antecipação de tutela concedida com a sentença e o princípio do

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antecipação de tutela concedida com a sentença e o princípio do
ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONCEDIDA COM A SENTENÇA
E O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA
Matheus Corredato Rossi 1
Publicado originalmente na Revista de Processo 134/245. Abril de 2006.
SUMÁRIO: 1. Nota introdutória – 2. O momento processual
para o deferimento da medida antecipatória – 3. A
incompatibilidade que havia entre a antecipação da tutela e o
efeito suspensivo da apelação – 4. O meio adequado de
impugnação à antecipação de tutela concedida com a
sentença: 4.1 A análise à luz do princípio da singularidade
ou unicidade dos recursos; 4.2 A antecipação da tutela como
capítulo da sentença; 4.3 A antecipação da tutela como
decisão interlocutória no momento da sentença – 5.
Considerações finais – 6. Bibliografia.
1. Nota introdutória 2
Como bem sabemos, nem sempre os preceitos reguladores da convivência social são
respeitados espontaneamente pelos conviventes. A tutela jurídica, como proteção que o
Estado confere ao homem para realização das situações favoráveis e aprovadas pela
sociedade segundo os seus valores, realiza-se não só através da fixação de regras, mas
também no plano da efetividade dessas ordens assim estabelecidas.
A proteção que o Estado confere, através do processo, àquele que se sente lesado pela
violação de uma regra de convivência e, evidentemente, tenha razão, é chamada de tutela
jurisdicional. Justamente porque outorgada mediante o exercício da jurisdição, essa tutela
é jurisdicional.
1
Advogado do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados, mestrando em Direito pela PUC/SP.
Este trabalho reproduz as considerações contidas no artigo intitulado “O meio adequado de impugnação à
antecipação de tutela concedida com a sentença”, publicado na RT 817/105, com o acréscimo de referências
às recentes decisões do E. STJ sobre o assunto.
2
Na definição de Cândido Rangel Dinamarco, a tutela jurisdicional, enquadrada no sistema
de proteção do homem, é o resultado do processo em que a função jurisdicional se exerce.
Ela (tutela) não reside na sentença em si mesma como ato processual, mas nos efeitos que
ela projeta para fora do processo e sobre as relações entre as pessoas.3
A tutela jurisdicional consiste, portanto, na outorga de resultados substancialmente
idênticos aos que obteria a parte sem a necessidade de se recorrer ao Poder Judiciário.
Entretanto, há situações em que a espera pelo provimento definitivo pode comprometer a
eficácia da tutela. Observa José Roberto dos Santos Bedaque que “o tempo decorrido entre
o pedido e a concessão da tutela satisfativa, em qualquer de suas modalidades, pode não
ser compatível com a urgência de determinadas situações, que requerem soluções
imediatas, sem o quê ficará comprometida à satisfação do direito. Daí a necessidade de
serem adotadas medidas destinadas a afastar esse estado de risco para a efetividade da
tutela satisfativa. É preciso eliminar o perigo de ineficácia da providência jurisdicional
definitiva.”4
Assim, para essas situações, o sistema oferece outra espécie de tutela jurisdicional, uma
tutela diferenciada de caráter urgente e cognição sumária, a qual, segundo a doutrina,
poderá conter providências de dois tipos: a) que antecipam os efeitos do direito pleiteado e
b) que determinam providências que visam resguardar e garantir a futura execução.
Interessa-nos aqui propriamente, o estudo da tutela diferenciada que contém providências
que antecipam a tutela definitiva.
Dentre as modificações verificadas no Processo Civil nos tempos mais recentes, uma das
que mais causou repercussões foi aquela que generalizou a possibilidade de antecipação de
tutela. Muito embora o instituto não fosse, absolutamente desconhecido do direito
brasileiro, sua ampliação para todo o procedimento comum gerou desdobramentos ainda
3
Cândido Rangel Dinamarco. Tutela Jurisdicional. Revista de Processo. v. 81, pp. 54/81.
José Roberto dos Santos Bedaque. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência
(tentativa de sistematização). 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 113.
4
não inteiramente determinados. O presente estudo pretende tratar desse tema, considerando
uma hipótese particular: o meio adequado de impugnação à antecipação de tutela
concedida com a sentença.
Os diversos posicionamentos doutrinários acerca da natureza do ato que antecipa a tutela
no corpo da sentença, conduzem sensivelmente o operador do direito a encontrar meios de
impugnação também diversos contra essa decisão.
Dentro da perspectiva de conferir maior efetividade ao processo, sem perdermos de vista as
garantias constitucionais previstas aos litigantes, notadamente o contraditório e ampla
defesa, analisamos a seguir o posicionamento dos mais renomados processualistas sobre o
assunto, sobretudo do ponto de vista da parte prejudicada com a decisão que antecipa a
tutela no bojo da sentença e, acabamos nos filiando a um entendimento e expressando,
inclusive, nossas razões de convencimento, refutando-se os argumentos contrários.
2. O momento processual para o deferimento da medida antecipatória
Um dos assuntos polêmicos surgidos com a generalização do instituto da antecipação da
tutela foi a questão do momento adequado para deferimento da medida. Diante da
inexistência de previsão temporal na lei, a doutrina e a jurisprudência dominante têm
entendido, porém, que a mesma pode ser postulada a qualquer momento, sem esquecer-se,
contudo, do princípio da menor restrição possível, ou seja, o momento não pode ser
antecipado mais que o necessário.
Embora negado por uma parte da doutrina e jurisprudência,5 a antecipação dos efeitos pode
ser concedida liminarmente, caso o perigo de dano se revele contemporâneo ao
5
Confira-se a ementa do acórdão proferido pela C. 1.ª Câm. do E. TJMT, cujo relator invoca as lições do
mestre Calmon de Passos:
“Antecipação da tutela. Concessão antes da citação. Impossibilidade. Inteligência do art. 273 do CPC.
Admissibilidade somente nas exceções do art. 461 do mesmo estatuto processual.
Ementa oficial: O nosso ordenamento jurídico acolhe, por regra constitucional, o respeito ao devido processo
legal. Como exceção a esse princípio, em determinadas situações, a lei processual admite a concessão de
liminares inaudita altera pars. Expressamente, o instituto criado pelo art. 273, do CPC, não menciona a
possibilidade de concessão liminar, antes da citação. Em se cuidando da antecipação da tutela, somente no
ajuizamento da ação. Evidentemente que tal medida, de caráter excepcional, não encontra
óbice legal, uma vez que a parte contrária, ao tomar conhecimento da medida, possui
meios eficazes para alterá-la, além do que, o contraditório deve ser analisado juntamente
com os escopos maiores do ordenamento jurídico.
Porém, o mesmo não ocorre em caso de antecipação punitiva (CPC, art. 273, II). Neste
caso, obviamente supõe-se a ocorrência de fatos que emperrem o curso de processo, e
dificilmente se poderia imaginá-los praticados antes da citação ou da resposta.6
É possível ainda que a situação de perigo e demais pressupostos da antecipação se
configurem apenas quando o processo estiver pronto para receber sentença. Essa situação
vem causando polêmica e provocando manifestações diversas na doutrina, o que nos
despertou interesse por um estudo mais aprofundado. Logo mais abaixo, abordaremos as
opiniões dos mais respeitáveis processualistas com relação ao referido aspecto e suas
implicações no ordenamento processual civil.
Poderá ocorrer ainda a constatação de situação de urgência quando o processo esteja na
fase recursal, ocasião em que o pedido de antecipação deverá ser dirigido ao Tribunal
competente para o julgamento do recurso.
Sustenta ainda o eminente Teori Albino Zavascki, a possibilidade de antecipação de tutela
até mesmo quando já instaurada ação de execução da sentença ou de título executivo
extrajudicial: “É que, havendo embargos, os atos executivos ficam suspensos (CPC, art.
art. 461 é que se vislumbra essa possibilidade e que, obviamente, não é o caso dos autos. A antecipação da
tutela, antes da citação, será viável somente em casos que, por sua especialidade, exijam do julgador uma tal
providência.” (TJMT, AgIn 6.380, 1.ª Câm, j. 12.08.1996, rel. Des. Salvador Pompeu de Barros Filho) (RT
735/359).
6
Neste sentido, anota Antônio Cláudio da Costa Machado: “Como se sabe, o abuso de direito ou propósito
protelatório é fundamento completamente autônomo em relação ao periculum in mora, haja vista a presença
da disjuntiva ‘ou’ no final da disposição textual do inc. I do art. 273. Em outras palavras, o autor tanto pode
requerer a antecipação por causa de perigo, como por causa do comportamento processual reprovável do réu,
de sorte que a regência do caput jamais poderia prever medida que só se enquadrasse em uma das previsões
regidas. E como o abuso do direito de defesa e propósito protelatório sempre dependem de o réu ter sido
739, § 1.º), não se podendo descartar a configuração, nesse momento, de hipótese concreta
de urgência na satisfação do direito em execução, a ponto de não se poder aguardar, pena
de ineficácia, o julgamento dos embargos. Não há razão para, em tal situação, preenchidos
os requisitos do art. 273, deixar de atender o pedido.”7
Em súmula, a tutela antecipada pode ser concedida a qualquer momento, liminarmente ou
no curso do processo, não havendo limite final, com exceção do art. 273, II, em que é
necessária a apresentação de defesa.
3. A incompatibilidade que havia entre a antecipação da tutela e o efeito suspensivo
da apelação
O tema da antecipação da tutela na sentença despertou interesse não apenas porque se
refere à recente discussão teórico-processual, mas, sobretudo e principalmente, por se tratar
de relevante questão de ordem prática, em vista do instituto da antecipação da tutela,
estendido a todos os procedimentos previstos no ordenamento processual.
O legislador brasileiro optou por estabelecer um sistema onde a eficácia da sentença
coincidisse com a sua imutabilidade, muito embora tais fenômenos sejam absolutamente
distintos. Todavia, em alguns casos permitiu-se a eficácia imediata da tutela cognitiva
ainda passível de recurso e, portanto, sem a qualidade da coisa julgada. Tais hipóteses
estão previstas no art. 520 do CPC.
Antes da edição da Lei 10.352/2001, discutia-se muito acerca do efeito suspensivo da
apelação contra as sentenças que confirmassem a antecipação da tutela ou que continham
em seu bojo a medida antecipatória. Evidentemente, não passou desapercebida pela
doutrina, a flagrante incompatibilidade que poderia levar à total frustração do mecanismo
de antecipação.8 Hodiernamente, o legislador resolveu essa questão, com a inclusão do
citado a apresentar resposta, jamais seria possível pensar que o caput previsse expressamente medida
liminar.” (Tutela Antecipada. 2. ed. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998. p. 46/47).
7
Teori Albino Zavaschi. Antecipação da Tutela. 2.ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 82.
8
Confira-se José Roberto dos Santos Bedaque: “Admitida a natureza cautelar da tutela antecipada, o
problema se resolve com certa facilidade, pois o respectivo capítulo da sentença não será atingido pela
inciso VII ao art. 520 do CPC, segundo o qual: a apelação contra sentença que confirmar a
antecipação da tutela, será recebida somente no efeito devolutivo, com isso podendo ser
executada provisoriamente. Logo, a previsão se estende à antecipação concedida na própria
sentença, vez que neste caso, a tutela provisória é concedida antes da definitiva, embora a
cognição de ambas seja exauriente.9
Entre nós, porém, remanesce a questão relativa ao meio adequado de impugnação dessa
decisão. Esse pormenor não foi abordado pelas recentes leis que alteraram o sistema
processual, permitindo ainda algumas divergências doutrinárias e jurisprudenciais.
Passemos, então, a analisá-las.
suspensividade inerente à apelação (CPC, art. 520, IV). Mas, ainda que se entenda de maneira diversa, outra
não pode ser a conclusão. Embora a situação não esteja prevista no art. 520 do Código de Processo Civil,
evidentemente deve ser incluída entre aquelas em que inexiste esse efeito. Se assim não se entender,
restariam completamente frustrados os objetivos no novo instituto. Aliás, a antecipação concedida na própria
sentença tem como conseqüência exatamente retirar o efeito suspensivo da apelação. No que se refere aos
efeitos antecipados, o julgamento é imediatamente eficaz, ainda que suscetível de apelação.” (Cfr. Bedaque.
Tutela... cit., p. 367). No mesmo sentido: Sérgio Bermudes, segundo o qual “se a apelação só produzir o
efeito devolutivo, a sentença prevalece sobre a tutela, substituindo-a. Se a apelação produzir duplo efeito, a
sentença, por si só, não revoga a tutela antecipada, a menos que o juiz assim decida, na própria sentença ou
em separado, como lhe permite o § 4.º.” (A Reforma do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1995).
9
Com relação à aplicabilidade do inc. VII, do art. 520, do CPC, o E. STJ tem entendido que a apelação
contra a sentença deverá ser recebida apenas no efeito devolutivo quanto à parte em que foi concedida a
tutela, de forma a garantir a eficácia da decisão antecipatória. Observe-se que, a partir desse entendimento, há
uma clarividente sinalização acerca da necessidade de segregação dos provimentos definitivo e provisório,
ainda que concedidos na mesma folha de papel. Vejamos:
“Processual civil. Recurso especial. Antecipação de tutela. Deferimento na sentença. Possibilidade.
Apelação. Efeitos.
A antecipação da tutela pode ser deferida quando da prolação da sentença. Precedentes.
Ainda que a antecipação da tutela seja deferida na própria sentença, a apelação contra esta interposta deverá
ser recebida apenas no efeito devolutivo quanto à parte em que foi concedida a tutela.
Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.
(...)
Assim, ainda que a tutela seja concedida na própria sentença, o que é admitido como já exposto, a apelação
contra esta interposta deverá ser recebida apenas no efeito devolutivo quanto à parte em que foi concedida a
tutela, de forma a garantir a eficácia da decisão antecipatória.” (REsp 648.886-SP. 2.ª Seção. v.u. Rel. Min.
Nancy Andrighi. j. 25.08.04) (grifamos).
4. O meio adequado de impugnação à antecipação de tutela concedida com a sentença
4.1 A análise à luz do princípio da singularidade ou unicidade dos recursos
No direito brasileiro, para cada situação processual a lei prevê um recurso adequado, e
somente um. De se lembrar apenas que existem situações irrecorríveis, tais como os
despachos de mero expediente (CPC, art. 504).
Estamos falando do princípio da unicidade do recurso ou singularidade, segundo o qual
não é possível a interposição de mais de um recurso contra a mesma decisão. Muito
embora não esteja previsto expressamente em nosso Código de 1973, não restam dúvidas
que este princípio subsiste em nosso ordenamento, conforme leciona Barbosa Moreira.10
Assim, prevê o sistema como meio de impugnação das sentenças, o recurso de apelação
(CPC, art. 513); das decisões interlocutórias, o recurso de agravo, seja na sua forma retida
ou de instrumento (CPC, art. 522). A exceção fica por conta dos embargos de declaração,
os quais podem caber contra quaisquer decisões, comportem ou não outro recurso; e ainda,
quando a lei assim expressamente autorizar como no caso de interposição simultânea do
recurso extraordinário e especial.
O princípio da singularidade ou unicidade recursal passou a ser lembrado com a
universalização do instituto da antecipação da tutela. Isto porque, conforme vimos acima, a
doutrina dominante entende que a antecipação pode ser concedida a qualquer momento,
liminarmente ou no curso do processo, inclusive nas sentenças, as quais são impugnáveis
mediante apelação, conforme se assinalou.
É comum afirmar na doutrina que a antecipação da tutela é concedida por meio de decisão
interlocutória.11 Quando isso ocorre, não temos dúvida de que a parte prejudicada estará
10
José Carlos Barbosa Moreira. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. ver. e atual. Rio de Janeiro:
Forense, 1976. v. 5. p. 232.
11
V. a propósito: José Carlos Barbosa Moreira. A Antecipação da Tutela Jurisdicional na Reforma do Código
de Processo Civil. Revista de Processo, v. 81, pp. 198-211. Segundo o ilustre doutrinador, a decisão tem
legitimada a recorrer por meio do recurso de agravo. O problema que se coloca é
justamente na hipótese de antecipação concedida no mesmo momento da sentença,
configurando-se um único ato processual. Qual seria o recurso cabível? Seria possível a
interposição de agravo de instrumento contra a decisão que antecipou a tutela e,
simultaneamente, a interposição de apelação contra a sentença que julgou o mérito? Não
estaríamos infringindo o princípio em questão? Como então conciliar as garantias
constitucionais do contraditório e direito de defesa da parte contra quem se defere a
antecipação?
Como sugere alguns autores, a questão deve ser resolvida no sentido de que o juiz deva
proferir duas decisões em separado, primeiro a interlocutória relativa à antecipação da
tutela e depois a sentença que analisará o mérito, de modo que, eventual recurso de
apelação interposto não atingiria a primeira, a qual seria atacada através do agravo de
instrumento.
Neste sentido anota Luiz Guilherme Marinoni: “A antecipação não pode ser concedida na
sentença não só porque o recurso de apelação será recebido no efeito suspensivo, mas
principalmente porque o recurso adequado para a impugnação da antecipação é o do
agravo de instrumento. Admitir a antecipação na sentença seria dar recursos diferentes para
hipóteses iguais, e retirar do réu – em caso de antecipação na sentença – o direito ao
recurso adequado. A antecipação, portanto, deve ser concedida, quando for o caso, através
de decisão interlocutória, antes da sentença. No mesmo instrumento em que é proferida a
sentença, o juiz poderá antes da sentença, e através de decisão interlocutória, conceder a
tutela antecipatória”.12
nítido caráter interlocutório, podendo a tutela ser antecipada em qualquer fase do procedimento e, na medida
em que seja proferida no curso do processo, se caracteriza, obviamente, como interlocutória e, no processo
civil, o recurso cabível para impugná-la será o agravo.
12
Luiz Guilherme Marinoni. A Antecipação da Tutela. 6. ed. ver. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2000. p.
141/42. Confira-se a crítica da doutrina sobre esse procedimento: “Para a obtenção desse resultado prático,
não há necessidade de decisão interlocutória em separado. A exigência não se coaduna com a eliminação de
formalidades desnecessárias, nem constitui demonstração de boa técnica processual. Nada obsta que a
sentença contenha vários capítulos, cada um versando determinado aspecto da relação material, inclusive a
necessidade de antecipar os efeitos da tutela final”. (Cfr. Bedaque. Tutela... cit., p. 367/68). No mesmo
sentido leciona Cândido Rangel Dinamarco (O Regime Jurídico das Medidas Urgentes, Conferência
Considerando-se que a apelação é o meio recursal apto a impugnar a sentença que extingue
o processo com ou sem julgamento do mérito; considerando-se ainda que neste ato esteja
inserida a decisão que antecipou a tutela; que instrumento processual teria a parte
prejudicada para se livrar dos efeitos desta decisão, até que a apelação seja recebida pelo
relator já no Tribunal ad quem?
Uma vez admitida a possibilidade do deferimento da antecipação no momento da sentença,
a questão toma dois rumos na doutrina, os quais refletem-se diretamente nos instrumentos
processuais de impugnação pela parte prejudicada, conforme demonstrado a seguir.
4.2 A antecipação da tutela como capítulo da sentença
Para alguns, a tutela antecipada deve ser incluída como um capítulo na própria sentença,
que não se configura, evidentemente, decisão interlocutória. Neste caso, o único recurso
cabível para a parte prejudicada seria o de apelação, não dotado de efeito suspensivo
quanto à parte em que foi concedida a tutela, a teor do inciso VII do art. 520 do CPC,
mormente diante do princípio da unirrecorribilidade, o qual veda a interposição de mais de
um recurso para a mesma decisão.
Neste sentido, pronunciou-se a C. 6.ª T. do E. STJ, no REsp 524.017-MG, da relatoria do
Min. Paulo Medina:
“Processual civil. Tutela antecipada Concedida na sentença. Apelação. Recurso cabível.
De acordo com o princípio da singularidade recursal, tem-se que a sentença é apelável, a
decisão interlocutória agravável e os despachos de mero expediente são irrecorríveis.
Logo, o recurso cabível contra sentença em que foi concedida a antecipação de tutela é a
apelação.
Recurso especial não conhecido.”
proferida na Faculdade de Direito da PUC-MG, como evento integrante do Seminário em homenagem a
Lopes da Costa, aos 15.06.2000. Texto ampliado e inédito) apud Bedaque, Tutela, p. 368.
Perfilha também desse entendimento Teori Albino Zavascki, para quem “não parece certo
afirmar-se que o recurso de agravo de instrumento é necessariamente o adequado para as
decisões sobre antecipação. Pode ser ele, como pode ser o retido (v.g., se a decisão for
proferida em audiência do processo sumário – CPC, art. 280, III), como pode ser também o
de apelação, se a medida for deferida em sentença. O recurso é que deve se adequar ao ato
processual, e não o contrário.”13
Temos, neste caso, se é que podemos assim chamar, uma sentença sincrética, isto é, dotada
ao mesmo tempo de cognição e execução. Verifica-se neste provimento a satisfação
perseguida pelo jurisdicionado numa única relação jurídico-processual, onde a sentença de
procedência do pedido é auto-exequível.
Sendo assim, poderia a parte sucumbente e prejudicada com a decisão antecipatória, para
se ver livre dos seus efeitos, deduzir na peça de interposição do seu recurso, as razões que
possam causar-lhe prejuízo irreparável ou de difícil reparação, a fim de que o magistrado a
quo atribua efeito suspensivo integral à apelação, conseqüentemente, cassando-se a tutela
antecipada que ele mesmo concedeu? Caso esse pedido seja indeferido, seria possível a
interposição do agravo de instrumento para o Tribunal ad quem?
As respostas, no entanto, parecem ser negativas. Muito embora o magistrado deva
manifestar-se a respeito dos efeitos da apelação, caso fosse acolhido o requerimento da
parte prejudicada, concedendo-se efeito suspensivo integral à apelação, estaria o
magistrado revendo a sua sentença, já que a corrente doutrinária sob exame defende que a
antecipação é apenas um capítulo da sentença. O esgotamento da atividade jurisdicional,
neste caso, impede que o magistrado reveja o seu posicionamento, configurando-se
barreira instransponível às regras processuais. Além disso, diante do caráter cautelar da
tutela antecipada,14 de acordo com o art. 800, parágrafo único, do CPC, uma vez proferida
a sentença, todas as medidas deverão ser requeridas perante o Tribunal.
13
Cfr. Zavaschi.op. cit., p. 81.
A doutrina majoritária quando aborda o tema da antecipação da tutela, tem afirmado que a sua natureza
jurídica nada tem de cautelar, mas sim de adiantamento do provimento de mérito, de pura antecipação
satisfativa do resultado final do processo. Dentre os argumentos freqüentemente expostos para fundamentar a
14
Diante desse mesmo dispositivo, haveria, então, a possibilidade da parte valer-se de ação
cautelar para suspender os efeitos da decisão antecipatória, uma vez demonstrada uma
situação de dano?
Cremos também que a resposta seja negativa. Ora, a necessidade da propositura de ação
cautelar está intimamente ligada à necessidade de se impedir a consumação de lesão, tendo
em vista que a medida não pode ser obtida via sistema recursal. Assim, da mesma forma
que possa ser admitida a ação cautelar para buscar o efeito suspensivo ao recurso
desprovido de tal efeito, deverá ser admitido também o remédio constitucional do
mandado de segurança.15 Certamente esse não é resultado esperado do legislador mais
recente que modificou a disciplina do regime do agravo para evitar, ao menos, como regra,
a necessidade de impetração de mandado de segurança contra ato do juiz, dotando o relator
do recurso de agravo de instrumento da possibilidade de suspensão do ato guerreado, nos
termos do art. 558, caput, do CPC, na redação dada pela Lei 9.139/95.
Uma outra alternativa foi encontrada pelo processualista Sidnei Amendoeira Jr., seguindose essa mesma corrente doutrinária: “claro está que, interposta a apelação deve o apelante
requerer a cassação da medida antecipatória da tutela, mas nesse meio tempo (enquanto o
recurso ainda estiver sendo processado e distribuído) pode o apelante, tal qual na ação
cautelar e também a teor do art. 800, parágrafo único, requerer diretamente ao Tribunal a
cassação dos efeitos da antecipação da tutela, desde que a mesma possa causar-lhe prejuízo
tese, o principal é o de que a finalidade da antecipação não é resguardar a eficácia de outro provimento, nem
assegurar a exeqüibilidade da sentença a ser proferida ao final ou a preservação da utilidade prática de outro
processo. Nesse estudo comparativo das espécies de tutelas provisórias, as de caráter meramente
conservativo e as que possuem conteúdo antecipatório, filiamo-nos à idéia do tratamento conjunto e
submissão ao mesmo regime jurídico, uma vez que ambas existem com a mesma finalidade e a própria
doutrina reconhece características praticamente iguais, ou seja, cognição sumária, precariedade e referência à
outra tutela. A discussão acaba sendo meramente terminológica. A propósito, recentemente, a Lei
10.444/2002 inclui o § 7.º ao art. 273 do CPC, consagrando expressamente a fungibilidade das tutelas
provisórias e reforçando a tese do tratamento conjunto. Esse dispositivo permite agora, a concessão de
providência cautelar em caráter incidental ao processo ajuizado, quando requerida pelo autor a título de
antecipação de tutela.
15
Neste sentido: Berenice S. N. Magri e Cássio Scarpinella Bueno. Tutela Cautelar no Sistema Recursal do
Código de Processo Civil Modificado. Revista de Processo, v. 83, pp. 27-43.
irreparável ou de difícil reparação. (...) A petição em questão deverá ser encaminhada ao
Presidente ou vice-Presidente do Tribunal ad quem (de acordo com o regimento interno)
tal qual se daria em caso de ajuizamento de ação cautelar.”16
Ressalta o autor, com base no princípio da unirrecorribilidade, que: “Em casos como o
presente (uma decisão com inúmeros pronunciamentos) a saída é a de fazer prevalecer o
pronunciamento de conteúdo mais abrangente, no caso a sentença, interpondo-se apenas o
recurso adequado, ou seja, apelação.”17 Inobstante, propõe o autor como forma de atacar os
efeitos da decisão proferida pelo Juízo a quo, simples petição junto ao Tribunal ad quem, o
que, segundo nos parece, infirma o argumento da unirrecorribilidade, pois referido
expediente tem nitidamente aspectos recursais.
De se observar que, obviamente, essa petição teria de ser instruída com vários documentos
para conhecimento da matéria pelo Tribunal, a exemplo do agravo de instrumento. Caso
fosse acolhido o requerimento da parte prejudicada, concedendo-se efeito suspensivo à
apelação, já estaria o Tribunal reformando a sentença (pelo menos em um dos seus
capítulos) e, posteriormente, com a subida dos autos seriam enfrentados os demais
capítulos da sentença. Neste caso, teríamos uma sentença atacada por dois instrumentos,
muito embora um deles, aparentemente com características recursais, não leva o nome de
recurso.
Concluindo, se o caráter cautelar da tutela antecipada é utilizado como argumento para o
requerimento junto ao Tribunal e se a tutela cautelar e a tutela antecipada serão sempre
marcadas pela característica da provisoriedade, o melhor que temos a fazer é distingui-las
do provimento definitivo obtido com a sentença, quando concedidas juntamente com esta
última.
16
Sidnei Amendoeira Jr. Abuso do Direito de Defesa, Tutela Antecipada e o Sistema Recursal. In: Nelson
Nery Junior e Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.). Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis e de
Outras Formas de Impugnação às Decisões Judiciais. Série Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos, v. 4.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 1035.
17
Cfr. Amendoeira Jr. Abuso... cit., p. 1033.
4.3 A antecipação da tutela como decisão interlocutória no momento da sentença
Ao lado da corrente que defende a tutela antecipada como capítulo da própria sentença, há
uma outra, da qual nos filiamos, que sustenta o seu caráter interlocutório, ainda que
proferida juntamente com a sentença. Assim, uma vez deferida a antecipação de tutela no
bojo da própria sentença, caberia à parte interessada, uma vez que existem duas ordens de
decisão no mesmo ato, apelar da sentença e agravar da decisão interlocutória que concede
a antecipação da tutela.18
Entendemos ser plenamente possível o deferimento da tutela antecipada no momento da
sentença, pois se num juízo de probabilidade pode o juiz antecipar a tutela, com muito
mais razão poderá fazê-lo quando da prolação da sentença, depois de toda a fase instrutória
exaurida, ocasião em que contará com elementos necessários para seu convencimento.
Entretanto, a conclusão que chegamos é que, o fato dessa decisão antecipatória constar da
sentença, não retira e nem poderia retirar da parte prejudicada, o direito de se insurgir
contra essa decisão, situação aparentemente esquecida pelo E. STJ no julgamento do REsp
524.017 (ementa acima transcrita). Como bem sabemos a realidade da vida é bem mais rica
do que a nossa imaginação. Em sendo assim, é perfeitamente possível, por exemplo, que os
18
Confira-se:
“Antecipação de tutela. Concessão no bojo da sentença. Possibilidade. Efeitos. Recursos. Execução. Artigo
273, §§ 3.º e 5.º, do CPC. Nenhum óbice há a que, em uma mesma peça, profira o juiz a sentença e defira a
tutela antecipada, que poderia ter concedido antes, mas que não o fizera por qualquer razão, inclusive
eventual produção de provas apenas em audiência, ou melhor e mais acurada análise da prova somente
quando da oportunidade do julgamento antecipado. Não seria evidentemente jurídico e justo negar-se a tutela
antecipada, quando presentes seus pressupostos.
Em uma mesma peça, proferida a sentença e deferida a tutela antecipada, há independência entre as duas
ordens de decisão: a interlocutória, de antecipação da tutela, e a sentença, resolvendo o mérito. O fato de os
provimentos constarem de uma mesma peça não iguala suas respectivas naturezas nem os sujeita aos mesmos
efeitos. Cada qual desafia instrumento específico de impugnação, com efeitos próprios. Assim, da
interlocutória de antecipação de tutela, cabe agravo de instrumento, sem efeito suspensivo, que, se o caso,
pode ser concedido pelo relator; da sentença cabe apelação, com duplo efeito, se o caso.
Interposto recurso de apelação, corretamente recebido nos efeitos devolutivo e suspensivo, mas não
interposto recurso de agravo da decisão interlocutória, o efeito suspensivo daquela não empolga esta. A
decisão de antecipação de tutela, como lhe é inerente, reclama imediata execução, nos termos do art. 273, §§
3.º e 5.º do art. 273, CPC.” (TJDF, Ac. unân. da 3.ª T. Cível, rel. Des. Mário Machado, RJ 246/74) (RT
774/98-99).
efeitos antecipados possam conduzir a uma situação de irreversibilidade, não vislumbrada
pelo magistrado quando da decisão, porém demonstrada pela parte prejudicada.
Dentro deste contexto, deve ser destacado que a antecipação da tutela, tal como instituída,
não pode de modo algum ferir o contraditório ou cercear o direito de defesa da parte, no
caso, suprimindo-se o recurso pela parte prejudicada. Ao que nos parece, a primeira
corrente, retira da parte sucumbente a possibilidade de recorrer daquele ato contra ela
dirigido, fato que até levou alguns a encontrar na ação cautelar perante o Tribunal, o meio
de impugnação da referida decisão.
A interposição de agravo de instrumento contra a decisão interlocutória que concede a
antecipação da tutela e, simultaneamente, a apelação da sentença de mérito, de maneira
alguma, fere o princípio da unicidade recursal, uma vez que o recurso é dirigido a ordens
de decisão distintas, embora proferidas no mesmo ato. Some-se a isso que esse princípio
deve harmonizar-se com outros dois princípios – o do contraditório e da ampla defesa – e
não fazer com que um, de ordem infraconstitucional simplesmente anule os outros dois de
ordem constitucional.19
Neste sentido, anota Marcelo M. Bertoldi, para quem “é possível o deferimento ou a
revogação da tutela no bojo da sentença, já que a sentença e decisão interlocutória se
distinguem por seu conteúdo e não pelo espaço físico em que se encontram. Se numa
mesma folha de papel o juiz decide a respeito do pedido de antecipação e ainda extingue o
processo com ou sem julgamento de mérito (arts. 267 e 269 do CPC), parece
absolutamente possível distinguir a natureza de cada uma das decisões e contra cada uma
delas interpor o recurso apropriado. Nestes casos o que se vislumbra é a existência de
19
Confira-se: “É claro que o princípio do contraditório não existe sozinho, mas em função da garantia básica
da tutela jurisdicional. Logo, se dentro do padrão normal o contraditório irá anular a efetividade da
jurisdição, impõe-se alguma medida de ordem prática para que a tutela jurisdicional atinja, com prioridade,
sua tarefa de fazer justiça a quem a merece. Depois de assegurado o resultado útil e efetivo do processo, vaise em seguida, observar também o contraditório, mas já em segundo plano.” (Humberto Theodoro Junior.
Tutela Antecipada. In: Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.). Aspectos Polêmicos da Antecipação de
Tutela, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 191).
apenas uma decisão somente pelo prisma formal, pois, materialmente, são duas, cada qual
com seu próprio conteúdo a denunciar sua natureza jurídica específica.”20
O simples fato da sentença comportar recurso com efeito suspensivo ou reexame
necessário, já a torna ineficaz. Se o juiz pretende atribuir certa dose de eficácia à sentença
por ele a ser proferida, como é o caso da tutela antecipada, tal se faz mediante decisão
interlocutória a teor da autorização prevista no art. 273 do CPC, e não por meio da própria
sentença. O juiz, por si só, ao proferir a sentença, não pode simplesmente atribuir à mesma
a eficácia imediata, quando pela lei o fenômeno coincidirá com o seu trânsito em julgado.
Não há previsão legal para tanto, se o fizer, sua decisão terá nítido caráter interlocutório, de
modo que estará resolvendo uma questão incidente, caso contrário, estará o magistrado
legislando sobre a matéria.
Ensina Carlos Alberto Álvaro de Oliveira: “não se há de emprestar ao provimento
concessivo da antecipação do efeito executivo ou mandamental (com cognição incompleta)
a qualidade de verdadeira sentença, porque se assim fosse o direito do demandado sofreria
um brutal atropelo. Mostra-se necessário preservar o fruto de séculos de evolução, para
garantia do cidadão contra o arbítrio estatal.”21
Nosso sistema recursal define o recurso cabível pela natureza da decisão impugnada.
Sendo assim, é forçoso reconhecer que o ato que antecipa a tutela, resolvendo, portanto,
essa questão incidente, jamais poderá ser confundida ou incorporada ao ato pelo qual o juiz
põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa.
A bem da verdade, a finalidade buscada na ação cautelar ou na simples petição protocolada
junto ao Tribunal (solução encontrada pela primeira corrente) e no recurso de agravo de
instrumento contra a decisão que antecipou a tutela no bojo da sentença, é uma só, ou seja,
20
Marcelo M. Bertoldi. Tutela antecipada, abuso do direito e propósito protelatório do réu. In: Teresa Arruda
Alvim Wambier (coord.). Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1997. p. 330. Ressalte-se que a Lei nº 11.232/05, atualmente em vacatio legis, alterou a redação dos art. 267
e 269 do CPC para extinção do processo sem e com resolução de mérito, respectivamente.
21
Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Alcance e Natureza da Tutela Antecipatória. Revista de Processo. v. 84,
pp.11-17.
a cassação da própria tutela antecipada, desde que a mesma possa causar prejuízo
irreparável ou de difícil reparação à parte sucumbente.
Seja qual for o posicionamento adotado, o que se deve ter em mente é que o instituto da
antecipação da tutela não pode cercear o direito de defesa da parte contra quem a ordem é
dirigida, ficando assegurada à mesma o contraditório e a ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes.
De outro lado, o raciocínio acima desenvolvido é perfeitamente aplicável também à
hipótese de revogação da antecipação da tutela no bojo da sentença. Obviamente que esta
deva ser de procedência, pois não há que se falar em decisão antecipatória se a própria
sentença de mérito reconheceu inexistente o direito pleiteado.
5. Considerações finais
Como dissemos no início, a generalização do instituto da antecipação de tutela a partir de
1994, provocou uma notável mudança de concepção do próprio sistema processual. As
medidas antecipatórias, até então previstas apenas para determinados procedimentos
especiais, passaram a constituir providência alcançável em qualquer processo.
Sem sobra de dúvidas, essa inovação no sistema valorizou o princípio da efetividade da
função jurisdicional, atribuindo ao juiz o poder de deferir medidas típicas de execução, já
no curso do processo de conhecimento, determinando-se o seu cumprimento
independentemente da propositura de nova ação, avançando assim para reconhecer o
inarredável sincretismo entre cognição e execução, como fórmula de minimização da
incidência do fator tempo no processo que se contrapõe ao fator segurança jurídica.
Alguns desdobramentos polêmicos, porém, surgiram após a reforma de 1994, como por
exemplo, a discussão em torno do efeito suspensivo da apelação contra as sentenças que
confirmassem a antecipação da tutela ou que continham em seu bojo a medida
antecipatória. O legislador pôs fim à questão sete anos mais tarde, com a edição da Lei
10.352/2001, que incluiu o inciso VII ao art. 520 do CPC, atribuindo apenas o efeito
devolutivo quanto à parte que foi concedida a tutela.
Contudo, a questão relativa ao instrumento processual adequado de impugnação à decisão
antecipatória concedida com a sentença, continua desafiando os operadores do direito.
Conforme tentamos demonstrar, o tratamento conferido a essa decisão implica em meios
de impugnação totalmente diversos. Para aqueles que defendem a tutela antecipada
incluída como um capítulo na própria sentença, não se configurando, evidentemente,
decisão interlocutória, o único recurso cabível para a parte prejudicada seria o de apelação,
não dotado de efeito suspensivo, fato que até levou alguns a encontrar na ação cautelar ou
por simples petição junto ao Tribunal, o meio de impugnação da referida decisão
antecipatória. Ao lado desse posicionamento, há uma outra, que sustenta a existência de
duas ordens de decisão no mesmo ato comportando recursos distintos, sem que tal situação
implique em violação ao princípio da unicidade recursal. Assim, uma vez deferida a
antecipação de tutela no bojo da própria sentença, caberia à parte interessada, apelar da
sentença e agravar de instrumento da decisão interlocutória que concede a antecipação da
tutela.
De tudo o que foi dito, fica a certeza de que a antecipação da tutela pode ser concedida
juntamente com a sentença. Fica ainda a certeza de que, seja qual for o posicionamento
adotado, o sistema ao possibilitar provimentos jurisdicionais que conferem maior
efetividade ao processo, deve proporcionar à parte contra quem a ordem é dirigida uma
outra espécie de efetividade: a de participação em contraditório, ainda que diferido, e
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
*********
6. Bibliografia
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