ALGUMAS BARREIRAS À FUGA DO DIREITO ADMINISTRATIVO

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ALGUMAS BARREIRAS À FUGA DO DIREITO ADMINISTRATIVO
ORBIS: Revista Científica
Volume 3, n. 2
ISSN: 2178-4809 Latindex Folio 19391
ALGUMAS BARREIRAS À FUGA DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Patrick Roberto Gasparetto1.
RESUMO
O presente estudo destina-se, primeiramente, a uma análise da evolução do Estado a partir do
Estado Liberal até os dias atuais. Busca-se demonstrar como mudam as finalidades do Estado,
sobretudo no que se refere ao atendimento das necessidades da população. Após constatar esta
drástica alteração de prioridades, bem como as consequências em relação ao Direito
Administrativo, aponta-se a aproximação entre direito público e o direito privado em alguns
setores, traçando, no entanto, vinculações próprias do regime jurídico-administrativo que são
de observância obrigatória pela Administração Pública.
Palavras-chave: Evolução – Direito Administrativo – limitações.
ALGUNAS BARRERAS A LA HUIDA DEL DERECHO ADMINISTRATIVO
RESUMEN
Este estudio tiene por objeto, en primer lugar, analizar la evolución del estado del Estado
Liberal hasta la actualidad. Buscamos demostrar cómo cambiar los fines del Estado,
especialmente con respecto a las necesidades de la población. Una vez establecido este
drástico cambio de prioridades, así como las consecuencias para el Derecho Administrativo,
señaló la cercanía entre derecho público y derecho privado en algunos sectores, la cartografía,
sin embargo, los enlaces propios de la conformidad legal-administrativo son obligatorios para
la Administración Pública.
Palabras clave: Evolución - Derecho Administrativo - limitaciones.
Especialista em Direito Administrativo – Instituto Romeu Felipe Bacellar. Especialista em
Direito Penal e Processo Penal – Academia Brasileira de Direito Constitucional. Mestre em
Direito Administrativo – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Doutorando em
Direito Administrativo – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogado. E-mail:
[email protected]
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1.
INTRODUÇÃO
Muito tem se escrito acerca da evolução do Direito Administrativo e seus institutos.
O assunto não é novo. Há obras de longa data, v.g., em 1913 DUGUIT publicou Les
transformations
du
droit
public,
em
1962
GARRIDO
FALLA
publicava
Las
transformaciones del regimen administrativo. Mesmo no Brasil podemos nos reportar a
Direito administrativo em evolução, publicado há mais de 20 anos por Odete MEDAUAR,
ou, mais recente, Mutações do Direito Administrativo, de Diogo Figueiredo MOREIRA
NETO. Mesmo a respeito da “fuga para o direito privado”, há menção em obra de 1928,
Institutionen des Deutschen Verwaltungsrechts, de Fritz FLEINER.
Todo o Direito está em constante evolução. Isso não é exclusividade do Direito
Administrativo. Deveras, há momentos históricos em que princípios do Direito Privado se
irradiam sobre o Direito Público, sob pretexto de maior eficiência. No entanto, o caminho
inverso também é realidade, bastando citar a atual função social da propriedade.
No que se refere ao Direito Administrativo há que se ter cautela quando se fala em
evolução ou quando se buscam na doutrina alienígena institutos que seriam mais eficazes. Tal
ramo do Direito é de índole eminentemente constitucional. Neste contexto, vale ressaltar que
a Constituição Brasileira, além de ser amplamente elogiada pela consagração de valores
essenciais, é relativamente jovem.
Não é a Constituição que deve se adaptar à evolução do Estado, mas sim o contrário.
Ou, pelo menos, haver um diálogo entre ambos, de modo que o penhor de garantia do
cidadão, conquistado após período ditatorial severo, não sucumba diante de discursos
retóricos e efêmeros.
Aqui pretendemos, como já se percebe, seguir o caminho inverso: não vamos,
obviamente, negar tal evolução, mas sim apontar a origem democrática do Direito
Administrativo e a impossibilidade do ignorância de alguns de seus dogmas.
2.
DO ESTADO DE POLÍCIA AO ESTADO PÓS-SOCIAL: BREVES
CONSIDERAÇÕES
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Inicialmente, o Estado Moderno caracteriza-se por ser um Estado de Polícia, cuja
forma de governo era caracterizada pela concentração de poder e o seu exercício se dava
mediante arbítrio, sem subordinação nem passível de controle.
Quando a classe burguesa passa a deter o poderio econômico este surgem
insatisfações com tais arbitrariedades, culminando com a Revolução Francesa que dá origem
ao Estado Liberal. Desta feita permite-se seja limitada a atuação do Estado, concedendo
direitos ao homem e correlatos deveres ao Estado. Eventual atuação deste se submete à lei,
com o fito de evitar que se atinjam direitos dos cidadãos.
Estrutura-se o Estado de Direito sobre os prismas da separação de poderes e da
sobreposição da lei, com o intuito de proteção dos direitos individuais de liberdade. Para
tanto, necessário que os responsáveis por conduzir os interesses do Estado se submetam à
vontade geral, representada pelo Parlamento.
Frisamos, novamente, que estamos aqui diante do dever de preservação da liberdade
do cidadão como limite da atuação da Administração. Há dever de abstenção do Estado, que
não deve interferir na esfera individual do cidadão, caracterizando o Estado mínimo, mero
vigilante da ordem social.
Nota-se que a submissão absoluta à lei – numa atividade mecânica de subsunção –, a
fim de se tutelar a liberdade e autonomia do cidadão, não teve o êxito necessário para suprir
os antagonismos sociais que a ambição individual gerava, a qual se sobrepunha aos interesses
de uma coletividade. Demais disso, constituía-se numa concepção deveras formalista e
reducionista, insuficiente à preservação de valores construídos pela comunidade.
Defronte à marginalização de parte da sociedade, o Estado é chamado a disciplinar as
atividades individuais, sujeitando-as aos princípios do bem comum e da justiça social.
Incluem-se direitos sociais fundamentais do cidadão, exigindo prestação positiva do Estado,
voltada a lhe propiciar condições dignas mínimas.
A intervenção do Estado na economia passa a ser decorrente das necessidades da
sociedade: presume-se que a busca pela satisfação pessoal ignorava as necessidades sociais.
Logo, atribui-se ao Estado o dever promover o “bem-estar social”.
O Estado que até então se ocupava em não interferir nas liberdades individuais, agora
passa a agir no sentido de garantir direitos sociais fundamentais dos cidadãos. Há nítido
aumento das atribuições do Estado, que se volta à diminuição das desigualdades sociais e à
busca do bem-estar social.
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As Constituições2 passaram a consagrar a prioridade pela efetivação de direitos
sociais fundamentais. Não basta mais um Estado formalmente submisso ao Direito enquanto
há necessidade de redução de desigualdades sociais. Reconhece-se um conteúdo material ao
princípio da igualdade.
Além de haver um incremento nas atividades garantidoras da liberdade até então já
desempenhadas pelo Estado, este passa a assumir uma série de novas tarefas, como a
prestação de serviços públicos em grande amplitude, a edição de normas disciplinadoras dos
espaços urbanos, proteção ao meio ambiente, dentre outras. Isso sem se falar no próprio
exercício de atividade econômica de forma desmesurada, objetivando dar impulso a
determinados setores da economia.
Ao cidadão são garantidos direitos subjetivos que vão além da não-intervenção do
Estado em sua liberdade. Logo, fica evidente a insuficiência da atividade meramente
subsuntiva – lei/ato administrativo – da Administração Pública, como aponta Rogério
SOARES:
[...] a Administração deve ser considerada hoje como um verdadeiro poder, como
um poder autônomo com a mesma dignidade institucional dos outros dois poderes.
O que significa afinal uma nova concepção do Estado de Direito, para além da sua
atividade puramente formal, e a atribuição de responsabilidade a todos os poderes,
para que eles possam realizar um ideal de justiça. Sendo assim, a Administração
assume uma feição criadora, ou feição conformadora ou constitutiva, ao contrário
daquilo que era a satisfação dum pensamento meramente executivo, expresso na
ideia de um Estado de direito formal. 3
Deveras, “a assunção pelo Estado de ingentes prestações inerentes à satisfação de
umas condições vitais de existência incidiu especialmente na administração pública,
fortemente lastrada pelo arrasto histórico de categorias e ideias formuladas e cristalizadas
sobre o modelo de Estado de direito liberal.”4
O Estado interventor teve êxito relativo. A prestação dos serviços públicos chegou a
um grande número de pessoas até então excluídas, tornando-as, de certa forma, dependentes.
E isso faz com que sistema cause sua própria ruína, ao passo que, principalmente, a ampliação
2
Cite-se as constituições do México de 1917 e de Weimar de 1919. Em substituição às constituições liberais,
este novo “modelo” passa a trazer rol de serviços públicos que garantiriam os direitos fundamentais sociais.
3
SOARES, Rogério. Codificação do procedimento administrativo hoje. In: Direito e Justiça. v. VI, 1992, p. 20.
4
GONZÁLEZ PÉREZ, Jesus. El Derecho Administrativo. In: La ciencia del Derecho durante el siglo XX.
Universidad Nacional Autónoma de México, 1998, p. 289-352, p. 292.
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da prestação de serviços públicos não foi acompanhada pelos meios de seu financiamento.
Como consequência,
[...] um sentimento de insatisfação, desassossego e insegurança, decorrente do
paulatino esgotamento do modelo de desenvolvimento e progresso, especialmente
visível no afloramento dos seus limites e na dificuldade de que padece para resolver
de forma satisfatória os problemas de integração social que ele próprio suscita. É
também patente a incapacidade do sistema para encarar com êxito complexas e
novas questões (basicamente a ameaça do equilíbrio do meio-ambiente e o domínio
das interrogações fundamentais colocadas pelo progresso científico e tecnológico), e
é um fato a crise de confiança no Estado, quanto à sua capacidade de direção e
controle dos problemas sociais, bem como de resolução satisfatória dos problemas
de convivência política.5
Até então intervencionista, o Estado passa a considerar-se incapaz6 de atender as
demandas sociais, razão que o levou a repassar diversas atividades, que até então estavam sob
seu amparo, à iniciativa privada.
O discurso da necessidade de eficiência, acompanhado das críticas à Administração
burocrática, trouxe consigo a redução das dimensões do Estado mediante abertura ao capital
estrangeiro e privatizações. Permitiu-se que vários setores da economia que estavam
estagnados fossem revitalizados pelo capital privado e, principalmente, pela dinâmica não
burocrática dos particulares.
As funções prioritárias do Estado passam a ser planejar, regulamentar e fiscalizar as
atividades prestadas pelos particulares, especialmente através das Agências Reguladoras.
Busca-se garantir que a iniciativa privada atenda com a devida atenção as necessidades
sociais, bem como evitar que a busca pelo lucro relegue a um segundo plano tal prioridade.
Vê-se atualmente uma tendência de o Estado manter sob sua égide apenas aquelas
atividades que somente ele, exclusivamente, pode realizar. O que não é atividade exclusiva do
Estado passa-se à iniciativa privada das mais diversas formas.
Essa mudança decorre de preocupações distintas, especialmente no que se refere ao
crescimento desmesurado do Estado e a necessidade de readequação do seu papel na
sociedade. Vê-se uma tendência de menor interferência do Estado na iniciativa privada – tal
qual concebido no esquema clássico do Estado Liberal – e, mais que isso, a sobreposição de
5
PAREJO ALFONSO, Luciano. Introducción: El surgimiento, desarrollo y consolidación del Derecho
Administrativo. In: PAREJO ALFONSO, Luciano; JIMÉNEZ-BLANCO, Antonio; ORTEGA ÁLVAREZ, Luis.
Manual de Derecho Administrativo. Ariel: Barcelona, 1990, p. 18.
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Cabem sérios questionamentos acerca da suposta ineficiência da Administração, porém não nos limites deste
estudo.
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valores fundamentais dos cidadãos como guia das escolhas da Administração, valorizando-se
a participação dos indivíduos na tomada das decisões.
Isso implica, necessariamente, releitura das atividades do Estado. São novos os
desafios e, por consequência, novos os instrumentos de satisfazê-lo. Mas não reflete simples
rompimento com a realidade anterior, cujos contributos arduamente conquistados
permanecem e devem permanecer.
3.
CONSEQUÊNCIAS DESTAS TRANSFORMAÇÕES
3.1. O ESTADO, A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E SUAS FUNÇÕES
O Direito Administrativo, historicamente, surge como forma de manutenção da
ordem, sem se preocupar, pelo menos num primeiro momento, com a efetivação dos direitos
individuais além da liberdade e da igualdade formal. Já no Estado Social o foco passa a ser o
desenvolvimento digno do cidadão.
Há tempos já não nos conformamos com a tutela das liberdades, mas sim buscamos
garantir a eficácia de prestações estatais que assegurem a plenitude das condições de vida
digna. Como o cidadão, individualmente, não tem condições de fazê-lo, a tarefa fica sob
encargo do Estado. Quem coloca em prática tais ações é, principalmente, a Administração
Pública.
Ao longo do século XX houve sensíveis modificações na estrutura organizacional do
Estado, decorrente, sobretudo, da necessidade cada vez maior que o cidadão tinha destas
prestações da Administração. A ampliação dos fins da Administração implicou também
aumento de suas atividades, através da utilização de técnicas até então não reconhecidas pelo
Direito Administrativo. Assim, além dos já existentes órgãos administrativos, diversas outras
entidades – com distintos regimes jurídicos – foram criadas a fim de viabilizar as atividades
assumidas pelo Estado:
A complexidade dos fins assumidos pelas administrações públicas e as demandas de
eficácia na sua realização foi sem dúvida a razão fundamental da aparição de umas
organizações dotadas de personalidade jurídica cuja característica essencial é a
especialidade de seus fins e a dependência de uma administração pública territorial.7
7
GONZÁLEZ PÉREZ, Jesus. El Derecho Administrativo, p. 294.
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Se o Estado Liberal limita-se a manter a ordem pública através do poder de polícia,
no Estado Social a função primordial é outra: a prestação de utilidades públicas. Não bastasse,
atua como agente de atividade econômica nos casos em que é autorizado. Aqui se submete às
regras de mercado, essencialmente regidas pelo direito privado. Impreterivelmente, isso tende
a gerar a malfada fuga do regime jurídico-administrativo em alguns setores estatais.
Pois sim, este agigantamento do Estado faz com que ele abandone – ou tente – as
técnicas do Direito Administrativo para buscar no Direito Privado os instrumentos que lhe
seriam mais eficazes. Isso porque o regime jurídico de Direito Público impõe uma série de
limitações que não são hábeis a viabilizar a agilidade almejada em tais setores.
Acentua-se o movimento de privatização da Administração Pública, implicando
imediata diminuição da sua estrutura. A crise decorrente do aumento do aparelho estatal –
característica do Estado Social – trouxe consigo a ideia de ser necessário o recurso a formas
privadas de organização e atuação administrativa.
É sabido que “a organização administrativa do Estado liberal pode ser caracterizada
pela concentração e centralização”8, herdada do Antigo Regime. No Estado Social, este
modelo vai dando espaço para uma organização administrativa repleta de entes diferenciados.
Isso tudo decorre não só da divisão de competências internas da Administração, mas,
principalmente, das novas atividades que o Estado Social avocou para si nas mais diversas
áreas.
Nesta realidade administrativa são postas, além da estrutura organizacional interna,
pessoas jurídicas auxiliares, como autarquias, fundações públicas, sociedades de economia
mista e empresas públicas. Isso sem mencionar os particulares em colaboração com a
Administração, tanto do terceiro setor (associações, organizações sociais, organização da
sociedade civil de interesse público), quanto concessionárias, permissionárias e demais
contratados sob o regime da Lei 8.666/93.
Ou seja, um Direito Administrativo que tem origem num Estado centralizador não
pode ter as mesmas características diante desta estrutura de ampla divisão e delegação de
competências. No entanto, estas mudanças interpretativas não são exclusivas deste ramo do
Direito, sendo absolutamente despropositada uma teoria que pregue sua falência.
8
PEREIRA DA SILVA, Vasco Manuel Pascoal Dias. Em busca do acto administrativo perdido. Coimbra:
Almedina, 2003 p. 40.
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3.2. O DIREITO ADMINISTRATIVO
3.2.1. OS PARADIGMAS CLÁSSICOS E AS CRÍTICAS DOUTRINÁRIAS
A função administrativa constrói-se sob o prisma da legalidade, da sua integral
submissão à lei. É caracterizada por um sistema de prerrogativas e sujeições, consubstanciada
no que a doutrina designa “supremacia do interesse público sobre o privado” e
“indisponibilidade do interesse público”.
Fato é que os dogmas têm sido duramente criticados. Tanto pela insuficiência,
quanto pela necessidade de superação de alguns resíduos de autoritarismo incompatíveis com
o Estado Democrático de Direito. A Administração Pública – e isso é fato constatado até aqui
sem maiores dificuldades –, já não se resume àquele modelo centralizado e nem aos
referenciais teóricos dos quais foi construída, provenientes das teorias de HAURIOU e
DUGUIT.
Nesta senda, parte da doutrina tem questionado o que identifica como os
“paradigmas clássicos” do Direito Administrativo brasileiro, valendo tecer considerações,
ainda que an passant.
O primeiro questionamento é acerca do princípio da supremacia do interesse público
sobre o privado. É tradicionalmente concebido, nas palavras de Celso Antônio BANDEIRA
DE MELLO, como “o interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos
pessoalmente tem quando considerados em sua qualidade de membros da sociedade pelo
simples fato de o serem”.9
As críticas são decorrentes de um suposto caráter autoritário do princípio, que
derrogaria – ou, ao menos, colocaria em dúvida –, os valores constitucionais voltados à
priorização da dignidade da pessoa humana. Assim, surgem as disputas teóricas,
consubstanciadas das seguintes formas: a) inexistência de tal dogma10; b) existência da
9
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. A noção jurídica de interesse público. In: Grandes temas de Direito
Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 183.
10
SCHIER, Paulo Ricardo. Ensaio sobre a supremacia do interesse público sobre o privado e o regime jurídico
dos direitos fundamentais. Revista dos Tribunais, v. 845, 2006, p. 22-36 e ÁVILA, Humberto Bergmann.
Repensando o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. In: SARLET, Ingo Wolfgang
(org.). O Direito Público em tempos de crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 99-127. Tratam-no
como uma regra de preferência, em casos excepcionalmente previstos pela Constituição.
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supremacia do interesse público, mas meramente como parâmetro e não princípio11; c) há
necessidade de vinculação (ponderação) do interesse público aos direitos fundamentais12; d) a
existência do princípio.13
A nosso ver, as ressalvas doutrinárias devem ser vistas com cautela. É
completamente despropositado dizer que doutrina que prega a existência da supremacia do
interesse público legitima arbitrariedades. Pelo contrário, tem-se em tais autores – a exemplo
de Celso Antonio BANDEIRA DE MELLO – marcos da defesa da redemocratização do País.
Ora, em momento algum se fala da supremacia do interesse público como opressão a
direitos individuais. Há sempre uma vinculação à satisfação das necessidades coletivas, sem o
que careceria de legitimidade a interpretação do princípio. Mais que isso, dada a vinculação à
legalidade, não se concebe uma restrição a direito por parte do Poder Público sem prévia
previsão legislativa. Logo, percebe-se que a supremacia do interesse público não é cláusula
geral de exceção a direito individual, sendo limitada e policiada pelos demais princípios
norteadores da função administrativa.
Aliás, a própria noção de interesse público evolui e permite sua compatibilidade com
a proteção dos direitos fundamentais. Deveras, tal noção no surgimento do direito
administrativo – caracterizado pela perspectiva individualista – não é a mesma que hoje se
tem decorrente da robustez constitucional na imposição de direitos e deveres coletivos. O
interesse público corresponde à tutela dos direitos dos indivíduos enquanto membros de uma
coletividade, de tal forma que sua supremacia não implica cerceio a direito individual, senão
sua própria efetivação.
O segundo questionamento diz respeito ao princípio da legalidade. Estruturante da
função administrativa, pode ser sintetizado na expressão de SEABRA FAGUNDES, para
quem “administrar é aplicar a lei de ofício”14. Desta forma, consagrou-se que enquanto ao
particular é facultado fazer tudo o que a lei não proíbe, à Administração só é lícito fazer o que
a lei expressamente autoriza.
11
BARROSO, Luís Roberto. In: Prefácio ao livro Interesses público versus interesses privados: desconstituindo
o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. SARMENTO, Daniel (Coord). Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2005.
12
BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
13
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.
14
SEABRA FAGUNDES, Miguel. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 7 ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2006 p. 5. Não se desconhece que a afirmação foi contextual, comparando a função
administrativa – de atuação oficiosa – à função jurisdicional, cuja atuação é mediante provocação. Desta forma, a
célebre afirmação não reduz a atividade administrativa a uma atuação tecnocrática.
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As críticas são decorrentes de vários fatores, dentre os quais: a) superação do Estado
Liberal; b) déficit de legitimidade do Poder Legislativo, decorrente da perda de valor da lei; c)
abuso no uso de medidas provisórias; d) a lentidão do processo legislativo; e) grande
influência exercida pelo Poder Executivo sobre o Poder Legislativo. Tais circunstâncias
levam parte da doutrina a defender a flexibilização do princípio da legalidade, o qual passaria
a ser chamado de “princípio da juridicidade”.15
De fato a legalidade em seu sentido estrito é objeto de críticas razoáveis. Não tanto
por sua natureza, mas sim em virtude de o Poder Legislativo não se mostrar suficientemente
eficaz na sua elaboração. Há nítida sobreposição do Poder Executivo sobre o Legislativo,
comprometendo a própria razão de ser do princípio. Demais disso, o procedimento legislativo
é comprometido pela existência de uma série de propostas não condizentes com o interesse
público, além de sua lentidão se mostrar incompatível com as necessidades públicas.
Isso leva, efetivamente, a uma releitura do princípio da legalidade e não ao seu
perecimento. Adiante voltaremos ao tema.
Outro dos paradigmas questionados é a intangibilidade do mérito administrativo, a
qual decorre da discricionariedade de determinados atos administrativos. Segundo Paulo
OTERO, “a Administração Pública tem garantidos pela Constituição espaços de autonomia
decisória que, traduzindo reservas normativas de administração e reservas de caso concreto
[...]”.16 A discricionariedade é concebida como certa margem de liberdade de escolha diante
do caso concreto, deixada pela legislação à Administração.
Evidente que “a discricionariedade não pode ser um pretexto para decisões
ineficientes, assim consideradas as que atendam deficientemente ao interesse público definido
na finalidade da lei”17. E, aventando para a vinculação da Administração à Constituição, tal
margem de atuação resta extremamente limitada. Pois sim, a Constituição disciplina – ainda
15
ANTUNES ROCHA, Carmem Lúcia. Princípios constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte:
Del Rey, 1994, p. 80.
16
OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública – o sentido da vinculação administrativa à juridicidade.
Coimbra: Almedina, 2007, p. 1083. Vale destacar que a doutrina diverge acerca da forma com que a legislação
outorga essa margem de atuação. Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO entende que os “conceitos fluídos”
podem gerar discricionariedade após devidamente interpretados. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2.
ed., São Paulo: Malheiros, 2004. Já em sentido contrário, defende-se que os “conceitos imprecisos” perdem tal
imprecisão diante da interpretação no caso concreto, de forma que não deixam margem de discricionariedade.
GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo y RAMÓN FERNANDEZ. Curso de Derecho Administrativo. 12 ed.
Madrid: Thomsom Civitas, 2004, v. I.
17
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e discricionariedade – Novas reflexões sobre os
limites e controle da discricionariedade. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 15.
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que de modo não específico –, toda a atividade administrativa, instrumento de efetivação de
seus preceitos. Logo, havendo tal regulação, possibilita-se o controle dos atos administrativos.
No entanto, a constitucionalização do Direito Administrativo tem servido como
pretensa legitimação ao cometimento de certos exageros, permitindo que outros órgãos
imiscuam-se na função tipicamente administrativa. Acaba-se, muitas vezes, por engessar a
atividade administrativa, limitando-se o administrador a ser mero executor das determinações
provenientes de outras entidades.18
Ocorre, porém, que a mera transferência do controle de discricionariedade da
Administração Pública para qualquer outro ente não significa que a Constituição será
observada. Não há nada que leve a crer que, abstratamente, qualquer outro órgão ou entidade
seja mais capacitado a definir a execução das prioridades públicas. A mera transferência de
titularidade da discricionariedade só traz uma consequência: déficit de legitimidade
democrática.
3.2.2. OS RELEVANTES CONTORNOS DO SURGIMENTO DO REGIME
JURÍDICO-ADMINISTRATIVO
Inobstante a existência de críticas, não se pode ignorar, porém, que o Direito
Administrativo é fruto de um processo de autolimitação do Estado, eis que o poder então
absoluto passa a se sujeitar ao império da lei, significando direta imposição de limites e
controle dos atos do Estado.
Neste contexto, é equivocado o pensamento que aponta caráter autoritário às bases
do Direito Administrativo. Em que se pese uma análise superficial indicar que o Conselho de
Estado Francês, responsável pelo controle da Administração, ser ente dela componente, o que
comprometeria sua imparcialidade, seus julgados representaram sim limitações. O aparente
autoritarismo da concentração do poder decisório na própria Administração não se consolidou
na realidade.19
O Direito Administrativo apresenta-se como penhor de garantia dos direitos
individuais, salvo períodos de exceção em que a própria índole constitucional é alterada. É
18
Exemplificativamente, podemos citar as “instruções normativas” dos tribunais de contas; as “recomendações”
do Ministério Público; a invasão do mérito, propriamente dito, em decisões do Judiciário.
19
O exemplo do qual não há como se afastar no estudo do Direito Administrativo é o arresto Blanco, no qual
reconheceu-se a responsabilidade civil do Estado.
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deveras irresponsável ignorar que a construção do Direito Administrativo foi – e é –, essencial
arma na luta contra o autoritarismo e na defesa dos direitos dos cidadãos. Não se cogitou
assegurarem-se prerrogativas sem as correlatas sujeições neste procedimento construtivo.
A Administração Pública Constitucional é instrumento de realização de direitos
fundamentais. Cercear a atividade administrativa não garante, por si só, o exercício da
democracia. Pelo contrário, a tolerância à tomada das decisões por parte do Judiciário, do
Ministério Público ou do Tribunal de Contas tolhe a legitimação democrática da qual goza o
administrador.
3.2.3. FUGA PARA O DIREITO PRIVADO?
É perceptível que a Administração tem buscado cada vez mais instrumentos jurídicoprivados para exercer suas funções. Ocorre que “esta nova „Administração Pública sob forma
privada‟ tanto pode ser determinada por objetivos de maior eficácia na realização de certos
fins, como por objetivos „menos nobres‟ de fuga aos controles a que estão submetidas as
entidades administrativas”.20
Não estamos, necessariamente, diante de uma novidade. O direito privado tem sido
utilizado pela Administração Pública em algumas circunstâncias já há tempos, sem que com
isso o direito administrativo tenha perdido seu âmbito de aplicabilidade. Na realidade, a
grande dificuldade é justamente estabelecer até que ponto o direito privado pode ser aplicado
a um direito de sede eminentemente constitucional, sem que com isso se legitime fuga do
regime de prerrogativas e –principalmente – sujeições.
Mas o tema ganha relevância em virtude das tentativas de diminuição da máquina
pública e um discurso de eficiência que seria encontrável tão somente na iniciativa privada.
Isso fez com que a Administração buscasse no direito privado os meios de chegar à almejada
eficiência. E o fez dos mais diversos modos: delegações, privatizações, contratos, criação de
pessoas auxiliares com personalidade de direito privado, dentre outros.
Este processo não é suficiente, entretanto, para dizimar o direito público. A utilização
de regime de direito privado não tem como implicação o afastamento de determinadas
garantias inerentes ao regime público. A vestimenta privada não altera um conteúdo mínimo
público decorrente das imposições constitucionais.
20
PEREIRA DA SILVA, Vasco Manuel Pascoal Dias. Em busca do acto administrativo perdido, p. 104.
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Curioso observar que a própria noção de Estado e sua participação na sociedade vive
em constante conflito, perceptível na clássica afirmação de Paul VALÉRY: “O Estado,
quando é forte, nos esmaga, quando é fraco perecemos”. A busca pelo equilíbrio na
intervenção, a par do respeito aos direitos dos cidadãos é que gera variações de concepções de
sua intervenção social, desde um Estado megalômano a um Estado mínimo21, ambos com
justificativas aceitáveis.
Percebemos que a Administração – na realidade o próprio direito público – convive
com contradições, sobretudo no que se refere ao sistema econômico: ao mesmo tempo em que
deve respeitar a autonomia privada, deve preservar o interesse público que ele envolve.
Esta realidade acaba por facilitar o trabalho de alguns desavisados que caminham em
sentido oposto ao pretendido:
Na verdade, é fácil imaginar que, por detrás deste tipo de fenômenos, existam por
vezes objetivos velados e subreptícios, como sejam os de tentar ultrapassar as
vinculações jurídico-públicas a que a Administração de outro modo estaria sujeita,
em relação às competências, às formas de organização e de atuação, aos controles ou
à responsabilidade.22
A ida ao regime de direito privado é, certamente, meio de flexibilizar imposições à
Administração historicamente conquistadas. Tal regime é guiado por ideia de autonomia de
vontade – diametralmente oposto ao dever de sujeição administrativa – desvinculando-a de
imprescindíveis limitações.
O discurso para dar a pretendida legitimidade à busca por instrumentos de direito
privado é sempre o mesmo: eficiência. Mesmo que fosse verdadeira esta relação inversamente
proporcional entre regime de direito público e eficiência, não se pode olvidar que há uma
consequência drástica decorrente do apego ao regime privado: a diminuição de garantias do
cidadão.
A fuga do regime jurídico-administrativo é, na realidade, fuga da Constituição.
Nossa Carta Magna não comporta a simples sujeição da Administração Pública ao direito
privado, senão mediante condições específicas.
21
Respectivamente: REVEL, Jean Francois. La Grâce de l’Etat, 1984 e SORMAN, Guy. L’Etat minimun. Albin
Michel, 1985.
22
ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o direito privado. Contributo para o estudo da actividade de direito
privado da Administração Pública. Coimbra: Almedina, 2009, p. 56-57.
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Ainda que a Administração Pública exerça determinadas atividades sob o regime de
direito privado ou através de parceiros privados, há princípios do direito administrativo que
são intransponíveis.
4.
POR UMA “FUGA VIGIADA”: LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS
Em caminhos de publicização do direito privado e privatização do direito público
estreitam-se as relações entre ambos, outrora dicotômica. No aspecto que aqui interessa, vale
esclarecer que por mais que haja esta tentativa de desvencilhar-se do regime jurídicoadministrativo – por vezes explícita, por vezes velada – há um espaço de inabalável reserva de
direito público.
Costumou-se apontar como traços elementares da distinção entre direito público e
direito privado:
O Estado exerce função vinculada à satisfação do interesse público, enquanto no
direito privado o particular é guiado autonomia de vontade;
Enquanto a relação entre cidadãos é no plano da igualdade, há relação vertical entre
Estado e cidadão, caracterizada pela força impositiva daquele;
O Estado exerce suas atividades nos limites impostos pela lei, enquanto ao cidadão
faculta-se a prática de qualquer ato não vedado pela lei;
Os atos de direito público são procedimentalizados na forma prevista em lei,
enquanto no direito privado vigora, em regra, a liberdade das formas;
A responsabilidade do Estado é objetiva, enquanto no âmbito do direito privado é,
em regra, subjetiva.23
Vejamos, portanto, alguns aspectos desta aproximação, e – seguindo o intuito deste
trabalho – delimitando situações nas quais o regime de direito público não pode ser relegado.
4.1. A INAFASTABILIDADE DA VINCULAÇÃO AO INTERESSE PÚBLICO
23
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
43
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Não se pretende, aqui, entrar na discussão acerca do conceito de interesse público, o
que demandaria esforço hercúleo e desviaria o foco do ponto a que se quer chegar. Assaz
invocar a noção dada por BANDEIRA DE MELLO, outrora mencionada, a qual remetemos o
leitor. É o que nos basta, por ora.
Nestes contornos, o que é pacífico é a ideia de que a expressão “interesse público” é
um conceito jurídico indeterminado. Esta característica o torna adaptável às condições que
circundam determinado fato, possibilitando a adequação da medida a ser adotada.
Vislumbramos a vaguidade da noção como um adjetivo, de forma que “não é um defeito que
se deva corrigir, mas é uma nota característica que desempenha funções positivas”.24
A concretização do interesse público está sujeita a limitações tanto fático-sociais
quanto jurídicas, encarregadas de estabelecer na situação específica a melhor forma de atendêlo. Daqui pode resultar alguma faixa de discricionariedade na definição da conduta a ser
adotada, mas o norte estará plenamente fixado.
Permanece, de qualquer forma, o dever constitucional imposto ao Estado de sua
contínua persecução, sendo que “o interesse público vincula todo ato administrativo, devendo
ser esta finalidade do agente ao efetivá-lo”.25 Desta finalidade o Estado não pode se
desvencilhar em qualquer hipótese: sempre o fim último será a realização do interesse
público. Ainda que seja o particular exercendo atividade em parceria com o Estado, ou o
Estado em exercício de atividade privada, impõe-se a observância ao interesse público, sob
pena de desvio de finalidade.
O interesse público é condição de toda e qualquer atividade administrativa. A
utilização de mecanismos próprios do direito privado não tem o condão de relegar sua
observância, já que a proteção à coletividade é o fim da própria existência do Estado. Cabe a
advertência de SÉVULO CORREIA, no sentido de que “quando a Administração Pública
utiliza meios de Direito privado, é ainda o interesse público a guiá-la”.26
A Administração é instrumento que se destina ao atendimento do interesse público
constitucionalmente delineado e legalmente especificado, consubstanciando-se em “um
24
SAIZ MORENO, Fernando. Conceptos jurídicos, interpretación y discrecionalidad administrativa. Madrid:
Civitas, 1976, p. 79.
25
BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios gerais de Direito Administrativo. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1979, v. 1., p. 522.
26
SÉRVULO CORREIA, José Manuel. Os princípios constitucionais da Administração Pública. In: Estudos
sobre a Constituição. Lisboa: Livraria Petrony, v. 3, 1979, p. 661 e ss., p. 662.
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momento teleológico de qualquer atividade administrativa”.27 Se o Poder Público descarrila e
busca a satisfação de interesses particulares que não consentâneos com o interesse público,
inevitavelmente incidirá em desvio de finalidade com necessárias consequências punitivas aos
responsáveis por tanto.
A Administração só age de forma hígida enquanto vinculada ao suprimento dos
imperativos coletivos, que constituem “o seu norte, o seu guia, o seu fim”.28
4.2. A VERTICALIDADE DAS RELAÇÕES ENTRE ESTADO E CIDADÃO
De acordo com Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO, a verticalidade “significa
que o Poder Público se encontra em situação de autoridade, de comanda, relativamente aos
particulares, como indispensável condição para gerir os interesses públicos postos em
confronto”.29 Vale observar que o doutrinador não encara tal posição de supremacia do Poder
Público como ilimitada e inconsequente. Pelo contrário, adverte que somente se justifica
enquanto instrumento de realização do interesse público, sempre exercido de modo sublegal,
caracterizando o aspecto funcional de tal hierarquia.
Constrói-se desta forma o princípio da supremacia do interesse público sobre o
privado, possibilitando à Administração, mediante atos unilaterais, constituir o particular em
obrigação ou modificar as relações já existentes. Há uma lógica posição privilegiada, daquela
que é responsável pela persecução do interesse público, como mecanismo de alcance da
finalidade normativa.
No entanto, a Administração tem invocado o particular a participar da tomada de
decisões que lhe afetem ou, ainda, de interesse. Afirma Dinorá Adelaide Musetti GROTTI:
O momento consenso-negociação entre poder público e particulares, mesmo
informal, ganha relevo no processo de identificação e definição de interesses
públicos e privados, tutelados pela Administração. O estabelecimento dos primeiros
deixa de ser monopólio do Estado, para prolongar-se num espaço do público nãoestatal, acarretando com isso uma proliferação dos chamados entes intermediários.
Há um refluxo da imperatividade e uma ascensão da consensualidade; há uma
redução da imposição unilateral e autoritária de decisões para valorizar a
participação dos administrados quanto à formação da conduta administrativa. A
27
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada. 3.
ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 922.
28
FREITAS DO AMARAL, Diogo. Princípio da legalidade. In: Polis, v. 3, Lisboa/São Paulo: Verbo, 1985, p.
976 e SS., p. 977.
29
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, p. 70.
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Administração passa a assumir o papel de mediação para dirimir e compor conflitos
de interesses entre várias partes ou entre estas e a Administração. Disto decorre uma
nova maneira de agir focada sobre o ato como atividade aberta à colaboração dos
indivíduos.30
A Administração permanece com suas funções constitucionalmente delineadas, tanto
no sentido de omissões garantistas quanto ações positivas. Inobstante isso, o cidadão, tal qual
se espera e se estimula, assume papel ativo na sociedade. A concretização da democracia vai
além da mera escolha de governantes, traduzindo-se também na participação das escolhas da
Administração e na realização de suas finalidades.
O desafio atual é a criação de mecanismos que abarquem esta necessária influência
do particular nas escolhas públicas. A superação deste desafio é necessariamente vinculada
não só à reestruturação do aparato estatal, mas também à mobilização da sociedade no sentido
de criar instrumentos de colaboração com os entes governamentais.
Esta aproximação entre Administração e particular – até outrora com interesses
contrapostos – é, indubitavelmente, uma das principais características do Direito
Administrativo hodierno. Aprimoram-se mecanismos de diálogo com o particular por
entender que desta forma a finalidade pode ser atingida de modo mais eficaz. A
Administração, entretanto, continua em sua posição superior, podendo dela valer-se quando
necessário. Afinal, não é despiciendo lembrar, a indisponibilidade do interesse público
permanece intangível.
4.3. O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
O Direito Administrativo tem sua origem na França, a partir da Revolução Francesa
e da consagração do Estado Liberal, no qual é inerente a legalidade como “limite a
limitações”. Neste clima de mudança revolucionária a legalidade é essencial à manutenção da
nova faceta do Estado: evita a retomada do poder pelo absolutismo e protege a liberdade e o
patrimônio do cidadão.
30
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. As agências reguladoras. Revista eletrônica de Direito Administrativo, n.
6, mai./jul., 2006, p. 2.
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O princípio da legalidade surge, aqui, como forma de proteção do indivíduo frente ao
Estado. A lei seria instrumento de limitação do poder e, diante disso, garantia de liberdade
individual, lembrando que esta era a finalidade precípua do Estado Liberal.
Mas, desde então, já se questionava até que ponto legalidade era efetivamente
limitadora. Isso porque, na realidade, o Executivo sempre teve grande influência na formação
das leis, tanto na participação dos trâmites do projeto de lei, quanto através de uma atividade
eminentemente legislativa. Não haveria, assim, heterovinculação da Administração Pública
com sobreposição do Poder Legislativo, mas sim – pelo menos em muitos casos –
autovinculação do administrador, já que atua de modo ativo na elaboração das normas.31
O cerne do princípio, entretanto, permanece: trata-se da identidade do Estado de
Direito. O ato administrativo deve ter como pressuposto a lei, estando o administrador sujeito
à lei em todas as suas atividades. Em sentido estrito significa que a Administração só pode
agir mediante prévia determinação legal. Não se pode ignorar, evidentemente, a vinculação ao
cumprimento da finalidade da lei, sob pena de permitir sejam mascaradas arbitrariedades.
Mas também a lei carece, muitas vezes, de legitimidade constitucional. A verdade é
que a letra fria da lei não basta para garantir os direitos dos cidadãos. Vê-se uma crise da lei
formal, implicando erosão do princípio da legalidade a partir da segunda metade do século
XX, como consequência da desvalorização da própria lei “pela perda de seu necessário
conteúdo de Justiça, pela sua politização e pela sua proliferação”.32
Dado o notório caráter social da Constituição de 1988, é legítimo – e sobretudo, de
Direito – o exercício do poder enquanto suas ações são dirigidas no sentido de satisfação das
necessidades sociais. A submissão à lei como suficiente à consagração do Estado de Direito,
entretanto, não pode prosperar. Exige-se mais. Exige-se que este Estado volte suas ações no
sentido de efetivação dos direitos fundamentais dos cidadãos, constitucionalmente
assegurados.
Buscam-se, diante disso, formas de garantir a prevalência dos valores sociais
consagrados pela Constituição Federal, evocando uma interpretação que dê legitimidade aos
atos estatais não apenas quando conformes à lei em sentido estrito:
31
OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública: o sentido da vinculação administrativa à juridicidade. O
autor faz um estudo profundo sobre o tema da “relatividade” da separação dos poderes, demonstrando que desde
sempre o Legislativo sofreu intervenções do Executivo. Abordamos a realidade brasileira em GASPARETTO,
Patrick Roberto. A Administração Pública frente à lei inconstitucional. Fórum: Belo Horizonte, 2011.
32
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O princípio da legalidade. Revista de Direito da Procuradoria Geral
do Estado de São Paulo. São Paulo, v. 10, p. 03-27, 1977. p. 14.
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[...] a noção de que a Administração Pública é mera aplicadora das leis é tão
anacrônica e ultrapassada quanto a de que o direito seria apenas um limite para o
administrador. Por certo, não prescinde a Administração Pública de uma autorização
legislativa para agir, mas, no exercício de competência legalmente definida, têm os
agentes públicos, se visualizado o Estado em termos globais, um dilatado campo de
liberdade para desempenhar a função formadora, que é hoje universalmente
reconhecida ao Poder Público.33
Não se trata do fim da legalidade. Num Estado de Direito propagar-se o fim da
legalidade representa o fim de qualquer tipo de controle sobre o exercício dos poderes,
representando um atentando às garantias dos cidadãos. Na realidade o que se propõe é uma
releitura:
Não afastamos, assim, a aplicação dos princípios constitucionais ou dos princípios
gerais do direito na atividade administrativa. Para tanto não é necessário substituir a
concepção de legalidade existente, mas aprimorá-la, explicitá-la, moldá-la à
Constituição não pode, evidentemente, vir associada a uma perda de poder da
cidadania ou dos administrados.34
A divisão das funções representa uma das maiores conquistas dos primórdios da
democracia na luta contra a concentração de poder. Ignorar isso é ignorar a essência do
Estado – de Direito – em que vivemos.
O que defendemos é a vinculação ao ordenamento jurídico como um todo e, com
absoluta ênfase, na Constituição. Esta exegese indica que a ausência de lei não pode servir de
pretexto à omissão da Administração quando a Constituição lhe der base suficiente para
efetivação de direitos fundamentais. A omissão inconstitucional é tão grave quanto à ação.
Não há como se aplicar, à Administração, a função negativa que exerce o princípio
da legalidade perante os particulares, sob pena de ruir o Estado de Direito. O que muda, na
interpretação proposta, é a fonte de legitimação dos atos administrativos, que deixa de ser a lei
em sentido estrito para ser o ordenamento constitucional.
Portanto, seja qual for o instrumento que busque a Administração para cumprir suas
finalidades, está intrinsecamente vinculado a esta legalidade em sentido amplo.
33
COUTO E SILVA, Almiro do. Poder discricionário no Direito Administrativo brasileiro. Revista de direito
administrativo, Rio de Janeiro, v. 179/180, p. 51-67, jan./jun., 1990, p. 53.
34
FIGUEIREDO, Marcelo. A crise no entendimento clássico do princípio da legalidade administrativa. In:
FIGUEIREDO, Marcelo e PONTES FILHO, Valmir (Org.) Estudos de Direito Público em Homenagem a Celso
Antônio Bandeira de Mello, São Paulo: Malheiros, 2006, p. 424-444, p. 440.
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4.4. A VINCULAÇÃO AO PROCESSO35 ADMINISTRATIVO
Já vimos que a Administração Pública tem por fim a satisfação do interesse público.
Igualmente demonstrou-se que tem se valido de instrumentos consensuais em suas relações
com os particulares. Mas e os mecanismos de se buscar tal finalidade e de estabelecer pactos
com os particulares?
Se no contexto narrado a noção de ato administrativo vai cedendo, o protagonismo
passa a ser do processo administrativo, que se caracteriza por ser uma sequência de atos
formalizados e preordenados a um determinado objetivo.
A elevada complexidade organizacional administrativa exige a participação de
diversos sujeitos internos a fim de se chegar ao resultado ideal. De tal forma que “o fim a
atingir pelo ato administrativo só pode descortirnar-se através dos motivos revelados no
processo gracioso ou expressos na fundamentação”.36
De fato, este processo evolutivo do Direito Administrativo tem-se ocupado em dar
ênfase à salutar procedimentalização das decisões até pouco unilaterais e impositivas.
Por um lado acentua-se a tecnicidade das escolhas, dadas as especificidades
orgânico-administrativas e os assuntos envolvidos na situação. Em grande parte das decisões
administrativas estão envolvidos assuntos das mais diversas naturezas – como meio ambiente,
cultura, urbanismo, etc. –, avultando a dificuldade da escolha adequada. Adicione-se a tais
ingredientes a esfera de discricionariedade atribuída ao administrador, o qual se norteia tanto
por argumentos técnicos quanto por conveniência e oportunidade.
Já de outro ângulo, invoca-se a participação do particular a fim de que os resultados
sejam previamente estabelecidos e com isso os riscos restem atenuados. Nada mais adequado
que se enfatizar a participação do particular nos procedimentos administrativos, seja naqueles
que lhe envolve diretamente – como consectário dos constitucionais princípios do
contraditório e da ampla defesa –, ou naqueles em que afigura como interessado unicamente
em razão de sua condição de cidadão. Aqui, aliás, percebe-se que a participação popular como
instrumento democrático tem se acentuado dos mais diversos modos, tais como projetos de
lei; consultas públicas em licitações; plebiscitos; consultas em matéria orçamentária.
35
Optamos por utilizar como sinônimos as expressões processo e procedimento, em que se pese o conhecimento
das divergências doutrinárias acerca do tema.
36
CAETANO, Marcello. Manual de Direito Administrativo. 10. ed. Lisboa: Coimbra, 1973, t. 1., p. 484.
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Mesmo numa tentativa de fuga, a procedimentalização inerente ao regime jurídicoadministrativo mostra-se imprescindível como instrumento de garantir as
[...] melhores condições para a prossecução do interesse público, graças à
necessidade da intervenção de vários órgãos, do confronto de pareceres, da
expressão e publicitação dos motivos, da sujeição a controles. Fica assim melhor
protegido o valor da imparcialidade, do mesmo passo que se tornam mais difíceis os
erros de perspectiva na aplicação das regras da boa administração.37
Os benefícios decorrentes da procedimentalização, no entanto, não podem conduzir
ao engessamento da administração. A par da busca pela otimização das escolhas encontra-se o
dever de eficiência, que tem como faceta o direito fundamental à boa administração.38
O processo administrativo deve ter formas que permitam a colaboração dos
interessados, a apreensão dos domínios fáticos não jurídicos envolvidos, a finalidade da
norma, os princípios constitucionais e, concomitantemente, tenha duração razoável em relação
ao que se objetiva.
4.5. A RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO E DO
PARTICULAR
Apontamos que dentre as distinções dos regimes público e privado está a forma
objetiva pela qual o Estado responde por seus atos, enquanto na relação entre particulares
vigora, em regra, a responsabilidade subjetiva.
Nos atuais contornos evolutivos do direito positivo, permanece o Estado
respondendo por seus atos de forma objetiva, dada a expressa previsão constitucional. Já a
responsabilidade subjetiva dos particulares tem sido profundamente alterada.
Sob o manto da Constituição de 1988, construiu-se a responsabilidade objetiva do
Estado por ação, havendo discussão doutrinária acerca de tal natureza em relação à omissão.
O que mudou – nitidamente na legislação mais atual – é a responsabilidade subjetiva como
regra entre os particulares, que tem sido reservada cada vez a campos mais específicos.
37
SÉRVULO CORREIA, José Manuel. Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos.
Coimbra: Almedina, 1987, p. 579.
38
A respeito do tema FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa
administração. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
50
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O Código Civil de 2002 admitiu expressamente a possibilidade de imputação de
responsabilidade objetiva por meio de lei, bem como “quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”
(art. 927, parágrafo único). O dispositivo abarca de forma ampla – dada a vaguidade da ideia
de “risco” – a responsabilidade objetiva nas relações civis.
Isso inobstante a legislação esparsa – antes mesmo do Código Civil – já a previsse.
Como exemplo, citemos os arts. 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor. Aliás, para
demonstrarmos que não é uma tendência recente, podemos ir mais além, citando o Decreto n.
24.687/1934 (Lei de Acidentes do Trabalho), que fixava responsabilidade objetiva do patrão
pelo dano causado ao trabalhador, de que resultasse morte ou ferimento; o Decreto n.
483/1938, que responsabilizava o proprietário da aeronave pelos danos causados a pessoas em
terra.
Na realidade a ampliação dos casos no direito privado de responsabilidade objetiva
decorre de imposição de direito público. São ideias de função social e de segurança da vida
em sociedade, norteadoras de um dever de cautela dos atos privados, que encontra amparo na
Constituição Federal.
Isso demonstra o que mencionamos: há um entrelaçamento em alguns aspectos entre
o público e o privado, cujos institutos permeiam-se mutuamente de acordo com a necessidade
de determinados setores do direito.
5.
CONCLUSÕES
Não há como se negar a existência de mutações sociais que trazem consigo
alterações nas instituições jurídicas. Logo, a interpretação dá-se em um determinado espaço
de tempo, não se pretendo seja eterna e imutável.
A mudança de perspectivas da realidade em que o direito é aplicado implica
mudança de preceitos pelos quais deve se guiar o intérprete, adequando suas decisões às
alterações fáticas a que está sujeito. Não pode o direito, na interpretação e aplicação por seus
operadores, servir de entrave ao desenvolvimento econômico e social.
Não se pode olvidar, no entanto, que mudanças na estrutura do Estado hão de se
pautar pelo respeito à Constituição. A esta cabe a organização do Estado. Estamos diante de
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um Estado de Direito com nítido viés social e democrático, barreiras que se impõem a
qualquer falácia de ineficiência.
O exposto nos traz algumas conclusões que já vem sendo anunciadas, mas que cabe
remissão:
a) Qualquer que seja a atividade da Administração Pública, indissociável está a
vinculação ao interesse público e à realização dos direitos fundamentais;
b) O consenso deve ser um dos instrumentos de satisfação do interesse público,
mas, por si só, não é suficiente;
c) A interpretação hodierna do princípio da legalidade não pode se afastar de sua
característica primordial: garantia individual.
Estes são apenas apontamentos que se desdobram em outros espaços reservados
exclusivamente ao regime jurídico-administrativo. Tratam-se, a nosso ver, de imposições
constitucionais – expressas ou implícitas – que não admitem derrogação sequer por emenda
constitucional, quanto mais por manobras interpretativas ou normas infraconstitucionais. Isso
porque refletem a divisão de atribuições na busca da realização dos direitos fundamentais, de
forma que petrificada a matéria nos incisos III e IV do art. 60 da Constituição Federal.
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Artigo recebido em: 30/08/2012
Artigo aprovado em: 10/09/2012
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