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DIREITO DO
TRABALHO EFETIVO
Homenagem aos 30 anos
da AMATRA 12
1
Comissão Científica da obra
organizada pela AMATRA12:
Rodrigo Goldschmidt
Andrea Maria Limongi Pasold
Nelzeli Moreira da Silva Lopes
José Carlos Külzer
Clovis Demarchi
Comissão Organizadora
José Carlos Külzer
Oscar Krost
Marianna Coutinho Cavalieri
Neiva Marcelle Hiller
2
RLUX
Direito do Trabalho no Mundo Contemporâneo_Formato 17x24_2ª emenda_09.01.2013
JOSÉ CARLOS KÜLZER
MARIANNA COUTINHO CAVALIERI
NEIVA MARCELLE HILLER
OSCAR KROST
coordenadores
DIREITO DO
TRABALHO EFETIVO
Homenagem aos 30 anos
da AMATRA 12
3
RLUX
Direito do Trabalho no Mundo Contemporâneo_Formato 17x24_2ª emenda_09.01.2013
R
EDITORA LTDA.

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Rua Jaguaribe, 571
CEP 01224-001
São Paulo, SP — Brasil
Fone (11) 2167-1101
www.ltr.com.br
Março, 2013
Versão impressa
- LTr 4766.2 - ISBN 978-85-361-2482-7
Versão digital
- LTr 7530.6 - ISBN 978-85-361-2507-7
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Direito do trabalho efetivo : homenagem aos 30
anos da AMATRA 12 / (coordenadores) José Carlos
Külzer...[et al.]. — São Paulo : LTr, 2013.
Outros coordenadores: Marianna Coutinho Cavalieri,
Neiva Marcelle Hiller, Oscar Krost
Bibliografia.
1. Direito do trabalho 2. Direito do trabalho —
Brasil I. Külzer, José Carlos. II. Cavalieri,
Marianna Coutinho. III. Hiller, Neiva Marcelle.
IV. Krost, Oscar.
13-01634
Índice para catálogo sistemático:
1. Direito do trabalho efetivo 34:331
CDU-34:331
SUMÁRIO
Prefácio ......................................................................................................................
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1. O DIREITO DO TRABALHO NO MUNDO CONTEMPORÂNEO
Da cultura crescente de inefetivação dos direitos sociais e seus nefastos efeitos sobre a
própria economia ........................................................................................................ 13
José Ernesto Manzi
Direitos fundamentais sociais e o princípio da proibição de retrocesso social...............
30
Narbal Antônio de Mendonça Fileti
Dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa: por uma
“hermenêutica responsável” em resgate da tutela das normas trabalhistas ................... 71
Rodrigo Goldschmidt
Oscar Krost
A garantia contratual à incolumidade do empregado como contrapartida fordista na legislação brasileira: uma análise histórica ...................................................................... 94
Daniel Lisboa
O desenvolvimento autofágico do capitalismo como obstáculo à realização do direito
do trabalho: uma análise da exploração do trabalho imaterial ...................................... 114
Régis Trindade de Mello
Luís Henrique Kohl Camargo
2. O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO
O direito fundamental ao meio ambiente de trabalho equilibrado de forma plena, eficaz
e efetiva ...................................................................................................................... 137
Leonardo Rodrigues Itacaramby Bessa
A educação ambiental no combate aos acidentes de trabalho ..................................... 155
Neiva Marcelle Hiller
Princípios ambientais e meio ambiente de (tele)trabalho: novas alternativas para a efetiva proteção jurídica do teletrabalhador ..................................................................... 171
Fernanda D’ Avila de Oliveira
As doenças ocupacionais no meio ambiente de trabalho dos frigoríficos e o descumprimento dos direitos fundamentais sociais ...................................................................... 199
Karine Gleice Cristova
Rodrigo Goldschmidt
O meio ambiente do trabalho e a indenização devida pela síndrome do túnel do carpo .... 217
Sibeli D’Agostini
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3. A DURAÇÃO DO TRABALHO
A compensação de horários à luz da Constituição da República Federativa do Brasil.
Banco de horas. Autonomia, heteronomia e efetividade do direito do trabalho ............ 243
Sebastião Tavares Pereira
Banco de horas: a flexibilização da jornada e a efetividade dos direitos trabalhistas ..... 261
Maria Eliza Espíndola
Jornada de trabalho dos caminhoneiros: passos e descompassos da Lei n. 12.619/2012 ... 279
Rhiane Zeferino Goulart
4. ASPECTOS DIVERSOS DO DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO
A proporcionalidade das revistas moderadas nas bolsas dos empregados .................... 307
Luis Fernando Silva de Carvalho
Terceirização — leis tangentes, relações cogentes ........................................................ 338
Cesar Roberto Vargas Pergher
Entre os novos e antigos desafios do direito do trabalho: a terceirização ..................... 357
Juliana Elise Doerlitz
A responsabilidade do dono da obra nos acidentes de trabalho .................................. 372
Alessandro da Silva
O contrato de estágio como meio de fraudar as leis trabalhistas .................................. 383
Vanessa Cunha da Silva Vieira
5. O DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO
A pós-modernidade e a necessária redesignação do conceito de “acesso à justiça” ..... 413
Nelson Hamilton Leiria
A (in)aplicabilidade do art. 475-J do CPC no processo trabalhista brasileiro ................. 433
Cláudia Rodrigues Coutinho Cavalieri
Marianna Coutinho Cavalieri
Da penhora de salário no processo do trabalho ........................................................... 455
Caroline Andrade Machado
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PREFÁCIO
No ano em que a Associação dos Magistrados do Trabalho do Estado de
Santa Catarina — AMATRA12 — completa 30 anos de existência, pensou-se na
elaboração de uma obra que marcasse esse importante e simbólico evento.
Veio a lume, então, a ideia de publicar um livro que reunisse textos
doutrinários produzidos por Juízes associados e alunos dos Cursos de Especialização
oferecidos pela AMATRA12.
Para alcançar tal objetivo, formaram-se duas Comissões, uma Organizadora,
composta pelos Magistrados José Carlos Kulzer e Oscar Krost e pelas alunas
Marianna Coutinho Cavalieri e Neiva Marcelle Hiller, e outra Científica, composta
pelo Professor Clóvis Demarchi e os Magistrados Andrea Pasold, José Carlos Kulzer,
Nelzeli Moreira da Silva Lopes e Rodrigo Goldschmidt.
Aberto o Edital, com critérios específicos para o evento, foram apresentados
vários trabalhos científicos, todos submetidos a criteriosa análise das Comissões
mencionadas.
O eixo temático do livro, escolhido pela AMATRA12 ante a relevância e atualidade, foi o “Direito do Trabalho Efetivo”.
Em tempos paradoxais, como o contemporâneo, em que se vislumbra, de
um lado, uma sociedade de consumo embalada por redes sociais, e de outro
pessoas famintas e sem acesso aos meios básicos de vida, realmente, não é tarefa
fácil preconizar um Direito do Trabalho Efetivo.
A “fluidez”, para usar uma expressão do sociólogo polonês Zygmunt Bauman,
das relações sociais e econômicas contribui para a formatação de um Direito do
Trabalho também fluido e flexível, incapaz de se manter estável e efetivo na proteção
do trabalhador.
Por outro lado, a fome e a pobreza que afetam parcela ainda expressiva da
nossa população, sequer permitem o acesso da pessoa ao trabalho regulado, ainda
que fluido e flexível.
Mas a sociedade, ao contrário do que muitos pensam, não assiste a esse
quadro impassível.
De fato, ainda que não na velocidade desejável, a sociedade vem se movimentando para construir e para reivindicar um Direito do Trabalho Efetivo.
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Os programas de transferência de renda e outras políticas públicas integradas,
v. g., vêm contribuindo nos últimos anos para alargar o acesso das pessoas menos
favorecidas aos Direitos Fundamentais Sociais, como a educação, a saúde e o
trabalho.
De outro canto, a sociedade civil e os cidadãos individualmente, usando das
mesmas redes sociais de comunicação, vêm fiscalizando e criticando a atuação
dos entes públicos e privados, agregando as pessoas em torno de um ideal de
conduta, mais inclusiva e protetiva, nomeadamente no mundo do trabalho.
São os paradoxos do nosso tempo, que o tornam único e singular, e que nos
conclamam para a reflexão e para as ações práticas, voltadas para a edificação de
um Direito do Trabalho Efetivo, capaz de assegurar condições dignas e dignidade
ao trabalhador.
Esse é o norte da obra que ora prefacio.
O livro se estrutura, para fins didáticos, de forma segmentada.
O primeiro bloco de artigos problematiza o Direito do Trabalho no mundo
contemporâneo. Inaugura com o texto do Desembargador Federal do Trabalho
José Ernesto Manzi, que aborda a cultura da inefetivação dos Direitos Sociais e
seus perversos efeitos sobre a Economia. Na sequência, o texto do Juiz do Trabalho
Narbal Antônio de Mendonça Fileti, que trata dos Direitos Fundamentais Sociais e
o Princípio da Proibição do Retrocesso Social. Em seguida, o texto dos Juízes do
Trabalho Substitutos Rodrigo Goldschmidt e Oscar Krost, que reflete sobre o
exercício da hermenêutica responsável, fulcrada na tutela da dignidade do
trabalhador e das condições dignas de trabalho. Ainda, o texto do Juiz do Trabalho
Substituto Daniel Lisboa, que discorre sobre a garantia contratual à incolumidade
do empregado como contrapartida fordista na legislação brasileira a partir de uma
análise histórica. Por fim, a pesquisa do Juiz do Trabalho Substituto Regis Trindade
de Mello e do Aluno Luis Henrique Kohl Camargo, tratando do desenvolvimento
autofágico do capitalismo como obstáculo à realização do Direito do Trabalho, em
especial, o trabalho imaterial.
O segundo bloco de artigos versa sobre o tema do meio ambiente do trabalho.
Inicia com o escrito do Juiz do Trabalho Substituto Leonardo Rodrigues Itacaramby
Bessa sobre o Direito Fundamental ao meio ambiente de trabalho equilibrado.
Adiante, a aluna Neiva Marcelle Hiller escreve sobre a importância da educação
ambiental no combate aos acidentes de trabalho. Na sequência, a aluna Fernanda
D’Avila de Oliveira aborda os Princípios Ambientais e o meio ambiente do
(tele)trabalho, apontando alternativas de proteção jurídica do teletrabalhador.
Ainda, o Juiz do Trabalho Substituto Rodrigo Goldschmidt e a aluna Karine Gleice
Cristova contribuem com o texto que aborda a temática das doenças ocupacionais
no meio ambiente de trabalho dos frigoríficos e o descumprimento dos Direitos
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Fundamentais Sociais. Por fim, a aluna Sibeli D’Agostini agrega com o texto que
foca o meio ambiente do trabalho e a indenização devida pela síndrome do túnel
do carpo.
O terceiro bloco aborda a temática da duração do trabalho. Inicia com o
texto do Juiz do Trabalho Aposentado Sebastião Tavares Pereira, que fala sobre a
compensação de horários à luz da Constituição da República Federativa do Brasil,
abordando a regulação autônoma e heterônoma desse instituto e a eficácia do
Direito do Trabalho nesse segmento. Em seguida, a aluna Maria Eliza Espíndola
trata da temática do banco de horas e da flexibilização da jornada de trabalho. Ao
final, a aluna Rhiane Zeferino Goulart escreve sobre a jornada de trabalho dos
caminhoneiros, abordando os passos e descompassos da Lei n. 12.619/2012.
O quarto bloco trata de aspectos diversos do Direito Individual do Trabalho.
Estreia com o artigo do Juiz do Trabalho Substituto Luiz Fernando Silva de Carvalho,
que versa sobre a proporcionalidade da revista moderada nas bolsas dos
empregados. Após, vem o texto do aluno Cesar Roberto Vargas Pergher que
apresenta uma análise crítica da terceirização. Na sequência, o texto da aluna
Juliana Elise Doerlitz, que aborda aspectos polêmicos da terceirização. Ainda, o
texto do Juiz do Trabalho Substituto Alessandro da Silva, sobre a responsabilidade
do dono da obra nos casos de acidente de trabalho. Finalizando, o texto da aluna
Vanessa Cunha da Silva Vieira, acerca do uso do contrato de estágio como meio
de fraudar as leis trabalhistas.
O quinto e último bloco versa sobre Direito Processual do Trabalho. Abre
com o texto do Juiz do Trabalho Nelson Hamilton Leiria, que discorre sobre a pós-modernidade e a necessária redesignação do conceito de “acesso à justiça”. Após,
com o escrito da Servidora Federal Cláudia Rodrigues Coutinho Cavalieri e da aluna
Marianna Coutinho Cavalieri sobre a (in)aplicabilidade do art. 475-J do CPC no
Processo Trabalhista Brasileiro. E, finalizando, o texto da aluna Caroline Machado,
a respeito da penhora de salário no Processo do Trabalho.
Diz a sabedoria popular que o mais feliz não é aquele que recebe, mas sim
aquele que dá o presente.
Nesse sentido é que a AMATRA12, no seu aniversário de 30 anos, quer
presentear a Sociedade com essa obra, que reúne textos atuais, provocativos e
bem fundamentados, elaborados na fé e no desejo lídimo de contribuir para a
construção de um Direito do Trabalho Efetivo.
Dr. Rodrigo Goldschmidt
Juiz do Trabalho Substituto do TRT da 12ª Região
Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina
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1. O DIREITO DO TRABALHO NO
MUNDO CONTEMPORÂNEO
Da cultura crescente de inefetivação dos direitos sociais e seus nefastos efeitos sobre a própria
economia
José Ernesto Manzi
Direitos fundamentais sociais e princípio da proibição de retrocesso social
Narbal Antônio de Mendonça Fileti
Dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa: por uma “hermenêutica
responsável” em resgate da tutela das normas trabalhistas
Rodrigo Goldschmidt; Oscar Krost
A garantia contratual à incolumidade do empregado como contrapartida fordista na legislação
brasileira: uma análise histórica
Daniel Lisboa
O desenvolvimento autofágico do capitalismo como obstáculo à realização do direito do
trabalho: uma análise da exploração do trabalho imaterial
Régis Trindade de Mello; Luís Henrique Kohl Camargo
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DA CULTURA CRESCENTE DE INEFETIVAÇÃO
DOS DIREITOS SOCIAIS E SEUS NEFASTOS
EFEITOS SOBRE A PRÓPRIA ECONOMIA
José Ernesto Manzi(*)
RESUMO
O artigo defende a tese de que o Direito do Trabalho vem sendo visto como o vilão
das crises econômicas, quando, na verdade, ele é o grande protagonista. A economia
não cresce em proporção inversa à redução dos direitos sociais, mas em proporção
direta. Sustenta ainda que os grandes desconstrutores do Direito do Trabalho são os
próprios operadores jurídicos trabalhistas, que encantados por uma visão cada vez
mais econômica do Direito, caminham desfocados de sua condição de Direito Social
por excelência, e mais, logram ser mais contratualistas e conservadores do que os
próprios civilistas (a quem a tutela do hipossuficiente é, a cada dia, mais cara).
Palavras-chave: Economia. Direito. Processo do Trabalho.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
As revoluções jurídicas seguem a reboque das revoluções industriais e
tecnológicas, mas num passo muito menor. A realidade muda o Direito, embora
sempre tenhamos a ilusão de que o Direito possa alterar a realidade (no Brasil,
mais que alhures, os decretos determinam o banimento do analfabetismo, da
discriminação, da pobreza, da doença e da incompetência).
O que pretendo meditar nestas breves linhas, é acerca da desconstrução do
Direito do Trabalho que não apenas caminha a passos largos, mas é colocada,
surpreendentemente, como condição senão para a evolução econômica, comercial
e industrial, como sacrifício a ser aceito para a manutenção mínima da estabilidade e
que, não obstante o caráter falacioso desse argumento (de terrorismo), ele vem
ganhando adeptos a passos largos.
(*) Desembargador do TRT-SC. Juiz do Trabalho desde 1990, especialista em Direito Administrativo (La
Sapienza — Roma), Processos Constitucionais (UCLM — Toledo — España), Processo Civil (Unoesc —
Chapecó — SC — Brasil). Mestre em Ciência Jurídica (UNIVALI — Itajaí — SC — Brasil). Doutorando em
Direitos Sociais (UCLM — Ciudad Real — España). Bacharelando em Filosofia (UFSC — Florianópolis — SC
— Brasil).
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Se é verdade que o direito não pode ser insensível às transformações sociais,
seu maior compromisso de sensibilidade é para com o próprio homem, que é a
razão de sua existência e deveria ser, a razão primeira — senão única — do ordenar
juridicamente.
Como esse trabalho é fruto da observação no exercício da magistratura e
não de pesquisa bibliográfica, eventuais citações estarão restritas às notas de
rodapé, sendo a bibliografia, aposta ao final, a recomendada para o
aprofundamento sobre o tema, ainda que possa, em algum momento, ter inspirado
alguma das reflexões aqui postas.
1. DIREITO E TECNOLOGIA
Vivemos em um mundo em transformação e as mudanças acabam também
nos mudando, em algum grau, quer queiramos ou não, quer sejamos ávidos por
novidades ou a elas avessos. A ciência e a tecnologia buscam substituir o esforço
físico, aumentar o conforto, reduzir as distâncias, combater as doenças, aumentar
os lucros (para alguns, pelo menos), daí por que nem sempre são acompanhadas
de suficiente preocupação com as implicações sociais e humanas. No que busca
aumentar o ter, em detrimento do ser, o prejuízo social é considerado mero efeito
colateral, principalmente quando afeta os que têm pouca possibilidade de influir
no “modus vivendi” e na economia, ainda que sejam os mais afetados nesses
bens, pelas decisões alheias.
A adição de novas tecnologias, a automação de determinadas tarefas, a criação
de novas demandas e o desaparecimento de antigas necessidades sempre implicam
em reengenharia, em reestruturação empresarial, para aumentar a eficiência,
reduzindo a ociosidade dos seus quadros, seja pela readaptação, seja, simplesmente,
pelo desligamento.
Os jovens têm uma maior conectividade/interatividade com as novas
tecnologias, que para eles é algo natural. Para seus pais, ou até para seus irmãos
mais velhos (pela precocidade cibernética das crianças), os novos implementos
tecnológicos são motivo de perplexidade, principalmente quanto à celeridade e à
dimensão com que ocorre sua (re)criação, dando a impressão de que a evolução
científica e tecnológica cresce geometricamente nas últimas décadas, enquanto
cresceu apenas aritmeticamente em todos os outros milênios da história humana.
Enquanto nos perdemos em tentar encontrar o índice dos manuais dos fabricantes
dos aparelhos novos, recém-desembalados, nossos filhos já estão usando os novos
aparatos, como antigos brinquedos, em todo o seu potencial.
O homem é o princípio e o fim de toda ciência e de todo invento humano,
mas nem toda tecnologia acresce bem-estar social ou serve para que o homem
enxergue o seu semelhante como tal, ao invés de ensimesmar-se. A tecnologia,
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hoje, em muitos casos, aproxima os distantes, mas afasta os que estão próximos,
colocando-os no mesmo patamar. Quando perdemos a identidade com os demais
sujeitos, perdemos também a sensibilidade para com suas angústias, como se
fôssemos impermeáveis às suas causas.
2. DESUMANIZAÇÃO TECNOLÓGICA
Isolamo-nos em nossos fones de ouvidos e perdemos, a cada dia, a capacidade
de conversar, de olhar no olho, de tentar intuir as angústias dos que nos circundam
e passamos a nos angustiar nós mesmos, porque os vazios não preenchidos tornamse depressão e angústia e a introspecção pode, em muitos casos, ser causa de
questionamentos angustiantes.
Jovens passam madrugadas conversando pelos teclados de seus
computadores e “tablets”, mas, quando se encontram, se emudecem, como se
suas almas dependessem de um circuito fechado para aflorar. Os dedos rápidos
nos teclados tornam-se monossílabos e monocórdios, quando a distância dispensa
a tecnologia.
Não sabemos mais o nome dos nossos vizinhos; aliás, fazemos o máximo
para que eles também nada saibam de nós. Olhamos para os monitores e não
para as janelas, com um respeito quase sagrado e o tempo passou a correr tão
rápido, que milésimos de segundo passaram a nos angustiar. O direito de estar
só (intimidade), tornou-se quiçá um dos mais almejados, quiçá além mesmo do
direito ao convívio humano.
Muitas das novas tecnologias aumentaram os abismos entre os patamares
sociais, principalmente porque concedem aos que as acessam a primazia da
informação, a permitir que se adiantem, senão em prejuízo dos demais, pelas
vantagens que concedem(1). A competitividade e a necessidade de respostas rápidas,
bem como o crescente descompromisso com as relações humanas, levam muitos
empresários a preferir dispensar os antigos colaboradores e substituí-los por novos,
como se estivessem comprando novas tecnologias, ou melhor, os braços e mentes
que as operarão, ainda que as substituições futuras sejam completas (máquinas e
operadores, ao mesmo tempo).
Nossos avós faziam a barba com a mesma navalha por 50 anos e tinham
amizades com a mesma duração. Nossas amizades são tão descartáveis quanto
nossos aparelhos de barbear.
(1) E isso vai da educação à informação econômica que permite uma compra vantajosa de ações,
passando pelo próprio exercício da cidadania (poucos exercem o direito de petição, nem tanto por conta
do acesso, cada vez maior, mas por não saberem ser titulares de determinados direitos).
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Já são muito poucos os que ingressam e saem do mercado de trabalho com
um único emprego, após várias décadas, como são poucos ainda os que mantêm
relacionamentos afetivos perenes. Até a religião, o caráter e a moral são postos
como relativos, e mais, em muitos casos, incompatíveis com a necessidade de
adaptação a um meio em transformação(2).
Toda essa competitividade acompanhada de ausência de vínculos duradouros,
conduz ao fato de que, cada vez mais, se quer produzir mais, com cada vez menos
recursos, sejam eles humanos, sejam eles materiais, num desafio invencível,
sucessivo e infindável, no qual a satisfação é momentânea e seguida, sempre,
imediatamente, de novos almejares.
Tudo isso influenciou o Direito do Trabalho, taxado não apenas de retrógrado,
mas como impeditivo do próprio progresso, quiçá porque é ele que ainda resiste
contra a relativização da dignidade do homem, enquanto travestido de trabalhador.
Curiosamente, as grandes corporações vêm apregoando o contrário, qual seja,
que quanto menos protetivo for o Direito do Trabalho, mais desenvolvido será um
país, e citam estatísticas de países desenvolvidos onde há menos direitos trabalhistas,
olvidando-se tanto que os salários nesses lugares são muito maiores e o custo de
vida menor (basta ir a um supermercado na Europa para descobrir que nossos
preços são estratosféricos e nossos salários ridículos(3)).
3. INTENSIDADE E TEMPO
O tempo passa a ser medido a conta-gotas quando se trata de exigir dedicação,
mas, quando o direito afirma que os lapsos temporais não podem ser
desconsiderados, para a apuração da remuneração, fora dos limites legais, afirma-se que o direito não deve se importar com ninharias. Olvida-se que é no desprezo
de lapsos que se inicia a supressão de postos de trabalho (uma fábrica com 350
pessoas, que consiga o desprezo de 10 minutos diários, que é o limite legal, obtém,
apenas com isso, o trabalho mensal gratuito de 15,9 trabalhadores, ou seja, a
capacidade de empregar de várias microempresas).
Dá-se a impressão, assim, que o desprezo de lapsos trabalhados é uma questão
menor que afeta minimamente um trabalhador, quando, na realidade, afeta direitos
difusos (de todos os potenciais trabalhadores), além de causar enriquecimento
ilícito de empregadores(4), principalmente na atividade industrial.
(2) Uma moral maleável às necessidades e aos avanços, restrita a alguns pontos mais ordinários (não
matar e não roubar), uma religião substituída por uma religiosidade não comprometida, não apologética,
para não ser chata e, preferivelmente, oculta como um elemento da intimidade.
(3) Tive a impressão, confirmada pelos meses em que vivi na Espanha, que, se é verdade que lá comer
fora pode ser mais caro (no mesmo nível não é), a verdade é que comprar víveres para cozinhar em
casa, de muito melhor qualidade, fica uns 30% mais barato.
(4) Nos frigoríficos, por exemplo, onde os trabalhadores executam de 80 a 120 movimentos por
minuto, no corte de carnes, dá para imaginar a quantidade de trabalho obtido gratuitamente no
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