Falhámos a meta da biodiversidade para 2010. E agora?

Transcrição

Falhámos a meta da biodiversidade para 2010. E agora?
Quinta-feira 22 Abril 2010
dia da terra
Falhámos a meta
da biodiversidade
para 2010.
E agora?
Onze objectivos que
tínhamos de cumprir
e o que estamos a fazer
Os animais e plantas
que estão prestes a
desaparecer do país
Oito casos de sucesso
e de fracasso em Portugal
20
anos
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2 • Público • Quinta-feira 22 Abril 2010
O mundo falhou, a Europa falhou, Portugal falhou. E agora?
Comentário
Ricardo Garcia
a Revisitar qualquer meta planetária
na área ambiental é sempre um
exercício angustiante. Partimos para
a missão já predispostos a encontrar
um mau resultado. A frustração
é o corolário mais natural desse
processo. Existem, é claro, casos
positivos. A luta contra o buraco
na camada de ozono, por exemplo,
vai no bom sentido. Mas o combate
pela preservação da diversidade
biológica está entre os exemplos de
fracasso.
O mundo entrou no Ano
Internacional da Biodiversidade
sem razões de júbilo nessa matéria.
Era justamente agora, em 2010,
que se deveria ter conseguido
“uma redução significativa” do
ritmo com que plantas e animais
estão a desaparecer da face da
Terra, sobretudo por obra humana.
A promessa tinha sido feita em
2002, na Cimeira Mundial sobre
Desenvolvimento Sustentável, em
Joanesburgo, com a solenidade
própria que esse tipo de eventos
impõe. Um ano antes, a União
Europeia tinha-se comprometido
a um passo ainda maior: o de
estancar, igualmente até 2010, a
perda de biodiversidade nos seus
Estados-membros.
Ambas as metas falharam,
rotundamente. Em Janeiro
passado, Ahmed Djoghlaf,
secretário executivo da Convenção
da Diversidade Biológica – ao
abrigo da qual a meta de 2010
foi adoptada – declarou de modo
inequívoco: “Continuamos a perder
biodiversidade a um ritmo sem
precedentes”. As pressões mantêmse sobre os ecossistemas mais ricos
em variedade de formas de vida,
como a floresta tropical e os recifes
de corais. Não há qualquer sinal
de abrandamento no número de
espécies ameaçadas de extinção.
assumidos pelas Nações Unidas,
em áreas tão diversas como a
protecção de habitats e de espécies
individuais, a promoção de práticas
tradicionais ou a cooperação e
a investigação científica. A cada
um deles, respondemos com um
caso português. O objectivo não
é mostrar se falhámos ou não.
Pelo contrário, as histórias que
aqui trazemos revelam que nem
tudo está parado. Há pessoas e
instituições vivamente empenhadas
em salvaguardar o nosso património
biológico, na tentativa de tornar o
país menos insustentável.
Mas também há sinais negativos.
Grande parte das espécies
ameaçadas em Portugal não está
a recuperar. Plantas e animais
invasores prosseguem a sua
conquista do território, subjugando
outras espécies, praticamente sem
qualquer impedimento.
No final deste retrato sobre onde
estamos em 2010 no que toca à
biodiversidade, cabe perguntar o
que é que se segue. Uma nova meta
será útil? Talvez sim. Sem um farol,
mesmo que débil, a viagem torna-se
ainda mais difícil.
Embora a deficiente monitorização
seja um dos calcanhares de Aquiles
da meta de 2010, os indicadores que
existem mostram na sua maioria
uma tendência negativa.
O mundo falhou, a Europa
falhou, Portugal falhou. Não haverá,
naturalmente, uma razão única para
explicar este fracasso. Como em
tudo que envolva a sustentabilidade
– este conceito tão prezado nos
discursos quanto ignorado na
prática –, poderemos facilmente
agarrar-nos às explicações mais
fáceis, como a adopção de políticas
erradas, a ausência de instrumentos
económicos, a inércia à mudança no
comportamento humano.
A história sugere que é preciso
uma boa crise ambiental para que se
ultrapasse a inacção. Infelizmente,
no caso da biodiversidade, a crise
existe mas não se vê facilmente.
São raros os casos em que o
cidadão comum se dá conta de
que o declínio da população de
um animal ou de uma planta o
afecta. As pescas, pelo seu peso
comercial, são um exemplo. Mas se
um minúsculo caracol desaparece
do mapa – e há pelo menos 40
ameaçados de extinção em Portugal
– provavelmente ninguém dará por
isso.
Nesse aspecto, é natural que as
alterações climáticas despertem
mais atenção. Basta um furacão,
uma seca prolongada, umas cheias
avassaladoras para pôr o mundo
todo a falar dos perigos que nos
espreitam quando mexemos no
clima. A proeminência actual do
tema até tem conspirado contra
outros problemas ambientais, que
estão a ficar em segundo plano – e o
da biodiversidade não é excepção.
O falhanço da meta de 2010,
por isso, não surpreende. Nem
seria de esperar que em oito
anos a sociedade revertesse um
mal que começou a fazer há dois
séculos e meio, com a Revolução
Industrial. A alternativa que surge
agora é empurrar para a frente o
compromisso. Fala-se numa “visão”
para 2050, com uma nova meta para
2020.
Neste Dia da Terra, o PÚBLICO
faz uma viagem aos caminhos
concretos que tinham sido traçados
para travar a redução da diversidade
biológica. Eram onze os objectivos
Na charneca do Ribatejo
a mão humana está a ajudar.
Por Ricardo Garcia
e Daniel Rocha
22
24
Além de sol e mar, o país
quer ecoturismo.
Por Ana Rute da Silva
26
28
Colorida, viscosa e talvez
terapêutica.
Por Teresa Firmino
Sumário
4
6
10
12
Aqui está a nascer
a primeira reserva natural
privada em Portugal.
Por Abel Coentrão e Paulo
Pimenta
Andam à procura de um
preço para a biodiversidade.
Por Lurdes Ferreira
14
15
18
Paisagem em lume brando.
Por Herique Pereira
dos Santos
Não são daqui mas
ocuparam o país.
Por Andrea Cunha Freitas
Castas de vinho portuguesas
uesas
são um património único
o
mas em risco.
Por David Lopes Ramos
Araras, ovos, crocodilos,
marfim, a natureza ilícita
em Portugal.
Por José Bento Amaro
20
A gralha está de volta, e o
que era antigo também. Por
Alexandra Lucas Coelho
e Rui Gaudêncio
Temos de criar auto-estradas
para a biodiversidade.
Entrevista de Ricardo Garcia
Ajudar a proteger
oteger a costa
de Moçambique.
bique.
Por Nicolau
u Ferreira
Directora Bárbara Reis Editor Ricardo Garcia Redactores Abel Coentrão, Alexandra Lucas Coelho, Ana Rute Silva, Andrea Cunha Freitas, David Lopes Ramos, José Bento Amaro, Lurdes Ferreira, Nicolau Ferreira, Teresa Firmino
Directora de arte Sónia Matos Editor de fotografia Miguel Madeira Repórteres fotográficos Adriano Miranda, Daniel Rocha, João Gaspar, Paulo Pimenta, Pedro Cunha, Rui Gaudêncio Infografia Joaquim Guerreiro e José Alves
Olhe pelo futuro
Quem olha por si, também olha pelo seu futuro. E para o fazer é crucial cuidar do ambiente
em que vivemos. É com este pensamento que Vitalis se coloca na vanguarda da inovação
ao desenvolver garrafas com muito menos plástico. As novas garrafas PET de Vitalis são
as mais leves do mercado, conseguindo ser ainda mais resistentes e mantendo inalteradas
as qualidades e a pureza da sua água. Beba Vitalis, o futuro agradece.
4 • Público • Quinta-feira 22 Abril 2010
Objectivo 1
Promover a conservação da
diversidade de ecossistemas,
habitats e biomas
Aqui está a nascer a
primeira reserva natural
privada em Portugal
Áreas protegidas de gestão municipal e particular são a nova linha da frente da preservação
de zonas naturais importantes no país. Na reserva da Faia Brava, com 600 hectares, acreditase que a conservação da natureza é também uma tarefa dos cidadãos. Por Abel Coentrão (texto)
e Paulo Pimenta (foto)
consequências na vegetação e,
consequentemente, nas condições
de vida das aves e das outras
espécies que a ATN tenta proteger.
Localização
Ri
oD
ou
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ZPE
do Côa
ZPE do
Douro
Reserva
Faia Brava
a
ued
Ág
Rio
Côa
às transformações impostas pela
presença do homem na paisagem,
reconhecíveis nos pombais caiados
de branco, nos caminhos abertos
pelos rebanhos de ovelhas, nos
montados de sobro e azinho, e nos
olivais que, parecendo desafiar as
regras do equilíbrio, se estendem
encosta abaixo.
O problema é que, quase tanto
como as aves, perdoando-se o
exagero, nesta zona do país o
homem é bicho a merecer pelo
menos o estatuto de espécie quase
ameaçada, de tão poucas que
são as pessoas que se vêem nos
caminhos percorridos desde esse
lugar de nome premonitório, Vilar
de Amargo, na estrada EN322, que
liga Almendra a Figueira de Castelo
Rodrigo, até este vale que lhe corre
paralelo. E o despovoamento
trouxe vários desequilíbrios a
uma área que, para efeitos de
conservação, até está incluída
na Zona de Protecção Especial
(ZPE) do Vale do Côa, mas que se
apresenta desprotegida perante
vários perigos: como o do fogo
que, em 2003, aqui lavrou durante
15 dias, destruindo 1500 hectares
da ZPE e matando um terço dos
sobreiros com mais de 50 anos.
Era o terceiro ano do projecto
Faia Brava. Mas aquele incêndio,
um sério revés, foi também um
Rio
a À porta de um pombal
sobranceiro ao vale escarpado
onde o rio Côa serpenteia, ainda
indomado, uma cama de penas
no chão de granito diz-nos que a
hierarquia da cadeia alimentar
funcionou a favor de uma das aves
que, lá de cima, parece vigiar a
nossa incursão na reserva da Faia
Brava. Não terá sido o grifo, como
necrófago que é. Provavelmente a
matança foi coisa de águia-real ou
da águia-de-Bonelli. Esta última,
com o abutre-do-Egipto, foi uma
das espécies cuja conservação
animou, há uma década, o trabalho
inicial da Associação Transumância
e Natureza, estando na origem
de uma reserva natural hoje com
600 hectares e prestes a ganhar o
estatuto de primeira área protegida
privada do país.
Estamos na região do Riba-Côa,
no concelho de Figueira de Castelo
Rodrigo, com Cidadelhe, já do lado
de Pinhel, a pontuar de branco
a crista oeste deste vale fechado
em que o rio imortalizado pelas
gravuras rupestres abre o seu
caminho até ao Douro. As escarpas,
assim inacessíveis, são óptimos
locais para pouso e nidificação de
aves rupícolas (ou aves das rochas,
literalmente), que aqui, como na
área vizinha do Parque Natural do
Douro Internacional, se adaptaram
sinal da urgência do trabalho
que estava e continua a ser
realizado por esta organização
não-governamental ligada
geneticamente aos holandeses
da Fundação Transumância e
Natureza que, em 2000, começou
a comprar terrenos nas freguesias
de Algodres e Vale Afonsinho para
criar uma área para a conservação
das aves rupícolas. A bióloga Alice
Gama, uma portuense que entre
2003 e 2006 investigava aves de
rapina na Costa Rica e nos EUA,
não tem uma imagem viva desse
incêndio. Mas conhece bem as suas
Avistado abutre-negro
O fogo acelerou um processo
evidente de degradação daquele
ecossistema, de onde, por falta de
alimento, foram desaparecendo
espécies que, por sua vez,
alimentavam estas aves. “Em
15 anos, a população da águiade-Bonelli caiu para metade”,
contabiliza Alice Gama, notando
que a zona delimitada pelo Douro,
a norte, o Águeda, a leste, e o Côa,
a oeste, é, em Portugal, o segundo
habitat mais importante desta
espécie, depois da serra algarvia.
Há, na área da Faia Brava, um
casal, que já teve crias, entretanto.
Já a águia-real, notícia pelo seu
quase desaparecimento no Parque
Nacional da Peneda-Gerês, vive
nesta região do país melhores dias,
e um casal vagueia pelos territórios
do Riba-Côa, onde nidifica ainda
uma família de cegonha-negra.
Quanto aos necrófagos,
agradecem bem a comida que
recebem do alimentador de
abutres construído pela ATN, que
contabiliza a presença, todos os
anos, de quatro casais de brintango,
o nome local para o abutre-do-
Egipto, e uns cinquenta pares de
grifos, estes presença constante nos
ares. E há dias, já depois da nossa
passagem pela reserva, foi de novo
avistado um abutre-negro na Faia
Brava.
“É uma espécie extinta como
nidificante em Portugal, com
indivíduos em dispersão entre
Portugal e Espanha, e que no
futuro próximo pode voltar a
nidificar em Portugal. Quem sabe
no Côa?”, explicava, num e-mail
cheio de esperança, a bióloga que
lidera a jovem equipa técnica da
ATN, da qual fazem parte ainda
um engenheiro florestal, que tem
o apoio de dois trabalhadores
permanentes, e Fernando Romão,
o nosso guia e responsável pela
tarefa, ainda praticamente a
começar, de divulgação turística
deste espaço, uma valência cujo
retorno financeiro será outra fonte
de receita para o muito que há a
fazer para assegurar, e aumentar,
a biodiversidade neste vale ao
qual Alice gostaria, um dia, de ver
regressar o lobo.
Com recurso a trabalho próprio
e a acções de voluntariado, a
ATN começou por recuperar oito
pombais. Perto de um dos que
visitámos, as moscas e o cheiro a
carne putrefacta, restos do talho,
diz-nos Fernando Romão, atraem-
Público • Quinta-feira 22 Abril 2010 • 5
Há 47 áreas protegidas em Portugal,
três das quais criadas em 2009
Garranos na
Faia Brava
Fernando Romão guiou-nos pela reserva no rio Côa
nos para o alimentador dos abutres.
No caminho até à zona escarpada,
uma manada de garranos faz-se à
fotografia, assinalando outra das
acções mais bem sucedidas da ATN,
que, lançado um apelo na Internet
e entre os associados, conseguiu
“adoptantes vitalícios” (por 150
euros) e anuais (50 euros) para
comprar 25 cavalos desta raça.
Número bastante para o cercado
de cem hectares construído para
albergar os animais, que entretanto
já se vão reproduzindo.
Os garranos são outros
trabalhadores da Faia Brava, já que
controlam os matos e fertilizam os
solos, apoiando assim os objectivos
de contenção de incêndios e de
repovoamento florestal, que entre
2005 e 2008 levou à plantação de 15
mil árvores de espécies autóctones,
num esforço que tem sido
continuado. As operações de gestão
da população de coelho-bravo,
o cultivo extensivo de cereais,
como o trigo e o centeio (que
aumentam o alimento disponível
para as presas das aves de rapina,
como o coelho e a lebre, a perdizvermelha, o pombo-da-rocha e
o pombo-torcaz), os projectos
de recuperação dos cursos de
água e muitas outras acções
assinaladas nos relatórios anuais
e no “excelente” plano de gestão
da Faia Brava levam o Instituto
de Conservação da Natureza e da
Biodiversidade (ICNB) a olhar para
a reserva da ATN como algo que
tem tanto de “pioneiro” como de
“ímpar”.
“É uma aprendizagem conjunta.
Esperamos concluir em breve
o processo de classificação da
Faia Brava”, explica ao PÚBLICO
Anabela Trindade, vice-presidente
do ICNB. “Temos esperança de
que sirva de exemplo e que venha
a ser reproduzido noutras zonas
do país”, admitiu, argumentando
que a conservação da natureza não
pode depender apenas do Estado,
sendo, também, uma tarefa dos
cidadãos.
Para já, o Decreto-Lei 142/2008,
que abriu as portas, pela
simplificação de procedimentos,
à criação de áreas protegidas por
iniciativa privada mas também
municipal, foi já aproveitado por
algumas autarquias. Gaia criou a
Reserva Natural Local do Estuário
do Douro, Caldas da Rainha tem
Esta entidade bancária acabou por
se tornar sponsor da Faia Brava,
fazendo um generoso desconto
no empréstimo e apoiando ainda,
durante dois anos, uma campanha
de divulgação da reserva.
Já a EDP, que financiou o
Plano de Emergência para a
Recuperação de Três Espécies
de Aves Rupícolas no Parque
Natural do Douro Internacional
– no qual a ATN foi chamada a
colaborar –, atribuiu em 2009 ao
projecto Faia Brava – um lugar
para a Biodiversidade (ATN,
Universidade de Aveiro e Stichting
Transhumance en Natuur,
Holanda) verbas do seu fundo para
a biodiversidade. O Biofaia, na
sua denominação mais curta, vai
permitir, por exemplo, melhorar
as condições de alojamento
(campismo) dos voluntários que
todos os anos participam nas
acções desenvolvidas na reserva.
Outra forma de chegar a fundos
foi a criação de uma Zona de
Intervenção Florestal em duas das
três freguesias onde se localiza
a área protegida. A ATN procura
já a Reserva Natural Local do
Paul da Tornada e Vila do Conde
garantiu finalmente um estatuto
de protecção para aquela que,
em 1958, foi reconhecida como
a primeira área a proteger no
país. Trata-se da antiga Reserva
Ornitológica do Mindelo, agora
denominada Paisagem Protegida
Regional do Litoral de Vila do
Conde. Também no Grande Porto,
Valongo tem a decorrer o processo
de criação da Área Protegida das
Serras de Santa Justa e Pias, tendo
terminado recentemente o período
de discussão pública.
Como se paga o projecto?
A Faia Brava é, em Portugal, um
laboratório de novas experiências
no domínio do financiamento da
conservação da natureza. Com
cerca de 200 sócios, a Associação
Transumância e Natureza (ATN)
teve a sorte de estar ligada,
na origem, a uma fundação
homónima, de origem holandesa,
que lhe abre portas para apoios de
mecenato vindos do estrangeiro.
Mas, além disso, ensaiou outras
estratégias de obtenção de fundos
para a aquisição de propriedades
no Riba-Côa que, entre os contratos
já formalizados e outros alvo
de compromissos para futuro,
chegam já aos 600 hectares de
área protegida. Uma delas passa,
por exemplo, pela venda de azeite
biológico produzido a partir das
oliveiras que pontuam todo o
território da reserva, cuja receita é
transformada... em terra.
Não chega é para muito. Os
últimos 200 hectares, na margem
esquerda do Côa, em Cidadelhe,
Pinhel, faziam parte da Quinta da
Ervideira, para cuja compra a ATN
contraiu um empréstimo no BES.
apoios dos fundos comunitários
para o mundo rural para as
suas actividades agrícolas, até
porque estas são essenciais para
os objectivos de conservação
da biodiversidade que estão na
origem da Faia Brava.
A associação, que investiu,
no ano passado, 300 mil euros
no projecto, tem como objectivo
crescer até aos mil sócios até 2015 e
atrair, em 2011, mil visitantes. Gente
que poderá conhecer, e apoiar, este
pioneiro projecto de conservação
ainda sem paralelo em Portugal.
6 • Público • Quinta-feira 22 Abril 2010
Objectivo 2
a Uma das crias do lince-ibérico
morreu há dias, mas não é razão
para desanimar. O projecto de
recuperação desta espécie em
Portugal continua a trazer mais
benefícios do que custos à sociedade
portuguesa – disso não têm
dúvidas os investigadores ligados
à protecção da biodiversidade,
mesmo reconhecendo que não há
um valor económico imediato para
o definir.
Na luta contra as alterações
climáticas e os gases com efeito
de estufa, tudo é medido em
toneladas de CO2 e com um valor
de mercado. Na Europa, no passado
dia 16, valia 14 euros a tonelada.
Na biodiversidade, a métrica não
encaixa: uma tonelada de quê? A
que preço?
Uma primeira medida vem
do valor que a sociedade atribui
ao lince, por exemplo, com os
fundos dados às organizações
não-governamentais (ONG) que
defendem a sua preservação.
“Trabalham com milhões de euros
que alguém voluntariamente lhes
deu, logo, é uma prova do seu
valor”, afirma José Lima Santos,
professor no Instituto Superior de
Agronomia e responsável pela área
de Economia, Política e Sociologia
do Ambiente.
Os fundos das ONG são “uma boa
Promover a conservação
da diversidade de espécies
estimativa do valor que a sociedade
decidiu gastar com o lince”,
afirma também Tiago Domingos,
investigador no IN+, Centro de
Estudos em Inovação, Tecnologia
e Políticas de Desenvolvimento do
Instituto Superior Técnico, onde é
também professor.
Esses fundos estão longe de
definir o valor económico da
preservação desta espécie, que será
superior a isso. Mas a dificuldade
em se chegar a um número mais
consistente é quase universal. A
natureza presta ao homem uma
multiplicidade de serviços que
lhe sustentam a vida e dão bemestar. Mas como são públicos,
sem mercados e sem preços,
“raramente são detectados pela
bússola económica a que estamos
habituados”, explica um relatóriomarco da União Europeia sobre
a economia dos ecossistemas e
da biodiversidade, liderado pelo
economista Pavan Sukhdev.
Em Portugal, são vários os
serviços que os ecossistemas
(plantas, animais e microrganismos)
prestam: produção de alimento,
água, madeira e cortiça; protecção
do solo; regulação da qualidade
da água e do ciclo hidrológico;
sequestro do carbono; valor
estético e cultural da paisagem;
recreio e turismo. A natureza
assegura-os diariamente sem que
os consumidores tenham a noção
do seu valor económico ou a
tenham muito parcialmente com os
alimentos e o sequestro de carbono.
Por isso, à falta de métodos
directos de valorização de bens e
serviços que o homem toma como
grátis, como a clássica luz do farol
ou o teorema de Pitágoras, os
investigadores têm desenvolvido
métodos de aproximação. Um deles
é perguntar às pessoas quanto
estão dispostas a pagar. Não são
conhecidos estudos destes para o
lince-ibérico, mas já foram aplicados
em outras áreas com resultados que
surpreendem, como aconteceu em
PEDRO CUNHA
Planície ocupada por cereais em Castro Verde
Andam à procura
de um preço para
a biodiversidade
Quanto vale uma espécie? A resposta não é fácil. Medir o valor económico e monetário
dos serviços que a natureza fornece ao homem é um desafio global. Em Portugal, sabe-se
que cada cidadão está disposto a dar 30 euros do seu bolso para preservar a estepe
cerealífera de Castro Verde. Por Lurdes Ferreira
Público • Quinta-feira 22 Abril 2010 • 7
Há pelo menos 17 mil animais e plantas
ameaçadas no mundo e 165 em Portugal
Castro Verde.
Cada português está disposto
a pagar, em média, 30,4 euros do
seu bolso para preservar a estepe
cerealífera de Castro Verde e dar
alimento a várias espécies de
aves protegidas, concluiu Cristina
Marta-Pedroso na sua tese de
doutoramento, após um inquérito
de 2005 a um grupo representativo
da sociedade portuguesa e com
métodos considerados inovadores,
nomeadamente o uso de Internet.
À falta de uma medida e de um
preço de mercado que definam
este projecto de protecção de
biodiversidade, os 30,4 euros são
quanto as pessoas se dispõem a
pagar pelo bem-estar que a estepe
cerealífera proporciona, em
detrimento de outras alternativas.
“São métodos validados. Se os
pressupostos forem correctamente
aplicados, as estimativas são
fiáveis”, afirma a investigadora do
Politécnico de Bragança.
Com investigação posterior,
Cristina Marta-Pedroso mostrou
que o donativo de 30,4 euros,
convertido numa anuidade
constante a 40 anos, dava 446
euros por hectare por ano – ou seja,
é mais do que os 89 a 160 euros
anuais de custos da erosão do solo,
perda de nutrientes, preservação de
espécies e identidade da paisagem.
Significa que a sociedade tem um
benefício líquido de 286 a 357 euros
por hectare/ano com este projecto:
ganha entre o dobro e o triplo do
que gasta com ele.
Com um balanço positivo, a
decisão pública vai no interesse
da sociedade, de acordo com a
teoria económica. Mas neste caso o
interesse público até nem é linear,
dado que a protecção da fauna
estepária de Castro Verde implica
uma prática agrícola que erode o
solo. Ainda assim, os benefícios são
superiores ao custo de não fazer e a
introdução de práticas inovadoras
sustentáveis nas sementeiras pode
impulsionar ainda mais os ganhos.
Lince-ibérico
está em risco
de extinção
É o que defende Tiago Domingos,
para quem a inovação é uma
parcela da solução mais importante
do que parece nos problemas da
biodiversidade.
Quanto a Marta-Pedroso, está
convicta de que a zona, com
características únicas, “tem
potencial para desenvolver uma
agricultura sustentável”.
O método empírico tanto serve
em Castro Verde como nas florestas
do estado norte-americano do
Wyoming e da Noruega e no deserto
do Colorado. Estudos pioneiros na
década de 1980 “descobriram” o
valor económico que os caçadores
davam à existência ameaçada do
urso-pardo e das ovelhas Bighorn,
que os norte-americanos davam
à preservação do Grand Canyon e
que os noruegueses atribuíam às
chuvas ácidas. As pessoas estavam
muito mais dispostas a pagar pela
conservação dos bens ambientais
do que se imaginava e a aceitarem
impostos significativos para o efeito,
como as 800 coroas norueguesas
anuais per capita para combater as
chuvas ácidas.
Contudo, apesar dos anos
passados e dos estudos feitos,
permaneceram as dificuldades em
determinar o valor económico dos
ecossistemas e em mobilizar as
sociedades para o efeito.
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Números
5 biliões de dólares
Valor dos serviços naturais
que se manterão nas áreas
protegidas a nível mundial,
desde que sejam investidos
anualmente 45 mil milhões de
dólares. O rácio custo-benefício
é de um para cem.
The bed of your dreams.*
100 mil a
600 mil dólares
Estimativa do valor global dos
serviços de ecossistema dos
recifes de coral, por quilómetro
quadrado. O custo de proteger
estas áreas marinhas está
estimado em 775 dólares por
quilómetro quadrado, quase mil
vezes menos.
50 mil milhões
de euros
Estimativa do valor equivalente
à perda anual dos serviços
dos ecossistemas terrestres. É
uma perda de bem-estar, não
de PIB. Uma grande parte dos
benefícios ambientais também
não se inclui no PIB.
7 por cento
As perdas acumuladas de bemestar, por destruição do capital
ambiental do planeta, serão
equivalentes a sete por cento do
seu consumo anual em 2050.
500 milhões
350 mil milhões
de dólares
As Hästens são internacionalmente reconhecidas como as melhores camas do mundo porque, sendo camas completas
que já integram os respectivos colchões, formam conjuntos absolutamente ecológicos, sustentáveis, biodegradáveis e
produzidos com responsabilidade social, por artesãos na Suécia.
Hästens em Portugal: www.hastens.rroudes.com
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Email: [email protected]
* A cama dos seus sonhos.
IC ECOLA
B
RD
EL
Montante das transacções de
créditos ambientais das zonas
húmidas, em 2006, nos EUA,
para compensar a degradação
dos ecossistemas causada
pela agricultura e actividade
económica. Empresas e
indivíduos compram os créditos
aos Bancos de Mitigação de
Zonas Húmidas.
Por serem integralmente constituídas por materiais naturais - lã, algodão, linho, crina, pinho, testados na Natureza ao longo
de milhões de anos -, as camas Hästens são únicas a garantir um ambiente verdadeiramente natural, totalmente saudável,
no espaço em que respira e em que se revigora durante o sono.
NO
Número de pessoas que
beneficiam dos serviços dos
ecossistemas das barreiras
de coral – como pesca, recreio,
recursos para a farmacêutica e
protecção costeira.
331 013
8 • Público • Quinta-feira 22 Abril 2010
Haverá mais de dez milhões de espécies
no mundo, mas só conhecemos 1,7 milhões
Sobreiro, uma espécie protegida
É mais fácil dar valor ao clima
Dar um preço a uma tonelada de dióxido de carbono foi tarefa fácil. Mas na avaliação
dos serviços dos ecossistemas torna-se tudo mais complicado. Por Lurdes Ferreira
a Ao fim de dez anos, a UE
reconheceu que o seu plano para
travar a perda de biodiversidade
fracassou e que vai precisar de
outra década para chegar às metas
que se tinha proposto. Diligentes e
entusiasmados a traçarem planos
contra as alterações climáticas, os
decisores políticos estão a falhar na
luta pela biodiversidade.
Nas alterações climáticas, usamse indicadores transparentes e
imediatos, como as emissões
e a concentração de CO2. Na
biodiversidade, para começar,
o problema não é um, mas sim
três: não se lida apenas com a
perda de espécies emblemáticas,
como o lince, mas também com a
estabilidade dos ecossistemas e os
recursos genéticos. Mas a diferença
fundamental é o valor económico.
Os economistas conseguiram dar
um preço ao carbono, mas ainda
não à biodiversidade.
A conservação dos ecossistemas
pode ir desde o sequestro do
carbono, proporcionado pelas
florestas e pastagens, a todo o
trabalho invisível da natureza na
regulação da qualidade da água.
Para muitos investigadores, a
estabilidade dos ecossistemas até é
a frente de batalha mais importante
e menos cuidada da biodiversidade,
por tratar dos serviços públicos que
servem de base à vida humana e
não têm preço.
Teixo preservado
Já quanto aos recursos genéticos,
contam com a atenção das
indústrias farmacêutica e agroalimentar. As farmacêuticas,
por exemplo, redescobriram o
teixo, que foi quase extinto por
ser venenoso, tendo agora um
valor económico e sendo, por
isso, preservado. À indústria
agro-alimentar, onde entram
os produtores de arroz, milho,
trigo, açúcar e fruta, interessa o
melhoramento genético, que tem
um valor económico.
À pergunta sobre o valor a
dar aos serviços ambientais, o
relatório europeu da economia dos
ecossistemas e da biodiversidade,
de Pavan Sukhdev, diz que “os
decisores políticos têm muitas
vezes insuficientes factos,
ferramentas, argumentos ou
suportes para tomar uma decisão
diferente da que tomam e evitar
a perda de biodiversidade. Isto
é particularmente lamentável,
dado que muita da biodiversidade
perdida traria mais benefícios
para a sociedade do que os ganhos
privados”.
Este economista, que na
banca abriu espaço à “economia
TOMAS BRAVO
Para a indústria alimentar, o melhoramento genético tem um valor
verde”, reconhece que há um
problema de desconhecimento
e de ferramentas económicas.
“Provavelmente, nunca seremos
capazes de avaliar toda a gama
de serviços de ecossistemas (…).
Devido à limitação das nossas
ferramentas económicas, uma
parte ainda mais pequena destes
serviços consegue ser valorizada
em termos monetários”, diz
Sukhdev. E conclui: “O problema
é potencialmente severo e
economicamente significativo, mas
sabemos relativamente pouco,
ecológica e economicamente, sobre
os impactos da perda futura da
biodiversidade.”
“A biodiversidade é um assunto
muito mais complexo. A sua relação
com a catástrofe não é tão linear
como no CO2, tão imediata e tão
fácil de comunicar, apesar do
consenso científico de que estamos
a perdê-la. É mais fácil vender a
ideia da catástrofe do carbono,
embora não seja segura”, afirma
José Lima Santos, professor do
Instituto Superior de Agronomia
e investigador em economia do
ambiente.
Relatório menos mediático
Os gases com efeito de estufa
partilham a mesma característica e
têm um impacto global, produzindo
os mesmos efeitos em Portugal ou
na Polinésia. Na biodiversidade, há
milhões de espécies e o seu impacto
é regional ou local.
Em 2006, o relatório Stern
estimava que o custo de fazer
nada para combater as alterações
climáticas era de 20 a 26 biliões de
dólares em 2010, o que era muito
superior ao custo de agir. Foi um
número sonante que ficou no
ouvido. Há dois anos, o estudo de
Sukhdev tentou aplicar o mesmo
conceito à biodiversidade. Não
chegou a valores monetários como
Stern, nem ao seu mediatismo,
mas concluiu também que o custo
ambiental de nada fazer é muito
maior.
“Não se sabe exactamente quanto
estamos a perder”, reconheceu
no relatório, embora definisse
claramente o que estava em causa:
se nada se fizer, em 2050, terão sido
destruídos 11 por cento das áreas
naturais que restavam em 2000,
com a expansão da agricultura e
das infra-estruturas e as alterações
climáticas; quase 40 por cento do
solo destinado a práticas agrícolas
Uma questão de valor económico entre o Gerês e Monsanto
O professor do IST Tiago
Domingos costuma levar uma
pergunta provocatória para as
aulas: o que será que presta
mais serviços de ecossistemas à
sociedade? Os 70 mil hectares do
Parque Nacional da Peneda-Gerês
ou os 500 da serra de Monsanto?
Dá depois uma pequena ajuda.
Em unidades físicas é o Gerês,
mas Monsanto presta mais
serviços de ecossistemas, como
a regulação do clima local, a uma
maior população envolvente. “Em
termos económicos, [Monsanto]
é desproporcionadamente mais
importante, porque tem um
mercado muito maior.” Aliás,
o valor económico da serra na
saída ocidental de Lisboa não
vem apenas dos serviços dos
ecossistemas, mas também da
resistência da sociedade à pressão
imobiliária.
As tentativas de expansão
imobiliária têm sido contidas,
“o que significa que a sociedade
decidiu manter Monsanto, que
valeria muito mais dinheiro, se
o terreno fosse urbanizável”.
Implicitamente, atribui-se
a Monsanto aquilo que os
economistas chamam “custo de
oportunidade” e que neste caso é
um valor muito elevado, sabendose que a passagem de um terreno
rústico a urbanizado aumenta, em
geral, o valor em uma centena de
vezes.
Portanto, a provocação é concluir
que, se fosse preciso comparar
o Gerês e Monsanto, o valor
económico da serra à porta de
Lisboa seria provavelmente muito
maior. L.F.
de baixo impacto poderão ser
convertidos para usos agrícolas
intensivos; 60 por cento dos recifes
de coral terão desaparecido logo
em 2030, devido à pesca, poluição,
doenças e alterações climáticas.
Mesmo que o esforço para dar
um valor monetário aos bens da
biodiversidade se limite muito ao
meio da investigação, a sociedade
portuguesa vai ter de lidar cada vez
mais com este assunto.
A directiva europeia da
responsabilidade ambiental,
de 2008, abre caminho para a
utilização destes métodos para
a compensação de prejuízos
ambientais e promete exercer uma
forte pressão sobre as empresas.
Também o Conselho Mundial
para o Desenvolvimento Sustentável
está a incentivar o mundo
empresarial a incluir o valor dos
serviços dos ecossistemas na sua
gestão financeira e de risco.
A velocidade pode ser lenta e
o problema complexo, mas Lima
Santos acredita que a sociedade está
a caminhar para indicadores que
medirão com crescente rigor o valor
da biodiversidade.
O caso Exxon Valdez
É nessa caminhada que se
enquadram decisões como a que
se seguiu ao derramamento de
crude do Exxon Valdez, no Alasca.
Perguntou-se aos norte-americanos
quanto estavam dispostos a pagar
por petroleiros mais seguros e por
sistemas de segurança para evitar
um desastre semelhante no futuro.
O valor a que se chegou era cerca
de cinco por cento do PIB português
e 2,8 vezes mais do que os pedidos
iniciais de indemnização do estado
do Alasca e do Governo dos EUA à
Exxon, e acabou por determinar as
penalizações reais e o lançamento
de medidas de protecção pagas
pelo consumidor através dos preços
(mais altos) da gasolina.
Para este professor do ISA, casos
de responsabilidade ambiental
como este dão razão ao economista
David Pearce e ao seu conceito
do valor económico total (VET),
somando aquilo que não parece mas
tem valor económico: o uso real do
meio ambiente, actual e futuro, por
parte dos pescadores, caçadores,
ornitólogos, caminheiros, amantes
da paisagem, entre outros, e o valor,
também actual e futuro, que o ser
humano dá à existência de outros
seres, como o lince-ibérico ou a
baleia-azul.
“É o conceito ideal”, diz
Lima Santos acerca da teoria
desenvolvida pelo inglês, que foi
um dos pioneiros da economia do
ambiente.
EXPOSIÇÃO
AMBIENTE
TURISMO CULTURAL
À LUZ DA SOMBRA
À VOLTA DOS JARDINS
AMÉRICA DO NORTE
INTRODUÇÃO À JARDINAGEM E
AGRICULTURA BIOLÓGICAS – CURSOS
TÉCNICOS DE JARDINAGEM
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CONVERSAS SOBRE O
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MOBILIDADE
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10 • Público • Quinta-feira 22 Abril 2010
Objectivo 3
Promover a conservação
da diversidade genética
Castas de vinho portuguesas são
um património único mas em risco
Há mais de 200 videiras autóctones no país. Mas essa diversidade pode desaparecer
em 30 anos. Há quem esteja a trabalhar contra este cenário. Por David Lopes Ramos
a País vinhateiro, Portugal é, no
conjunto das nações produtoras,
a que é mais rica em videiras
autóctones. São mais de 200,
numa superfície muito mais exígua
do que as de Espanha, França,
Itália, que têm um número de
castas semelhante ao nosso. É
uma “riqueza muito grande do
país”, sublinha Antero Martins,
professor do Instituto Superior de
Agronomia (ISA), em Lisboa, na
área da Genética Quantitativa e
Melhoramento de Plantas.
E é uma riqueza de três tipos.
“As castas são muito numerosas
e de qualidade assinalável”,
explica. Tal significa que podemos
“fazer vinhos diferentes e de
alta qualidade, inovadores e
competitivos”. Depois, há que
avaliar o que existe dentro
de cada casta. Cada uma tem
“muitas coisas diferentes; muitos
genótipos diferentes”, diz. É com a
diversidade existente em cada casta
que “se faz a selecção”.
Antero Martins chama a atenção
para o facto de “a variabilidade
genética dentro de cada casta ser
uma vertente menos percebida
pelo cidadão comum, mas com
um enorme potencial para a
valorização do vinho e da sua
imagem. Pela exploração da
variedade intravarietal, podemos
mudar o rendimento da casta
do simples para o quíntuplo e
o açúcar, antocianas e acidez
do simples para o dobro”, diz o
especialista.
JOÃO GASPAR
Antero Martins, investigador do
Instituto Superior de Agronomia
Pólo experimental
Património em risco
Finalmente, há as chamadas
videiras silvestres, que eram
inteiramente ignoradas ainda
há dez anos. “Daí para cá, já
foram identificados cerca de 20
povoamentos, sobretudo nas bacias
do Guadiana, Almansor, Ponsul e
Sado, e existem indicadores de que
esse número poderá subir para lá
da centena quando se puder fazer
o varrimento integral de todas as
linhas de água do país”, diz Antero
Martins. “Somos ricos nestes três
compartimentos da variabilidade.
Muito ricos.”
Portugal tem ainda alguma
vantagem no conhecimento
das castas, fruto do trabalho
desenvolvido nos últimos 30
anos por Antero Martins e seus
colaboradores, juntamente com
universidades, organismos do
Ministério da Agricultura e algumas
empresas.
estava, nesta matéria, como há um
século e há muitos séculos: não
havia praticamente erosão genética
da videira. Daí para cá, a erosão
genética está a acontecer a um
ritmo extraordinariamente veloz.
De tal modo que, se nada fizermos
para a conter, arriscamo-nos, pela
década de 20, vá lá, até 2030, a
perdermos praticamente toda a
variabilidade genética nos três
compartimentos referidos: entre as
castas, dentro de cada casta e nas
videiras silvestres”.
Ou seja, sublinha Antero Martins,
“algo que temos cá há milhares
de anos pode desaparecer nuns
curtíssimos 30-40 anos. São as
mudanças do mundo que carregam
consigo essas consequências
perversas. Aliás, isto passa-se
não só com a videira, mas com
o mundo em geral, com a vida
selvagem, com a vida animal e a
vida vegetal. A erosão genética é
um fenómeno perverso associado
ao desenvolvimento das sociedades
mais avançadas. Outro problema
é o relacionado com o grande
emagrecimento do aparelho
humano, sobretudo nos organismos
do Ministério da Agricultura, de
investigadores e de técnicos para
se debruçarem sobre todos estes
problemas”.
A erosão genética
nas videiras está a
ocorrer a um ritmo
extraordinariamente
veloz e preocupante
Dadas as boas notícias,
encaremos o lado menos risonho
da realidade. O professor do
ISA alerta para a existência de
“muitos problemas para tirarmos
partido dessas vantagens – quer
das materiais, quer das do
conhecimento. O problema mais
grave, altamente preocupante,
é que a diversidade genética
das videiras autóctones está a
desaparecer. É o fenómeno da
erosão genética. Observa-se em
todas as sociedades desenvolvidas
e, em Portugal, no caso da videira,
a um ritmo extraordinariamente
veloz e preocupante”.
Até por volta de 1985, “tudo
Antero Martins sabe que a erosão
genética não se pode parar de
um momento para o outro, mas
também sabe que há “meios
alternativos” para a travar,
mantendo e valorizando “um
capital criado ao longo de milénios
e que nos foi legado pelos nossos
antepassados”. E o primeiro passo
já foi dado com a criação, em
Setembro de 2009, da Associação
Portuguesa para a Diversidade
da Videira (APDV), que agrupa 13
associados, mas que, a curto prazo,
se alargará a 30-40 entidades.
Tendo como objectivo central a
travagem da erosão e a valorização
da variabilidade ainda existente,
há outros dois instrumentos
essenciais que accionará:
“Prospecção generalizada em todo
o território nacional de amostras
representativas da variabilidade
de todas as castas e de núcleos
de videiras silvestres; plantação e
guarda das amostras prospectadas e
de parte das videiras silvestres num
grande pólo experimental central.”
Os fundadores da APDV foram:
o Instituto Superior de Agronomia,
o Instituto Nacional dos Recursos
Biológicos, Universidade de Trásos-Montes e Alto Douro, Direcção
Regional de Desenvolvimento
Agrário dos Açores, Câmara
Municipal de Palmela, Associação
para o Desenvolvimento da
Viticultura Duriense, Instituto
dos Vinhos do Douro e Porto,
Associação dos Viticultores do
Concelho de Palmela, Associação
Técnica dos Viticultores do
Alentejo, Sogrape Vinhos, SA, Real
Companhia Velha, José Maria da
Fonseca Vinhos, SA, e Symington
Vinhos.
Trabalha-se actualmente, e de
forma intensa, junto do Ministério
da Agricultura para que este
ceda, em condições favoráveis
para a APVD, uma propriedade
de 100 hectares com aptidão
agrícola, onde se plantem as
castas que representem a própria
variabilidade genética. Parte do
trabalho já está feito: há 65 castas,
aproximadamente 15 mil clones,
já guardadas em propriedades
privadas por esse país fora.
Negoceia-se com o Ministério
da Agricultura a afectação ao
projecto de parte do actual Centro
Experimental de Pegões. As
mudanças no Governo atrasaram
o processo, mas Antero Martins
entende que há condições para o
fazer avançar.
Serão precisos, nos cálculos do
professor do ISA, 1,5 milhões de
euros para o trabalho de recolha
e plantação das 250 castas. O
investimento será “reprodutivo”,
garante: “Pensamos obter dinheiro
para financiar as actividades
mais diversas”. Há já projectos
próprios e outros em associação
com os espanhóis apresentados a
organismos comunitários. Depois
de instalado, o projecto “pagar-se-á
a si próprio com a venda em leilão
das uvas”.
Mas, segundo Antero Martins,
há que agir com rapidez. “O vinho
é algo que atravessa a sociedade
toda, a começar pela paisagem. Se
Portugal não tivesse videiras, era
completamente diferente. Tem
a ver com a economia, religião,
arte, sociologia”, diz. Deve haver
poucas famílias em Portugal que
não tenham alguma relação com
o vinho. Apoiar-se este sector é
fundamental, para que isto ande
para a frente. Nós trabalhamos na
origem de tudo, as plantas. É aí que
se tem que começar a trabalhar”,
conclui.
12 • Público • Quinta-feira 22 Abril 2010
Objectivo 4
Promover o uso e o consumo
sustentável
Araras, ovos, crocodilos, marfim,
a natureza ilícita em Portugal
Há quase 400 apreensões anuais de espécies selvagens comercializadas ilegalmente
em Portugal. É apenas a ponta do iceberg. Por José Bento Amaro
a Três metros e meio de altura,
quatro toneladas de peso. Um
elefante. Em África? Não. Num
atrelado, passeando por meia
Europa, desde a Suécia até ao
Algarve. Não é um cenário das
telas imaginado por Emir Kusturica
ou Ettore Scola, mas antes uma
situação real, ocorrida há quatro
anos. O paquiderme, cuja missão
final seria exibir-se, no Verão, pelas
praias algarvias, é apenas um dos
muitos animais que anualmente são
detectados em situação ilegal no
país. Um exemplo, de peso, de um
crime – o tráfico de animais.
Só em Portugal, foram feitas, em
média, 383 apreensões de espécies
comercializadas ilegalmente
entre 2003 e 2008. Na avifauna,
o país tem um troféu. “Portugal
é uma porta de entrada para o
tráfico de aves”, assegura João
Loureiro, responsável do Instituto
de Conservação da Natureza e
da Biodiversidade (ICNB) e pelo
cumprimento das regras da CITES,
a convenção internacional que
controla o comércio de espécies de
fauna e de flora.
Ovos de araras e papagaios,
contrabandeados por via aérea,
são a principal irregularidade que
os responsáveis nacionais pela
CITES detectam anualmente.
Vêm, quase sempre, do Brasil.
“Normalmente são as raparigas
que vêm trabalhar para as casas da
noite que transportam, em cintas
colocadas em redor da cintura,
os ovos das aves. Não há perigo
de os ovos quebrarem,
porque a partir da
primeira semana tornam-se muito
resistentes”, diz João Loureiro.
Traficar ovos de arara ou de
papagaio é uma imensa fonte de
rendimentos. Os traficantes podem
fazer, por um só papagaio dos mais
comuns, 500 euros. Mas há algumas
espécies de araras que podem vir a
ser comercializadas por até 20 mil
euros.
Prática recente
O contrabando de ovos é uma
prática relativamente recente,
calcula-se que tenha começado a
ser massificada a partir de 2000.
Julga-se que possam entrar 3000
ovos por ano.
Antes, as redes organizadas
mandavam as aves vivas envolvidas
em panos e papéis molhados e
fechadas dentro de caixas. Era
assim, nos confins dos porões
dos aviões, que atravessavam o
Atlântico. Cerca de 80 a 90 por
cento aterravam já cadáveres na
Portela. “Um animal apanhado
na selva custava ao traficante uns
trocados, mas depois, caso chegasse
vivo ao destino, seria vendido por
muitos milhares. Era sempre lucro”,
explica João Loureiro.
A dimensão desta actividade
mede-se ainda pelo número de
operações que levaram ao
desmantelamento de
redes de traficantes.
“Em seis anos
acabámos com seis redes”, garante
João Loureiro.
A tarefa do pessoal que trabalha
na CITES não é, no entanto,
fácil. Actualmente são oito os
funcionários destinados a uma
panóplia de funções, que passam
pela emissão de mais de dez mil
documentos anuais.
A fiscalização das entradas
marítimas é praticamente
inexistente. A eventual entrada
em Portugal de répteis e anfíbios é
quase desconhecida. “Sabemos que
existe algum comércio ilegal, em
feiras, de algumas espécies vindas
do Norte de África, mas não temos
uma noção exacta da dimensão
desta actividade”, diz João Loureiro.
O biólogo salienta, contudo,
que existe um elevado número
de casos de contrabando de
espécies provenientes de Angola.
“É um país onde trabalham muitos
portugueses. Quando regressam
a Portugal, duas ou três vezes
por ano, trazem muitas vezes
papagaios, tartarugas ou, mais
frequentemente, peças de marfim.
A maior parte destas pessoas não
sabe que está a cometer um ilícito”,
explica.
Apreensões no país
577
451
363
314
318
275
2003 2004 2005 2006 2007 2008
FONTE: CITES
Portugal é, em consequência
desta ligação a África, o país
europeu que mais marfim apreende
todos os anos. Angola, por sua vez,
não é um dos 175 países mundiais
aderentes à CITES, situação
que também facilita a tarefa dos
traficantes.
Mas Portugal não é apenas
local de destino de espécimes
contrabandeados. No ICNB
há registo de estrangeiros que
procuram no país os ovos de
algumas espécies protegidas, que
são negociados no exterior, por
preços elevados. “Sabemos que
há ingleses e irlandeses que vêm
a Portugal pilhar ovos. Procuram,
sobretudo, aves de rapina. Mas
também abetardas e sisões”, diz
João Loureiro.
Combater este tráfico é, por
enquanto, uma tarefa complicada.
Para fazerem sair os ovos do país,
os traficantes recorrem ao correio.
Enchem caixas que remetem para
o estrangeiro, sobretudo para
Inglaterra, e que não são levadas
por ninguém. Só quase por milagre
são vistoriadas.
Macaco de Vila Franca
As medidas para combater o
tráfico de espécies têm vindo a
ser melhoradas. Até 2006, quem
fosse apanhado com um animal
proibido ficava apenas sujeito a
uma coima de pouco montante.
Depois, essas infracções passaram
a ser tipificadas como contrabando
qualificado. Já este ano, desde
Janeiro, as autoridades portuguesas
criaram o registo do criador.
Este tipo de procedimento,
assim como as novas regras para a
posse de grandes mamíferos nos
circos, irá ajudar a ter uma melhor
noção da quantidade de espécimes
existentes e saber quais os circuitos
da sua comercialização. Ao mesmo
tempo poderão evitar situações de
abandono. João Loureiro afirma
que por vezes o telefone toca para
dar conta de situações como o
aparecimento de uma jaula com
leões ou a tentativa de abandono de
tigres à porta de zoológicos.
Existem muitas situações
bizarras. Há uns anos, uma senhora
que circulava de carro entre Aljezur
e Odemira viu dois crocodilos,
com cerca de dois metros e meio,
a atravessarem a estrada. Ligou
para a GNR e disseram-lhe que não
estava em condições de continuar
a conduzir. Como insistiu muito,
uma patrulha ter com ela. “Ainda
foram a tempo de ver os animais a
escapulirem-se para os arrozais da
zona. Nunca mais foram vistos”,
disse ainda o responsável do ICNB.
Mas há outras situações. Um
posto médico de Vila Franca de
Xira já comunicou ao ICNB seis
casos de pessoas mordidas por um
chimpanzé. Apesar destas queixas,
até hoje ninguém foi capaz de dizer
onde se encontra o “macaco de Vila
Franca”.
Avensis.
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14 • Público • Quinta-feira 22 Abril 2010
Objectivo 5
Reduzir as pressões por perda de
habitats, uso do solo e utilização
insustentável da água
No local certo, a espécie certa – é lema na herdade da Machoqueira do Grou
Na charneca
do Ribatejo a
mão humana
está a ajudar
A história desta herdade em
Coruche é a história de como a
paisagem se modifica sob a acção
do homem. O capítulo actual
é especialmente positivo e a
propriedade já foi premiada pela
sua gestão sustentável
Por Ricardo Garcia (texto)
e Daniel Rocha (fotos)
a Foi o pior negócio da sua vida.
Pelo menos era o que dizia Alfredo
Augusto Cunhal, o patriarca da
família. Durante 25 anos, em meados
do século XIX, fora rendeiro de
uma propriedade em Coruche, na
charneca seca e arenosa do Ribatejo.
Em 1903, comprou as terras e passou
o resto da vida a trabalhá-las para
saldar o investimento.
Quatro gerações depois, a
Machoqueira do Grou – nome da
propriedade, de dois mil hectares –
tornou-se num exemplo de gestão
agrícola sustentável e em prol da
diversidade biológica. Mais do
que isso, a história dessa herdade
ribatejana é uma narrativa modelar
de como as paisagens se alteram, e
com elas a biodiversidade, por obra
de factores que muitas vezes nos
passam despercebidos.
Hoje, os seus vales são tapetes
verdes de pastagens. Aqui e ali,
vêem-se algumas cabeças de gado
da raça preta, autóctone. Nas
encostas e nas terras mais altas,
domina a floresta – montados,
pinhais, eucaliptais – entremeada de
manchas de matos mediterrânicos.
Num sobreiro avista-se uma
cegonha e um mocho. Duas águiasde-asa-redonda levantam voo
à passagem do automóvel. Na
propriedade, há também garçascinzentas, peneireiros, cotovias.
Há cem anos era tudo diferente.
Plantavam-se cereais, de forma
rudimentar, manual. Os matos eram
limpos para dar lugar aos prados. A
floresta começava a ocupar o lugar
dos arbustos. Os incêndios eram
avalassadores. “Um fogo, no início
do século XX, só parava quando
chovia ou quando não havia mais
nada para arder”, afirma António
Gonçalves Ferreira, 43 anos, trineto
de Alfredo Cunhal e hoje um dos
administradores da herdade.
O que se via há um século já
estava modificado 50 anos depois.
O mercado alterou a paisagem. A
cortiça passou a ter mais valor, o
montado ganhou peso. E, para abrir
a porta a culturas então rentáveis,
construiu-se uma barragem, por
volta de 1950. O cereal cedeu espaço
a campos de arroz. As ribeiras, que
eram intermitentes, passaram a ter
água o ano todo, atraindo diferentes
espécies de animais e plantas.
Electricidade e frutas
Depois, foi a vez da tecnologia. A
chegada da electricidade à herdade
permitiu bombear a água até às
zonas mais altas. Surgiram os
pomares, que vingaram dos anos
1970 aos 1990, chegando a produzir
mil toneladas de fruta por ano.
Agora, a actividade na
Machoqueira do Grou gira
sobretudo em torno da floresta e da
Gado da raça preta, autóctone
pecuária, sob a capa reforçada da
sustentabilidade. Numa região de
solos pobres, a ordem é manter ou
melhorar as condições actuais. “Com
pequenas adaptações, conseguimos
promover o potencial, ao invés de
reduzi-lo”, diz António Ferreira.
As zonas florestais são decididas
conforme a capacidade do solo
em cada ponto. “No local certo, a
espécie certa”, afirma Jaime Caiado,
38 anos, primo de António e também
administrador da herdade. O plantio
em maior escala começou há já
quatro décadas e prossegue. Nos
últimos três anos, foram plantados
102 mil sobreiros e 61 mil pinheiros
mansos.
A arborização teve reflexos
positivos nos aquíferos. Ao invés de
escorrer facilmente para as ribeiras
e para a barragem, a água infiltrase com mais facilidade no solo e
recarrega as reservas subterrâneas.
Na limpeza do montado, há uma
Público • Quinta-feira 22 Abril 2010 • 15
Área urbana em Portugal cresceu 50 por cento
na década de 1990
Subúrbio
de Lisboa
Paisagem em lume brando
Opinião
Henrique Pereira
dos Santos
técnica proibida: a gradagem. É
com algum orgulho até que Jaime
Caiado aponta para um tractor
numa encosta, a arrastar uma alfaia
agrícola. “É um corta-matos”, diz.
O equipamento apara as ervas e
arbustos, sem os arrancar, e deixa
o material cortado no solo, para o
enriquecer com matéria orgânica.
Numa gradagem, que revolve a terra,
o efeito seria o contrário.
Em muitos pontos, nem se planta
nada sob os sobreiros, para evitar a
erosão e o empobrecimento do solo.
Deixa-se a vegetação lá estar, apenas
controlando-se o seu crescimento
com o corta-matos.
O próprio gado ajuda no controlo
da vegetação. Mas o seu almoço
mais apetitoso vem das chamadas
pastagens biodiversas – uma mistura
de diferentes plantas sobretudo
autóctones, que, uma vez semeadas,
mantêm-se ao longo de vários anos.
Ironicamente, a dieta do gado
por pouco não inviabilizou o
negócio. Por ser mais escura, a sua
carne era inicialmente rejeitada
pelos talhos. “Tínhamos imensa
dificuldade”, conta António Ferreira.
Mas o produto acabou por ganhar
a simpatia de algumas cadeias de
supermercados.
As pastagens acabam por
funcionar ainda como faixa de
segurança contra o fogo. Noutras
propriedades na região, o abandono
rural levou ao avanço do mato e da
floresta sobre os vales, aumentando
a carga combustível contínua.
Algumas práticas na herdade da
Machoqueira do Grou acabaram
por se associar a projectos externos.
Cerca de 90 hectares de pastos
biodiversos da herdade integram a
rede de um projecto demonstrativo
de gestão agrícola sustentável – o
Extensity – ligado a investigadores
do Instituto Superior Técnico.
Outros 140 hectares de novas
pastagens fazem parte de outro
projecto, de sequestro de carbono
pelas plantas – um hectare de pasto
biodiverso retira cinco toneladas
de CO2 da atmosfera por ano. Em
2008, a herdade obteve também a
certificação de gestão sustentável da
sua floresta, atribuída pelo Forest
Stewardship Council, e que obriga a
medidas rigorosas no terreno.
A herdade viu o seu trabalho
coroado no ano passado, com
um prémio de sustentabilidade
e biodiversidade, atribuído pela
Corticeira Amorim, Autoridade
Florestal Nacional, ICNB, Quercus e
WWF.
Sentimento positivo
Os resultados concretos sobre a
biodiversidade ainda estão mal
avaliados, aguardando um sistema
de monitorização que está a ser
montado. “O feeling é de que as
coisas estão a melhorar. Neste
momento, há mais diversidade
florística”, afirma António Ferreira.
O exemplo da Machoqueira do
Grou não é o único a indicar que a
intervenção humana na paisagem
pode, nalguns casos, enriquecer a
diversidade biológica. Num estudo
de 2008, o investigador José Lima
Santos, do Instituto Superior de
Agronomia, sugere que a agropastorícia extensiva em Castro
Laboreiro, no Parque Nacional da
Peneda-Gerês, aumentou de 41 para
71 o número de espécies nidificantes
de aves na região – antes ocupadas
por carvalhais.
Na Machoqueira, a acção humana
parece ir num sentido semelhante.
“A perspectiva de não fazer é pior
do que a de fazer”, resume Jaime
Caiado.
a Imagine que no próximo Verão
todo o vigor desta Primavera
excepcional se transformou em
lenha e erva pronta a arder.
Imagine que por um azar dos
Távoras uma semana seguida de
vento leste traz consigo fogos severos
e incontroláveis.
Imagine que lhe perguntam o que
se pode fazer que contribua para
amainar o fogo descontrolado.
Eu tenho uma ideia para o ajudar a
responder.
No momento do fogo, quase nada
se pode fazer, mas hoje, tal como em
todos os dias antes que tudo esteja a
arder, pode fazer-se uma coisa muito
útil: olhar para o que comemos.
Um exemplo simples que me
parece claro: o leitor sentou-se num
restaurante e pediu um prato. Para
entreter pega no pão e come uns
bocadinhos, enquanto espera. Se
o fez com manteiga, financiou a
produção de leite a partir de gado
estabulado alimentado a rações
cujos cereais foram com certeza
produzidos intensivamente no outro
lado do mundo. Se o fez molhando o
pão num bocado de azeite, financiou
olivais algures.
O território está há alguns
milhares de anos a ser influenciado
pela mão humana e a força central
da influência dessa “mão invisível” é
o “pão nosso de cada dia”.
Como parecemos tão pequenos
quando olhamos para o monte que
nos cerca, tendemos a achar que
sem a invenção da retroescavadora
e a descoberta do petróleo barato
a nossa capacidade de construir
paisagens é muito limitada.
Para contrariar esta ideia,
tomemos como exemplo a
“revolução do milho”, e o
pouco tempo que demorou a
transformação de Portugal.
A introdução do milho
em Portugal resulta dos
Descobrimentos. É pois uma
realidade relativamente recente em
Portugal – terá os seus quatrocentos
anos.
A cultura do milho vem permitir
alimentar muito mais gente. Em
todas as regiões, onde o seu cultivo
teve êxito, a riqueza aumentou
quase imediatamente e a população
multiplicou-se com rapidez.
Em poucas dezenas de anos a
paisagem das zonas que podem
produzir milho alterou-se
profundamente, encheu-se de
socalcos, encheu-se de gente, de
casas, de solares. Portugal descaiu
para o litoral, acentuando as
assimetrias norte/
sul, interior/litoral, que hoje
conhecemos.
A alimentação mudou
radicalmente, e a broa tornou-se
rainha.
Em zonas de granito, com solos
muito permeáveis e muita chuva,
como acontece nas principais zonas
de milho de Portugal, os solos
tendem a acidificar rapidamente
e há uma grande exportação de
nutrientes, o que faz aumentar a
importância da estrumação das
terras.
Antes da introdução dos adubos
quase toda a estrumação depende
da capacidade de fazer chegar
ao campo os matos das encostas,
em condições de libertarem os
nutrientes necessários.
Este processo inicia-se nos montes
envolventes aos campos agrícolas
com a roça do mato, prossegue com
o seu transporte para a cama do
gado, continua com a sua remoção
para o ar livre e termina com o
seu transporte e enterramento no
campo.
De tal modo a paisagem do Minho
anterior ao século XVII, ou mais
precisamente do Noroeste a norte do
Mondego, nos é estranha e distante
que dificilmente a conseguimos
imaginar hoje sem os socalcos,
sem milho, sem feijão, sem batata
(introduzida bastante mais tarde). Ou
mesmo sem o arame, que também
só chega pelo século XVIII, e que
hoje segura as videiras empurradas
para a margem do socalco; ali onde
não criam ensombramento que
prejudique o milho que mata a fome
à família inteira.
O milho é uma boa ilustração de
como são poderosos os processos
socioeconómicos na construção
das paisagens que conhecemos,
mesmo que nos pareça tão pouco
o que pomos no prato em cada dia.
É talvez o caso de mais profunda e
rápida alteração da paisagem que
conseguimos encontrar em Portugal,
sobretudo se não considerarmos
o actual abandono rural, cujas
consequências na evolução
das paisagens estão por avaliar
inteiramente.
Por esta razão, em vez do desdém
que hoje as elites do país dedicam
ao mundo rural em tudo o que
não diga respeito ao turismo, a
questão agrícola e da produção de
alimentos era uma matéria central da
sociedade anterior à sua importação
maciça, permitida por uma relativa
riqueza a partir de meados do século
XX.
Se ao pequeno-almoço comemos
fruta, cereais industriais e iogurtes,
em vez de pão de centeio com queijo
de ovelha, se substituímos sumos
de laranja por bebidas industriais,
cuja origem desconhecemos, ou
farinheiras remediadas por excesso
de bifes, ou feijões, favas e grão por
batatas fritas em óleos produzidos a
partir de campos de girassol, o que
estamos a fazer é abdicar de umas
paisagens a favor de outras.
Quando hoje deixamos de comer
umas couves pencas cortadas como
para o caldo verde, aferventadas
e passadas por azeite, temperadas
com alho e acrescentadas ou não
com broa, optando por saladas de
alface, estamos a trocar a paisagem
que conhecíamos pela que resulta
de hectares de estufas de produção
intensiva, sem que se vislumbre
qualquer benefício para a saúde e a
dieta.
De variarmos tão pouco o que
comemos simplificamos as paisagens
e aumentamos a uniformidade de
que nos queixamos tantas vezes,
que é uma das causas principais
dos fogos que em alguns Verões nos
afligem.
A simplificação não se faz sentir
em cada campo agrícola apenas em
consequência da mecanização, como
por vezes se pensa, mas reflecte
sobretudo a simplificação alimentar
do mundo urbano.
Arquitecto paisagista, autor do livro
Do Tempo e da Paisagem
16 • Público • Quinta-feira 22 Abril 2010
Biodiversidade portuguesa em risco
Adeus... ou talvez não
CR
Mais de uma centena de animais e plantas está em risco de extinção
em Portugal. Aqui estão alguns dos mais ameaçados e outros que já
desapareceram do país. Há espécies, porém, em recuperação
Joaquim Guerreiro e Ricardo Garcia
Morcego-de-ferraduramediterrânico
Rhinolophus euryale
CR
Há pelo menos 13 espécies
ameaçadas de morcegos
em Portugal, das quais sete
estão “criticamente em perigo”
Criticamente
ameaçado
EN
Em perigo
VU
Vertebrados
em risco
no país
EN
Vulnerável
MAMÍFEROS
AVES
Cágado-de-carapaça
-estriada
Tendência
25
96
Ameaçados
Não ameaçados
Emys orbicularis
Ameaçado pela
urbanização,
agricultura e captura
RÉPTEIS
104
9
Víbora de Seoane
303
Vipera seoanei
Encontrada em apenas
1,3% do território
nacional
37
ANFÍBIOS
PEIXES
2
EN
18
22
51
Urso pardo
Ursus arctus
Há muito desaparecido
do território nacional
Lince-ibérico
Lynx pardinus
Há mais de uma década
que não é visto em Portugal.
Está em pré-extinção
CR
CR
Lobo
Canis lupus
EN
Cabra-montês
Antes presente em todo o país,
agora sobretudo a norte do Douro
Lobo-marinho
Capra pyrenaica
Monachus monachus
Tem vindo a reaparecer no Gerês,
vinda de Espanha
População caiu 80%
mas está a recuperar.
Só ocorre na Madeira
Truta-marisca
Lampreia-do-rio
Lampetra fluviatilis
Diferente da lampreia-marinha.
Distribuição muito reduzida
CR
CR
Salmo trutta
Sável
Em declínio acentuado
CR
nos rios onde ainda
existe (Lima e Minho)
Alosa alosa
Salmão do Atlântico
Salmo salar
População em declínio
sobretudo devido às barragens
EN
Resiste apenas no Minho
e no Lima, mas a desaparecer
CR
Plantas ameaçadas
Destas oito espécies,
sete só existem em
Portugal e em mais
lugar nenhum. Há pelo
menos mais 15 plantas
em risco de extinção
no país
Corriola do Espichel
Convolvulus fernandesii
Linaria ricardoi
Linaria ricardoi
Narciso do Mondego
Narcissus scaberulus
Trevo-de-quatro-folhas
Marsilea quadrifolia
Só existe no cabo Espichel e na serra
da Arrábida. Está ameaçada pelo
turismo, lazer e expansão urbana
Dizimada por herbicidas desde a década
de 50, está restrita a algumas zonas do
Baixo Alentejo
Só existe na bacia do Mondego.
O avanço dos pinhais e eucaliptais
pode complicar-lhe a vida
Embora presente em muitas partes do mundo,
praticamente despareceu de Portugal.
Só se encontra no Peso da Régua.
FONTES: Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves; Redlist/IUCN; ICNB; Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal; Atlas dos Répteis e Anfíbios de Portugal; Aves de Portugal e da Europa
FOTOS: Bernardo Quintela (lampreia); Cristina Abreu e
Público • Quinta-feira 22 Abril 2010 • 17
VU
VU
Geomitra
turricula
Discula
tectiformis
ludovici
CR
Helix idiomela
suplicata
Discula
bicarinata
5
17
10
cm
Águia-imperial
(Aquila adalberti)
CR
CR
Lemniscia
michaudi
Há 210
espécies de moluscos
na Madeira que não
existem em mais lugar
nenhum. Um quarto
está ameaçado e 40
são consideradas
extintas
-2
Caseolus
bowdichianus
5
-10
85
cm
Á
Ág
Águ
Águia-imperial
gu
guia
iiaa--im
a
iimp
mp
m
pe
eri
er
ri
ria
all
(A
((Aq
Aquil
Aq
uiil
u
uila
il a a
adal
da
dal
d
alb
al
ber
be
errti)
e
ti)
ti
i)
(Aquila
adalberti)
Falcão-da-Rainha
(Falco eleonorae)
CR
15 cm
Toirão
5
17
(Turnix sylvatica)
-2
10
cm
30 cm
-1
65
cm
Rolieiro
14
0
(Coracias garrulus)
CR
Prilo
(Pyrrhula murina)
Salamandra
lusitânica
15 cm
Chioglossa lusitanica
VU
VU
Tritão-palmado
Triturus helveticus
CR
40 cm
Airo
(Uria aalge)
Águia-pesqueira
(Pandion haliaetus)
CR
Abutre-preto
(Aegypius monachus)
CR
Boga do Sudoeste
Chondrostoma almacai
CR
Existe apenas nas bacias
do Mira e do Arade
CR
CR
Saramugo
Enguia-europeia
Chondrostoma lusitanicum
Anaecypris hispanica
Anguilla anguilla
Distribuição fragmentada
dificulta a sua recuperação
Peixe que só existe
na bacia do Guadiana
População caiu 75%
nos últimos 20 anos
Boga portuguesa
Esturjão
o
Acipenser sturio
EN
Há várias décadas
que desapareceu do país
Insectos
sectos
Miosótis-das-praias
Omphalodes kuzinskyanae
Diabelha do Almograve
Plantago almogravensis
Diabelha do Algarve
Plantago algarbiensis
Alcar do Algarve
Tuberaria major
Só existe no Parque Natural de
Sintra-Cascais, onde enfrenta a pressão
da expansão urbana e do pisoteio
Está à beira da extinção mundial
restrita a um único ponto em Portugal,
perto de Vila Nova de Milfontes
Distribuição restrita a algumas zonas
do Algarve interior. Ameaçada pela
urbanização e extracção de argila
Apenas se encontra em 12 núcleos
no Algarve. A maior parte está ameaçada
por novos projectos urbanísticos
Há quatro borboletas
ameaçadas em Portugal.
A Pieris wollastoni está
praticamente extinta
Dinarte Teixeira (moluscos); D. Lignard (falcão-da-rainha); Faísca (águias imperial e pesqueira); Jorge Palmeirim (morcego); José Teixeira (salamandra); José Viana (airo, abutre-preto, rolieiro); Maria J..C.Pereira (bogas); Martin Wiemers (borboleta); Pedro Monteiro (priolo); ICNB; Corbis; PÚBLICO
18 • Público • Quinta-feira 22 Abril 2010
Objectivo 6
Controlar a ameaça
das espécies invasoras
Não são daqui mas ocuparam o país
Por Andrea Cunha Freitas
a São muitas. Entre animais e
plantas, a lista de espécies exóticas
invasoras parece não ter fim. Umas
mais perigosas do que outras. Umas
classificadas como invasoras e outras
que apresentam risco ecológico – o
que quer dizer que podem (ainda)
não ser encontradas no território
nacional. O perigo existe
xiste quando
as espécies são capazes,
zes, por si
próprias, de ocupar o território de
forma excessiva, em área ou em
número de indivíduos, provocando
uma modificação significativa nos
ecossistemas, usando os recursos
necessários à sobrevivência das
espécies locais, ou seja, quando
causam estragos.
Mais do que encontrarmos
uma espécie num território que
não corresponde à sua área de
distribuição natural e que, por isso, é
exótica, estas espécies invasoras não
só estão “fora do lugar” (chegam por
acidente ou de forma intencional,
por motivos económicos, por
exemplo), como são prejudiciais. E
aqui falamos de algas, crustáceos,
peixes, insectos, aves, plantas que
ameaçam terra, água e territórios
intermédios. Falamos de espécies
tão pouco conhecidas que não
têm sequer nome comum, até
às tradicionais e aparentemente
inofensivas margaridas. Falamos, por
exemplo, do eucaplipto que, apesar
de parecer que o encontramos
em todo o lado, está muito longe
de invadir Portugal como outras
espécies mostraram ser capazes.
Na natureza afinal tudo muda
e, por isso, tudo se transforma.
O Instituto de Conservação da
Natureza e Biodiversidade avançou
com uma revisão da lei aprovada
em 1999 para o controlo da
introdução de animais
e plantas exóticas
Nome científico:
Lepomis gibbosus
Nome vulgar:
Perca-sol
É natural da
América do Norte
e o primeiro registo
em Portugal é de
1970. Hoje vive e
multiplica-se nas bacias
cias
hidrográficas do Ave,
e,
Cávado, Douro, Guadiana,
diana, Leça,
Lima, Lis, Mira, Mondego,
dego, ribeiras
do Algarve, ribeiras do Oeste,
Sado, Tejo e Vouga. Compete por
alimentos e espaço com outras
espécies e é predador.
or.
Nome científico:
Oncorhynchus mykiss
iss
Nome vulgar:
Truta arco-íris
É natural da América do Norte
e está em Portugal desde o
início do século XX. Está nas
bacias hidrográficas do Cávado,
Douro, Minho, Mondego, Tejo
e Vouga. Suspeita-se que tudo
tenha começado com uma fuga
de uma aquacultura. Tem um
comportamento predador e
competitivo prejudicial.
Nome científico:
Mustela vison
Nome vulgar:
Visão-americano
Como o próprio nome indica, a sua
distribuição natural é na América
do Norte. Em Portugal, vive no
Norte e pode ser encontrado na
bacia hidrográfica do Minho, Lima
em Portugal – porque desde 1999
há mais e diferentes. No entanto,
depois de ter ficado meses em
consulta pública, o plano de revisão
terá sido arquivado numa gaveta. É
impossível falar de todas as pragas ao
mesmo tempo. Aqui ficam por isso
apenas alguns
exemplos.
Truta arco-íris
e Cávado. A invasão terá começado
após fuga de quintas de produção
de peles. É predador de espécies
nativas como a toupeira-de-água e
répteis ripícolas.
Nome científico:
Eichhornia crassipes (C.R.P.Mart.)
Solms. Laub.
Nome vulgar:
Jacinto-de-água
Veio da América do Sul por
causa da beleza das suas flores e
conquistou Portugal, sobretudo
Douro Litoral, Estremadura,
Ribatejo, Alentejo e Beira Litoral.
Entre outros aspectos negativos da
sua presença para outras espécies
indígenas (reduz a biodiversidade
da flora e fauna), forma um tapete
na superfície da água. Pode
interferir na agricultura, pesca e
lazer (navegação).
no passado para fixar os solos.
É provavelmente a espécie
invasora mais agressiva nos
sistemas terrestres do país. É
estimulada pelo fogo e forma
povoamentos densos que impedem
o desenvolvimento de outras
espécies.
Nome científico:
Procambarus clarkii
Nome vulgar:
Lagostim vermelho da Louisiana
É natural do Sul e Centro dos EUA
e hoje poderá ser encontrado em
todas as bacias hidrográficas
de Portugal. O primeiro registo
no território é de 1979. Tem um
impacto grave junto dos peixes e
plantas com que partilha as águas.
Mimosa
Visão-americano
Lagostim vermelho
Nome científico:
Acacia dealbata Link
Nome vulgar:
Mimosa
Uma árvore perene, de folha verde
acinzentada e flor amarelo vivo.
Veio do Sudeste da Austrália
como uma planta ornamental.
Hoje está em todo o território
português, tendo sido cultivada
Nome científico:
Ailanthus altissima (Miller)
Swingle
Nome vulgar:
Espanta-lobos, árvore-do-céu
É originária da China central e de
Taiwan. Está em todo o território
português, tendo sido introduzida
para arborização. Forma um
tapete que impede o crescimento
de outras espécies, compete pela
luz e água, produz substâncias
tóxicas que se acumulam no solo
e que podem ser prejudiciais ao
homem (erupções cutâneas). Nas
cidades podem fazer estragos nas
fundações de prédios e outras infraestruturas.
Fontes: ICNB e site “Plantas
Invasoras de Portugal”, do Centro de
Ecologia Funcional da Universidade
de Coimbra e Escola Superior
Agrária de Coimbra
Publicidade
Estação Biológica do Garducho
a Estação Biológica do Garducho foi galardoada com o Prémio FAD, o
mais importante galardão da arquitectura ibérica, atribuído pela Fundação
Arquifand (Barcelona, Espanha).
A Estação contempla diversas funcionalidades designadamente áreas
expositivas, de trabalho técnico e de alojamento, funcionando como um
laboratório, observatório e museu, onde através dos múltiplos espaços é
possível “atravessar” diversos habitats e descobrir as particularidades da
fauna e flora destes distintos lugares.
A área expositiva está disponível ao público e consiste num mega-arquivo onde
© 2009, André Carvalho | José Manuel Silva (Rights Reserved)
será armazenado e catalogado material biológico e artístico representativo
da fauna e flora, organizado pelos cinco habitats mais representativos da
O Centro de Estudos da Avifauna Ibérica é uma Organização Não
região: estepes cerealíferas, montados, bosques e matagais mediterrânicos,
Governamental de Ambiente, sem fins lucrativos, com sede em Évora, com
cursos de água e hortas e pomares.
origem nos finais da década de 70 por iniciativa de um grupo informal
de jovens entusiastas pela observação de aves. Constituído formalmente
em 1991, o CEAI tem a sua actividade centrada na educação e informação
ambiental, em acções de investigação e conservação de espécies e habitats.
Geograficamente, a sua intervenção é dirigida para o Sul de Portugal, nas
regiões do Alentejo e Algarve.
Numa primeira fase, o enriquecimento deste arquivo e a dinamização da
Estação constituem o projecto “Biodiversidade em Arquivo” financiado por
Islândia, Liechtenstein e Noruega através do Mecanismo Financeiro do
Espaço Económico Europeu. O principal objectivo é fomentar o conhecimento
científico sobre a biodiversidade, com o intuito de sensibilizar para a sua
conservação. O material será exposto no espaço público da Estação Biológica
Em 1997, o CEAI adquiriu um antigo posto da guarda fiscal localizado
do Garducho. As acções de educação ambiental, os percursos pedestres, os
na fronteira com Espanha, no concelho de Mourão, com o objectivo de
cursos e workshops, as saídas de campo, os campos de férias, um concurso
vir a instalar uma Estação Biológica. O património natural existente na
de peças de arte alusivo à biodiversidade, são algumas das actividades a
região de Moura, Mourão e Barrancos é de relevante interesse nacional e
desenvolver no âmbito deste projecto.
comunitário, levando à classificação de duas áreas classificadas ao abrigo
de Directivas Comunitárias que integram a REDE NATURA 2000. A
importância deste património justificaram o interesse do CEAI em adquirir
esta infra-estrutura.
Localizada na zona Norte da Margem Esquerda do Guadiana, a região de
Moura-Mourão-Barrancos constitui local de abrigo e de reprodução de
várias espécies emblemáticas e ameaçadas de extinção, como a Águiaimperial-ibérica, o Grou-comum, a Águia de Bonelli, a Abetarda, o Sisão e
o Cortiçol-de-barriga-preta. A sua importância destaca-se também por ser
um local de ocorrência histórica de Lince-ibérico, a espécie de felino mais
ameaçada do mundo, constituindo um dos locais mais adequados para uma
© 2009, André Carvalho | José Manuel Silva (Rights Reserved)
futura recolonização da espécie.
A descoberta da paisagem e da biodiversidade através do olhar da ciência,
Com o apoio do Programa Operacional Regional do Alentejo (QCA III), a
da arquitectura, da poesia e da arte, é a experiência que a Estação Biológica
Estação Biológica do Garducho tomou o lugar do antigo posto fiscal e será
do Garducho propõe aos seus visitantes.
oficialmente inaugurada em 2010. A remodelação do ex-posto, a cargo
de Ventura Trindade Arquitectos e da Construções Monsaraz, concilia a
traça contemporânea com a beleza da paisagem, incorporando diversas
preocupações ambientais, como a produção de energia solar, o isolamento
em aglomerado negro de cortiça, a utilização de sulipas de madeira
reutilizadas no pavimento exterior e a recolha de águas pluviais. Em 2009,
CEAI - Centro de Estudos da Avifauna Ibérica
Rua do Raimundo, 119. Apt 535
7002-506 Évora
Tel: +351 266 746 102
Fax: +351 266 745 782
www.ceai.pt | [email protected]
www.ceai.pt/ebg | [email protected]
20 • Público • Quinta-feira 22 Abril 2010
Objectivo 7
Enfrentar os desafios das
alterações climáticas e da
poluição sobre a biodiversidade
Temos de criar
auto-estradas para
a biodiversidade
As alterações climáticas irão perturbar animais e plantas já em situação
de stress, diz nesta entrevista o biogeógrafo Miguel Araújo. Em Portugal,
um novo clima poderá empurrar as espécies para outro lado. É preciso
garantir que tenham por onde passar. Por Ricardo Garcia
a Na literatura científica sobre
biodiversidade e alterações
climáticas, há um nome português
incontornável: Miguel Araújo, 40
anos, geógrafo com doutoramento
em Biologia, é um dos autores mais
citados mundialmente. O cientista
divide a sua actividade profissional
entre Madrid, onde é investigador
principal no Museu Nacional de
Ciências Naturais, e Évora, em
cuja universidade lidera a cátedra
de Biodiversidade Rui Nabeiro.
A sua principal área de estudo é
a modelação da distribuição das
espécies num futuro climático
diferente.
É possível já apontar efeitos
das alterações climáticas na
biodiversidade?
Já há bastantes evidências,
sobretudo na Europa e nos Estados
Unidos. Há vários estudos que
demonstram que há alterações nas
datas de nidificação das aves, nas
datas de floração das plantas, nas
datas das migrações. Também há
dados de alterações na distribuição
de espécies. A tendência tem sido
para a deslocação em latitude, para
norte, no caso do hemisfério Norte,
e em altitude, das regiões mais
baixas para as regiões mais altas.
E as espécies que já não têm para
onde ir?
Obviamente, se uma espécies sobe
para norte e chega à costa Norte da
Escandinávia, tem o mar à frente.
Já não migra mais. A não ser que
tenha capacidade de migrar para
longas distâncias e eventualmente
ocupar parte do território Árctico
e da Gronelândia. É possível para
algumas espécies, mas para outras
não. Em altitude é o mesmo, as
espécies alpinas sobem e chega
uma altura em que não podem
subir mais. Mas pior do que não
poder subir mais é começarem a
receber fluxos de espécies que vêm
de baixo e que competem com elas.
É correcto dizer que as alterações
climáticas actuais vão provocar
muitas extinções?
As espécies que viveram há 20
mil anos, quando estávamos no
pico do último glaciar, tiveram
de se adaptar a um novo regime
climático. Já se tinham adaptado
antes, porque desde há dois
milhões de anos que estamos em
ciclos constantes de aquecimento
e arrefecimento. Portanto, a fauna
que temos hoje está historicamente
preparada para este tipo de
oscilações climáticas. Temos é
de perguntar o que é que mudou
desde há 20 mil anos para cá. A
maior parte das populações nativas
da fauna e da flora encontrase numa situação de extrema
fragilidade. Nós ocupamos, com
as nossas actividades, 35 por cento
da área do planeta. Apropriamonos da produtividade primária
bruta em 24 por cento. O que
sobra para as outras espécies é
obviamente menor do que há 20
mil anos. As suas populações estão
frágeis, numa situação de stress, de
perturbação.
Um segundo factor, que está
associado ao primeiro, é que há
20 mil anos as espécies podiam
movimentar-se em todo o
território. Hoje, temos estradas,
barragens, cidades, ambientes
inóspitos, como a agricultura
intensiva. Portanto, não são as
alterações climáticas, consideradas
de uma maneira isolada, que irão
causar uma extinção em grande
escala. As alterações climáticas são
um elemento novo nessa equação.
De que dimensão pode falar-se
em termos de extinções?
Na realidade, não se sabe. Uma
extinção é algo muito difícil de
prever. É o desaparecimento
do último indivíduo de uma
determinada espécie. Nós temos
um conhecimento muito deficiente
de quantas espécies há no planeta,
não conhecemos exactamente
a sua localização. Dada a nossa
ignorância, é impossível propor
um número ou uma percentagem.
Podemos é fazer estimativas sobre
quais as espécies que poderão
beneficiar ou vir a ser prejudicadas
pelas alterações climáticas.
Por exemplo?
As espécies adaptadas a climas
frios vão perder. As espécies
adaptadas a climas subtropicais
poderão perder, se a evolução for
no sentido de uma maior aridez. As
adaptadas a climas mediterrânicos
áridos vão ganhar. As espécies
adaptadas a regiões temperadas
poderão ganhar também, porque
são espécies que estão hoje um
pouco por toda a Europa do Sul e
Central. São espécies cosmopolitas,
e que se espera que migrem para
grande parte da Escandinávia.
Na Finlândia, os observadores de
aves todos os anos regalam-se com
as novas espécies que aparecem,
vindas do Sul. As análises que
temos feito indicam que a maior
parte das espécies perde – a maior
parte das espécies estudadas, não
todas as que existem.
Que trabalho tem feito nessa
área?
Compilamos a distribuição das
espécies em mapas e relacionamos
estatisticamente estas distribuições
com parâmetros climáticos.
[Depois] projecta-se essa relação
estatística no tempo e no espaço,
utilizando cenários climáticos. E
vê-se em que medida é que essa
distribuição tenderá a aumentar
ou a diminuir e onde é que poderá
aumentar ou diminuir.
E o que é que esta análise mostra
para Portugal?
Mostra que há uma degradação
das condições climáticas para
uma grande parte das espécies de
Portugal, que começa no Sudoeste
do país, no Algarve, e que se
vai expandindo para nordeste,
gradualmente, até 2080-2100.
Que espécies são essas?
São aves, mamíferos, anfíbios e
répteis. Basicamente, todos os
vertebrados terrestres.
O que vai acontecer com essas
espécies?
Isso é o que não estamos ainda em
condições de dizer. Algumas das
espécies que ocorrem no Sul da
Península Ibérica também ocorrem
no Norte de África, em ambientes
nalguns casos mais áridos do que
aqui. Não temos a distribuição
destas espécies no Norte de
África. Não conseguimos estudar
a relação estatística que têm com
Não nos interessa
modificar muito
o padrão com o
qual co-evoluímos.
Pode vir uma nova
biodiversidade.
Será que nos seria
benéfica?
Miguel Araújo,
biogeógrafo
Público • Quinta-feira 22 Abril 2010 • 21
ANO INTERNACIONAL DA BIODIVERSIDADE
Verões em Portugal podem
ser 7ºC mais quentes em 2100
ANTONIO RIVAS/AFP
1.º Ciclo das Conferências da Biodiversidade
FACULDADE DE CIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA · GRANDE AUDITÓRIO
Abril a Junho
Dia B – DIA DA BIODIVERSIDADE
CAMPANHA PÚBLICA NACIONAL PARA A OBSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE
22 Maio
Exposição “Insectos em Ordem”
MUSEUS DA POLITÉCNICA · ANTIGO PICADEIRO DO COLÉGIO DOS NOBRES
27 Maio
2.º Ciclo das Conferências da Biodiversidade
FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN · AUDITÓRIO 2
Exposição “Linces, Lobos e Águias-reais”
MUSEU NACIONAL DE HISTÓRIA NATURAL · SALA BOCAGE
28 Outubro
Biodiversidade em Concerto
AULA MAGNA DA REITORIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
PA RCERIA
Tagis – Centro de Conservação das Borboletas de Portugal
Associação Biodiversidade para Todos
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ENQUA DR A MENTO
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rápido. Será que esses novos tipos
de vida nos seriam benéficos? Não
há nenhuma garantia.
Na prática, o que poderia ser
uma medida de adaptação para a
biodiversidade?
A ciência tem de determinar quais
as áreas que serão importantes
para a biodiversidade no futuro.
Uma vez que saibamos quais
são, temos de determinar se
as espécies serão capazes de
chegar lá. Temos de pensar em
corredores ecológicos para ligar
as áreas em que elas estão hoje
e onde elas estarão no futuro.
Temos de criar auto-estradas da
biodiversidade, que hoje não
existem. Acontece que muitas
das áreas que possam vir a ser
auto-estradas da biodiversidade
ou novas áreas a proteger estão
a ser ocupadas por actividades
económicas. Existe um conflito
evidente entre algumas medidas de
adaptação das sociedades humanas
às alterações climáticas e as
medidas de adaptação necessárias
à biodiversidade. Um exemplo
paradigmático é o das barragens.
Sabendo como hoje já é difícil
criar uma nova área protegida,
não será impraticável essa
ideia das auto-estradas da
biodiversidade?
Estamos a falar de problemas
de gestão, não é esta a minha
especialidade. Passo a batata
quente aos políticos. Nós
[cientistas] podemos oferecer
cenários. Não devemos
substituirmo-nos aos políticos e
dizermos o que eles devem fazer.
ht t
Acha que o Painel
Intergovernamental para as
Alterações Climáticas (IPCC)
exagera nas suas conclusões
sobre a biodiversidade?
O IPCC tem pouca informação
para produzir projecções globais
sobre a biodiversidade. Ainda não
há nenhum estudo que analise os
impactos globais na biodiversidade
em relação às alterações climáticas.
O IPCC compila os estudos que há
para diferentes regiões, e depois
extrapola para o resto do planeta.
É o que é possível fazer neste
momento, mas está longe do ideal.
Vale a pena fazer alguma
coisa, ou é melhor deixar vir
outra diversidade biológica
para ocupar o lugar da que
conhecemos hoje?
Outra diversidade biológica virá
seguramente, mas não sei se
estaremos cá para ver. A remoção
da biodiversidade num sistema
pode ser muito rápida, pode
acontecer de um dia para o outro.
A geração de biodivesidade é um
processo mais longo, é um processo
evolutivo, que dura regra geral mais
de dois, três milhões de anos.
Devemos então preocupar-nos?
Como principais interventores e
modificadores do planeta, temos
uma obrigação moral, sobretudo
para com os nossos filhos, de lhes
deixar um mundo que é parecido
com o que nós tivemos. Por outro
lado, pelo princípio de precaução,
não nos interessa modificar muito
o padrão com o qual co-evoluímos.
Pode vir uma nova biodiversidade.
Imagine que, por hipótese, fosse
RA
o clima nessas áreas. Isso geranos projecções talvez demasiado
catastrofistas para algumas
espécies que ocorrem no Sul. Mas
só para essas.
De tudo o que está a dizer,
ressalta uma grande incerteza...
Se se utilizar esse tipo de modelo
para dizer que 30 por cento das
espécies de Portugal e Espanha
vão-se extinguir em 2050, é uma
afirmação claramente abusiva. O
que se modela são as perdas de
qualidade climática para cada uma
das áreas. Uma espécie poderá
extinguir-se ou não, poderá migrar
ou não, poderá adaptar-se ou
não, em função de uma série de
factores. Há incertezas ecológicas,
que têm a ver com a resposta
destas espéceis à degradação
das condições ambientais, e há
incertezas algorítmicas, que têm
a ver com os diferentes modelos.
Estamos a desenvolver modelos
mais complexos para o lince, onde
entramos em linha de conta com
as alterações climáticas, a variação
na disponibilidade alimentar, com
simulações da doença hemorrágica
viral e da mixomatose. Podemos
aqui fazer cenários de extinção
para a espécie.
E o que dizem esses resultados?
Temos resultados provisórios.
Há uma degradação dos habitats
no Sul da Península Ibérica,
maioritariamente em função do
clima. E haverá uma progressiva
deslocação dessas condições para
norte. A serra da Malcata estará no
futuro em condições muito boas
para albergar o lince.
Setembro a Novembro
PROG
Serra da Malcata terá condições óptimas para o lince no futuro
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22 • Público • Quinta-feira 22 Abril 2010
Objectivo 8
Manter a capacidade
dos ecossistemas em prover
bens e serviços e suportar a vida
Além de
sol e mar,
o país quer
ecoturismo
O turismo de natureza está a crescer em Portugal. É um
dos vários serviços que a diversidade biológica oferece.
Conhecer o património natural é a melhor forma de o
preservar. Por Ana Rute da Silva
a O hotel Vila Galé Albacora, no
Parque Natural da Ria Formosa,
não vai fechar portas no próximo
Inverno. Será a primeira vez desde
que foi inaugurado em 2000.
O antigo arraial da pesca de atum
e as velhas casas dos pescadores
de Tavira estão transformados
num hotel de quatro estrelas com
cómodos quartos, mas para ficar no
mapa dos turistas todo o ano.
Bruno Martins, director da
unidade, percebeu que era preciso
mais do que oferecer os habituais
serviços de sol e mar: o hotel podia
ser o trampolim para múltiplas
actividades na natureza, receber
o exigente ecoturista e dar a
conhecer às famílias portuguesas
que o Algarve é, por exemplo, um
sítio privilegiado para a observação
de aves.
Foi a ria Formosa, cujo parque
natural é a segunda zona húmida
mais importante de Portugal,
que deu ao Vila Galé Albacora o
que faltava para ser mais do que
um empreendimento turístico
concentrado na piscina, nas
espreguiçadeiras e no serviço de
quartos. A crise, diz Bruno Martins,
fez a região olhar para dentro e
perceber que o turismo de natureza
pode ser a motivação secundária
“e ajudar a fidelizar clientes fora da
época alta”.
A mudança de estratégia desta
unidade hoteleira é apenas
mais um sinal dos passos, ainda
pequenos, que têm sido dados para
mostrar Portugal como destino
para os amantes da natureza. As
potencialidades são imensas: 21
por cento do território é formado
por áreas protegidas (Espanha tem
apenas sete por cento) e, segundo
o Plano Estratégico Nacional do
Turismo (PENT) – que consagra o
turismo de natureza como um dos
produtos estratégicos –, a taxa de
crescimento estimada é de nove
por cento ao ano, acima da média
internacional, que é de sete por
cento. Portugal “parte de uma
base muito reduzida e, por isso, o
potencial de crescimento é maior e
mais rápido que noutros destinos”,
considera o PENT.
Onze por cento do PIB mundial
tem a assinatura da indústria do
turismo e das viagens. O sector
emprega 200 milhões de pessoas
e, por ano, faz deslocar no
planeta 700 milhões de viajantes,
número que deverá duplicar em
2020. Cerca de nove por cento
destas pessoas viajam porque
querem conhecer património
natural e é aqui, nesta equação
de difícil equilíbrio, que se joga a
preservação da biodiversidade.
A organização nãogovernamental Conservation
International olha para a indústria
como uma oportunidade e
uma ameaça. A natureza e as
actividades de aventura são um dos
segmentos de maior crescimento e
o turismo tanto pode ser um actor
fundamental para a conservação,
como uma temível ameaça, se
Têm sido dados
passos, ainda
pequenos, para
mostrar Portugal
como destino para
os amantes da
natureza
Compra sobretudo
programas de Verão
e em agências
de viagens
Informa-se
através de brochuras
ou opiniões de
terceiros
Perfil do turista
da natureza
Compra através da
Internet ou associações
especializadas
Informa-se
através de
revistas, clubes
ou Internet
Quer contemplar
a natureza, observar
a fauna, praticar desporto
Quer descansar, desligar,
caminhar, descobrir novas
paisagens, fazer fotografia
GPS
Viaja cinco
vezes por ano
Turista hard
Entre os 20 e os 35 anos
Estudante ou profissional liberal
FONTE: Plano Estratégico Nacional do Turismo
Fica alojado
em bed & breakfast,
parques de campismo,
casas rurais e refúgios
de montanha
20%
Dá preferência a
pequenos hotéis
de 3 e 4 estrelas,
e casas rurais
80%
Viaja entre
uma a duas
vezes por ano
Turista soft
Famílias com filhos,
casais e reformados
José Alves
Praticante
de actividades
como rafting,
caiaque ou hiking
Público • Quinta-feira 22 Abril 2010 • 23
Na Europa, fazem-se 22 milhões
de viagens internacionais por ano
motivadas pelo turismo de natureza
feito da forma errada. A discussão
parece ter, entretanto, dado um
passo em frente.
Dar a conhecer o património
natural é a melhor forma de o
preservar, defende Luís Patrão,
presidente do Turismo de Portugal.
E por cá “ainda não se estão a
aproveitar todas as potencialidades
nesse capítulo”. O sol e a praia
ainda são os argumentos de maior
peso junto dos turistas (nacionais
e estrangeiros) e é também esta
imagem que mais vende lá fora.
Conhecer o património natural
acaba por ser uma coincidência
feliz durante a estadia.
Segundo o PENT, apenas quatro
por cento dos visitantes vêm
expressamente para conhecer a
riqueza natural, mas para Luís
Patrão o número é “enganador”.
“Se é verdade que não vêm por
causa do turismo de natureza,
a verdade é que este produto
acaba por ser um complemento
extraordinário das visitas que
fazem ao país. Quem vem ao sol
precisa que lhe seja proposto
outro tipo de actividades”, disse,
acrescentando que é preciso
investir em sinalética, explicar
melhor os fenómenos naturais e
“dotar os parques de estratégia de
visita”.
Calcular o potencial económico
para Portugal da biodiversidade,
enquanto produto turístico, “é
difícil”, adianta por seu lado Luís
Correia da Silva, consultor e exsecretário de Estado do Turismo,
no Governo de Durão Barroso. Em
2006, a sua empresa fez um estudo
para o Instituto de Conservação
da Natureza e da Biodiversidade
(ICNB), no âmbito do Programa
de Visitação e Comunicação dos
Parques de Portugal, que previa até
2013 um aumento de visitantes nas
áreas protegidas que existem em
solo nacional.
Segundo o estudo, que serviu
de base ao programa de visitação,
haverá 822 mil pessoas que
procuram nos espaços protegidos
conceitos como o turismo de
natureza. A procura potencial
interna é de 2,7 milhões de
visitantes por ano. De acordo com
dados divulgados pelo ICNB –
que não respondeu em tempo às
questões enviadas pelo PÚBLICO
– no ano passado 44.099 pessoas
participaram em visitas guiadas
em 24 áreas protegidas, 33 por
cento das quais no Parque Natural
da Serra de Aire e Candeeiros,
o mais importante repositório
das formações calcárias do país.
A Reserva Natural da Serra da
Malcata só recebeu 30 visitantes
em todo o ano. E a das Berlengas
nenhum.
Os números referem-se aos
turistas que usufruíram de visitas
guiadas, mas são uma amostra
do potencial ainda por explorar.
“Nós temos um conjunto de
parques únicos, perto das cidades,
fáceis de aceder”, lembra Luís
Correia da Silva, sublinhando
que, independentemente da sua
riqueza, funcionam ainda numa
lógica de restrição.
À procura
da natureza
Observação de baleias
e aves é um bom negócio
Só nos Açores, há 25 empresas e 54 embarcações mobilizadas em torno
dos cetáceos. Observar aves também é uma actividade em expansão.
Nestes casos, a biodiversidade dá dinheiro
a Se há produto que em Portugal
marca terreno, é a observação
de baleias e golfinhos nos Açores
e na Madeira. Domingos Leitão,
coordenador do programa terrestre
da Sociedade Portuguesa para o
Estudo das Aves (SPEA), diz mesmo
que o programa de turismo de
natureza dos Açores é o único
bem enquadrado na legislação e
devidamente promovido. “Não
fazia mal nenhum olhar para o
exemplo dos Açores.”
Em Portugal, o Fundo
Internacional para o Bem-estar
Animal estima que a observação
de cetáceos tenha criado receitas
directas e indirectas de 15
milhões de euros. Só da venda de
bilhetes nos Açores e na Madeira,
somam-se 2,9 milhões, diz outro
estudo, liderado pela bióloga
Marina Sequeira, do Instituto da
Conservação da Natureza e da
Biodiversidade.
Nos Açores, foram feitas 50
mil saídas em 2008 e, segundo
Miguel Cymbron, director
regional do Turismo dos Açores,
há 25 empresas que se dedicam à
observação de cetáceos, com 54
embarcações. O negócio começou
a ser explorado por estrangeiros
e as ilhas foram consideradas as
segundas melhores do planeta
para o turismo sustentável pela
revista norte-americana National
Geographic Traveller e o terceiro
melhor destino do mundo para a
observação de cetáceos pelo jornal
britânico The Telegraph. A proibição
da caça à baleia fez, de muitos
pescadores, vigias que colaboram
com as empresas turísticas.
Cliente exigente
Com os portugueses ainda a
despertar para o turismo da
natureza, as estratégias de
promoção devem centrar-se nos
mercados estrangeiros, defende
Domingos Leitão. Este turismo das
aves, dos cetáceos, da geologia
e da flora exige qualificação e
informação credível. O cliente é
exigente, com poder de compra,
não se ilude com a natureza
descaracterizada. “A qualidade não
é só intrínseca da biodiversidade. É
do produto, da informação que se
presta”, afirma.
Outro nicho de mercado em
crescimento é da observação de
aves, que leva, por exemplo, 48
milhões de norte-americanos e 2,4
DANIEL ROCHA
Empresas querem atrair estrangeiros para as aves portuguesas
milhões de ingleses a sairem de
casa. A SPEA tem três mil sócios e
o número de portugueses que se
dedicam a esta actividade não deve
superar os cinco mil. Encontrar
informação sobre as espécies que se
podem ver em Portugal não é fácil,
mas regiões como o Algarve ou o
Centro despertaram recentemente
para o fenómeno.
Para chegar aos clientes
estrangeiros, o Vila Galé Albacora e
duas agências de animação turística
algarvias, a Lands e a Formosamar,
partilharam os custos de um stand,
viagens e despesas para estarem
presente na Feira Internacional de
Turismo Ornitológico (FIO), que
decorreu no final de Fevereiro no
Parque Nacional Monfragüe, na
Extremadura espanhola. As três
empresas estão a trabalhar em
parceria para captar mais clientes,
vender o Algarve da paisagem ainda
protegida e conseguir ultrapassar a
barreira da sazonalidade.
“A comunicação para o exterior
ainda não é fácil”, admite Bárbara
Abelho, 33 anos, gerente da
Lands, justificando as vantagens
da parceria. Monfragüe é um
dos pontos privilegiados para a
observação de aves em Espanha
e conseguir atrair os turistas para
Números
2,7 milhões
Procura potencial, em número
de visitantes, de ecoturismo
e turismo da natureza em
Portugal
822 mil
Pessoas que buscam o conceito
de ecoturismo nas áreas
protegidas portuguesas
42.860
Participantes de visitas
guiadas nas áreas protegidas
portuguesas em 2009
15 milhões
Receitas, em euros, geradas
pela observação de cetáceos
em Portugal
9%
Taxa de crescimento anual do
turismo da natureza no país
4%
Percentagem de turistas que
visitam Portugal motivados pelo
património natural
este lado da fronteira também é
fundamental para os operadores.
Mas há outro desafio para quem
quer fazer negócio com turismo
da natureza: disputar um mercado
ainda reduzido com empresas
sem licença ou guias particulares
que levam os turistas em circuito
paralelo e sem fiscalização.
“É difícil, quando a maior parte
da oferta é ilegal”, diz Ricardo
Barradas, que fundou a Natura
Algarve. Luís Patrão, presidente do
Turismo de Portugal, que regula a
actividade do sector, tem dúvidas
quanto à existência de um número
expressivo de empresas ilegais e
diz que a nova legislação, em vigor
desde o ano passado, já permitiu
legalizar mais de 600 empresas de
animação turística.
De norte a sul, a preservação
da biodiversidade passa pelo grau
de informação dos visitantes.
Organizações não governamentais,
como a Liga para a Protecção da
Natureza, a SPEA e a Quercus são
fundamentais para divulgar o
património ambiental, diz Ricardo
Barradas. Dar o impulso que falta
ao turismo de natureza em Portugal
passa por unir os interesses
económicos com a consciência
ecológica. A.R.S.
24 • Público • Quinta-feira 22 Abril 2010
Objectivo 9
Manter a diversidade sóciocultural das comunidades locais
A gralha está
de volta, e o
que era antigo
também
Quer subscrever uma cabra? Pode dar-lhe nome, mas
sobretudo contribui para a biodiversidade. Como? As
cabras ajudam a gralha-de-bico-vermelho. É ir à aldeia
de Chãos ver. E ainda há chícharos, tecelagem e ervas
de cheiro. Alexandra Lucas Coelho (texto)
e Rui Gaudêncio (fotografias)
a Encostas verdes salpicadas
de azedas, tufos violeta que são
alecrim, pólens doces no ar. É
Primavera na serra dos Candeeiros,
e agora subimos para a aldeia
de Chãos. Rio Maior está a dez
quilómetros, Lisboa a uma hora.
Duas ou três casas de emigrantes
mais vistosas, e a estrada da aldeia
termina num planalto de cortar
a respiração: pastagens fofas, um
burro, oliveiras e vista até Santarém.
Foi aqui que a cooperativa Terra
Chã fez o seu centro cultural, com
restaurante, alojamento, atelier de
tecelagem e jardim de cheiros.
– Conciliamos ambiente e
cultura – diz Júlio Ricardo, 51 anos,
professor primário, apresentandonos o seu conterrâneo António
Frazão, 46 anos, vigilante de
natureza.
Sem receberem um tostão, são
ambos motores da cooperativa.
Como Júlio tem de ir acompanhar
um grupo de trabalhadores que
veio da aldeia da Benedita para
ter formação, é com António que
vamos subir à serra, onde está
um dos grandes projectos para
preservar a biodiversidade.
– Vão lá acima ver o rebanho
antes que desça, e com este tempo
conseguem ver até às Berlengas
– explica Júlio. – São 150 cabras
serranas ecotipo ribatejanas. Estão
lá com um dos nossos pastores.
Como é que as cabras contribuem
para a biodiversidade? Com queijos?
– Também dão queijo, mas
sobretudo contribuem para a
preservação dos habitats da gralhade-bico- vermelho, uma espécie em
vias de extinção na nossa serra.
Para quem nunca ouviu falar na
gralha-de-bico-vermelho, a relação
entre cabras e gralhas é um grande
mistério, mas certamente tudo se irá
desvendar lá em cima.
Quantas pessoas tem a aldeia?
– 161 – diz Júlio.
– 162 – corrige António.
E riem-se.
– Tivemos de as contar uma a
uma para ter a certeza, porque eu
dizia sempre que a aldeia tinha 120
pessoas – diz Júlio, que antes de
desaparecer com o seu grupo ainda
nos leva ao jardim de cheiros.
Aqui estão as plantas aromáticas
que se podem encontrar ao
caminhar pela serra, muito bem
dispostas e coloridas, com os seus
contrastes de vários verdes, violetas
e amarelos.
– Ó António, esta como se chama?
– pergunta Júlio.
– Santolina. E aqui tomilho,
erva-cidreira, caronila, lúcia-lima,
alecrim, rosmaninho...
Uma festa.
– É pedagógico – resume António.
– As pessoas já não têm tanta
vivência do campo como quando os
pais passavam o conhecimento para
os filhos, porque andavam sempre
com eles. Agora as pessoas vêem
estas plantas na serra e já não sabem
o nome delas.
Tudo isto é parte da missão da
cooperativa, consideram estes
aldeões.
– Aqui, a particularidade é irmos
aos pormenores, àquilo que é
pequenino, como as orquídeas ou
os rosmaninhos.
Ou a gralha.
E cá vamos nós, com António a
guiar, por uma estrada de pedras e
pó, serra acima.
Passamos pinheiros mansos,
oliveiras e eucaliptos, e depois
a vegetação começa a ficar
mais baixa, dominada por tufos
formidáveis de cor violeta.
– São os maiores campos de
alecrim que conheço – diz António.
À direita aparece uma cova meio
semeada.
– Isto é uma dolina, uma
depressão que aparece nos
maciços calcários e que tem
a ver com abatimentos. Estes
solos são óptimos, e regam-se
por precipitação oculta, com a
humidade transportada nos ventos.
Aqui estão a plantar batata.
Que se dá bem em terras altas.
Estamos agora a uns 400 metros.
E o que a seguir aparece é toda
uma paisagem de torres eólicas, a
girarem lentas, porque não há muito
vento. Quando há vento, o barulho
é o de um avião que não aterra, está
sempre no ar, explica António. O
que mói a aldeia inteira, sobretudo
porque a torre 22 está por cima da
aldeia.
– Estamos a tentar negociar uma
paragem dessa eólica durante a
noite.
De um lado e do outro, o violeta
do alecrim e o amarelo do tojo.
– Agora vamos devagar, ver onde
o pastor anda… Ah, está ali.
Uma silhueta de cajado entre as
eólicas. Paramos o carro, metemonos pelo mato a caminho da
silhueta. E de repente António pára
Público • Quinta-feira 22 Abril 2010 • 25
Cento e onze alimentos estão certificados como
produtos de qualidade portuguesa
Queijo da Serra
Chícharos
Com cem euros, apoia-se
uma cabra por três anos
a olhar para cima, em êxtase.
– Espectacular! É a gralha. Já não
a via cá há um ano.
Ouve-se uma espécie de guincho
e vê-se um pontinho preto no céu.
– Bom sinal. Anda a reconhecer o
território para ocupar este espaço.
Entretanto, as cabras aproximamse, castanhas, de pêlo brilhante e
comprido, em torno do pastor, que
vem de mochila e boné desportivo.
– Sou mais velho que a serra – diz
ele. – Tenho 55 anos.
Um jovem, afinal, diria a serra.
Chamam-lhe Neves. Há 20 anos
tinha um rebanho seu. Agora
recebe um salário para pastorear o
rebanho comunitário, que é este.
– É um dos cooperantes na secção
de silvopastorícia – explica António.
– E temos outro pastor que hoje
está de folga. Fazem as folgas um
do outro.
E virando-se para Neves:
– Ouviste agora uma gralha?
O pastor não ouviu. Ladeado
por um par de cães, um escuro e
um claro, avança com as cabras,
sempre a mastigarem.
– São cinco machos, tudo o resto
é fêmea – diz António. – Esta parte
da pastagem é a mais fácil, mas
depois os pastores ainda tratam da
ordenha e da amamentação dos
cabritos.
Mas ainda não chegámos à parte
em que as cabras ajudam as gralhas.
Como é, então?
– O projecto foi iniciado pela
Quercus. Os estudos dizem que
uma das razões para a gralha-debico-vermelho estar em extinção é
o abandono do pastoreio. Porque
a gralha tem um bico curvo e
fininho e procura alimentação
em espaços abertos, onde mexe
a terra à procura de insectos e
bagas. O abandono do pastoreio
leva a habitats mais altos de mato,
e a gralha não consegue procurar
alimentação.
Em suma, as cabras comem o
mato, que fica mais rasteiro, e assim
as gralhas podem voltar.
– A nossa cooperativa tinha
começado a fazer a actividade Seja
Pastor por Um Dia, e com esse
historial a Quercus convidou-nos
para dinamizar o pastoreio aqui
em cima. Falámos com as pessoas
que tinham cabras, vimos que não
tínhamos garantias por aí, e tivemos
de avançar para um rebanho
comunitário.
Compraram 150 cabras.
– Comunitário quer dizer que
qualquer pessoa pode subscrever
uma cabra com um donativo de
cem euros por três anos. Isso
significa que durante três anos
contribui para a biodiversidade.
Uma vez por ano tem direito a
participar na Rota dos Pastores,
com almoço, e pode dar nome à
cabra.
E comer cabrito. É a ordem
natural, que António resume nesta
frase lapidar:
– Os machos têm de ser comidos.
A relação no rebanho é de um
macho por 20 fêmeas.
Portanto, cabrito assado. E com
as cabras velhas, chanfana.
Entretanto chegámos a uma
misteriosa vedação no meio do
mato, em forma de quadrado, que
no interior não parece conter nada.
– São 100 metros quadrados para
podermos fazer monitorização
entre espaços onde o rebanho anda
e zonas onde ele não entra. E o
rebanho também é importante para
a criação de zonas descontínuas,
contra os fogos florestais.
António pára de repente, a olhar
para o chão, e põe-se de cócoras.
– Olhe, isto é uma orquídea.
Minúscula, a crescer mesmo à
beira do caminho. E do outro lado,
entre tufos de alecrim, outra. E
uma terceira, linda, fúcsia. São um
dos orgulhos da aldeia de Chãos, as
orquídeas, e António traz mesmo
com ele uma pasta com os vários
tipos.
– Esta é uma Orchis mascula
– mostra, comparando com a
fotografia.
O caminho de volta à aldeia é
preenchido com o inventário de
estratégias das orquídeas para
atraírem insectos onde depositam o
pólen, que assim é transportado até
outra flor. O fascinante mundo da
polinização.
Já no centro cultural, António
parte e a visita do PÚBLICO termina
de novo com Júlio. Para vermos
ainda a oficina de tecelagem, a esta
hora deserta.
– Isto eram velhos teares da serra
dos Candeeiros, e inovámos para
estes, chamados “de alto liço” –
explica Júlio, dando uma pancada
num e uma pancada no outro. O
de alto liço é vertical como uma
harpa.
Não é fácil tornar novo o velho.
Hoje as pessoas querem outros
padrões, outras peças. A ponto de
as lançadeiras (a peça de madeira
que lança o fio de um lado ao outro
do tear) terem de vir da Suécia.
– Mas se queremos manter a
tradição temos de inovar. Podia ser
um lema destes aldeões. Foram a
França e Espanha ver projectos de
desenvolvimento local. Quando
viram centros culturais, com salas
de espectáculo e tudo, pensaram:
por que não em Chãos?
– Agora, estamos a construir
o plano estratégico de
desenvolvimento da nossa
cooperativa com professores e
alunos da Faculdade de Economia
da Universidade Nova de Lisboa.
No jardim de cheiros, as abelhas
andam em volta do rosmaninho, e
no restaurante do centro cultural,
com uma bela vista, ainda há
chícharos, essa alternativa ao feijão
que caiu em desuso mas que a
cooperativa recuperou.
– Lá adiante é a Arrábida, vê? –
aponta Júlio.
Para quem queira fazer cursos
de formação ou actividades, a
cooperativa tem alojamento com
quartos para seis. No bar vendem-se
queijinhos de cabra frescos e secos.
E em breve vai vender-se o que os
teares produzem.
– E já viram aquilo? – pergunta
Júlio apontando para uma casinha
debruçada sobre o vale. – É a nossa
cisterna.
As cisternas da região estão em
desuso, mas a cooperativa quer
recuperá-las, e usar essa água para
as regas.
– Com o que choveu este Inverno,
já temos lá dentro cem mil litros.
26 • Público • Quinta-feira 22 Abril 2010
Objectivo 10
Mais capacidade financeira,
humana, científica e tecnológica
para implementar a Convenção
Colorida, viscosa
e talvez terapêutica
Da ilha do Faial chegou uma surpresa: o Porto da Horta está pejado de uma lesma-do-mar,
onde se isolou uma molécula nova. Os primeiros testes indicam que tem propriedades
farmacêuticas. Se daqui surgir uma patente, as populações locais deveriam receber parte dos
benefícios? Há uma discussão em curso sobre isto a nível mundial. Por Teresa Firmino
a Parece feita de veludo e, só de a
ver em fotografias, apetece tocarlhe para confirmar se é macia.
E as suas cores, um azul e um
verde vistosos, são um aviso aos
predadores, como se gritasse aos
quatro ventos para não a comerem,
que é tóxica. O aviso é a sério: a
Tambja ceutae é uma lesma-do-mar
que acumula uma molécula tóxica,
agora descoberta, para defesa
própria.
A espécie já é conhecida há
mais de 20 anos: com cerca de
2,5 centímetros de comprimento,
foi encontrada pela primeira vez
em 1988 em Ceuta, daí o nome
científico que lhe atribuíram. Tanto
em Ceuta como em Marrocos, Sul
de Espanha, Canárias, Cabo Verde,
Madeira e Açores, os locais onde
entretanto tem sido observada,
nunca primou pela abundância.
Mas em Agosto de 2007 as
coisas mudaram: numa campanha
internacional de estudo das lesmasdo-mar do Atlântico, que incluiu o
biólogo português Gonçalo Calado
e que passou por locais como as
Bermudas ou o Brasil, os cientistas
mergulharam numa zona mesmo
à mão de semear e deram de caras
com ela. Estava colada à ilha do
Faial, a pouca profundidade.
“Encontrámos muitos
exemplares dentro do Porto
da Horta. Apanhámos algumas
dezenas, entre meio metro e
dois metros de profundidade.
Foi fantástico”, conta Gonçalo
Calado, professor da Universidade
Lusófona e investigador do Instituto
Português de Malacologia.
Por que é que há ali tantas
Tambja ceutae? A resposta encontrase no que lhe serve de alimento.
Ela come um briozoário, animal
que vive agarrado ao fundo por um
pé (parece um raminho) e que se
alimenta de partículas que filtram
da água. Ora, esse briozoário, da
espécie Bugula dentata, existe em
grande quantidade nas paredes
do Porto da Horta. “E ela cresce
e multiplica-se lá. Facilmente se
localizam centenas de exemplares.”
Nessa campanha, também a
observaram no mar, entre as ilhas
do Faial e do Pico – mas em menor
quantidade, porque o briozoário é
aí mais escasso.
Os exemplares recolhidos foram
congelados e encaminhados para
um laboratório em Itália, para
uma série de estudos. “Só agora
foi possível obtê-la em quantidade
suficiente para os estudos
químicos”, explica Gonçalo Calado.
Guerra contra o cancro
Os especialistas de lesmas-do-mar
(ou nudibrânquios, como lhes
chamam) sabem que este grupo
de animais foi desenvolvendo
a capacidade de fabrico ou de
acumulação de substâncias
químicas que afastam, ou até
matam, os predadores. Não têm
concha, o que à partida é uma
desvantagem, mas arranjaram
outros meios de protecção –
avançaram para a guerra química.
E a coloração chamativa do corpo,
associada às armas químicas que
desenvolveram, funciona como um
aviso aos potenciais predadores.
Cores vivas costumam ser
sinónimo de lesmas tóxicas,
mas também as há imitadoras:
embora sejam comestíveis pelos
predadores, protegem-se atrás da
cópia das cores vistosas de outras
espécies, essas sim indigestas.
Para os seres humanos, as armas
químicas das lesmas-do-mar
podem revelar-se valiosas. Vários
estudos têm demonstrado que são
detentoras de moléculas raras na
natureza, que podem ter também
interesse farmacêutico. Por
exemplo, a empresa PharmaMar,
em Madrid, tem estado a testar
moléculas oriundas de lesmas-domar contra o cancro. A ideia não
é apanhá-las até à exaustão para
extrair as suas moléculas; antes é
inspirar-se nessas moléculas para as
fabricar em laboratório.
Os resultados dos estudos
químicos da Tambja ceutae foram
apresentados na revista científica
Bioorganic & Medicinal Chemistry
Letters, num artigo publicado
em Fevereiro e que o Instituto
Português de Malacologia divulgou
este mês em comunicado de
imprensa: a equipa isolou uma
nova molécula e ela apresenta
propriedades antitumorais.
A nova molécula chama-se
tambjamina K. Como se depreende
pela letra, é a 11.ª molécula desse
grupo, que recebeu este nome
porque as tambjaminas foram
isoladas pela primeira vez em
lesmas-do-mar do género Tambja
(de uma espécie diferente da
estudada agora). As tambjaminas
também estão presentes em
bactérias e noutros invertebrados
marinhos, como os briozoários.
Aliás, a Tambja ceutae deve
adquirir a molécula através
da comida. “Foi detectada
em pequenas quantidades no
briozoário. Muito provavelmente,
é o briozoário que a produz e a
lesma-do-mar, ao comê-lo, guarda
a molécula para a sua própria
defesa”, diz Gonçalo Calado, um
dos autores do artigo científico.
Os testes, ainda muito
preliminares, revelaram que a
tambjamina K possui actividade
contra células humanas cancerosas
do cólon, do útero e do cérebro,
por exemplo. Dependendo da
concentração, a molécula exibiu
uma actividade tóxica notável tanto
em células tumorais como em
células não tumorais de mamíferos,
concluiu a equipa no artigo,
acrescentando que a tambjamina K
impediu a proliferação de todas as
linhas celulares testadas.
Uma patente em vista? “A
molécula é promissora, mas ainda
não está em fase de ser patenteada.
Ainda está longe de uma patente”,
responde Gonçalo Calado. Antes de
Público • Quinta-feira 22 Abril 2010 • 27
Entre 1981 e 2006, 47 por cento dos novos
medicamentos contra o cancro foram obtidos
a partir de produtos naturais
RICARDO CORDEIRO/UNIVERSIDADE DOS AÇORES
As lesmas-do-mar foram encontradas dentro do porto da Horta
mais, é preciso encontrar grupos
científicos que se interessem pela
molécula, nomeadamente em
empresas farmacêuticas, e que
avancem com uma bateria de
testes mais específicos. Mas desta
história pode tirar-se uma lição:
“O mar como fonte de substâncias
naturais para uso humano ainda
nos traz muitas surpresas, mesmo
quando olhamos para espécies
relativamente comuns e em áreas
muito humanizadas, como é o
caso do Porto da Horta”, sublinha
Farmacêuticas
beneficiam da
biodiversidade
o biólogo. “Quem diria que no
Porto da Horta existia uma espécie
com uma molécula nova, que é
promissora em termos de algum
tipo de tratamento?”
Partilhar os benefícios
Esta lesma-do-mar pode também
ser ilustrativa de um debate em
curso entre os 193 países que
ratificaram a Convenção da
Diversidade Biológica das Nações
Unidas, em vigor deste 1993. Além
da conservação e do uso sustentável
da biodiversidade, esta convenção
defende a partilha equitativa dos
benefícios comerciais resultantes
da utilização de recursos genéticos.
Os países têm estado a preparar
o rascunho de um protocolo,
que vão discutir em Outubro, em
Nagóia, no Japão: o objectivo é
chegar-se a um acordo vinculativo
sobre o acesso e a partilha dos
benefícios de recursos genéticos.
Como devem ser partilhados os
benefícios do desenvolvimento
de uma molécula (cujo fabrico
O mar como fonte
de substâncias
naturais para uso
humano ainda
nos traz muitas
surpresas
é comandado por genes, em
última análise)? Só a empresa que
investiu deve ter direito a eles? Ou
também devem ser partilhados
pelas populações locais onde essa
molécula foi encontrada? E ainda
pela humanidade?
A discussão promete aquecer e,
enquanto não soubermos o que
resultará da conferência de Nagóia,
desvende-se se o aspecto da Tambja
ceutae é como parece, fofo e quase
almofadado. Pois não é. “Tem um
muco à volta. É viscosa.”
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28 • Público • Quinta-feira 22 Abril 2010
Objectivo 11
a Na ilha de Inhaca, na baía
de Maputo, os pescadores
moçambicanos contam que a
primeira refeição que tomavam
em criança era feita todos os dias,
entre a casa e a escola, com as
bagas e os frutos que recolhiam da
natureza. A biodiversidade costeira
e o cultivo ainda dão o pequenoalmoço, o almoço e o jantar a
muitas comunidades que vivem ao
pé do mar no Norte e Sul do país.
Talvez por isso o biólogo José Paula
tenha sentido mais receptividade
por parte da população do que
estava habituado. Durante as
duas últimas décadas, o professor
da Faculdade de Ciências da
Universidade de Lisboa andou
a avaliar a riqueza natural das
áreas marinhas fronteiriças de
Moçambique, uma empreitada
que não recebeu apoio financeiro
directo do Estado português.
“O Governo não está a dar nada”
para o estudo científico do mar
nos países lusófonos, constatou o
especialista em ecologia marinha.
Só em 2009 é que a Fundação
para a Ciência e Tecnologia criou
o Programa de Ciência Global para
apoiar cientistas da Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa
(CPLP). Até agora, o que havia
era incipiente e José Paula
sentiu falta de uma colaboração
estável. “Já disseminei o novo
programa em Moçambique, há
pessoas interessadas”, frisou o
investigador.
A investigação só se tornou
possível devido aos programasquadro da União Europeia.
Desde 1991, vários projectos
foram aprovados para o estudo
da conservação da costa Sudeste
africana. O último, que custou 1,7
milhões de euros, terminou em
2008. Foi o projecto Transmap,
que avaliou e identificou os
hotspots de biodiversidade para a
definição de zonas de conservação
de áreas marinhas.
“O primeiro passo foi juntar
todos os conhecimentos que
existem sobre a zona costeira
numa base de dados que
actualmente está sediada na África
do Sul”, explicou. O site gerido
pelo Instituto para a Investigação
Oceanográfica, em Durban,
agregou uma listagem bibliográfica
dos relatórios e documentos
guardados nas instituições sobre a
fauna e flora costeira, parâmetros
ambientais e legislação. Quem
quiser pesquisar sobre o material
produzido pode aceder ao site
www.transmap-metadata.org.za.
A base de dados está dividida em
quatro: os documentos de base,
que existiam antes dos projectos,
e os documentos biofísicos,
socioeconómicos e de governação
que entretanto foram produzidos.
A Faculdade de Ciências está
ainda a preparar um site onde os
principais relatórios saídos dos
projectos ficarão disponíveis ao
público.
A investigação, segundo as
regras do financiamento europeu,
tinha que abarcar pelo menos
dois países europeus e dois países
africanos. Alguns dos parceiros
europeus foram a Universidade
Mundial Marítima, da Suécia,
e o Museu de História Natural,
de Londres, que teve um papel
importante na identificação de
espécies desconhecidas. Em África,
o projecto integrou instituições da
Tanzânia, como o Instituto para
as Ciências Marinhas, e da África
do Sul, como a Universidade da
Cidade do Cabo, juntando os dois
países que fazem fronteira com
Moçambique no litoral.
Assegurar uma repartição justa
e equitativa dos benefícios
do uso de recursos genéticos
JOSÉ PAULA
Estrelas-do-mar na ilha dos Portugueses, na baía de Maputo
Novas espécies
As florestas de mangais, os recifes
de corais e os bancos de ervas
marinhas são dos ecossistemas
mais importantes da costa
africana, que albergam espécies
emblemáticas como tartarugas,
cetáceos ou o celacanto, um peixe
ancestral. “Foi feita uma avaliação
mais fina da biodiversidade
daquelas zonas”, explicou o
biólogo.
A pesquisa já permitiu conhecer
três espécies novas de copépodes,
crustáceos microscópicos que
vivem nos sedimentos. A lógica da
conservação foi avaliar os locais
Ajudar a proteger
a costa de Moçambique
Houve workshops com os chefes das aldeias, mas também teses de mestrado na universidade
em Maputo. O projecto Transmap estudou a vida marinha costeira de Moçambique e
fomentou o diálogo entre os países. O dinheiro veio todo da Europa. Por Nicolau Ferreira
Público • Quinta-feira 22 Abril 2010 • 29
Entre 1998 e 2005, foram dados 6,7 mil milhões
de euros em ajudas para a biodiversidade
dos países em desenvolvimento
que devem ser protegidos para que
se transformem num berçário de
biodiversidade capaz de alimentar
as regiões em redor.
O dugongo é um dos animais
que pode beneficiar dessa política
de protecção. Este mamífero
“pasta” nas águas do litoral e está
em perigo de extinção em todo o
Índico, por ser fácil de se caçar.
“Mata-se um dugongo e dá para
uma aldeia inteira, estamos a falar
de comunidades que estão sempre
no limiar da fome”, diz José Paula.
Ao longo dos anos foram feitos
vários workshops com as entidades
locais, os pescadores, os chefes
das aldeias. Houve um esforço
paralelo para caracterizar as fontes
de subsistência das comunidades,
que no Norte, onde só agora
está a chegar a electricidade, se
limitam quase sempre à horta e ao
que a natureza dá. “Os locais de
maior riqueza natural são os mais
povoados”, explica o investigador,
acrescentando que as actividades
tradicionais estão em equilíbrio
com os recursos.
Mais participação
“Existe actualmente mais diálogo e
debate entre as instituições locais
sobre matérias de conservação. É
notório o debate nos processos de
participação pública dos projectos
de avaliação impacto ambiental”,
disse ao PÚBLICO Adriano
Macia, professor da Universidade
Eduardo Mondlane, em Maputo,
que esteve à frente da equipa
da universidade que integrou
o projecto. O especialista em
ecologia marinha deu o exemplo
do Ministério das Pescas, que está
interessado em utilizar o modelo
do Transmap para definir as áreas
marinhas protegidas a criar na
região de Nampula, no Norte de
Moçambique.
Do ponto de vista científico,
o trabalho foi acompanhado
por estudantes moçambicanos
e proporcionou teses a
investigadores que absorveram
o saber e aprenderam técnicas.
“Tivemos mestrados e licenciados
que fizeram as suas teses no
Trabalho de campo no arquipélago das Quirimbas
âmbito do projecto”, explicou
Macia, um dos nove doutorados
do Departamento de Biologia.
“Contribuiu para a formação de
massa crítica”, acrescentou.
José Paula considera que a
realidade científica do país está
a mudar. “Começa-se a fazer
projectos conjuntos em que há
um interesse de ambas as partes”,
refere. As normas europeias
impulsionam este crescimento,
todo o material comprado para o
projecto ficou nos centros locais
de investigação. As sondas, os
meios operacionais de amostragem
e o equipamento informático
foram alocados à Universidade
de Maputo ou ao Centro para o
Desenvolvimento Sustentável para
a Zona Costeira, em Xai-Xai, a
Norte de Maputo.
Houve harmonização das leis
entre Moçambique e a Tanzânia
– que já tem o Parque Marinho
da Baía de Mnazi e do Estuário
do Rovuma, junto à fronteira –,
o que vai permitir um plano de
gestão consensual. No Norte do
Moçambique, definiram-se três
regiões marinhas a conservar: o
estuário do Rovuma (o rio que
faz fronteira com a Tanzânia),
a região junto à zona central do
Parque Nacional das Quirimbas e,
finalmente, uma terceira região
JOSÉ PAULA
“Em Moçambique,
os locais de maior
riqueza natural são
os mais povoados”,
diz o biólogo
José Paula
É necessário apoio
o para
ção
cumprir a convenção
Investigadores no barco ao largo da ilha de Inhaca
marinha, perto da povoação de
Mocimboa da Praia, que fica entre
as duas últimas regiões.
O próximo passo é conciliar
as vontades de todos os
intervenientes, mesmo que
desde 2006 a situação se tenha
complicado. “Entretanto
descobriu-se petróleo e as
prioridades mudam”, constatou
o biólogo referindo-se às
prospecções feitas na baía do rio
JOSÉ PAULA
Rovuma. Adriano Macia concorda
com este contratempo: “A questão
recente dos hidrocarbonetos e
a pesca podem estar a pesar no
adiamento da declaração desta
área.”
Mas José Paula não desanima
quanto à protecção da
biodiversidade marinha: “Existe
uma grande vontade, os políticos
com quem contactei estão muito
receptivos.”
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30 • Público • Quinta-feira 22 Abril 2010
Sucessos e fracassos
O regresso
Pássaro dos
Açores vai sair do falcão
ao Alentejo
da extinção
Foca-monge
à conquista
da Madeira
Laboratório
de excelência
no Porto
1
3
4
No coração da floresta sempre
verde da ilha de São Miguel, no
arquipélago dos Açores, há pelo
menos uma ave feliz. O priôlo
(Pyrrhula murina), uma das aves
mais ameaçadas da Europa, está
prestes a sair da categoria de “criticamente
em perigo” de extinção. A União Mundial
de Conservação (UICN) prepara-se para
a promover em Maio, fazendo entrar a
pequena ave na lista das espécies “em
perigo”, revelou Luís Costa, director
executivo da Sociedade Portuguesa para o
Estudo das Aves (SPEA).
No início deste século, a população
mundial do priôlo estava reduzida a um
grupo de entre 120 e 140 indivíduos,
concentrada num cantinho montanhoso
da ilha, nos concelhos do Nordeste e da
Povoação. A ave, com 30 gramas e cerca
de 16 centímetros de comprimento, estava
a desaparecer devido à falta de alimento.
A justificação estava no “recuo da floresta
laurissilva e da proliferação das espécies
exóticas”, explicou.
Hoje estima-se que a população de priôlo
esteja algures entre os 500 e os 800 casais.
Mas as boas notícias não são fruto do
acaso. De 2003 a 2008, a SPEA conseguiu
recuperar 230 hectares de floresta nativa,
através do corte e do controlo da vegetação
exótica e da plantação de espécies
autóctones. Tudo aconteceu no âmbito
do projecto europeu LIFE Recuperação do
habitat do priôlo na zona de protecção especial
Pico da Vara/Ribeira do Guilherme.
“As condições de trabalho não foram as
melhores por causa dos declives daquela
região montanhosa”, contou Luís Costa.
Apesar disso, o esforço de recuperação
daquela floresta ainda não terminou.
Em 2009 arrancou um outro projecto,
Laurissilva sustentável, através do qual a
SPEA pretende recuperar mais 120 hectares.
Para isso, está já a funcionar uma estufa e um
viveiro para produzir plantas nativas da ilha.
“Hoje temos 19 mil plantas”, disse Luís Costa.
“O nosso objectivo é chegar a 2019 com mil
casais de priôlo”, num total de 350 hectares
de floresta recuperados.
O esforço – que também envolveu a
Secretaria Regional do Ambiente, a Direcção
Regional dos Recursos Florestais, as câmaras
do Nordeste e de Povoação e a Universidade
dos Açores – já foi distinguido como uma
referência na Europa. Este mês, a plataforma
Birdlife International citou-o como um dos
cinco melhores projectos da União Europeia.
PEDRO MONTEIRO/SPEA
2
A pouco e pouco, o território
do peneireiro-das-torres (Falco
naumanni), o falcão mais
pequeno de Portugal, espalhase pelas planícies do Alentejo.
Mais do que uma conquista, é o
regresso da espécie a locais que foi obrigada
a abandonar.
No final do século XX, a espécie estava a
regredir, à medida que desapareciam as suas
áreas de alimento nos campos de cereais. A
agricultura de sequeiro era substituída pela
de regadio e as searas por olival e vinha.
“Esta espécie depende de um habitat agrícola
específico, com cereal de sequeiro com
pastagens, onde está o seu alimento”, explica
Rita Alcazar, da Liga para a Protecção da
Natureza (LPN) em Castro Verde.
Há cerca de 20 anos que a LPN está
presente nas planícies de Castro Verde com
projectos agro-ambientais para recuperar o
habitat de várias espécies de aves, uma das
quais o peneireiro-das-torres. Rita Alcazar
recorda o desaparecimento da colónia de
80 casais que existia no Castelo de Castro
Marim.
“Temos recuperado várias colónias,
estabelecendo protocolos de colaboração
com proprietários para recuperar paredes
de montes onde as aves pudessem nidificar”,
explicou. Foram instaladas caixas-ninho e
erguidas torres de nidificação ou muros altos
cheios de cavidades para as aves fazerem
ninhos. Ao todo, a LPN já disponibilizou mais
de 800 novos locais de nidificação.
“Resultou muito bem e a espécie conseguiu
aumentar rapidamente nas colónias antigas
e colonizar os novos locais.” Em menos de
dez anos a população triplicou. Na década
de 90 existiam 150 casais e em 2006, data
do último censo, eram já 450. Para dar nova
ajuda, a liga tem a funcionar em Évora um
centro de reprodução que ajuda as aves
feridas ou as crias que caem dos ninhos.
Como prova do sucesso conservacionista,
o programa LIFE 2002 a 2006 Peneireiro
das Torres foi premiado pela Comissão
Europeia em 2009 como um dos melhores 26
projectos para conservação das espécies.
Não significa que os bons resultados na
conservação desta espécie, classificada
como Vulnerável no Livro Vermelho dos
Vertebrados de Portugal, se traduza num
baixar de braços. Na calha estão já outros
projectos, nomeadamente a construção de
uma nova estrutura para nidificação no Vale
do Guadiana e um esforço de reintrodução
da espécie em Évora.
ANTÓNIO CARRAPATO
Os esforços para recuperar a
população de lobo-marinho
(Monachus monachus) da
Madeira têm 22 anos. “Quando
começámos a trabalhar, em 1988,
existiam apenas entre seis e oito
animais nas ilhas Desertas”, recordou Rosa
Pires, do Parque Natural da Madeira.
A espécie, actualmente classificada como
Criticamente em Perigo no Livro Vermelho dos
Vertebrados de Portugal, ficou reduzida a uma
população extremamente pequena: primeiro,
por causa da caça para fins comerciais e,
depois, devido à actividade pesqueira. Os
lobos-marinhos, também conhecidos por
focas-monge, acabavam presos nas artes de
pesca, principalmente nas redes de emalhar,
ou eram capturados ilegalmente. Em meados
do século passado, agudizou-se o conflito
entre o lobo-marinho e os pescadores, dado
que ambos se batiam pelo peixe nos mares da
Madeira.
As ameaças fizeram dela a foca mais
rara do mundo e uma das espécies mais
ameaçadas de extinção. Hoje a população do
arquipélago da Madeira está estimada entre
30 e 40 animais e a sua área de distribuição
deixou de ser exclusiva das Desertas e foi
alargada à ilha da Madeira, com registos da
sua presença desde 1997. Em 2000, este
passou a ser um local de residência. “Antes
só havia lobos-marinhos nas ilhas Desertas e
agora estão em qualquer sítio da Madeira.”
É um facto que esta população ainda é
demasiado pequena para deixar de causar
preocupação, mas pode dizer-se que está em
crescimento. Apesar disso, no ano passado
só foi detectada uma cria, “o que não quer
dizer que não tenham nascido mais”, disse
Rosa Pires, explicando que 2009 foi um
mau ano a nível de agitação marítima. “Não
conseguimos muitos postos de observação.”
Um dos marcos nesta história de
conservação é a criação da Reserva Natural
das Ilhas Desertas, em 1990, cujo principal
objectivo foi a protecção do lobo-marinho.
Além da monitorização contínua dos
animais e da protecção do seu habitat,
grande parte do esforço concentrou-se na
sensibilização dos pescadores e da população
em geral. “O nosso trabalho leva sempre
em consideração a população madeirense,
especialmente os pescadores”, explicou
Rosa Pires, salientando a importância de não
ignorar as suas condições socioeconómicas.
“Estamos numa fase em que não podemos só
criar reservas e legislação. Porque os animais
não ficam confinados a espaços.”
CESAR MADUREIRA
Os cientistas estão no centro
da equação quando se fala de
conservação da natureza. Em
Portugal, há um laboratório
que dá cartas dentro e fora de
fronteiras.
O Centro de Investigação em
Biodiversidade e Recursos Genéticos (Cibio)
recebeu, a 16 de Dezembro de 2008, a
classificação de Excelente na última avaliação
conduzida pelo painel internacional da
Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).
Foi o único centro na área da biodiversidade
a receber essa distinção.
Criado em 2002, o Cibio começou
a trabalhar com dez pessoas com o
objectivo de aplicar a investigação à
conservação. “Hoje são 70 doutorados e
mais de 200 investigadores”, contou Nuno
Ferrand Almeida, biólogo e coordenador
científico daquele centro, a funcionar
na Universidade do Porto. O laboratório
reúne investigadores das áreas da genética
molecular e populacional, biologia
populacional, taxonomia, ecologia,
conservação e gestão dos ecossistemas e da
paisagem. Do total dos investigadores, 20
por cento “não são portugueses, são de toda
a Europa, Estados Unidos, China, Rússia,
entre outros países”.
Actualmente, este centro de investigação
tem pólos na Universidade dos Açores, na
Universidade de Évora e no Instituto de
Investigação Científica e Tropical, em Lisboa.
Segundo Nuno Ferrand Almeida, o centro
funciona com base em três componentes
da biodiversidade: diversidade genética
das populações, distribuição das espécies
e ecossistemas e, por fim, os recursos
genéticos e a domesticação. Estas três
vertentes são trabalhadas por 12 grupos de
investigação. “Já há propostas para criação
de mais dois grupos de trabalho que poderão
avançar este ano”, adiantou.
Actualmente, o Cibio tem investigadores
espalhados pelos quatro cantos do planeta,
especialmente no Norte de África, em países
como Tunísia, Mauritânia, Líbia e Marrocos.
Ferrand Almeida explicou que colabora com
as instituições responsáveis pelos parques
naturais desses países para aconselhar na
gestão das espécies.
O coordenador salienta o trabalho no
âmbito da biologia do coelho, procurando
saber, por exemplo, como se transformou a
espécie selvagem em doméstica e tentando
descobrir formas para fazer frente às doenças
virais que ameaçam as populações.
PAULO PIMENTA
Público • Quinta-feira 22 Abril 2010 • 31
As histórias das espécies que representam vitórias e derrotas emblemáticas
da conservação em Portugal. Por Helena Geraldes
HUGO DELGADO
JOSÉ VIANA/SPEA
PAULO RICCA
DR
Mimosa, a
árvore fora
de controlo
Os últimos
airos das
Berlengas
Lagoas
temporárias
em silêncio
O adeus
à águiapesqueira
1
As falésias rochosas das ilhas
Berlengas, que albergam
a única colónia do país de
airos (Uria aalge), assistem ao
desaparecimento desta ave
marinha. Em 1995 restavam
apenas 34 indivíduos de uma população
que chegou a ter seis mil casais no início
do século XX. Hoje, são avistadas “apenas
oito a dez aves, que não se sabe ao certo
se nidificam nas Berlengas”, contou Pedro
Geraldes, especialista em aves marinhas da
Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves
(SPEA).
Escolhida como símbolo da Reserva
Natural das Berlengas, esta espécie tem
sofrido uma regressão drástica e hoje está
classificada como Criticamente em Perigo
pelo Livro Vermelho dos Vertebrados de
Portugal. Este estatuto tem poucas hipóteses
de vir a mudar nos próximos tempos e o
arquipélago, que representa o limite a sul da
distribuição da espécie na Europa, poderá
deixar de o ser.
Nem mesmo a criação da reserva das
Berlengas, em 1981, conseguiu travar o seu
declínio, cujas causas ainda não estão preto
no branco. “Existem várias possibilidades,
como as artes de pesca (principalmente a
rede de emalhar), o aquecimento global, a
diminuição dos stocks piscícolas e a pressão
das gaivotas. Mas o problema é que ainda não
se conseguiu definir a causa principal”, disse
o biólogo.
Fazendo lembrar um pequeno pinguim,
o airo passa a maior parte do tempo na
superfície da água, de onde mergulha em
busca das suas presas. Esta situação acaba
por tornar a ave particularmente susceptível
às redes de pesca.
E os seus “vizinhos” nas Berlengas também
não ajudam, especialmente a gaivota-depatas-amarelas (Larus cachinnans), que
compete com o airo nas pescarias e pode
mesmo ser um predador dos juvenis. Em
meados dos anos 90, a Operação Larus
tentou reduzir a população das gaivotas,
mas sem sucesso duradouro. “Com tantas
gaivotas na ilha, não há grandes condições
para o airo. Nunca houve regras para o
proteger, nem um esforço directo. Nem
sequer se tentou, assumiu-se logo o
declínio.”
Hoje não se sabe se esta colónia terá
possibilidades de algum dia vir a recuperar.
“Quando uma população atinge um nível
muito baixo de indivíduos deixa de ser viável,
tornando-se muito sensível à predação.”
2
Se a biodiversidade que passa
despercebida aos nossos olhos
tivesse um símbolo, as lagoas
temporárias seriam um bom
candidato. Estes corpos de água
de pequena dimensão estão
dispersos por campos agrícolas ou bosques
um pouco por todo o país. A sua principal
característica é encherem-se no período
das chuvas e secarem no Verão. No entanto,
esta inconstância não impediu a União
Europeia de considerá-las um dos habitats
prioritários para a conservação da natureza.
Nelas vivem espécies de plantas e de animais
especializadas, muitas delas raras e do
tempo dos dinossauros. Como o pequeno
crustáceo Triops cancriformis – cujos ovos
podem permanecer “adormecidos” nos
sedimentos secos das lagoas durante anos –
ou o camarão-fada. Este animal existe apenas
numa lagoa em todo o Reino Unido. Ambas as
espécies, com as suas formas, fazem lembrar
os seres descobertos nas profundezas dos
oceanos, raramente vistos e conhecidos. É
um pequeno mundo de invertebrados, mas
também de sapos, rãs e tritões, que apenas
sobrevive porque estas lagoas não têm
predadores, neste caso, peixes. E não têm
peixes porque secam no Verão.
Mas os últimos 20 anos não têm
sido favoráveis às lagoas temporárias.
Segundo Pedro Beja, biólogo do Centro de
Investigação em Biodiversidade e Recursos
Genéticos (CIBIO), são habitats que “passam
por um processo de destruição muito
rápido”, sendo drenadas e terraplenadas,
principalmente por causa da intensificação
da agricultura e das construções urbanas.
“Estão a desaparecer pouco a pouco e sem
ninguém dar por isso.”
As lagoas temporárias mais bem estudadas
estão no litoral alentejano. Em 1991, o Parque
Natural do Sudoeste Alentejano e Costa
Vicentina fez um primeiro inventário. Foram
encontradas, com a ajuda de fotografia
aérea, 295 lagoas. “Em 2009 voltámos aos
mesmos locais. O que lhes aconteceu foi
catastrófico”, comentou. Desapareceram 45
por cento. E Pedro Beja pormenoriza: a taxa
de desaparecimento fora do parque natural
foi de 16 por cento; dentro da área protegida
foi de 47. “O estudo mostrou que nem por
estarem em parques naturais são protegidas.
São um habitat que sofre com um fracasso
das estratégias de conservação”. Esta história
“ilustra a perda, quase sem se dar por isso,
de uma biodiversidade que estava em todo o
lado”.
3
4
As florestas portuguesas já não
conseguem esconder as flores
amarelas da mimosa. Esta árvore,
originária do Sul da Austrália e da
Tasmânia, está hoje espalhada por
todo o país de forma descontrolada.
Tanto assim é que a Acacia dealbata ganhou
o estatuto legal de espécie invasora. A
Universidade de Coimbra (UC) acredita
que talvez seja a mais agressiva em solo de
Portugal Continental.
Tudo começou quando quisemos trazer
esta árvore para fins ornamentais e para
fixar os solos. Hoje é uma verdadeira dor
de cabeça para associações florestais,
municípios, empresas e particulares. E
não é por desfear a paisagem. Elisabete
Marchante, especialista em plantas exóticas
e invasoras na UC, explica que a espécie,
em povoamentos muito densos, “compete
com as plantas nativas pelos recursos”,
nomeadamente pela água, e “altera o
funcionamento do solo”. Uma má notícia
para as espécies autóctones, “que se
adaptaram a características do ecossistema”.
Há vários anos que um pouco por todo
o país se tenta controlar o avanço da
mimosa. O método utilizado tem sido o
corte da árvore. Mas sem grandes casos de
sucesso para contar. Elisabete Marchante,
investigadora do Centro de Ecologia
Funcional daquela universidade, acredita
que há coisas a melhorar. “A bem da eficácia,
seria necessário aplicar sempre um herbicida
para matar a raiz, o mais rapidamente
possível a seguir ao corte da árvore. Mas nem
sempre isso é feito.”
Mas mais grave é a falta de um controlo de
continuidade. “Tentar controlar uma mancha
de mimosas requer um acompanhamento
que pode durar vários anos. Deve voltar-se
várias vezes para controlar a germinação,
que nunca deve ser uma operação a curto
prazo.” De facto, esta árvore rebenta
vigorosamente após o corte e “estes métodos
nunca garantem que a mimosa não volte
a germinar”. A missão torna-se quase
impossível quando a mancha é de grande
dimensão.
Os vários tipos de controlo de exóticas
invasoras estão descritos na legislação
desde 1999. Mas trata-se “apenas de linhas
gerais, nada dedicado a cada espécie”. As
pessoas foram tomando consciência de que
esta bonita árvore é também perigosa: “Há
casos de sucesso em que as pessoas se têm
esforçado por não abandonar o controlo. Mas
ainda há muito trabalho a fazer.”
O século XX traçou uma rota de
declínio para a águia-pesqueira
(Pandion haliaetus) em Portugal.
Foi um caminho sempre
descendente que terminou em
1997 com a morte da última
fêmea, enrolada numa rede de pesca.
A espécie chegou a nidificar desde a costa
rochosa da Estremadura (possivelmente
Pinhal de Leiria) até à costa sul algarvia
(zona de Albufeira). O declínio começou no
início do século XX, marcado pela campanha
do Estado contra os animais tidos como
nocivos, de 1938 a 1967. A águia-pesqueira
estava na lista dos animais a abater. Mas
depressa se percebeu que a espécie estava
a desaparecer do país. Nos anos 70 existiam
três casais a nidificar e em 1992 apenas
um. Em 1997, o biólogo Pedro Beja, então
no Parque Natural do Sudoeste Alentejano
e Costa Vicentina, recuperou o corpo
da última fêmea, morta, num ninho das
falésias, com a ajuda de um helicóptero da
Marinha. O macho acabou por desaparecer
em 2002.
Apesar da espécie ter beneficiado da
criação do Parque Natural do Sudoeste
Alentejano em 1995, “nunca houve um
projecto de recuperação activa” da espécie.
A primeira tentativa só começou em
1997, “quando se avaliaram as condições
para uma possível reintrodução da águiapesqueira”, contou Pedro Beja, hoje
investigador do Centro de Investigação
em Biodiversidade e Recursos Genéticos,
na Universidade do Porto. Mas esta não
foi uma história de sucesso. “Em 1997 foi
construída a infra-estrutura para receber
o projecto, no concelho de Vila do Bispo,
estabelecidos contactos com eventuais
dadores [de Finlândia, Escócia, Alemanha
e Córsega] e havia apoio por parte das
entidades” responsáveis. A reintrodução
da águia-pequeira em Portugal chegou
a ser considerada o projecto mais
importante para a conservação da espécie
no Mediterrâneo. Mas tudo parou em 1998
quando mudou “a presidência do Instituto
de Conservação da Natureza”, contou.
“O projecto só precisava de uma decisão
política e dos pedidos formais aos países
dadores”, notou. Algo que nunca aconteceu.
Em 1999, os responsáveis desistiram do
projecto. “O fracasso da águia-pesqueira
é também o fracasso da comunicação das
questões de conservação da natureza. É
preciso comunicar o interesse e o valor das
espécies.”

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