são paulo: política de segurança pública ou política de extermínio?

Transcrição

são paulo: política de segurança pública ou política de extermínio?
SÃO PAULO: POLÍTICA DE SEGURANÇA PÚBLICA OU
POLÍTICA DE EXTERMÍNIO?
Pastoral Carcerária
ACAT – Ação dos Cristãos para Abolição da Tortura
Grupo Tortura Nunca Mais/SP
Centro Santo Dias
Comissão Teotônio Vilela
Movimento Nacional de Direitos Humanos/Regional Sudeste
Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP
ILANUD- Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a Prevenção do
Delito e Tratamento do Delinqüente
CONECTAS – Direitos Humanos
Conselho Ouvidor de Direitos Humanos de Cotia
AMAR – Associação de Mães e Amigos dos Adolescentes em Risco
Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Sapopemba
Justiça Global
Setembro de 2003
Introdução
SÃO PAULO: OS GRUPOS DE EXTERMÍNIO E A DEBILIDADE
INSTITUCIONAL DA PROTEÇÃO À VIDA.1
Apesar das suspeitas que sempre pairam sobre os dados estatísticos
disponibilizados pela Secretaria de Segurança Pública, podemos comprovar que o
número de crimes violentos aumentou consideravelmente nos anos 90 no Estado
de São Paulo. A taxa de homicídios por 100 mil habitantes, na Capital, que era de
38,90 em 93, subiu para 53,00 em 95 e 59,20 em 99.
Em Ribeirão Preto, a mesma constatação: de 15,89 em 91, o índice pulou para
44,64 em 98, dando razão às análises que apontavam que o aumento da violência
não se restringia a região metropolitana, mais atingira as cidades interioranas de
médio porte.
Em 2001, a Fundação SEADE registrou 15.341 homicídios em todo o Estado. A
exacerbação da criminalidade, por outro lado, coincidiu com a multiplicação dos
episódios de violência policial, de denúncias de práticas criminosas e de
envolvimento de policiais com o crime organizado.
São antigas as suspeitas de participação de policiais nas execuções de jovens e
adolescentes no Estado de São Paulo. Em alguns casos isso restou comprovado,
como no carnaval de 99, na baixada santista, quando três rapazes foram detidos,
assassinados e enterrados no mangue, por policiais militares. Ou o caso de
Ribeirão Preto, em que a autoria das mortes de três rapazes, fuzilados e
abandonados no meio de um canavial, foi atribuída a dois policiais militares,
depois expulsos da corporação.
Mais isso não é a regra. O mais comum, infelizmente, é a impunidade, como no
caso de Sumaré, de março de 99, em que quatro adolescentes, três com menos
de dezoito anos, foram sumariamente executados por policiais civis de Campinas.
O local não foi preservado, os vestígios apagados, os corpos foram removidos
para outro município, as armas sumiram, policiais se recusaram a fazer exames
periciais, o inquérito se arrastou por quatro anos e, apesar de tudo isso, ninguém
foi punido. Um fato dessa gravidade, com quatro vítimas fatais, com uma
quantidade absurda de projeteis nos corpos, não mereceu atenção especial nem
das autoridades de Campinas, nem de Sumaré, nem de Paulínia (para onde os
corpos foram removidos e feitos os registros de óbitos), nem da Corregedoria
policial, nem da Secretaria de Segurança nem do governador do Estado. Só a
Ouvidoria da Polícia protestou.
1
A introdução do Relatório foi escrita pelo ex- Ouvidor de Polícia do Estado de São Paulo, Dr. Fermino
Fecchio.
2
Nesse, como na maioria dos casos de “resistência seguida de morte”, como
comprovou pesquisa diligente da Ouvidoria, a atuação policial não é sequer
averiguada e o destino,quase sempre, é o arquivo, sem nenhum julgamento de
mérito.
A péssima qualidade dos serviços de polícia judiciária de Campinas já foi
denunciada pelo Ministério Público local. Não é para menos. A investigação do
homicídio do Prefeito de Campinas (setembro/2001), por exemplo, foi confiada a
um policial que já tinha sido denunciado como torturador pelos presos políticos do
regime militar, além de ter sido acusado e preso, por envolvimento com o crime
organizado, pela CPI do Narcotráfico da Câmara Federal. Até hoje o resultado do
inquérito sofre contestações e foi recebido com muita desconfiança pela opinião
pública e pela família do Prefeito assassinado.
Vale lembrar, também, as suspeitas que cercam a apuração da chacina de
Caraguatatuba, de outubro/2001, em que foram executados quatros rapazes, (dois
deles suspeitos de envolvimento com o assassinato do prefeito campineiro) por
policias civis de Campinas, dentro de um condomínio fechado, à noite, sem
qualquer mandado judicial. O local não foi preservado, os corpos removidos,
colchões incinerados, objetos roubados, laudos forjados, nome de policiais
participantes omitidos, armas usadas sonegadas à perícia, e apesar de tudo isso,
a manifestação apressada e patética do Governador, dois dias depois, de que a
ação dos policiais tinha sido absolutamente legítima.
Tempos depois, dois dos policiais homicidas foram presos por outros crimes,
inclusive por participação na quadrilha do seqüestrador Andinho, principal
suspeito, segundo a própria polícia, do assassinato do prefeito. Nem o
Governador, nem ninguém da Secretaria, mesmo assim, veio a público para
retificar a avaliação anterior, ou para pedir mais rigor nas apurações, ou para pedir
desculpas aos familiares das vítimas.
No novo milênio, a violência não arrefeceu em São Paulo e as denuncias contra
policiais aumentaram consideravelmente.
Na capital, o Ministério Público e o Tribunal de Justiça investigam
denúncias contidas no Relatório Gradi, elaborado em agosto de 2002 pela
Ouvidoria da Polícia. Esse relatório aponta uma série de ilegalidades praticadas
por um grupo de elite de policiais militares, vinculado diretamente ao gabinete do
Secretário de Segurança Pública, grupo este responsável por ações com dezenas
de vítimas fatais e acusado de retirar presos sentenciados dos presídios para
infiltrá-los ilegalmente em organizações criminosas. Só em uma dessas
operações, o “massacre da Castelinho”, o saldo foi de 12 vítimas fatais , todas
com características de execução.
O relatório aponta também casos de morte e de lesões corporais gravíssimas nos
detentos utilizados pelo Gradi nessas operações. Em razão disso foram afastados
o juiz das execuções penais e o juiz do Dipo. Na esfera do Executivo, registraram–
se apenas reações iradas contra os autores das denúncias.
3
Em Ribeirão, a lista dos jovens mortos por policiais, da qual já constavam, entre
outros Enoch Moura (18 anos), Anderson Luis (15anos), Fernando Néri (20 anos),
foram acrescentados, em março de 2002 os nomes de Vitório, (dia 3), Marcelo (dia
7), Alessandro (dia 8), Rodrigo(dia 11), Rodrigo de Souza (dia15), e Sandro Lima
(dia 22).
Em agosto de 2002 foram incluídos os nomes dos irmãos Vanderson (17 anos),
Anderson (18 anos) e Marlene, e do namorado dela, Rodrigo, além de Maicon e
Rogério, ambos com 19 anos. Leandro (18 anos) e Thiago (19 anos) fecham a
lista do mês de maio de 2003.
Algumas dessas mortes foram executadas com requintes de selvageria, de
barbárie. Um menino foi morto dentro de uma cela individual, num distrito policial,
a golpes de machadinha. Sandro Lima, vulgo Pezão, foi executado dentro da sala
cirúrgica, na presença de médicos e enfermeiras, no hospital, para onde tinha sido
levado ferido, depois de anterior tentativa falha, de execução. O serviço foi
completado com disparos de armas de cano longo com silenciador, por três
indivíduos que adentraram o hospital e que as testemunhas juram, apesar dos
disfarces, serem policiais.
Alguns dos policiais acusados por essas mortes foram presos posteriormente por
outros crimes, como roubo de carga, contrabando e formação de quadrilha. Nem
assim as autoridades se preocuparam em determinar maior rigor nas
investigações das mortes a eles atribuídas.
Em Guarulhos repete-se a mesma tragédia: só mudam os nomes das vítimas e
dos policiais suspeitos. A dor e o desespero dos familiares é como em Ribeirão:
inclusive, a mesma pratica ignominiosa de sumiço de corpos de vítimas, para
garantir a impunidade. Cá como lá, a mesma omissão das autoridades, salvo o
empenho e dedicação de alguns promotores locais, sujeitos a todos os riscos.
Apesar desses números trágicos e dessa epidemia anual de homicídios, a
população paulista ainda tem que ouvir o discurso governamental de que “aqui
tem comando, aqui não é o Rio de Janeiro”.
A iniciativa do Governo Federal, através da Secretaria Nacional de Direitos
Humanos, de criar uma Comissão Especial para apurar a atuação desses grupos
de extermínio em São Paulo, acendeu uma pequena luz na escuridão e fez brotar
nos corações dos familiares das vítimas a esperança de que não mais estarão
sozinhos na busca de corpos desaparecidos ou na luta para exigir a punição dos
autores das atrocidades cometidas.
Resta, ao menos, a consolação de que os paulistas que não perderam a
capacidade de pensar e de se indignar com essa barbárie toda ainda são maioria
e exigem a revogação dessa “política da matança”, que além de não garantir a
segurança da população ainda cobra um preço altíssimo em vidas humanas.
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I. Execuções Em Centros de Detenção
SITUAÇÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO NO ESTADO DE SÃO PAULO
“Sou consciente que tenho uma pena a cumprir. Não
me nego e tenho que arcar com minha
responsabilidade. Fui punido dentro da lei, mas quero
pelo menos condições humanas de sobreviver dentro
do cárcere, pois não fui condenado a pena de norte e a
espancamentos e nem a tortura psicológica como esta
sendo atualmente minha punição”
V.P. preso no Anexo da Casa de Custodia e Tratamento de Taubaté – SP
HISTÓRICO
Em 1549, a cidade de Salvador – Bahia, foi considerada a primeira sede do
Governo Geral do Brasil. Dentre outros edifícios que surgiram para o governo da
época, surge também a cadeia. Durante séculos toda pena se associava ao
martírio do corpo, flagelação, mutilação, acoite, enforcamento, esquartejamento.
Por volta do século XVIII e parte do século XIX, os castigos foram abolidos, mas o
martírio ficou como prática freqüente. O Brasil, país que já no inicio de sua história
guardava a sina de ser território de degredo para criminosos portugueses, tinha
ainda cadeias que funcionavam, via de regra, nos porões das Câmaras
Municipais, onde eram jogadas pessoas condenadas ou meramente suspeitas;
eram porões insalubres, não iluminados, úmidos, onde se amontoavam os presos
para receber uma ração de alimento a cada 24 horas, para adoecer e não
raramente morrer; legisladores se horrorizaram diante da barbárie e se reuniram
com parcela da sociedade para estabelecerem critérios, buscando revestir de
forma cientifica e racional as normas do Direito.
Os estabelecimentos prisionais no Brasil evoluíram das masmorras coloniais, dos
suplícios públicos e mutilações praticadas contra escravos passando a colônias
penais.
Ainda após o império, na chamada velha república, se presenciavam os horrores
dos navios-prisões, repletos de vitimas conforme a Lei Afonso Gordo de 1913.
Lembramos desse tipo de prisão, dos campos de concentração no Acre ou
Fernando de Noronha, que chamavam de prisões, mas de onde dificilmente saia
alguém vivo. Chegamos ao conceito moderno de prisão, que, além da pena, prevê
a oportunidade de ressocialização do preso. Assim surge em 1920 a Penitenciaria
de São Paulo, mas a falta de estrutura e investimentos levou a uma grande crise
no sistema prisional.
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Em 1954, a Casa de Detenção foi desativada e uma nova para 1500 presos foi
construída. Nos anos seguintes, já com superpopulação, dobraram a capacidade
de presos e assim se sucedem as varias dificuldades na Casa de Detenção,
culminando com o triste episódio em 1992, quando 111 (cento e onze) detentos
foram executados por ocasião da entrada da Policia Militar no pavilhão 9. Na
época a Casa de Detenção tinha uma população de aproximadamente 7 mil
presos. Foi desativada completamente em 2003, principalmente por conta da
pressão popular interna e de organismos internacionais defensores dos Direitos
Humanos.
A mudança do perfil da população brasileira e a perpetuação de um modelo de
desenvolvimento concentrado de renda excludente, alterou o quadro da
criminalidade e desnudou contradições estruturais e seculares de nosso sistema
prisional.
2003 NOS PORÕES DA VIDA – PRISÕES OU INFERNO?
“Tratam a gente como animais e esperam que, saindo
daqui, a gente se comporte como seres humanos” (frase
dita numa prisão ao Relator Especial das Nações
Unidas, em sua visita ao Brasil em agosto de 2002).
A situação de desorganização social que vive o país reflete-se nos cárceres de
forma desoladora. O sistema prisional está em crise e fora de controle das
autoridades. Quando as grades se fecham atrás de um detento, abre-se um
mundo de violência, corrupção, superlotação, promiscuidade, doenças, centros de
tortura, etc. Os encarcerados são o símbolo da indiferença que a sociedade atual
tem com relação à vida humana. Segundo a LEP – Lei de Execuções Penais, em
seu art. 87, a “Penitenciaria destina-se aos condenados à pena de reclusão em
regime fechado” e o DP – Delegacia de Policia, conforme o art. 102, “... destina-se
ao recolhimento de presos provisórios”. A Lei prevê ainda que os presos sejam
mantidos “... em celas individuais, de pelo menos 6 metros quadrados, em
ambiente salubre, local afastado do centro urbano, mas que não restrinja a
visitação”.
Na realidade os presos são obrigados a dividir as celas, os presídios estão
permanentemente superlotados, o que é motivo para constantes rebeliões ou
simples eliminação de presos. A pior superlotação ocorre nos Distritos Policiais
onde os presos provisórios dividem seu pequeno espaço com presos já
condenados que, pela Lei, deveriam estar no sistema penitenciário. Em alguns
DPs, presos se amarram nas grades para dormir, são os “morcegos”, enquanto
outros dormem em redes ou no chão, sobre uma laje sem um colchão ou coberta
e o espaço é disputado com insetos e ratos. Alguns dormem ao lado do vaso
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sanitário, o “turco”. Celas que deveriam conter no Maximo 5 ou 6 pessoas,
costumam conter 30, 40 e até mais.
A longa permanência nestes lugares úmidos, fechados, com pouca circulação de
ar, pouca luz, sem material de higiene, deixa a maioria dos presos doentes. Celas
sujas, paredes imundas, com escarros e outras secreções corporais. Hepatite,
tuberculose, sarna, piolhos, carrapatos, infecções generalizadas nos ferimentos
causados no momento da prisão, são apenas algumas das moléstias presentes
em quase todos os DPs de São Paulo. Não há remédio, não há médicos.
Com o intuito de intimidar os presos, as invasões noturnas em delegacias pelas
Polícias Militar e Civil são freqüentes e sempre revestidas de violência. Os presos
apanham, tem seus pertences pessoais destruídos. Há casos de presos mortos
covardemente ao tentarem empreender uma fuga: são alvejados pelas costas. A
expressão “no estrito cumprimento do dever legal”, pela forma cínica que é
utilizada nos relatórios policiais, caracteriza frontal violação à Resolução 169/80 da
ONU, subscrita pelo Brasil.
CELAS DE CASTIGO – CHAMADAS DE CELAS DISCIPLINARES
As celas para punição são verdadeiras “masmorras” e assim são chamadas. Nelas
ocorrem espancamentos, torturas, choques elétricos, dentre outras arbitrariedades
e violências, que levam a óbito muitos presos. Não há o direito ao banho de sol
por períodos prolongados.
As rebeliões que se repetem são em geral protestos contra todos os maus tratos,
a falta de trabalho, a fome, as injustiças, a superlotação, direitos processuais
postergados. É um modo de fazer pressão para obter reivindicações justas, mas
não atendidas. Toda rebelião, qualquer que seja a causa, é na verdade um ato
traumatizante e suicida para o preso e sua família.
REINCIDÊNCIA
A reincidência dos egressos do sistema prisional chega a ser de 70% (setenta por
cento). Apesar de podermos comprovar iniciativas pontuais com algum sucesso no
esforço da reeducação dos presos, no geral constata-se que o “sistema não
reeduca ninguém”.
O estudioso AMITAI ETZIONE, autor do estudo “Análise Comparativa de
Organizações complexas”, afirma que existem diferentes tipos e engajamentos
para diferentes tipos de poder exercidos. Quando há uma dualidade, um tipo de
relação poder/engajamento tende a neutralizar o outro, que é o que ocorre nos
presídios nos quais as relações de poder repressivo/engajamento alienativo
subjuga qualquer intenção de uma ação educativa e uma participação do tipo
engajada, fundamental para a pratica educativa.
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SAÚDE – UMA PRÁTICA INEXISTENTE
As precárias condições prisionais levaram ao retorno de doenças que já se
encontravam sob controle, sem falar da escabiose, das doenças respiratórias e da
leptospirose. O índice da tuberculose assusta: segundo estudo realizado em 1995,
utilizando o teste Mantoux (que detecta o bacilo da tuberculose), foi confirmada no
sistema prisional a assombrosa cifra de 80% dos homens contaminados com o
bacilo e 90% das mulheres.
Estes dados nos alertam sobre um grave risco de saúde pública, como afirma um
texto da Pastoral Carcerária sobre o assunto. Com certeza, muitos destes presos
vão desenvolver a doença seja dentro das prisões (o que já acontece) ou após, na
vida civil. Lembramos também que outra parcela da população carcerária está
contaminada com o vírus do HIV; estes presos estão condenados à morte por falta
de tratamento adequado, como já presenciado inúmeras vezes. Outro fato grave
diz respeito ao papel do médico em relação aos espancamentos sofridos, quer dos
presos, quer dos funcionários, quer das polícias. A atitude é, na maioria das
vezes, de conivência com a violência e de omissão no atendimento dos feridos e
torturados, desrespeitando as regras mínimas estabelecidas pela ONU para casos
desta natureza. Quando o preso reclama vai para a cela de castigo onde passa
cerca de 30 dias, sem que um médico acompanhe suas condições físicas e
psicológicas de acordo com as regras da ONU.
CORRUPÇÃO
A corrupção se expressa das mais diferentes formas: no sub faturamento de
compras, na “venda de privilégios” na facilitação de fugas, no desvio de material,
no tráfico de drogas, gerenciamento de prostituição para encontros íntimos, desvio
de psicotrópicos, transferências para outros estabelecimentos prisionais, tudo é
objeto de venda por parte de funcionários e diretores inescrupulosos. Denúncia de
familiares chegam ao conhecimento público, de que uma vaga no sistema
COESPE é vendida em torno de R$ 300, R$ 500 e até R$ 1.000. Até mesmo
fugas pela muralha – área de responsabilidade da Policia Militar – supõe-se que
são facilitadas pelo valor de R$ 50.000 a R$100.000.
É grande o tráfico de armas e drogas, o que nos leva a supor a conivência ou
participação direta de funcionários dos mais diversos escalões.
AGRESSOES, TORTURAS, ESPANCAMENTOS
Ontem: no ano de 1754
“...Levado e acompanhado numa carroça, nu, de
camisola, carregando uma tocha de cera (...) e sobre o
patíbulo que aí será erguido, atazanado nos mamilos,
8
braços, coxas e barrigas da perna (o ato de atazanar
reside na pratica de usar tenazes de ferro em parte do
corpo e arrancar a pele, deixando a ferida exposta),
queimada com fogo de enxofre, e as partes em que
será atazanado se aplicaram chumbo derretido”.
(suplício a que foi condenado Damiens, o parricida, no
dia 2 de marco de 1754)
Hoje: no ano de 2000
“Só de cuecas. Começaram logo a insultá-los,
xingando-os, humilhando-os etc. Todos (...) ali presentes
começaram a bater neles, empurrando-os no chão,
chutando-os,
fazendo-os passar por um corredor
polonês, davam chutes, batiam com paus e canos de
ferro. Um deles por ser gordo, demorava mais em
obedecer as ordens de se levantar quando era chutado
e derrubado. (...) Assim, apanhou dobrado e, já não
podendo mais se levantar, veio a óbito. (suplício a que
foi condenado Nilson Saldanha em 2000, quando foi
espancado até a morte pelo GOE (Grupo de Operações
Especiais) no 50 DP. em São Paulo).
CONCLUINDO:
A maior população carcerária encontra-se no Estado de São Paulo, 118.389 mil
presos. No ano 2002, segundo dados oficiais, houve 61 homicídios nas
Penitenciarias de responsabilidade da Secretaria de Administração Penitenciaria
do Estado. (janeiro e outubro)
Segundo a Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos, o numero é bem
maior, pois segundo pesquisa realizada no 9º DP, responsável pelas ocorrências
na Casa de Detenção de São Paulo, os índices mostraram um numero de 38
homicídios, só nesse órgão, entre janeiro e outubro de 2002.
Em 18.02.01, organizações criminosas lideraram uma mega-rebelião no Estado de
São Paulo, que envolveu 29 unidades prisionais e cerca de 28 mil presos. O saldo
foi de 19 presos mortos.
Nos presídios femininos o tratamento não difere muito do masculino, só há um
fator – a mulher menstrua. Seu organismo é diferente do homem, merecendo,
portanto, tratamento médico diferenciado, o que não acontece. Elas representam
3% da população carcerária.
9
Vive-se hoje no sistema prisional uma verdadeira guerra de vitimas entre presos e
funcionários, guerra que se desenrola na maioria absoluta dos casos, longe dos
olhos das autoridades públicas, seja do executivo ou do judiciário, longe de
qualquer conhecimento por parte da população. No sistema prevalece, salvo raras
exceções, a lógica punitiva e não educativa.
ALESSANDRO FRANCISCO ALVES, Franco da Rocha, São Paulo.
ALESSANDRO FRANCISCO ALVES, brasileiro, solteiro, 26 anos, filho de WALTER
FRANCISCO ALVES e ROSANA APARECIDA RAMOS ALVES, cumpria pena na
“Penitenciária Mário de Moura Albuquerque”, no Município de Franco da Rocha, na
Unidade I. Segundo relatórios de outros presos, a referida unidade era, à época dos
fatos, dominada pelas facções criminosas CRBC (Comando Revolucionário
Brasileiro da Criminalidade) e a Seita Satânica.
Por motivos até agora desconhecidos, ALESSANDRO e mais dois sentenciados,
ALEX BROTEL RABELO e EDMAR SALVAGNINI, foram classificados pelos
funcionários da penitenciária como pertencentes ao PCC (Primeiro Comando da
Capital), maior facção criminosa do sistema penitenciário estadual e rival das
facções acima citadas, o que criou um clima de animosidade dos demais presos
para com ALESSANDRO, ALEX e EDMAR.
Em 17 de Outubro de 2002, ALESSANDRO, juntamente com os outros dois
detentos, ALEX e EDMAR, temerosos pelas ameaças recebidas dos demais
detentos, pediram os funcionários da unidade penitenciária para que fossem
transferidos para outro local, onde eles não fossem rotulados como membros do
PCC; como não eram atendidos, os três começaram a gritar desesperados, pedindo
transferência para a área de saúde do presídio, o que chamou a atenção dos demais
detentos e ocasionou um pequeno tumulto. Este tumulto, segundo relatos dos
sentenciados ALEX e EDMAR2, foi o pretexto para que os funcionários da unidade,
comandados pelo agente penitenciário MARCOS TOZATTO, dominassem os três e
os levassem para o corredor da área da saúde da penitenciária.
Lá, ALESSANDRO, ALEX e EDMAR foram torturados e espancados por agentes
penitenciários, sendo que, por conta de tais agressões, aliadas à falta de
atendimento médico, ALESSANDRO veio a falecer no dia 22 de Outubro de 2002
por conta de um choque séptico (peritonite), decorrente das várias seqüelas
deixadas pelas agressões.3
2
Relatório de Denúncia da ACAT BRASIL, datado de 26 de Novembro de 2002, protocolado junto à Secretaria de
Administração Penitenciária no dia 27/11/2002 sob o nº 979380.
3
Conforme relatado pela Coordenadoria de Saúde da Secretaria de Administração Penitenciária no histórico de evolução
clínica de ALESSANDRO, datadoi de 17/10/2002, na sua Declaração de óbito (doc. nº 3523865 do Ministério da Saúde),
na Guia de Recolhimento de Cadáver ao IML e no Atestado de Óbito (Folha 144, Livro C nº 026 de Registro de Óbito, nº
de ordem 13.672, do Cartório de Registro Civil das pessoas naturais de Franco da Rocha – SP).
10
Os relatos oficiais dos fatos apontam a ocorrência de uma rebelião naquela unidade
penitenciária4, entretanto, graças a atuação da Ação dos Cristãos para Abolição da
Tortura (ACAT – BRASIL), que realizou várias diligências ao presídio, mantendo
conversas com diversos presos, funcionários e agentes penitenciários, esta “versão
oficial” foi desconstruída. Apurou-se, dentre outras coisas, que no dia das agressões
não houve qualquer rebelião de presos, que a autoria das agressões se deu por
agentes penitenciários e que ALESSANDRO não teve o atendimento médico que a
gravidade de seus ferimentos exigia, negligência esta que contribuiu para seu óbito.
Além do já relatado acima, foi instaurada uma sindicância administrativa no
Conselho Regional de Medicina de São Paulo5, que foi arquivada em Sessão
Plenária realizada no dia 22/07/20036 e outra na Corregedoria da Secretaria de
Administração Penitenciária; o COREN (Conselho Regional de Enfermagem em São
Paulo), por seu turno, realizou uma fiscalização nas dependências do referido
presídio, constatando várias irregularidades.
No âmbito civil, a ACAT BRASIL, no dia 18 de julho de 2003, ingressou com ação
indenizatória em favor da mãe de ALESSANDRO, ROSANA APARECIDA RAMOS
ALVES, pleiteando indenização por danos morais decorrentes da morte de seu filho7;
esta ação está em fase inicial, aguardando a contestação do Estado réu.
DILSIMAIR ROBERTO DOS SANTOS, Franco da Rocha, São Paulo.
DILSIMAIR ROBERTO DOS SANTOS, brasileiro, solteiro, 21 anos, estava preso
no Distrito Policial de Franco da Rocha – SP. No dia 21/05/03, os policiais da
Delegacia Policial de Franco da Rocha suspeitaram da existência de um celular na
Ala I. A fim de encontrar esse objeto, os agentes ameaçaram os presos, dizendo
que iam deixá-los sem visitas. Conturbados com essa possibilidade, os presos
ficaram exaltados.
Diante da possibilidade de rebelião, os policiais do distrito chamaram reforço da
equipe do GARRA, aproximadamente cerca de 30 policiais armados com
revólveres, calibres 12, pistolas automáticas e metralhadoras, para conter o
tumulto.8 Foi ordenado pelos agentes que os presos se dirigissem ao pátio, mas
os mesmos se recusaram.
Diante da recusa, os policiais passaram a atirar em direção aos presos com a
chamada “munição anti-motim”9, sendo que os presos, para se defender, deitaram
4
Termo de Declarações do sentenciado ALEX BOTREL RABELO, colhido na própria unidade prisional, datado de
22/10/2002 e da sindicância investigatória instaurada pelo diretor do presídio à época (Portaria nº 227/2002/DG/PI/FR, datada
de 24/10/2002).
5
Nº 20.586/03, CRM/SP
6
Ofício nº 8545/03-SDE.
7
Processo nº 03.015269-3, em trâmite perante a 4ª Vara da Fazenda Pública do Estado de São Paulo.
8
Conforme carta elaborada pelos presos da ALA 1. à mãe de Dilsimair Roberto dos Santos, a Sra. Roseli
Oliveira dos Santos, no dia 28 de maio de 2003, relatando o caso.
9
Conforme descrito no Boletim de Ocorrência nº 2426/2003.
11
no chão. Os tiros atingiram alguns presos de raspão e, aparentemente, um deles
atingiu gravemente DILSIMAIR.
Seus colegas de cela perceberam que ele estava caído, sangrando muito e
parecia ter levado um tiro na cabeça. Preocupados com a situação de DILSIMAIR,
os presos puxaram-no para dentro da cela e pediram socorro. Os policiais
começaram fazer brincadeiras dizendo que ele tinha batido a cabeça na grade e
não precisava ter pressa em socorrê-lo.
No mesmo dia do fato, DILSIMAIR foi encaminhado ao Pronto Socorro do Hospital
das Clínicas de Franco da Rocha. Ao chegar no local, 19hs10, os médicos
identificaram que o paciente apresentava “trauma crânio encefálico grave”, com
exposição de massa encefálica. Diante deste quadro, DILSIMAIR foi
encaminhando para o Hospital do Mandaqui.10
DILSIMAIR chegou ao Hospital às 23hs18. Conforme Relatório Médico11, no dia
22 de maio, às duas horas da madrugada, o mesmo passou por uma operação
para correção de afundamento craniano. Foi medicado, alimentado, porém, não
resistiu e entrou em óbito no dia 16 de junho de 2003.
Sem informações sobre o filho desde o dia 21 de maio, a mãe de DILSIMAIR, Sra.
ROSELI OLIVEIRA DOS SANTOS e o irmão, TIAGO ADRIANO DOS SANTOS,
foram à Delegacia de Franco da Rocha. No dia 22, TIAGO tentou realizar uma
visita ao irmão, mas foi impedido pois informaram que as visitas estavam
suspensas porque havia ocorrido uma tentativa de rebelião na carceragem do
distrito. Sabendo dessa proibição, a mãe retornou à Delegacia tentando obter
maiores informações sobre a situação do filho. Tomou conhecimento que seu filho
estava internado no Hospital Mandaqui, através do delegado de plantão.
Imediatamente se dirigiu ao hospital, mas não lhe deixaram ver seu filho, além de
ter sido tratada com agressividade pelos policiais que escoltava a vítima.
Desesperada ROSELI procurou a ACAT-BRASIL no dia 23/05/03. Ela informou
todo o caso a entidade que, imediatamente colocou a disposição uma equipe
multidisciplinar que a acompanhou ao Hospital.
Assim que chegaram, foram informados que o preso Dilsimair não poderia receber
visitas por ordens superiores do próprio Hospital. No mesmo dia o advogado da
vítima solicitou autorização jurídica a Comarca de Franco da Rocha para a mãe
visitar o filho.
Segundo a versão dos policiais, o preso teria morrido em decorrência de uma
queda que o fez bater a cabeça na grade da cela12. Porém, os relatórios médicos13
10
Conforme notificado pelo Relatório assinado pelo Dr. Alexandre Carrão Castagnolli, CRM 96625.
Relatório Médico assinado pela Dra. Vera Leme, CRM 40205.
12
Boletim de Ocorrência 2426/2003.
13
Relatório assinado pelo Dr. Alexandre Carrão Castagnolli, CRM 96625, Relatório Médico assinado pela
Dra. Vera Leme, CRM 40205
11
12
contrariam essa versão, devido à gravidade do ferimento, que visivelmente
mostrava parte da massa encefálica de DILSIMAIR, algo improvável de ocorrer
por conta de uma simples queda. As declarações dos presos confirmam essa
contradição pois, segundo eles, DILSIMAIR apresentava um ferimento bastante
profundo.
As providências tomadas pela ACAT foram a elaboração de ofícios sobre o caso,
denunciando às autoridades competentes as violações cometidas pelos agentes
em relação ao preso Dilsimair. Foram enviados ofícios para o Secretario Nacional
Direitos Humanos, Dr. Nilmário Miranda; Ministério da Justiça, Ministro Márcio
Thomaz Bastos; Ouvidoria de Policia; Ministério Público, Dr. Carlos Cardoso de
Oliveira Junior, e organizações internacionais como: Fi.ACAT;OMCT, ONU; Anistia
Internacional (AI). Atualmente, o departamento jurídico da entidade está em fase
final de elaboração de ação de indenização contra o ESTADO DE SÃO PAULO
em favor da mãe de DILSIMAIR.
DENILSON BUENO DE TOLEDO, Peruíbe, São Paulo.
DENILSON BUENO DE TOLEDO, brasileiro, solteiro, 19 anos, filho de JOSÉ
BUENO DE TOLEDO e MARLENE DA SILVA, morava com o pai na cidade de
Peruíbe. Segundo relato de sua mãe, DENILSON tinha duas passagens pela
FEBEM por conta de pequenos furtos, sendo que na época dos fatos a seguir
relatados, estava em liberdade assistida.
Segundo relatos de seus pais, DENILSON vinha recebendo seguidas ameaças de
policiais, que lhe diziam em constantes abordagens: “a coisa tá pequena pro teu
lado”; quando estava acompanhado do cunhado, este ouviu de policiais: “não siga
o caminho dele (DENILSON), vai se dar mal; em outra ocasião ainda, quando
estava passeando com a namorada, DENILSON foi abordado por policiais, que o
obrigaram a tirar toda a roupa para uma revista, humilhando-o na rua na frente da
namorada.
A família de DENILSON é relativamente pobre, seus pais são separados e
demonstraram, nos contatos feitos com a equipe multidisciplinar da ACAT
BRASIL, que sempre acompanharam com muita apreensão e impotência a
trajetória do filho, desde os primeiros problemas com a polícia até o dia de sua
morte. No dia dos fatos, JOSÉ, pai de DENILSON, estava esperando-o no centro
da cidade para comprar um presente para o filho, que faria 20 anos no dia
seguinte.
DENILSON foi detido para averiguação no dia 30/04/2003, na cidade de Peruíbe –
SP, por estar de posse de objetos de procedência suspeita (possivelmente
furtadas ou roubadas); tal detenção foi relatada em dois Boletins de Ocorrência.14
14
Na Polícia Militar BO sob o código 606294000, nº 13, folha 11, de 30/04/2003, 29º BPM, 4ª CIA; na Polícia Civil BO
nº 1847/03.
13
Já sob tutela da Polícia Civil, DENILSON foi algemado e colocado dentro da
viatura, onde, segundo relatos de testemunhas, já teria se iniciado o seu
espancamento; nas dependências de Delegacia de Polícia de Peruíbe, as
agressões continuaram, sendo que, quando DENILSON estava no local
denominado “gaiola” (cela de isolamento utilizada para interrogatórios), foi
assassinado por VANDERSON PEREIRA DA SILVA, cuja qualificação não foi
mencionada, mas, aparentemente, trata-se de investigador de polícia.
O espancamento foi visto por NOEMIA DIAS DOS SANTOS LIMA, que avisou a
mãe de DENILSON sobre o que estava ocorrendo na delegacia (depois, em
conversa com a equipe da ACAT BRASIL, NOEMIA não quis confirmar seu
testemunho, dizendo apenas que tinha visto DENILSON ser detido; outra
testemunha conhecida apenas como DEDÉ, funcionário do posto de gasolina em
frente ao qual DENILSON foi detido, também recusou-se a testemunhar, embora
os pais de DENILSON afirmem que ele viu o momento da detenção e o início dos
espancamentos).
Segundo informou o pai de DENILSON, um dos policiais que estava com seu filho
na “gaiola” tem o apelido de “carioca” e é conhecido como policial “matador”,
indício de que na cidade de Peruíbe possa existir um grupo de extermínio.
O assassinato de DENILSON foi narrado em um Boletim de Ocorrência15, onde
DENILSON consta como “resistente” e VANDERSON PEREIRA DA SILVA (1ª
vítima) e VALMIR RODRIGUES JUNIOR (2ª vítima), aparentemente
investigadores policiais, constam como vítimas; neste BO consta que DENILSON
estava sendo interrogado “... na gaiola defronte à cadeia ... quando o mesmo, num
movimento brusco, apossou-se da arma que a segunda vítima trazia à cintura,
sendo de imediato alvejado pela primeira vítima, que se encontrava armada com
uma submetralhadora cal. 9mm...”. Esta versão dos fatos, pelas próprias
circunstâncias acima narradas, não se afigura plausível, na medida em que
propõe que dois policiais armados, dentro de uma cela de isolamento, com um
rapaz rendido e algemado, não conseguiram manter o controle da situação.
Como as circunstâncias do assassinato de DENILSON são imprecisas e envolvem
autoridades policiais, foi instaurado um Inquérito Policial na Delegacia de
Itanhaém – SP, sob o nº 1.849/03, para apurar eventuais responsabilidades dos
agentes públicos; atualmente, este BO encontra-se na Corregedoria de Santos,
que vai decidir sobre a competência das investigações deste inquérito. É neste
inquérito que todos os fatos e versões serão devidamente apurados, podendo o
resultado desta investigação acarretar processo penal contra o(s) assassino(s) de
DENILSON; no âmbito civil, a ACAT está coletando documentos para propor ação
indenizatória contra o Estado em favor dos pais e da irmã de DENILSON.
15
nº 1849/2003, Delegacia de Peruíbe – SP.
14
Nilson Saldanha, São Paulo, Capital
NILSON SALDANHA, de 40 anos, foi preso por roubo no dia 15 de julho de 1999 e
dividia a cela com mais de 34 detentos nas dependências do 50°Distrito Policial,
no Itaim Paulista, na zona Leste de São Paulo. Ele havia sido condenado há 9
anos de reclusão, mas aguardava na delegacia vaga em uma penitenciaria do
Estado.16
No dia 9 de junho foi realizada uma operação de revista nas celas do 50° Distrito
Policial, realizada pelo Grupo de Operações Especiais (GOE) e pelo reforço
policial fornecido pela 7ª Delegacia Seccional, solicitada pela delegada Titular,
Enilda Soares Xavier.
Os policiais ordenaram aos presos que saíssem das celas sem roupas e que se
dirigissem ao pátio do Distrito. Em seguida, foram novamente encaminhados para
as celas, onde tiveram que passar por uma fila de policiais, conhecido como
“Corredor Polonês”. Ao passarem, os presos foram submetidos a golpes de barras
de ferro. Posteriormente, Nilson e outro detento foram separados dos outros e
passaram a levar choques elétricos. Eles foram obrigados a sentarem em panos
molhados, onde eram descarregadas descargas elétricas através de um fio,
presente nas celas, utilizados pelos presos para esquentar comida. Nilson foi
submetido à tortura aproximadamente por 6 horas.17 A delegada titular e o
delegado Bengal Fermíno de Brito assistiam a tudo e apoiaram a violência.
Após essas sessões de tortura, nenhum preso passou por exame de corpo de
delito ou foi hospitalizado. Nilson, que se apresentava em pior estado, faleceu no
dia 19 de julho, no Pronto Socorro, em decorrência da violência a que foi
submetido.
Conforme o exame realizado pelo Instituto Médico Legal (IML), Nilson foi vítima de
tortura. O exame apontou hematomas nos glúteos, no braço direito, na axila e na
coxa esquerda, cortes no couro cabeludo, no olho esquerdo e no lábio inferior.
Conforme exame interno do corpo, havia grandes e profundas lesões nas costas,
costelas, hematomas nos pulmões e hemorragia nos rins. Saldanha também
apresentou litros de sangue coagulado no cérebro, resultado de choques e
pancadas que levou.18
A notícia da morte de Nilson foi amplamente noticiada pela mídia, mais
especificamente no Diário Popular (atualmente chamado Diário de S. Paulo), no
dia 20 de junho de 2000.
16
Conforme registrado no Relatório elaborado pela ACAT sobre o caso.
Conforme dados do Inquérito Policial, realizado pelo Departamento de Investigações Policiais (DIPO), N° 050.00.0556858/000
18
Conforme dados do Inquérito Policial, realizado pelo Departamento de Investigações Policiais (DIPO), N° 050.00.0556858/000
17
15
Foi realizado Inquérito Policial no Departamento de Investigações Policiais (DIPO)
e N° 050.00.055685-8/000, pelo Ministério Público N° 401/2000.Acerca de
processos judiciais, a Sra. Maria Lucidalva Clementina da Silva, esposa de Nilson
Saldanha, moveu uma ação de indenização contra o Estado, responsabilizando-o
pela execução de seu marido. Outro processo está sendo movido pelo Ministério
Público para responsabilização dos autores da tortura.19
A ACAT vem acompanhando as investigações através dos advogados
responsáveis. É Realizado também um trabalho de acompanhamento junto a
família da vítima, traumatizada pelo acontecido, através da Comissão
Multidisciplinar. Acompanhou o Relatório sobre Tortura da ONU, Sr. Nigel Rodley,
em sua visita ao 50°DP, local onde ocorreram os fatos, bem como mediou uma
entrevisto do mesmo com a família de Nilson Saldanha.20
Caso Fernando Dutra Pinto
Contexto
No dia 21 de agosto de 2001, Patrícia Abravanel, filha do apresentador e dono do
SBT (Sistema Brasileiro de Televisão) Silvio Santos, foi seqüestrada por um grupo
de seis homens, que invadiu a mansão em que a família mora, no bairro do
Morumbi, em São Paulo, na hora em ela saia para a faculdade. A pedido da
família, a polícia e a imprensa não se envolveram no caso até o pagamento do
resgate e a volta da estudante para casa, no dia 28 do mesmo mês.
Uma denúncia anônima, no dia 29 de agosto, levou três investigadores do 91.º
Distrito Policial ao flat onde Fernando Dutra Pinto, acusado de ser o mentor do
seqüestro de Patrícia, se escondia, em Barueri. Segundo relato da polícia na
época, Fernando teria sido reconhecido pelos investigadores que tentaram
imobilizá-lo, mas, segundo os policiais, ele teria conseguido desvencilhar-se, sacar
duas pistolas e atirar para todos os lados, matando dois dos policiais. Fernando
Dutra Pinto, que também ficou ferido por um projétil de arma de fogo, desceu um
lance de escadas e quebrou a janela de vidro do saguão, que dá acesso a um
pequeno fosso, de cerca de 80 cm, entre as paredes da torre do elevador e do
bloco de apartamentos. Dali, segundo a polícia, ele teria descido escorregando do
nono andar até o térreo, apoiando as costas e os pés num vão entre duas
paredes, escapando do reforço policial que subia de elevador. Fernando fugiu em
um carro, acompanhado de uma pessoa não identificada. Os policiais haviam
encontrado seu quarto do hotel, uma hora e meia antes do tiroteio, parte do que
supunha ser a quantia paga no resgate (R$464 mil), explosivos e duas pistolas
automáticas. Os policiais só teriam levado para a delegacia o dinheiro, deixando
no quarto do flat L’Etoile as armas do seqüestrador.
19
20
Conforme registrado no Relatório elaborado pela ACAT sobre o caso
Relatório da ACAT sobre o caso Nilson Saldanha
16
No dia 30 de agosto, Fernando Dutra Pinto foi à casa de Silvio Santos e o
manteve como refém por sete horas. Muito nervoso com a chegada de delegados
e investigadores da Polícia Civil, ele confessou que estava com medo e disse que
negociaria apenas com policiais militares. Exigiu também a presença do
governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Após uma série de negociações,
Fernando foi levado para o Centro de Observação Criminológica (COC), no
Carandiru. Em 24 de outubro, Fernando foi denunciado por dois seqüestros,
roubo, porte de arma, formação de quadrilha e falsificação de documentos. Estava
sendo ainda investigado pela morte dos dois policiais. Os outros membros da
quadrilha respondem pela co-autoria do seqüestro de Patrícia Abravanel,
formação de quadrilha e porte de armas.
Fatos da Execução
No dia 2 de janeiro de 2002, Fernando Dutra Pinto morreu de parada cardíaca nas
dependências do Centro de Detenção Provisória Chácara Belém II, em São Paulo.
A Comissão Teotônio Vilela foi convidada pela Secretaria de Segurança Pública a
acompanhar os trabalhos da perícia médica oficial que apurava as causas da
morte de Fernando.
A morte de Fernando Dutra Pinto, desde o início, provocou dúvida e especulação,
especialmente por ele ter 22 anos e até aquele momento gozar de boa saúde.
Uma vez iniciadas as investigações, constatou-se que Fernando Dutra Pinto havia
se envolvido numa discussão com um funcionário no dia 9 ou 10 de dezembro e
que naquele dia foi espancado por três funcionários. Foi feito um exame de corpo
de delito, no dia 10 de dezembro, no IML-Leste, e no laudo constou “escoriações e
equimoses nas seguintes regiões: escapular esquerda, posterior do ombro
esquerdo, posterior do antebraço esquerdo, posterior da coxa esquerda, anterior
da coxa esquerda, anterior da axila direita, anterior do cotovelo direito, anterior do
antebraço direito”. Conforme o laudo, Fernando Dutra Pinto havia sofrido lesões
corporais de natureza leve, ‘salvo complicações posteriores inesperadas’. Ainda
de acordo com esse laudo, se reconhece que houve ofensa à integridade corporal
do examinado e que foi produzida por agente contundente. Desde esse dia,
Fernando somente teria passado por um atendimento médico no dia 31 de
dezembro. Ou seja, durante 19 dias ficou longe das vistas do médico. Quando a
ele foi novamente apresentado, queixou-se de que havia três dias que estava mal
e com febre. Dois dias depois morreria.
As fotos do pulmão obtidas na autópsia e a avaliação dos médicos que
acompanharam o Dr. Paulo Saldiva na perícia indicam um quadro de extrema
gravidade na infecção . Segundo relatos de um colega de cela de Fernando Dutra
Pinto, ele afirmou que Ferando foi submetido a banhos frios constantemente e que
teria ficado recolhido em cela solitária, depois dos atritos com o funcionário.
Segundo relato desse preso para a Revista ISTOÉ, n. 1686, Fernando Dutra Pinto
foi submetido por vários dias a longos banhos frios de madrugada na cela de
castigo e ameaçado de agressão por funcionários caso tentasse se esquivar.
17
Constatou-se que a morte de Fernando Dutra Pinto foi um desdobramento de
maus tratos seguidos de falta de tratamento médico adequado.
Segundo o Secretário da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, o caso
da agressão dos funcionários não foi investigada na época, porque Fernando
Dutra Pinto e o funcionário com o qual havia se desentendido fizeram um acordo
para que o caso não fosse levado adiante, nem na delegacia, nem internamente
no presídio. O médico do Centro de Detenção Provisória, Ricardo Cezar Cypriani,
no dia 12 de dezembro, convocou o paciente para uma reavaliação, uma vez que
havia elaborado um laudo de integridade física no dia 10 e o havia encaminhado
para o exame de corpo de delito. No dia 12, o médico constatou: “instalação de
hematoma em ombro direito, coxa direita e diminuição volumétrica do hematoma
em antebraço esquerdo”. Depois dessas observações registradas pelo médico da
unidade, somente no dia 31 de dezembro voltaria Fernando a se encontrar com
ele, apresentando já um quadro de saúde bastante grave. O que aconteceu,
portanto, entre os dias 12 e 31 de dezembro foi decisivo para a configuração do
quadro de infecção grave que provocou a morte de Fernando Dutra Pinto.
Providências Tomadas
A Comissão Teotônio Vilela, após ser convidada para acompanhar as
investigações que apurariam as causas da morte de Fernando Dutra Pinto,
entendeu por bem, convidar um especialista para acompanhar a perícia. Assim,
convidou o Dr. Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo. Foi exposta a preocupação da Comissão quanto ao caráter de
independência que as investigações deveriam ter em relação aos procedimentos
oficiais já adotados.
Após colher informações e obter relatório da perícia realizada pelo Dr. Saldiva, a
Comissão Teotônio Vilela elaborou um relatório no qual denunciou que Fernando
Dutra Pinto morreu em conseqüência de tortura. Sua morte foi causada por um
ferimento profundo nas costas, provocado pelas agressões sofridas em dezembro.
Além disso, houve abertura de Inquérito Policial e a Comissão solicitou ao
Ministério Público providências sobre o caso, que o está acompanhando
atualmente .
Marcelo Afonso da Silva, Santos São Paulo.
O adolescente Marcelo Afonso da Silva foi preso no dia 16/06/03, acusado de
envolvimento no assalto a uma padaria na esquina das ruas Luíza Macuco e
Campos Melo, bairro Vila Nova, na cidade de Santos. Nesta ocorrência, um
policial militar que estava no local foi baleado e morto por outro militar que o
confundiu com o assaltante. Este policial, que também foi atingido por seu colega
de farda, inicialmente acusou Marcelo de ter efetuado os tiros que mataram o
18
Policial Nilson Pestana da Assunção, versão que mais tarde foi desmontada por
uma testemunha ocular dos fatos.
Marcelo Afonso da Silva não portava arma alguma e, quando da troca de tiros
entre os policiais evadiu-se. Foi perseguido por diversas viaturas da polícia militar.
Apesar de todo o aparato empregado para prendê-lo, Marcelo conseguiu escapar.
A noite após ter retornado para sua casa, foi preso por policiais militares e levado
a DIJU (Delegacia Especializada da Infância e Juventude).
Na delegacia, Marcelo foi ameaçado e chegou a passar um bilhete para sua
advogada: “2º sargento marcelino e Luiz Souza me ameaçou falou que
quando eu sair vão me matar”(SIC).
Em 07/07/03 Marisa, a irmã do adolescente, dirigiu-se ao escritório da advogada,
muito nervosa, afirmando que havia ouvido no rádio que seu irmão havia sido
assassinado e que já havia ido a DIJU naquela manhã e foi informada de modo
bem grosseiro, que Marcelo havia morrido, em virtude de uma queda. A irmão
informou à advogada que no dia anterior, domingo 06/07, por volta das 11:00h da
manhã, começou a surgir um boato na feira que se realiza aos domingos no bairro
Vila Nova e, conhecida pelos moradores como “feira do rolo” que Marcelo ou
William que, segundo a polícia, assaltava nas redondezas, estava morto.
A advogada se dirigiu ao IML juntamente com Marisa na tentativa de identificar o
cadáver do adolescente. Inicialmente foram informadas que este não havia dado
entrada no local, depois de alguma insistência conseguiram a confirmação de que
o corpo lá estava, mas não constava o horário em que este havia chegado. As
duas puderam ver o corpo do adolescente e verificar que este possuía diversos
hematomas no abdômen, e escoriações na testa e no joelho.
Até o momento a família não sabe, com exatidão, o dia e o horário da morte do
adolescente. Possuem apenas a informação de que o cadáver foi retirado do PS
Central e levado para o IML, no domingo. Quanto à causa da morte recebeu a
informação através da advogada, que presenciou o preenchimento da certidão de
óbito, que a causa teria sido politraumatismo abdominal e hemorragia interna.
O exame necroscópico permite constatar que Marcelo foi barbaramente
espancando, antes de morrer.
II. GRUPOS DE EXTERMÍNIO
Introdução
Aqui pretendemos tratar de todos os casos de pessoas assassinadas por policiais,
fora das dependências prisionais, seja na rua, em casa das vítimas ou no
caminho, depois de já terem sido presos e colocados na viatura policial, mas sem
que seja notificada oficialmente sua prisão.
19
Este é um dos mais brutais casos de violação de direitos humanos que está
acontecendo no Brasil atual: o do extermínio mais ou menos sistemático de jovens
entre 16 e 24 anos, de sexo masculino, sempre pobres e habitantes das periferias
das grandes cidades. Os casos que têm vindo à tona (pois há muitos casos não
denunciados por causa do medo) mostram que esses crimes, em geral, são
realizados por policiais, isoladamente ou organizados em grupos de extermínio,
com a conivência de pequenos comerciantes que se sentem ameaçados com a
simples presença desses jovens. A descrição dos casos mostra que os jovens
assassinados estavam, em geral, em lugares públicos - bares, calçadas,
imediações de supermercados - e que um pequeno incidente – discussão, roubo
de produtos alimentícios de baixo valor, como refrigerantes, etc. - desencadeia
uma perseguição policial que culmina com o assassinato dos jovens, na maior
parte das vezes com requintes de crueldade e deixando marcas de tortura. Muitas
vezes os corpos não aparecem e os pais têm dificuldade de encaminhar os
processos pela falta da prova material do crime. Em geral, os pais e parentes,
quando procuram notícias e encaminham queixas, são objeto de duras
perseguições, constantes de xingamentos, espancamentos e ameaças de morte, e
até de tortura. Há também casos, mais raros, de adultos, até de certa idade, que
são executados sumariamente por motivos fúteis ou “enganos”.
Esses crimes podem acontecer isoladamente, porém há regiões em que as
organizações de defesa dos direitos humanos detectaram verdadeiros grupos de
extermínio de jovens, compostos por policiais militares, sobretudo, mas também
por policiais civis e outras pessoas. É o caso da cidade de Guarulhos, próxima de
São Paulo, e de Ribeirão Preto, no norte do Estado de São Paulo. Quando essas
mortes são executadas por grupos organizados de policiais, muitas vezes a
apuração dos crimes torna-se ainda mais difícil, por causa de uma teia de
cumplicidades, às vezes envolvendo personalidades poderosas. Seguem-se
alguns casos.
1. Grupos de extermínio em Guarulhos
Caso 1
Vítimas: Rodrigo Isac dos Santos, 17 anos, e Leandro Isac dos Santos, 19 anos
Ac usados: policiais militares
Local: Guarulhos
Data: 19 de novembro de 2001 e 16 de agosto de 2001, respectivamente
Denunciante: pai da vítimas, Elias Isac dos Santos
Histórico do caso:
Em 16 de agosto de 2001, Leandro, egresso da FEBEM, que era consumidor de
drogas e tinha algum relacionamento com traficantes locais, depois de ser
ameaçado por policiais da região, foi baleado e morto nas proximidades de sua
casa, em uma loja de doces, em 16 de agosto de 2001.
20
Meses depois, em 19 de novembro do mesmo ano, seu irmão, Rodrigo, voltava de
uma discoteca na madrugada de 18 para 19 de novembro, com mais cinco
colegas, todos trabalhadores e estudantes jovens e pobres quando – após uma
denúncia à polícia de roubo de fios elétricos abandonados que se efetuava perto
do local onde estavam – foram interpelados pela Polícia Militar. Vários correram
em diversas direções, mas Rodrigo foi detido e colocado dentro de uma viatura do
31º Batalhão da Polícia Militar.
Este fato foi presenciado descrito por um dos outros rapazes que conseguiram
fugir, pela vizinha do local onde aconteceu à prisão, Maria Aparecida Lisboa, de
44 anos, e pelo Cabo Leonardo Craveiro, que no inquérito afirmou ter visto dentro
da viatura Vtr-M 31114 um vulto que lhe pareceu ser de Rodrigo, que ele conhecia
de outras situações.21
Situação da investigação:
O fato do desaparecimento de Rodrigo foi denunciado imediatamento por seu pai,
Elias Isac dos Santos, através de Boletim de Ocorrência (nº8443/01) na 4ª
Delegacia de Polícia de Guarulhos e à Corregedoria da Polícia Militar, em 27 de
novembro de 2001.
Entretanto o corpo não apareceu até hoje. Em diversas ocasiões o Sr. Elias narrou
suas iniciativas particulares para reconhecer num resto de cadáver encontrado o
seu filho Rodrigo, que culminaram até em exames de DNA, que tendo dado
negativo, são contestados pelo denunciante em face de várias irregularidades.22
No inquérito efetuado pela Corregedoria Militar de Guarulhos (nº 041/122/2001)
prestaram depoimento sete policiais militares de plantão.23 Seis dos policiais
militares ouvidos, sobre os quais recaíam as suspeitas24, tiveram a prisão
temporária decretada pelo Juiz-Auditor Corregedor Permanente da Justiça Militar
e executada pelo comandante interino do 31º Batalhão da PM, ficando presos de 6
a 17 de dezembro. Enquanto estavam presos, foi ordenada a “degravação” das
fitas de comunicações entre eles. Por elas verificou-se que eles haviam penetrado
para além da avenida principal até a chácara, que haviam encontrado vários
rapazes que fugiam, e ao encalço de quem haviam corrido. Em certo trecho da
21
Conforme declarações contidas no Inquérito Policial Militar nº 041/122/2001.
22
Conforme documento do GTNM-SP “Anatomia de um desaparecimento”, feito a partir de entrevistas com
o denunciante; conforme o depoimento do Sr. Elias dos Santos na Audiência Pública sobre Grupos de
Extermínio em Guarulhos, realizada em 20/05/2003, na Câmara Municipal de Guarulhos (ver Atas); e
também conforme seu depoimento na sede da OAB, dia 14 de março de 2003, em Audiência Pública da
Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP, com o Secretário Nacional de DIreitos Humanos, Nilmário
Miranda.
23
Soldado Ricardo Veron Guimarães Junior, Soldado Jair de Almeida Bernardo, Soldado Samuel Alencar
Neri, Soldado José Carlos Romualdo, Soldado Ariovaldo Cristóvão Antonio de Freitas, Sargento Wagner
Garcia e Cabo Leonardo Rodrigues Craveiro.
24
Os mencionados na nota 4, com exceção do Cabo Leonardo Craveiro.
21
“degravação”, seguido de interrupção da fita por motivos técnicos não explicados,
ouve-se a frase: “Pode trazer! pode trazer!”. Ao observador dos autos fica claro
que diziam que podiam trazer Rodrigo para dentro da viatura. Tanto é assim que
todos os acusados foram depois ouvidos sobre as contradições entre suas
declarações e a degravação, especialmente sobre o sentido da frase acima, e as
respostas variaram entre “não me lembro” e “só falarei em juízo”. Depois desses
dias foram soltos já que “não havia corpo”, a materialidade do crime.
Em novembro de 2002, o Promotor de Guarulhos, Dr. Neudival Mascarenhas Filho
reabriu as investigações para apurar não apenas a morte de Rodrigo, como
também a de seu imão Leandro e a hipótese de relação entre as duas. O
inquérito25 encontra-se em fase de “diligências” da investigação policial, conduzido
pela Delegacia Seccional de Guarulhos (Delegado responsável, Dr. Genestreti),
tendo sido expedidos vários ofícios a diversos órgãos. Paralelamente está sendo
investigada também a morte de Leandro Isac dos Santos.26
=================================
Caso 2:
Vítimas: Dorival Renê Saviolli, 26 anos, e seu primo, Adriano Cavalcanti.
Acusados: policiais militares
Local: Guarulhos
Data: 9 de março de 2003
Denunciante: Alessandra Saviolli, irmã de Dorival
Histórico do caso: Foram presos ao saírem de uma festa.
Situação da investigação: Foi feito Boletim de Ocorrência na 8ª DP de Guarulhos
e na Delegacia de Homicídios de Guarulhos27.
====================================
Caso 3:
Vítima: Bruno Diego Adorni, de 17 anos
Acusados: policiais militares
Local: Guarulhos
Data: 28 de julho de 2002.
Denunciante: Aparecido Adorni
25
Nº 32/03.
Inquérito policial na Delegacia Seccional de Guarulhos nº177/03; e Processo no Fórum nº 1410/2001, a
partir do Boletim de Ocorrência nº 786/2001.
27
Conforme depoimento da denunciante na Audiência Pública sobre Grupos de Extermínio em Guarulhos,
realizada em 20/05/2003, na Câmara Municipal de Guarulhos (ver Atas).
26
22
Histórico do caso: Bruno foi pego por cinco policiais, em viatura chamada de
“tricolor” (policiais militares). Existem três testemunhas com endereços. O pai de
outro garoto que estava junto viu, também, o local onde foram colocados os
corpos. Ou eles foram mortos lá ou no caminho por cinco policiais militares daqui
de Guarulhos. O denunciante tem certeza de que se trata de execução, porque em
Guarulhos houve muitos casos desse tipo: para a pessoa não correr, eles abaixam
as calças e amarram os tênis.
Situação da investigação:
Prestou depoimento na Corregedoria de Guarulhos28
=====================================
Caso 4:
Vítimas: Robson César da Silva, 17 anos, e Richard Rafael dos Santos, 16 anos
Acusados: policiais militares
Local: Guarulhos, região de Vila Galvão
Data: madrugada de 18 para 19 de maio de 2001
Denunciante: Cristiane César da Silva Teixeira, irmã da vítima Robson
Histórico do caso: Foram abordados pela polícia, pela conhecida “são-paulina”
(vermelha, preta e branca, i.e., da Polícia Militar), segundo testemunhas. Um
conseguiu fugir e contou que um policial correu atrás dele atirando, mas não
consegui pegar. Foi esse rapaz que chegou até a casa da tia de Robson, onde ele
morava, e denunciou a prisão de Robson e Richard. Segundo testemunhas da rua,
conforme a denunciante, os policiais bateram muito, eles chegarem a ficar caídos
no chão, depois pegaram-nos e jogaram dentro da viatura, e até hoje, ninguém
viu, ninguém sabe mais, não se encontraram os corpos.
Situação da investigação:
Fizeram Boletim de Ocorrência na Corregedoria da Política Militar de Guarulhos.
Até hoje os corpos dos dois não foram encontrados. Recentemente foi descoberto
um cemitério clandestino na região de Guarulhos e, avisados por repórteres, os
parentes foram à polícia. Havia duas ossadas que poderiam corresponder aos
desaparecidos, pela faixa etária. Fizeram exame de DNA e estão esperando o
resultados.
As testemunhas prestaram depoimento na Corregedoria, uma delas reconheceu
um dos policiais, mas a Corregedoria argumentou que sem o corpo, mesmo
28
Conforme depoimento da denunciante na Audiência Pública sobre Grupos de Extermínio em Guarulhos,
realizada em 20/05/2003, na Câmara Municipal de Guarulhos (ver Atas).
23
havendo reconhecimento, não se pode acusar ninguém. O terceiro rapaz, que
conseguiu fugir, prestou depoimento.29
=========================================
Caso 5:
Vítima: Natália Glecimara Teixeira, 15 anos, morta junto com outros três
adolescentes: Daniel, Maurício e Silvio Lima Guerra
Acusados: policiais militares
Local: Guarulhos
Data: 19 de outubro de 2002.
Denunciantes: Tereza Cristina Bonifácio Teixeira, mãe, e Joaquim Teixeira, pai
Histórico do caso: A denunciante, mãe de Natália, conta que estavam cinco
adolescentes, entre eles sua filha e dois sobrinhos em frente de sua casa (no
Jardim Presidente Dutra), à noite, a 1h30 da manhã, conversando, inclusive com
ela, mãe. Considerando que já era tarde a denunciante disse para os rapazes irem
embora, para Natália entrar, e foi ela própria dormir. Os adolescentes disseram
que iriam em seguida. Um pouco depois disso a denunciante ouviu vários tiros e
quando cessou o grande barulho, saiu, com o marido que havia acordado e outro
filho de 18 anos. Verificou que estavam quatro adolescentes mortos, estirados de
bruços, com tiros na cabeça, os rapazes tendo entre 16 e 18 anos, tendo um
quinto sobrevivido, apesar de atingido por 13 tiros. Por este sobrevivente, soube a
denunciante que o crime tinha sido praticado por três homens que se
apresentaram sem capuzes e já começaram apontando as armas e mandando
que ficassem de bruços. Foram revistados e depois alguns segundos os três
homens começaram a atirar. Os mortos eram Natália, seus primos Daniel e
Maurício, e um vizinho, Silvio Lima Guerra. O sobrevivente é R.D.B.
Situação da investigação:
O caso foi relatado na Corregedoria de São Paulo e também na Delegacia de
Homicídios de Guarulhos, bem como na 7ª Delegacia de Guarulhos30. O pai da
vítima foi ameaçado depois do assassinato e prestou depoimento na
Corregedoria.
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Caso 6:
Vítima: Danilo Henrique Vicente, 16 anos, desapareceu com outro rapaz de 17
anos
29
Conforme depoimento da denunciante na Audiência Pública sobre Grupos de Extermínio em Guarulhos,
realizada em 20/05/2003, na Câmara Municipal de Guarulhos (ver Atas).
30
Conforme depoimento da denunciante na Audiência Pública sobre Grupos de Extermínio em Guarulhos,
realizada em 20/05/2003, na Câmara Municipal de Guarulhos (ver Atas).
24
Acusados: policiais militares
Local: Guarulhos
Data: 28-02-03
Denunciante: Sebastião Jesus Vicente
Histórico do caso: Foi visto dentro de uma viatura de polícia, conforme o
denunciante, pai da vítima, a partir de depoimento de outro adolescente amigo.
Situação da investigação:
O denunciante foi procurar e dar queixa na 1ª Delegacia de Polícia. Depois foi ao
DHPP, na Delegacia de Homicídios e na 6ª DP de Guarulhos. Até hoje os corpos
não apareceram. Recebeu denúncia anônima sobre a localização possível do
corpo de seu filho, mas ainda não pode verificar.Foi também ao IML tentar
reconhecer corpos. E também à Corregedoria da Polícia Militar, onde o policial
militar que estava na viatura foi reconhecido por uma testemunha, através de
fotografia. As testemunhas são adolescentes. Um deles estava de bicicleta e viu
Danilo dentro da viatura parada.31
================================================
Caso 7:
Vítima: Maurício da Silva, 15 anos
Acusados: policiais militares
Local: Guarulhos
Data: 19 de outubro de 2002.
Denunciante: Ana Maria da Silva
Histórico do caso: Conforme a denunciante, Maurício era um dos três rapazes
assassinados, junto com Natália, na frente da casa da depoente Tereza Cristina
Teixeira, no Jardim Presidente Dutra (Caso 5), de cuja chacina restou um
adolescente sobrevivente. Os outros adolescentes assassinados são: Daniel,
primo, e mais um vizinho, Wiliam. Maurício, filho caçula da denunciante, Daniel e
Natália eram primos. A denunciante tem mais dois filhos mais velhos e estão,
todos os três, sendo ameaçados de morte pela Polícia, tanto assim que tiveram
que abandonar sua casa, que ficou com uma cunhada, cujos dois filhos também
estão sendo perseguidos pela polícia, chegando a apanhar para indicar o
paradeiro dos dois irmãos de Maurício.
Situação da investigação: A denunciante esteve em várias dependências, mas não
soube especificar exatamente os procedimentos relativos ao assassinato de
31
Conforme depoimento da denunciante na Audiência Pública sobre Grupos de Extermínio em Guarulhos,
realizada em 20/05/2003, na Câmara Municipal de Guarulhos (ver Atas).
25
Maurício e a perseguição de que estão sendo vítimas seus dois outros filhos e ela
própria, que têm impedido os depoimentos.32
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Caso 8:
Vítima: Márcio Seminaldo (cerca de 25 anos)
Acusados: policiais militares
Local: Guarulhos
Data: 07/03/2002
Denunciante: José Maria Seminaldo, pai da vítima
Histórico do caso: Márcio estava em casa jogando no computador e saiu, mesmo
de roupão, para buscar a namorada. Deixou a namorada em casa dela por volta
das 11 hs. e pouco depois recebemos a notícia de que ele tinha sido assassinado
no cruzamento de duas ruas de Guarulhos. A cena do crime foi limpa
vertiginosamente. A notícia chegou rapidamente porque a irmã de Márcio,
estranhando sua demora, ligou para se celular e de lá responderam, com voz
disfarça, que “era a morte” e que Márcio “estava no inferno”.
Antes disso Márcio havia comentado que havia sofrido constrangimentos por parte
de policiais, fato comum no seu bairro de Vila Galvão, já que eles costumam ficar
na porta das escolas e obrigar os meninos a irem embora, fazê-los trocar os tênis
de um pé para outro e até atirando.
Situação da investigação: Quando comunicado o crime na 1ª DP de Guarulhos e
apresentado o celular, o delegado de plantão pode ouvir essa voz e a explicação
de que quem estaria falando (seria portanto o assassino) era um possível marginal
de Guarulhos. Na verdade essa pessoa também estava sendo ameaçada de
morte.
Essa declaração pôde ser ouvida inclusive pelo delegado que atendeu a
ocorrência, no 1º DP de Guarulhos. Quando o delegado atendeu a esse chamado
e tentava saber quem seria a outra pessoa que estaria falando do outro lado, essa
outra pessoa dava o nome de um possível marginal existente em Guarulhos, e
que teria ele assassinado o meu filho. Na verdade, depois eu fui descobrir que
também essa pessoa estava na mira dos assassinos e haviam até ligado do
celular do meu filho para essa pessoa, para que essa pessoa comparecesse num
determinado lugar da Cidade, onde muito provavelmente essa pessoa também
seria assassinada.
32
Conforme depoimento da denunciante na Audiência Pública sobre Grupos de Extermínio em Guarulhos,
realizada em 20/05/2003, na Câmara Municipal de Guarulhos.
26
Foi a própria Corregedoria de Polícia de Guarulhos que apresentou a evidência de
que o crime teria sido cometido por policiais militares, pois existe um processo lá,
com uma carta, cuja letra reconheci ser a de Márcio, em que ele acusa estar
sendo vítima de perseguições e afirma existir um grupo de extermínio em
Guarulhos formado por policiais militares. Nessa carta havia nomes e na
Corregedoria o denunciante ficou sabendo que, no próprio dia de seu assassinato,
um desses nomes começou a ser investigado.
O denunciante diz que, ao constatar a autoria do assassinato intimidou-se e teve
medo. Mas depois recebeu apoio da Ouvidoria de Polícia de São Paulo e de outro
pai de assassinado, o Sr. Elias dos Santos.33
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Caso 9:
Vítima: Élvis Correia Damasceno, 16 anos na época da morte.
Acusados: policiais militares
Local: Guarulhos
Data: 10/11/97
Denunciante: Edmundo Damasceno, pai
Histórico do caso: Elvis não voltou da escola. O pai escutou muitos tiros perto de
sua casa, na hora em que ele deveria voltar. No dia seguinte foi à Delegacia mas
o escrivão negou-se a fazer o Boletim de Ocorrência porque ainda não teria
passado o número de horas para tipificar um desaparecimento. Segundo soube
depois, ele e mais três colegas conseguiram violar a grade de um super mercado
e pegaram, cada um, um refrigerante. Uma vizinha avisou o dono do super
mercado que teria vindo com um pau. Os meninos fugiram e o Elvis foi então
perseguido por uma viatura. Desde então o corpo não apareceu. O nome do super
mercado é Jardim “Ansalca”, o dono é Zé da Sandra!
O menino que estava com Elvis, de nome Pombinho, era testemunha e o
denunciante toda hora o chamava para testemunhar e para investigar. Foi morto
quatro meses depois de Elvis. Tinha entre 16 e 17 anos.
33
Conforme depoimento da denunciante na Audiência Pública sobre Grupos de Extermínio em Guarulhos,
realizada em 20/05/2003, na Câmara Municipal de Guarulhos (ver Atas); e também conforme seu depoimento
na sede da OAB, dia 14 de março de 2003, em Audiência Pública da Comissão de Direitos Humanos da
OAB/SP, com o Secretário Nacional de DIreitos Humanos, Nilmário Miranda.
27
Situação da investigação: Fez o Boletim de Ocorrência na 4ª DP, voltou lá meses
depois. Não foi à Corregedoria de Polícia. Ninguém lhe avisou que deveria ir e não
teve essa idéia. Só agora, com as notícias que estão saindo na televisão
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2. Execução sumária no litoral sul de São Paulo
Caso 10:
Vítimas: Vitimas: Celso Giaielli Magalhães Junior, 20 anos, e Anderson do Carmo
– 17 anos
Acusados: policiais militares: Cabo Maurício Miranda e Soldado, Silvio Ricardo
Monteiro Batista.
Local: Mongaguá, SP
Data: 27/09/2002
Denunciantes: Arlete Bonavita Magalhães, mãe, 48 anos, separada, residente á
Av. Monteiro Lobato, 12570, Parque Verde Mar, Mongaguá, Litoral Sul de São
Paulo; e Ana Maria do Carmo, mãe, 61 anos, separada, residente á Av. São
Paulo, 11.817, Flórida Mirim – Mongaguá.
Histórico do caso: Segundo o relato das duas denunciantes,34 os jovens Celso e
Anderson estavam no Bar Casarão, Bairro Agenor de Campos, na cidade litorânea
de Mongaguá, local considerado como não sendo de boa freqüência. Por volta das
22 horas do dia 27 de setembro de 2002, chegaram dois policiais militares em
uma viatura marca Chevrolet Ipanema, prefixo 29.109 e desceram. Eram o Cabo
Maurício Miranda e o soldado Sílvio Ricardo M. Batista, que levaram os meninos
para dentro do banheiro e começaram a bater muito neles, segundo testemunhas
que estavam no local. Em seguida levaram os jovens para a viatura, que nessa
altura choravam muito e se abraçavam. Mas eles não foram levados para a
Delegacia de Polícia, pois segundo o Delegado Dr. João Neves Peres, os policiais
militares somente entregaram um papelzinho com os nomes dos jovens. As
denunciates afirmam que então pessoas conhecidas foram até sua casa e
contaram o que se havia passado. D. Arlete foi imediatamente para o Bar
Casarão, mas antes parou uma viatura da polícia que ia passando na Estrada Pe.
Manoel da Nóbrega, por volta da meia noite e falou com o Tenente Otoni o que
estava acontecendo. Segundo seu relato o Tenente solicitou imediatamente a
34
Conforme relato da visita realizada nas residências de D. Arlete Bonavita Magalhães e D. Ana Maria do
Carmo, dia 12 de outubro de 2002, pela Coordenadora da ACAT-Brasil, Isabel Perez, constante de Relatório
enviado ao Governador Geraldo Alckmin em 5/10/2002.
28
identificação da viatura que havia detido os dois jovens. Em questão de 10
minutos chegou a referida viatura, porém sem os jovens dentro, sendo o Tenente
Otoni informado pelo Cabo Maurício que os jovens haviam ficado na delegacia. D.
Arlete, conversando com o Cabo Maurício sentiu forte cheiro de álcool e percebeu
que os mesmos, tanto o Cabo como o Soldado, estavam muito nervosos. Relatou
ainda que o soldado Sílvio gritou de dentro da viatura “seu filho é ladrão, é
bandido mesmo”.
Em seguida, durante nove dias as duas mães procuraram por seus filhos em
Pronto- Socorros, hospitais, casa de amigos, IMLs, etc... No dia 05/09/02, pela
manhã, foram encontrado os corpos dos dois jovens enterrados em covas rasas
num matagal na estrada de Mambu, Itanhaem, cidade vizinha. D. Ana Maria do
Carmo, muito doente pediu para a madrinha de Anderson, D.Elizabete, ir junto
com D. Arlete ao IML (Instituto Médico Legal) para o reconhecimento dos corpos.
As duas declararam ter visto uma cena chocante, que nunca mais esquecerão.
Segundo informação do médico legista, Dr. Carlos Oliveira de Carvalho, os jovens
foram mortos com requintes de crueldade, tiros no peito e no crânio, e fratura na
mandíbula, devida a espancamento.
Situação da investigação:
Os policiais militares acusados foram afastados e estão recolhidos no Presídio
Militar Romão Gomes desde 11/10/02, data da decretação das prisões. Tratamse de prisões temporárias, decretadas para permitir que as investigações
corram sem constrangimentos, tanto para os familiares das vítimas, quanto para
testemunhas, peritos e autoridades que trabalham no caso. Em 21/01/02 os
acusados ingressaram com pedido de “Habeas Corpus”, que foi negado. Em
19/03/03 começaram a ser ouvidos os depoimentos das testemunhas,
acompanhadas por advogados da ACAT-Brasil. Foi requerida, pelos advogados
dos policiais militares a exumação do corpo de Celso, deferida pelo juiz e
realizada em 07/04/03. O objetivo da exumação seria a localização de um
possível projétil não proveniente das armas dos acusados, tese dos seus
advogados. Efetivamente foi encontrado esse outro projétil. Mas houve um fato
novo no processo: os primeiro projéteis encontrados nos corpos das vítimas
foram subtraídos dos autos do processo criminal. Embora tais objetos já
tivessem sido periciados (sendo que o laudo apontou que tais balas foram
disparadas pelas armas dos policiais militares que figuram como réus neste
processo), foi instaurado Inquérito Policial para apuração de Crime Contra a
Administração Pública.35
35
O presente Inquérito está em trâmite perante a Seccional de Policia de Itanhaém, sob o nº 08/03, em
fase de diligências.
29
Foi instaurado inquérito pela policia civil sob a responsabilidade do
delegado Dr. João José Peres Neves36. O Ouvidor da Polícia do Estado de São
Paulo, Dr. Firmino Fechio, abriu
procedimento para acompanhar as
investigações.A Corregedoria da PM, designou um tenente do batalhão para
apurar os fatos. O Secretário de Segurança Pública prometeu firmeza na
apuração.
A instrução criminal propriamente dita já encerrou. Resta aguardar que o
juiz decrete formalmente o encerramento da fase instrutória para abrir prazo às
partes para que estas apresentem suas alegações finais. E seguida o juiz decidirá
se os réus serão ou não encaminhados a julgamento por júri popular.
A ACAT-Brasil encaminhou ofício à Delegacia de Mongaguá, solicitando
que se fizesse um Boletim de Ocorrência sobre o fato de que D. Arlete notou um
veículo semelhante ao do Cabo Maurício, várias vezes estacionado próximo de
sua casa, e também enviou cópia o PROVITA (Programa de Proteção às vítimas).
Está também providenciando acompanhamento psicológico, médico e jurídico às
duas mães. Estuda ainda atuar como Assistente de Acusação no julgamento e
pede punição aos culpados de acordo com as leis 4898/65 e 9455/97, bem como
ressarcimento por danos morais e físicos, já que os dois rapazes eram esteio de
família.
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3. Extermínio em Sapopemba
Caso 11:
Vítimas: João Martins Rissi, casado, 30 anos; e Thiago Henrique do Prado,
18 anos.
Acusados: policiais militares
Local: Rua Guaiana Timbó – Parque Santa Madalena – Sapopemba, zona
leste da cidade de São Paulo.
Data: : 07-08-1999
Denunciantes: as famílias
Histórico do caso:
No dia anterior aos fatos, houve uma mega operação da polícia militar
(ROCAN) nos bairros Parque Santa Madalena e Jardim Planalto com a
36
O processo nº 357/02 corre 3ª Vara Criminal da Comarca de Itanhaém. Nele os policiais militares
Mauricio Miranda e Silvio Ricardo Monteiro Batista são acusados de homicídio doloso, ocultação de
cadáver e abuso de autoridade. O processo corre sob “Segredo de Justiça”.
30
finalidade de localizar a moto de um policial militar que havia sido roubada.
Neste mesmo dia policiais se dirigiram a casa de João Rissi perguntando da
procedência da moto que ali se encontrava. A marca da moto seria “Terere”,
mesma marca da moto de João Rissi. No dia dos fatos, as duas vítimas
retornavam de uma pizzaria para casa quando foram abordados por dois
homens que queriam a moto Terere. Esses dois homens efetuaram vários
disparos de armas de fogo contra as vítimas que vieram a falecer. No
caminho para o hospital João Rissi chegou a pronunciar para a esposa o
nome do modelo da moto “Tererê”.
Situação da investigação:
Na ocasião o caso foi levado ao conhecimento das autoridades policiais e
organizações de direitos humanos (Anistia Internacional). Durante as
investigações na fase do inquérito policial uma das testemunhas chaves foi
ameaçada de morte o que fez com que as demais se inibissem.O caso foi
acompanhado pelo 70º Distrito Policial. O inquérito37 está parado por falta de
provas.
====================================================
Caso 12:
Vítima: Daniel Lopes da Silva
Acusados: policial militar
Local: Rua Otacílio Cunha, Parque Santa Madalena – Sapopemba, zona
lesta da cidade de São Paulo.
Data: 2003
Denunciantes: a namorada
Histórico do caso: No dia dos fatos, Daniel acompanhava sua namorada à
casa quando foi abordado por um homem que desferiu tiros de arma de fogo
contra seu corpo a pretexto de pegar sua namorada e estuprá-la, como de
fato aconteceu. Pelo retrato falado que descreveu a namorada as
investigações chegaram ao policial.
Situação da investigação:
Inquérito Policial em curso no 70º DP. O acusado encontra-se preso.
37
Inquérito Policial nº 397-1999. – 70º DP
31
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Caso 13:
Vítima: Renato da Costa Sabino
Acusados: policiais militares
Local:. Rua Amorepinima, Parque Santa Madalena – Sapopemba, zona leste
da cidade de São Paulo.
Data: 14 de agosto de 2003.
Denunciantes: a família
Histórico do caso:
Renato envolveu-se, juntamente com um outro rapaz, em uma tentativa de
roubo de uma moto que, depois veio, a saber-se, tinha como dono um policial
militar. Este outro rapaz disparou um tiro no policial e foi preso. Renato fugiu,
mas foi pego por policiais que estavam em um carro comum. Os policiais
chegaram a telefonar para sua família pedindo dinheiro. Em seguida ligaram
novamente dizendo que não precisava porque Renato já estaria morto.
Minutos depois da ligação um carro filmado, de cor verde ou azul escuro,
parou próximo da favela onde morava Renato e mandou que ele descesse a
viela. Renato já estava ferido, mas outros disparos foram ouvidos. Renato,
socorrido em seguida, morreu no caminho para o hospital.
Situação da investigação:
No ato de registro do Boletim de Ocorrência no 70º DP a família pôde ver um carro
passando em frente e buzinando para os policiais ali presentes. Os noticiários
publicaram a prisão do rapaz que estava com Renato, mas não mencionaram
nada da sua participação e da sua morte. Foi também feita denúncia na Ouvidoria
de Polícia do Estado de São Paulo.
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Caso 14:
Vítima: José Nunes do Nascimento...
Acusados: policiais militares
Local:. Marginal do Oratório, Jardim Elba – Sapopemba
32
Data: 29 de março de 1999.
Denunciantes: a família
Histórico do caso:
Na noite dos fatos José estava no portão do barraco onde morava quando foi
levado pelos policiais pela viela. A mãe, avisada por vizinhos, saiu ao seu
encontro, mas os policiais que já estavam também com a segunda vítima,
impediram, com agressões, que ela se aproximasse e executaram os dois.
Situação da investigação:
Processo 1º Vara do Tribunal do Júri. Os policiais foram identificados e presos
preventivamente. Foram absolvidos na primeira instância e, com o recurso do
Ministério Público, está sendo aguardada a decisão da segunda instância. Durante
o curso do processo as testemunhas foram ameaçadas. Uma testemunha foi
presa arbitrariamente e torturada, sofrendo até hoje as seqüelas.
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Caso 15:
Vítima: Fábio Ferreira da Silva
Acusados: policial militar
Local:. Vila Industrial
Data: 15 de março de 2002
Denunciantes: a família
Histórico do caso:
Na noite de 15 de março de 2002, Fábio e mais 2 colegas estavam indo para
uma praça. Ao passarem em frente a um carro estacionado, pertencente a
um policial, este atirou em Fábio como reação à suspeita de se tratar de um
assalto. O asfalto sujo de sangue foi lavado pela moradora da casa onde o
carro estava estacionado, possivelmente parente do policial e Fábio foi
socorrido por ele no Hospital João XXIII, com perfurações provocadas por
projéteis na região do abdômen e dos glúteos, bem como em uma de suas
mãos, indicando se protegia. Fábio, após um período na UTI, veio a faleceu
em 05 de abril de 2002. Segundo relatos da avó de Fábio, datados de 11 de
fevereiro de 2003, Valdir, irmão de Fábio, vem sofrendo ameaças de um dos
rapazes que estavam com Fábio na noite do ocorrido e agressões de policias
não identificados até aquele momento.
Situação da investigação:
33
Foi encaminhada denúncia à Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo
sob o número de protocolo 428/02, órgão que encaminhou Ofício à DHPP
(Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa), a partir de dossiê elaborado
pela denunciante no qual constam os fatos. Inquériro Policial:
052.02002.761/5 – 1.ª Vara do Júri – Barra Funda
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4. Assassinatos na Baixada Santista
Caso 16:
Vítimas: A.P.S. ,14 anos, Paulo
anos
Roberto da Silva, 21 anos, e T. P. F., 17
Acusados: policiais militares Alessandro Oliveira, Edvaldo Rubens de Assis,
Humberto da Conceição, Antônio Sérgio da Costa e Alexandre Costa.
Local: imediações do Ilha Porchat Clube, na região da Praia do Itararé, São
Vicente (SP)
Data: 17 de fevereiro de 1999
Denunciantes: a família
Histórico do caso:
Na madrugada do dia 17 de fevereiro, por volta das 05h30 da manhã, os
rapazes estavam saindo de um baile de carnaval no Ilha Porchat Clube, na
região da praia do Itararé, em São Vicente, quando foram abordados por
uma viatura Blazer do Regimento de Cavalaria 9 de Julho da Polícia Militar,
ocupada por quatro policiais que estavam participando da “Operação
Verão”.38 Os rapazes foram obrigados a entrar na parte de trás da viatura de
prefixo 80003, que em seguida partiu do local.
De acordo com o depoimento de 11 testemunhas que depuseram no
inquérito policial, antes de serem obrigados a entrar na viatura os rapazes
foram agredidos pelos policiais.39
Posteriormente, de acordo com o que se apurou nas investigações40, a
Viatura se dirigiu para um manguezal na cidade vizinha de Praia Grande.
38
Carta do Deputado Renato Simões, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia
Legislativa de São Paulo, a Ouvidoria da Polícia de São Paulo, em 24 de fevereiro de 1999.
39
Relatório Final. Inquérito Policial nº 117/99, Proc. nº 90/99, 1ª Vara Criminal de Praia Grande, em 29 de
abril de 1999.
40
Relatório Final. Inquérito Policial nº 117/99, Proc. nº 90/99, 1ª Vara Criminal de Praia Grande, em 29 de
abril de 1999.
34
Três policiais desceram da viatura e retiraram os rapazes, obrigando-os a
entrar na mata. Um policial militar ficou no carro, deu marcha à ré e entrou no
mato, permanecendo no mangue até às 8h aproximadamente. Depois disso
os quatro policiais saíram sozinhos.41
Situação da investigação:
Em 25 de fevereiro de 1999, foi decretada a prisão temporária, por 30 dias
dos PMs: Alessandro Oliveira, Edvaldo Rubens de Assis, Humberto da
Conceição, Antônio Sérgio da Costa e Alexandre Costa. Todos foram detidos
no Presídio Militar Romão Gomes.42 Os corpos dos rapazes foram
encontrados somente 15 dias após o desaparecimento, em decorrência da
denúncia de testemunhas, e apresentavam sinais de execução, com tiros na
cabeça e nuca.43
Foram realizados diversos exames nas vestes que os policiais usavam no dia
do crime, nos resíduos de sangue encontrados na viatura, entre outros, que
em sua maioria incriminaram os PMs.44 O exame de DNA do sangue que foi
encontrado no carro de polícia em que estavam os policiais comprovou que o
sangue era das vítimas Paulo Roberto da Silva, A.P. S. e T. F.45
Em 4 de junho de 2002 teve início o Júri Popular no Fórum de Praia Grande
que, após três dias, condenou por unanimidade, pelos crimes de triplo
homicídio qualificado e três ocultações de cadáveres, o Policial Militar
Alessandro Oliveira, a 59 anos e seis meses de prisão em regime fechado e
a mais dois meses em regime semi-aberto. Os ex-soldados que também
participaram das mortes, Edvaldo Rubens de Assis, Humberto da Conceição
e Marcelo Christov receberam penas entre 52 e 59 anos de prisão.
=======================================================
5. Assassinato em Campinas
Caso 17:
Vítima: Jorge José Martins, aposentado
41
Relatório Final. Inquérito Policial nº 117/99, Proc. nº 90/99, 1ª Vara Criminal de Praia Grande, em 29 de
abril de 1999.
42
Poder Judiciário do Estado de São Paulo. Comarca de São Vicente. Pedido de prisão preventiva solicitada
pelo Delegado Carlos Eduardo Andrade Sampaio, em 25 de fevereiro de 1999.
43
Relatório Preliminar do IPM nº 003/07/99. Polícia Militar do Estado de São Paulo – 39º BPM/I, em 15 de
março de 1999.
44
Exame residuográfico em 20 de fevereiro de 1999, Oficio nº Correg PM – 140/123/99 ; Exame de
recentimento de uso de armas em 4 de março de 1999, Oficio nº Correg PM – 079/330/99 ; Exame das vestes
para material orgânico e inorgânico, cabelo, sangue humano etc. DNA, Oficio nº Correg PM – 081/330/99 em
4 de março de 1999.
45
Relatório de Analise do Centro de Exames, Análises e Pesquisas (CEAP) nº 166/99. Secretaria de
Segurança Pública, em 16 de abril de 1999.
35
Acusados: os policiais civis da Delegacia Anti- Seqüestro: Edison Norberto Doimo,
José Donizeth dos Santos, José Antonio Brisolla, Paulo César Calleri, Rita de
Cássia Silva, Cláudio Teodoro Lucas e Douglas Bertaggi de Santanna; e do
GARRA os seguintes policiais: Francisco André da Silva Pereira, Alcides
Agostinho, Paulo Rogério dos Santos Batista, Geraldo Fernandes Jordão, Rogério
Glauco Stevanato e Paulo Silveira Cintra Filho
Local: na residência da vítima, no Jardim das Bandeiras, II, em Campinas
(SP)
Data: 23 de maio de 2002, às 6 hs. da manhã
Denunciantes: a família e um dos cinco filhos, Éderson Donizete Martins.
Histórico do caso:
Na data e horário acima referidos policiais civis da Delegacia Especializada
Anti- Seqüestro (DEAS) e duas equipes do GARRA de Campinas dirigiramse à residência da vítima com o objetivo de cumprirem um mandado de
busca e apreensão expedido pela 1ª Vara Criminal da Comarca de Campinas
nos autos do processo nº. 730/02. Conforme investigações anteriores,
possivelmente o local estaria servindo para abrigar vítima de seqüestro.
Participaram dessa ação os policiais civis da Delegacia Anti- Seqüestro:
Edison Norberto Doimo, José Donizeth dos Santos, José Antonio Brisolla,
Paulo César Calleri, Rita de Cássia Silva, Cláudio Teodoro Lucas e Douglas
Bertaggi de Santanna; e do Garra os seguintes policiais: Francisco André da
Silva Pereira, Alcides Agostinho, Paulo Rogério dos Santos Batista, Geraldo
Fernandes Jordão, Rogério Glauco Stevanato e Paulo Silveira Cintra Filho.46
No Boletim de Ocorrência47 conta que os policiais pretendeiam prender
“possíveis autores de crime de extorsão mediante sequestro, que cercaram a
casa e avisaram de sua presença, pedindo que a porta fosse aberta, mas
que o “indiciado/vítima” teria surgido na janela, já de arma em punho,
disparando. Mas segundo declaração de um dos filhos, Éderson Donizete
Martins, eles foram acordados por volta das 6h15 da manhã por um barulho
vindo de fora de sua casa, como se estivessem chutando a porta da casa e
pessoas gritando expressões como “vou matar, vou matar”. Seu pai também
foi acordado e lhe falou que achava que eram marginais tentando invadir a
casa, pois alguns dias antes, uma casa nas proximidades da sua foi invadida
por marginais. Segundo ele, tudo aconteceu muito rápido, ouviu três ou
quatro estampidos de arma de fogo e logo em seguida sua casa foi invadida.
46
Inquérito Policial nº 206/02 da 2ª Delegacia de Crimes Funcionais da Corregedoria Geral da Polícia Civil
Boletim de Ocorrência nº 028/02 lavrado em 23/05/2002 na Delegacia Anti Seqüestro de Campinas – sobre
a ação que vitimou o aposentado Jorge José Martins.
47
36
Ele e seus irmãos foram dominados e algemados, somente depois de
“rendidos” é que souberam que seu pai havia sido baleado.48
Situação da investigação:
O perito Otávio Antônio Capasso, acionado para fazer o exame pericial inicial
no local dos fatos, disse que encontrou um revolver calibre 38 no corredor
externo, logo abaixo da janela, em uma escada, no segundo degrau de baixo
para cima, com as cinco cápsulas intactas, e apresentando marcas
características de ter sofrido uma queda. Próximo à arma no chão, o perito
encontrou três estojos deflagrados de calibre 40. Afirmou que examinou a
arma, fotografou-a, bem como o local onde ela foi encontrada, mas como
todos os cartuchos estavam intactos ele não os fotografou e, como é a
regra.49 O perito consignou a informação de que todos os cartuchos da arma
da vítima estavam íntegros no laudo nº 6362/02 do Instituto de Criminalística
de Campinas. Este fato contradiz o laudo nº 5818/02, também do mesmo
Instituto, de confronto balístico da arma que foi apresentada e apreendida50
na delegacia anti-seqüestro como sendo a que estava em poder do
aposentado Jorge, que estava com uma cápsula deflagrada.51
O exame necroscópico do Sr. Jorge concluiu que ele foi atingido por projétil
de arma de fogo na cabeça, no sentido de frente para trás e de baixo para
cima, produzindo um traumatismo crânio-encefálico fatal.52 Através de
confronto balístico entre a arma do policial Edison Doimo, os estojos
encontrados no local dos fatos e os projéteis, um retirado do corpo do Sr.
Jorge e o outro encontrado na cozinha, foi comprovado que o disparo que
matou o Sr. Jorge partiu da arma desse policial civil.53
No dia 02 de outubro do mesmo ano, o policial civil Edison Doimo foi
promovido por merecimento de 3ª classe para 2ª classe. Na polícia civil há
duas formas de promoção: por tempo de serviço e por merecimento, que foi
o caso do investigador Edison Doimo.54 O processo que investiga a execução
do aposentado Jorge José Martins está tramitando na Vara do Tribunal do
Júri de Campinas.55
48
Depoimento de Éderson Donizete Martins à fls. 11 do Processo 1246/02 da Vara do Tribunal do Júri de
Campinas/SP.
49
Depoimento do perito Otávio Antônio Capasso à fl. 199 do Processo 1246/02 da Vara do Tribunal do Júri
de Campinas/SP.
50
Auto de Exibição e Apreensão da arma que estava em poder do Sr. Jorge José Martins – fl. 06 199 do
Processo 1246/02 da Vara do Tribunal do Júri de Campinas/SP.
51
Inquérito Policial nº 206/02 da 2ª Delegacia de Crimes Funcionais da Corregedoria Geral da Polícia Civil
52
Laudo do Exame Necroscópico nº 530/02 de Jorge José Martins
53
Relatório de conclusão do Inquérito Policial nº 206/02 instaurado pelo Dr. Denis Castro, Delegado de
Polícia Titular da 2ª Delegacia de Crimes Funcionais.
54
Reportagem da Folha de São Paulo de 08/10/2002 – Cotidiano – Policial sob investigação por morte recebe
promoção.
55
Processo 1246/02 da Vara do Tribunal do Júri de Campinas/SP.
37
==============================================
6. Mortes em Caraguatatuba
Caso 18:
Vítimas: Valmir Conte “Valmirzinho”, 29 anos, Alessandro Renato Pereira de
Carvalho, 23 anos, Fábio Soares Menengrone, 22 anos, e Anderson José
Bastos, “Anzo”, 22 anos.
Acusados:
Local: Condomínio Maré Mansa II, na cidade de Caraguatatuba, litoral de
São Paulo
Data: 02 de Outubro de 2001
Denunciantes:
Histórico do caso:
No dia 02 de Outubro de 2001 policiais civis da cidade de Campinas, Estado de
São Paulo, invadiram com violência um apartamento no condomínio Maré Mansa
II, na cidade de Caraguatatuba, litoral de São Paulo, com a intenção de prender os
supostos assassinos do prefeito de Campinas, Antônio da Costa Santos, o
“Toninho do PT”, assassinado no dia 10 de setembro de 2001 quando saía de um
Shopping em Campinas. A ação dos policiais civis de Campinas em
Caraguatatuba resultou na execução dos jovens Valmir Conte, 29 anos, atingido
com dois tiros no rosto, um tiro na mão esquerda e um tiro nas costas56;
Alessandro Renato Pereira de Carvalho, 23 anos, que levou dois tiros no rosto57;
Fábio Soares Menengrone, 22 anos, atingido por um disparo no rosto, um no peito
e o terceiro de raspão na perna esquerda58 e Anderson José Bastos, 22 anos,
atingido nove vezes, no rosto, cabeça, tórax, braços e mão.59
Situação da investigação:
Os assassinatos foram cometidos pelo delegado M.A.M., e pelos policiais civis
A.B.J., N.C., F.N.A.C., S.J.C. e R.S.D., todos policiais da cidade de Campinas.60
Segundo a versão dos policiais, eles alvejaram os suspeitos em autodefesa. Em
depoimento prestado na delegacia de Caraguatatuba, M.A.M. declara que estando
56
Laudo do Exame Necroscópico de Valmir Conte – nº 2731/C/01 –.... 04 tiros dados à distância regular,
mais de 40 cm.
57
Laudo do Exame Necroscópico de Alessandro Renato Pereira de Carvalho – nº 2732/C/01.
58
Laudo do Exame Necroscópico de Fábio Soares Menengrone – nº 2773/C/01.
59
Laudo do Exame Necroscópico de Anderson José Bastos – nº 2327/C/01.
60
Os nomes dos policiais não podem ser divulgados para preservar o andamento das investigações.
38
em diligência com sua equipe, descobriram que os “indiciados” estavam
“homiziados” naquele local e, sendo “Anzo” e “Valmirzinho” de “alta
periculosidade”, deram “voz de prisão” aos mesmos. Segundo ainda o
depoimento, os policiais teriam sido “recebidos à bala”. No confronto só morreram
os “quatro indiciados”, quando levados para a Santa Casa, sucumbiram aos
ferimentos”. 61 Após a ação que vitimou os quatro jovens, os policiais civis da
cidade de Campinas foram até a Delegacia de Polícia de Caraguatatuba e
registraram um Boletim de Ocorrência62 e um Auto de Resistência Seguida de
Morte, onde eles figuram como vítimas e os jovens assassinados como
“indiciados”. Importante ressaltar que os policiais S.J.C. e R.L.S.D. sequer foram
mencionados no respectivo Boletim de Ocorrência e no Auto de Resistência
seguido de Morte como participantes da ação.63
No decorrer das investigações inúmeras contradições e irregularidades foram
sendo apontadas. Embora houvesse alegação de confronto, nenhum policial foi
ferido; não foi feita a fotografia do batente da porta do local, que poderia
demonstrar arrombamento por parte dos policiais, não foi elaborado um desenho
do local indicando onde foram encontradas as capsulas deflagradas e muitos
outros detalhas essenciais.64 Mesmo a declaração de que as vítimas foram
levadas para a Santa Casa não confere, pois todos morreram antes de lá
chegar.65 Tampouco ficou esclarecido quantos policiais acompanharam o
Delegado M. A. M.66
=============================================================
7. Assassinato na Vila Brasilândia
Caso 19:
Vítimas: F.F.O, 17 anos, estudante; e Fernando Leandro da Silva, 21 anos, auxiliar
de escritório
61
Histórico do Boletim de Ocorrência nº 5.359/2001 – lavrado na DelPol. de Caraguatatuba/ SP em
02.10.2001.
62
Boletim de Ocorrência nº 5.359/2001.
63
O ouvidor das polícias de São Paulo, Fermino Fechio, apontou pelo menos três falhas na ação da polícia
civil de Campinas em Caraguatatuba: Os investigadores não poderiam ter agido em outra cidade sem pedir
autorização à polícia local, a invasão a casa teria sido imprudente e o assassinato de todos eles, sem que
nenhum tenha se entregado, levanta suspeitas de chacina, apesar de a polícia dizer que houve tiroteio. “Além
de pedir autorização, ela (polícia) também não chega invadindo casas. O ideal seria montar campana próximo
ao local, para abordar os suspeitos na rua.” “Ouvidor aponta falhas em ação policial” - Folha de S.Paulo –
Cotidiano em 03/10/2001; ver também Boletim da Ouvidoria de Polícia – Otite Crônica nº 28 –, de
174/08/2002.
64
Análise de todos os laudos constantes no processo 542/2001 que tramita na 2ª Vara Criminal da Comarca
de Caraguatatuba/ SP.
65
Laudo da Polícia Técnica – fotografia de fls. 407 – processo 542/2001 – 2ª Vara Criminal da Comarca de
Caraguatatuba.
66
Ver Relatório detalhado da Justiça Global, 2001.
39
Acusados: policiais militares
Local: Rua José Benedito Pinto, na Vila Brasilândia, em São Paulo, capital
Data: 26 de novembro de 1999.
Denunciantes: famílias e D. Isabel Aparecida Faquim, mãe de F.
Histórico do caso:
Na manhã do dia 30 de outubro de 1999, F. trafegava com sua motocicleta pela
Avenida Fuad Lutfala, Vila Brasilândia, São Paulo – Capital, quando foi abordado
pelos policiais militares Sd.PM. Pascoal dos Santos Lima – RE 964184-0 e o
Sd.PM. Wilson Ferreira Evangelista – RE. 974145-3, que estavam na viatura da
Polícia Militar de prefixo M – 18301. O adolescente foi detido pelos policiais
porque a motocicleta que F. estava conduzindo não possuía placa e porque o
jovem tinha em sua pochete uma pequena quantidade de maconha.
F. foi conduzido até o 45º Distrito Policial, onde o delegado de plantão solicitou a
presença de D. Isabel Aparecida Faquim, mãe de F., apreendeu a maconha e
liberou a moto, sendo seus documentos apreendidos e as autuações relativas as
infrações de trânsito lavradas67, liberando então o rapaz. Mas F. disse à sua mãe
estar indignado porque os policiais haviam tirado dinheiro de sua carteira e, por
causa disso, estava pensando em denunciar as agressões que havia sofrido. Só aí
D. Isabel percebeu marcas nas orelhas e no corpo do rapaz. Mas mãe e filho,
temerosos de represálias nada denunciaram, limitando-se a contra o fato ao
delecado do 45 º Distrito Policial. Este os incentivou a registrar queixa, o que foi
feito no Boletim de Ocorrência de nº 2908/99, que versava sobre Abuso de
Autoridade, Lesão Corporal Dolosa e Peculato. O delegado acionou ainda a
Corregedoria da Polícia Militar, que compareceu ao distrito policial e ouviu as
declarações de F., informando que quando foi abordado pelos policiais militares,
estes passaram a arremessar sua cabeça, que estava com capacete, contra a
parede, inclusive agredindo-o com socos. Informou ainda que antes de ser levado
ao 45º DP, os policiais o levaram para a 3ª Cia, do 18º Batalhão da Polícia
Militar/M e ao chegar lá, voltou a ser agredido com socos, tendo que ficar somente
de cuecas recebendo tapas nas nádegas. Os policiais simultaneamente desferiam
tapas em suas orelhas, dizendo “Olha o telefone”. Ao ser liberado, F. verificou que
os policiais lhe subtraíram a quantia de R$ 52,00.68
67
Boletim de Ocorrência nº2906/99.
Entrevista de D. Isabel Aparecida Faquim, por telefone, ao Centro de Justiça Global em 18/03/2002 . Esta
denúncia foi encaminhada à Corregedoria da Polícia Militar e no relatório de conclusão da Seção de Justiça e
Disciplina do 18º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano – IPM nº 18BPMM – 022/07/99 às fls. 178
consta que as instalações descritas pelo jovem correspondem às do Batalhão.
68
40
Na noite do dia 26 de novembro, por volta das 23h00, F., sua namorada M.R.P. e
Fernando Leandro da Silva, estavam na Rua José Benedito Pinto, Vila Brasilândia,
em frente ao local onde haveria uma festa, aguardando a chegada de outros
amigos para entrarem no evento, quando M. ouviu o barulho de escapamento de
motocicleta se aproximando. De costas para a rua, abraçada a F., ouviu dois
disparos e viu Fernando cair encostado ao muro, olhou para o namorado e viu que
ele também havia sido baleado. Ela soltou-se do F., que caiu no chão, e o garupa
da motocicleta foi em direção a F. e continuou a disparar em seu rosto – foram
disparados 14 tiros - e depois retornou a moto, saindo em disparada. M. pode ver
que o garupa da moto estava de luvas e capacete escuros.69
Situação da investigação:
D. Isabel Aparecida Faquim, declara que seu filho foi morto um dia antes de
comparecer à Corregedoria da Polícia Militar para fazer o reconhecimento dos
policiais militares que o agrediram e apropriaram-se de seu dinheiro e que, ainda
na manhã do dia que seu filho foi morto, ao voltar do trabalho, foi procurada por
seus vizinhos que lhe contaram que naquela manhã uma viatura da Polícia Militar
rondou sua casa e perguntou aos vizinhos onde F. estudava, qual o horário de
entrada e saída da escola.70
No mesmo dia em que F. foi agredido, dentro do Distrito Policial, enquanto
aguardavam a presença da Corregedoria da Polícia Militar, os policiais militares
Wilson e Pascoal ameaçaram Fábio dizendo que ele iria se arrepender. Passados
alguns dias, Fábio contou a D. Isabel que os policiais militares por algumas vezes
o seguiam na rua, e que em um determinado dia, eles passaram com a viatura em
velocidade bem reduzida próximo a ele, apontando-lhes suas armas. Mãe e filho já
estavam temerosos, e até chegaram a se arrepender de terem feito a denúncia
contra os policiais Wilson e Pascoal.71 No dia 28 de novembro de 1999, foi
decretada a prisão temporária dos policiais militares Wilson F. Evangelista e
Pascoal dos Santos Lima, que foram liberados após cinco dias, pela
impossibilidade de se realizar o reconhecimento dos agressores por estarem de
capacete.72
Em 14 de fevereiro de 2000, os policiais militares Pascoal e Wilson foram
denunciados pelo 7º Promotor de Justiça Militar, Dr. José Eduardo Ismael Lutti,
como incursos nas disposições do artigo 209, caput, c.c. o artigo 70, II, “g”e “l”,
ambos do Código Penal Militar.73 Em 17 de abril do mesmo ano, foi proposta a
69
Depoimento de Michele Rodrigues Parolla em 30/11/99, ouvido às fls. 131 do IPM nº 18BPMM022/07/99.
70
Em depoimento no Boletim de Ocorrência nº 3167/99 em 26/11/99, lavrado no 45º DP.
71
Entrevista de D. Isabel Aparecida Faquim por telefone ao Centro de Justiça Global em 18/03/2002.
72
Inquérito Policial nº 803/99 que foi distribuído a 2ª Vara do Tribunal do Júri do Fórum do Jabaquara –
Capital – processo nº 003.00.000012/7.
73
Artigo 209 – Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem. Pena – detenção, de três meses a um
ano. Cumulado com o Artigo 70 – São circunstâncias que sempre agravam a pena quando não integrantes ou
qualificativas do crime. Inciso II. – Ter o agente cometido o crime: “g”- com abuso de poder ou violação de
41
suspensão condicional do processo nos termos do artigo 89 da Lei 9.099/9574 em
relação ao processo nº 18BPMM 022/07/99 que a Corregedoria da Polícia Militar
apurava as denúncias de agressão e apropriação do dinheiro do jovem F.
Em 21 de dezembro de 2000, na 30ª Vara Criminal da Capital, foi extinta a
punibilidade do processo nº 050.99.406393-9, que versava sobre lesão corporal
dolosa e abuso de autoridade praticado pelos policiais militares contra F.75, pois D.
Isabel manifestou o desejo de não representar contra os policiais militares,
justamente pelo fato de temer novas ameaças e represálias contra sua família.76
E após inúmeras investigações pelo delegado do 45º Distrito Policial e de uma
equipe do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), não foi
possível identificar os autores da morte dos jovens F. F. O e Fernando L. da Silva.
Dessa forma, no dia 28 de novembro de 2001, o processo que apurava a morte
desses jovens foi arquivado pelo Ministério Público.
=============================================================
8. Grupo de Extermínio de Ribeirão Preto, SP
Caso 20:
Vítimas: Fátima Aparecida Dionísio de Oliveira, 41 anos, empregada doméstica,
mãe das outras vítimas; e Juliano Delfino de Oliveira, 21 anos, servente de
pedreiro;
Acusados: policiais civis, possivelmente investigadores da DIG ou DISE.
Local: Rua Ribeirão Preto, 315, Vila Carvalho, dentro da casa das vítimas
Data: 06/06/2002
Denunciantes:
Histórico do caso:
Juliano tinha passado pela Febem por furto e porte de entorpecente.
Posteriormente havia sido preso em Jardinópolis. O crime, que atingiu mãe e
dois dos cinco filhos do casal, for cometido por quatro policiais civis, fardados
dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão; “l” – estando de serviço. Ambos do Código Penal
Militar
74
Artigo 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não
por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a
quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime,
presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena. Da Lei 9.099/95 (Juizados
Especiais).
75
Referente ao Boletim de Ocorrência nº 2908/99 lavrado em 30/10/99 no 45º DP.
76
Em entrevista por telefone ao Centro de Justiça Global em 18/03/2003, ao justificar o motivo por não
querer processar os policiais que supostamente podem ter matado seu filho.
42
e encapuzados. Juliano foi atingido por 7 tiros de armas calibre 12, munidas
de silenciadores, bala de 9mm., que o atingiram nas costas, no braço e no
abdômen. O outro irmão de Juliano, D. D. de O., 17 anos, estudante (1º
Colegial), foi igualmente baleado com o mesmo tipo de arma, levando dois
tiros que o atingiram no braço e na barriga, tendo sobrevivido. A mãe,
Fátima, levou 6 tiros no abdômen e faleceu.
Situação da investigação:
Foi instaurado inquérito policial no setor de homicídios e procedimento na
Corregedoria Civil.
=====================================================
Caso 21:
Vítimas: Marlene Mendes Anastácio, 15 anos, estudante, 6ª série; Rodrigo
Flausino, namorado de Marlene, 17 anos; e os irmãos de Marlene, Anderson
Mendes Anastácio, 19 anos, servente e jardineiro; e Wanderson Mendes
Anastácio, 18 anos, ajudante geral.
Acusados: presumivelmente policiais civis e militares
Local: Rua Floriano Leite Ribeiro, 226, Parque Ribeirão Preto, dentro de sua casa,
para os dois primeiros; e Avenida Patriarca, muro da fábrica Kibon, para os dois
segundos.
Data: 02/08/2002, para os dois primeiros, e 03/08/2002 para os dois
segundos
Denunciantes:
Histórico do caso:
Marlene e Rodrigo foram assassinados dentro da casa de Marlene, na
presença da mãe dela, por volta das 23 hs., na casa onde esta residia com
mais seis filhos. Anderson e Wanderson foram assassinados na rua (Avenida
Patriarca), nas proximidades, algumas horas depois. Anderson foi morto com
um tiro no pescoço, com arma calibre 12, por um homem encapuzado;
Wanderson levou 12 tiros na cabeça e diversos tiros no corpo, com arma
calibre 12, dados também por homens encapuzados.Wanderson já havia
sido ameaçados diversas vezes por policiais. Sua mãe e sua namorada, bem
como um irmão da vítima também foram ameaçados depois do ocorrido. A
mãe presenciou também a morte de Anderson e Wanderson. Um irmão
Situação da investigação:
Foi instaurado procedimento na Corregedoria
43
III. AMEAÇAS
Introdução
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, é fruto histórico de um
processo de constituição do conjunto de idéias que estabelecem um ideal comum
a ser atingido por toda a humanidade. Trata-se de direitos universais, indivisíveis e
inalienáveis aos quais todos os seres humanos deveriam ter acesso no sentido de
garantir-lhes a vida, a liberdade, a igualdade e a dignidade.
O princípio democrático está ligado a premissas de liberdade, soberania popular e
subordinação do poder ao Direito e por essa razão é a forma de governo ideal
para assegurar a implementação e manutenção de uma política de defesa dos
Direitos Humanos, já que é impossível a consolidação de fato de um regime
democrático sem que haja igualdade no exercício de direitos civis, políticos,
sociais, econômicos e culturais.
As arbitrariedades cometidas pelo Estado através de seus agentes, ferem a justiça
formal e se configuram em graves violações dos Direitos Humanos. Isto por que
se valendo do poder que lhes é atribuído pela sociedade em nome do respeito à
vida e da manutenção da ordem, muitos agentes se auto-atribuem o direito de
fazer justiça por seus próprios meios e cometem atos exacerbados e apócrifos.
A ocorrência de vários casos de violações de direitos humanos, principalmente
dos direitos civis, faz parte, infelizmente, do cotidiano de várias pessoas que vivem
em regiões pouco assistidas pelo poder público, como é o caso das periferias das
grandes cidades. Quando existe a presença do Estado, ela aparece representada
pela força repressiva: a policia. Está, quando entra nestas regiões, atua de forma
violenta em relação às classes populares.
Essa população sente-se completamente desprotegida, revelando num grande
descrédito na polícia e no sistema judiciário. Quando vítimas ou testemunhas de
algum crime, muitos cidadãos dessas regiões, principalmente em casos em que o
agressor é a policia, temem recorrer a instâncias competentes para receber apoio
e proteção.
Os casos que serão expostos abaixo, de vítimas de ameaças promovidas por
agentes do Estado, demonstram uma série de exemplos dessas arbitrariedades.
Revela também o sentimento de medo e de insegurança sentido por essa
população. Esses sentimentos mudam a rotina de vida dessas pessoas, forçandoas, muitas vezes, a mudarem não apenas seu cotidiano, mas dos locais onde
viveram grande parte de suas vidas. Elas são vítimas da ameaça, das restrições,
de insultos, de agressões, de prisões arbitrárias e de calúnias.
Baseando-se no Artigo III da Declaração dos Direitos Humanos em que “Todo
Homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” e no Artigo XII, em
44
que “Ninguém será sujeito a interferência na sua vida privada, na sua família, no
seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Todo
Homem tem direito à proteção da Lei contra tais interferências ou ataques”77 ,
temos que os casos descritos abaixo ferem explicitamente todas essas
determinações.
Atualmente, existem instituições capazes de criar espaços nos quais a população
pode denunciar os casos de ameaças e abusos cometidos pelar parte da policia.
São exemplos as Comissões de Direitos Humanos, as Associações de
Comunidades de Bairro, as Dioceses, as Ouvidorias, etc. Especialmente para
vítimas de ameaças existe o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas
Ameaçadas. Esse Programa existe em 15 Estados 78 (Acre, Amazonas, Bahia,
Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará,
Pernambuco, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo). Ele
existe para garantir a vida de vítimas e testemunhas ameaçadas, que encontramse me situação de vulnerabilidade.
Em São Paulo funciona o Programa Estadual de Proteção a Vítimas e
Testemunhas Ameaçadas, estabelecido através de parceria entre o Governo do
Estado e a Sociedade Civil, com apoio do Governo Federal. Esse Programa é
executado por uma organização não governamental, sob a coordenação de um
Conselho Deliberativo formado por representantes do Governo do Estado de São
Paulo, do Ministério Público e da Sociedade Civil.79
1 - CASOS DE AMEAÇA PROMOVIDA POR POLICIAIS MILITARES CONTRA
MORADORES DO JARDIM PRESIDENTE DUTRA, GUARULHOS, APÓS A
OCORRÊNCIA DE CHACINA NO LOCAL
Para contextualizar alguns casos abaixo descritos e que foram apresentados
durante a Audiência Pública sobre Grupos de Extermínio em Guarulhos, realizada
em 20 de maio de 2003, na Câmara Municipal dessa região, torna-se necessário
descrever uma chacina, ocorrida no dia 19 de outubro de 2002, que apareceu nos
depoimentos dos moradores de Jardim Presidente Dutra, Guarulhos, também
vítimas de ameaças promovidas por policiais na região. A chacina aparece na
maioria desses depoimentos porque as pessoas que estão sofrendo ameaças da
policia têm ligações familiares e de vizinhança com as vítimas da chacina, jovens
entre 16 e 18 anos. Inclusive, um dos denunciantes foi sobrevivente da chacina e
deu seu depoimento sobre os fatos do caso.80
77
Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948
Conforme o Segundo Relatório Nacional de Direitos Humanos (2002) – Secretaria Especial de Direitos
Humanos/Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos
79
Conforme o Segundo Relatório Nacional de Direitos Humanos (2002) – Secretaria Especial de Direitos
Humanos/Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos
78
80
Veja a cima Grupos de Extermínio em Guarulhos.
45
Conforme os relatos desses moradores, no dia 19 de outubro de 2002, no Jardim
Presidente Dutra, cinco adolescentes estavam conversando em frente a uma casa
quando, cerca de 1h30 da manhã, três homens apareceram atirando. Quatro
adolescentes foram mortos com tiros na cabeça, havendo apenas um
sobrevivente atingido por 13 tiros. Através desse sobrevivente, soube-se que o
crime tinha sido praticado por três homens que se apresentaram sem capuzes e já
começaram apontando as armas e mandando que os adolescentes ficassem de
bruços. Os mortos foram: Natália (filha de Tereza Cristina), seus primos Daniel e
Maurício (filho de Ana Maria da Silva), e um vizinho, William. O sobrevivente é
Sérgio Lima Guerra.
A chacina foi precedida de uma briga ocorrida nesse mesmo dia no Supermercado
chamado Dois Irmãos, localizado na rua Marinópolis, Jardim Presidente Dutra, de
propriedade de um senhor chamado “Abílio”. A discussão aconteceu entre William
- morador do bairro e um dos mortos na chacina - e o segurança do
supermercado, o policial militar “Araújo”, que trabalhava como segurança nas
“horas vagas”. O motivo da briga teria sido provocada após o segurança ter batido
no irmão de William, de 11 anos. O dono do Super Mercado teria ordenado ao
segurança que "matasse o menino ali mesmo", ao que Araújo teria declarado,
conforme relatos de vizinhos 81, que não o faria ali por haver muitas testemunhas,
"deixando o caso para depois".
Após essa chacina, vários moradores da região, principalmente familiares das
vítimas, passaram a sofrer ameaças da policia. Nenhum deles conseguia entender
ou explicar o motivo dessas perseguições, que acabaram inclusive forçando
muitos a se mudarem.
Abaixo seguem os casos denunciados pela vítimas dessas ameaças
1.1. Sra. Ana Maria, mãe de Maurício, um dos adolescentes assassinados
Histórico do Caso:
Em seu depoimento, Ana Maria descreveu os fatos que haviam precedido a
chacina de Jardim Presidente Dutra e o quanto estava abalada com a morte de
seu filho Maurício, vítima fatal desse episódio. Relatou que, um de seus filhos, que
estava voltando de uma outra festa naquela mesma noite, após escutar os
tiroteios, correu para a rua em que mora a sua avó e seus tios. Quando ele
chegou lá, já estavam os corpos estirados na rua. Posteriormente, ele teria visto a
chegada do carro da policia. O policial teria falado: “Vamos, é jogo rápido. Osh!
Tinha cinco, só tem quatro. Cadê o outro? É jogo rápido”. Os policiais teriam
81
Depoimento prestado na Audiência Pública sobre Grupos de Extermínio em Guarulhos, realizada em 20/05/2003, na
Câmara Municipal de Guarulhos
46
jogados os corpos no automóvel e os levado. Ana Maria declarou que após a
chacina, ela e seus dois filhos passaram a sofrer constantes ameaças de morte da
Polícia.
Ana Maria morava perto do supermercado onde ocorreu o fato que precedeu a
chacina. Após o crime, ela contou que sua casa era constantemente vigiada pelo
segurança do supermercado, também policial militar. Seus filhos não podiam,
segundo ela, dar um passo do portão para fora que eles já vinham pegá-los.
No dia em que seus filhos foram levados, pelos policiais, para a 7o Distrito Policial,
ela os acompanhou. Os policiais teriam alegado que seus filhos estariam
planejando, juntamente com outros moradores, invadir o supermercado.
No dia em que estiveram na 7° DP, Ana Maria contou que o próprio delegado do
7°DP disse que, se fosse ela, tiraria seus filhos de casa e os mandaria para algum
lugar pois “policial militar nenhum prestaria”, e que se fosse para eles incriminarem
os seus filhos, bastava eles colocarem um “pacotinho” no bolso para incriminá-los.
Posteriormente, Ana Maria disse ter sido orientada da mesma forma por uma
pessoa da Corregedoria de Policia. Ela se mudou naquele mesmo dia com seus
filhos, noras e netos. Sua casa passou a ser habitada por sua cunhada.
A Sra. Ana Maria e seus filhos estavam praticamente impedidos de voltarem ao
Jardim Presidente Dutra, pois sabiam que se aparecessem na região, muito
provavelmente seriam vítimas de ameaças e agressões.
Ela acrescentou que dois sobrinhos, filhos da cunhada com quem deixou a casa,
foram espancados para que informassem o paradeiro dos filhos de Ana Maria.
Certa vez, os agressores teriam invadido a casa de sua cunhada, às 2hs da
manhã, à procura de Ana Maria e de seus dois filhos.
As ameaças têm interferido na vida de Ana Maria e de seus filhos e familiares, já
que não tem sossego por se sentir responsável em protegê-los. Ela não acredita
mais na policia, não podendo contar com sua proteção. Em decorrência desses
fatos, seus filhos não podem sair, não podem voltar para a casa que moravam em
Jardim Presidente Dutra, que era de sua propriedade, para viver numa outra casa
em que paga aluguel, mesmo sem condições financeiras.
Situação da investigação:
Ana Maria esteve em várias dependências da polícia, mas não soube
especificar exatamente os procedimentos relativos ao assassinato de Maurício e a
perseguição de que estava sendo vítima sua família, o que têm impedido os
depoimentos.82 Várias vezes se sentiu inibida por policiais no momento de depor.
82
Conforme depoimento da denunciante na Audiência Pública sobre Grupos de Extermínio em Guarulhos,
realizada em 20/05/2003, na Câmara Municipal de Guarulhos.
47
Ana foi depor na Corregedoria da Policial Militar, na Luz, centro da cidade de São
Paulo, e em Guarulhos.
Fatos Adicionais:
A Audiência Pública sobre Grupos de Extermínio em Guarulhos foi muito
importante para a criação de um espaço onde as vítimas pudessem, não apenas
denunciar os casos de ameaças e abusos por parte da policia, mas também um
espaço de tomada de providências e encaminhamentos, tais como:
-
pedir à Corregedoria informações sobre o caso;
-
solicitar tratamento especial à Ana Maria, incluindo ela e seus filhos no
Programa de Testemunha, porque um deles, pelo menos, seria testemunha,
ainda que não presencial do crime;
-
atuar junto ao Ministério Público de São Paulo e à Corregedoria da Polícia
Militar, em identificar os autores dessa chacina em que mataram os dois
sobrinhos e um filho de Ana Maria.
1.2 Tereza Cristina Bonifácio e Joaquim Teixeira, pais da vítima Natália
Teixeira
Histórico do caso:
O Sr. Joaquim Teixeira, pai de Natália e tio do Daniel e de Maurício, relatou que a
chacina ocorreu justamente em frente a sua casa, e que ouviu os tiros enquanto
estava dormindo com sua esposa, Teresa. Não viram os autores do crime, mas
presenciaram a pior cena que poderiam ter presenciado na vida.
Após o acontecido, os moradores estavam velando os corpos na rua – que era
sem saída e por isso eles teriam decidido fazer o velório nesse local - quando os
policiais chegaram, com suas viaturas, de forma violenta, quase derrubando o
corpo de sua filha Natália - que estava no caixão -, e de outros dois.
Em protesto à chacina, no mesmo dia 19 de outubro, os moradores fizeram uma
manifestação para chamar a atenção das autoridades sobre o crime ocorrido na
região, o que gerou uma perseguição da policia contra os manifestantes. Os
policiais teriam começado a atirar para todos os lados com balas de borracha,
além de gás lacrimogêneo. Segundo Joaquim, ”parecia uma praça de guerra”.
Disse ainda que, em decorrência desse tiroteio e da forma agressiva com a qual
os policiais chagaram no local, os moradores todos correram para suas casas.
Enquanto isso ocorria, Joaquim estava em sua residência quando viu sua tia e seu
tio vindo em direção a sua casa. Ele foi recepciona-los quando um sargento da
Polícia Militar apareceu e o agrediu, com tapas, rasteiras, o que o fez cair no chão
e perder os sentidos. Posteriormente apareceram outros policiais que lhe deram
vários chutes, puxando-o pelos cabelos até o quintal de sua casa, falando os
48
piores palavrões e xingando seus familiares. Depois disso, os policiais começaram
a passar diariamente na rua
Situação da investigação:
O caso foi relatado à Corregedoria de São Paulo e também à Delegacia de
Homicídios de Guarulhos, bem como na 7ª Delegacia de Guarulhos83. Sobre a
agressividade com a qual os policiais chegaram no dia do velório de sua filha,
Joaquim passou para a Ouvidoria e para a OAB, os números das viaturas policiais
que quase derrubaram os caixões.
1.3. Sérgio Lima Guerra, e de seu irmão, Sandro Lima Guerra.
Histórico do caso:
Depoimento de Sandro Lima
Sandro relatou que no dia seguinte da chacina, ele foi espancado pelos policiais
dentro de sua casa, na frente dos pais, e o policial que o agrediu teria falado que
se ele quisesse chorar, era para “chorar no cemitério, que lá ia ser seu próximo
lugar”. Os policiais ainda bateram com a arma na cabeça de seu primo, cortando
sua cabeça.
Sandro ficou, das oito da manhã até as duas da tarde desse dia sem poder sair de
casa. Quando saiu no quintal, um policial veio até o portão de sua casa e deu-lhe
um tiro de borracha. A bala pegou na parede e respingou no braço de Sandro. Ele
não conseguia nem sair de sua casa para reconhecer o corpo do irmão. Ao
mesmo tempo em que Sandro estava sendo agredido, seu vizinho estava tomando
um tiro, ao lado, o Cláudio. Sandro foi espancado e, segundo ele, os policiais que
o agrediram foram “Araújo” e “Cojó”
Durante uma semana, os policiais ficaram rondando a rua. De vez em quando,
quando menos se esperava, eles entravam no quintal. Diariamente eles
passavam, paravam e olhavam.
Depoimento de Sérgio, sobrevivente
Sergio, único sobrevivente da chacina, relatou que no dia desse episódio ele foi
convidado pelos amigos a ir num samba e também convidou seu irmão para ir
junto. Voltando para casa, eles ficaram na rua conversando quando apareceram
três homens. Eles teriam se aproximado uns 5 metros de distância e sacaram as
armas, foi um para cada lado da rua e ficou um na frente apontando as armas.
Sérgio mostrou a identidade mas eles teriam falado para ele calar a boca e, junto
com os outros, atravessar a rua e deitar no chão. Sergio ouviu o primeiro tiro e,
83
Conforme depoimento da denunciante na Audiência Pública sobre Grupos de Extermínio em Guarulhos,
realizada em 20/05/2003, na Câmara Municipal de Guarulhos .
49
posteriormente, vários tiros. Quando olhou para o lado, viu que havia muito
sangue. Ele disse que começou a se sentir tonto e, quando acordou, estava sendo
socorrido. Ficou sabendo que o seu irmão e os seus amigos tinham morrido.
Declarou que não vai conseguir reconhecer as pessoas que atiraram porque
nunca os viu antes.
Situação da Investigação:
Sérgio prestou depoimento na Delegacia de Homicídios e na Corregedoria da
Policia Militar.
1.4. Cláudio Lima dos Santos
Contexto e fatos da ameaças:
Conforme os depoimentos de Cláudio Lima, que reside no local onde ocorreu a
chacina, no dia em que os vizinhos das vítimas, inclusive seus filhos, estava
fazendo uma reunião para velar o corpo, onde ocorreu a chacina. Durante essa
mobilização dos moradores, chegou um grupo de policiais. Conforme suas
declarações, os policiais teriam chegado de forma violenta, mesmo com a rua
cheia de criança, cheia de gente. Assustados com a forma como a polícia chegou,
todos saíram correndo, a turma se espalhou. Ele também teria corrido, junto com
sua filha caçula, para dentro de sua casa. Um dos policiais teria mandado Cláudio
sair de sua casa, mas ele disse que não sairia pois estava em sua casa. Cerca de
três a quatro policiais arrombaram seu portão, entrando em sua casa. Cláudio foi
até o banheiro. Conforme Cláudio, um sargento, abriu a porta do banheiro e
mandou ele sair. Assim que entraram em sua casa, eles se referiam a ele com o
nome de "William". Cláudio dizia a eles que esse não era seu nome, mas eles
continuavam chamando-o de William. Eles estavam com a arma empunhada,
abaixo da cintura, quando um deles atirou em sua perna. Esse policial teria falado
que iria voltar para matar-lo como "se matasse um cachorro". Após ter levado esse
tiro, Claudio ainda foi espancado.
Conforme o depoimento de Cláudio, um soldado teria falado ao policial - dirigindose a ele como Sargento - que ele não poderia ter feito isso com Cláudio.
Após esse episódio, Cláudio sente medo de sair de casa. Disse que a policia
passa em frente a sua casa e, quando está escuro o corredor de sua casa,
policiais passam com o farol lá dentro e saem devagarzinho.
50
Quando Cláudio foi buscar um Boletim de Ocorrência, descobriu que esse
documento dizia que Cláudio era quem havia acredito os policiais e que a arma
teria disparado.
Um policial, conhecido como Ximbica, também pegou uma foto de seu filho e . É
policial e estão dizendo que onde achasse o meu filho, matava.
Fatos da Investigação:
Cláudio fez um Boletim de Ocorrência na 31 e na 7ª. Na Corregedoria. A
Comissão decidiu que, segundo o teor das declarações, convocar o comandante
da Corporação na região, porque, vê-se que está havendo uma sucessão,
inclusive, de ameaças a testemunhas, vítimas.
2. ERICK NOGUEIRA
Histórico do caso:
Erik Nogueira relatou, em seus depoimentos84, que foi atacado por policiais
militares que estavam com capacetes e toucas ninja. Ele teria identificado seus
agressores como sendo policiais por ter reconhecido um deles, o policial "Sandro",
que estava de moto. No ataque de que foi vítima levou seis tiros e já havia sido
ameaçado de morte anteriormente. O caso ocorreu perto de um bar e outras
pessoas presenciaram o atentado, mas não testemunharam por medo. Esse fato
ocorreu em maio de 2001, época em que apresentava 18 anos.
Situação da investigação:
A vítima fez denúncia à Polícia e o policial Sandro, em virtude disso, foi preso.
Mas a vítima não sabe como está o processo.
3. AMEAÇAS E ESPANCAMENTOS COMETIDOS POR GUARDAS CIVIS DE
COTIA85
Abaixo serão descritos casos, relatados no “RELATORIO DE VIOLAÇÕES DOS
DIREITOS HUMANOS EM COTIA” (2003), informando que Guardas Civis vêm
espancando cidadãos em Cotia/SP e que têm proibido os mesmos de
denunciarem essas agressões à entidades de Direitos Humanos. As ameaças
84
Conforme depoimento da denunciante na Audiência Pública sobre Grupos de Extermínio em Guarulhos,
realizada em 20/05/2003, na Câmara Municipal de Guarulhos
85
Casos relatados no “RELATORIO DE VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS EM COTIA”, elaborado
pelo CONSELHO OUVIDOR DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA (2003) para ONU.
51
acabam causando medo de represálias. Sabe-se que existem muitos casos de
invasão de domicilio sem mandato e tortura.
3.1 Constrangimento contra as Sras. Miriam Raquel Pinto, Marta Cristina
Pinto e Eunice Maria de Lima Primo
Histórico do caso:
No dia 13 de junho de 2003, o Conselho Ouvidor De Direitos Humanos E
Cidadania atendeu a denúncia de constrangimento ilegal, promovida por Guardas
Civis de Cotia/SP, sofrido pelas senhoras Miriam Raquel Pinto, Marta Cristina
Pinto e Eunice Maria de Lima Primo.86
O fato ocorreu na área central de Cotia, São Paulo, e as senhoras estavam sendo
acusadas de terem roubado uma senhora no dia anterior, sendo abordadas dentro
de uma loja por Guardas Civis. Eles pediram que elas tirassem a roupa, com a
porta aberta e na presença de clientes e funcionários. Além disso, elas foram
humilhadas e ofendidas.
Situação da investigação:
Foi feito Boletim de Ocorrência sobre o caso (B.O 2862/2003).
Fatos Adicionais:
O CODH encaminhou o caso a autoridades competentes, tais como: Secretário da
Segurança Municipal de Cotia/SP (Protocolo 14480 e 015155), Promotor Carlos
Cardoso – Assessor Especial de Direitos Humanos da Procuradoria de Justiça de
São Paulo/SP (enviado em 23 de Junho de 2003), Prefeitura Municipal de
Cotia/SP (Protocolos: 014665 e 015156), Comissão de Direitos Humanos da AOB
de Cotia/SP (Protocolado em 23 de Junho de 2003).
3.2. Agressão sofrida por José Luiz Gomes dos Santos, promovida por
Guardas Civis
Histórico do caso:
O Conselho Ouvidor De Direitos Humanos E Cidadania recebeu no dia 04 de
Julho de 2003 denuncia da mãe do adolescente José Luiz Gomes Dos Santos,
que foi espancado por Guardas Civis no dia 28 de Junho. Ele estava andando a
cavalo pelo bairro de Caucaia do Alto – Cotia-SP, quando foi abordado por
Guardas Civis e, posteriormente, liberado. Porém, à tarde, os Guardas Civis foram
busca-lo em sua residência, onde apanhou na presença de vizinhos e de sua mãe.
Segundo o depoimento de sua mãe, ele apanhou na sede da Guarda Civil e que
teve que assinar um flagrante por ter sido ameaçado.
86
B.O 2862/2003
52
Fatos Adicionais:
O CODH encaminhou o caso a autoridades competentes, tais como: Secretário da
Segurança Municipal de Cotia/SP (Protocolo 14480 e 015155), Promotor Carlos
Cardoso – Assessor Especial de Direitos Humanos da Procuradoria de Justiça de
São Paulo/SP (enviado em 23 de Junho de 2003), Prefeitura Municipal de
Cotia/SP (Protocolos: 014665 e 015156), Comissão de Direitos Humanos da AOB
de Cotia/SP (Protocolado em 23 de Junho de 2003).
3.3. Margarida Maria da Silva e Diego Silva de Sales
Histórico do caso:
O Conselho Ouvidor De Direitos Humanos E Cidadania recebeu no dia 07 de julho
de 2003 a denuncia da Sra. Margarida Maria da Silva contra Guardas Civis, que
invadiram a sua residência e espancaram, algemaram e levaram para Delegacia
seu filho, Diego Silva de Sales. Sua mãe informou que foi empurrada por guardas
Civis e que a ameaçaram leva-la também. Diego estava com marcas visíveis da
tortura e que pediram ajuda ao CODH temendo por represálias.
Fatos Adicionais:
O CODH encaminhou o caso a autoridades competentes, tais como: Secretário da
Segurança Municipal de Cotia/SP (Protocolo 14480 e 015155), Promotor Carlos
Cardoso – Assessor Especial de Direitos Humanos da Procuradoria de Justiça de
São Paulo/SP (enviado em 23 de Junho de 2003), Prefeitura Municipal de
Cotia/SP (Protocolos: 014665 e 015156), Comissão de Direitos Humanos da AOB
de Cotia/SP (Protocolado em 23 de Junho de 2003), Delegado Titular de Policia
de Cotia/SP (Oficio: 0060/2003 dia 15 de Julho de 2003 Ref: ao caso DIEGO
SILVA SALES e MARGARIDA MARIA DA SILVA.
3.4. Represálias contra o CODH
Histórico do caso:
O presidente do Conselho Ouvidor De Direitos Humanos E Cidadania CODH mais
alguns diretores vem sofrendo represálias devido a denuncias que foram
encaminhadas chegando ao ponto de receber ameaças pessoalmente.
Situação da investigação:
No ultimo dia 27 de julho de 2003 a sede do CODH, foi arrombada de forma
estranha e que foi levada a CPU 133 e a pasta de denuncias e que foi registrado
o B.O PM 408333200 e do B.O 3580/2003 na delegacia central de Cotia/SP.
53
4. Atentado contra FRANCISCO JOÃO DE SOUSA (CHIQUINHO DO
GARDÊNIA)87
Histórico do caso:
Neste ano (2003) surgiram várias denúncias de irregularidades ocorridas na
Câmara Municipal de Suzano, tais como suspeitas de falsificação de notas fiscais
e superfaturamento na compra de itens de informática (computadores e
impressoras) e equipamentos de segurança (catracas, vidros blindados, porta com
detector de metal). Essas denúncias acusavam diretamente os vereadores da
cidade que integravam a mesa diretora do Legislativo entre 2001 e 200288.
Devido a essa série de denúncias, a Comissão de Ética Parlamentar da Câmara
de Suzano, foi acionada para iniciar a investigação sobre as acusações. Essa
Comissão foi composta pelos vereadores Antonio Pascoal de Abreu (PDT), o
Toninho Português – presidente, Gedeval Alencar da Silva (sem partido), o Vaval
Alencar – vice-presidente e Pedro da Silva (PFL), o Pedrinho do Mercado –
membro. Antes mesmo do inicio dos trabalhos da Comissão de Ética, o vereador
Toninho Português, renunciou a presidência da mesma, alegando motivos
particulares. Em conseqüência disso o vereador Vaval Alencar passou a presidir a
Comissão de Ética, o vereador Pedrinho do Mercado tornou-se vice-presidente e o
vereador Francisco João de Sousa (PT), o Chiquinho do Gardênia, foi nomeado
membro da referida comissão.
O inicio da apuração vem sendo cercado de bastante expectativa pela população
e divergências entre os membros no encaminhamento da apuração dos fatos.
Diante desta polêmica, o início dos trabalhos vem sendo prejudicado.
Na madrugada do dia 27 de junho, uma bomba – aparentemente de fabricação
caseira – foi detonada no portão da casa do vereador Chiquinho do Gardênia, que
fica no Jardim Gardênia Azul, bairro periférico de Suzano, deixando evidências de
que se tratava de uma tentativa de intimidar o vereador;
O supervisor de telemarketing, Carlos Fernando Oliveira Borges, autor das
denúncias relatou que recebeu várias vezes ameaças por telefonemas anônimos,
conforme noticiado pelos jornais da região (Diário de Suzano e Mogi News). Após
esse episódio o vereador Vaval Alencar também informou à imprensa que já havia
recebido ameaças.
De acordo com matéria publicada no jornal Diário de Suzano do dia 28 de junho89,
a polícia visualizava uma possível ligação entre a explosão da bomba na casa de
87
RELATÓRIO SOBRE O ATENTADO SOFRIDO PELO VEREADOR PETISTA, FRANCISCO JOÃO DE SOUSA (CHIQUINHO DO
GARDÊNIA) Suzano, 04 de Julho de 2003
89
Diário de Suzano, 28 de junho de 2003
54
Chiquinho e as ameaças sofridas por Vaval e Borges com as denúncias no
Legislativo, já que o presidente da comissão de ética que investigava as supostas
irregularidades e o rapaz que fez as denúncias na Câmara e no Ministério Público
foram ameaçados.
A cidade de Suzano têm sofrido inúmeras ações de violação dos direitos humanos
como intimidações, ameaças e mortes de políticos, sempre que ocorrem
denúncias e investigações sobre suspeitas de corrupção e mau uso da verba
pública90.
O jornal Mogi News do dia 01 de julho traz a seguinte manchete em sua capa:
“Suzano, a política das bombas e das ameaças de morte”, na qual relata que a
Câmara Municipal de Suzano volta a viver momentos de tensão com ameaças
contra vereadores e testemunhas da Comissão de Ética, que apura sete
irregularidades envolvendo parlamentares;
Situação da investigação:
O atentado contra o parlamentar petista foi registrado na 2ª DP de Suzano e a
investigação deverá ser encaminhada para a Delegacia Seccional de Mogi das
Cruzes. Vaval e Carlos também registraram as ameaças na 2ª DP.
Fatos Adicionais:
Através de entidades como DIOCESE DE MOGI DAS CRUZES, COMISSÃO DE
DIREITOS HUMANOS DA DIOCESE DE MOGI DAS CRUZES e líderes políticos
como PT , PMDB e PC do B-SUZANO/SP, foi elaborado um relatório sobre o
caso, incorporando-o a diversas outros fatos ocorridos em Suzano, demonstrando
a preocupação da sociedade civil em relação as ameaças, solicitando que os
órgãos competentes assegurassem a integridade física dos vereadores Francisco
90
Em 1996 o vereador Altair Braga (PMDB) foi assassinado em sua casa, quando se encontrava em companhia de sua
esposa. As explicações para o crime, de que se tratava de um disparo acidental, foram, no entanto muito estranhas. Em
1997, o vereador Gilmar Aparecido Arena (PTB), foi assassinado em frente sua residência. A investigação sobre o
assassinato do vereador foi encaminhada para o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (D.H.P.P), e ainda não foi
esclarecido. O caso também foi investigado pela Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembléia Legislativa do Estado de
São Paulo que apurava denuncias sobre o crime organizado no estado, conhecida como CPI do Crime Organizado. Em
dezembro de 1998, o chefe do almoxarifado da Câmara Municipal de Suzano, Amauri Rodrigues da Silva, foi executado com
16 tiros em uma lanchonete próxima à Câmara. Amauri era irmão do ex-vereador José Renato da Silva, que também
presidiu o Legislativo local. O caso foi encaminhado para o D.H.P.P, sem solução até o momento. Em 2000 Manoel Maria de
Souza Neto, o Netinho, fundador do PT e diligente da campanha para prefeito em Suzano também foi assassinado dentro de
sua casa enquanto dormia. O resultado da eleição foi contestado pelos petistas devido aos fortes indícios de fraude. A
pedido da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo, o inquérito policial sobre a morte de
Netinho, aberto inicialmente em Suzano, foi transferido para o D.H.P.P que investiga o caso e até o momento não foi
esclarecido
55
João de Sousa, Gedeval Alencar da Silva e do autor das denúncias, Carlos
Fernando Oliveira Borges, bem como dos seus familiares, uma vez que as
ameaças já começavam a se concretizar com o episódio da explosão da bomba
na casa do parlamentar petista.
Eles também alertavam a necessidade de combater ações criminosas que já
fizeram vitimas na cidade de Suzano, resultando na morte de políticos. Foi
solicitado que a Procuradoria Geral da Justiça tomasse para si os processo que
cuidam das questões levantadas neste documento de modo a ter uma decisão
célere e eficaz.
5. AMEAÇAs DE MORTE CONTRA ARLETE BONAVITA MAGALHÃES E ANA
MARIA DO CARMO, APÓS O ASSASSINATO DE SEUS FILHOS.
Arlete Bonavita Magalhães e Ana Maria do Carmo passaram a sofrer ameaças de
morte e intimidações após denunciarem a execução de seus filhos por policiais
militares em setembro de 2002.91
A ACAT-Brasil encaminhou ofício à Delegacia de Mongaguá, solicitando que se
fizesse um Boletim de Ocorrência sobre o fato de que D. Arlete notou um veículo
semelhante ao de um dos acusados, várias vezes estacionado próximo de sua
casa e também enviou cópia o PROVITA (Programa de Proteção às vítimas). Está
também providenciando acompanhamento psicológico, médico e jurídico às duas
mães. Estuda ainda atuar como Assistente de Acusação no julgamento e pede
punição aos culpados de acordo com as leis 4898/65 e 9455/97, bem como
ressarcimento por danos morais e físicos, já que os dois rapazes eram esteio de
família.
IV. SITUAÇÃO DAS UNIDADES DE INTERNAÇÃO DA FEBEM92
COMPLEXO DE FRANCO DA ROCHA: UNIDADES CRÍTICAS
O Complexo de Franco da Rocha é composto por duas unidades (30 e 31)
destinadas aos adolescentes entre 17 e 21 anos (jovens-adultos) acusados de
crimes graves, primários ou reincidentes. O Complexo também conta com outras
unidades, destinadas a jovens de potencial ofensivo e faixa etária menores,
chamado “Franquinho” (as unidades 21, 25, 26 e 29) a poucos quilômetros das
unidades 30 e 31.
91
Veja caso 16 relatado a cima.
Resumo extraído do Relatório final de atividade do Centro de Defesa Técnico-Jurídica de Adolescentes,
apresentado em junho de 2003.
92
56
Desde o final de 2002 até a presente data, o complexo de Franco da Rocha tem
sido palco de inúmeras rebeliões somente comparáveis àquelas ocorridas
anteriormente em Parelheiros e no Complexo de Imigrantes.
Inicialmente projetado para ser um Complexo Penitenciário, as unidades de
Franco da Rocha contam com uma divisão de 8 alas por unidade. As 5 celas de
cada ala são dispostas ao redor de um pátio, onde os adolescentes passam a
maior parte do tempo. Cada cela contém 12 camas de cimento, onde os
adolescentes recebem colchões e cobertores somente à noite. A maioria dos
internos é obrigada a dormir somente de cuecas. Esta atitude é justificada pela
FEBEM-SP pela necessidade de se manter a ordem e a disciplina nas unidades
do Complexo, bem como para a manutenção da integridade física dos internos.
Contudo, a realidade não se coaduna com as justificativas da instituição.
Alguns adolescentes custodiados em Franco da Rocha são atendidos pelo Centro
de Defesa. Em virtude do acompanhamento jurídico de seus processos pudemos
verificar o quanto o desenrolar da medida sócio-educativa de internação é
prejudicado pelas sucessivas rebeliões ocorridas e pelas contínuas violações aos
direitos dos internos, sempre sob a justificativa de pacificação do ambiente. Os
adolescentes cumprindo medida sócio-educativa de internação nas unidades do
Complexo de Franco da Rocha carregam consigo, além de todas as marcas
físicas da tortura que sofrem, o estigma de lá estarem internados. Isso significa,
por exemplo, que quando ocorre a reavaliação da medida sócio-educativa pelo juiz
de execução o simples fato de o jovem estar internado em uma das unidades de
Franco da Rocha por si só provoca nos juízes e promotores uma suposta cautela
com a sua progressão, ainda que o adolescente não tenha participado
efetivamente de rebeliões ou outras intercorrências. Tal situação torna-se ainda
mais grave pelo fato de que os atendimentos pedagógicos, profissionalizantes,
psicológicos e sociais aos internos de Franco da Rocha são inócuos, quando
existentes.
É cada vez mais comum, quando há o envio de relatórios informando que a
medida sócio-educativa de internação esgotou seu potencial ressocializador, o
pedido por juízes e promotores do Departamento de Execuções da Infância e da
Juventude para realização de exames psiquiátricos, antes mesmo de refletirem
sobre a possibilidade de retorno do adolescente ao meio familiar e comunitário. O
mais alarmante de tal posicionamento do Judiciário e do Ministério Público é que
tais exames sejam solicitados, tão somente, em virtude de os mesmos estarem
internados em uma unidade do Complexo de Franco da Rocha.
Os jovens declaram que a maioria das rebeliões ocorre em decorrência de
provocações promovidas por funcionários e, principalmente, em conseqüência dos
recorrentes espancamentos que os mesmos praticam contra os adolescentes. Os
funcionários da FEBEM-SP, munidos de pedaços de pau, canos, ferros e
correntes, torturam os internos incansavelmente. Alguns jovens relataram que,
para não deixar as marcas provocadas pelas agressões, os monitores têm optado
por praticar o afogamento dos adolescentes no vaso sanitário ou em baldes. Há
57
depoimentos de adolescentes que alegam sofrer até três sessões de tortura
diariamente, ou ainda abusos sexuais. Os adolescentes também contam que, ao
contrário dos outros complexos da FEBEM-SP, em Franco da Rocha, “não é
preciso provocar para apanhar. Aqui eles (os monitores) batem sem motivo”. Ao
fim das rebeliões, os adolescentes com mais de dezoito anos, na maioria das
vezes, são apontados pela FEBEM-SP como os responsáveis por estes eventos.
Nos boletins de ocorrência elaborados após as rebeliões tais adolescentes figuram
como causadores de dano ao patrimônio público, formadores de quadrilha ou
bando, entre outros crimes. Dessa forma, a FEBEM-SP consegue que os jovens
tidos como mentores e participantes efetivos das rebeliões sejam conduzidos a
instituições prisionais por já terem atingido a maioridade penal.
Os assistentes técnicos, que são responsáveis pelos programas de assistência
educacional, psicológica e legal informaram, em uma de nossas visitas a Franco
da Rocha, que cada um deles é responsável por 70 internos e que conversam
com cada um deles somente uma vez por mês. Em face desta carência de
pessoal, nenhuma, ou muito pouca, atividade para reinserção do jovem na
comunidade e na família é promovida, ainda mais quando os internos são
transferidos para presídios estaduais, locais inadequados para atendê-los em
conformidade com o Estatuto da Criança e do Adolescente. A FEBEM-SP, nas
ocasiões em que houve transferência para presídios, não informou as famílias o
destino dos jovens transferidos. Além disso, a distância dos locais onde
permaneceram inviabilizou as visitas familiares semanais, já que elas não
receberam da FEBEM qualquer auxílio financeiro para que pudessem visitar os
jovens que foram conduzidos aos estabelecimentos prisionais.
Algumas famílias, que conseguiram localizar e ir até o local para onde foram
levados os internos, relataram que, em virtude das regras dos presídios, não
puderam se encontrar, nem mesmo se comunicar, com os adolescentes ou
mandar-lhes qualquer objeto (os adolescentes foram inseridos nos regimes
disciplinares especiais e diferenciados, destinados a presos de alta periculosidade
ou envolvimento no crime organizado).
O que impressiona mais em Franco da Rocha é o total descompromisso com a
vida humana, uma vez que no ambiente extremamente conflituoso das unidades
do complexo não há como se desenvolver programas individualizados de
atendimento pedagógico, profissionalizante, social e psicológico visando à
reinserção do jovem na família e na comunidade. Na verdade, a FEBEM-SP tem
promovido uma cultura de violência e de violação de direitos, na medida em que
na maioria das vezes limita-se a transferir os envolvidos em episódios de agressão
de uma unidade para outra. Não é sem motivo, portanto, que o Complexo de
Franco da Rocha, apenas no ano de 2003, foi palco de 28 rebeliões93, sendo que
em todo o estado de São Paulo foram registradas 38.
93
Entre junho e agosto aconteceram aproximadamente mais quatro rebeliões.
58
Em abril deste ano, ocorreu a inusitada fuga de 121 adolescentes pelo portão de
entrada da Unidade 30, e após sucessivas rebeliões o Presidente da fundação
determinou a transferência de 247 adolescentes para instituições prisionais do
Estado de São Paulo, contrariando totalmente as disposições do ECA. Essa
transferência, cuja justificativa foi a extrema necessidade em face das condições
físicas e operacionais nas unidades de internação 30 e 31 de Franco da Rocha,
teve o apoio irrestrito do governador do Estado de São Paulo, Sr. Geraldo
Alckmin.
O Centro de Defesa juntamente com o CEDECA94 – Sé e a Procuradoria de
Assistência Judiciária da Infância e Juventude impetrou Hábeas Corpus Coletivo
em favor dos 247 jovens adultos transferidos ilegalmente para Centros de
Detenção Provisória de Suzano, Taubaté, Avaré e Hortolândia.
A transferência em massa dos jovens adultos com mais de 18 anos movimentou a
imprensa, a Promotoria da Infância e Juventude e diversas entidades de defesa
dos direitos da criança e do adolescente, em face da evidente ilegalidade do ato
praticado. A própria presidência da Febem/SP admitiu que a medida foi ilegal,
conforme publicou o jornal “A Folha de S. Paulo” em 17 de abril de 2003.
Como dito, a justificativa para tal transferência centrou-se precipuamente no fato
de as referidas unidades encontrarem-se em precárias e insustentáveis condições.
No entanto, atingiu, de forma absolutamente descriteriosa, somente os
adolescentes maiores de 18 anos. Em um levantamento preliminar cujo espaço
amostral correspondia a 90 dos adolescentes transferidos, verificou-se que 16
deles já poderiam estar em liberdade, sendo que 14 jovens já possuíam relatório
técnico conclusivo e os 2 restantes já contavam com determinação judicial de
progressão de medida para o meio aberto.
A precariedade das unidades como fundamento para a transferência mostrou-se
incipiente e duvidosa, pois atingiu apenas a jovens maiores de 18 anos,
desprezando adolescentes mais jovens que, em tese, necessitariam de ainda
maior cuidado e presteza. Ademais as condições com que os jovens transferidos
se depararam nos Centros de Detenção Provisória não foram mais vantajosas que
as que outrora enfrentadas pelos internos das unidades 30 e 31 do complexo de
Franco da Rocha. Cuidou-se, em realidade, de medida imediatista e paliativa que,
além de não conferir nenhuma solução satisfatória ao problema no tocante aos
jovens adultos, desprezou por completo a situação dos adolescentes menores de
18 anos. Tal medida teve cunho manifestamente político, almejando meramente
aplacar as críticas da opinião pública e desconsiderando totalmente o bem-estar
dos adolescentes.
Cumpre-nos lembrar que as unidades de internação 30 e 31 do Complexo de
Franco da Rocha receberam ordem judicial de fechamento oriunda do
Departamento de Execuções da Infância e Juventude do Estado de São Paulo
94
Centro de Defesa de Crianças e Adolescentes.
59
neste ano95. Segundo declarações do Governador do Estado, o Complexo será
totalmente desativado até o final do presente ano.
TORTURA DENTRO DA FEBEM-SP
A tortura é prática aceita e amplamente difundida dentro da FEBEM-SP. As
autoridades “fecham os olhos”, não havendo efetiva prevenção e punição aos
episódios de tortura e maus-tratos que ocorrem no interior das unidades de
internação. Quase a maioria absoluta dos adolescentes institucionalizados já
presenciou ou foi vítima de violações à integridade física e psicológica.
A tortura psicológica ou física é praticada de diversas e sutis formas. Dois tipos de
tortura destacam-se no dia-a-dia da FEBEM-SP: o chamado "repique" e a
"recepção". O "repique" é utilizado após tentativas de fuga, rebeliões, tumultos ou
meras discussões. Um grupo de funcionários, munidos de paus e canos de ferro,
espancam os adolescentes seminus e de cabeças baixas, no pátio ou nas celas,
muitas vezes após já terem sido contidos pela Tropa de Choque ou “choquinho”.
Esse método serve como retaliação e repressão.
Já a "recepção" ocorre nas transferências entre unidades, quando os internos são
recebidos por um "corredor polonês" formado por monitores e funcionários da
segurança, que aos chutes e socos, ou munidos de paus, ferros e correntes,
agridem os internos enquanto são ditadas as normas de disciplina. "Coro" e
"Choça" são outras expressões utilizadas pelos jovens para descrever agressões
e surras cotidianas. Na rotina da FEBEM-SP é comum encontrar internos com
escoriações, equimoses, hematomas e até queimaduras de cigarro.
Grande parte desses relatos e denúncias foram comprovadas materialmente por
laudos de exames de corpo de delito requisitados pela Promotoria do
Departamento de Execuções da Infância e Juventude, além dos testemunhos dos
adolescentes. O Ministério Público também detém um arquivo de fotos e fitas de
vídeo com imagens de internos que foram torturados nas dependências da
instituição. O expressivo número de procedimentos instaurados pela Promotoria
do Departamento de Execuções da Infância e Juventude da Capital comprova a
reiteração da prática da tortura na FEBEM-SP. Conforme levantamento feito em
julho de 2002 pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos, só no primeiro
semestre de 2000 a Promotoria instaurou 72 procedimentos investigatórios que
apuravam agressões e tortura contra internos da FEBEM-SP.
A SITUAÇÃO CALAMITOSA DA UNIDADE DE ATENDIMENTO INICIAL – UAI
O fechamento da Unidade de Atendimento Inicial da Fundação Estadual para o
Bem-Estar do Menor – FEBEM – do Complexo do Brás na capital do Estado de
São Paulo foi determinado em decisão do Departamento de Execuções da
95
A Unidade 30 foi desativada em 31 de julho de 2003 e será utilizada como presídio feminino, mesmo
apesar de comprovadas as condições de infraestrutura deficientes para albergar pessoas sob custódia.
60
Infância e da Juventude – DEIJ – datada de 27 de abril de 2001, com fulcro no
artigo 97, inciso I, alínea “d”, do ECA.
Nenhum dos problemas relatados na fundamentação de tal decisão foi combatido:
A capacidade física real da UAI abrigaria apenas 62 adolescentes.
Em 2001, quando da decisão de fechamento da Unidade, o número
médio de jovens lá já excedia em 5 vezes a capacidade real do
estabelecimento.
Em apenas dois anos esta super-lotação
aumentou bastante e hoje a UAI abriga 9 (NOVE) vezes mais jovens
do que sua capacidade, ou seja, mais de 500.
A UAI foi criada para funcionar como unidade de passagem
curtíssima dos adolescentes, até a audiência inicial, para
atendimento inicial de um público exclusivo de jovens, evitando-se a
mistura com o público que já está em internação provisória. Na
prática, muitos adolescentes em cumprimento de internação
provisória ou até de medida de internação continuam a dividir o
espaço físico da Unidade com aqueles que estão ingressando no
sistema. E muitos jovens permanecem cerca de um mês num local
previsto para até um dia.
A precariedade das instalações continua grave. São ambientes
escuros, sem ventilação, sem condições satisfatórias de higiene e
salubridade, e não há colchão suficiente para todos os adolescentes.
Ficam expostos ao contágio de muitas doenças. Além disso, a
decisão judicial supracitada citou um laudo do Corpo de Bombeiros,
o qual demonstrou o desrespeito às condições mínimas de
segurança no combate a incêndio; e em outro do Instituto de
Vigilância Sanitária, Órgão Integrado à Secretaria Estadual de
Saúde, o qual apontou muitas irregularidades na higiene do local
Relatório recente, de maio de 2003, elaborado pelo Conselho Tutelar
da Vila Prudente indica que todos os extintores estavam com a data
de validade vencida e que poucos funcionários estava preparados
pela brigada de incêndio e relata a superlotação do local, sem infraestrutura para abrigar os jovens, faltando colchões, toalhas e até
sabonetes.
Além destas informações, o Centro de Defesa já reuniu mais de 20 notícias
publicadas em jornais de circulação nacional que denunciam e relatam a situação
gravíssima desta Unidade.
Há duas semanas a promotoria da Infância e Juventude foi vitoriosa num recurso
apresentado perante o Superior Tribunal de Justiça, instância que determinou a
adequação da UAI ao número de vagas correspondente com sua capacidade
(naquele momento havia 600 adolescentes para 62 vagas). Desde então várias
61
transferências já foram realizadas sem, contudo, solucionar o problema da
superlotação.
Mortes de internos e funcionários:
29/04/2003 – adolescente P. R.V. B, morre por estrangulamento na unidade da
Febem de Marília;
09/06/2003- adolescente N.S.I.J, morreu após sofrer queimaduras na unidade 5 do
Tatuapé;
06/07/2003- adolescente Marcelo Afonso da Silva, morreu assassinado em cela da
Delegacia Infância e Juventude de Santos
13/08/2003- funcionário Rogério Rosa de 27 anos, foi assassinado na unidade 31
de Franco da Rocha;
06/09/2003- morre o adolescente Sidnei Moura Queirós, após ficar 3 semanas
internado depois de
sofrer queimaduras na unidade 19 do Tatuapé;
08/09/2003- Outro adolescente é assassinado na carceragem da Delegacia da
Infância e Juventude de Santos;
13/09/2003- José Eduardo Campos e Ronaldo da Silva Garbeloto, ambos de 18
anos, são assassinados na unidade 31 de Franco da Rocha. A Comissão de
Direitos Humanos da OAB SP apurou que os assassinos confessos foram
transferidos para a cela onde estavam as vítimas 30 minutos antes do crime.
Também foram encontrados nas celas um alicate de cortar arame, um rolo de fios
e uma faca, mesmo tendo sido realizada uma revista nas celas logo antes do
crime. Outro fato suspeito é que ocorreram batidas de grades em todas as alas da
unidade e ninguém apareceu para ver o que estava acontecendo.
Dados da Vara da Infância e Juventude
A Vara da Infância Juventude da Capital têm recebido mensalmente do
Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) comunicados de óbitos
de pelo menos 20 internos que estão sob a custodia do Estado, cumprindo medida
sócio educativa de liberdade assistida ou prestação de serviços à comunidade.
V. GRADI – Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância
O Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância (GRADI) foi criado
em março de 2000 pela resolução SSP n° 42, com o objetivo de "estudar e
prevenir os crimes de intolerância de qualquer espécie (social, religiosa, sexual,
esportiva e outras)".
O Grupo é subordinado diretamente ao Gabinete do Secretário de Segurança
Pública do Estado de São Paulo e é composto por duas equipes: uma formada por
policiais civis e outra por policiais militares.
62
No segundo semestre de 2002, a equipe composta por policiais militares foi alvo
de uma série de denúncias muito graves e que tinham como cerne o exercício de
atividade investigativa com práticas de flagrante ilegalidade: a utilização de presos
como informantes e sua infiltração em organizações criminosas. Presos foram
retirados dos presídios e utilizados nas ações à revelia da legislação vigente.
Presos alegaram terem sido torturados e ameaçados pelos policiais.
A atuação do GRADI vinha sendo monitorada pela Ouvidoria da Polícia do
Estado de São Paulo que produziu dois dossiês contendo diversos casos com
envolvimento de policiais do grupo e encaminhou cópia ao Ministério Público, ao
Poder Judiciário e ao Ministério da Justiça. O que foi amplamente divulgado pela
grande imprensa, que, frise-se, utilizamos neste relatório como referencia.
Em virtude da repercussão das denúncias contra o GRADI publicadas pela grande
imprensa, tais, como O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e Diário de São
Paulo, o Tribunal de Justiça, órgão máximo do Poder Judiciário do Estado de São
Paulo, determinou a avocação das apurações, especialmente pelo fato de as
denúncias envolverem dois juizes e o próprio Secretário de Segurança Pública em
práticas ilegais.
Vários dos processos que estavam em andamento por outros órgãos do Judiciário
foram remetidos ao Tribunal de Justiça que após ter conhecimento de seu
conteúdo, determinou sua remessa às Varas de origem. Assim, a maioria dos
processos tramitam em separado, sem que haja apreciação conjunta e sem que
os promotores e juízes oficiantes em cada um se comuniquem. Isso é um dos
fatores que poderá enfraquecer a efetiva apuração dos casos.
Outro fator importante no enfraquecimento da apuração dos casos diz
respeito à atuação da Secretaria de Segurança Pública, que sempre defendeu a
legalidade das ações e não determinou nenhuma medida em relação aos policiais
envolvidos, que continuam nas ruas. Alguns destes policiais foram responsáveis
por uma longa série de homicídios. A Ouvidoria pesquisou os antecedentes
criminais de 22 policiais envolvidos em algumas das ações suspeitas e constatou
que eles tinham respondido, até agosto de 2002 à 162 inquéritos policiais militares
por homicídio, sendo que alguns deles estiveram envolvidos no Massacre do
Carandiru. Um dos policiais pesquisados respondeu a 32 inquéritos por homicídios
entre 1988 e 2001, 22 deles arquivados na Justiça Militar.
Mesmo depois da repercussão do caso GRADI, alguns dos policiais se
envolveram em novas ocorrências com resultado morte, mas ainda assim não
foram afastados de seus postos.
A falta de transparência e as dúvidas sobre a legalidade dos métodos utilizados
pelos policiais militares do GRADI servem como alerta para que nos voltemos a
uma questão mais ampla: o controle social da segurança pública. É
importantíssimo que a população conheça sua polícia, suas ações e - mais do que
63
isso - o resultado concreto de sua atuação, o que implica ter clareza, por exemplo,
sobre o número de crimes solucionados. A já tão apontada necessidade de
controle externo da atividade policial, que deveria ser realizado pelo Ministério
Público e pelo Poder Judiciário, emerge novamente: em um Estado Democrático
de Direito a polícia não pode ser um Estado à parte, com métodos, valores e
regras próprias.
CASO 1 - "CHACAL"
Fernando Henrique Rodrigues Batista, vulgo Chacal, estava preso desde 1997, e
tinha condenações por homicídio qualificado, furto e tortura. Durante o período em
que esteve preso, passou por diversos estabelecimentos penais.
Constam dos autos do processo de execução do preso diversas datas de seu
falecimento (dias 21, 23 e 27 de Julho de 2001 - a última é a que consta na
certidão de óbito), mas é certo que ocorreu entre os dias 20 e 21 de julho de 2001.
O cadáver foi encaminhado ao IML Sede (Instituto Médico Legal) , e no laudo,
segundo consta, já há identificação do morto.
No âmbito criminal os fatos foram apurados pela PM (Polícia Militar) e pelo
DEPATRI (Departamento de Investigações Sobre Crimes Contra o Patrimônio).
Não há nenhuma justificativa imediata para a participação do DEPATRI no caso.
O inquérito instaurado pela PM tramitou pelo Sub-Comando e em 03.06.2002 foi
remetido pelo TJM (Tribunal de Justiça Militar) à 1a Vara do Júri. Neste processo 5
policiais militares constam como autores dos homicídios.
O inquérito instaurado pelo DEPATRI foi remetido à 2a Vara do Júri e versam
sobre tentativa de homicídio praticada por M.V. e G.B.P. contra os policiais
militares. Foi instaurada também uma Sindicância pela Vara de Execuções
Criminais para apurar a saída do preso do sistema prisional. O processo ainda
está em andamento.
A ação policial ocorreu em 20/07/2001, por volta das 14:00h, na zona norte da
Capital. Supostamente, no local estaria ocorrendo uma reunião de membros da
facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). Na reunião, estavam
infiltrados Fernando Henrique Rodrigues Batista e cerca de quatro policiais do
Serviço Reservado do Batalhão de Choque. Na versão da polícia, os participantes
teriam suspeitado da presença dos policiais, o que teria dado origem a um tiroteio.
Na versão das famílias, houve execução. Além de Fernando Henrique Rodrigues
Batista, morreram mais 4 pessoas. Foram presos M.V. e G.B.P.
Em reportagem publicada no dia 21/07/2001, consta que alguns mortos “não
haviam sido identificados até as 22 horas. De acordo com a polícia, três estavam
com documentos falsos e dois teriam fugido pelo túnel escavado recentemente na
Casa de Detenção". Outra reportagem afirma que "segundo a ROTA, 15 membros
do PCC que escaparam do Carandiru na última grande fuga estariam reunidos
64
numa casa vizinha à igreja para acertar o pagamento do túnel". Outra matéria
afirma que "segundo o delegado titular da delegacia de Roubo a Bancos do
DEPATRI, foi constatado que os outros três mortos estavam com identidade falsa
e não tinham como ser identificados".
Nas matérias publicadas pela imprensa sobre o caso, sucederam-se duas versões
sobre a morte de Chacal após ele ter sido identificado como um preso retirado do
presídio pelo Pelotão 2 da Tropa de Choque: primeiro noticiaram que ele tinha
sido morto pêlos outros participantes da reunião; depois, que teria sido morto por
outros policiais, que não sabiam que ele estava colaborando com o Serviço
Reservado.
De fato, Chacal foi morto pêlos próprios policiais do Pelotão 2 e o exame de
confronto balístico constatou que a bala saiu da arma de um sargento.
Consultadas as folhas de antecedentes dos presos, constatou-se que G.B.P. não
tinha passagem anterior pela Policia e que M.V. tinha condenações e esteve preso
em Mongaguá e no CDP (Centro de Detenção Provisória) Belém.
No Relatório do Inquérito Policial consta que a ação do Serviço Reservado do
Choque foi comandada por um Tenente que informou que "obteve autorização
Judicial para diligenciar com o preso, de vulgo "chacal", e que seus comandados
se infiltraram na reunião, por intermédio de "chacal" que traiu a confiança dos
policiais e veio a falecer após o confronto".
Na sindicância que tramita na Vara de Execuções Criminais consta que o pedido
de autorização para saída do preso foi feito pela Coordenação das Unidades
Prisionais do Estado e foi autorizado pelo Juiz Corregedor dos Presídios - o
mesmo que instaurou e preside a sindicância.
Na sindicância consta um depoimento importante prestado por um preso, que
alega Ter mantido contato com o Tenente comandante da ação no COC -segundo
afirma, estaria sendo ameaçado pelo Tenente por "saber demais". Não há no
procedimento nenhuma informação do porque esse preso foi ouvido ou de como
se chegou a ele. Na época do depoimento, o preso estava em Tremembé. Antes
disso, esteve no COC (Centro de Observações Criminologias). De acordo com ele,
a morte de Chacal seria queima de arquivo porque ele sabia demais sobre o
Tenente.
Consta da Sindicância um documento incompleto do que deveria ser a oitiva de
outro preso, que não foi ouvido não se sabe porque. O preso também estava em
Tremembé e esteve no COC em 7/09/2001. De acordo com matéria publicada
pela imprensa, ele seria um dos chefes do CDL, facção rival do PCC.
Todos os policiais que participaram da ação estão envolvidos em outros casos
acompanhados pela Ouvidoria.
CASO 2 - BANDEIRANTES
65
Em 24/01/2002, policiais do TOR (Tático Ostensivo Rodoviário) e do GRADI
fizeram um bloqueio na Rodovia dos Bandeirantes para interceptar supostos
membros de uma procurada quadrilha de seqüestradores.
Dos nove ocupantes dos dois veículos interceptados, cinco foram mortos, dois
conseguiram fugir e dois foram presos, ambos procurados. Os dois que fugiram
também foram presos e todos foram transferidos para o DEIC (Departamento
Estadual de Investigações Criminais). Morreram:
T. A. M. - 5 tiros
P. E. C. - 6 tiros - procurado
L. G. L. C.-2 tiros
C. H. V. R. - 6 tiros
C. C. V. V. - 7 tiros - procurado
Do depoimento do Tenente comandante da ação, prestado no auto de prisão em
flagrante consta: "(...) o depoente é oficial coordenador do GRADI. Ultimamente
estava empenhando com sua equipe a prisão de quadrilha envolvida com prática
de seqüestros. Obteve a informação de que marginais estariam na favela de Vila
Formosa em Campinas, conseguindo um mandado de busca e apreensão, através
do Juiz Corregedor de São Paulo. Referido mandado porém não pode ser
cumprido, uma vez ter sido rejeitado pelo Juiz Corregedor de Campinas, porém
continuaram as investigações sobre a quadrilha". O Tenente afirma que não
estava no bloqueio e não participou do confronto.
CASO 3 - PIRACICABA
Em 28/02/2002, policiais militares do P2 do 1° BPChq (Batalhão da Polícia de
Choque)- os mesmos envolvidos no caso do preso Chacal - promoveram uma
ação que resultou na morte de três supostos membros do PCC.
0 mesmo Tenente que comandou o caso "Chacal" se fez passar por um vendedor
de armas e acertou um encontro com L.C.M., E.R.N. e V.C.C..
De acordo com a polícia, o confronto se deu porque durante a negociação da
venda de armas os mortos viram que o Tenente estava armado e atiraram contra
ele, o que teria provocado o revide dos policiais. E.R.N., que tinha passagens por
roubo, furto e porte ilegal de armas, morreu com 4 tiros, L.C.M. com 5 (não tinha
antecedentes) e V.C.C., que tinha passagens por tráfico e furto, com 2.
Outros quatro policiais envolvidos constam do BO (Boletim de Ocorrência) como
testemunhas do Tenente. Na imprensa, outro Tenente respondeu pela ação e
disse que "chegaram até eles por meio de denúncia de um ex-integrante do PCC".
CASO 4 - AV. ELISEU DE ALMEIDA
Em 04/02/2002 ocorreu na Capital outra ação com envolvimento de policiais do P2
do 1° BPChq que resultou na morte de dois supostos membros do PCC. De
66
acordo com a imprensa, os policiais investigavam uma quadrilha de assaltantes e
"obtiveram a informação" de que membros do bando passariam pelo local da
ação.
Morreram Silvio Daguano dos Santos, com 4 tiros (dois na cabeça, de trás para a
frente) e Claudivan Lourenço, com 5 tiros.
De acordo com uma correspondência encaminhada pelo preso Ronny Clay
Chaves, Silvio Daguano e Claudivan Lourenço teriam sido mortos a mando dos
policiais do GRADI, por terem ameaçado sua família.
CASO 5 - OPERAÇÃO CASTELINHO
O Ronny Clay Chaves, está preso em Tremembé desde 11/05/2002. Antes esteve
no COC, desde 07/11/2001. Saiu com destino ao GRADI em 27/03/2002.
O preso escreveu uma carta na qual relata sua participação como informante do
GRADI na ação de 05/03/2002 que resultou na morte de 12 supostos membros do
PCC em Sorocaba. Confirmando informações antes obtidas, relata o preso: "Eu
sei como foi feita a encenação, não houve competência da Polícia Militar,
houve uma armação da qual tenho conhecimento total eu estava lá!".
Na carta, Ronny Clay Chaves, afirma ter sido ameaçado pessoalmente pelo
Secretário de Segurança Pública e diz ter um dossiê sobre os fatos. Pede pra não
avisar o Juiz Corregedor dos Presídios, pois "é parte deles" e "é ele que me tirava
do presídio".
A "Operação Castelinho" se deu em 05/03/2002, foi amplamente divulgada e
resultou em doze mortes e na prisão de E.A.S.P-, todos supostamente ligados ao
PCC. Foi uma atuação conjunta de policiais militares do GRADI, do CPChq e do
TOR do 1° BPRv. Há informação da participação de policiais do GOE (Grupo de
Operações Especiais) e do GARRA (Grupo Armado de Repressão a Roubos e
Assaltos). De acordo com a imprensa, a operação envolveu 100 homens, 25
viaturas e 1 helicóptero, todos da Polícia Militar. Uma Parati prata, supostamente
ocupada por três outros membros do PCC, conseguiu furar o bloqueio policial e
fugir.
No 1° BPRv (Batalhão Policial da Polícia Rodoviária), o responsável pela ação foi
o Tenente que também coordenou a ação na Rodovia dos Bandeirantes que
resultou na morte de outros 5 supostos membros do PCC.
De acordo com a Polícia, o caso chegou ao conhecimento do GRADI através de
denúncia anônima o que ensejou a interceptação de conversas telefônicas entre
presidiários e cúmplices. Segundo o comandante da ROTA, a Justiça autorizou a
escuta.
Mortos na ação:
1. Fabio Fernandes Andrade Souza - 2 tiros
2. Gerson Machado da Silva - 2 tiros
67
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
Jose Cícero Pereira dos Santos - 6 tiros
Silvio Bernardo do Carmo - 6 tiros
Jose Maria Menezes - múltiplos projéteis
Alexandre de Oliveira Araújo - 3 tiros
Sandro Rogério da Silva - 2 tiros
Jéferson Leandro Andrade - 5 tiros
Luciano da Silva Barbosa - 5 tiros
Jose Airton Honorato - 4 tiros
Laércio Antonio Luiz -7tiros
Djalma Fernandes Andrade de Souza - múltiplos projéteis
O inquérito instaurado para apurar o caso tramita em Itu. Foi desmembrado em
dois processos: um contra E.A.S.P. e outro que versa sobre as mortes. Neste, o
Promotor requereu, dentre outras providências:" - juntada de duas fitas de vídeo
que haviam sido apreendidas por policiais militares do GRADI no dia dos fatos; seja oficiado ao DIPO (Departamento Técnico de Inquéritos Policiais e Polícia
Judiciária) requisitando documentação relativa a Interceptação telefônica
formulada pelo GRADI, que possibilitaram a realização da operação policial, bem
como das fitas relativas as referidas escutas, bem como as fitas com as
respectivas transcrições; (..)",
A Ida de R.C.C, ao GRADI está registrada em sua folha de antecedentes.
O preso agiu no quartel do Choque junto com outro preso, Rubens Leôncio
Pereira, cuja Ida ao GRADI também está registrada em sua folha de
antecedentes.
Enquanto estavam a serviço do GRADI os dois presos conseguiram fugir e, ao
serem recapturados, foram barbaramente torturados.
CASO 6 - APREENSÃO DE DÓLARES LIGADOS AO NARCOTRÁFICO INTERNACIONAL
Em fevereiro de 1999, um Tenente e um Sargento da Policia Militar, que
posteriormente viriam a fazer parte do GRADI, supostamente munidos de
mandado de busca e apreensão expedido pelo MM. Juiz Corregedor do DIPO,
realizaram diligência em um imóvel na zona norte da Capital) e apreenderam, de
acordo com o boletim de ocorrência da 1a Delegacia da DIAP/DENARC (Divisão
de Inteligência e Apoio Policial/Departamento de Investigações sobre Narcóticos),
cerca de 275 mil dólares.
A diligência foi realizada no dia 05/02/99, mas os objetos apreendidos só foram
entregues à Polícia Civil no dia 09/02/99, segundo o Tenente, por ordem do Juiz
Corregedor do DIPO.
CASO 7 - UTILIZAÇÃO DE ARMAS COM DEPÓSITO JUDICIAL DO DIPO
68
Uma das armas utilizadas por policiais militares do GRADI na ação mencionada
no caso 9 relatado a seguir, uma pistola 45mm, marca COLT, havia sido
depositada ao GRADI pelo DIPO. De acordo com uma mensagem enviada pelo
DIPO ao DIRD (Departamento de Investigação e Registros Diversos), a arma fazia
parte de um processo do DIPO 5.2.
A mesma mensagem menciona, ainda, outras armas que haviam sido depositadas
ao GRADI e que haviam sido apreendidas em outras ocorrências. São elas: uma
pistola GLOCK, uma pistola COLT e um fuzil calibre 556. Consta, porém, em
informação prestada pelo DIPO que uma das pistolas e o fuzil foram devolvidos à
Seção e Depósito de Guarda de Armas e Objetos do Departamento em 17/09/02.
A outra pistola foi apreendida em função de ter sido utilizada em ocorrência que
resultou na morte de R.T.S., com envolvimento de um Sargento e de um Soldado
do GRADI.
No ofício mencionado, encaminhado pelo DIPO, consta, ainda, que 71 armas
foram depositadas ao GRADI (6 submetralhadoras, 51 pistolas, 4 espingardas, 5
fuzis, 2 revólveres, 1 rifle, 1 carabina e 1 "kit transformação"). Destas armas,
apenas 62 foram devolvidas ao DIPO, 50 das quais em 17/09/2002. As demais
armas tiveram os seguintes destinos: 4 foram roubadas (um fuzil, 2
submetralhadoras e uma pistola), 4 foram apreendidas em novas ocorrências (4
pistolas) e uma foi extraviada ("kit transformação"),
CASO 8 - UTILIZAÇÃO DE ARMAS COM DEPÓSITO JUDICIAL DO DIPO
De acordo com os BOs n° 7763/2002 e 7774/2002 do 13° DP (Casa Verde),
registrados em 02/OUT/2002 (ou seja após as atividades ilegais do GRADI terem
chegado ao conhecimento público), três armas foram furtadas de um Tenente e de
um Sargento da Polícia Militar.
As armas estariam com os policiais em virtude de carga judicial do DIPO. Armas
furtadas: um fuzil calibre 223, marca ruger, uma submetralhadora 9mm, marca
cobray, e uma submetralhadora 9mm, marca ingran. Os policiais só comunicaram
a subtração do fuzil 5 horas e meia depois da comunicação do furto das
submetralhadoras.
CASO 9 - GRAD1 DESENVOLVENDO ATIVIDADE INVESTIGATIVA
Data dos fatos: 25/OUT/2001
Horário da corrência: 22;30h da comunicação: 00:18h
Policiais militares do GRADI investigavam um seqüestro quando se depararam
com uma suposta tentativa de roubo na Avenida M'Boi Mirim. Os policiais alegam
terem sido recebidos a tiros pelos supostos assaltantes, razão pela qual teriam
reagido, matando-os. Os supostos assaltantes eram os adolescentes F.F.V. e
E.S.S., ambos com 17 anos. As mães dos adolescentes foram ouvidas no
inquérito policial e registraram seu estranhamento com o ocorrido: segundo elas,
69
os dois eram bons meninos, sem nenhum envolvimento anterior com a polícia,
ambas questionaram a autenticidade da versão apresentada pêlos policiais. E.S.S.
foi atingido por 4 projéteis e tomou 2 tiros de raspão. Apresentava hematomas e
escoriações no cotovelo direito e fratura e afundamento dos ossos da face, no
lado esquerdo. Um dos tiros foi dado na parte superior de sua cabeça - pelo
desenho do laudo, de cima para baixo - e causou traumatismo cráneo-encefálico.
Um tiro foi dado na região mamaria e os outros dois na parte posterior, na região
glútea e na coxa. F.F.V. Foi morto com três tiros. Segundo informações obtidas
junto ao cartório da 3a Vara do Júri a investigação passou a ser conduzida pelo
DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa).
CASO 10 - GRADI DESENVOLVENDO ATIVIDADE INVESTIGATIVA
Data dos fatos: 05/NOV/200
Horário da ocorrência: 13:40h
Horário da comunicação: 16:33h
Policiais militares invadiram cativeiro de vítima de seqüestro que estava sendo
apurado pela DAS (Divisão Anti Seqüestro). Supostamente houve troca de tiros
que resultou na morte de E.P.C., um dos envolvidos no seqüestro. Nem a DAS
nem o 95° DP estão apurando a ação policial, de modo que ainda não obtivemos
acesso ao laudo necroscópico. Das declarações da vítima prestadas à DAS no
Inquérito que apura o seqüestro sobre a ação policial após a entrada no cativeiro:
"(...) os policiais cobriram a cabeça da declarante com uma colcha de cama e a
levaram para um outro cômodo no mesmo imóvel, onde a declarante permaneceu
juntamente com um policial, que tentou acalma-la, vindo a declarante ouvir
disparos, não sabendo precisar a quantidade, com certeza mais de um”.
CASO 11 -GRADI DESENVOLVENDO ATIVIDADE INVESTIGATIVA
Data dos fatos: 05/05/2002
Horário da ocorrência: 22:20h
Horário da comunicação ao DP: 05:28h
Dois policiais do GRADI realizavam investigações na favela do Campo Limpo a
respeito de supostos roubos de carga praticados em Guarulhos. Durante as
diligências, prenderam seis pessoas, dentre elas um adolescente. A prisão foi feita
por corrupção ativa - os presos propuseram "um acerto" aos policiais para não
serem detidos.
CASO 12 - GRADI DESENVOLVENDO ATIVIDADE INVESTIGATIVA
Data dos fatos: 17/01/2002
Horário a ocorrência: 01:00h
Horário da comunicação: 03:27h
70
Segundo consta das declarações dos policiais militares envolvidos, em 13/01/2002
eles foram acionados via COPOM (Centro de Operações da Polícia Militar) para
atender ocorrência de seqüestro e foram à residência da vítima. Lá prestaram
assistência
nas
negociações
com
os
seqüestradores.
A
vítima
surpreendentemente foi liberada no dia seguinte, sem o pagamento de resgate.
Na data da ocorrência souberam que o primo da vitima seria o mentor do crime e
voltaram ao local, conseguindo informações que os levaram a prender todos os
envolvidos no caso.
CASO 13 - GRADI DESENVOLVENDO ATIVIDADE INVESTIGATIVA
Data dos fatos; 02/03/2002
Horário da ocorrência: 18:00h
Horário da comunicação: 03:13h
Policiais militares foram informados, segundo consta pelo COPOM, a respeito de
suposto cativeiro de seqüestro. Dirigiram-se ao local e conseguiram soltar a
vítima. O BO é ininteligível e nenhuma diligência foi feita e, sequer a vítima foi
ouvida, mesmo passados mais de 7 meses.
CASO 14 - DEPOIMENTOS PRESTADOS POR DETENTOS
Os depoimentos foram prestados durante os meses de maio e junho de 2001.
Foram acompanhados por um Tenente do GRADI, que chegou a ser mencionado
pêlos detentos em diversas passagens, como sendo alguém com quem tinham
certa proximidade.
Os depoimentos versam sobre diversas irregularidades pertinentes à corrupção
policial, facilitação de fuga e sobre a organização criminosa PCC. São
mencionadas como participantes dos "esquemas" várias autoridades, dentre elas
policiais civis, policiais militares, agentes penitenciários, juízes e advogados.
Conclusão
EXECUÇÕES SUMÁRIAS E POLÍTICA DE SEGURANÇA EM SÃO PAULO96
Ainda está por se construir no Brasil uma nova doutrina de segurança pública
adequada aos marcos do Estado Democrático de Direito. Se a Constituição dita
Cidadã de 1988 incorporou os direitos humanos e as garantias fundamentais
como fontes do direito dela emanado, a manutenção da estrutura policial préexistente e sua constitucionalização se configuram como um elemento de
continuidade da ordem constitucional anterior. Conseqüentemente, a doutrina de
96
A Conclusão do Relatório contou com a colaboração do Deputado Renato Simões, Presidente da Comissão
de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo.
71
segurança nacional que constituía o substrato da ordem constitucional de exceção
imposta pelo regime militar (1964 a 1985) foi apenas adaptada, e não revogada,
pela prática de segurança pública dos governos federal e estaduais do regime
democrático.
Entre os elementos de continuidade que podemos destacar, estão a ênfase na
defesa do Estado e do patrimônio privado em detrimento da defesa dos direitos da
cidadania como norteadora das políticas de segurança pública; a manutenção de
uma rígida separação entre as atividades das polícias civis e militares, beirando a
aberta concorrência entre as duas corporações estaduais; a prioridade da
repressão sobre a prevenção; a baixa agregação de inteligência policial ao
processo investigatório, mantendo-se as estruturas arcaicas do inquérito policial,
os baixos índices de esclarecimento, a rotina da tortura para obtenção de
confissão, a impunidade dos crimes não esclarecidos e das práticas abusivas dos
policiais; e a promiscuidade entre o aparelho policial e o crime, seja pela
necessidade de fontes de informação dentre a própria criminalidade, seja pela
parceria impune estabelecida entre segmentos da polícia e a criminalidade, seja
pela corrupção policial.
O crescimento da violência e da criminalidade no decorrer da década dos 90 pôs
em cheque uma série de experiências dos novos governos democráticos que
visavam enfrentar essa questão. Ainda que timidamente, o governo estadual de
São Paulo eleito em 1994 ensaiou algumas mudanças importantes. Sob a gestão
do secretário José Afonso da Silva, a política de segurança pública incorporou o
discurso dos direitos humanos à orientação das polícias, à formação de novos
policiais e à ação das Corregedorias; criou-se a Ouvidoria das Polícias como
órgão independente de controle externo da ação policial; encaminhou-se ao
Congresso Nacional uma proposta de emenda constitucional alterando-se a
estrutura das polícias estaduais; implantou-se o Programa Estadual de Direitos
Humanos (1997).
A pressão conservadora por uma polícia mais dura contra o crime levou à
substituição, no segundo governo de Mário Covas (1998), do jurista dos direitos
humanos pelo promotor Marcos Vinicio Petreluzzi. Sem revogar totalmente as
conquistas do período anterior, o discurso dos direitos humanos foi sendo
paulatinamente deixado de lado, a Ouvidoria foi colocada sob restrições
administrativas crescentes, as concessões às pressões corporativas das polícias
foram aumentando. Sob o pretexto de incrementar a inteligência policial,
transformou-se o GRADI - Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de
Intolerância num instrumento de organização de ações policiais militares para, ao
arrepio da lei, organizar o confronto ao crime organizado. Neste período, o crime
organizado organiza ações espetaculares, amplia-se em níveis intoleráveis a
audácia de quadrilhas de traficantes, seqüestradores e assaltantes, facções
criminosas assumem poder paralelo nos presídios. O discurso de uma polícia
cidadã que defende os direitos humanos da população já não encontra mais eco
no governo estadual, que troca de mãos com a morte do Governador Mário Covas
e a assunção ao cargo de seu Vice, Geraldo Alckmin.
72
Este período coincide com a escolha de um novo Secretário de Segurança
Pública, também promotor de justiça, Saulo de Castro Abreu Filho, então
presidente da FEBEM, Fundação Estadual do Bem Estar do Menor, responsável
pela guarda de adolescentes em conflito com a lei. Sua gestão à frente da FEBEM
e seu trânsito político no núcleo central de governo, onde serviu como assessor
por muitos anos, o habilitavam para consolidar uma política de segurança pública
que em nada lembrasse os primeiros anos e tentativas de adequar as polícias e o
combate à violência aos marcos dos direitos humanos.
Desde então, o aparelho policial foi colocado em total liberdade para atuar,
revogando-se as tentativas de uma maior unidade da ação policial:
. as duas corporações tiveram carta branca para agir, sem restrições ao
corporativismo e às velhas práticas truculentas e viciadas;
. a Ouvidoria da Polícia passou a ser encarada como adversária a ser esmagada,
por medidas administrativas e confronto político permanente por parte da
Secretaria;
. as Corregedorias tiveram seu poder limitado por um discurso permissivo da
violência do Estado frente ao crescimento da violência da criminalidade, pelo
aberto apoio do Secretário a segmentos policiais tradicionalmente apontados
como violadores dos direitos humanos (inclusive prestigiados com promoções e
nomeações em altos cargos) e pela ingerência direta da Secretaria em
investigações dos órgãos corregedores;
. um temido torturador da ditadura militar, o delegado Aparecido Laertes Calandra
(vulgo "capitão Ubirajara", responsável por homicídios de militantes de esquerda
no DOI-CODI nos anos 70), foi designado Diretor Assistente do Departamento de
Inteligência Policial (DIPOL) da Polícia Civil e lá mantido por meses, apesar dos
protestos da sociedade civil e do governo federal;
. o GRADI se transforma num grupo de extermínio oficialmente defendido pelo
governo, que assume as ações ilegais cometidas ainda na gestão anterior e
impede uma investigação séria e oficial sobre sua atividade clandestina; e
. o Secretário de Segurança, embalado no apoio de uma opinião pública embalada
pelo conservadorismo e por ambições eleitorais, assume de vez um discurso
desqualificador dos direitos humanos, de suas entidades e valores, sinalizando
carta branca, um autêntico "vale-tudo", para a ação policial contra o crime.
O crescimento da ação dos grupos de extermínio e de execuções sumárias
descrito por esse Relatório tem relação direta com as mudanças na orientação
política da Secretaria de Segurança Pública nos últimos três anos. Os indicadores
da Ouvidoria da Polícia apontam um crescimento sensível, nos anos de 2002 e
2003 (primeiro semestre), do número de homicídios praticados por policiais contra
civis, a maioria dos quais - principalmente na Polícia Militar - por policiais fora de
serviço. Essa tradição brasileira, decorrente da baixa remuneração dos policiais e
da falta de uma política salarial definida por parte dos governos estaduais,
incentiva a ação dos policiais na segurança privada, nos horários de folga que
deveriam ser destinados ao descanso, à convivência familiar, ao lazer e à cultura.
73
O chamado "bico" transforma os policiais em funcionários informais, já que a lei
veda essa atividade profissional, da iniciativa privada, atuando em empresas
clandestinas de segurança e junto a pequenos empresários e comerciantes.
O controle das atividades das Corregedorias, o esvaziamento administrativo da
Ouvidoria e o discurso belicoso oficial do Secretário de Segurança são alguns dos
fatores que permitem que esta atividade informal de policiais, por vezes,
ultrapasse o tênue limite que a distancia da criminalidade. A prisão de policiais em
flagrante fazendo segurança para importantes integrantes do crime organizado
denuncia um número desconhecido de marginais infiltrados nas polícias, impunes
pelas fragilidades institucionais impostas pela Secretaria de Segurança às
Corregedorias, à Polícia Civil - encarregada da investigação criminal - e à
Ouvidoria.
Também a política oficial de negar fatos notórios, como o envolvimento de policiais
em execuções sumárias e grupos de extermínio de repercussão nacional - como
recentemente ocorreu em Ribeirão Preto e Guarulhos - tem contribuído para uma
sensação de impunidade desses maus policiais mancomunados com o crime ou
com a tese de fazer justiça com as próprias mãos. Mesmo com a aprovação de
uma legislação que acelera ritmos de ação das Corregedorias Policiais, o
resultado na eliminação desses policiais dos quadros das Polícias Civil e Militar
tem sido pífio, e muitos deles continuam prestando serviços em outras unidades
policiais, mantendo seu distintivo a assegurar sua contratação informal para a
segurança privada.
Quando um torturador é apresentado como alguém que prestou relevantes
serviços à Polícia, justificando sua nomeação para o Departamento de Inteligência
Policia; quando se nega à sociedade uma satisfação pela ação criminosa do
GRADI; quando se premiam policiais violentos com a promoção por mérito;
quando o discurso dos direitos humanos é rejeitado e ridicularizado pela mais alta
autoridade da segurança pública do mais importante estado da Federação; não há
como negar que a política de segurança pública de São Paulo é co-responsável,
por ação e omissão, pelas violações de direitos humanos e por execuções
sumárias de cidadãos, como nos casos relatados aqui.
Oxalá a visita da Relatora Especial sobre Execuções Sumárias da Comissão de
Direitos Humanos da ONU possa trazer ânimo e forças para os que pretendem
ainda manter a civilização vencendo a barbárie em São Paulo.
74
Recomendações:
1) Implementação de um sistema eficaz de Proteção a Testemunhas em todos os
Estados, que seja capaz de atender, de forma diferenciada, todos os ameaçados,
ou seja, que respeite as diferenças culturais e sociais dos protegidos.
2) Independência e controle social dos Institutos de Medicina Legal, bem como
ampliação e modernização de sua estrutura.
3) Garantia de acesso as entidades sociais de monitoramento Policial e outras
entidades de direitos Humanos, aos resultados produzidos pelos Institutos de
Medicina Legal.
4) Plena autonomia e independência das Corregedorias e Ouvidorias de Polícia,
além de recursos suficientes para sua capacitação e desempenho competente das
funções.
5) Efetivação do Controle Externo da Atividade Policial pelo Ministério Público.
6) Dotação de capacidade própria de investigação para as ouvidorias de polícias.
7) Inclusão de significativo conteúdo sobre direitos humanos nos programas de
formação de policiais, preferencialmente com participação das entidades civis
especializadas no tema. Obrigatoriedade de reciclagem de policias antigos,
inclusive oficiais, também sobre o tema.
8) Instalação de ouvidorias do sistema penitenciário em todos os Estados.
9) Criação de programas que retirem das ruas policiais que se envolverem em
eventos com resultado de morte, até que se investigue as motivações e proceda a
necessária avaliação psicológica do envolvido.
10) Implementação de programa de atendimento psicológico aos policiais e
agentes penitenciários envolvidos em ocorrências seguidas de morte.
11) Treinamento para todos os policias no emprego de técnicas não letais nas
operações policias (tiro defensivo, forma de abordagem, etc.).
12) Elaboração de rigoroso estatuto sobre abordagem de suspeitos, prevendo
penas severas, para aqueles que o fizerem de forma violenta, preconceituosa ou,
de qualquer forma, desrespeitosa.
13) Estudo de incorporação de armas não letais (sprays,etc.) e outras que sejam
compatíveis com o contexto urbano evitando danos colaterais (emprego
controlado de armas automáticas e de potência exagerada, etc.).
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14) Modificação dos regulamentos policiais para que agentes que sofram
atentados ou que de alguma forma estejam envolvidos com o episódio, não
continuem participando das investigações, para diminuir ações vingativas.
14) Premiação para policiais que resolverem situações difíceis sem o emprego da
força..
15) Premiação para Batalhões, delegacias, equipes, que diminuírem o número de
mortes, sem diminuirem sua produtividade.
16) Treinamento para policiais na mediação de conflitos.
17) Campanhas públicas sobre a prática policial correta e ampla divulgação dos
canais de denúncia dos abusos praticados por policiais.
18) Inclusão de metas de redução da violência policial para os Estados, vinculadas
ao recebimento de verbas federais de programas de segurança pública.
19) Separação dos presos no âmbito do sistema de detenção, conforme os
indivíduos estejam aguardando julgamento ou já tenham sido condenados,
conforme estejam cumprindo pena em regime aberto, semi-aberto ou fechado,
bem como conforme a gravidade do delito.
76