sob o número 1.002, livro 2, ficha 01/08, no cartório de registro de imóveis e anexos da
comarca do município de Óbidos. Em 2005, em uma área de 109.551 hectares, o INCRA criou em parte desta
Gleba, através da Portaria 18/05 publicada no Diário Oficial da União em 17 de novembro de 2005, o Projeto
de Assentamento Juriti Velho, beneficiando 1998 famílias (Anexo 2 e 3). O PAE Juriti Velho se consolidou a
partir de uma demanda das organizações das comunidades tradicionais locais, que historicamente
reivindicavam a regularização fundiária de seu território e, neste sentido, o PAE representa uma conquista
histórica das comunidades tradicionais locais. O PAE, por ser uma modalidade de projeto de assentamento
destinado às populações tradicionais para o manejo sustentável dos recursos viáveis e ecologicamente
sustentáveis, através da concessão de direito de uso, foi a modalidade mais adequada encontrada para dirimir
os conflitos e atender as demandas das comunidades da região.
A OMINIA Minérios não é proprietária do solo onde serão implantadas as áreas de mineração,
possuindo apenas autorizações de pesquisa mineral do subsolo que, pelo regime constitucional de pesquisa e
lavra mineral, independem da propriedade. O direito fundamenta-se na necessidade de constituição de
servidão mineraria, entretanto, as servidões só podem ser instituídas mediante indenização prévia do valor do
terreno ocupado e dos prejuízos resultantes dessa ocupação (Art. 60 do Decreto Lei no. 227 de 28/02/1967).
O titular de autorização de pesquisa poderá realizar os trabalhos respectivos, e também as obras e
serviços auxiliares necessários, em terrenos de domínio público ou particular, abrangidos pelas áreas a
pesquisa, desde que pague aos respectivos proprietários ou posseiros uma renda pela ocupação dos terrenos e
tuna indenização pelos danos e prejuízos que possam ser causados pelos trabalhos de pesquisa, observando
determinadas regras (Art. 27).
A OMNTA, como titular da concessão mineraria, sob pena de sanções (advertência, multa e
caducidade do título), fica obrigada a responder pelos danos e prejuízos a terceiros, que resultar, direta ou
indiretamente da lavra, evitar o extravio das águas e drenar as que possam ocasionar danos e prejuízos aos
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Danos e prejuízos da implantação do Projeto Juruti OMNIA/ALCOA de exploração de bauxita no âmbito do Projeto Agroextrativista - PAE
Juruti Velho — Análise Preliminar
vizinhos e evitar poluição do ar, ou da água, que possa resultar dos trabalhos de mineração (Art. 47, Código
de Mineração).
2.0BJETIVO
O presente relatório tem como objetivo comprovar, acusar e fazer uma estimativa dos danos e
prejuízos ambientais, econômicos e sociais do Projeto Juriti OMINIA-ALCOA de exploração de bauxita no
Projeto de Assentamento Extrativista Juriti Velho, considerando aspectos que se relacionam com o
comprometimento da viabilidade socioeconómica e ambiental do assentamento frente à consolidação do
empreendimento, embora esta tarefa, de acordo com a legislação, seja devida ao cessionário de título
minerário.
3.DANOS E PREJUÍZOS
A interbacia do Lago Grande de Juruti Velho, unidade geográfica onde se insere o PAE Juruti Velho
apresenta-se com o território dotado de grandes fragilidades frente ao estabelecimento das estruturas de
exploração de Bauxita do Projeto Juruti ALCA S/A, dadas as suas características ambientais, econômicas,
sociais e culturais.
O Território das comunidades que habitam o entorno do grande lago do Juruti Velho, pode aqui ser
entendido como uma impressão temporal na determinação de características particulares no modo de vida, no
estabelecimento de relações integradoras entre as comunidades, o meio natural e a organização política e
institucional.
O processo eminente de desterritorialização imposto pelo empreendimento, aponta para diferentes
aspectos em termos de danos e prejuízos que se correlacionam entre si. Desta forma foram selecionados os
aspectos considerados mais importantes pelas comunidades, levantados durante as diferentes intervenções
participativas realizadas pelo INCRA em 2007, aspectos estes que serão abordados a seguir:
3.1 .DESMAT AMENTO
As intervenções de supressão de vegetação realizadas pela empresa, avançam de forma muito rápida
sobre o território das comunidades para o estabelecimento de suas diferentes infra-estruturas, principalmente
aquelas associadas à implantação do complexo industrial, e lavra. O estabelecimento dessas feições da
empresa demandou e ainda demandam a perturbação de grandes áreas de floresta, de onde outrora, diversas
comunidades desenvolviam suas atividades de extrativismo, notavelmente a coleta de castanha, principal
produto do extrativismo vegetal na região do Lago do Juruti Velho
O desmatamento nas áreas da reserva florestal do assentamento, nos territórios das comunidades
mais próximas do empreendimento - comunidades Capiranga, Prudente, Surval, Monte Sinai, Jauarí e
Galileia - de forma perceptível, já vem impactando a vida das famílias. Os relatos dos comunitários mostram
a preocupação com a perda da cobertura florestal de onde provem grande parte da renda das famílias. "Somos
caboclos do mato, vivemos da coleta da castanha, precisamos da palha, da madeira, para fazermos nossas
casas, tem a caça que nos alimenta quase todos os dias. A ALCOA está destruindo tudo isso que precisamos
pra viver... e depois?".
A empresa de forma bastante "agressiva" vem avançando com a supressão da vegetação dentro da
área do PAE Juriti Velho, o que tem motivado a manifestação das organizações comunitárias e da Associação
das Comunidades do Juruti Velho (ACORJUVE), para que seja suspensa a atividade de desmatamento dentro
do PAE, inclusive com solicitação formal ao INCRA de Santarém, SECTAM, MPE e MPF.
A perda já ocorrente de recursos florestais madeireiros e não-madeireiros ocasionada pelo
desmatamento. representa um gargalo para a perspectiva de planejamento de uso sustentável de recursos
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Danos e prejuízos da implantação do Projeto Juruti OMNIA/ALCOA de exploração de bauxita no âmbito do Projeto Agroextrativista - PAE
Juruti Velho — Análise Preliminar
florestais voltada para o desenvolvimento do assentamento. A inegável vocação florestal das áreas que já
foram e serão desmaiadas pelo empreendimento e a aptidão das comunidades em trabalhar com o manejo
florestal sustentável, são justamente os ingredientes que apontam para a necessidade da consolidação do
arranjo Agroextrativista, com o planejamento voltado para a organização da produção, tecnificaçâo e
inserção de mercado.
3.1.1.DANOS ECONÔMICOS DO DESMATAMENTO
Os danos econômicos derivados da supressão da vegetação nativa dentro do PAE Juruti Velho estão
associados principalmente à perda da biodiversidade e de recursos extrativistas. As comunidades desse setor
do PAE, de forma geral, têm no extrativismo vegetal uma das principais fontes de renda consumo e
monetária. A região dos Platôs Capiranga, Guaraná e Mauari (constituintes do primeiro plano de
aproveitamento econômico da empresa) possuem uma cobertura florestal com alto grau de conservação
(Figuras 1 e 2) é mantenedora de recursos importantes que historicamente são manejados pelas
comunidades.
Figura 1 - Aspecto geral do dossel da Florestal Ombrófíla Densa Submontana - Platò Capiranga - Floresta
Comunitária das comunidades de Jauarí, Prudente, Capiranga e Monte Sinai.
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Juruti Velho — Análise Preliminar
Figura 2 - Aspecto Geral da Floresta - fase dos Platos, região do platô Capiranga, próximo (ao fundo) à base
de pesquisa da ALCOA.
A região é definida pelas comunidades mais próximas como sendo de "castanhais" o que de certa
forma contradiz os inventários florestais feitos pela empresa que apontam uma densidade dessa espécie de
2,19 indivíduos por hectare, considerada pequena para um "castanhal" (Figuras 3 e 4). Considerando ser
verdadeiro o dado apresentado pela empresa, somos levados a concluir que para a manutenção desse arranjo
extrativista torna-se necessária a disponibilidade de áreas extensas para sustentar a atividade. Contudo, o
diagnóstico aponta para o fato de que a atividade extrativista das comunidades contempla um universo muito
maior de espécies e produtos da íloresta na perspectiva do uso múltiplo. As comunidades relatam que nesse
setor do assentamento são obtidos recursos paia subsistência e geração de renda (uxi, castanha, bacaba, inajá,
lucumã, piquiá, cumaru, entre outros, inclusive a caça), medicinal (ipê, barbatimão, copaíba, andiroba),
habitação e artesanatos (madeiras diversas, palhas, embiras e cipós).
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Danos e prejuízos da implantação do Projeto Juruti OMNIA/ALCOA de exploração de bauxita no âmbito do Projeto Agroextrativista - PAE
Juruti Velho — Análise Preliminar
Figura 3 - Produção de castanha realizada por comunitário do PAE Juruti Velho em castanhal centenário
inserido na região do platô Capiranga/Guaraná
Figura 4 - Exemplai* de grande porte de castanheira (Betholetia excelsa), localizada na região do
platô Capiranga/Guaraná.
As supressões de vegetação (Figura 5) associada ao enclave da empresa (limitação do acesso)
constituem atualmente razão de diminuição da atividade extrativista e consequentemente da renda (consumo
e monetária), segundo relato das comunidades. A argumentação dos comunitários vem no sentido de que o
desmatamento representa o desmonte do extrativismo vegetal realizado a centenas de anos pelas
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Juruti Velho — Análise Preliminar
comunidades locais e um perigo em termo de impacto socioambiental, o que pode comprometer
definitivamente a qualidade de vida das comunidades, visto que a supressão da vegetação já vem refletindo
também a piora da qualidade das águas dos igarapés, prejudicando o seu uso pelas famílias e afetando a
disponibilidade de peixes e também afugentando o recurso da caça, fontes de renda, consumo e monetária, da
totalidade das famílias dessa região do PAE.
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Juruti Velho — Análise Preliminar
Figura 5 - Desmatamentos realizados para instalação do complexo industrial da mina de bauxita e bota-foras
- Platô Capiranga, dentro dos limites do PAE. (a) Vista aérea instalações industriais; (b) Vista terrestre industria; (c) Vista área do bota-fora 6.
3.1.2. ESTIMATIVA DE PERDA DE RECURSOS FLORESTAIS MADEIREIROS
Para o estabelecimento da mina de exploração de Bauxita, em sua fase inicial, os estudos da empresa
dimensionaram a necessidade de perturbação de uma área de 573,43 hectares de floresta remanescente dos
plalôs (Floresta Ombrófila Densa Submontana), situada na região das cabeceiras do Igarapé Itapiranga e
Prudente, região historicamente utilizada pelas comunidades Capiranga, Prudente e Monte Sinai do PAE'
Juruti Velho. Essa área contempla as instalações industriais da mina e o bota-fora 6 (Figura 6), incluindo sua
expansão, feições superficiais da empresa inseridas dentro dos limites do PAE e que constituem, juntamente
com as áreas de acesso (estradas e ramais abertos) e alojamentos, as principais afetações em termos de
supressão da vegetação natural na área do assentamento.
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Danos e prejuízos da implantação do Projeto Juruti OMNIA ALCOA de exploração de bauxita no âmbito do Projeto Agroextrativista - PAE
Juruti Velho - Análise Preliminar
Figura 6 - Área do bota-fora 6. (a) Madeira em tora empilhada, (b) Enterrio de toras e lenhas (c)
vista área das pilhas de madeira.
O Plano de Aproveitamento Econômico da primeira fase do empreendimento está enquadrado num
horizonte de quinze (15) anos e prevê o avanço nas supressões da vegetação de forma escalonada. A mina
será dividida em blocos e está previsto o início das atividades de exploração no platô Capiranga avançando,
sequencialmente, para os platôs Mauari e Guaraná (Tabelas 1 e 2).
Tabela 1 - Necessidade dc remoção da cobertura vegetal na primeira fase (ano 1 ao ano
15) __________________________________________________________________________________
ETAPA
HECTARES/ANO
TOTAL DE HECTARES
Implantação
131
Anos 1 a 5 (platô capiranga)
Anos 6 a 10 (platô Guaraná)
Anos 11 a 15 (platô Mauari)
246
328
421
1.230
1.640
2.105
FONTE: PCA Lavra, Beneficiamento e Transporte - Volume I.
Tabela 2 - Florestas Comunitárias afetadas diretamente pela exploração de Bauxita área de lavra (ano 1 ao ano 15). ___________________________________________________________
7---------------------------------------------------Platô
Floresta Comunitária
N. de Famílias
Area de supressão (HÁ)
Jauarí
15
Capiranga
Capiranga
43
Prudente
45
2.870
Monte Sinai
15
Guaraná
Jauarí
15
Pau d'arco
14
Recordação
08
2.105
Mauari
Boa Esperança
13
Galileia
70
Pompom
36
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA Agosto de
21
Ordem
6
2007
TOTAL
280
4.975
FONTE: Intervenção Participativa, INCRA 2007.
Danos e prejuízos da implantação do Projeto Juruti OMNIA ALCOA de exploração de bauxita no âmbito do Projeto Agroextrativista - PAE
Juruti Velho - Análise Preliminar
As informações contidas no estudo que substancia a autorização de supressão da vegetação para as
áreas de exploração inicial da empresa, dão conta que uma área de 975,21 hectares de vegetação natural, será
suprimida na região do platô Capiranga, no período de cinco anos, o que representa um somatório de
desmatamento (até o quinto ano de operação) de 1.548,64 hectares. A Tabela 3 demonstra o quantitativo
volumétrico dos produtos madeireiros (toras e lenha) oriundos da atividade de supressão vegetal dentro do
PAE Juruti Velho.
Tabela 3 - Estimativa da matéria-prima florestal retirada no PAE Juriti Velho
TOF
LOCAL
Área (ha)
Instalações industriais da
mina
Instalações industriais da
mina (expansão)
Bota-fora 6 (fase 1)
Bota-fora 6 (fase 2)
Areas iniciais de
Exploração
de
Bauxita *
TOTAL
LA
LEIS HA
413,6
Volume /ha
(m3/ha)
91,36
Volume Total
(m3)
37.786,74
Volume/ha
(St/ha)
164,59
Volume Total
(St)
68.077,03
135,83
91,36
12.409,51
164,59
22.357,12
9,00
15,00
975,21
85,97
85,97
87,98
773,73
1.289,55
85.799,17
195,14
195,14
247,97
1.756,26
2.927,10
241.822.82
1.548.64
-
138.058,70
-
336.940,33
Fonte: Solicitação ASV, áreas iniciais de exploração, bota-foras e instalações industriais.
* supressão a se realizada (até o quinto ano)
3.1.3. ESTIMATIVA DE VALORAÇÃO DO RECURSO MADEIREIRO SUPRTMTDO
Durante a prospecção de campo realizada em conjunto com representantes da Associação das
Comunidades do Juruti Velho - ACORJUVE, nas áreas do PAE afetadas pela empresa, foi possível confirmar
o desmatamento em diversas áreas, com destaque para a grande área do complexo industrial da mina de
bauxita (413,6 hectares). Toda a matéria prima oriunda do desmatamento realizado nessa área e outras
adjacentes, está depositada no bota-fora 6, localizado dentro dos limites do PAE e está sendo reivindicada
pelas comunidades.
Visando estimar o valor da matéria prima oriunda das intervenções de supressão da vegetação,
realizada dentro do assentamento pela ALCOA, foram tomadas como referencias as volumetrias (mVst)
estabelecidas pelos inventários florestais realizados pela empresa CNEC para obtenção das licenças de
supressão da vegetação - ASV das áreas destinadas às instalações industriais da mina, áreas do bota-fora 6 e
áreas iniciais de exploração de bauxita do Projeto Juruti.
Considerando a grande diversidade de espécies apontada pelos inventários florísticos, optou-se por
estabelecer o preço da madeira em tora (m3) de acordo com o relatório de movimentação florestal da
Secretaria Estadual de Meio Ambiente - SEMA construído a partir da guia florestei (GF 1), para a
comercialização de madeiras em tora no estado do Pará. As médias dos valores das diferentes espécies foram
feitas de forma estratificada de acordo com a localização da supressão vegetal. Os valores obtidos são
apresentados nas tabelas 4 e 5. O preço médio para a lenha, corresponde aos valores aplicados no comércio
local de Juruti (fonte: EMATER).
Tabela 4 - Valoração da matéria prima em tora (m3) suprimida na área do PAE Juriti Velho
--------- T ---------------LOCAL
Volume Total
Preço Médio
Volume /ha
A rea (ha)
(m3)
(R$)
(m3/ha)
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA Agosto de
2007
Preço Total (R$)
22
Danos e prejuízos da implantação do Projeto Juruti OMNIA ALCOA de exploração de bauxita no âmbito do Projeto Agroextrativista - PAE
Juruti Velho - Análise Preliminar
Instalações industriais da mina
Instalações industriais da mina
(expansão)
Bota-fora 6 (fase 1)
Bota-fora 6 (fase 2)
Areas
iniciais
de
Exploração de Bauxita *
TOTAL
413,6
135,83
91,36"
91,36
37.786,74
12.409,51
74,50
74,50
2.815.112,13
924.508,50
9,00
15,00
975,21
85.97
85.97
87,98
773,73
1.289,55
85.799,17
69,16
69,16
80,28
53.511,17
110.862.61
6.887.957,37
1.548.64
-
138.058,70
-
10.791.951,78
Fonte: Autorização para supressão de vegetação - OMNIA/CNEC
* supressão a se realizada (até o quinto ano)
Tabela 5 - Valoração da matéria prima cm lenha (st) suprimida na área do PAE Juriti Velho
LOCAL
--------- T --------- 1 Volume/ha
Volume
Preço Médio
A rea
(ha)
(St/ha)
Total (St)
(RS)
Instalações industriais da
413,6
164,59
68.077,03
15,00
Mina
Instalações industriais da
135,83
164,59
22.357,12
15,00
mina (expansão)
Bota-fora 6 (fase 1)
9,00
195,14
1.756,26
15,00
Bota-fora 6 (fase 2)
15,00
195,14
2.927,10
15,00
Areas
iniciais
de
975,21
247,97
241.822,82
15,00
Exploração de Bauxita *
TOTAL
1.548.64
336.940,33
-
Preço Total
(RS)
1.021.155,45
335.356.80
26.343,90
43906,50
3.627.342.30
5.054.104.95
Fonte: Autorização para supressão dc vegetação - OMNTA/CNEC
* supressão a se realizada (até o quinto ano)
A matéria-prima já retirada pelo os desmatamentos para instalação do complexo industrial,
bota-fora e estruturas de acesso e apoio correspondem a um montante dc R$ 1.426.762, 65 de lenha e
R$ 3.903.994,41 em tora. Até o quinto ano, com o avanço das supressões para as operações iniciais de
lavra, haverá um acréscimo de R$ 3.627.342,30 em lenha e 6.887.957,37 em tora, totalizando,
respectivamente R$ 5.054.104.95 em lenha e R$ 10.791.951,78 cm tora. Com isso, os valores ao final
de 5 anos de exploração, deverão alcançar a cifra de R$ 15.846.056,73.
3.1.4. ESTIMATIVA DE PERDA DOS PRODUTOS NÃO - MADEIREIROS
A intervenção participativa aponta para o fato de que dois aspectos relacionados ao
estabelecimento da empresa já afetam de forma drástica a coleta dos recursos florestais nãomadeireiros, sendo: 1) A supressão vegetal e 2) O impedimento de acesso. No que tange o
desmatamento já realizado e as futuras intervenções para a consolidação do empreendimento, as
comunidades apontam para as áreas dos platôs
(área de mineração e complexo industrial) como o principal local de oferta dos recursos florestais de uso
múltiplo. A organização representante dos assentados vem denunciando sistematicamente, a diferentes
instituições da esfera pública, que as áreas já desmaiadas pela empresa, localizadas no platô capiranga,
coincidem com as áreas que outrora suportava a atividade extrativista de pelo menos quatro (04)
comunidades -Jauarí, Prudente, Monte Sinai e Capiranga. O caráter de enclave do empreendimento (domínio
das estruturas de acesso), atualmente, segundo relatos de comunitários, impossibilita o acesso a diversas
áreas que antes eram utilizadas para o extrativismo, ocasionando uma perda indireta dos recursos. Este fato é
considerado pelos comunitários como fator de diminuição da renda oriunda das atividades dc coleta dos
produtos florestais.
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2007
23
Danos e prejuízos da implantação do Projeto Juruti OMNIA ALCOA de exploração de bauxita no âmbito do Projeto Agroextrativista - PAE
Juruti Velho - Análise Preliminar
Segundo o relatório Aspectos Socioeconómicos e Ambientais do Projeto de Assentamento
Agroextrativista - PAE Juruti Velho, Juruti - PA, elaborado pelo INCRA, o desfrute médio (renda consumo e
monetária) anual derivado das atividades agroextrativistas das famílias do assentamento chega a R$
10.143,97/ano. Desse total, 7% (R$ 669,50) correspondem ao desfrute da cesta de produtos da floresta, com
destaque para a castanha-do-pará (Figura 7 c 8), que é comercializada na região ao valor de R$ 7,00 a 15,00 a
lata de 18 litros (11 kg). Considerando que os valores obtidos no diagnóstico refletem a situação do
extrativismo florestal em todo assentamento (incluindo na amostra comunidades não extrativistas), pode-se
concluir que a taxa de desfrute oriunda dos produtos não madeireiros das comunidades extrativistas,
notavelmente aquela situadas nas proximidades dos platôs (local de grande oferta), seja maior que a do
conjunto das comunidades do assentamento. Contudo, os aspectos acima destacados, afetam principalmente
as comunidades localizadas na área de influência direta do empreendimento. Este fato representa uma
profunda transformação nos arranjos históricos dc geração de renda (consumo c monetária) definidos pela
atividade extrativista nessas comunidades, uma vez que a participação dessas atividades, em termos de
impacto na renda, está cada vez mais prejudicada.
A comunidade acredita que com a intervenção do INCRA no assentamento, a médio e longo prazo
haverá um incremento da produção extrativista das florestas das comunidades do PAE, com conseqüente
aumento da participação dos produtos extrativistas nâo-madeireiros na renda e do consumo das comunidades.
Para tanto, preconiza-se que tais atividades deverão estar contempladas no planejamento para o
desenvolvimento do assentamento, visando sua melhor organização para a tecnificação da produção e
beneticiamento e inserção de mercado. A Tabela 6 apresenta as principais espécies não madeireiras que serão
suprimidas dentro da área do assentamento.A Figura 9 mostra produção de andiroba coletada na região do
Platô Guaraná.
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2007
24
Donos eprejuízos da implantação do Projeto Juruti OMNLVALCOA de exploração de bauxita no âmbito do Projeto
Agroextrativista - PAE Juruti Velho - Análise Preliminar
Tabela 6 - Principais recursos não madeiros ocorrentes nas áreas a serem suprimida pela atividade mineraria
da
ALCOA
no
PAE
Juruti
Velho.
N
Número
de
indivíduos
ESPECIE
Bertholetia execelsa
An iba catièlila
Astrocaryum sp.
Altaica maripa
Brosimum sp.
Eugenia sp.
Hevea brasiliensis
Hymatanihus sp.
Hvmenaea courbaril
Protium sp
Endopleuro uchi
Oenocarupus bacaba
Caryocar sp
* Medida de densidad
USO
NOME
VULGAR
castanheira
AL/VD
preciosa
AL/MD
Tucumã
AL
Inajá
AL/FI/PA
Amapá
MD
Araçá
AL
Seringueira
VD
Sucuuba
MD
Jatobá
MD/VD
Breu
VD
Uchi
AL/VD
Bacaba
AL/VD
Piquiá
AL/VD
e segundo inventário floresta
N/HA*
N TOTAL (supressão até o
quinto ano)
2,19
3.391.52
0,4
619,46
7,7
91.818,87
2,38
3685.76
0,4
619,45
0,47
727,86
0,47
727,86
2,50
3871,60
2,19
3391,52
13,44
20813,72
1.56
2415,87
1,25
1935,80
0,3
464,59
para solicitação das ASVs das
feições da empresa inseridas dentro do PAE Juruti
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25
Donos eprejuízos da implantação do Projeto Juruti OMNLVALCOA de exploração de bauxita no âmbito do Projeto
Agroextrativista - PAE Juruti Velho - Análise Preliminar
59999
999
Figura 7 - Produção de castanha (250 Kg) coletada na região do Platô Capiranga/Guaraná, dentro dos
limites do PAE Juruti Velho
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2007
26
Danos e prejuízos da implantação do Projeto Juruti OMNIA/ALCOA de exploração de bauxita no âmbito do
Projeto Agroexrrativista - PAE Juruti Velho - Análise Preliminar
Figura 9 - Produção de andiroba (Carapa guianensis) coletada na região do platô
Guaraná.
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Danos e prejuízos da implantação do Projeto Juruti OMNI A/Al.COA de exploração de bauxita no âmbito do Projeto Agroextrativista - PAE
Juruti Velho - Análise Preliminar
3.2. PERDA DE BIODIVERSIDADE
Os levantamentos da vegetação da área, realizados pelo CNEC paia a ALCOA, no âmbito da
elaboração do Estudo de impacto Ambiental e do respectivo Relatório de Impacto Ambiental, mostram uma
alta diversidade. Segundo o relatório, a floristica da região do Projeto Juruti é extremamente diversificada,
apresentando um expressivo número de famílias, gêneros e espécies e, além disso, não apresenta elevada
sobreposição de espécies, principalmente entre as consideradas de floresta primária, pois do total de espécies
registradas, apenas 11% foram comuns entre as áreas amostrais. Estas características enfatizam a necessidade
de conservação de todos os tipos de vegetação existentes na área, a fim de conservação da biodiversidade.
Conforme o estudo, no ecossistema de terra firme as florestas primárias apresentaram a maior
riqueza, resultado natural na Floresta Ombrófila Densa (Figura 10). A riqueza de espécies encontrada nas
florestas denominadas primárias no estudo -182 indivíduos na Galileia, 174 na encosta do Guaraná e 226 na
região do Mutum - é inferior ao número encontrado neste tipo de floresta, que varia de 250 - 300 espécies.
As Florestas Secundárias, que se caracterizam pela alta abundância de uma ou duas espécies,
apresentaram uma riqueza bem razoável, quando comparada com as de várzea e terra firme primária, e
mostram que os estágios sucessionais entre as duas unidades de amostra desta vegetação estão bastante
diferenciados.
Estes números reforçam duas questões importantes: 1. A mais baixa diversidade nas florestas
classificadas como primárias no levantamento refletem antigas explorações por madeireiros, no processo de
antropização anterior à chegada da mineradora; 2.A presença de florestas secundárias, com altos índices de
diversidade, demonstram que o tipo de manejo realizado pelas comunidades da floresta - onde roças de
mandioca e pomares são criados cm áreas circundadas por floresta, em regime de rotação - permite a
preservação da biodiversidade e respeitando a ocupação das comunidades tradicionais na região.
A pesquisa demonstrou que, na área estudada, diversas foram as espécies encontradas que
apresentam algum valor econômico, seja madeireiro, medicinal ou comestível. Quanto à presença de espécies
de valor comercial, pode-se deduzir que a área ainda apresenta um bom potencial para o manejo sustentado
madeireiro, principalmente nas áreas de platôs menos degradadas por outros processos antrópicos. De fato, a
grande riqueza dos remanescentes de florestas existentes no PAE é importantíssima para a manutenção das
comunidades, e a supressão de vegetação, com a conseqüente perda de diversidade, afetará diretamente os
modos de vida das comunidades.
Os levantamentos da ALCOA indicaram a presença de três espécies contidas na listagem da flora
ameaçada de extinção no Brasil, a castanha-do-Pará, o pau-rosa e o pau cravo. (Tabela 8). Se considerarmos
a lista de espécies ameaçadas de extinção do Estado do Pará elaborada pelo Museu Paraense Emílio Goeldi,
em 2006, o número de espécies aumenta (Tabela 9), havendo uma intensificação do impacto regional dos
desmatamentos e conseqüente perda de diversidade.
Tabela 8 - Espécies ameaçadas de extinção no Estado do Pará encontradas nos levantamentos da ALCOA.
Nome Científico
Bertholletia excelsa
Di cypell in m caryophyUatum
Aruba rosaeodora
Categoria de ameaça
Vulnerável
Vulnerável
Em perigo
Fonte: R1MA/ALCOA/CNEC
Tabela 9 - Espécies ameaçadas de extinção no Estado do Pará encontradas nos levantamentos da ALCOA.
Nome Científico
Aspidosperma desmanthum
Centrolobium paraensis
Categoria de ameaça
Vulnerável
Em perigo
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Danos e prejuízos da implantação do Projeto Juruti OMNI A/Al.COA de exploração de bauxita no âmbito do Projeto Agroextrativista - PAE
Juruti Velho - Análise Preliminar
Erythroxylum nelson-rosae
Eschweilera piresii ssp. piresii
Eschweilera subcordata
Gustavia erythrocarpa
Hymenolobium excelsiim
Man ilkara exce Isa
Manilkara huberi
Tabebuia impetiginosa
Em perigo
Vulnerável
Vulnerável
Vulnerável
Vulnerável
Vulnerável
Vulnerável
Vulnerável
Fonte: Lista espécies ameaçadas de extinção do Museu Paraense Emílio Goeldi.
Os dados de diversidade encontrados para a região mostram altos índices de diversidade. A
supressão da vegetação causará danos diretos à diversidade e às comunidades que dependem da grande
diversidade de produtos gerados pela floresta durante todo o ano.
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2007
29
Danos e prejuízos da implantação do Projeto Juntti O MN IA/ALCOA de exploração de bauxita no âmbito do Projeto Agroextrativista - PAE
Juruti Velho - Análise Preliminar
Figura 10 - Aspecto geral da Floresta Ombrófíla Densa remanescente dos Platôs -Platô capiranga, área de
exploração inicial.
3.3. IMPACTOS NOS RECURSOS HÍDRICOS
As previsões das avaliações de impactos dos ETA/RTMA do empreendimento de mineração de
bauxita, a implantação dos canteiros de obras e a construção da planta de beneiiciamento e estruturas
associadas e escritórios, bem como a preparação dos locais para disposição de estéril e rejeitos, áreas de
empréstimo e bota-foras, envolve dcsmatamento e terraplanagem com movimentação de terra, aumenta a
quantidade de áreas expostas às intempéries e facilita a instalação de processos erosivos e o carreamento de
sedimentos, com conseqüente aporte nos igarapés e lagos da região.
Parte desta situação já está sendo observada pelas comunidades Monte Sinai e Prudente. Conforme
informações destas comunidades, na época das chuvas, é comum que as águas das cabeceiras do Prudente e
do Itapiranga se tornem turvas, com maior quantidade de sedimentos carreados dos platôs. A ocorrência deste
evento é natural, entretanto, o período de limpeza natural dos Igarapés vem aumentando, impossibilitando a
pesca e a utilização da água para consumo, atividades essenciais para a comunidade que não tem outra fonte
de água nas proximidades.
Os platôs Capiranga, Guaraná e Mauari mostram uma predisposição natural (Figura 11) para
processos erosivos, principalmente de natureza laminar, mesmo em áreas com cobertura vegetal. Com a
implantação das estruturas da mineradora estes processos erosivos estão sendo intensificados.
Os estudos mostraram também que as ações de desmatamento, terraplanagem e execução de
corte/aterro em maciço terroso para implantação da ferrovia e de construção da estrada e demais instalações,
como as áreas de empréstimo e bota-foras entre a mina e a cidade de Juruti, também potencializam a
ocorrência de erosão laminar, erosão em sulcos, ravinas e voçorocas sobre o solo e coberturas dentríticas
arenosas do relevo de colinas pequenas. Em função de maiores declividades e da natureza friável desses
sedimentos, o volume de material transportado para cursos d" água será maior.
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30
Danos eprejuízos da implantação do Projeto Juruti OMNIA ALCOA de exploração de bauxita no âmbito do Projeto Agroextrativista - PAE Juruti
Velho - Análise Preliminar
O fato c que o empreendimento, com tão pouco tempo de implantação, já vem causando danos e
prejuízos a duas comunidades do assentamento. Desta forma, é imprescindível realizar uma análise dos dados
das coletas dos Programas de Monitoramento da Qualidade da Água Superficial e de Monitoramento da
letiofauna que estão sendo realizados pela ALCOA, assim como realizar uma reavaliação da periodicidade de
coleta destes dados, visando verificar as alterações da qualidade da água na ocorrência de chuvas torrenciais,
eventos estes localizados, e não apenas realizar coletas nas poucas datas de amostragem pré-determinadas
pelos programas.
Caso não haja uma atenção, especial e imediata, aos recursos hídricos da região, visando atenuar e
eliminar os impactos negativos causados, os danos e prejuízos às comunidades do assentamento serão
enormes, em vista da estreita relação das comunidades com os igarapés e lagos, que sustentam os modos de
vida do povo da floresta, sendo fonte de alimento, renda e saneamento.
Figura 1 1 - Processos erosivos naturais ocorrentes na vertente dos platôs, mesmo em áreas com cobertura
vegetal - Região do Paraná do Balaio - PAE Juruti Velho.
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2007
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Danos e prejuízos da implantação do Projeto Juruti OMNIA/ALCOA de exploração de bauxita no âmbito do Projeto Agroextrativisia - PAE Juruti
Velho - Análise Preliminar
Figura 12 - Aspecto geral da interbacia do Lago Grande de Juruti Velho.
Figura 13 - Floresta do Platô Capiranga, local inicial de exploração de Bauxita, na interface com o Lago
Grande e cabeceiras do Itapiranga e Prudente (Igarapés formadores do Lago).
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32
Danos e prejuízos da implantação do Projeto Juruti UMMWALCOA de exploração de bauxita no âmbito do Projeto Agroextrativista - PAE Juruti
Velho - Análise Preliminar
Tabela 10 - Igarapés e cabeceiras situadas nas áreas dos Platôs (Capiranga, Guaraná e Mauari)
3.4. IMPACTO NA FAUNA LOCAL (AFUGENTAMENTO DE ANIMAIS)
LOCAL
1. Igarapé do Jacaré
2. Igarapé Juruti Grande
(Galiléia/Mauari)
3. Igarapé Comprido (Fazenda Assis)
4. Braço do Igarapé Juruti Grande (Pau D'arco)
5. Cabeceira do Jauri
6. Igarapé Capiranga (Sr. Firmino)
7. Igarapé Guaraná
8. Igarapé Prudente
9. Igarapé Mutum
10. Córrego Mauari (Acampamento Mauari II)
11. Igarapé Juruti Grande (Comunidade Maravilha)
12. Foz do Igarapé Juruti Grande
13. Igarapé Aruã
DESCRIÇÃO
Um dos principais formadores do igarapé Juruti
Grande.
Situado próximo à comunidade Galileia, nas
imediações do antigo acampamento desativado da
ALCOA, conhecido também como Mauari II.
Situado nas proximidades da Fazenda Assis. Esse
igarapé é contribuinte da margem direita do Juruti
Grande.
Situado nas proximidades da comunidade de Pau D
"arco, com cerca de 120 habitantes.
Situada perto da comunidade chamada Jauari.
Contribuinte da margem direita do igarapé Juruti
Grande. Situado próximo ao acampamento base da
ALCOA, nas imediações da propriedade do senhor
Firmino.
Formador do igarapé Juruti Grande, a sua margem
direita.
Braço do igarapé Açu, margem direita do Juruti
Grande
Situado próximo ao antigo acampamento Mutum.
Córrego formador do igarapé Jacaré. Situado nas
proximidades do acampamento hoje desativado no
platô Mauari.
Situado próximo à comunidade Maravilha.
Situado na foz do igarapé Juruti Grande, nas
mediações do Rio Amazonas.
Situado na região de nascentes do igarapé Amã sob
influência do platô Capiranga
FONTE: Adaptado PCA OMNIA/ALCOA
O principal impacto decorrente da implantação do empreendimento no meio biótico diz respeito à
retirada da vegetação para exploração mineral e a conseqüente interferência na fauna local.
A caça constitui-se, em termos quantitativos, o terceiro alimento em ordem de importância na dieta
das comunidades do PAE, ficando logo após a mandioca (que inclui também a farinha e o tucupi) e o peixe.
Em media as comunidades consomem caça de duas a três vezes por semana; caça esta obtida nos
remanescentes florestais distribuídos nas áreas comuns das comunidades (Figura 14).
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33
Danos e prejuízos da implantação do Projeto Juruti UMMWALCOA de exploração de bauxita no âmbito do Projeto Agroextrativista - PAE Juruti
Velho - Análise Preliminar
As comunidades de Jauari, Monte Sinai e Prudente relatam problemas recentes com a fauna em sua
região. Os ruídos provocados pelas atividades da mina estão provocando o afugentamento dos animais que
invadem as áreas de roça de mandioca. A caça, temporariamente, é facilitada pela chegada de animais
desorientados, afugentados pelos ruídos ou a procura de novos habitats.
As atividades da mineradora estão provocando impactos na fauna dc diferentes naturezas. Ao
mesmo tempo que há um aumento imediato da disponibilidade de caça, o que se caracteriza como impacto
positivo na dieta das comunidades, a invasão de caça nas roças, principalmente de mandioca, causa impactos
negativos nas comunidades, trazendo prejuízos diretos na produção e renda dos agricultores. Outro fato é que
a diminuição dos estoques de caça comprometerá, também negativamente e num futuro próximo, a dieta da
comunidade.
3.5. DESTERRITORIALIZAÇÃO
Figura 14 - Caça (quelônio) obtida em remanescentes florestal da região dos platôs.
Hoje, as áreas do empreendimento já desmatadas (bota-fora no. 6 e área da mina de bauxita)
inseridas no PAE Juriti Velho, excetuando-se algumas áreas não quantificadas (vias de acesso, caminhos de
serviço, adução de água, entre outros), perfazem, juntas, 622,93 hectares. Se comparássemos com as áreas já
fechadas pela mineradora, dados este não disponível no momento, estaríamos com valores percentuais muito
mais significativos. De toda forma, do Io. ao 15°. ano, durante a vigência do primeiro plano de
aproveitamento econômico do empreendimento, serão desmatadas 5.597,93 hectares de florestas na área do
PAE, cerca de 5% (incluindo a superfície do lago) do PAE. Este número pode não ser muito significativo
para o Projeto de Assentamento como um todo, entretanto, dentro do PAE convivem cerca de 60
comunidades, cada uma delas com sua territorialidade definida. O avanço do empreendimento poderá levar a
grandes perdas de áreas nas comunidades mais próximas do mesmo.
O território pode ser entendido como uma impressão temporal da sociedade na determinação das
características locais ou ainda o espaço socialmente ocupado, onde ocorre as relações multidimensionais
entre sociedade, meio natural, organização política e institucional em arranjos construídos ao longo de
gerações e onde é possível identificar elementos que indicam identidade e coesão social, cultural e territorial.
A perda do espaço biofísico pelas comunidades diretamente afetadas pelo empreendimento,
representa um aspecto central da problemática socio ambiental a ser imposta pela mineração de bauxita às
populações tradicionais do PAE Juriti Velho, pois chama a atenção para o perigo eminente de um processo
irreversível de desterritorizalização.
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Danos e prejuízos da implantação do Projeto Juruti UMMWALCOA de exploração de bauxita no âmbito do Projeto Agroextrativista - PAE Juruti
Velho - Análise Preliminar
Desterritorialização não significa apenas a perda de espaço físico, mas principalmente, a mudança
radical nos sistemas históricos de relação entre as comunidades, a relação destas com o meio natural, a perda
de controle sobre a organização dos padrões culturais do trabalho (pesca, agricultura, extrativismo,etc.) e sua
divisão social, perda de recursos naturais fundamentais ao estilo de vida das comunidades e principalmente a
perda dos mecanismos de auto-gestão do território, inclusive aquele que não será diretamente afetado pela
mineração, mas que é controlado pela política da empresa para garantir o sucesso do empreendimento.
O processo de desterritorialização é parte integrante da historia dos grandes projetos de mineração,
resultando na maioria das vezes em fluxos migratórios e na necessidade de re-assenlamenlos. Neste sentido, a
proximidade da algumas comunidades do PAE - a exemplo da comunidade de pau d'arco, localizada nas
bordas de um dos platos, a uma distância de cerca de 1.800 metros apenas da suposta área de exploração correm o risco de perder a quase totalidade de seu território utilizado para as atividades produtivas
tradicionais. No que tange à segurança e a qualidade de vida, tal proximidade pode até inviabilizar a
permanência de comunidades no entorno da área de exploração.
Na perspectiva do desenvolvimento do Projeto de Assentamento, a perda do território para a
mineração, inviabilizará a expansão dos arranjos agroílorestais, familiares e comunitários, e a consolidação
dos arranjos agroextrativistas e de agricultura familiar, considerados modelos de gestão territorial
apropriados à realidade sócio-cultural e biofísica do território da interbacia hidrográfica do Lago Grande de
Juruti Velho, apontada pelo Zoneamento Ecológico Econômico - ZEE da área de influência da BR-163.
3.6. CARÁTER DE ENCLAVE DO PROJETO JURITI
O caráter de enclave do Projeto Juriti representa uma outra dimensão dos impactos a serem gerados
pela consolidação do empreendimento. Por sentido de enclave entende-se por qualquer forma de ocupação
fechada, totalmente dissociada da realidade onde está inserida. A análise dos encadeamentos produtivos e
infra-estruturais desse projeto através de visita in loco e fotografias demonsttam um baixo grau de integração
com a economia e sociedade local.
Para viabilizar a integração física do projeto a empresa ALCOA organizou um conjunto de
programas e obras de grande porte, visando melhorar a infra-estrutura de suas áreas de abrangência e
prepara-la para o pleno desenvolvimento das atividades de lavra, tais como:
a) Construção de grandes redes de telecomunicação comandadas por satélite, para facilitar a integração
tecnológica do espaço do projeto aos centros econômicos do Brasil e do mundo, de onde provem à
mão-de-obra, máquinas e equipamentos responsáveis pelo seu andamento (Figura 15);
Figura 15 - Sistemas de comunicação implantados nos territórios comunitários dissociados da realidade
das comunidades
b) Abertura e melhoramento de rodovias. Essas vias de circulação tendem a reorganizar o espaço
territorial, na medida em que alteram os meios de locomoção da área do PAE Juriti Velho, hoje
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA Agosto de
2007
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Danos e prejuízos da implantação do Projeto Juruti UMMWALCOA de exploração de bauxita no âmbito do Projeto Agroextrativista - PAE Juruti
Velho - Análise Preliminar
pautado no sistema fluvial. Um agravante nesse sentido constitui no fato de que nas primeiras fases
do projeto, o acesso fora liberado para uso dos comunitários, que vêem nas rodovias um facilitador
de comunicação. Porém, com a eminência da operação absoluta da lavra, estas vias deverão
constituir uso exclusivo da empresa (Figuras 16 e 17);
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA Agosto de
2007
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Danos e prejuízos da implantação do Projeto Juruti OMNWALCOA de exploração de bauxita no âmbito do Projeto Agroextrativista
PAE Juruti Velho Análise Preliminar
Figura 16 - Via de acesso à mina de Bauxita do projeto Juruti controlado pela empresa - Ramal utilizado
pelas comunidades locais, conta atualmente com grande movimentação de veículos e maquinas.
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Danos e prejuízos da implantação do Projeto Juruti OMNWALCOA de exploração de bauxita no âmbito do Projeto Agroextrativista
PAE Juruti Velho Análise Preliminar
Figura 17 - Via de acesso à mina de bauxita seccionada pelo traçado da ferrovia, estrada que hoje ainda é
utilizada por comunidades locais.
c) Complexo ferroviário. Consiste numa moderna ferrovia com cerca de 55 km, ligando a área do projeto ao
porto nas margens do rio Amazonas. A opção pela ferrovia está relacionada à necessidade de um baixo
custo de transporte para tomar o minério mais competitivo no mercado internacional. Esta ferrovia irá
operar exclusivamente para o transporte da matéria-prima e corta áreas de grande potencial madeireiro e
ocupação humana, como é o caso do assentamento Socó I, que terá cerca de 43 famílias afetadas
diretamente por sua construção (Figura 18);
124
- INCRA
Figura 18 - Construção do complexo ferroviário.
d) Criação de núcleos urbanos planejados. Estas "cidades'* dotadas de uma excelente infra-estrutura estão
sendo construídas para abrigar os trabalhadores das empresas responsáveis pelo Projeto Juruti. As
cidadelas funcionam como um instrumento de territorialidade, através das quais a empresa exerce total
controle sobre a mão-de-obra e espaço onde se localiza e ao mesmo tempo mantém o Projeto isolado da
realidade local (Figuras 19 e 20).
Figura 19 - Base de Pesquisa Capiranga OMNI A/ALCOA, localizada na cabeceira do itapiranga,
largamente utilizada anteriormente pelas comunidades do entorno, para acesso á região dos platôs e
município de Juruti, além das atividades de pesca.
125
Figura 20 - Alojamento de trabalhadores localizados nas dependências de instalação da mina dentro
do PAE Juruti Velho
Portanto, observa-se que o Projeto Juruti tende a estabelecer um processo de gestão individual e
isolado, impedindo inclusive, uma gestão territorial compartilhada com os comunitários em volta
3.7. DESESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA
A desestruturação produtiva acontece quando atividades econômicas tradicionais, como extrativismo
vegetal e animal, a agricultura de subsistência (Figuras 21 e 22) e etc, vão sendo comprometidas ou pela
supressão vegetal, que é uma constante em todas as fases de implantação do projeto e que gera redução das
áreas disponíveis para o pleno desenvolvimento das atividades econômicas tradicionais, ou quando estas vão
sendo substituídas por atividades econômicas modernas, ou seja, grandes empresas até internacionais, como é
o caso da ALCOA, passam a determinar novas atividades, como forma de compensação, em sua maioria
carregada de incrementos tecnológicos que não fazem parte do universo produtivo dos comunitários.
Lembrando que, na determinação do Zoneamento Ecológico Econômico da área de influência da
rodovia BR-163, da qual o município de Juruti faz parte, a Interbacia do Lago Grande Juruti desdobra-se em
três áreas produtivas e três zonas de consolidação. O território localizado na embocadura do Lago com o rio
Amazonas (entrada e saída) caracteriza-se em uma Zona de Consolidação para o extrativismo e pesca
Entende-se, portanto, pela legenda do trabalho do Zoneamento, que se trata de uma área com seu potencial
socioeconómico consolidado, necessitando apenas de melhoramento e fortalecimento de suas atividades a
nível comercial. Adentrando o Lago a tendência predominante, segundo o Zoneamento, vai à direção de áreas
de grande estabilidade natural, pouco antropizada e com baixa potencialidade socioeconómica, a qual
denuncia-se a fragilidade do sistema produtivo dentro dos espaços onde estão localizados os Platôs de lavra
da bauxita.
Desta forma, se não for dado tratamento adequado quanto aos limites de atuação da empresa
ALCOA no PAE Juruti Velho e análise criteriosa do Plano de aproveitamento Econômico e os Planos de
Controle Ambiental da empresa para a área do referido assentamento, as comunidades que o constituem terão
seus modos de vida totalmente alterados, inclusive perdendo sua característica agroextrativista.
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Figura 21 - Roça tradicional de milho e mandioca situada na borda do Platô Mauari (comunidade de Pau
D"arco)
Figura 22 - Pomar Agroflorestal em formação na região do Platô Guaraná
3.8. IMPACTO NA CAPACITAÇÃO
O impacto na capacitação é entendido como toda transformação no processo de absorção e
transferência de conhecimento característico de um espaço. Esse impacto revela-se no Projeto Juruti
ALCOA, na medida em que novas formas de capacitação são exigidas para a absorção de mão-de-obra, que
se torna extremamente danoso, visto que a preocupação com a capacitação destina-se apenas para as
primeiras fases do projeto. Desta forma, as comunidades deixam de empenhar-se no desdobramento de suas
atividades tradicionais, comprometendo diretamento o futuro do território, uma vez que as novas formas de
gestão não dão conta de dimensionar a realidade local
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Figura 23 - Reunião de formação continuada em organização social - Associação dos comunitários do Juruti
Velho - ACORJUVE.
4. CONCLUSÃO
As diferentes formas de afetação do empreendimento OMNI Al ALCOA de exploração de bauxita
sobre os territórios das comunidades do Projeto de Agroextrativista - PAE Juruti Velho apontam para um
processo de desterrilorizalização que deverá acarretar em transformações profundas nos modos de vida das
populações locais. Conforme discorrido no relatório em tela, os impactos negativos associados ao
empreendimento estão afetando as diferentes dimensões do desenvolvimento o que coloca em risco a
viabiliabilidade do projeto de assentamento.
Nesse sentido, a intervenção institucional do INCRA, deve contemplar a rápida implantação do projeto de
assentamento, privilegiando no primeiro momento a elaboração dos instrumentos de planejamento para o uso
e desenvolvimento do assentamento (Plano de Utilização e Plano de Desenvolvimento Sustentável), visando
garantir as comunidades a autonomia para decidir o modelo de desenvolvimento dos territórios
historicamente por elas utilizados, e assim, fazer frente ao modelo que está sendo imposto pela empresa. A
intervenção institucional deve ainda, no curto prazo, realizar a demarcação do projeto de assentamento,
visando assim, criar as condições necessárias para a emissão da concessão de direito de uso coletivo do
territorio, passo importante para a definitiva regularização empoderamento das comunidades.
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