As tres Romas (tomo 1) - Bibliothèque Saint Libère
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As tres Romas (tomo 1) - Bibliothèque Saint Libère
AS TRES ROMAS. DIÁRIO PELO AEBADE GAUME , Vigário geral da diocese d e Nevers , cavalleiro da ordem de S. S i l v e s t r e , membro da Academia da Religião Catholica de Roma , etc. Nec unquam {civitas) major nec sanctior. nec Nunca houve cidade maiur nem mais sancta. TJT. L I V . fíist. lib. I. TOMO TRIMEIEO. T Y P . DE FRANCISCO PEREIRA D'ÀZEYEDO , Rua das Hortas 1857. n.° 105. Biblio!èque Saint Libère http://www.liberius.net © Bibliothèque Saint Libère 2009. A reprodução sem fins lucrativos é permitida. AS I. PROLOGO E todas a s v i a j e n s , é i n d u b i t a v e l m e n t e a d e Roma , debaixo do aspecto da religião, da s c i encia e da a r l e , a m a i s i n t e r e s s a n t e . Á c i d a d e e t e r n a , u n i ã o mysleriosa d o s dois m u n d o s , r e s u m e nos seus m o n u m e n t o s , p o r um privilegio exclusivo . toda a historia do g é n e r o h u m a n o s o b a dupla influencia do p a g a n i s m o e do c h r i s t i a n i s m o . Do mesmo modo q u e todos os a s t r o s g r a vitam no firmamento para o sol ; do m e s m o modo q u e na t e r r a todos os rios t e n d e m p a r a o O c e a n o : assim n a ordem divina e na h u m a n a , todos o s a c o n t e c i m e n t o s do mundo antigo e do m o d e r n o r e m a t a m em R o m a . V i r a m - s e n a s c e r e m o r r e r , p o r e s p a ç o de nove s é c u l o s , p a r a a futura r a i n h a d o p a g a n i s m o , as r e p u b i i c a s i n h a s d o O c c i d e n t e e as g r a n d e s m o n a r c h i a s do O r i e n t e , q u e , depois d e haverem a b s o r v i d o todas as o u t r a s , d e v i a m s e r a b s o r v i d a s por seu t u r n o pelo i m p é r i o d e q u e e r a D t VI capital Roma. Nada mais instructivo do q u e a s sistir a esta longa formação da cidade p r o v i d e n c i a l ; e nada m a i s a r r e b a t a d o r do q u e ver os m o n u m e n t o s do seu p o d e r ; os logares onde n a s c e ram os g e n e r a e s , os o r a d o r e s , os g r a n d e s h o m e n s , defensores e creadores do seu império; os campos de batalha, em q u e a filha d e Rómulo, por meio d e v i c t o n a s mais ou m e n o s estrondosas sobro os seus v i s i n h o s , preludiava a conquista do m u n d o , D'aqui vem a impressão profunda, i n d e finível, q u e produz a perspectiva d e Roma p a g a n ; impressão q u e nunca produzirá a perspectiva de Londres, ParisouPetcrsburgo. Em qualquer outra parle, u m a r u i n a é u m a r u í n a , m o n u m e n t o d ' u m facto p a r t i c u l a r ou nacional ; mas em R o m a , é toda a r u i n a u m m o n u m e n t o de primeira o r d e m , t e s t e m u n h a v i n t e vezes secular d e algum desses factos c u l m i n a n t e s d e que se compõe a teia geral da historia. Roma c h e g a , a p ó s setecentos annos d e p r o g r e s s o s , guiada pefa m ã o da Providencia % ao apogeu do poder m a t e r i a l . Pôde d i z e r : o mundo sou e u . Todavia não estão ainda c u m p r i d o s os seus destinos ; p r e p a r a - s e p a r a eíla u m a gloria • m a i o r ; cstà-lho r e s e r v a d o um império mais e x t e n so ; será r a i n h a s e m p r e ; vai só m u d a r de s c e p t r o . Será substituída á Águia a C r u z ; o cajado p a s toral fará as vezes das fasces c o n s u l a r e s , e a espada da palavra virá a ser a machadinha do lictor. Roma n ã o vô no a n n u n c i o desla nova realeza cuja sublimidade e cujo poder não c o m p r e h e n d e , senão a petição insolente d*uma a b d i c a ç ã o . F r e m e , a r roa-se, l r a v a - s e a lucta : lucta gigantea q u e faz c o r r e r r i o s . d e s a n g u e e d u r a 1res séculos. O c a m p o de batalha e x t e n d e - s o a todas as p a r t e s ; ao Vaticano,*ao Coliseu, ao Circo e ao Foro. Não Vil ha um edifício, nem um s i t i o , nem u m a pedra q u e não revoie a l g u m episodio do c o m b a t e . AlOm, d e c i d e - s e a V i c t o r i a : J u p i t e r desce do C a p i t ó l i o ; Cezar r e l i r a - s e p a r a Byzancio ; a cidade de N e r o t o r n â - s e a cidade de P e d r o ; e Roma , d e r r i b a d a do Ihrono da f o r ç a , sobe ao do a m o r , para c o n t i n u a r a ser depois do c o m b a t e , como o fora a n tes , a c a b e ç a do m u n d o , o coração d'onde h a - d e p a r t i r a v i d a , o a s t r o b r i l h a n t e e m torno do qual ba-de gravitar o universo. A' vista dos togares q m o n u m e n t o s q u e a t testam este f a c t o , desfecho miraculoso d ' u m d r a ma d e q u a t r o mil a n n o s , isto ó , a substituição de Roma a R o m a n o i m p é r i o e t e r n o do m u n d o , fica o viajante a s s o m b r a d o , D i l a t a - s e a alma . o r i e n t a - s e e c o m p l e t a - s e a sciencia, t o r n a - s e a fè i n a b a l á v e l : a d o r a - s e , a m a - s e , ora-se ; p o r q u e em t o d a s a s p a r t e s se vê o mysterio da Providencia n o g o v e r n o dos séculos , e se toca o maior dos m i l a g r e s , cujas p r o v a s são em Roma tam n u m e r o s a s e p a l p á v e i s , como os m o n u m e n t o s e as ruínas. Metrópole da religião, é Romã também a pátria da s c i e n c i a . Não haviam nascido a i n d a as c a p i t ã e s da E u r o p a , e já a c i d a d e dos PontiBces r e i n a v a pela intelligencia e civilisação. Antiochia, A t h e n a s , Alexandria , as g r a n d e s c i d a d e s do O r i e n t e cabiam na b a r b a r i a ; a propria C o n s t a n t i n o pla não lançava senão um ciarão duvidoso : ao passo q u e Roma sosttnha elevado sobre o m u n d o , com mão firme , o facho b r i l h a n t e da sciencia „ acceso no a l t a r da fé. As suas b i b l i o t b e c a s e r a m os a r c h i v o s , c os s e n s d o u t o r e s os o r á c u l o s do m u n d o civilisado ; os seus P o n t í f i c e s , os r e i s da sabedoria e eloquência ; as s u a s l e i s , a base da VIII l e g i s l a ç ã o , e a sua j e r a r c h i a , o modelo da o r g a nização social do O c c i d e n t e . Na e d a d e media , semêa as universidades na Hespanha , F r a n ç a , Inglaterra e Àllemauha , como Deus semêa os a s tros no ccu ; o seu espirito anima estes g r a n d e s c o r p o s , previne-Ihes os d e s v i o s , e os faz concorrer t o d o s pela sua poderosa i n f l u e n c i a , para a h a r m o n i a universal e p a r a o progresso n o r m a l d a s luzes. R o m a , a esta missão scientifica q u e c o n t i n u a a c u m p r i r gloriosaroeoje , a j u n t a outra : a a r t e t o r o a - s e (ilha e pupilla s u a . Q u e r esta escreva a s suas paginas cheias de g r a ç a e s i m p l i c i d a d e nas egrejas da O m b r i a ; q u e r r e p r o d u z a nos m o * satcos de Ravenha e das basilicas byzanlinas a poderosa poesia do symholismo c h r i s t ã o , em todas a s . partes Roma a a l e n t a . Q u a n d o s e a a n u n c i a a g r a n d e revolução do século X V , é cila a p r i m e i ra a d i r i g i l - a de m a n e i r a , q u e salve a a r t e dos s e u s próprios excessos. Com mão tam hábil como g e n e r o s a , áe esforça por conserval-a t a l , q u a l é por n a t u r e z a e d e v e r , sacerdotisa e coadjutora d o Verbo divino na obra da instrucção e sanctificação do m u n d o . Q u e Roma foi bem succedida e q u e é a i n d a o foco d a s a r t e s , p r o v a m - o , não só a s incomparáveis obras-primas q u e formam a sua g l o ria , senão t a m b é m a obrigação tradicional i m posta a lodos os a r t i s t a s d e irem i n s p i r a r - s e do s e u - e s p i r i t o e p e d i r - l h e r e g r a s e m o d e l o s ; filial homenagem p r e s t a d a pela inlelligencia h u m a n a á c i d a d e , m ã e da sabedoria por ser a rainha da fé, isto é , a c i d a d e grande e sancta como nunca houve outra. y Tal é , p a r e c e - n o s , o v e r d a d e i r o aspecto sob q u e d e v e c o n s i d e r a r - s e a Cidade E t e r n a ; tal a IX inspiração q u e d e v e presidir á viajem d ' I t a l i a . Assim o haviam e n t e n d i d o , desde o p r i n c i p i o , os povos christ&os do Oriente a do Occidente. Foi a viagem de R o m a , d u r a n t e u m a larga s e r i e d e s é c u l o s , u m a p e r e g r i n a ç ã o . Convencidos da s u a alta c s a l u t a r influencia s o b r e o espirito catKolico, a l e n t a r a m - a cora todas os seus esforços os S u m mos Pontífices ; e o voto de c u m p r i l - a , q u e r fosse feito por um mooarcha , q u e r por um s i m ples fiel, é um d'aquelles cuja dispensa elles r e s e r v a r a m e r e s e r v a m a i n d a ' p a r a si e x c l u s i v a m e n t e . Muito m u d a d o s estão os t e m p o s ! Desde a i n vasão da incredulidade no seio da velha E u r o p a , já não é a viajem d e Roma , p a r a o m a i o r n u m e r o , mais q u e u m passeio m u n d a n o , m u i t a s v e z e s inútil , a l g u m a s até perigoso. Préoccupad o s e x c l u s i v a m e n t e com as r e c o r d a ç o e u s p a g a u s d a sua e d u c a ç ã o , dirigidos por Guias d e s t i n a d a s a viajantes de todas a s seitas, e cujo mínimo d e feito é deixarem n a s t r e v a s o aspecto r e l i g i o s o , distinguiram só a face artística ou pagan dos m o n u m e n t o s e o lado p u r a m e n t e h u m a n o das i o s t i t u i ç o e n s r o m a n a s . D'aqui resulta que a Itália chïistan è ainda um paiz por descobrir ; e q u e p a r a vergonha d o s modernos t e m p o s , o c a t h o h c o faz demasiadas vezes a viajem da Cidade S a n c t a com m e n o s religião, do q u e o m a h o m e t a n o c u m p r e a p e r e g r i n a ç ã o da Meca. Se , em these g e r a l , é um d e v e r s a g r a d o torn a r a esta viajem decisiva o c a r a c t e r religioso q u e n u n r a d e v o r a ter perdido , as c i r c u n s t a n c i a s a c t u a e s fazem este d e v e r a i n d a mais imperioso e u r g e n t e . Por u m a p a r l e , a s tendências dos g o v e r n o s são de r e l a x a r , d e r o m p e r , se se a t r e vessem , os vínculos s a l u t a r e s q u e ligam a sua X mue as egrcjas o a c i o n a c s , para as Jazerem s e r vas humildes do poder temporal ; p o r o u t r a p a r le , o espirito anli-chrislão q u e hoje sopra, i n s p i r a todas a s m a u h a n s nos d i á r i o s , nos r o m a n c e s , n a s viajens , multidão de n a r r a ç o e n s mentirosas e p é r fidas , cujo fim c chamar sobre. Roma , sobre os seus actos , sobre a s suas leis , sobre os s e u s c o s t u m e s e s o b r e o seu p o d e r , o o d i o , a z o m baria e o d e s p r e z o . C o m l u d o , não sc deve e s quecer q u e mais q u e nunca deve Roma s e r c e r cada da respeito e der a m o r , p o r q u e mais q u e n u n c a é Roma o nosso umeo apoio , o apoio da f è , da l i b e r d a d e , da verdadeira civilisação da E u r o p a e do m u n d o . E ' preciso.accresceotar q u e os caminhos de ferro , os b a r c o s a v a p o r , a n e * cessidade de movimento q u e c a r a c t é r i s a a nossa epocha , tornam cada dia mais fácil e frequente a viajem de R o m a ? F i n a l m e n t e é preciso r e c o r d a r , q u e , antes de t r è s a u n o s , a a b e r t u r a do g r a n d e Jubileu lançara m y r i a d a s de peregrinos nos caminhos da C i d a d e S a n c t a ? Mostram a s s a z todas estas c a u s a s r e u n i d a s q u a m i m p o r t a n t e è para a religião e p a r a a s o c i e d a d e , . o s u b s t i t u i r á funestas preveuçoens c o n h e c i m e n t o s sólidos , a apreciaçoens frívolas e mesquinhas e x p o s i ç o e n s mais elevadas e juízos mais s é r i o s . Fácil é de c o m p r e h e n d e r q u e uma o b r a , uma Guia v e r d a d e i r a m e n t e religiosa e scienlifica seria um dos mejhores meios de atingir esle a l v o . T a l era o pensamento do g r a n d e papa cuja r e c e n t e perda chora ainda a Egreja : com os seus votos v a r i a s vezes e x p r e s s o s , c h a m a v a G r e g o r i o X V I a l t a m e n t e uma publicação deste g é n e r o . Preencheu acaso o auctor das Très Romãs esta sancta c nobre tarefa? Às suas p r e t e n ç o e n s não c h e g a m Iam l o n g e : e s c r e v e u um l i v r o , a íiin d e d a r a idêa de se e s c r e v e r outro melhor. Em q u a n t o ao m a i s , eis aqui o plana que s e g u i u . Após h a v e r percorrido a p a r t e occidental da I t á l i a , c h e g a a R o m a ; ofli e x e c u t a - s e uma triple viajem. Em primeiro logar , é Roma pagan e s tudada n o s seus m o n u m e n t o s , u s o s e c o s t u m e s , nas s u a s a r t e s , festas e l e i s , e na sua r e l i g i ã o : a Cidade de Rómulo e Nero r e a p p a r e c e viva e a n i m a d a . Tara t o r n a r este estudo mais i n t e r e s s a n t e e fácil, damos um diccionario explicative dos principaes siglos e m p r e g a d o s nas i n s c r i p p o e n s , e então os m o n u m e n t o s faltam u m a língua q u e p o d e m todos e n t e n d e r . As pessoas i n s t r u í d a s q u e visitaram a Itália , conhecerão a utilidade J e s i m i Ihanle t r a b a l h o , q u e em n e n h u m a g u i a se e n c o n t r a . E* Roma christan objecto do s e g u n d a v i a j e m . Depois de terem r e c o n t a d o os factos da historia profana de q u e foram t e s t e m u n h a s , são de novo i n t e r r o g a d o s os m o n u m e n t o s , os c i r c o s , os f o r o s , os a m p h i t h e a t r o s , os sete oiteiros, e J a n o d e d u a s c a r a s e d u a s v o z e s ; então revelam os factos chrislãos q u e tem connexao com a s u a existência. Oeste modo, a l l u m i a n d o - s e com m u t u a s luzes a s d u a s R o m ã s , DOO íica n a s t r e v a s p a r t e a l g u m a do q u a d r o , e a Cidade E t e r n a , filha p r i mogénita da P r o v i d e n c i a , r e s p l e n d e por toda a parle sob as s u a s d u a s c o r o a s d e rainha da força e rainha do a m o r . As egrejas c a s b a s í l i c a s , c o m as s u a s veneráveis I r a d i ç o e u s , e riquezas a r t í s ticas tam v a r i a d a s e n u m e r o s a s , com os seus l h e soiros de relíquias e o seu povo de m a r t y r e s q u e fazem de cada s a n c t u a r i o de Roma um ceu na t e r r a ; todas e s t a s coisas tam deliciosas de piedade e p o e s i a , e sem e m b a r g o tam perfeitamente des* XII conhecidas pela maioria dos v i a j a n t e s , s3o v i s i t a d a s e explicadas sob o a s p e c t o da sciencia , da a r t e e da fé. O mesmo succède com os m u s e u s e a s g a l e r i a s , como t a m b é m com os usos e c o s t u mes da Curia romana e a s g r a n d e s c e r e m o n i a s d a semana sancta. Porem não é a v e r d a d e i r a gloria de R o m a christan aquella q u e brilha aos o l h o s do e s p e c t a dor m u n d a n o ; é mister p r o c u r a l - a nas obras d e s sa E g r e j a , m ã e , senhora e modelo d e todas a s outras. Em n e n h u m a p a r l e existe s y s t e m a d e c h a r i d a d e mais m a t e r n a l , completo e a n t i g o ; e m n e n h u m a parte existem o b r a s de piedade q u e m e lhor reflictam o espirito essencial do calholicismo. Porem Roma , c o n t e n t e com o p e r a r o bera', n ã o tem diários e n c a r r e g a d o s d e o publicarem ; e o q u a d r o religioso d a s suas instituiçocns está ainda p o r lazer n a s Guias d*Itália : dello esboçam o s p r i n c i p a e s t r a ç o s As Très Romãs. Âté aqui não transpoz o viajante os limites da Cidade. Comtudo e n c o n l r a m - s e f ó r a d e R o m a , e com especialidade nas e n t r a u h a s da terra , o u t r a s maravilhas q u e não é p e r m i t t i d o olvidar. Os logares celebres do a n t i g o L a c i o , as villas , a s vias r o m a n a s , v a r i a s basílicas, e e s p e c i a l m e n t e a s immorlaes C a t a c u m b a s vem a ser objecto d ' u m a ultima viajem. Descido á Roma subterrânea, est u d a m o s a o r i g e m , o d e s t i n o , os t ú m u l o s , a s c a p e l l a s , as r u a s , a s p r a ç a s , os habitantes desta g r a n d e cidade dos m a r t y r e s . Diiïerenlemente dos e s c r i p l o r e s francezes q u e não faliam delia ou se faliam é só como a r c h e o l o g o s , é o nosso a l v o fazel-a c o n h e c e r debaixo dos t r è s pontos de vista da h i s t o r i a , da a r t e e da religião. Ainda m a i s q u e as o u t r a s , esta p a r t e da v i a j e m , q u e forma XIII um volume i n t e i r o , offerece todo o i n t e r e s s e da novidade. Isto pelo q u e respeita a R o m a . Depois da Cidade E t e r n a , são s u c c e s s i v a m e n tc visitados N á p o l e s , a C a w p a n i a , a Ombria , a s M a r c a s , a Lombardia , e o P i e m o n t e . Ora a I t á lia , s e bem q u e n ' u m g r a u i n f e r i o r , participa d a g r a n d e z a providencial da r a i n h a do m u n d o . Foi ella , desde o principio , o mais b r i l h a n t e satellite do astro iromenso q u e leva todos os a s t r o s na sua orbita. D'aqui resulta q u e os seus m o n u m e n t o s , os s e u s h o m e n s c e l e b r e s , os s e u s a p ó s t o l o s , os s e u s m a r t y r e s , os s e u s c a m p o s de b a talha , tomam aos olhos do viajante p r o p o r ç o c n s roats g r a v e s , do q u e os monumentos e h o m e n s das o u t r a s n a ç o e n s . E' sob este aspecto que ella é e n c a r a d a , de m a n e i r a q u e a marcha seguida no e s t u d o de Roma fica em toda a parte a m e s m a . As o r i g e n s p a g a n s e c h r i s t a n s de cada c i d a d e , os s e u s g r a n d e s h o m e n s , o s s e u s m a r t y r e s , a s suas r u i n a s , as suas obras d ' a r t e , e especialm e n t e os seus estabelecimentos d e c h a r i d a d e , ta m t o c a n t e s e variados na Itália , formam o p a n o r a m a offerecido ào e s p e c t a d o r . ( T a l é , no seu espirito e objecto , a nova o b r a q u e damos ao p u b l i c o . Salvo e r r o a s s o m e l h a - s e ella pouco a u m a r e p e t i ç ã o do q u e se t e m diclo nos nossos dias a c e r c a da Itália ; é este o único j u i z o q u e delia nos é permittido fazer. Em q u a n t o á f o r m a , não d e v e uma viajem s e r n e m u m a g r a v e c o l l e c ç ã o d e dissertaçoens p h i l o s o p h i c a s , nem u m a s e r i e mais ou menos m o n ó tona d e d e s c r i p ç o e n s geographicas ou de p i a s m s d i t á ç o e n s : é uma n a r r a ç ã o ; e o a u c t o r c o n t a , d e s - XIV c r e v e , dia por d i a , o q u e v ê , o q u e a p r e n d e , ò q u e e x p e r i m e n t a . P a r e c c - o o s q u e este modo simples c variado , longe de cançar a aitençâo , a excita e sustenta ; tanto mais q u a n t o as d u a s plantas de Roma tornam os factos palpáveis, pondo à vista do leitor os logares e monumentos p n n * cipaes d e que ouve fatiar. T e r m i n e m o s com a supplica de Sancto A g o s t i n h o , q u e temos mil vezes mais motivo* de r e petir do que o sancto doutor : > Se ao lerdes n o t a r d e s meorrecçoens e faltas , a i n d a numerosas , dai desculpa á palavra a favor da matéria : si guid incondite aíque inculte dictutn legeris, vel sitotum tia esseperspeœeris doctrinae da operam, linguae veniam ( E p i s t . 2 0 5 , ad Consent.) » y 2 «le N o v e m b r o . Partida de Nevers. - r - Itinerário. — Villars. — Saint-Parize. — Saint-Pierre-le-Moulier, P e l a s d u a s horas da t a r d e , a p r a n d c d i l i gencia de P a r i s ' a Lyão parava em Nevers, Àlli tomava très viajantes q u e partiam p a r a a Itália ; e r a m os snrs. U. de Ch . . . F . de Ch . . . e e u . Os m e u s jovens c o m p a n h e i r o s d e peregrinação i n e t l e r a m - s e a l e g r e m e n t e n o coche onde c u tomo logar pela minha v e z ; e fazendo o e s t r i d e n t e l á tego e n d i r e i t a r a c a b e ç a aos nossos cinco cavallos, o pezado coche se põe em movimento. Da p o r tinhola enviamos uma ultima s a u d a ç ã o aos nossos a m i g o s , p r o m e l t e n d o - l h e s e s t a r m o s cm Roma d e n t r o d'um mez. Os nossos relógios m a r c a v a m 1res h o r a s menos v i n t e m i n u t o s ; hei de mister notar esta data p r e c i s a ; mais t a r d e s e s a b e r á p o r q u ê . - 2 - Sc vos succedea a l g u m a vez e m p r e h e n d c r d e s uma viajem l o n g í n q u a , concordareis em q u e o momento da partida tem a l g u m lanlo de s o l e m n c e sobresaltanlc. D'onde p r o v e m i s t o ? i g n o r o - o . Só sei q u e ao primeiro movimento daquelia d i l i gencia q u e ia d e p ô r - n o s successivamente cm v i n te o u t r a s , a ultima das q u a e s não devia p a r a r s e não na extremidade orientíil da I t á l i a ; á vista d a quellas c a s a s , daquellas r u a s , d a q u e l l a s p r a ç a s q u e fugiam e q u e talvez não d e v í a m o s tornar mais a v e r ; á r e c o r d a ç ã o de t a n t a s pessoas q u e r i d a s q u e coro as suas inquielaçoens e com os seus votos nos a c o m p a n h a v a m , longe estavam os nossos coraçoens de se não a c h a r e m a g i t a d o s . No mesmo dia em q u e partíamos , dia dos tristes pensamentos , a s folhas seccas q u e o vento rolava pelo c a minho , a vaga a p p r e h e n s ã o dos perigos q u e pôde c o r r e r o v i a j a n t e , tudo isto nos laoçou n ' u m a espécie de melancolia, q u e se traduziu n'um longo silencio. Para a elle nos a r r a n c a r m o s , nada m e nos foi mister q u e o pensamento bem reflectido dos ú t e i s gozos q u e nos p r o m e t t i a m o s na v i a j e m , unido á esperança d ' u m a feliz volta. Àpresenlar a m - s e aos nossos olhos Borna e a Itália com toda a magia do seu n o m e e lodo o poder d a s s u a s recordaçoens. Roma 1 a Itália ! q u e de coisas não e n c e r r a m , cora eITeito, estas d u a s p a l a v r a s ! P a r a o simples v i a j a n t e , é a Itália o paiz do faello r é u e das r i s o n h a s p a i z a g e n s ; para o philosopho e l i l l e r a t o , é o l h e a t r o dos maiores a c o n t e c i m e n t o s d e p o s i t a dos na historia do m u n d o a n t i g o . Lá v i v e r a m , f a l l a r a m , escreveram , r e p r e s e n t a r a m o seu p a p e l e d e i x a r a m vestígios da sua p a s s a g e m , a maior p a r t e dos homens famosos no meio dos q u a e s se - 3 - deslizou a nossa longa infância. Para o a r t i s t a , é a Itália a pátria das a r t e s , e Roma u m a vasta g a l l e r i a ; para o archeologo, é um museu em q u e se conserva escripta em pedra , m á r m o r e ou b r o n ze , toda a historia sagrada e profana. P a r a o christão , s o b r e t u d o para o s a c e r d o t e , c a Itália a ditosa praia em q u e a nau da Egreja lançou a s u a ancora i m m o r t a l ; e R o m a , o centro da f e d e q u e elle tem a ventura de ser filho c m i n i s t r o . E n t r e tantos t í t u l o s , um só bastava para l a zer d'uma viajem á Itália o nosso sonho favorito. E s t e sonho começava a t o r n a r - s c cm r e a l i d a d e : e todavia i n t e r r o g á v a m o s os nossos p e n s a m e n t o s com a inquietação do homem q u e acorda , e nos p e r g u n t a m o s : « S e m p r e é verdade que vamos a Roma ? — Sim , Rt>ma , m ã e e senhora d c t o d a s as e g r e j a s , cidade providencial, s u c e s s i v a m e n t e objecto do t e r r o r c do amor do universo ; mysleriosa união dos dois m u n d o s , rainha eterna d a s n a ç o e n s , convertida em pacifica morada do pai c o m m u m da g r a n d e família calholica , apu» haveres sido a ruidosa capital d o s t y r a n o o s do g é n e r o h u m a n o , nós te veremos em breve , não s ) com os olhos da sciencia profana , senão t a m b é m com os da fc. • Solo s a g r a d o q u e p i s a r a m tantos saoctos e m a r t y r e s , depois de P e d r o e P a u i o , r e g a d o com os s e u s suores e ensopado com o seu s a n g u e , em breve r e c e b e r á s as nossas p e a d a s . Um pouco m a i s , c c o n t e m p l a r e m o s as íeiçoens a u g u s t a s d ' a q u e l l e a quem t a a t o s outros m e s e s felizes desejam ver e q u e n u n c a verão. Ser-oos-tia d a d o r e a n i m a r a nossa fé no tumulo dos A p ó s t o l o s , nas c a t a c u m b a s de nossos p a i s : depois, volt a r e m o s para o meio dos nossos amigos a viver das nossas r e c e r d a ç o e n s . » 2 _ 4 — Esta esperança da v o l t a , a mais grata ao c o r a ç ã o do v i a j a n t e , q u i z e m o s logo r o n s o l i d a l - a . Apenas havíamos a t r a v e s s a d o a grande poote q u e collocava o Loire e n t r e nós e a c i d a d e , q u a n d o recorri a uma receita cujo e m p r e g o , tam a g r a dável como f á c i l , dá i n f a l i v e l m e n t e confiança. Convém saber q u e a Egreja, na sua maternal s o l l i c i t u d e , compoz um itinerário para uso dos v i a j a n t e s : inimitável oração em q u e se prevêem t o das as necessidades dos p e r e g r i n o s . A Egreja a s especifica ao seu divino E s p o s o , c lhe supplica vele d u r a n t e a jornada pelo filho da sua r o m m u m t e r n u r a . Rccorda-lhe q u e l a m b e m elle foi peregrino no valie das lagrimas , porem q u e teve um precursor para lhe aplanar o caminho; redizlhe as suas antigas bondades para com os via* jantes: a miraculosa passagem d'Israël atravez do mar Vermelho, e o livramento aVAbrahão da terra da Clialdea, e sobre tudo a viajem do moço Tobias guiado pelo archanjo UaphaeL A' r e c o r dação de tantas maravilhas de poder e amor , nbre-se o coração á mais plena confiança e d i z - s e : Na v e r d a d e , q u e lenho eu a t e m e r ? Aquelle a quem pertence toda a t e r r a , a quem obedecem t o dos os elementos vela por mim como pn)a menina tios seus olhos. Comigo viajam o meu anjo t u telar e os dos m e u s companheiros ; depois por lodo o caminho estão postados os espíritos p r o tectores dos iogares por onde vou passar. Teem do meu Pae celeste ordem de vigiarem por m i m ; c estou certo q u e c u m p r i r ã o o seu dever com mais exactidão e boa vontade q u e as a u c t o r i d a des civis c militares , q u e o meu passaporte convida a p r e s t a r e m - m e ajuda e p r o t e c ç ã o . B e m dita s e j a s , religião s a n c t a , q u e associas aos nos* sos interesses o c e u e a t e r r a : o n d e q u e r q u e seja, n u n c a está só teu filho. Engolfado n e s t e s p e n s a m e n t o s , a p e n a s r e p a r a v a q u e nos afastávamos r a p i d a m e n t e . J á h a víamos passado alem da famosa Chaume , o n d e o ímpio F o u c h e r , parodiando os nossos a u g u s t o s m y s t e r i o s , abençoava n'uni d i a , em nome da n a tureza , tresenlos pares d e esposos republicanos. O monte dos Brignons com o seu bosque de m á fama ; Magny com as suas r e c o r d a ç o e n s d e C a r l o s - o - C n l v o e do sancto p a d r e V i c e n t e , haviam d e s a p p a r e c i d o . A' direita , atra vez d ' o m a cortina d ' a l a m o s , a v i s t á r a m o s o antigo castello dô Villars, cujos largos fossos serviram de s e p u l t u r a a m a i s d'um ravalleiro de manopla férrea. A' e s q u e r d a , d e i x á v a m o s Sainl-Panze c a sua crypta r o m a n a , eterna tortura dos archeologos. Era noite fechada q u a n d o chegamos a Saint-Pierre-le-Moutier, Como dois meteoros b r i l h a n t e s , d u a s g r a n d e s figuras parecem p a i r a r por sobre esta pequena cidade q u e nao deixou d e , s e r c e l e b r e o a historia. E ' a primeira a do venerável filho d e S. Bento , q u e , na e d a d e m e d i a , foi plantar àquelle togar solitário o seu óordao de p e r e g r i n o . Em torno 6o mosteiro formou-sc a cidade : a religião p r e c e d e u a q u i , como cm toda a p a r t e , a civílisação. A segunda figura, q u e , a p r o x i m a d a á primeira formava um g r u p o digno d ' u m hábil pincel , é a da miraculosa Donzélia d ' O r l é a n s : S a i n t - P i c r r e l e - M o u t i e r foi o t h e a t r o do seu brilhaule v a l o r . Ao transpor o espaço ou.tr'ora oceupado pelos foss o s , j u l g a - s e ouvir a voz s u a v e e sonora da m o ça heroina g r i t a n d o á sua g e n t e : « Todo o m u n do ás fachmas e ás canniçadas , para se fazer a p o n t e I » ( a qual i n c o n t i n e n t e depois foi feita e f — 6 levantada , continua o cavalleiro d'Aulon , t e s t e m u n h a ocular , da qual coisa o deponente ficou todo maravilhado; por quanto incontinente a dieta cidade foi tomada de assalto sem neíla se e n c o n t r a r por então g r a n d e resistência ; e diz o q u e falia q u e lodos os feitos da dieta Donzélia l h e pareciam mais feitos divinos que. outra coisa , e q u e e r a impossível a uma donzclla tam moça f a zer taes obras sem a v o n t a d e d e Nosso Senhor e sem ser por elle conduzida (1). » Foi a tomada d e Sainl-Pierre-le-Moutier uma d a s ullimas façanhas d e Joanna d ' A r c . No anno s e g u i n t e expiava a libertadora da França a sua gloria n a fogueira accesa pela mão dos I n g l e zcs. Havia cinco h o r a s q u e estávamos no coche , c tivéramos tempo de nos medirmos, interrogar- mos com os olhos, o reconhecermos mutuamente. Parccia-nos convirmo'-nus; alem disso reinava na n a tureza um socego solcmne ; apenas e r a o silencio da noite q u e b r a d o pela passagem da pesada d i l i gencia , que imprimia lentamente os seus profundos carris na estrada lamacenta do Bourbonnais ; era a hora dos contos ao canto do lar d u r a n t e os scroens do o u t o n o , c as l í n g u a s d e s a t a r a m - s e . S e g u n d o o seu mui louvável c o s t u m e , a c o n v e r s a ç ã o saltou de assumptos para a s s u m p t o s . Altern a t i v a m e n t e sentenciosa , diffusa, g r a v e , a l e g r e » a c a b o u , cahindo sobre a e d u c a ç ã o , p o r tomar u m a physionomia meio j o c o s a , meio séria que f ( ï ; Depoimento do rei e senescal de vinte e oito dias do centos e cincoenta e d e Joao d ' A ^ o n , cavalleiro B e a u c a i r e , feita em L y ã o a o s mez d e maio d e mil q u a t r o seis. - 7 — conservou por muito tempo. A educação m a t e r nal e paternal, a a u l a , o collegio , as q u a l i d a d e s e os d e f e i t o s , a m n o c e o c i a e a felicidade da infância, a tudo se passou r e v i s t a , e tudo foi temperado com reflexoens e anecdotas. E n t r e estas u l t i m a s , b a u m a q u e peço licença d e r e f e r i r . No fundo do coche ia um c i r u r g i ã o - m ó r , q u e , d e b a i x o dos cabellos grisalhos, conservava toda a vivacidade d a j u v e n t u d e , e d e m a i s disso homem d e muito boa c o m p a n h i a e mui amável c o n t a d o r d'historias. « As c r i a n ç a s , d i s s e , são á s vezes d ' u m a perfeita simpleza. Ha a l g u n s a n n o s , u m a d e m i n h a s filhas c h a m a d a Maria , e n t ã o de s e t e a n n o s d'edade , a c h a v a - s e g r a v e m e n t e i n d i s p o s t a ; j u l g u e i q u e ella precisava d ' u r a c á u s t i c o , m a s a difticuldade estava e m f a z e l - o acceitar. Depois d e t e r buscado m u i t o t e m p o um e s t r a t a g e n a de g u e r r a , eis q u e m e passa pela m e n t e uma i d ê a l u m i n o s a ; chamo M a n a e sua i r m a n M a t h i l d e , mais velha q u e ella dezoito m e z e s , e d i g o - l h e s m u i t o s é r i o : a E s t a n o i t e deitarei u m cáustico á q u e l l a d e vós a m b a s q u e f o r m a i s socegada. — Serei e u , m e u p a p a s i n h o , serei e u , r e s p o n d e r a m - m e u m a e o u t r a l a n ç a n d o - s e - m é ao pescoço. » S a h i ; e n t r o u a m ã e , e c o r r e r a m para ella dizendo : « M a m ã e , m a m ã e , q u e f e l i c i d a d e ! s e n o s formos m u i t o socegadas , o papá p r o m e t t e u - n o s u m c á u s t i c o á noite. » P a s s o u - s e o dia em contínuos esforços p a r a o b e m . De vez em q u a n d o ouvia-as eu p e r g u n t a r e m uma á outra em voz baixa : « J à viste u m cáustico ? » A' resposta n e g a t i v a de sua i r man , vem M a n a d i z e r - m e : « P a p á , como s e faz n m c á u s t i c o ? c o m e - s e ? — N ã o , minha O l h a , u m cáustico põe-se no b r a ç o . » Vai l e v a r a m i n h a resposta a Mathilde , e e i l - a s a olharem o braço - 8 - p a r a gozarem a n t e c i p a d a m e n t e o bello e(leito q u e d e v e produzir o m y s t e r i o s o a d o r n o . F i n a l m e n t e chega a n o i t e , e decido q u e Maria foi a mais socegada. A estas palavras, salta d e alegria e vem a b r a ç a r - m e , Mathilde desfaz-se em lagrimas. — « Não c h o r e s , manasinha , dizial h e M a n a ; se n ó s formos t a m b é m a m a n h a n s o c e g a d a s , o papá h a - d e d á r - l e um cáustico como a mim- Em q u e b r a ç o , p e r g u n t a a minha feliz d o e n t e , se põe o c á u s t i c o ? — N o direito. » l m m e d i a t a m e n t e d e s c o b r e o braço a t é ao b o m b r o . « M a s , disse-lhe e u , é p r e c i s o e s t a r e s na c a m a p a r a o receberes ; » c o r r e p a r a ella. Colloco-Ihe o cáustico ; M a n a olha p a r a e l l e , a g r a d e c e - m e , a b r a ç a - m e e a d o r m e c e feliz como uma r a i n h a . A i l como a de m u i t a s r a i n h a s , não foi a sua felicidade de longa d u r a ç ã o . Ainda não era dia q u a n d o ella c h a m a tristemente pela i r m a n , d i z e n d o - l h e ; « M a t h i l d e , Mathilde, q u e r e s o meu c á u s tico ? — Q u e r o , q u e r o ; e m p r e s t a - m ' o ao menos p o r um instantinho. » O i ç o , corro ; e foi n e cessário interpor a minha a u c t o r i d a d e , para i m p e d i r a concessão. E n t ã o . Mathilde poz-se a c h o r a r dizendo : « E ' s e m p r e ' a Maria q u e se dá t u d o , e e u nunca tenho n a d a . » 3 cie XovemI»ro. Moulins. — A egreja do collegio. — Recordaçoens. — Uma viajem na diligencia e a vida humana. — O p r o gresso, — Roanne. — Tarare. — L y ã o . Um tempo e x c e l l e n t e , orna t e m p e r a t u r a d e p r i m a v e r a h a v i a m acompanhado a nossa partida ; porem na ordem physica , da mesma m a n e i r a q u e n a m o r a l , os dias s e g u c m - s e e n ã o se p a r e c e m . Acabava de b a t e r meia noite ; espessas n u v e n s cobriam a face do céu e u m a lua duvidosa foi só o q u e alumiou a nossa r á p i d a passagem por Moulins, a c i d a d e d e a p r a z í v e i s passeios. Tivemos pena d c não visitarmos de novo a egreja do c o l legio , n ' o u t r o tempo da Visitação. I n t e r e s s a n t e , pelas s u a s r i q u e z a s a r t í s t i c a s , muito mais o é pelas s u a s recordaçoens. Em t a n t o q u e delia rest a r em pó u m a p e d r a , r e p e t i r á os nomes i l l u s t r e s e b e m d i t o s de d u a s m u l h e r e s f o r t e s , modelo do s e u s e x o e gloria do seu século. " F o i á sombra d a q u e l l e s a n c t u a n o q u e v i v e r a m muito t e m p o , e s o b r e a q u e l l a s lageas d c m á r m o r e q u e d e r r a m a r a m a s suas l a g r i m a s e o r a ç o e n s , J o a n n a - F r a n c i s c a - F r é m i o t , baroneza de C h a n t a i ; depois a n o bre e desventurada Maria-Felicia-dcs-Ursins, d u q u e s a d e M o n t m o r e n c y . A p r i m e i r a , digna* tilha d e S . Francisco de S a l e s , f u n d o u , d'acordo com e l l e , a illustre o r d e m da V i s i t a ç ã o ; a s e g u n d a nascida quasi nos d e g r a u s do t h r o n o , soube e n c o n t r a r nas cousolaçoens da mais alta p i e d a d e o s e g r e d o de viver a g r a d á v e l e r e s i g n a d a m e n t e , depois do golpe fatal q u e , d e c e p a n d o no c a d a falso a cabeça de seu m a r i d o , lhe havia d e s p e d a ç a d o para s e m p r e as e s p e r a n ç a s e rasgado o c o ração. t Ao a l v o r e c e r , a b r i m o s a s portinholas c a r r e g a d a s d e v a p o r e s ; obscurecia o horisonte u m e s pesso nevoeiro ; estava o frio p e n e t r a n t e , s o l i t á ria e monótona a e s t r a d a : tudo excitava p e n s a m e n t o s g r a v e s . O q u e m e assaltou foi o p a r a l l e lo da vida h u m a n a e d ' u m a viajem n a d i l i g e n cia. - 10 - Na d i l i g e n c i a , a c h a i s - v o s com v i a j a n t e s , dos q u a e s uns vos a g r a d a m , o u t r o s desagradam ; u n s vos deixam mais cedo , outros mais tarde ; a m i gos ou i n i m i g o s , Torça é s e p a r a r - s e de todos. O s logares vosios são p r o m p t a m e n t e occupados ; o u t r a s figuras se succedem ás p r i m e i r a s : novos c o n h e c i m e n t o s , novas r c p u g n a n c i a s , novos p r a z e r e s , novas i d ê a s , novo m u n d o . Assim na vida h u mana. Na d i l i g e n c i a , a comitiva está distribuída por logares différentes, e vós mesmos os occupaes m u i t a s vezes u n s depois dos o u t r o s : logares da imperial, n i n h o do e s t u d a n t e de ferias e do sold a d o de l i c e n ç a , o n d e r e s p i r a e s o fumo d o c i g a r r o , onde tiritaes q u a n d o está f r i o , onde sois molhados q u a n d o c h o v e ; logares de cupé, g a b i n e t e da gente culta , onde tendes em p e r s p e c tiva a lança do coche e a proa dos c a v a l l o s ; l o g a r e s do centro , salão do c o m m e r c i o , o n d e abafaes q u a n d o está c a l o r , onde se falia a l t e r n a t i v a m e n t e em p o l i t i c a , em lheatro , em a r c h i t e c t u r e , em caminhos de ferro , em vinhos , e m f l a nella e em b e t e r r a b a s ; l o g a r e s de rotunda, compartimento do proletário , onde vos s e g u r a m , sem a u g m e n t o de p r e ç o , o divertimento de s e r d e s d e v o r a d o s pelo pó e a odorífera companhia dos c a n á r i o s , das amas de leite e dos serradores de mad e i r a . D e todos estes l o g a r e s , o m e l h o r não p r e s t a ; em todas as p a r t e s ha balanços e c a n s a ç o . Q u e m nos nossos dias pôde affiançar q u e não occ u p a r á todos os logares do coche s o c i a l ? Q u a n tos estão n o cupé q u e e s t a v a m ha pouco na rotunda e vice versa ? Na diligencia ; cada um viaja para s e u i n teresse p a r t i c u l a r ; quem para commercio, q u e m p a r a - 11 — se divertir, q u e m para se i n s t r u i r , q u e m por c a u s a da s a ú d e , quem para m u d a r de locar. Assim na vida h u m a n a . Ai ! sim . nesta viajem cujo Gm d e v e r i a s e r o mesmo para t o d o s , são tantos os fios q u a n tos os viajantes. Na diligencia, é r á p i d a a viajem ; em vão q u i zereis a l g u m a s vezes afrouxar a m a r c h a . A rouca voz do conductor r e p e t e em cada d e s c a n ç o : A caminho, levantar : e à s c h i c o t a d a s d o postilhão executam a cruel o r d e m . Assim na vida h u m a n a . Q u a e s q u e r q u e sejam os vossos d e s e j o s , é-vos prohibido fazer a l t o ' u m só { i n s t a n t e ; a imperiosa voz do tempo brada s e m p r e : Caminha, c a m i n h a ; e força é c a m i n h a r . N a diligencia , é a viajem c u r t a : d u r a a l g u m a s h o r a s , a l g u n s d i a s , . r a r a s vezes a l g u m a s sem a n a s ou a l g u n s m e z e s . Assim na vida h u m a n a : a m a i s longa é u m s o n h o . Na d i l i g e n c i a , é e n g a n a d o r a a viajem : a t e r r a , a s a r v o r e s , a s c a s a s , os m o n t e s , os h o m e n s , o céu, do qual n ã o v ê d e s m a i s q u e u m p o n t o , n ã o fazem senão a p p a r e c e r e d e s a p p a r e c e r . Julgais q u e tudo isto f o g e , c sois vós q u e fugis. Assim na vida h u m a n a : j u l g a m o * q u e tudo m u d a em torno d e n ó s , e somos nós q u e m u d a m o s . Na d i l i g e n c i a , e n c o n t r a e s d e t e m p o a tempo h o s p e d a r i a s , u m a s b o a s , o u t r a s médiocres, o u t r a s m á s ; s e r v i s - v o s á pressa d e c r e a d o s , moveis e q u a r t o s q u e não são vossos. Assim na vida h u m a n a : cabana do pobre , ' c a s a do rico , palácio d o rei , são a b r i g o s passageiros o n d e se d o r m e u m a n o i t e : no dia s e g u i n t e è forçoso p a r t i r . F i n a l m e n t e , como ultima c o n f o r m i d a d e , na diligencia não é r a r o o acootecerem-vos accident e s . Ainda nas viajens mais a g r a d á v e i s , quem — 12 1 ignora q u e os inconvenientes e os e n g a n o s tem nellas g r a n d e p a r t e ? A s s i m , e sempre assim na vida h u m a o a . À Palisse cortou o fio das minhas reflexocns ; r e c o r d o u - n o s este logar o senhor da Palisse e a c a n ç ã o popular. A' recordação do illustre m a r e chal de F r a n ç a q u e , depois d e tantas façanhas , pereceu gloriosamente na batalha d e Pavia, como se não ha de repetir com o senhor de M a i s t r e : S e d e pois um g r a n d e homem para q u e venha o primeiro trovador d e s c a n t a r - v o s e ligar ao vosso n o m e uma ridicularia i m m o r t a l ! A c a n ç ã o c a n t a r o l a d a por um v i a j a n t e , n ã o havia ainda t e r m i n a d o , q u a n d o um e s p e c t á c u l o inesperado veio p r o v o c a r a hilaridade d e todos os q u e iam no c o c h e . A t r a v e s s a v a - s e uma p e q u e n a e suja aldêa cujo nome ninguém pôde d i z e r . Por cima d a porta meia aberta d e u m a m e s q u i n h a c a bana d e paredes de Lama e tecto de colmo, o s t e n laYa-se uma taboa vermelha com estas lastosas p a l a v r a s em g r a n d e s l e t t r a s p r e t a s : Gabinete de leitura. Ora , no m o m e n t o em q u e p a s s á v a m o s , entrava um gálio a l t i v a m e n t e no tal g a b i n e t e . A presença do bipede em similhante logar suscitou u m a mui seria discussão a c e r c a da espécie a q u e elle pertencia : « Ë' um p e r u , diziam u n s ; é um gallo g a u l e z , respondiam o u t r o s . — Não pescaes n a d a d i s s o , ajuntou um c a i x e i r o - v i a j a n t e ; o i n telligente animal q u e vai 1er o seu folhetim é e v i d e n t e m e n t e um gaito p h a l a n s t e r i a n o , um gallo l i v r e , um gallo emancipado como vereis milhoens délies d'aqui a pouco t e m p o . — Isso cá para m i m é indifférente , bradtfu um dos v i a j a n t e s , q u e h a via combatido n a s P y r a m i d e s , o certo é q u e alli está o progresso e a c i v i l i s a ç ã o ; » e com uma voz t - 13 - ora rouca , ora t r e m e l i c o s a , poz-se a m i r a o s e a r nos com uma canção q u e não deixa de t e r m e r e cimento : J e s o m ' d e v e n u s vieux sans rien s a v o i r ; Mais nos g a m i n s , dam faudrait v o i r , Y s a u r o n t tous la r i e u t h o r i q u e , La m a t h c u m a l i q u e , La m é t a l p h y s i q u e , La chimilque et beo d ' a u t ' s ' c r e l s . V'Ià ce q u e c'est q u e le p r o g r è s . S u r des c h e m i n s de fer, s a n s avoir p e u r . On c o u r t la poste à la v a p e u r . Avec ça lancé corn* d'un fronde , E n q u e q ' s h e u r ' s de r o n d e , On fait l ' t o u r du monde S a n s e n r i c h i r les c a b a r e t s . V'Ià, etc. S u p p o s é q u e cela s a u t e en é c l a t s , Et q u ' e n t o m b a n t tu te casses un bras Ou q u ' t u t ' d é m e t t e s une omoplate , Vient u n *orméopate Qui t'casse r a u t ' p a t l e P o u r te rend'roieux p o r t a n t q u ' j a m a i s . YMà, etc. Mais aussi q u a n d on ne p e u t réussir On s e défait de soi p o u r en finir: L'un se fiaoqu'du plomb d a n s la calotte, L ' a u t ' s e tire u n botte , L ' a u t ' s e serr'la g l o t t e , Puis l'aut*dans Peau va chercher l'frais. Y ' l à , etc. (Nós envelhecemos sem s a b e r n a d a ; mas os nossos g a r o t o s , esses v e r ã o , saberão todos r e t h o r i ç a , mathemalica methaphysica , chimica e muitos o u t r o s s e g r e d o s . Eis o q u e è o p r o g r e s so.) ( V i a j a - s e na posta a v a p o r por caminhos de f e r r o , sem ter medo a l g u m ; e deste modo como q u e arrojado com uma f u n d a , em a l g u m a s horas d á - s e uma volta em roda do inundo sem e n r i q u e c e r as t a v e r n a s . E i s , e t c . ) (Supposto q u e a coisa salte em estilhas, e c a * • hindo q u e b r e s um braço ou desloques uma o m o plata , vem u m h o m e o p a t h a q u e te quebra a o u tra p a r a te pôr m a i s são q u e n u n c a . E i s , e t c . ) f (Mas também q u a n d o os negócios não vão c o r r e n t e s , desfaz-se a g e n t e de si p a r a a c a b a r coro t u d o : um mette u m pouco de chumbo nos miolos, o u t r o dà em si u m a punhalada , outro aperta a g a r g a n t a , e outro vai p r o c u r a r o fresco na a g u a . E i s , etc.) E m tanto q u e o velho soldado estigmatisava o charlatanismo e a i m p i e d a d e , l e v a v a - n o s a d i l i g e n c i a r a p i d a m e n t e . Atravessamos a s ultimas p l a nícies do Bourbonnais , n a s q u a e s N a p o l e ã o , r e g r e s s a n d o do E g y p l o , designava viute sítios favoráveis p a r a campos d e b a t a l h a : a n t e s d o meio-dia e s t á v a m o s era R o a n n e . Alli começa a irradiação da actividade lyoneza ; caminho de ferro , porto , lojas mais n u m e r o s a s e e l e g a n t e s , annuncia t u d o a visinhança d ' u m a g r a n d e c i d a d e . E n t r e t a n t o muda o paiz d*aspecto; profundos b a r r a n c o s e bosq u e s de carvalhos vos conduzem ao famoso monte 1o U — de T a r a r e , Alravcssaraol~o sem a c c i d e n t e , bem como a cidade do mesmo nome, improvisada pela i n d u s t r i a . A' luz dos lampioens, mostrou-nos esta com o orgulho d'uni ricaço a fachada uniforme dos seus compridos edifícios, todos similhaotes a q u a r t é i s ou penitenciários. P r e t e n d e - s e que, d e baixo do ponto de vista morai e m a t e r i a l , a m a nufactura tem algum tanto d ' u n s e d'outros. O tempo não nos pern ittiu verificar a o b s e r v a ç ã o , p o r q u e estávamos a t r a z a J o s na j o r n a d a . Km balde se queixou o indolente c o n d u c t o r dos c a v a l l o s , dos p o s t i l h o e n s , dos viajantes, de todos e de t u d o , excepto de si p r ó p r i o , q u e não chegamos às b a r reiras de Lyão senão á uma hora da n o i t e . « Poderemos p a r t i r pelos b a r c o s ? » esta g r a ve questão oceopava-nos desde muito. Cada qual faltava conforme os seus r e c e i o s ' o u a s s o a s e s p e r a n ç a s . Uns diziam q u e s i m , outros q u e n ã o . Todos ignoravam se o R h o d a n o , q u e havia pouco s a h i r a do l e i t o , permittiria a passagem das p o n t e s . Nesta incerteza e s t á v a m o s , quando a p p a r e ceu á portinhola u m a cara estranha, alumiada por u m a l a n t e r n a d e f u r t a - f o g o , e meio coberta com um largo c h a p é u grosso d e s a b a d o . Esta cara fatiava e d i z i a : « Meus s e n h o r e s , bilhetes p a r a o Papin N . 2 ; é o único barco q u e parte hoje. * T o d a s as m ã e s se e s t e n d e r a m para pegar nos d i tosos bilhetes. Ora vede quam g r a n d e é sobre os nossos juízos a influencia das p a i x o e n s ! N o m e i o d*ura b o s q u e , t e r - n o s - h i a faito empallidecer a t o dos o homem que tivesse similíiaute cara ; pois a c r e ditaríeis que a q u i , graças ás suas palavras tranquiflisadoras, o mensageiro do Papin nos pareceu q u a s i tara bello como um anjo ? Descidos com as n o s sas malas para a c a l ç a d a , t i r i t a n d o , t r a n z i d o s , seguimos até á margem do rio o guia ofliríoso. O barco eslava a b e r t o , e descemos ao que se chama c a m a r á . A' luz de um candieiro e ao calor d'uni fogão vigorosamente aquecido pelo machinista. p e r noitamos , estendidos em c a n a p é s até ás seis h o r a s da m a n h a n . 4 de Novemftro. Partida de M ã o . — YiVnna. — T u m u l o de Pilatos. — Touruun. — Valença. — Viviers. — Ponte Saint-Esprit. — irmãos Pontífices. — Mornas e o !>ar5o dos Adrets. — Aviouão. — Aventura da noite. Os passos dos viajantes que chegavam , as p a t a d a s dos cavallos , que se e m b a r c a v a m , o b a rulho dos toneis e dos fardos que se rolavam na coberta d e r a m cabo da nossa vontade de d o r m i r . Ao romper d a í v a , havíamos saudado a Rainha de F o u m é r e s , e lançado uina rápida vista d'olhos sobre os bellos caes dn s e g u n d a cidade do r e i n o , oâo tivemos tempo para mais ; porem p r o m e t t e ino'-oos de nos indemnisarmos n volta. Em breve foi o barco invadido, c vimo'-nos rodeados, apertados, acotovellados por uma nHiItidão compacta de passageiros q u e iam , v i n h a m , fallavaiu, procuravam-se u n s aos outros em toda aquella barafunda sem q u e podessem e n c o n t r a r - s e nem o a v i r - s c . Dos c a e s não cessava o povo de b r a d a r : « Vós não podereis p a s s a r ; a a g u a esta muitíssimo alta ; ides d e s p e d a ç a r - v o s . » Não se verificou a sinistra predicçao. c graças a uma h á bil manobra vencemos felizmente a ponte de G u i l lotiére ; e reunintio-se a rápida corrente do rio ao - 17 - poder da nossa machina q u e funccionava com t o da a força do vapor, nos levou com velocidade tal, q u e antes d a s oito h o r a s estávamos á vista d e Vienna. Um espesso fumo de carvão de pedra se ex tendia em p e z a d a s n u v e n s por sobre a velha c i d a d e d e l p h i n e z a , e deva-lhe a figura de uma ma * trona vestida de lucto. A calhjedral com as snas d u a s t o r r e s e s g u i a s , a p e n a s se desenhava n a q u e k la n e g r a paizagem, e ns largas proporçoeus do gotbico m o n u m e n t o p a r e c i a m confundir-se c o m a cadêa denticulada das m o n t a n h a s p a r d a c e n t e s q u e o d o m i n a m . P a r a se encontrar naquelle dia a l g u m a coisa i n t e r e s s a n t e na c i d a d e céltica, foi n ,s« ter interrogar-lhe a historia Q u e colheita de g l o r i o s a s recordaçoens ! Nos s a n g r e n t o s fastos da Egreja, brilham q u a tro diáconos com r e s p l e n d o r imcoinparavel : E s tevão em J e r u s a l é m , Lourenço em Roma, V i c e n te em Bespanha e S a n c t u s tias G a l h a s . PhilanJ r o p o s , i n c l i n a i - v o s aos s e n s nomes. Destes h o m e n s e dos s e u s e g u a e s , tendes \ôs tudo o q u e possuis : as vessos luzes, as vossas instiluiçoens, os vossos costumes, a s vossas liberdades são o u tros tantos fiuclos da a r v o r e christan cujas r a i ves fecundou o seu s a n g u e . N a t u r a l d e Vienna , de Pothino e Blandina, desesperou S a n c t u s os j u i z e s , cançou os algozes, e impoz indefíuivcl respeito aos milhares de pagãos q u e haviam a c u d i d o a o a m p h i t h e a t r o de Lyão p a r a se r e p a s t a i e m no espectáculo" d a s s u a s t o r t u r a s . Q u e direi da c a r t a , pela qual as egrejas de "Vienna e Lyão contam a suas irroans do O r i e n t e os combates do heroe ? Amantes da a n t i g u i d a d e , q u e r e i s conhecer um m o n u m e n t o inimitável d a - — 18 - q u c l l a simplicidade sublime q u e vos e n c a n t a em Heródoto ou Homero? Lede esta carta; começa a s s i m : t O s servos d e J e s u - C h t i s l o q u e m o r a m em Vienna e L y ã o , cidades da Galba céltica, a s e u s irmãos d'Àsia e d a P h r y g i a , q u e tem a mesma fé e e s p e r a m no m e s m o R e d e m p t o r , p a z , g r a ç a e gloria pela misericórdia de D e u s P a d r e , e intervenção de J e s u - C h r i s t o Nosso S e n h o r » Àos apóstolos das luzes , impõe lambem Vie n n a r e c o n h e c i m e n t o . E r a a d i q u e , n o mcz d e abril do anno d e 1 3 1 1 , se r e u n i a o decimo q u i n to concilio g e r a l . Dezoito vezes celebrou a Egreja estas grandes s e s s o e n s , onde se discutiram os mais altos interesses da h u m a n i d a d e ; e dezoito vezes fomentou s o l e m n e m e n l e a esposa do D e u s d a s luzes os progressos da rasão , já e m e n d a d o Ihe os d e s v i o s , já p o n d o r e g r a s s e g u r a s ao s e u desenvolvimento. Em Víeuna , vejo o papa Clem e n t e V , rodeado do sacro coilegio e dc trcscnlos bispos. N'um throno menos elevado q u e o do pontífice , está assentado P h i l i p p e - o - B e l l o a c o m p a n h a d o da soa c o r t e ; assiste não como juiz da fé, roas como bispo do e x t e r i o r , p a r a apoiar com a s u a auctoridade os decretos do concilio : é C o n s t a n t i n o em Nicea , ou Mauricio em Chalcedonia. Q u e vai decidir a Egreja Catholica r e u n i d a em plena edade media? E o t r e outras coisas , d e c i d e , o r d e n a a creação de cadeiras g r a t u i t a s de h e b r e u , a r a b e e chaldeu, nas universidades de Roma, P a r i s , O x f o r d , Bolonha e S a l a m a n c a . Não longe de Vienna , s a a d a - s e o t u m u l o du P i l a t o s , espécie de m o n u m e n t o pyramidal q u e , segundo a t r a d i ç ã o , indica o sitio onde o j u i z (í) E u s e b . Ilist. EccL liv, V . , a n . 1 7 7 . — 19 - i n í q u o , perseguido pelos r e m o r s o s , se p r e c i p i t o u uo Rhodano ( 1 ) . Em b r e v e e s t r e i t a m a s margens do rio, e l e v a m - s e em penhascos a b r u p t o s ou coliinas e s c a l v a d a s , e t o r n a m - s e cada vez mais s e v e r a s . P a r a n ó s , c o n t r a s t a v a m d e s a g r a v e l m e n t o com a s e n c a n t a d o r a s b o r d a s do Loire. Todavia , se m o n tanhas votcanicas , d e s n u d a d a s e q u e b r a d a s c o n t i n u a m a formar á direita monótono d i q u e ás i n vasoens das a g u a s , cm frente- de S e r r i é r e s a s planícies d o Delplunado c o m e ç a m a p a t e n t e a r - s e e d e s c a n ç a m a g r a d a v e l m e n t e a vista fatigada. A's dez h o r a s e meia , d e s c o h r i u - s e ao longe uma mole negra q u e p a r e c i a e l e v a r - s e do meto d o R h o d a n o . Era o c e l e b r e Castello d e T o u r n o n , c o n s t r u í d o sobre um r o c h e d o cuja base m e r g u l h a no r i o . Ás t o r r i n h a s d e s c o r o a d a s da antiga h a bitação , e s o b r e t u d o o s e u actual d e s t i n o , a t t e s tant a t r i s t e passagem das revoluçoens h u m a n a s : a nGhre mansão "dos valentes serve hoje d e prisão. Aos brilhantes c a s t e i l o e n s , ás a g r a d á v e i s e bons d o n a s , às elegantes d o n z e i l a s , succcdcram novos h a b i t a n t e s , d e figuras c hábitos b e m différentes. Q u a n d o iamos p a s s a n d o , c h e g a v a m oito ou d e z , d e cadeias ao p e s c o ç o , conduzidos pela gendarmeria. J u n t o ao castelío está o c o l l e ^ i o , a n t i g a casa d e J e s u í t a s , q u e gozava merecida r e p u t a ç ã o . Na m a r g e m opposU do rio e l e v a m - s e o s o i * leiros da Hermitage e d e Côte-Rôtie, tam c o n h e cidos pelos s e u s vinhos. Em n o m e dos a m a n t e s , toda a comitiva lhes enviou u m a r á p i d a , porem graciosa s a u d a ç ã o . Já estava a n t e nós Valença. (1) K d s e b . Chronic— 3 Ciosa da a d m i - Joseph, lib, XVIH. — 20 — r a ç ã o dos v i a j a n t e s , parece m o s t r a r - I h e s com o r g u l h o o seu q u a r t e l , ' n ' o u t r o tempo o a n t i g o s e m i n á r i o , o seu novo s e m i n á r i o , a sua e g r e j a de S . João e a sua formidável cidadella, q u e formam os pontos salientes do q u a d r o d e q u e ella faz p a r t e . Depois se ella se põe a contar-vos a sua h i s toria , q u e de coisas não t e m q u e d i z e r - v o s ? Filha q u e r i d a dos Gaulezes nos d i a s da minha i n fância , soffri na adolescência a sorte d e m i n h a s i r m ã o s ; t o r n e i - m e colónia r o m a n a . Mais t a r d e dobrei a cerviz sob o s c e p t r o a l t e r n a t i v a m e n t e t a m pczado e tam leve dos poderosos d u q u e s d e B o r g o n h a , dos valorosos condes de Provença e dos cavalleirosos s e n h o r e s d e T o l o s a . Em 1449 , fui offerecida a Luis X I e fui u m a nova pérola para a coroa d e F r a n ç a . Oito vezes vi numerosos e sanctos bispos r e u n i d o s em concilio ; ha p o r e m u m a r e c o r d a ç ã o q u e nunca se me a p a g a r á na m e m o r i a . Ha meio s é c u l o , vi c h e g a r ; p r i s i o n e i r o , o personagem mais alto d o u n i v e r s o . E r a u m velho de oitenta a n n o s , t r ê s vezes venerável pela e d a d e , pelas virtudes e pela d i g n i d a d e : c h a i n a va-se elle Pio V I , Ainda m e p a r e c e d i v i s a r , no alto da minha c i d a d e l l a , a magestosa figura d a quelle ponlilice u n i c a m e n t e culpado do c r i m e d e s e r p a p a . Vi-o soffrer, e p a r e c e u - m e m a i o r nos ferros q u e no sólio. Vi-o m o r r e r , e foi d o c e a s u a m o r t e como um doce s o m n o , magestosa como o sol q u e se i m m e r g e no seio das o n d a s . Vós que p a s s a i s , dizei-me qual foi o fim dos s e u s p e r s e g u i d o r e s , e q u e é feito da sua p r c d i c ç ã o , s e cundo a qnal devia Pio VI ser o ultimo dos pap a s , e eu o sepulchro e t e r n o do p a p a d o ? O Papin, q u e p a r a r a d i a n t e de Valença p a r a largar e tomar a l g u n s p a s s a g e i r o s , começara no* v ã m e n t e a s u a r á p i d a c a r r e i r a . Eis na m a r g e m opposla do R h o d a n o , n'uma aitura e s g u i a , um a n t i g o t o r r e ã o , v e r d a d e i r o ninho d ' a b u i r e s , c u j o s h a b i t a n t e s deviam m a i s d e u m a vez fazer t r e m e r a s p o p u l a ç o e n s a s s e n t a d a s na vertente do m o n t e . Em g e r a l todas e s t a s c r i s t a s da A r d c c h a , l e v a n t a d a s pelos v o l c o e n s , n u a s , q u e b r a d a s , i r r e g u l a r e s , e r n ç a d a s do velhos c a s t c l l o s , são d ' u m a s pecto ao mesmo t e m p o a m e a ç a n t e , t r i s t e e s e l v a g e m . V i v i e r s , com o seu bello seminário e a sua calhedral q u e se tomaria por u m a fortaleza , n a d a m u d a a esta p e r s p e c t i v a . Estava e u á proa d o b a r c o , c o m o s olhos fitos na c o s t a , q u a n d o ouvi juncto de mim u m a voz comino vida q u e b r a d a v a : A minha terra ! a minha terra! v o l t e i - m e e vi um soldado m o ç o , q u e mostrava com e n t e r n e c i m e n t o uma altura a f a s t a d a , coberta de neve. « Dcm o* c o n h e ç o , dizia , é o m o n t e V e n i o n s , d e p a r t a m e n t o de V a u c l u s e . S u b i - o muitas vezes com o senhor a b b a d e , q u a n d o elle ia dizer missa á capeila q u e está fá no a l t o . Minha m ã e está alli 1 . . . » e com as costas da mão e n x u g a v a o i n t e r e s a n l e mancebo uma g r o s s a l a g r i m a . De s u b i t o b r a d a r a m os viajantes : a p o n te Saint-Esprit ! e todos os o l h a r e s , e x c e p t o o s do s o l d a d o , se d i r i g i r a m para o c e l e b r e m o n u m e n t o . Como deite distávamos m a i s de meia l é g u a , f o i - n o s p e r m i t t i d o c o n t e m p l a r á nossa v o n tade o ' B o u r g - S a i n t - A n d é o l t e a s bem c o n s e r v a d a s r u i n a s d'um templo g a u l e z , e l e v a d o , dizem, a Miihras. Sem duvida introduzira a dominação r o m a n a este culto oriental n a s G a l l i a s . Entretanto deixava a machina fugir o v a p o r , e o barco a Iro u s a r a a m a r c h a . P a r a q u e e r a e s t a d e m o r a ? Era necessário e s p e r a r a e m b a r c a ç ã o - 22 - q u e conduzia o piloto e n c a r r e g a d o de nos fazer a t r a v e s s a r a ponte S a i n t - E s p r i t . A não ser u m a manobra particular d e que só elle tem p r a c t i c a , c o r r e - s e risco dc ir d e s p e d a ç a r - s e d ' c n c o n t r o aos pilares. N ' o u t r ' o r a , a n t e s d e t e n t a r e m a p e r i g o s a passagem , faziam n a u t a s e viajantes s o l e m n e mente o acto de contricção. Eu por mim, segui este piedoso exemplo e a b a n d o n c i - m e com c o n fiança á habilidade d o p i l o t o , e aos p a t c r n a c s cuidados d ' a q u e l l e q u e dá íntelligencia ao h o m e m : passamos s e n ã o sem difliculdadc , ao menos s e m a c c i d e n t e . Dadas g r a ç a s a D e u s , a d m i r a m o s o m o n u m e n t o que recorda u m a d a s ínsliluieoeos m a i s ú t e i s da edadc m e d i a . A p o n t e S a i n t - E s p r i t tem 7 9 9 m e t r o s dc comp r i m e n t o e 3 m e t r o s o 8 5 centímetros de l a r g u r a . Composta de vinte e 1res a r c o s , apresenta no centro de cada pilar um g r a n d e o l h o , destinado a facilitar a passagem do n o nas g r a n d e s c h e i a s . A opinião mais a u r t o r i s a d a a t t r i b u e a construcção delia aos i r m ã o s Pontífices, humildes m o n g e s , cujo n o m e e cujos serviços hoje i g n o r a d o s , m e r e cem a gratidão eterna dos amigos da civilisação (1). No século X I I , não erd o bello paiz de F r a n ç a , como hoje è , atravessado de g r a n d e s e s t r a d a s (1) À «seguinte passagem d ' u m a bulia de N i colau I V , datada em 1 4 4 8 , parece decisiva a favor desta o p i n i ã o : P a s t o r q u e i p s e , Spiritús S a n c tt g r a t i â , et iidelium eleemosynis f r e l u s , ponlem in loco m d i c a t o hujusrvodi inehoavtt. — O u t r o s a t tribuera a construcção da ponte S a i n t - E s p r i t aos habitantes de S a i n t - S a l u r u í n - d u - P o r i ajudados pelas esmolas dos religiosos de Cluni c excitados pelo exemplo dos irmãos Pontífices. 23 percorridas de n o i t e e de dia por i n n u m e r a v e i s carros : os nossos g r a n d e s e pequenos rios não est a v a m cobertos de e m b a r c a ç o e n s de todas as e s pécies , nem e r a m s u l c a d o s por velozes b a r c o s a v a p o r : e r a m as viajens em geral difliceis e pouco s e g u r a s . A civilisação material , r e s u l t a d o i n d i s pensável das frequentes c o m m u n i c a ç o e n s e n t r e as cidades e as p r o v í n c i a s , a c h a v a - s e e s t a c i o n a r i a ; à religião estava r e s e r v a d a a gloria de a f o m e n tar. A incançavel mão dos religiosos de S- Bento e de C i s t e r , havia a r r o t e a d o a s terras e a b a t i d o a s vastas florestas q u e c o b r i r a m o solo. G r a ç a s aos irmãos Pontífices ou fazedores de pontes M o derara os rios ser a t r a v e s s a d o s sem p e r i g o . Deveu esta util o r d e m a sua fundação a S- Benezet, d o q u a l terei a m a n h a n occasião de fallar. A -partir da ponte S a i n t - E s p r i t , a l a r g a m d e r e p e n t e as m a r g e n s do R h o d a n o ; c s l e n d e - s e a v i s ta á direita e e s q u e r d a pelas vastas c a m p i n a s d e Vaucluse e do G a r d , O rio c o r r e caudaloso com rapidez s e m p r e c r e s c e n t e : d i r - s e - h i a q u e o filha do S a i n t - G o u l a r d tem pressa de levar ao M e d i * terranco o tributo das suas aguas. Q u a s i em frente da ponte S a i n t - E s p r i t , na m a r g e m esquerda do r i o , vêdes a aldôa de M o r n a s , e o seu pico e n s a n g u e n t a d o . Se h o u v é s s e i s por alli passado pelo fim do século X V I , t e r í e i s podido ver v a g u e a r por a q u e l l c s sítios , u m h o m e m de alta e s t a t u r a , olhar feroz , n a r i z a q u i l i n o , rosto d e s c a r n a d o , marcado de n ó d o a s d e s a n g u e n e g r o , q u e unia á r a p i d e z do a b u t r e a fer o c i d a d e do t i g r e ; e r a o Sylla do p r o t e s t a n t i s m o , F r a n c i s c o de B e a u m o n t , b a r ã o dos A d r e t s . T e ríeis podido v e l - o , depois da tomada d e M o r n a s , t o m a n d o o b á r b a r o p r a z e r de fazer s a l t a r u m depois do o u t r o , os soldados e officiaes da g u a r nição c a l h o l i c a , já do alto dos rochedos visinhos, já da plataforma d a s torres aos fossos, onde a sua g e n t e os recebia nas p o n t a s d a s l a n ç a s . T e n d o um destes infelizes feito o s a l t o d u a s v e z e s , 6 p a r a n d o de a m b a s á borda do precipício : Cobarde , são já duas vezes que recuas , b r a d o u - I h e o b a r ã o dos A d r e t s , — Eu desafio-vos a que salteis ás dez , replicou o soldado. T a n t a força d ' a l m a , e m similhante m o m e n t o , a g r a d o u ao t y r a n n o e o b t e v e o perdão do p r o s c r i p t o . ; Eu experimentei não sei q u e sobresãlto q u a n d o , desviando os olhos do lheatro de tantos c r i mes , saudei a p e q u e n a cidade d e R o q u e m a u r e , onde se c r ê q u e A n n i b a l , m a r c h a n d o p a r a a I t á l i a , passou o R h o d a n o com o seu e x e r c i t o . A's cinco h o r a s , a v i s t a r a m - s e ao l p n g e as t o r r e s d'Avinhîïo. A a n t i g a c a p i t a l dos C a v a r o s , s u c c e s s i v a m e n t e colónia r o m a n a , c o n q u i s t a dos B o r g u i n h o e n s , dos S a r r a c e n o s , dos F r a n c o s c o m m a n d a d o s por Carlos M a r t e l , republica no século X I I I , vendida no X I V por J o a n n a de Nápoles ao papa Clemente V I , veio a ser pela revolução d e 9 3 , p a r t e i n t e g r a n t e do t e r r i t ó r i o francez. Ia e u fazer não sei q u e m e d i t a ç ã o a c e r c a dessa p e r p e t u a mobilidade d a s coisas h u m a n a s , q u a n d o chegamos ao p o r t o . Era noite ; foi o n o s so primeiro cuidado d e s c o b r i r u m a p o i s a d a , p o rem não era isto fácil. Os barcos e a s c a r r u a gens q u e a n d a v a m pela p r i m e i r a vez n ' a q u e l l e dia depois da i n u n d a ç ã o do R h o d a n o , h a v i a m enchido a cidade d e viajantes. B a t e m o s a m u i t a s p o r t a s , e em toda a p a r t e nos r e s p o n d e r a m : J á não ha togar. E s t á v a m o s a m e a ç a d o s d e d o r m i r mos ao relento nem m a i s nem* m e n o s . Vista a f — 25 — g r a v i d a d e d a s c i r c u r a s t a n c i a s , decidiu-se q u e a nossa p e q u e n a c a r a v a n a s e dividiria i m m e d i a t a m e n t e ; q u e c a d a u m d e nós fosse á d e s c o b e r t a em proveito da c o m m u n i d a d e , e q u e meia h o r a depois nos r e u n i r í a m o s n o ponto d e p a r t i d a . E i s nos pois todos 1res em p r o c u r a d'uraa e s t a l a g e m , d ' u m a h o s p e d a r i a , d ' u m a poisada q u a l q u e r . À' h o r a m a r c a d a p a r a nos r e u n i r m o s , e u * c H e n r i q u e t r o u x e m o s em r e s u l t a d o z e r o . Francisco, esperado i m p a c i e n t e m e n t e , F r a n c i s c o a ultima e s p e r a n ç a d o e s t a d o , n ã o voltou. Ai 1 n ã o d e v i a v o l t a r . N ã o vades j u l g a r q u e havia t r a h i d o o seu m a n d a t o ; q u e c o n t e n t e com ter a l t e n d i d o aos s e u s n e g ó c i o s , e s q u e c e r a os d o paiz ; não ; s o m e n t e , c o m o m u i tos o u t r o s , t i n h a i d o l o n g e d e m a i s e p e r d ê r a se. A sua a u s ê n c i a , d e v o - o confessar, c o m p l i cava s i n g u l a r m e n t e os n e g ó c i o s . De e n g r a ç a d a q u e p o d é r a p a r e c e r a t é e n t ã o , a nossa posição t o r n a v a - s o v e r d a d e i r a m e n t e s e r i a ; não t í n h a m o s c o n h e c i m e n t o s , n e m i n d i c a ç o e n s possíveis q u e d a r o u q u e p e d i r p a r a i r m o s n o a l c a n c e d o nosso amigo. S u b i t a m e n t e veio-nos um p e n s a m e n t o , p e n s a m e n t o luminoso como os tem s e m p r e os g o v e r n o s c i v i l i s a d o s , q u a n d o 6 mister s a h i r e r o d ' u m a p u r o ou c o n s o l a r e m - s e d ' a l g u m r e v e z : F r a n c i s c o t e r á voltado ao Pa pin. E n t r a n h a d a bem n o f u n do da nossa a l m a esta pontinha d e c o n s o l a ç ã o , pozemo*-nos a t r a b a l h a r em nosso proveito p r ó p r i o . Depois d e l o n g a s b u s c a s , c o n s e g u i m o s d e s e n c a n t a r n u m sujo b e c o , na e x t r e m i d a d e d ' u n i comprido e negro corredor, uma chamada hospedaria , o n d e - t u d o e r a provençal da g e m a : o q u e , p a r a os habitantes do Norte e do C e n t r o , se t r a d u z lit* t e r a l m e n l e nestes t e r m o s : P a g a r c a r o , cear com os olhos e dormir a c o r d a d o . Forçoso foi sujeitarmo - n o s . — 26 - A's cinco h o r a s da m a n h a n deixamos a h o s pedaria , e dirigimo'-nos pelo caminho mais c u r t o ao barco. G r a n d e f o i a nossa alegria por D'elle encontrarmos o m e m b r o d e s g a r r a d o do nosso e s tadosinho. C o n i o u - n o s . e l l e q u e depois de l e r a n d a d o muito tempo p e r d e r a o caminho do ponto de reunião ; q u e perdendo as e s p e r a n ç a s de a t i n a r cora elle , ceara bem e fora depois p e d i r h o s pitalidade ao Papin. N ' e s t e momento veio o c a pitão a n n u o c i a r q u e o nevoeiro impedia se levantasse ancora , e q u e a p a r t i d a seria retardada a l g u m a s h o r a s . P e r m i t t i u - n o s este contratempo l a n çássemos u m a olhada Jsobre A v i n h ã o : começamos pelo palácio dos P a p a s . Aquella mole respeitável, assentada sobre u m a elevada roca q u e domina o R h o d a n o , é flanqueada por q u a t r o t o r r e s de uma a l t u r a e dimensão g i g a n t e s c a s . Em tanto q u e o archeologo c o n t e m pla nella com transporte o g e m o sábio , serio e s o m b r i o algumas vezes da edade media ; a p p a r e c e ella ao c h n s t ã o como uma imagem da Egreja, q u e , edificada sobre a rocha, vê c o r r e r o rio dos s é c u los , cujas o n d a s batem em vão os s e u s f u n d a m e n t o s e t e r n o s . Uma das torres é t r i s t e m e n t e c e lebre nos nossos fastos revolucionários. Foi na neveíra q u e está na b a s e , q u e o feroz Camillo í o u r d a n , appollidado corta-cabeças, mandou precipitar uma multidão de v i c t i m a s , c u l p a d a s p o r serem n o b r e s , r i c a s e v i r t u o s a s . Para d e s c a n ç a r a alma fatigada de similhante r e c o r d a ç ã o , é m i s t e r nada menos q u e a graciosa egreja d e Nossa S e nhora dos D o n s , sita nas v i s i n h a n ç a s . Nestean.tigo sanctuario , tam c a r o aos A v i n h o n e z e s , p r o digalizou a piedade reconhecida em h o n r a da a u gusta Virgem , as e s c u l p t u r a s c os m á r m o r e s preA ciosos. A sachristia olTerece aos a m a n t e s da a r t e o tumulo gothico d e João X X I I , pontífice ta m conhecido pela sua devoção para com Maria ; p o rem nada recorda os dois celebres concílios c o m q u e a historia enche Iam l a r g a s columnas na r e ligiosa e politica da c d a d e m e d i a . No p r i m e i r o , celebrado cm 1 2 0 9 , foi deposto solemnemenle o i m p e r a d o r Othão I V ; o s e g u n d o , celebrado em 1 3 2 7 , excommungou o anti-papa Pedro dc Cor-" b a r a . Graças á b o n d a d e d a s excellentes r e l i g i o s a s de S. J o s é , foi-nos* p e r m i t t i d o a d m i r a r n o hospital o íamoso Chrislo de m a r f i m , o maior e talvez o mais bello q u e . s e c o n h e c e . Voltando ao caes d o Rhodano brevemente nos achamos na ponte de S . B e n e z e t , aontio nos c h a m a v a u m a lenda m a r a v i l h o s a . Um d i a , não sei q u a l , d o a n n o de 1 1 7 0 , v i u - s c descer d a s m o n t a n h a s onde g u a r d a v a os c a r n e i r o s de sua m ã e , um p a s t o r i n h o , de e d a d c de doze a n n o s . Tocado dos p e r i g o s q u e tinha visto c o r r e r aos p o b r e s viajantes ao p a s s a r e m o Rhodano , vinha a Avin h ã o , dizcndo-se inspirado por D e u s , para const r u i r u m a ponte sobre este rio. Entra na e g r e j a , e dá p a r t e ao bispo da sua m i s s ã o ; c h a m a m - l h e v i s i o n á r i o , e x h o r t a n d o - o a q u e voltasse á g u a r d a d o seu r e b a n h o . S u c c e d e m - s e ás zombarias a s a m e a ç a s , porem nada o a b a l a : propõe uma p r o v a , q u e ó a c c e i t a . A' vista d e toda a c i d a d e , o menino põe ás costas uma e n o r m e pedra q u e t r i n t a h o m e n s t e n t a v a m em balde l e v a n t a r . P a s s a - s e do desprezo á a d m i r a ç ã o , e d c c i d e - s e fazer a ponte, no meio d ' a p p l a u s o s u n a n i m e s . C a d a um contribuiu com o seu dinheiro e trabalho p a r a a construcção do m o n u m e n t o cuja direcção teve BenczeU Começada cm 1 1 7 7 , não se acabou a t 23 p o n t e senão c m 1 1 9 2 . A sua solidez, os s e u s dezoito a r c o s , os sous mil e tresentos ë q u a r e n t a pés d e c o m p r i m e n t o a pozeram com j u s t a r a s â o e n t r e as maravilhas da e d a d e media , aliás ta m potente e maravilhosa em m o n u m e n t o s d ' a r c h i t e c t u r a . Antes de t e r dado a ultima d e m ã o á s u a o b r a , m a s depois de lhe t e r a p l a n a d o a s difficold a d e s t o d a s , morreu B e n e z e t , Iam r e s p e i t a d o p e l a s s u a s v i r t u d e s como c e l e b r e pelos s e u s m i l a gres. Penetrada de veneração e reconhecimento, fez a cidade edificar s o b r e o d e c i m o t e r c e i r o pil a r q u e subsiste a i n d a , uma, elegante capella, o n d e foram depositas as r e l í q u i a s do saneio. E m 1 6 6 9 , t e n d o desabado g r a n d e p a r t e da p o n t e , t r a n s p o r t á r a m o s s o l e m n e m e n t e para a c g r e j a d o s C e l e s tinos. O s différentes b a i r r o s da cidade q u e d e p o i s p e r c o r r e m o s , n a d a nos offerecerara q u e se não e n c o n t r e nas o u t r a s c i d a d e s , por isso vimos sem pezar d i s s i p a s s e o nevoeiro e a p r e s s a r o m o m e n to da p a r t i d a . Após vinte m i n u t o s de m a n o b r a s difficeis e até p e r i g o s a s , c o n s e g u i u - s e -passar f e lizmente por e n t r e os estreitos a r c o s da p o n t e d e b a r c a s . O Papin corria r a p i d a m e n t e pelas bellas a g u a s do R h o d a n o , as q u a e s , similhantes a u m vasto e s p e l h o , r e v e r b e r a v a m , d e s p e d i n d o - n o l - o s , os primeiros raios do sol provençal. Em b r e v e se desenrolou d i a n t e d e nós a immensa p l a n í c i e onde se faz a feira d e B e a u c a i r e ; acima a l ç a v a se o formidável torreão q u e domina a cidade ; finalmente Beaucaire m o s t r o u - n o s a sua n o v a e m ó bil figura cora a s u b e r b a ponto q u e a u n e a s u a irman mais v e l h a , a a n t i g a cidade d e T a r a s con. Na r e b a n c e i r a do porto esperava a m a nuvem — 29 — dû homens e s t r a n h o s . Se a sua vestia de .veludo c a s t a n h o , o seu g r a n d e chapéu de íellro p a r d o , cuja aba posterior descia a t é ao meio das c o s t a s , a sua fax a m o s q u e a d a , as s u a s l a r g a s calças d e c o r incerta, n o s não houvessem provado <jue e s t á v a m o s em paiz c i v i l i s a d o , os gestos a n i m a d o s , os rostos morenos , a l i n g u a g e m incomprehcnsivel d e s t e s p e r s o n a g e n s d e todas as e s t a t u r a s l e r - n o s h i a m feito c r e r q u e iamos a p o r t a r a a l g u m a plaga africana e c a h i r nas m5os d ' u m a horda de K a b y l a s . D e facto iamos t r a c t a r com A r a b e s , e o q u e é peor com Á r a b e s m a t r i c u l a d o s , os m a r i o las de B e a u c a i r e . A p e n a s c h e g a m o s a a l c a n c e a r r o j a m - s e sobre o b a r c o e previpitam-sc s o b r e a s nossas b a g a g e n s : com vontade ou sem e l l a , força é soiïrer os s e u s serviços , pois tfcm o monopólio da d e s c a r g a . P a r a l e v a r a s nossas c o i s a s , q u e n ã o c a r r e g a v a m dois , a p r e s e n l a m - s e q u a t r o , e n ó s os s e g u i m o s á h o s p e d a r i a , d i s t a n t e a l g u n s passos da p r a i a . Um viajante j u l g o u m o s t r a r - s e g e n e r o s o oITerecendo eincoenta cêntimos ao seu mariola pelo t r a n s p o r t e da sua m a l a s i n h a , e e s t e recusa d i z e n d o q u e se lhe d e v e o d o b r o ; o viajante r e s i s t e , e o mariola v a i - s e r e s m u n g a n d o . Durante o almoço vimol-o voltar acompanhado d'ara p e r i t o ; m o s t r a v a uma ordem do g o v e r n a d o r civil , q u e t a x a os v i a j a n t e s , ^ lhes i m p õ e a obrigação d e p a g a r e m um franco q u a l q u e r q u e seja o v o l u m e da mala c a distancia p e r c o r r i d a . Pouco desejoso, d e t o m a r mais intimo c o n h e c i m e n t o com a q u e l l e e x c e l l e n t e a d m i n i s t r a d o r » o viajante e x e c u t o u - s e v o l u n t a r i a m e n t e ; porem o s e n h o r g o v e r n a d o r civil p ô d e e s t a r certo de q u e , s e é b e m q u i s t o dos m a riolas , n e m s e m p r e é objecto das bênçãos dos e s t r a n g e i r o s . D e u s vos l i v r e dos mariolas de B e a u c a i r e ! - 30 — T e r m i n a d o q u e foi o a l m o ç o , a t r a v e s s a m o s a ponte moderna q u e conduz a T a r a s c o n . À a n t i g a cgreja de S a n t a Marlha, ta m n o t a r e i pela sua a r chitecture , allrahiu p r i m e i r o as nossas v i s t a s ; infelizmente a ultima chêa do Rhodano havia i n u n dado a crypta , o q u e impediu q u e víssemos a nossa vontade o tumulo d a s a n c t a hospeda do Filhod e D e u s ; mas fomos i n d e m n i s a d o s pela n a r r a ç ã o d o miraculoso apostolado do S a n t a M a r t h a . Eis o q u e contava o cicerone : « Chegando a este paiz, dizia , a santa achou-o engolfado na idolatria ; porem breve lhe s u b m i nistrou a Providencia o c c a s i ã o d e provar a v e r d a d e do christianismo. Um m o n s t r o h o r r í v e l , q u e c h a mamos Tarasque, exercia os s e u s e s t r a g o s e levava a consternação por toda a c o m a r c a . Diversas vezes se haviam os habitantes r e u n i d o para lhe d a rem c a ç a , porem linha o m o n s t r o d e v o r a d o os mais corajosos e escapado a todos os a t a q u e s . J à n i n g u é m se atrevia a s a h i r ; foi então que se r e c o r r e u á saneia e s t r a n g e i r a , supplicando-lhe l i vrasse o paiz do flagelto q u e o assolava. A s a n t a , tendo-se recommendado a D e u s , ar m a - s e d ' u m a cruzinha e de um c o r d ã o , e p e r g u n t a onde está o monstro. Conduzem-a á e n t r a d a do b o s q u e c h a m a d o Nerlue onde o pavoroso animal c o s t u m a v a conservar-se q u a n d o não eslava nas m a r g e n s do Rhodano n'uma outra c a v e r n a que servia de s e pultura á maior p a r t e dus viajantes, A h e r o i n a e n t r a no b o s q u e , caminha a t é á boch da c a v e r n a , c com u m a voz segura diz ao monstro : Em nome de Jesus Chri&to, mando-te que saias! t No m e s m o i n s t a n t e v è - s o a p p a r e c e r u m a fera Iam m e d o n h a , q u e só a sua vista era c a p a z d e fazer m o r r e r de susto. E r a um animal m e t a d e - 31 — q u a d r ú p e d e e m e l a d a p e i x e ; l i n h a o c o r p o mais alio e comprido q u e um l o i r o , a cabeça de l e ã o , os d e n t e s compridos e c o r t a n t e s , a crina d e C a vallo , os pés d ' u r s o , c linha s e i s , o o rabo d e s e r p e n t e ; o corpo e r a coberto de escamas a p r o v a das mais Tories a r m a s ; no dorso e t e v a v a - s e u m espigão a r m a d o de pontas agudas c d u r a s como ferro. Ão seu aspecto , fogem os mais intrépidos, só a santa fica. E n c a d e a d a por um poder divino, a p r o x i m a - s e a T a r a s q u e de rastos e vem d e p o r lhe aos pés os m e m b r o s p a l p i t a n t e s de um infeliz viajante q u e devia s e r a sua d e r r a d e i r a victima. Toca»lhe a s a n t a a cabeça com a c r u z , e a t a n d o Ihe o cordão em volta do pescoço, conduz o m o n s tro a m a n s a d o como um c o r d e i r o : toda a c i d a d e acode á voz do j n i l a g r e . Tara se vingarem d a s c r u e l d a d e s q u e lhes havia feito s o í í r e r , m a t a r a m os habitantes a T a r a s q u e d e p o i s de a t e r e m ferido e r a s g a d o sem a t e m e r e m mais do q u e se fosse p i n t a d a . Gençãos u n a n i m e s foram d a d a s a M a n h a , e foi publicamente reconhecido o poder do D e u s dos christãos. Em memoria d e s l e successo , q u e foi para a nossa p a t n a o fim da idolatria e o c o meço da fc , c e l e b r á m o s l o d o s o s annos uma m a g m í i c a festa , á qual folgaríeis de assistir. » O honrado homem ia r e f e r i r - n o s a festa da T a r a s q u e , cujas p a r t i c u l a r i d a d e s ç i n g u e m i g n o r a ; porem foi a nossa aUcnção c h a m a d a para o u t r o s o b j e c t o s . ' Moslrava-nos o castello de T a r a s c o n as suas n e g r a s m u r a l h a s , do alto d a s q u a e s foram p r e c i p i t a d o s , depois de 0 de t h e r m i d o r , g r a n d e n u m e r o de r e p u b l i c a n o s furiosos. Assim, a a l g u m a s léguas d e distancia d a q u e l l e s theatros s a n g r e n t o s da revolução franceza , n neveira d ' A v i nhão , para as v i c l i m a s ; o castello de T a r a c o n , - 32 - p a r a os a l g o z e s : o mesmo g é n e r o d e s u p p l i c i o ; justiça d e D e u s 1 E n t r e t a n t o era chegada a hora de p e r t i r p a r a Nimes, T o r n a r a passar a p o n t e , s a u d a r o vasto campo da feira, o canal d o Meiodia coberto d e v a s o s , salvar Beaucaire em toda a sua e x t e n s ã o , foi coisa dos dez minutos q u o nos restavam a g a s t a r . Expirava a p e n a s o undécimo q u a n d o os a r d e n t e s vehiculos da i n d u s t r i a nos levavam com a rapidez do vento , a t r a v e z d'um vasJo c a m p o plantado de oliveiras. Estas a r v o r e s preciosas , cujas folhas pequenas e cinzentas estão longe de deleitar os olhos do e s t r a n g e i r o , regosijavam e n tão o coração do p r o p r i e t á r i o , pois estavam c a r r e g a d a s de fructos q u e promcttiam aos felizes P r o v e n ç a e s um a n n o d ' a b u n d a n c i a . A oliveira q u e r q u e a cultivem com c u i d a d o , q u e a podem e a d u bem lodos os 1res ou q u a t r o â n u o s : por e s t e preço paga l a r g a m e n t e os s u o r e s do h o m e m . A amoreira , q u e quasi s e m p r e a acompanha , n ã o é m e n o s util ; a sua verde folhagem forma a c e r c a d u r a o r d i n á r i a dos plantios d'oliveiras e dá á paizagem um aspecto menos monótono» Em menos d ' u m a h o r a , t i n h a m - s e vencido sete l é g u a s : e s t á v a m o s na estação de N î m e s . A c a t h e d r a ! tatu rica d e recordaçoens , o poço d o b i s p a d o , tumulo vivo de multidão de catholicos d u r a n t e as g u e r r a s de r e l i g i ã o , a famosa fonte com o seu j a r d i m , orgulho dos Nimczes , t a e s foram os p r i m e i r o s objectos da nossa a r d e n t e c u riosidade. O m a n a n c i a l , q u e forma r i b e i r a , s a h e da fralda d'um monte em cujo c u m e se eleva a Tour*Magne, antigo p h a r o l , construido pelos R o manos. A vertente q u e m i r a a cidade é o r n a d a d e verdes a r v o r e s , c a p r e s e n t a o aspecto g r a c i o - - 33 — so d ' n m j a r d i m ioglez corn suas aléas em e s p i r a l , s u a s rochas sali'entes, s u a s irregularidades d e t e r * r e n o e suas vistas por e n t r e arvoredo d e u m effeito v e r d a d e i r a m e n t e p i t o r e s c o . N a bacia formada pelo m a n a n c i a l d a f o n t e , e n c o n t r a m - s e banhos r o m a n o s e u m t e m p l o d e D i a n a , cuja base está m u i t o bem c o n s e r v a d a . Vinte e cinco passos mais a d i a n t e , ao pó d ' u m r o c h e d o , e l e v a - s e um templo d r u i d i c o , se é certo q u e os d r u i d a s tinham t e m plos. O s grandes pedaços de pedras brutas q u e o compõem , c o n t r a s t a m d ' u m a m a n e i r a notável com as delicadas e s c u l p t u r a s do templo d e D i a n a . O g e m o d o s dois povos revela-se nestes dois m o n u m e n t o s , e o p a g a n i s m o m o s t r a - s e alli com os s e u s dois c a r a c t e r e s distinctivos : a crueldade e a v o l u p t u o s i d a d e . Seguindo a q u e l l a s formosas a g u a s cuja pureza e t r a n s p a r c u c i a m e r e c o r d a v a m as r i b e i r a s da S u i s s a , p e r c o r r e m o s todo o jardim da F o n t e , v e r d a d e i r o Luxemburgo do Nîmes, e c h e g a m o s á Casa Quadrada. E s t e templo, q u e pela s u a conservação o c c u p a o p r i m e i r o logar e n t r e a s n o s s a s r u m a s r o m a n a s , forma u m p a r a l l é l o g r a m m e apoiado sobre trinta c o l u m n a s e s t r i a d a s d e boa a r c h i t e c t u r a . Collocado no meio d ' u m f o r o , íoi este m o n u m e n t o , s e g u n d o todas a s a p p a r e n c i a s , e r g u i d o por A g r i p p a , e d e d i c a d o a A u g u s t o , Mas depois da m o r t e d o j o v e n Marcello-,. t e n d o A u g u s t o adoptado os filhos d ' A g r i p p a , seu g e n r o , a o s q u a « s deu o Ululo d e Cesares, c r e - s e q u e este t e m p l o lhes foi c o n s a g r a d o . Tal p a r e c e s e r o sentido da s e g u i n t e i u s cripção : C . CÂESARI AUGUSTI F . c o s . Lucio CAESARÍ ACGUSTI F . COS. DESIGN A T O , PBING1PIBCS J U V E M U T I S . - 34 - « A C . Cesar filho d ' A u g u s t o , c o n s u l ; A « Lucio Cesar í i l h o d ' A u g u s l o , consul d e s i g n a d o , t p r i n c i p e s da j u v e n t u d e . > A Casa Q u a d r a d a , q u e serve hoje de m u s e u e g a l e r i a , olíerece uma collecção notável de a n t i g u i d a d e s . Os bustos de m á r m o r e , o s s a r c o p h a gos de g r a n i t o , as e s t a t u a s i n h a s de bronze d a s d i v i n d a d e s p a g a n s são alli ' belJas e n u m e r o s a s . E n t r e a s lapides s e p u l c r a e s notei a q u c l l a cuja inscripção começa : P a t a e t e k n a . Até nos t r o pbeus da morte tendiam a g r a v a r os pagãos o dogma social da iramerta(jdade. No principio dos q u a dros m o s t r a - s e Cromwell abundo o tumulo de Carlos L Breve o espectáculo do regicida , i m mortalísado na t e l a , cede a uma recordação n ã o m e n o s h o r r o r o s a , gravada em p e d r a . Próximo da Casa Q u a d r a d a eieva-se o a m p h i l h c a t r o o n d e se d e r r a m a r a m ondas de s a n g u e h u m a n o para d i vertimento do p o v o - r e i . A arena de Nimes a t testa , pela sua perfeita conservação e pelas s u a s p r o p o r ç o e u s c o l o s s a c s , melhor q u e tudo o q u e temos entrevisto , a crueldade e o poder dos r o m a n o s . Q u e m se acha alli no meio daquelle v a s to recinto de p a r e d e s dezesete vezes seculares , por mais q u e imponha silencio ás s u a s p r e o c cupaçoens do m o m e n t o , q u e tropel de. r e c o r d a çoeos e de i m a g e n s o a s s a l t a m ! Em torno delle, d e s d e o podium até à galeria s u p e r i o r , p à r e c e Ihe v e r assentados nos b-incos em a m p h i t h e a t r u -aquelles trinta mil e s p e c t a d o r e s ávidos de s a n g u e ; ouvir os s e u s prolongados a p p í a u s o s á q u e da de cada v i c t i m a , os g r i t o s dolorosos dos feridos , o e s t e r t o r dos m o r i b u u d o s , os r u g i d o s dos lioens c dos t i g r e s , o tinido das e s p a d a s , ou a trombeta dos gladiadores ao iulroduzir na a r e u a um infeliz, e s c r a v o , talvez um christão , ou a l guma nova fera cujo talhe e furor e x t r a o r d i n á r i o vai d a r um i n s t a n t e d ' a l e g n a convulsiva á q u e l l e povo e s t r a g a d o ; e a p e r t a - s e - l h e o c o r a ç ã o , e na noite seguinte sonhos horríveis ihe p e r t u r b a r i a m o s o m n o , se um s e n t i m e n t o d e reconhecimento para com o Deus q u e livrou o mundo de tanta b a r b a r i a não viesse dominar lodos os o u t r o s . À ordem dos nossos passeios f e z - n o s passar da a r e n a à prisão central dirigida pelos irmãos da Doutrina c lu is Ian : cbta approxiroação a g r a d o u - n o s muito. Ver de subtto em p r e s e n ç a o p a g a n i s m o e o christianisnro no seu espirito e nas s u a s o b r a s , q u e melhor meio de os a p r e c i a r o d e c h e g a r , sem g r a n d e esforço de lógica , às c o n elusoens s e g u i n t e s ! S o b o império do paganismo, desprezo, profundo da h u m a n i d a d e ; sol) o r e i n a d o do chrifctianiMno , respeito religioso, até para com o criminoso ; na a r e n a , egoísmo e c r u e l d a d e ; na p r i b ã o , dedicação e c h a r i d a d e ; a l l i , morte do i n nocente pelo culpado ; a q u i , a M ï v ï o do criminoso pelo innocente ; a l l i , gritos d ' a l e g n a ao e s p e c t á culo da d o r ; aqui , lagrimas de compaixão á vista do s o f r i m e n t o ; a l l i , o f r a c o , o p e q u e n o , o p r i sioneiro , c a r r e g a d o d e ferros e immolado pefo forte e pelo p o d e r o s o ; a q u i , o forte e o poderoso feito s e r v o do pequeno e do p o b r e ; alli g l a d i a d o r e s , aqui irmãos. Em q u a n t o á r a s ã o deste phenomeno m o r a l , sempre s u b s i s t e n t e , quereis conhccel-a ? levantai os o l h o s : na a r e n a , J u p i t e r e V e n u s , a águia e as fasces ; na prisão Jesus c M a r i a , a pomba e a c r u z : T u d o está a l l i ! . . . - 30 — O de N o v e m b r o . Arles. — S. Trophimo. — Os Glauslros. — S. Cesário. — O Theatro. — O Amphithéâtre — Os Concílios.— S. Gênés. De r e g r e s s o a B e a u c a i r e , foi mister alcançar a toda a pressa o p o r t o , p a r a o qual se p r e c i p i t a v a a chusma dos viajantes. A sineta do P a p i n havia t o c a d o , e pela c h a m i n é lançava elle ao longe uma larga columna de fumo b r a n c o , signai d e próxima p a r t i d a . A's oito horas íamos a g u a a b a i x o ; o ceu estava excellente e o Rhodano t r a n q u i l l o , de modo q u e ás dez horas a p o r t á v a m o s a A r i e s , depois de termos vencido uma distancia de seis léguas. As circumslancias f o r ç a r a m - n o s a d e m o r a r - n o s nesta cidade até o dia seguinte, e e u m e felicitei por isso, O philosopho q u e , sem sahir de F r a n ç a , quizesse fazer um curso completo de mcdilaçoens acerca das revoluçoens das coisas h u m a n a s , não poderia fazer outra coisa melhor q u e e s t a b e l e c e r a sua habitação na antiga cidade arlesicnse. Os Gregos, Romanos, Borguinhoens, Godos, Sarrac e n o s , F r a n c o s , q u e sei e u ? vinte povos d i v e r s o s revolveram s u c c e s s i v a m e n t e com s u a s mãos e mol h a r a m com seu s a n g u e , aquellc solo cobferlo ainda hojo de monumentos do seu poder. O u t r ' o r a templos , edifícios, p a l á c i o s , f o r o , a m p h i t h e a t r o s , c i d a d e l l a s , estes m o n u m e n t o s t o r n a r a m - s e o q u e se tornam com o a n d a r do tempo todas as o b r a s do h o m e m , r u i n a s : por isso mesmo são e l l e s , p a r c c e ~ m e , ainda mais eloquentes. A c c r e s c e n t a i que este p o v o , g u a r d a daquellc g r a n d e t u m u l o , c um povo á p a r t e . O Arlesiense diffère era trajo, - 37 - língua e costumes d a s populaçoens visinhas : d i r se-hia que se recorda da sua passada gloria , e que quer permanecer o mesmo. C o r n t u d o , e n t r e todos aquelies poderes d e s truídos , ha um q u e s o b r e v i v e u , e soube i m p r i mir a l l i , como nas o u t r a s p a r t e s , um sello d e immortalidade nos s e u s h o m e n s e m o n u m e n t o s ; é o christianismo. Após tantos s é c u l o s , conserva Aries uma religiosa r e c o r d a ç ã o d e T r o p h i m o , C e sário e Genes. O p r i m e i r o era um pobre d i s c í pulo d e um a r m a d o r d e t e n d a s chamado P a u l o , q u e , da prisão onde estava e n c e r r a d o na g r a n d e Itoma , afrontava o poder d e Nero* a b a l a v a os d e u s e s do Capitólio cm s e u s a l t a r e s , e e n v i a v a discípulos à conquista do m u n d o . Coube Arles a Trophimo; e o joven apostolo, favorecendo m a ravilhosamente os desigoios do seu mestre, c o n seguiu c u r v a r sob o i m p é r i o da cruz p a r t e da Gallia meridional (1). Alojados n ' u m a e s t a l a g e m ; construída lalvcz sobre a basílica do foro , como parecem indicai-o d u a s columnas a n t i g a s collocadas na f r o n t a r i a , estávamos a dois passos da bei la egreja de S . T r o p h i m o : cila recebeu a nossa primeira visita, O f r o n t i s p í c i o , do mais puro g o t h i c o , l e r - n o s - h i a d e m o r a d o muito tempo se não estivéssemos a n ciosos d e e s t u d a r os celebres c l a u s t r o s e n c e r r a d o s na antiga casa dos cónegos r e g u l a r e s . Estes c l a u s tros de m á r m o r e são dc um t r a b a l h o e x q u i s i t o . O a b e r t o d a s m o l d u r a s , a pureza dos r e c o r t e s , o talho 4 das abobadas, nada deixam a desejar ; as columnatas q u e sustentam as arcadas tomam a s mais (1) M a m a c h i , Qrigin. U I I , l i b . 2 , p . 2C6. et antiquit. Christian. - 38 - graciosas formas c são a l t e r n a t i v a m e n t e adornadas de folhagens ou c o b e r t a s de e s c u l p t u r a s s a g r a d a s . E n t r e tantas r i q u e z a s , admiram-se a Adoração dos Magos e a F u g i d a para o E g y p t o . E n t r a n d o na e g r e j a , v e n e r a m o s as reliquias d o apostolo d'Arles, d e p o s t a s n'um magnifico a l t a r . O glorioso discípulo de S . Paulo começa a longa cadôa dos pontífices Arlesienses da qual foi o i l l u s t r e Cesário um dos mais brilhantes a n u e l s . A d m i r a d o r d e Sancto Agostinho, e como elle flagello do p e l a g i a n i s m o , veio t a m b é m a ser emulo da sua c h a n d a d e heróica. Em 507 , depois d'uni sitio o b s t i n a d o , foi Aries de tal sorte inundada de prisioneiros , que se e n c h e r a m as egrejas délies. Ces á r i o * enternecido p e l a s o r t e d'aquelles jnfelue* q u e careciam das coisas mais necessárias, esgotou para lhes dar a l i v i o , não o seu p a t r i m ó n i o , q u e já havia muito era p r o p r i e d a d e dos p o b r e s , senão o thesouro da sua c a t h c d r a l . Fez d e r r e t e r os o r n a t o s de prata qtie estavam nas g r a d e s e nos pil a r e s , bem como os t h u r i h u l o s , os calices e as p a t e n a s ; e tudo isto é vendido e o preço e m p r e g a d o nas necessidades dos captivos. Aos olhos do sancto homem era este despojamento heróico u m a coisa muito s i m p l e s : «Nosso S e n h o r , dizia elle, « só tinha vasos de b a r r o para fazer a ultima cca; « não tenhamos e s c r ú p u l o em dar estes vasos p r e « ciosos pelo resgate d'âquelles a quem elle r e s * « g a t o u com a sua propria vida. » Ao sahir da egreja onde dilatam o c o r a r ã o estes bons e suaves pensamentos , fácil é passar a u m a atmosphera bem différente. Apenas v i n t e passos são d a d o s , q u a n d o o paganismo g r e g o e r o m a n o s e levanta diante d e vós no meio d a s s u a s r u i n a s , qual espectro m a n c h a d o de s a n g u e e de* - 39 - vassidão. Eis o l h e a t r o , com muitas c o l u m n a s d e m á r m o r e ainda de p é ; o i e u proscénio e o seu hemicyclo bem d i s t i o c t o s ; depois o a r a p h i t h e a t r o , maior p o r e m menos intacto q u e o de N í m e s , á exepção do podiam; finalmente os Campos-Elysios, cujos s a r c o p h a g o s vasios recordam tristemente q u e o homem nem ainda pôde promelter-se a i m r a o r talidade do t u m u l o . Nos confins desta planície assolada e l c v a - s e , rodeada de arvores v e r d e s . a a soberba egreja da M a j o r e , o r g u l h o e a m o r dos Arlesienses :' d i r - s c - h i a um Paris no meio do d e serto. Entre as g r a n d e s memorias religiosas q u e r e corda a antiga metrópole da Gatlia N a r b o n n e z a , d e v e - s c collocar a dos q u a t r o concílios de q u e ella foi t e s l i m u n h a . O p r i m e i r o , celebrado em 3 1 4 , r e m o n t a aos primeiros dias da paz d a d a á Egreja, e prova q u a m s e g u r a de si mesma eslava esta d i vina s o c i e d a d e , para convocar os s e u s chefes em assemblca s o l e m n e , nos mesmos I o g a r c s o n d e a i n d a fumegava o s a n g u e dos s e u s m a r t y r e s . A a l g u n s passos da c i d a d e , nas m a r g e n s do R h o d a n o , vimos o sitio onde S . G e n e s soffrôra o marlyrio poucos annos antes da sessão do celebre concilio. Maximiano Hercules vem a A r l e s , e o seu p r i m e i r o cuidado é fazer p r o m u l g a r o s a n g u i n á r i o e d i c t o d e perseguição affixado havia pouco nas p a r e d e s d e Nicomedia e b a r b a r a m e n t e e x e c u t a d o em t o d a a extensão do império. G e n e s , escrivão p u b l i c o , é c h a m a d o para o t r a n s c r e v e r . R e c u s a , e p r o c u r a a salvação na fuga. Alcançado pelos a l g o z e s , m o r r e ; porem v e n c e u , a sua mão não e s c r e v e u , o q u i n z e séculos de gloria são a r e c o m p e n s a c o m e çada da sua nobre c o r a g e m . - 10 - 9 de X o v e m l H o , 0 Mar. — Nossa Senhora du Guarda. — Lazaro. — Marselha. — O Porto. — A Estalagem do Oriente. A's cinco horas da m a n h a n , d i r i g i - m e à egreja de S. Trophimo para alli c e l e b r a r . Apenas tinha o s a n g u e divino corrido sobre o altar do m a r t y r , q u a n d o nos foi preciso c o r r e r á praia e t o m a r logar n ' u m navio m e r c a n t e , e n t r e os t o n e i s , os fardos e os monlocns de m a ç a m e alcatroado. E r a , naquelle d i a , o Deux*Vapetir$ q u e descia a M a r s e l h a . A's seis h o r a s l e v a n l o u - s e ancora ; e r a vivo o frio c a a t m o s p h e r a , i m p r e g n a d a de h u m i d a d e , distiltava u m a chuva li na que nos p e n e trava até os ossos. De m a i s , n e m cmnara , nem c a m a r i m para a gente se a b r i g a r . Q u e p r a z e r e s h a v i a a e s p e r a r de uma viajem começada sob taes a u s p í c i o s ? Comtudo os nossos receios não e r a m f u n d a d o s ; o espesso nevoeiro d i s s i p o u - s e r a p i d a m e n t e , o céu depressa se mostrou em toda a sua p u r e z a , e o dia p o z - s c magnifico. Pelas n o v e h o r a s , e n t r a m o s no mar , e d u r a n t e algum tempo p e r d e u - s e de vista a costa. Q u a n d o pela p r i m e i r a vez se mostra a immensidade aos nossos o l h o s , produz na alma não sei que sobresalto cuja n a t u r e z a é difficil c a r a c t é r i s a i Ainda q u e seja o maior dos m o n a r c h a s , v ê - s e o homem r e duzido á s proporçoeos d'uni átomo imperceptível, p e r d i d o no infinito; o firmamento por cima da sua c a b e ç a , o mar debaixo dos s e u s pés , a b y s mos egualmentc i n s o n d á v e i s , q u e lhe fazem sentir v i v a m e n t e o seu próprio nada e toda a g r a n deza* de D e u s . P a r a a u g m e n t a r ainda pelo con- — 41 — traste a solemnidadc da scena, u m a c o m p a n h i a d e a n d o r i o h a s do mar seguia o navio q u e sulcava a planície liquida com ligeireza e m a g e s l a d e . E s t a s aves p e s c a d o r a s , do t a m a n h o d a s nossas p e r d i z e s , são d ' u m a b r a n c u r a d e n e v e q u e sobresahe b e m no azul das o n d a s ; alem disto nada ha mais g r a cioso q u e o seu vôo. A l t e r n a t i v a m e n t e vagaroso ou r á p i d o , obliquo ou v e r t i c a l , traça nos a r e s u m a multidão de l a b y r i n l h o s , cujos sábios c o n t o r n o s o c e u p a m a g r a d a v e l m e n t e a vista e q u e b r a m a monotonia da viajem. E n t r e t a n t o o balanço começava a f a z e r - s e sentir : o navio a s s i m i l h a v a - s e a u m a r e d o u ç a a g i t a d a , e produzia a mesma sensação. As c a beças n ã o t a r d a r a m a fazer-se p e s a d a s , e os e s t ô m a g o s a e n j o a r : era chegado o momento c r i t i c o . Nós mostramos firmeza ; ora passeando a passo largo , no espaço livre da coberta , ora c o n s e r v a n d o - n o s de pé j u n t o da c h a m i n é , no centro do navio onde o movimento é menos s e n s í v e l . G r a ç a s a e s t a s p r e c a u ç o e n s , p a r a mim e para os m e u s jovens amigos não passou o caso de m e d o . Menos felizes e r a m uma senhora alleman e sua filhinha. D e s v e n t u r a d a s ! v i m o l - a s e m p a l lidecer pouco a p o u c o , a r q u e j a r , e finalmente e x p e r i m e n t a r d u r a n t e mais d ' u m a h o r a , em p r e s e n ç a de todos, os accidentes conhecidos do e n j o o Como iam para Africa , q u a l t e r á sido a s u a longa viajem de Toulon a G i g e l l y ? s Pelas dez h o r a s , d i s t m g u i r a m - s e ao l o n g e , a t r a v e z d ' u m a espécie de n u v e m d i a p h a n a , a s m o n t a n h a s a n d a s q u e r o d e a m a bahia d e M a r s e l h a . A ' direita e l e v a v a - s e o castello d ' I f , ao p é do qual fazem q u a r e n t e n a os navios q u e veem do L e v a n t e . Do mesmo l a d o , m a s no c o n t i n e n t e , _«— DO cimo d'um alio e agudo monto, está Nossa Senhora dn G u a r d a , capella celebre dedicada á Estrella do m a r , guardadora dos marinheiros. Como não a s a u d a r com amor e r e c o n h e c i m e n t o ? À exemplo ,tie t a n t o s o u t r o s , os nossos coraçoens e n t e r n e cidos a c h a r a m p a r a ella uma palavra filial ; por q u a n t o quem dirá os votos e as preces q u e os séculos passados viram oiïerecer a Maria , n a q u e l i e religioso s a n c t u a r i o , pelas m ã e s , irmans, esposas, e filhos dos n a u t a s ? Ainda h o j e . Nossa S e n h o r a da Guarda é para os Marselhezes uma piedosa romaria , á qual se sobe por um lindo passeio , assombrado por v e r d e s a r v o r e s , coisa rara no òeJIo paiz da P r o v e n ç a . Já estávamos nas a g u a s da c o m m e n t a n t e c i * d a d e . Ora , e n t r e a s innumeraveis e m h a r c a ç o e u s que as haviam sulcado desde dois ou 1res mil â n u o s ; e n t r e todas as e q u i p a g e n s tam différentes em r e l i g i ã o , c o s t u m e s , t r a j o s , r i q u e z a s , i n t e r e s s e s , d e s e m b a r c a d a s nestas praias c e l e b r e s , um p e q u e n o vaso sem a p p a r e l h o s , tripulado por u m a p o b r e equipagem , a p o r t a n d o penosamente, ha d e zoito s é c u l o s , ao porto da cidade p h o c e a , foi o único que teve o privilegio de excitar as nossas recordaçoens. Q u e vaso era e s t e ? d ' o n d e v i n h a ? q u e passageiros trazia a estas p r a i a s ? Escutai a historia : L a z a r o , resuscitado ás mesmas p o r t a s d e J e r u s a l é m , pelo S a l v a d o r , pouco tempo a n t e s da s u a p a i x ã o , veio a ser p a r a os J u d e u s u m t e s t e m u n h o tam i m p o r t u n o da divindade do seu l i b e r t a d o r , que resolveram matal-o. A P r o v i d e u cia fez a b o r t a r o seu projecto. Depois da ascensão do I I o m e m - D e u s , foi Lazaro um dos mais eloquentes pregadores da sua d o u t r i n a , e o ódio do povo deicida despertou mais implacável q u e - 43 — n u n c a . O milagroso Apostolo, s u a s i r m a n s c a l g u n s de seus a m i g o s , foram mcllidos n*qma p r t zão , julgados e condemnados. Para aniquilar a t é a memoria do seu n o m e , o s a n h e d r i m inventou um supplicio m u i t a s vezes r e p e t i d o na h i s t o r i a d o s m a r t y r e s ; c o n d u z i r a m - o s á praia d o m a r , e e x p o z e r a m - o s á mèrcâ das o n d a s , n'uma e m b a r cação meio q u e b r a d a , sem provisoens, sem vela, sem m a s t r o nem leme. Mas aquelle pelo a m o r do qual elles soffriam, q u e s u s t e n t a os. filhinhos dos c o r v o s , e q u e manda como senhor aos ventos e ás tempestades , e n c a r r e g o u - s e de ser a um t e m po a l i m e n t a d o r da e q u i p a g e m e piloto d o vaso. S o b a sua p a t e r n a l guia , a colónia de m a r t y r e s aportou felizmente ás costas da Provença , e d e s embarcou em Marselha , da qual foi Lazaro ao m e s m o tempo o p r i m e i r o apostolo e o p r i m e i r o bispo ( \ ) . O n z e horas acabavam de s o a r , q u a n d o v e n cemos a estreita e n t r a d a do p o r t o , tendo á d i reita o forte de S . N i c o l a u , á esquerda o de S, J o ã o com a e x p l a n a d a da T o u r e l t e e o L a z a r e l t o ; porem não se goza da vista do p o r t o , e n c e r r a d o oo interior da cidade, senão depois de n e l l e s e t e r e n t r a d o . Appareceu-nos l a t e r a l m e n t e como u m a vasta floresta , da qual formavam a s a r v o r e s e os r a m o s os mastros e os cabos. No dia da nossa c h e g a d a , contavam-sc Delle m i l e oitocentos navios de todas as naçoens. Por e n t r e estas massas imrooveis, passam r a p i d a m e n t e e em lodos os s e n ti^ Esta belia tradição está revestida de t o dos os géneros de provas q u e uma critica i m p a r cial tem direito a exigir. Vede os ]iollandistes t. V . , J u l i i . t - u tidos ligeiras e m b a r c a ç o e n s , g u a r n e c i d a s d e a s sentos e l e g a n t e s , c o b e r t a s d e toldes de v a r i a d a s c o r e s , tripuladas por c u r i o s o s , ou pelos m a r i nheiros do l o g a r , q u e d i s p u t a m uns com os o u tros cm altos gritos a honra d e vos receberem a b o r d o . Nós só tivemos o e m b a r a ç o da escolha ; digo m a l , não uos d e i x a r a m a liberdade de e s colher. Q u a t r o ou cinco cocheirosagua, de braços n e r v o s o s , de côr m o r e n a , nos levaram á viva força e nos collocaram na sua b a r c a . Med i a n t e um franco por c a b e ç a , éramos d e p o s t o s , alguns minutos d e p o i s , bagagens c v i a j a n t e s , na alfandega. A visita t e v e logar pro forma, e d i r i g i m o ' - n o s p a r a a estalagem do Oriente. A estalagem do Oriente 1 é tudo o q u e s e pôde i m a g i n a r m a i s e l e g a n t e , mais bem s e r v i d o , e , p a r a e m p r e g a r a giria m o d e r n a , mais confortable e mais fashionable (1). Não sei q u a n t o s creados d e libre estão às vossas o r d e n s e depois andara alraz. de vós. Por isso c o m p r e h e n d e i s q u e é alli q u e poisam todos os g r a n d e s p e r s o n a g e n s . D. M a n a Christina d ' I l c s p a n h a havia alli passado très s e m a n a s , fazendo 1,700 francos d e despeza por dia. K a i d - P a c h á , e m b a i x a d o r da P o r t a em L o n d r e s , alli eslava comnosco, ou p a r a fallar menos turco , nós alli estávamos com elle. D u a s horas depois da nossa c h e g a d a , v i c r a m - n o s r o g a r , o mais polidamente p o s s í v e l , cedêssemos os n o s s o s quartos p a r a a comitiva de R e s c h i d Pachá , embaixador o t l o m a n o em P a r i s . Não d e v e (1) Palavras inglezas q u e s i g n i f i c a m , a p r i meira — bem accommodado , a g a z a l h a d o , e t c . , a segunda — feito á moda , ou — da moda, e t c . — (Not. do trad.) - 45 - isto c a u s a r a d m i r a ç ã o . Nas estalagens, assím como no m u n d o , graças á prosperidade sempre e m a u g mento da moral p u b l i c a , todas as dislineçoens de religião e de c a r a c t e r desapparecem diante d a f o r t u n a . J á / s e n ã o p e r g u n t a q u a n t o vale um h o mem , porem q u a n t o elle t e m . S de N o v e m b r o . Marselha. — Egrejas. — Estabelecimentos de claridade — Anecdota, —Capuchinhos. Ao visitar-se M a r s e l h a , o b s e r v a - s e com a d m i r a ç ã o q u e a maior p a r l e das cgrejas estão longe de corresponderem a opulência da cidade c á piedade dos h a b i t a n t e s . T o d a v i a não se pódc e n t r a r em n e n h u m a sem e x p e r i m e n t a r não sei q u e s e n t i m e n t o e x t r a o r d i n á r i o , d e s p e r t a d o pela r e c o r d a ç ã o do heróico Belzunce , cujo nome c cujas v i r t u d e s r e p e t e a seu modo cada s a n c t u a r i o . Quasi sem o s a b e r , a c h a - s e o estrangeiro favor a v e l m e n t e disposto a favor d'uma população q u e assim conserva a memoria do c o r a ç ã o ; p o r q u a n t o parece q u e o sancto bispo l e g a r a á sua q u e r i d a cidade parle da sua t e r n u r a p a r a com os desgraçados. Com e i ï e i t o , a o s olhos do o b s e r v a d o r christão , não é a v e r d a d e i r a f l o r i a de M a r s e l h a , o penhor mais seguro d a s u a felicidade , n e m a sua riqueza , nem a sua actividade commercial , duplicada desde a conquista da A r g é l i a , roas a charidilde v e r d a d e i r a m e n t e c h n s l a n , q u e a c o l h e e multiplica em seu seio os estabelecimentos úteis. P r e s e r v a r do contagio a p a r t e da g e r a ç ã o q u e - Í6 _ a i n d a cslá virgem ; c u r a r a q u e já recebeu o g é r men do m a l ; combinar as d u a s leis do trabalho e da c h a r i d a d e , a fira de m a t a r a preguiça e o egoismo ; tal é * n a sua m a i s simples expressão, o g r a n d e problema q u e atormenta a nossa e p o c h a . ílonra a Marselha q u e pede a sua solução ao chrislianismo , o único economista capaz de a d a r efiicaz e completa ! Honra ao homem e s c l a r e cido (1) q u e p r o s e g u e neste nobre intuito com u m a dedicação digna de todo o elogio ; oxalá t e nha elle muitos imitadores em França ! A'quelle q u e n u t r e o desejo consciencioso de cicatrizar a l g u m a s das feridas da s o c i e d a d e , podem servir de incitação e modelo a s escholas de meninos e d e a d u l t o s , o hospício d a s o r p h a n s , a obra da j u ventude c h r i s l a n , e os penitenciários de M a r selha. Vindo d e visitar um destes preciosos e s t a belecimentos , atravessei as p r i n c i p a e s r u a s da r i sonha c i d a d e , e especialmente a Cannebiére, orgulho dos Marselhezes. Se lhes faltais d e P a r i s , u n i r a cidade q u e , na s u a o p i n i ã o , pôde e n t r a r em parallelo com M a r s e l h a , respondem-vos g r a v e m e n t e na sua linguagem meridional : Sim, Parts é uma linda cidade, e se tivesse a Cannebiére, quasi que valeria Marselha l Comtudo e s ta famosa rua não tem de notável senão a sua extrema l a r g u r a . Na mesma e x c u r s ã o , recebi o u tra amostra da vaidade e exageração do Marsclhez, que c r e i o , s e m offensa á historia a n t i g a , p a r e n t e muito mais c h e g a d o do Gascão q u e do P h o c e o . Pelas différentes p e r g u n t a s q u e lhe d i r i g i a , p e r cebeu o meu cocheiro q u e eu era e s t r a n g e i r o ; Cl) O seor. abbade Fussiaux. - 47 - p r o m e l l e u - s e sem duvida passar-me a l g u m a s respostas de sua l a v r a . Entre outras coisas per— gunlei-lhe qual era a população'da cidade. Os s e u s lábios c e r r a d o s abriram-sc s u b i t a m e n t e c o m o d u a s molas d'aço e me d e s p e d i r a m a estatística seguinte : Um milhão e meio d'almas 1 ! 1 Estive a responder-lhe rindo ás g a r g a l h a d a s , como Lafleur a seu a m o ; Essa, meu senhor, é muito gorda. P o r e m c o n t i v e - m e , e q u a n d o m e senti bastante senhor d e mim , disse-lhe com um a r a d m i r a d o : Nada maisl Nunca se viu homem mais e m b a raçado ; apressou-se a r e s p o n d e r i n c com a ponta dos b e i ç o s : Não , senhor; depois d e u uma g r a n d e chicotada no cavado e não descerrou mais os dentes. Era eu ainda conduzido por este digno phaetonte , quando a minha vista descançou com felicidade sobre dois padres c a p u c h i n h o s , em toda a magnificência da s u a barba e do seu trajo. Ver em 1841 , na terra d e F r a n ç a , n ' u m a das nossas maiores cidades , c a p u c h i n h o s , e c a p u c h i n h o s occ u p a d o s em c o n s t r u i r u m a linda egreja , o que a n n u n c i a da s u a p a r t e intenção d e tomarem raiz e n t r e n ó s , pai;cccu-me isto v e r d a d e i r a m e n t e fabuloso, Recordei-me então da pretlieçfio d ' u m dos s e u s p a d r e s , q u e havíamos e n c o n t r a d o c m L u c e r na cm 1833 , e q u e nos d i z i a : < Nós já ganhamos em Françji a causa da nossa barba, vereis que ganharemos um dia a do nosso habito. » Oxalá seja elle p r o p h e t a ! E s t e voto interessa a todos. Ainda mais pelo seu exemplo que pela sua p a l a v r a , o c a p u c h i n h o , amigo d o povo e pobre como e l l e , ensina ao d e s g r a ç a d o a a m a r , ou ao menos a s u p p o r t a r sem a m a r g u r a as s u a s privaçoens e a s u a pobreza. Q u e m pôde dizer todas : - Í S a s a m b i ç o e n s , q u e os humildes filhos de S F r a n cisco hão extinguido nas classes inferiores ? D e pois , vós t o d o s , q u e tendes alguma coisa que p e r d e r , convindes bm q u e m u i t a s vezes dormi» ríeis mais tranquillos nos vossos q u a r t o s doirados, se os bons p a d r e s , e s p a l h a d o s , como n ' o u t r o t e m p o , pelas nossas cidades e aldeias, ensinassem ainda aos vossos t r a b a l h a d o r e s e l a v r a d o r e s , q u e devem amar s e u s a m o s , r e s p e i t a r a p r o p r i e d a d e d ' o u t r e i n , e conleniar-sc com a condição q u e Deus lhes deu * O de N o v e m b r o . Jornada de Marselha a Toulon. À's dez horas da m a n h a o , por um calor d e j u n h o , partimos para Toulon, em companhia d'uin oflicial s u p e r i o r , p e r t e n c e n t e ao exercito (.'Africa. O seu a r lhano c s i n c e r o , a doçura de s e u s olhos, a viva franqueza de suas m a n e i r a s nos preveniram desde logo cm seu f a v o r ; esta primeira i m pressão não nos e n g a n o u . À c o n v e r s a r ã o e n é r gica , v a r i a d a , pitoresca d e s t e bravo militar, v e lho soldado d o império e t y p o d o g é n e r o , não c o n t r i b u i u pouco n s a l v a r - n õ s da fastidiosa m o notonia da jornada. Imaginai um c a m i n h o c o berto de poeira , traçado cm geral c n t i e d u a s serr a s privadas de toda a vegetação, exceptuando a l g u u s pinheiros enfezados, espalhados aqui c alli s o b r e a l t u r a s pedregosas , como p a r a melhor f a zerem resaltar a estéril desnudez do solo ; de distancia em distancia, DO fundo destas altas colimas, - 49 - a l g u m a s liogúinhas de terra plantadas d e v i n h a s , cujas folhas m u r c h a s vinham r o d o m o i n h a n d o f a z e r se pisar debaixo d a s patas dos c a v a l l o s ; ajuntai a isto algumas alcaparreiras encobertas por m o n t o e n s d e terra similhantes a g r a n d e s formas d*assucar ; imaginai b e m , repito , esta p a i z a g e m , e pensai q u e n a e x t r e m i d a d e está Toulon . a cidade dos f o r ç a d o s ; depois defendei-vos, se p o d e r d e s , d ' u m a indefinível melancolia. D u a s léguas áquem de T o u l o n , atravessa a estrada os desfiladeiros d'OulIioul , famosos por n u m e r o s o s assassinatos. Estão contíguos á s e r r a nia q u e , a b r i g a n d o esta parte da Provença c o n tra os ventos do n o r t e , a faz a Itália e o P o r tugal do r e i n o . P o r i s s o , não se tarda a c o s tear soberbos j a r d i n s , os p r i m e i r o s cm q u e v i mos l a r a n j e i r a s ao a r livre com laranjas perfeitamente maduras. A d m i r a r sem r e s e r r a estes bellos fructos cuja c ô r d ' a u r o r a s o b r e s a h e tam clar a m e n t e na verde folhagem da a r v o r e q u e as p r o duz , tal foi o nosso primeiro s e n t i m e n t o . O s e g u n d o , devo c o n f e s s a i - o . era m e n o s h o n r o s o : a c a r a v a n a , sem excepção , commetteu o peccado da inveja. A não 1er eu cedido um tanto ao a t tractivo da fructa v e d a d a , não ousaria d i z e l - o ; não vades porem crer q u e a nossa descendência d ' E v a era a causa primeira dos nossos a r d e n t e s desejos. A sede devoradora causada pelo calor c o pó tinham belles grande p a r t e . De r e s t o , não tardamos a r e c o b r a r melhores sentimentos. O tormento que e x p e r i m e n t á v a m o s , fez-nos dirigir acçoens de graças mui s e n t i d a s á P r o v i d e n c i a , q u e collocou nos diversos climas a s f r u r t a s mais c o n v e n i e n t e s aos h a b i t a n t e s . Mais refrigerante e menos substancial q u e a m a ç a n o u a pcra , é a laranja a frucln dos paizes quentes ; p o d e m - s e comer m u i t a s vezes e muitas sem se* ficar farto. E eis que cila se oITerece em a b u n dância ao h a b i t a n t e do meiodia , c o n s t a n t e m e n t e e s q u e n t a d o pelos raios d'um a r d e n t e s o l , r e f l e c tidos por areias ainda mais a r d e n t e s , « Mas d'onde v e m , perguntou o bravo c o m m a n d a n t e , q u e ao lado da laranja , do l i m ã o , da m a n g a , da r o mã , e l e , produzem os paizes q u e n t e s tudo o q u e ha mais escandescenle : a p i m e n t a , a c a n e l l a , o p i m e n t ã o ? Esses fructos só d e v e r i a m e n c o u t r a r se na Sibéria. — O p r o b l e m a , foi-lhe respondido, não é diflirilde resolver. P r i m e i r a m e n t e vós sen tis como n ó s , c o m m a n d a n t e , que o calor e n e r v a , prostra e produz suores a b u n d a u t e s , q u e trazem continuo desfalleciineulo dc forças. De m a i s , d i minue o a p p c l i t e ; e é conhecido que os povos m e n d i o n a e s são g e r a l m e n t e mais sóbrios no a l i mento que os h a b i t a n t e s do n o r t e . Para r e s t a belecer o equilibuo e d a r actividade aos órgãos , sào necessários t ó n i c o s ; ë a primeira rasão pela qunl elles abundam sob as zonas t r o p i c a e s . — Mas cm fim s e m p r e e s q u e u t f a m ? — E' e r r a d a m e n t e , comm a n d a n t e , que nós accusâmes a pimenta e o p i m e n t ã o dc similhante defeito. Nos paizes p a r a q u e são c r e a d o s , longe de e s q u e n t a r e m , r e f r e s cam muito mais q u e os nossos gelados e x a r o pes. — Oh I essa é boa 1 — Bem q n e vos p a r e ç a a b s u r d o , é v e r d a d e . » E deram-lhe deste facto as explicaçoens conhecidas (1). (]) Encontrei-as passagem d ' u m a carta dos nossos missionários gineis q u e debaixo d a s mais t a r d e nesta curiosa escripta da india por um francezes .*.« Talvez i m a c h a m m a s a r d e n t e s d o tro4 — 51 - Cabia a noite q u a n d o e n t r a m o s em T o u l o n . Apesar da hora a v a n ç a d a , foi o nosso p r i m e i r o cuidado levar as c a r t a s q u e nos r e c o m m e n d a v a m ao senhor capitão d e navio J Decepção l a m a r g a s p e n a s E s t e distincto officiai eslava com uma missão nas costas da T o s c a n a . Na sua a u sência , fomos acolhidos pela sua excellente fa u n p i c o , nós somos c e r t a m e n t e devorados pela sede ? Não por certo ; fora das comidas quasr nunca me acontece beber. D e v e m o t o em bôa p a r l e ao nosso regimen alimentar. Então é elle muito refriger a n t e ? me ides dizer. E' ao c o n t r a r i o , s e g u n d o as vossas i d è a s , o a l i m e n t o mais i r r i t a n t e : o a r roz q u e faz a p a r t e principal d e i t e , é s e m p r e acompanhado d'uni molho composto dc pimentão , de p i m e n t a , do t a m a r i n d o e o u ï r a s e s p é c i e s , tod a s mais fortes umas q u e as o u t r a s . Ao p r i n c i p i o , u m a colher desta mistura queima o p a l a d a r ; porem depressa a g e n t e se habitua a elta a ponto t a l , q u e , sem esle e s t r a n h o t e m p e r o , nào se comeria senão com fastio, e não se faria a d i g e s t ã o . Aqui ^quando a gente se q u e r refrescar ou tomar u m a bebida benéfica , t a l , por e x e m p l o , como vós déreis a um convalescente , b e b e se uma chicara d e a g u a na qual se faz ferver um g r a n d e p u n h a d o de p i m e n t a . Q u a n d o eu estava em Fr an ç a , pensava á s vezes quando me saciava n ' u m a clara f o n t e : S e eu achasse destes m a a a n c i a c s na í n d i a ! Pois ainda q u e os encontrássemos a c a d a passo , não os p r o v a r í a m o s . A a g u a fresca seria mortal ; a boa a g u a , aquella q u e v e r d a d e i r a m e n te mata a s ê d e , é a dos t a n q u e s o u dos ribeiros c o n s t a n t e m e n t e expostos ao ardor do s o l . » ( A n noes da Propagação d a F é . N.° 1 0 7 , p a g , 3*7,} l i a , com orna cordialidade q u e nos fez e s q u e c e r todas as fadigas da j o r n a d a . Um almoço g r a c i o s a m e n t e offerecido para o dia s e g u i n t e foi acceito com reconhecimento : m i n i s l r a v a - u o s a preciosa occasiSo de (aliarmos s e g u u d a vez de tudo o q u e nos era caro, IO de Novembro, Vista do Porlo. — Visita ao Océan. — A Prisão dos Forçados.—Anecdota. — Reflexoens. — Volta a Marselha. Na ausência do capitão q u e devia p i l o t a r - o o s , r e c o r r e m o s , p a r a vc'nuos Toulon com i n t e r e s s e , ao ciigno c o m m a n d a n t e q u e havíamos e n c o n t r a d o na véspera, e que pousava na mesma estalagem q u e nós. X fim d e l e r e o t r a d u em todas as partes, vestiu o seu g r a n d e uniforme, c antes do meio dia e s t á v a m o s na e n s e a d a . Estava o tempo e x c e l l e n t e , e um magnifico espectáculo se desenrolava aos nossos olho?. Todo aquelle mar azul ; todas a q u e l l a s embarcaçoeus elegantes tam h a b i l m e n t e dirigidas pela eschoia dos g r u m e t e s ; todas a q u e l l a s poderosas machinas para a m a s t r e a ç ã o dos n a v i o s ; todos aquclles forçados, com o seu sinistro vestido vermelho, fazendo mover os cabrestantes ou a t r a vessando o golfo, acompanhados do seu anjo-da* guarda de carabina ao h o m b r o ; todos estes o b jectos, iam g r a v e s e variados, formavam em certo modo o primeiro plano do q u a d r o . Os navios d'alto bordo, q u e c o m p u n h a m a e s q u a d r a do a l m i r a n t e jlugon, e que se desenhavam ao longe como massas immoveis, formavam o s e g u n d o plano. - 5 3 - Estávamos nós alli a d m i r a d o s d i a n t e d a q u e l l e magnifico p a n o r a m a , q u a n d o nos veio o i ï e r c c e r os s e u s serviços um b a r q u e i r o g c n o v c z , v e l h o Esopo do m a r . As suas d u a s g i b a s , os s e u s cabellos já g r i s a l h o s , a sua mulela de fraca a p p a r e n c i a , motivos estes q u e teriam feito q u e o u t r o s o rejeitassem, foram títulos, g r a ç a s à b o n d a d e d e ' a l m a do nosso c o m m a n d a n t e , p a r a a nossa p r e ferencia. « Coitado d o pobre, d i s s e o e x c e l l e n t e « h o m e m , tem mais precisão de g a n h a r d i n h e i r o « q u e q u a l q u e r o u t r o . » E saltou à s u a e m b a r cação. Seguimol-o para s i n g r a r para o Océan , a n c o r a d o a très q u a r t o s de légua no m a r . Este g i g a n t e da m a r i n h a franceza era c o m m a n d a d o pelo capitão 1 1 . , p a r a o q u a l tínhamos u m a c a r t a . As g r a u d e s d r a g o u a s do nosso guia nos v a l e r a m a distincção lisongeira de s u b i r m o s ab navio p o r b o m b o r d o , isto c, pelo lado direito, onde se a c h a a escada d ' h o n r a . Eu tinha ouvido dizer qne em n e n h u m a par* tc se mostra o g c n i o do homem com m a i s h i J h o do q u e num navio d'alto bordo ; eslavo i m p a c i e n t a p o r verificar esta o p i n i ã o n o Océan, I m a g i n a i umj; cidadella fluctuante q u e , sem outro 010 q u e o seu c e n t r o de g r a v i d a d e , d e s c a n ç a s o l . i i , 'ima base m ó b i l , arrosta o furor do mais formidável dos e l e m e n t o s , d e r r i b a u ' a l g u m a s h o r a s as m a i s fortes m u r a l h a s , leva um exercito no seu v e n t r e , e , sem e m b a r g o da sua mole prodigiosa, obedece ao homem q u a s i com tanta docilidade, como obedece a D e u s o próprio mar. E n t r a n d o no e d i f í c i o , e n c o n t r a i s uma espécie d e c a t h e d r a l de g i g a n t e a s proporçoens, com t r è s ou q u a t r o c o m p r i d a s naves col loca das u m a s por cima d a s o u t r a s ; e m vez de j a n e l l a s , cento c vinte p o r t i n h o l a s , isto é , cento e vinte r - 54 — canhoneiras onde se mostram aos vossos olhos não cento e viole graciosas figuras de s a n c t o s , . mas cento c vinte vezes a bôcca aberta d'um enorme c a n h ã o . Em torno de vos reina perfeita ordem ; n o todo como nas p a r t e s , tudo se acha com um luxo dc asseio, diria quasi de g a r r i d i c e sem eguat. Todavia alli vivem mil e cem homens , desde a e d a d e de oito a nove annos até á de trinta ou q u a r e n t a : todos obedecem ao mais p e q u e n o signal e manobram com uma precisão que não soffre nem hesitação nem d e m o r a . \ * vista de similhantc e s p e c t á c u l o , não vos s e r á , penso e u , mais diflicil q u e a mim convir em q u e um vaso de g u e r r a é u m a maravilha : ora tal era o Océan. Pilotados pelo capitão U. , visitamos com admiração todas as parles do s o b e r b o n a v i o . Em q u a n t o estávamos a b o r d o , desceu o a l m i r a n t e ao seu b o t e ; a s u a ausência p e r m i l t i u - n o s e n t r a r na sua h a b i t a ç ã o , e achamos q u e em nada elia cedia, pelo q u e loca a elegância , aos q u a r t o s mais assciados d a s nossas g r a n d e s cidades. O Océan tinha 1,080 h o m e n s de t n p o l a ç ã o . E ' m u i t o ; e sem e m b a r g o fiquei v i v a m e n t e afHicto por não ver mais u m ; s i m , faltava um homem ; ai ! falta a todos os o u t r o s nossos vasos : este homem q u e e n c o n t r a i s nos navios de todos os p o vos do mundo ; este homem cuja ausência d e p l o r a m as famílias ; e s t e homem q u e os p r ó p r i o s m a r i n h e i r o s reclamam cm altos gritos ; este homem q u e o governo tanto i n t e r e s s e e facilidade leria em collocar nos nossos baixeis, é um capellão !... À p e r t o u - s e - m e o coração, sobre t u d o á vista d a q u e l l c s jovens g r u m e t e s de oito a nove a n n o s , separados de suas famílias, e lançados no meio - dos perigos do mar, sem soccorro r e l i g i o s o , nem p a r a a vida, nem p a r a a m o r t e . P o b r e s c r e a n ç a s ! p o b r e s mães 1 p o b r e s o c i e d a d e ! P e n e t r a d o s d ' u m duplo sentimento de p e z a r e a d m i r a ç ã o , d e s c e m o s d o real navio á nossa h u m i l d e b a r q u i n h a . O velho Genovez t e v e a a t t e n ç ã o d e nos lazer passar em frente de dois vasos q u e os olhos não podem v e r sem q u e s e encha logo o espirito de g r a v e s p e n s a m e n t o s . O primeiro q u e vimos, tem na proa o n o m e e a inscripção s e g u i n tes: LE MUIRON. Esta Fragata, tomada em Veneza é a que trouxe Bonaparte do em 1793. em 1 7 9 7 , Egypto O s e g a n d o , muito m a i s p e q u e n o , è a e s c u n a UE toile, q u e t r a n s p o i l o u Napoleão da i l h a d ' E l b a a F r é j u s em 1 8 1 5 . P a r a r e p r e s e n t a r as p r i n c i p a e s vicissitudes d a q u e l l a g r a n d e e x i s t ê n c i a , só f a l t a v a o Northumberland, no qual s e verificou a viajem de S a n t a Helena. Pelas très horas da t a r d e , estávamos na e n trada do a r s e n a l , gloriosa fundação de Luis X I V : alli é a prisão dos forçados. S e g u n d o o costume» foi-nos dado um gendarme para a c o m p a n h a m o s e servir-nos de c i c e r o n e . A p r i s ã o compõe-sô d e longas casas de p e d r a , com j a n e i l a s g u a r n e c i d a s de fortes varoeos d e f e r r o , a b r i n d o d ' u m a p a r t e sobre o vasto recinto do a r s e n a l , da o u t r a s o b r e o m a r . Em todo o seu c o m p r i m e n t o e x i s t e m , a très pés acima do c h ã o , dois p a v i m e n t o s o b l í q u o s , t e r m i n a d o s na p a r l e inferior p o r uma b a r r a d e ferro q u e se e s t e n d e d ' u m a á o u t r a e x t r e m i d a d e ; 9 - 66 — é o leito dos c o n d e m n o d o s . Separados de dia em quadrilhas , s5o os (orçados sujeitos aos mais p e nosos traóalhos : s e r r a r madeira ou p e d r a , m a s t r e a r os navios, t r a n s p o r t a r fardos , etc. A' mais p e q u e n a falta c h o v e m - l h e s n a s costas a s b a s t o n a d a s ou as p r a n c h a d a s . Se é mais g r a v e a falta, e n c e r r a m - o s n a s m a s m o r r a s ; se elles s e m o s t r a m r e c a l c i t r a n t e s , metlem-os, com d o b r a d a s c a d e i a s , e m prisoens e s c u r a s , o n d e só te em por leito a h ú m i d a lagca. Estava l á , q u a n d o p a s s a m o s , o famoso Tragine a q u c l l e formidável bandido q u e , d i s s e r a m - o o s , não suspirava pela liberdade s e n ã o p a r a assassinar o corajoso magistrado q u e se hav i a apoderado da s u a pessoa. F i n a l m e n t e , q u a n d o a falta é v e r d a d e i r a m e n t e s e r i a , um conselho de g u e r r a m a r í t i m o julga o culpado e p r o n u n c i a sem appellaçào a sentença de m o r t e , que se executa d e n t r o em très h o r a s . Todos os forçados são conduzidos ao pè do cadafalso, formados em d u a s fileiras, com os, joelhos em t e r r a e a s c a r a p u ç a s n a mão. Na cabeceira de cada fila está u m a peça d ' a r t i l h e n a , c a r r e g a d a de m e t r a l h a , p r o m p t a a fazer fogo ao m a i s p e q u e n o signal d e revolta. 9 Dest'arto è a força b r u t a a única lei da p r i s ã o . Não vos e s p a n t e i s pois se os d a s g a l é s e m p r e g a m a sua actividade intelleclual em b u s c a r os m e i o s de se e v a d i r e m ; c o n s e g u e m - o a l g u m a s v e z e s , apesar de toda a vigilância de q u e são o b j e c t o d i a e noite. F o i - n o s referido q u e o c o n s e g u i r i a m muitas mais vezes se se não vendessem u n s aos o u t r o s . Como se não existisse c o r r u p ç ã o bastante e n t r e aquellcs entes d e g r a d a d o s , foraenl a - s e , se não se estabelece e n t r e elles, uma e s pécie de policia secreta , ou antes de e s p i o n a g e m , d e q u e são elles os a g e n t e s . Muito pouco tempo - S7 - a n t e s da nossa c h e g a d a , haviam c o n s e g u i d o dois velhos septuagenários c o n s e r v a r - s e escondidos por espaço d e quinze dias n ' u m canto do a r s e n a l , á e s p e r a , no meio d e todas a s espécies d e p r i v a ç o e n s , q u e u m a n o i t e bem e s c u r a lhes permittisse o t e n t a r e m u m a e v a s ã o . Elia chegou : d u r a n t e a s mais densas t r e v a s , c a m i n h a m , andando com pés e m ã o s , até á porta da s a h i d a . A s e o l i u e l i a t o m a - o s por cães e d e i x a - o s p a s s a r . Introduzem-se n ' u m a espécie de l o c u t ó r i o , e quebram os vidros d ' u m a janclla. E s t e s cahindo dão o r e b a t e . Um dos dois é apanhado ; o o u t r o j a tinha a b a l a d o . Pela m a n h a n , foi içada a b a n d e i r a azul : é o s i g nal da evasão .d'um forçado. Os h a b i t a n t e s das aldêas c o n h e c e m - o e estão precavidos, k gen, darmeria vai fazer p e s q u i z a s em todas as d i r e c çoens : r a r a s vezes c o n s e g u e o infeliz gozar p o r m u i t o tempo a l i b e r d a d e . E ' dado um p r e m i o áquelle q u e reconduz o f u g i t i v o ; é de 25 francos q u a n d o se se encontra o forçado no interior do a r senal ; d e 50 no recinto de "Toulon, e d e 100 fora da c i d a d e , No mesmo dia da nossa c h e g a d a , os aldcoetis das visinhanças reconduziam o v e l h o fugido havia q u a r e n t a e oito h o r a s . Cada t e n t a tiva de evasão é seguida de u m a g g r a v o d e p e n a . c EU seis m e z e s , disse-nos a pessoa q u e n o s s e r t via d e g u i a , que nos c h e g o u um c o n d e m n a d o « por cinco a n n o s . T e m o b r a d o de tal s o r t e , t q u e o está hoje por c e n t o e treze a n n o s . > Estávamos nós a e x a m i n a r por raeudo o i n ferno da justiça h u m a n a , q u a n d o se fez o u v i r g r a n d e ruído dc c a d ê a s . E r a m os forçados q u e voltavam do trabalho. H o r r e n d o espectáculo ! não o esquecerei em toda a m i n h a v i d a . Desfilaram por d i a n t e d e n ó s , presos dois a d o i s , muitos — 58 - milhares de infelizes c a r r e g a d o s de ferrosMancebos de passo s e g u r o , e c a b e ç a l e v a n t a d a , e velhos d e cabelios b r a n c o s , e d e a n d a r froixo , pela maior p a r t e teem no rosto dois traços q u e se a s s e m e l h a m : o cynismo e a a s t ú c i a . O seu vestido tem algum t a n t o de sinistro e ignóbil. U m a alta carapuça d e I a n , vermelha para os c o n d e m n a d o s por t e m p o , v e r d e para os condemnados p o r toda a v i d a ; u m a larga vestia ou s o b r e t u d o v e r m e l h o , q u e desco abaixo da cinta , com m a n g a s v e r d e s para os r e i n c i d e n t e s , vermelhas pera os o u t r o s ; f i n a l m e n t e , u m a s calças de estopa c i n zenta por baixo d a s q u a e s p a s s a u m a c a d ê a d e coisa d e quinze ou v i n t e a r r a i e i s , atada em volta dos r i n s , e vindo p r e n d e r - s e a um annel q u e liga e pé por cima d o tornozelo. Tal é o ignominioso trajo d o calceta. S e g u i m o s os d a s galés até á e n t r a d a d a s vas* tás casas que lhes servem a um tempo d e d o r m i tório e salla de c o m e r . Q u a n d o estavam e s t e n d i d o s sobre a sua d u r a c a m a , um g u a r d a - c h u s ma passou a b a r r a d e ferro por entre os a n n e i s ' d a s c a d é a s , e todo o movimento c o m o pé fez-se impossível. D e p o i s , c o m o se não fosse isto bas* t a n t e precaução e r i g o r , trouxeram para a porta d e cada salla" uma peça d e arlilhcria c a r r e g a d a de m e t r a l h a , com a bôcca virada para o interior da p r i s ã o . K' assim q u e no século X I X c r é a s o ciedade dever velar pela sua propria s e g u r a n ç a . , Longe de DÓS o p e o s a m e n t o d e tomarmos aqui o papel d ' a c c u s a d o r ; p o r e m , á vista do horrível e s p e c t á c u l o , não pôde um homem deixar de p e r g u n t a r a si mesmo s e a sociedade a c t u a l d e s e m penha d i g n a m e u i e a, importante inissào q u e lhe impõe Deus p a r a a conservação da ordem moral. - 59 — Deter o mal no pensamento mesmo q u e , o g e r a . intimidar o mau e rehabililar o c u l p a d o : l a e s s ã o os seus imprcscripliveis d e v e r e s . E x a m i n e - s e a sociedade s o b r e estes t r ê s a r t i g o s , e veja se n ã o tem alguma e x p r o b r a ç ã o q u e fazer a si p r o pria. Tem ella e m p r e g a d o todos os meios q u e e s tãa em seu poder para p r e v e n i r o c r i m e q u e c o n duz á prisão dos forçados? Não tem n u n c a f o m e n t a d o ou tolerado as d o u t r i n a s i m m o r a e s , q u e , m a i s cédo ou m a i s t a r d e , fazem do h o m e m u m s c e l e r a d o ? Não tem n u n c a e n s i n a d o , coro o seu e x e m p l o , o desprezo da lei d i v i u a , base d e todas a s leis , freio de todas a s propensoens e r e g r a de todas as acçoens ? Q u e faz ella p a r a intimidar o m a u , s u s p e n der a mão q u e prepara o v e n e n o , q u e alia o punhal ou q u e a c c e n d e nas t r e v a s o facho i n c e n d i á r i o ? Gfcrtamente. m o s t r a - l h e em perspectiva a d e s h o n r a , a cadêa e o cadafalso. Porem não lhe mostra já o r e m o r s o i m p l a c á v e l , rasgando-lhe o c o r a ç ã o , e o v e n e n a n d o - l h e os p r a z e r e s do dia c p e r l u r b a n d o - l h e o sorano das n o i t e s ; nem a prisão e t e r n a do i n f e r n o , á q u a l nem a f u g a , nem o e r r o dos juizes m o r t a e s , nem a sua fraqueza pode subtrahir o c u l p a d o . D e s t a r t e , d e i x a n d o r e p e t i r aos h o m e n s , e isto todos os d i a s , em todos os tons e por n u m e r o s o s ó r g ã o s , q u e D e u s não é mais q u e uma palavra e o inferno u m a c h i m e r a , 19m a sociedade t o r n a d o i m p o t e o t e o s e u systcma de intimidação. Uma vez commettido o c r i m e , q u e faz p a r a lhe prevenir a repetição rehabililando o p a d o ? Sabe bem q u e q u a n d o deixa viver o f e i t o r , deve o castigo q u e lhe inflige 1er por ella culmal* alvo - 60 - a expiação da falta e a emenda do culpado, alias é i m m o r a l ? O homem é abaixado ao nivel do b r u t o ; o castigo não é mais q u e a bastonada dada ao cão q u e vos m o r d e u ; e a p r i s ã o , a j a u l a da hycna enfurecida. Em vez d e ser uma correcção, torna-se a pena uma vingança desprovida d e mor a l i d a d e , q u e exaspera o culpado c estabelece e n t r e elle e a sociedade um duello de m o r t e . Não está a l l i , na practica da prisão dos f o r ç a d o s , a t h e o n a do código penal ? E q u a e s são os r e s u l t a d o s ? Affírma-se q u e d e cem forçados libertos, oitenta voltam á prisão ou sobem ao cadafalso. E ' penoso c o a f e s s a l - o , porem concebe-se q u e assim deve s e r : Todo o homem infamado e não rehabilitado, será sempre um ente inutil ou pe~ rigoso. U r a , ao ferrete civil q u e ao culpado i m p r i m e m os arestos da justiça , ajunta a vivenda da prisão um ferrete m o r a l , ainda mais odioso e sobre tudo mais indelével, O condemnado sahe da prisão mais perverso do que entrou: tal é a inexorável sentença da opinião publica. Esta s e n * t e n ç a , q u e a experiência justifica, faz do liberto nm objecto d e temor e desconfiança u n i v e r s a l . Repellido por todas as pessoas h o n r a d a s , a b a n d o n a - s e de novo aos s e u s maus i n s l i n c t o s , t o r n a a procurar a sociedade dos seus e g u a e s e l o r n a - s e com elles o flagello das nossas cidades e a l d ê a s . A não s e r que se s u s t e n t e q u e o mau é i n c o r rigível , não é este r e s u l t a d o a c o n d e m n a ç ã o sem appellação do systema penal seguido em nossos dias ? S y s t e m a m a t e r i a l i s t a , e p o r c o n s e g u i n t e a b s u r d o : q u e , á força d e humilhação e r i g o r , pôde muito bem e x t i n g u i r no homem o senso moral e e m b r u t e c e r o c u l p a d o ; p o r e m c o r n g i l - o , n u n c a ; rchabililal-o , a i n d a menos. C o m t u d o c o r - - 61 - rigir o m a l f e i t o r , a fira d c rchabililaî-o , tal é o dever da s o c i e d a d e , e tal deve ser o a l v o d c toda a legislação humana, desde q u e deixa a vida ao c r i m i n o s o . E n t r e o dia em q u e tomei estas notas e m Toulon e aquclle em q u e a s r e d i j o , lem-se m a nifestado uma feliz m u d a n ç a nos espíritos acerca d o s y s l e m a p e n a l , O g o v e r n o parece q u e q u e r s e r i a m e n t e atingir o íim moralisador d e q u e f a l íamos ; o syslema cellular g a n h a c r e d i t o ; c h a m a s s e a religião para adoçar , sanclificando-os, os rigores da j u s t i ç a . Assim , q u e r - s e q u e a o p i nião publica modifique a s e v e r a , mas justa s e n tença q u e e s t e r e o l y p o u contra o liberto da c a l c e ta ; q u e r - s e ' q u e este cesse de ser um objecto de r e p u l s ã o . O r a , elle cessara de s e i - o , q u a n d o se c e s s a r de d e s p r e z a l - o e de temel-o , q u a n d o se áouber q u e já nào é o mesmo , q a è está convertido e q u e d e u penhores certos disso. T u d o isto é j u s t o , moral / digno d*utna nação civiiisada ; somente diremos q u e c u m p r e ter c u i d a d o em não destruir com u m a mão o q u e se q u e r edificar com a outra ; e q u e sc importa r e h a b i l i l a r o c r i m i n o s o , muito mais importa i m p e d i r q u e o h o m e m o venha a s e r . Q u a n d o pois a s o c i e d a d e h o u v e r feito o q u e lhe é possível f a z e r , nos l i m i t e s da sua organisação e sob a influencia d a s c i r c u m s l a n c i a s , para p r e v e n i r o mal e i n t i m i d a r o m a u , ella c u i d a r á , d e c o n c e r t o com a r e l i g i ã o , nos meios d c r e h a b i l i l a r o criminoso ; e n t ã o o syslema penal será v e r d a d e i r a m e n t e efficaz por isso q u e será completo e m o r a l . Até J á , será mister contar com m u i t a s e s p e r a n ç a s frustradas. Relativamente ao s y s l e m a penitenciário que - 62 — se q u e r substituir á c a l c e t a , diremos a i n i a com um homem insuspeito ( 1 ) : « Não olvideis q u e o regimen penitenciário hasceu catholico , e q u e não pôde produzir fruclos felizes s e n ã o p e r m a n e c e n d o fiel á sua origem. » E ' p o r q u e e f e c t i v a m e n t e a m u d a n ç a dos coraçoens é privilegio exclusivo da religião. Se e n t o r p e c e r d e s a sua acção r e p a r a d o r a , serão vãos todos os vossos esforços. Pelo cont r a r i o , se a deixaes perfeitamente livre para i n s t r u i r , consolar e c u r a r , p ó d e - s e contar com o bom ê x i t o . E porque não m u d a r á ella o c o r a ç ã o dos nossos forçados das g a l é s ? .Ella mudou bem o d o género h u m a n o , desse g r a n d e forçado q u e se havia degradado d u r a n t e dois mil a n ã o s na p r i são da idolatria I Chamai pois francamente em vossa ajuda a religião com os seus p a d r e s , com os seus i r m ã o s , com as s u a s i r m a n s , com as s u a s sociedades de c h a r i d a d e , e depressa veremos q u e ella tem hoje , como teve n ' o u t r ' o r a , o poder dè fazer d a s mais b r u i a s p e d r a s homens inoftcnsivos, cidadãos úteis á t e r r a e a t é candidatos do Céu. S a h m d o do arsenal ás cinco h o r a s , t o r n a m o s a p a r t i r para Marselha na seguinte ooite ; c no dia s e g u i n t e , a n l e s d o meio d i a , e s t á v a m o s d e regresso á estalagem do O r i e n t e . 11 de N o v e m b r o . O resto do dia foi c o n s a g r a d o á nossa c o r respondência , c aos nossos p r e p a r a t i v o s de v i a j e m . S o b pena de nos d e s a v i r m o s com os nossos (1) M. Cerfbcer 63 a m i g o s , era muito necessário e s c r e v e r - l h e s a n t e s de deixarmos a F r a n ç a . No dia seguinte , í a m o s dar à vela p a r a l t a i i a . Os nossos logares e s t a vam a r r a n j a d o s no pyroscapho toscano o * Lombardo. 1 3 de N o v e m b r o . Navegação. — Inglczes. — Beliche. — Conversação. P o r um t e m p o magnifico d e i x a m o s , em n u merosa c o m p a n h i a , o porto de Marselha pelo meio dia. Uma d e r r a d e i r a saudação foi e n v i a d a a Nossa Senhora da G u a r d a , cujo s a n c l u a r i o d o m i n a ao looge o vasto mar q u e iamos p e r c o r r e r . A tripolação r o g o u - l h e nos preservasse da refega de vento dos mortos, perigosa ; t o r m e n t a que se faz sentir r e g u l a r m e n t e n o principio de n o v e m b r o , no golfo de Génova e de Lyão. Situado na popa do vaso , com os olhos v i r a d o s para a collina s a n c t a , sente o passageiro catholico d e s c e r - í h e á alma g r a n d e confiança. Q u e podemos nós t e m e r ? p e r g u n t a elle a si mesmo : acolá em cima reina u m a doce virgem q u e tem n a s s u a s m ã o s o s c e p tro dos m a r e s . E , por um privilegio q u e so a ella p e r t e n c e , esta v i r g e m , minha mãi e i r m ã o , tem o direito dc d i z e r , a p e r t a n d o sobre seu c o r a ç ã o a Deus e ao h o m e m : Meus filhos ! Apenas afastados da c o s t a , d i r i g i r a m - s e os nossos olhares p a r a a e q u i p a g e m , e tudo n o s a o n u n c i o u q u e h a v í a m o s deixado a F r a n ç a . Q u a t r o ou cinco l í n g u a s nos feriam os ouvidos com os s e u s sons p a r a nós incomprehensiveis. Physionomias e s t r a n h a s passavam e t o r n a v a m a passar pôr ao - C a pe de nós. Ao lado das c a r a s largas e nédias dos nossos marinheiros genovezes e loscanos, t o s tadas pelo s o l , assombradas por espessa b a r b a p r e t a , a p p a r e c i a m em g r a n d e n u m e r o rostos pai* fidos e compridos , pela maior p a r t e coroados de uma cabclleira de loiro duvidoso* Era impossível e n g a u a r - s e a g e u t e : e r a m rostos inglczes. Onde se não encontram filhos e filhas d'Albion ? Este povo n ó m a d a , verdadeiro j u d e u e r r a n t e d a c i v i h s a c ã o , acha-se em todas a s p a r t e s . Passeios, h o s p e d a r i a s , m o n u m e n t o s , barcos a v a p o r , sítios pitorescos na Suissa , cm F r a n ç a , na I t á l i a , i n vado t u d o , passeando por todas as p a r t e s sem a b o r r e c i m e n t o , e semeando os seus guineos por lodos os caminhos do m u n d o ; em tanto q u e os seus artistas morrem dc fome á porta d a s s u a s fabricas f e c h a d a s , ou no limiar dos s-eus caslellos solitários. Até às cinco h o r a s , fez-se a viajem às mil m a r a v i l h a s . Neste momento bom n u m e r o de passageiros começaram a sentir os primeiros a t a q u e s do enjoo. Mais feliz eu , não passou p.ira mim a coisa de uma indisposição geral que não t r o u x e comsigo os a c c i d e n t e s conhecidos. Entretanto q u e a maior parte dos meus companheiros de viajem representavam g r a t u i t a m e n t e na coberta a seena t r a g i - c o m i c a , recitava cu t r a n q m l í a m e n t e o meu breviário no beliche que nos estava destinado, e cuja descripção talvez não c a r e ç a de interesse. Em v o l t a d a g r a n d e c a m a r á , toda brilhante de e s p e lhos e e m b u t i d o s de m a d e i r a roxa . haviam c a i xilhos d e c o r r e d i ç a s , s e r v i n d o d e portas aos b e l i c h e s , ou q u a r t i n h o s de d o r m i r ; sele pés d ' a l lura , cinco e meio de c o m p r i m e n t o , très dc l a r - ' g u r a , e i s a s ' d i m e n s o e n s g e o m é t r i c a s de cada q u a r - - 63 — to. Se vos dissessem : N ' e s t e p e q u e n o e s p a ç o , devem caber r i g o r o s a m e n t e uma c a d e i r a , 1res l e i t o s , três m a t a s , tres homens, aos quacs d e i x a reis um c o r r e d o r , como resolveríeis o problema ? Para p u u p a r - v o s o t r a b a l h o dc adivinhardes a coisa, o q u e poderia ser um pouco longo , vou expti— c a r - v o l - a . Na p a r t e exterior do beliche estão l i xas 1res p r a n c h a s de pé c meio de largura , e cotlocadas umas por cima das o u t r a s a dois pés pou* co mais ou menos d e d i s t a n c i a ; cada p r a n c h a tem em cima um colchão de duas pollegadas de es-* p e s s u r a , coberto com um lençol c t e r m i n a d o por um p e q u e n o t r a v e s s e i r o , ao qual se pôde c o m p a r a r , em q u a n t o á molleza , a pedra nua s o b r e q u e J a c o b repoisou a c a b e ç a no d e s e r t o . A' c a beceira do p r i m e i r o l e i t o , elevado um pé do s o a lho , esta a cadeira que serve de escabcllo para subir aos leitos s u p e r i o r e s . Às malas estão no fundo do corredor q u e , deduzindo a medida dos l e i t o s , conserva uma l a r g u r a de q u a r e n t a e cinco c e n t í m e t r o s . Em q u a n t o ás j a n e l l a s , é m i s t e r e s l a r - s e deitado p a r a as v e r . E n t ã o , ao lado da vossa c a b e ç a , se a b r e u m a portinhola q u e vos proporciona o triple gosto dc r e s p i r a r d e s a brisa refrescante , dc verdes a vaga q u e bate os costados do n a v i o , e , se fordes a t a c a d o do e n j o o , d e vos alliviardes sem iucommodar a v i s m h a u ç a . E s t e q u a r t o em miniatura não c a r e c e dc e l e g â n c i a ; porem dc c o m m o d i d a d e , isso é outra q u e s t ã o . De resto para que se h a - d e a gente l a m e n t a r d i s s o ? T a n t o no mar como na t e r r a , tanto nos dias da nossa brilhante civilisação, como nos tempos mais simplices dos p a t r i a r c h a s , não é sempre o homem um p e r e g r i n o , e não é bom q u e elle se r e c o r d e d i s s o ? E d e p o i s , e x e r c i t e v - C e rcos o oosso corpo no t r a b a l h o , sejamos sóbrios, tenhamos tranquilia a consciência , e o somno virá v i s i t a r - n o s s o b r e a m a c a , balouçada pelas o n d a s , talvez mais s e g u r a m e n t e q u e nos macios leitos d e nossos q u a r t o s d o i r a d o s . P o r i s s o , não obstante a vaga q u e vinha q u e b r a r se aos nossos ouvidos , bastaram poucos instantes para a d o r m e c e r m o s profundamente. Pelas quatro horas da m a n h a n , percebi pelo b a l a n ço do navio q u e estava o mar fortemente agitado ; subi á c o b e r t a , para gozar aquelle espectáculo Iam grave em si m e s m o , e para mim tam novo. Brilhavam as estreitas no firmamento, e profundo silencio reinava e n t r e a e q u i p a g e m : os p a s s a g e i ros dormiam ; só o piloto velava ao l e m e , com os olhos filos na bússola ; ao pé da proa estavam a s s e n t a d o s dois p e r s o n a g e n s , q u e pela lingua r e conheci serem h e s p a n h o e s . Era um religioso j e r o n y m o , ancião venerável pelos Seus cabellos b r a n c o s , pelo seu trajo a n t i g o , pela sua bella barba q u e lhe d e s c i a , a o p e i t o , e sobre tudo pela tranqoiliidade e dignidade do seu nobre rosto ; o outro era um militar moço, de cabello p r e t o , olhos v i v o s , modos s a c u d i d o s , c fallar apressado : a m b o s , d e s t e r r a d o s da p á t r i a , iam e s p e r a r d i a s m e lhores a R o m a , asylo de todos os infortúnios. A conversação , tomando successivamente o c a r a c t e r de cada i n t e r l o c u t o r , e r a alternativamente g r a v e e a n i m a d a . « Ë injustamente, dizia o ancião ao seu joven amigo , q u e m u r m u r a e s contra a P r o videncia. Bem sei q u e o seu proceder é para vós um mysterio ; porem deveis s a b e r q u e os suecessos politicos de q u e somos v i c l i m a s , as desordens a p p a r e n t e s q u e vos indignam n a s o b n s do C r c a d o r , não são mais q u e dóceis a g e n t e s ua sua 1 - 67 - infallivcl sabedoria. Tinha cu a vossa e d a d c , q u a n d o parti para o Mexico. A n t e s de me e m barcar , nunca Unha visto o O c e a n o , os n a v i o s , os marinheiros e as s u a s m a n o b r a s senão nos m e u s livros. L e r a n t o u - s e a n c o r a ao cahir da noite. I m m e d i a i a m e n t e , eis lodos os h o m e n s da e q u i p a gem n ' u m p e r p e t u o movimento ; as s u a s o p e r a ç o e n s , Iam v a r i a d a s e e x t r a o r d i n á r i a s ; o próprio navio q u e ia ora para a d i r e i t a ora para a e s q u e r d a , segundo a impulsûo d ' u m a força q u e me era descoohccida ; todo este espectáculo de q u e eu nada c o m p r e h c n d i a , me causou um assombro c um susto v e r d a d e i r a m e n t e n s i v e i s . Muito pcior foi q u a n d o ao a p o n t a r o d i a , fomos acommettidos por uma t o r m e n t a . O n a v i o , batido pelas o n d a s e levantado pelas v a g a s , cambaleava como um homem e m b r i a g a d o , c cahia ora sobre o costado, ora sobre a q u i l h a ; j u l g u e i - m e m o r t o . As m a n o b r a s da e q u i p a g e m , q u e deveram d a r - m e a l g u m a confiança , acabavam de me desesperar ; via todos aquelies homens indo c vindo como m a n í a cos : desciam uns ao p o r ã o , t r e p a v a m outros dos c a b o s , punh&m-se e s c a r r a n c h a d o s nas v e r g a s , l e v a n t a v a m , a b a i x a v a m , viravam as veias cm todos os sentidos ; aquelies fechavam a s e s c o t i l h a s , tapavam as p o r t i n h o l a s ; estes t r a b a l h a v a m á b o m b a , c tudo isto se fazia no meio d'uma continua troca de g r i t o s , p a l a v r a s , s i g o a c s , d e q u e eu nada comprehendia : julguei ver a imagem do cahos ; a m e u s olhos a e q u i p a g e m perdera a cabeça e obrava completamente ao acaso. a T r e m u l o e p e r t u r b a d o , desci m a c h i n a l m e n t e á c a m a r á do piloto ; alli , encontrei um velho de cabeça calva, c physionomia meditativa ; estava s ó , recolhido c pensativo, com a mão en6 - 68 - costada ao l e m e , e os olhos fitos n ' u m a carta marítima : ora o via eu medir com o q u a d r a n t e a altura do s o l , e m a r c a r com precisão os g r a u s do m e r i d i a n o ; ora e x a m i n a r na bússola o desvio polar. E m toda a volta da sua c a m a r á , via cu s u s p e n s o s astrolábios , relógios marítimos e telescópios ; notei q u e elle se s e r v i a de todas estas c o i s a s , cujo uso eu i g n o r a v a , p a r a a direcção do n a v i o ; notei t a m b é m q u e do seu camarim elle enviava todas as o r d e n s á e q u i p a g e m , q u e as r e cebia com respeitoso silencio e corria a e x e c u t a d a s . Comprehendi então q u e todas as o p e r a çoens inintelligiveis para m i m , q u e se e x e c u t a vam nas diversas p a r t e s da e m b a r c a ç ã o , e r a m p r e p a r a d a s , o r d e n a d a s e calculadas com s a b e d o ria para a salvação do n a v i o . Nem por isso eu as comprehendia melhor. T o d a v i a , a alta idêa q u e tinha da scicncia e habilidade do piloto , bastou p a r a me tranquillisar c o m p l e t a m e n t e , até ao cabo da nossa navegação. a Mancebo , c o mundo um oceano , a s o c i e d a d e um navio que Deus c o n d u z ; os h o m e n s , as suas p a i x o e n s , as c r e a t u r a s , os sucrcssos d i versos , são os c a b o s , os m a s t r o s , as v e l a s , a s a n c o r a s , os astrolábios e os marinheiros da P r o v i d e n c i a , Vós nada comprehendeis da acção c o m b i n a d a de todos estes i n s t r u m e n t o s , e t r e m e i s , e c l a m a i s ! Meu a m i g o , fazei como eu ; entrai na c a m a r á do piloto. E m vendo a sabedoria infinita, com a mão sobre o leme , com os olhos fitos no a l v o , e o universo inteiro s u b m e t t i d o ás suas leis, dissipar-sc-hão os vossos s u s t o s , corareis dos v o s sos m u r m ú r i o s , e o vosso coração repoisarà d o c e m e n t e na confiança e na p a z . » O moço militar levantou os olhos ao c é u , in- — 69 — clinou a cabeça c aproximou dos lábios a mão do a n c i ã o , a qual molhou com l a g r i m a s ; d e p o i s calou-sc e e m b r u l h o u - s e n o capote. Esta c o n v e r sação , de q u e eu n ã o p o d é r a colher senão o fim, impressionou-me tam vivamente , q u e fiquei p o r cila p r e o c e u p a d o d u r a n t e o resto da viajem. 1 3 de Novembro* Cozinha italiana. — Vista interior de Génova. — fluencia franceza.— Kspirilo r e l i g i o s o , — Anecduta« In- E r a m onze horas da m a n h d n , e o sol b r i lhava com todo o seu fulgor , q u a n d o s a u d a m o s Génova , a soberba* Vista da banda do m a r , o l ferece esta cidade de m á r m o r e um a s p e c t o m a gnifico. Assentada s o b r e um plano inclinado , a s e g u n d a rainha da e d a d e media, a pátria de C o lombo , banha os seus dois pés no m a r e apoia g r a c i o s a m e n t e a cabeça em montes c o b e r t o s d e aprazível verdura , e coroados de i m p o r t a n t e s f o r lilicaçoens. Antes d c t r a n s p o r o e s p a ç o em q u e se pagam direitos m a r í t i m o s , l a n ç o u - s c a n c o r a ; eis q u e vem i m m e d i a t a m e n t e u m a frota c o m p l e t a de e m b a r c a ç o e n s l i g e i r a s , d e s t i n a d a s a t r a n s p o r t a r os viajantes ao escriptorio da policia. Na p r a i a , ao pè d a q u e l l e a n t r o de Plulo , a n t r o e s t r e i t o , escuro e d e f u m a d o , e s p e r a m - v o s n u v e n s de harpias e a b u t r e s chamados fracchini, que s a l t a m na vossa b a r c a , a p o d e r a m - s e d a s v o s s a s c o i s a s , c vão l a u ç a l - a s aos pés do a r g o s de u n i f o r m e , q u e , é mister dizei o em seu l o u v o r , - 70 - revolve d e s a p i e d a d a m e n t e a vossa b a g a g e m , sem pedir r e t r i b u i ç ã o a l g u m a . Concluída a sua visita, p r e c i p i l a m - s e de novo os mariolas sobre as vossas m a l a s e sobre os vossos alforges , c , mediante dinheiro de' c o n t a d o , a s levam ás estalageus da s u a escolha. À esta t u r b a , ajuntai os c r e a d o s d e casas de p a s t o , os r a p a z e s de e s t a l a g e n s , os C i ceroni , os calcceiros q u e d i s p u t a m uns com os o u t r o s as vossas pessoas c a honra de vos s e r v i r e m , e tudo isto ao mesmo t e m p o , e n'uma ling u a g e m q u e não é a de n e n h u m povo civilisado. É ' d'à g e n t e não s a b e r para onde se < nade v i r a r , e o infeliz viajante d e i x a - s c levar. Precedidos , seguidos , cercados por não sei q u a n t a s destas figuras i n h u m a n a s , chegamos á Estalagem dos estrangeiros. Não l u f a m o s comido havia coisa de v i n t e c q u a l r p h o r a s : o ar do mar faz a p p e t i l e , e nós tínhamos pressa de tomarmos conhecimento com a cozinha genoveza. A nossa primeira sessão g a s tronómica em paiz estrangeiro m e r e c e uma m e n ção , se não honrosa , pelo menos c i r c u n s t a n c i a d a . No centro de un/a g r a n d e sala q u a d r a d a , n u a , c i n z e n t a , guarnecida d'um velho a r m á r i o , elevava-se uma m e z a coberta com um t a p e t e de Ian v e r m e l h a , azul e a m a r e l l a , sobre a qual estava uma toalha b r a n c a o u t r ' o r a , ornada de 1res ovos frescos, ou suppostos t a e s , de dez p ã e s da g r o s s u r a d'uma poliegada , e de q u a t r o pequenos vasos d e vidro q u e nós tomamos por saleiros. A' vista d e s t a estranha c o b e r t a , conhecemos q u e d e c i d i d a m e n t e havíamos passado as raias da Galiia T r a n s a l p i n a :\ a c a b a r a m de nos a n n u n c i a r que e s távamos em paiz estrangeiro a n a t u r e z a dos p r a tos e a sua p r e p a r a ç ã o . Um dos nossos jovens _ 71 - a m i g o s , inimigo j u r a d o do a s s u c a r de c a n n a ou de b e t e r r a b a , toma com a ponta da faca um pouco daquelle pó branco contido nos vasos de v i d r o , d e i t a - o no o v o , crendo l a n ç a r - l h c s a l , e come a v i d a m e n t e . De r e p e n t e u m a careta m o d e lo , acompanhada de um riso h o m é r i c o , t r a h e u m e n g a n o : o sal era a s s u c a r , A experiência s e r v i u - n o s , p o r e m não c o r r i giu o nosso esfomeado. A c a b a v a m de trazer n ' u m g r a n d e prato cinco ou seis l e g u m e s , cuja d u v i dosa physionomia os fez confundir com r á b a n o s . Francisco pegou no m a i o r , no qual e n t e r r o u soffregamente os i n c i s i v o s ; d e s g r a ç a d o ! havia m o r dido n u m peperone , espécie de malagueta ou p i m e n t ã o q u e queima o p a l a d a r . A bôcca a b r i u - s e Ihe ale á s o r e l h a s , e os lábios e a língua, c o m o très molas q u e se d e s a r m a m ao mesmo t e m p o , fizer a m ã maldita planta a despedida , se não a m a i s polida , pelo menos a mais prompta q u e i m a g i n a r - s e pôde. C o n t á v a m o s . p a r a nos i n d e m n i s a r m o s , com uma sopa q u e em bom italiano h a v í a mos p e d i d o , porem cuja n a t u r e z a não i n d i c á r a m o s . Eis pois q u e vem com g r a n d e ceremonia u m a t r a v e s s a , cheia de maccaroni, todos i m p r e g n a d o s de manteiga q u e n t e , e d e d i m e n s ã o t a l , q u e p o d e r í a m o s c o m e l - o s d'um a n d a r para o o u t r o : j u l gue-se qual foi o nosso d e s a l e n t o . Por ultimo s e r viram uma pescada cozida ; p a r a lhe t e m p e r a r a i n s i p i d e z , era acompanhada d ' u m limão endurecido, d o qual não fizera a melhor p r e n s a h y d r a u l i c a s a hir uma só gota de sumo. Tal foi, com pêras calçoens da Suissa , a nossa primeira comida na t e r r a e s t r a n g e i r a . Como todas a s o u t r a s , t e m também a medalha das viajens seu r e v e r s o . A bclleza de Génova fez-nos e s q u e c e r a s u a má cozinha. À via novíssima, calçada ou m e lhor assoalhada de largas lageas d i s p o s t a s em r a b o d ' a g u i a , g u a r n e c i d a de largos passeios e a f o r m o seada por magníficos p a l á c i o s , justifica o q u e se disse de Geuova, q u e parece haver sido edificada por um congresso de reis. No frontispício de différ e n t e s egrejas vedes suspensos m u i t o s a n n e i s d a s c o r r e n t e s que fechavam a porta d e Pisa, e q u e os Genovezes conseguiram q u e b r a r d u r a n t e a n o i t e . E s t ã o alli como t r o p h e u s d a q u e l l a gloriosa V i c t o r i a , e como uma h o m e n a g e m prestada pelos v e n cedores ao Deus das b a t a l h a s . O m a r i n h e i r o - s e r ralheiro que descobriu o s e g r e d o d e d e s p e d a ç a r o obstáculo esta em g r a n d e estima na sua p á t r i a . Doura ao povo fiel ao reconhecimento I A record a ç ã o , os louvores e as recompensas n a c i o n a e s , estimulam as bellas a c ç o e n s , e e n t r e as n s ç o e n s christans a religião i m u i o r t a l i z a - a s consagrando-as. Segundo o costume a um tempo tocante e s u b l i m e , todos os a n n o s , ha tantos s é c u l o s , reune-se a população genoveza no tumulo do humilde m a r i n h e i r o , e d i z - s e uma missa pelo repouso da sua alma. P e r c o r r e n d o os diversos bairros da c i d a d e , no meio de uma numerosa turba de passeadores e l e g a n t e s , e de trens s o b e r b o s , d u a s coisas i m p r e s sionam os e s t r a n g e i r o s : a influencia do e s p i r i t o francez, e a presença d o espirito religioso. As n o s s a s modas reinam s o b e r a n a s sobre a s classes e l e v a d a s da sociedade cisalpina. Não fiquei m e d i o c r e m e n t e a d m i r a d o d e e n c o n t r a r os nossos janotas , de pera , cabello comprido , calç a s de puchadeiras , c i g a r r o na bôcca , vestidos s e g u n d o o talho e as cores do ultimo gosto p a r i s i e n s e . Ouvia faltar francez m e d i a n a m e n t e : lia a — 73 — nossa língua n a s t a b o l e t a s das l o j a s ; isto e n c h i a m e d'orgulho e dizia comigo muito baixinho : Ài / p o r q u e se deve temer q u e os nossos caros v i s i nhos nos imitem em t u d o ? P o r q u e se d e v e r e c e a r p a r a elles a invasão do espirito f r a n c e z ? I m i t a i a s nossas m o d a s , estudai a nossa l í n g u a , n a d a m e l h o r ; guardai-vos porem d e acceitar a s nossas d o u t r i n a s senão a benefício d e i n v e n t a r i o ; aliás cilas d e r r a m a r i a m o v e n e n o n a s vossas e n t r a n h a s . A vossa sociedade , em s u m m a , tam feliz e pacifica , b r e v e seria v i c t i m a d e horríveis c o n v u l socns ; e q u e m sabe s e a não a r r u i n a r i a u m a c r i se ? Q u a n t a s v e z e s esta p r i m e i r a o b s e r v a ç ã o , estes v o t o s , estes t e m o r e s , se r e n o v a r a m no d e c u r s o da m i n h a viajem / A presença d o e s p i r i t o religioso no seio desta activa população r e v e l a v a - s e d e muitas m a n e i r a s . Todos aquelles m o ç o s e l e g a n t e s d e q u e fatiei, p a s s e a v a m e c o n v e r s a v a m familiarmente com ecclesiasticos , a q u e m davam o b r a ç o . Esta feliz f u são do clero e do povo, c a u s o u - m e u m a m u i d o c e c o m m o ç ã o . Apparecia-me a sociedade no seu e s tado n o r m a l , ao passo q u e a t é e n t ã o não a t i n b a visto senão n ' u m estado violento e valetudinário', o s a c e r d o t e d ' u m l a d o , o leigo d o o u t r o ; e n t r e elles um a b y s m o . Não só se não t e m e o c o n t a c t o do s a c e r d o t e ; m a s cada familia se h o n r a de contar e n t r e os seus membros um ministro dos altares. D e s t ' a r t e , a religião occupa na estima g e r a l o elevado g r a u q u e lhe c o m p e t e , e são os seus interesses os d e t o d o s ; e para todos são s a g r a d o s . Urna c i r c u m s tancia p a r t i c u l a r t e s t i f i c o u , d u r a n t e a nossa d e mora , esta preciosa disposição, O rei da S a r d e n h a , q u e se m o s t r a cheio d e benevolência p a r a - 74 — com os G c u o v e z e s , acabava de o r d e n a r g r a n d e s trabalhos de afortnoscamenlo no caes : deve um soberbo pórtico eslender-se pelas praias do m a r , e servir de passeio e d ' a r m a z e n s : o r a , o plano traçado pelos architectos supprimia diversas madonas em que tinham os G e n o v e z c s desde tempo immémorial g r a n d e confiança. Este projecto ha* via posto em agitação toda a c i d a d e ; linham-se reunido os principaes h a b i t a n t e s , e o negocio havia sido submettido ao próprio rei, que então se achava cm Génova. Contra o voto dos a r c h i t e c tos , ordenou este principe q u e fossem r e s p e i t a das as madonas : « J a m a i s permillirei , ajuntou , que se sacrifique uma idôa religiosa a uma linha recta » Conheceis a l g u m a coisa mais real q u e estas p a l a v r a s ? — 1-1 de N o v e m b r o . S. Lourenço. — O Sacro Calino. — O Disco. — Villa Negroni. — Palacio ducal e Sarra. —Costumes italianos. — A refega de vem o dos mortos. Era d o m i n g o : d i r i g i m o ' - n o s pela manhan cedo á c a l h e d r a l , onde eu desejava celebrar os santos m y s t e r i o s . O frontispício e o c o r o , de e s m e r a - * do t r a b a l h o , são de m á r m o r e branco e preto ; por cima da porta principal está um baixo relevo q u e r e p r e s e n t a o martyrio do S . Lourenço. E' u m a eloquente prédica, para o sacerdote q u e vem o N ferecer o augusto sacrifício, e para o fiel q u e vem assistir a e l l e ; dezeseis columas de ordem c o m - — 73 - posita , de m á r m o r e branco e preto de P a r o s , o r nam a g r a n d e n a v e . Sào os olhos d e s l u m b r a d o s pelas riquezas de todo o g é n e r o q u e decoram a s différentes parles deste magestoso edificio ; p o r e m veio um espectáculo mais agradável c h a m a r - m e a a t t c n ç á o : uma numerosa turba d e homens e m u lheres de todas as classes orava ajoelhada e recolhida na nave e nas c a p c l l a s , rodeava a meza saneia ou se apertava j u n t o dos Iribunaes s a g r a dos. Entrando na s a c h n s l i a , apresentei a minha pagella (1), e foi-me g r a c i o s a m e n t e concedida a permissão de dizer m i s s a . No thesoiro de ' S. Lourenço c o n s e r v a m - s e dois dos mais preciosos m o n u m e n t o s q u e se c o nhecem ; é o p r i m e i r o o vaso de esmeralda c o nhecido em toda a c h r i s l a n d a d e debaixo do n o m e d e sacro catino, achado na tomada de Cesárea na Palestina. P r e t e n d e u m a venerável tradição q u e este vaso serviu a Nosso S e n h o r p a r a c o m e r o cordeiro pascal cora seus discípulos. O t a m a n h o d e s t e vaso é de q u a r e n t a c e n t í m e t r o s , e o seu âmbito tem pouco mais d'uni metro ; é de forma hexagona e o r n a d o de d u a s azas, uma d a s q u a e s esta polida e a outra esboçada. E' o s e g u n d o um prato de á g a t a , com a r e p r e s e n t a ç ã o da cabeça de S< João Baptista. F a z - s e sentir uma viva c o m m o ç ã o , q u a n d o ao c o n t e m p l a i - o se pensa q u e é o mesmo prato em q u e foi levada á impudica H c rodiades a cabeça do sancto P r e c u r s o r . à fim d e alimentar na m u l h e r os dois sentimentos de h u m i l d a d e e r e c o n h e c i m e n t o , não se esquece o c h r i s t i a n i s m o , q u e tem feito tudo por ella , de (1) E' o nome dado em Itália às Letras episçopaes q u e a u c t o r i s a m o padre a dizer missa. — 76 - lhe recordar de vez em q u a n d o a s suas i n i q u i d a d e s ; assim é que em castigo do c r i m e de I l c r o d i a d e s , é a capetla de S . João Baptista , cm S. Lourenço de Génova , defendida a todas a s pessoas do sexo feminino. Antes de voltarmos á estalagem , visitamos a Villa negroni, d u a s vezes interessante pela s u a posição que permitte gozar o p a n o r a m a de G é n o va , e pela sua collecção d ' a n l i g u i d a d e s , cujas h o n r a s faz aos estrangeiros o proprietário em p e s soa. Todavia esta v i l l a , r o g o - v o s não o e s q u e ç a e s , só offerece um interesse mui s e c u n d á r i o . O palácio d u c a l , antiga residência dos d o g e s , com as suas g r a v e s r e c o r d a ç o e n s , com a s u a f a chada ornada de cornijas e b a l a u s t r a d a s de m á r more . com a s s u a s g r a n d e s a b o b a d a s e com o seu telhado sem vigamento nem ferragem ; o p a lácio Sarra, na v i a nuova, com o seu s a l ã o , um dos mais belíos que ha na Itália por a e l e g â n cia das p r o p o r ç o e n s , a riqueza dos seus o r n a t o s , o seu p a v i m e n t o de mosaico e as suas portas c h a peadas de l a p i s - l a z z u l i , nos tornaram a c h a m a r ã o meio d o m n o d o e nelle nos d e t i v e r a m até ao meio dia. Pela uma hora admirávamos , na egreja d e Santo Ambrósio, a Ctrcumcisão de Nosso Senhor, d e R u b e n s , e a Assumpção da Santa Virgem, do G u i d o ; por ultimo Sancto Ignacio l i b e r t a n d o u m possesso e r e s u s r i t a n d o creanças : b e l l a e forte composição de R u b e n s . Seria extenso e talvez e n f a d o n h o , passar revista a lodos os q u a d r o s no* taveis q u e decoram as différentes egrejas de G é nova. A' vista das multiplicadas obras do génio m o d e r n o , comprehende o viajante que e n t r o u no paiz das a r t e s e começa o observador os e s t u t - 77 — dos q u e devem formar o seu juízo a c e r r a d o e s pirito e dos elTeitos da renascença*, pode l a m b e m coJligir diversos pormenores acerca dos c o s t u m e s , d i v e r s a m e n t e apreciados das populaçoens itali-anas. Neste intuito dirigimo'-nos á beila egreja d a Ànnunziata, onde reside um religioso francez. O padre G , bomem d ' e d a d e m a d u r a , dotado de notável talento d ' o b s e r v a ç a o , estabelecido em Génova havia doze a n n o s e occupadissimo no m i nistério das a l m a s , e s l a v a n a s mais favoráveis condíçoens para nos i n s t r u i r . O r a , das suas c o n versaçoens íntimas resulta p a r a uós q u e , debaixo do ponto de vista morai , é a Itália, c o n s i d e r a d a nas mussas, salvas algumas diferenças, a edade media no decimo-nono século. Alli , e n c o n t r a m se ainda em todo o seu v i g o r , os dois princípios q u e desde a q u e d a original se combatem ao seio da h u m a n i d a d e . A vicloria p e r t e n c e ora a u m , ora a o u t r o ; porem no meio das r u m a s da v i r t u d e , fica a fé o r d i n a r i a m e n l e em p é . O r a , esta fé s a l u t a r c u r a cedo ou t a r d e as feridas do c o r a ç ã o , e torna a pôr as a n u a s uas mãos do vencido , q u a s i sempre victorioso no ultimo c o m b a t e . Em q u a n t o ás classes elevadas , solTrem ellas roais ou menos a influencia q u e alem dos montes se chama a s idêas francezas. Provas de todo o g é n e r o se a c c u m u l a m em apoio desta dupla o b s e r v a ç ã o ; e devo dizer q u e se e n c o n t r a m nos différentes pontos da I t á l i a , desde Génova até N á p o l e s . t Q u a r e n t a e oito h o r a s a p e n a s haviam decorrido d e s d e a nossa partida de f r a n ç a , e p a r o c i a - n o s , e s c u t a n d o os p o r m e n o r e s fornecidos pelo 'excellente r e l i g i o s o , ter r e t r o g r a d a d o cinco s é c u los e a c h a r - n o s no tempo dos Paulos de Laraza - 78 — e dos Guilhermes d ' À q u i t a o i a . P a s s e á v a m o s com elle na vasta sachristia q u e separa do c o n v e n t o a e g r e j a : « O b s e r v a i , nos d i z i a , esta porta furtada que dá para a ruasinha ; todos os dias está a b e r t a até ás dez horas da noite. Q u a n d o é noite f e chada , os numerosos confessionários q u e aqui v e d e s , estão oceupados pelos nossos P a d r e s : os h o m e n s vem aqui ter comnosco. Acreditaríeis q u e nos chegam ás vezes facinorosos, p e r s e g u i d o s pelo r e m o r s o , e cuja cabeça está a preço ? D u r a n t e a s t r e v a s , descem das m o n t a n h a s , "e vcem p r o c u r a r aqui a l g u m a s coosoiaçoens 1 Só Deus s a b e todas as desordens q u e nós impedimos e q u e f a zemos r e p a r a r . Como a nossa casa , estão os conventos dos Capuchinhos abertos todas as n o i tes ; e os bons padres vos dirão , assim como e u , que então se verificam no sancto t r i b u n a l íncITaveis myslenos de a r r e p e n d i m e n t o e misericórdia.» Eis j u s t a m e n t e o homem com s u a s duas t e n d ê n cias : d'uma parte as viciosas propensoens q u e lhe veem do primeiro ' A d ã o ; e da outra a força d c resistência depositada na sua alma pela graça do segundo Adão. O r a , em quanto ha luetã , a acção do chnstianistno faz-se s e n t i r , vive a fè e 3 esperança s u b s i s t e . Porem os italianos c o m rneUem o m a l , dizeis v ó s ! — A h ! sob que clima são impeccaveis os filhos d ' E v a ? P c c c a v a - s c na e d a d e m e d i a , p e c c a v a - s c até nos primeiros s é c u los da Egreja , mas em geral não se podia viver com o remorso. Tal é a i n d a , salvas as e x c e p çoens, o povo da P e n í n s u l a . — A r r e p c n d e - s e , c o n fessa-se , a j u n t a i s , depois torna a c a h i r i — N o s paizes em q u e não se a r r e p e n d e m , onde se não confessam , estão os h o m e n s couíirmados na g r a ça ? vivem como a n j o s ? morrem como s a h e t o s ? - 79 - Mais t a r d e , e s t u d a r e m o s certas estatísticas e s a b e r e m o s a que a l e r - n o s . No (im da nossa conversação fez-se o u v i r ura g r a n d e barulho n'uma escada visinha. « Ë i s , diz o P a d r e » os nossos mancebos que chegam : são horas do sermão dominical. » E com effeito, a flor da j u v e n t u d e , formada em associação p i a , r e u n e - s e todos os domingos para o c e u p a r - s e em saneias praclicas., exercilar-se na c h a r i d a d e e c o l focar sob as d u a s egidas da o r a ç ã o e da palavra divina a mais delicada d a s v i r l u d e s . Depois de nos l e r m o s despedido do nosso amável c o m p a t r i o t a , q u e devia p r e s i d i r em pessoa á i n t e r e s s a n t e a s semblea , voltamos á estalagem ; eram q u a t r o horas. A reunião dos jovens Gcnovezcs r e c o r d a v a nos outra mui chara ao nosso coração e q u e se c e l e b r a v a , em França , no mesmo momento. O p e n s a m e n t o de q u e nella se orava pelos viajantes veio-nos como um doce perfume. E quem sabe? á piedosa recordação daquellas • almas f e r v o r o s a s , devíamos nós talvez o a c h a r m o ' - n o s ao abrigo da horrível tempestade q u e agitava á nossa vista o golfo de Génova. Do balcão da e s t a l a g e m , a b r a çávamos com a vista a ampla extensão d a s o n d a s . Estava o tempo f r i o , o vento violento e c o b e r t o o horisonle de e s c u r a s n u v e n s . S u c c c d i a m - s e os r e l â m p a g o s com r a p i d e z , e o rolar do t r o v ã o , repelido pelos eccos das m o n t a n h a s , se prolongava em rebombos m a g c s l o s o s , q u e iam e x p i r a r no profundo valle da P p l c e v e r a . Bramia o mar ao l o n g e , e a v a g a , q u e vinha q u e b r a r - s e com violência d'enconlro aos rochedos , saltava, escumand o , a mais de vinte e cinco pès acima do molhe. Os navios agitados inclinavam os mastros em todos - so - os sentidos ; todos os marinheiros estavam a bordo, ferrando as v e t a s , lançando novas a n c o r a s , e f e chando as e s c o t i l h a s ; uma turba inquieta se a p e r tava no caes : A refega de vento dos mortos p a s sava. Durou a tormenta mais de duas h o r a s ; porem graças á actividade das t r i p u U ç o e n s , não houve sinistro algum que d e p l o r a r . Felizes por h a v e r m o s desembarcado em G é n o v a , t í n h a m o s podido gozar sem perigo o espectáculo formidável da tempestade ; ao passo q u e os passageiros q u e , na v e s p o r a , haviam c o n t i n u a d o a viajem no Lombardo , foram retidos no mar por espaço d e jseis d i a s , expostos a p e r e c e r e m . 1 5 de Novembro. Hospital gorai. — Quarto de Santa Calhcrina de Ge* nova. — Egreja de Sanla Mana di Garignano,— Partida de Génova. — Kovi. Assim como em totjas as grandes cidhdes e n c o n t r a m - s e em Génova muitos pobres. A m i séria destes c o n t r a s t a penosamente com a extrema opulência dos ricos. As fortunas de cem mil francos de r e n d a não são raras na pátria dos Do* rias. Vem esta r i q u e z a , em geral , do a n t i g o commercio da republica , e ainda do commercio moderno : os Gcnovezcs e n c o n t r a m - s e a i n d a com s e u s navios em todas a s escalas do L e v a n t o . Mas em G é n o v a , bem como nas cidades catholicas esforça-se a c h a r i d a d e por encher a distancia q u e separa os dois e x t r e m o s , de modo que a a b u n dância d ' u o s s u p p r e a indigência dos o u t r o s . t f - 81 - À's dez h o r a s , e n t r a v a m o s nós no hospital g e r a l , magnifico edifício que pôde j u s t a m e n t e chamar-se o palácio real da Charidzde. Não sei se pôde v e r - s e alguma coisa mais respeitável ; a g r a n d e e s c a d a r i a , as b a l a u s t r a d a s , o p a v i m e n t o das salas i m m e n s a s , t u d o é d e m á r m o r e branco de G a r r a r a , de um g r ã o fino e de uma p u r e z a sobremaneira n o t á v e l . Alli são t r a c t a d o s , s u s t e n t a d o s , velados de n o i t e e d e dia por anjos idos d e F r a n ç a , muitos m i l h a r e s de d o e n t e s , desde o berço até á s e p u l t u r a . No meio da sala principal está um q u a r t o e n v i d r a ç a d o , habitação do bom Padre. Digno filho d e S. F r a n c i s c o , velho de barba branca , está elle a l l i , de noite e d e d i a , como a sentioella no seu p o s t o , l e n d o , e s c r e vendo , r e z a n d o , p r o m p t o s e m p r e a receber e c o n solar aquelies q u e entram e sahem deste reino das dores. O hospital educa , ã sua c u s t a , mil r a p a r i g a s expostas. Ate á e d a d e de doze a n n o s , são postas na aldeã : acabado este t e r m o , se a s a m a s não ficam com c i l a s , e n t r a m no albergo dos pobres onde passam a l g u m t e m p o , e depois v o l tam ao hospital geral q u e se encarrega delias pelo resto de sua vida. Única capaz de c o n c e b e r o bem em tam vasta e s c a l a , acha a c h a r i d a d e em seus inesgotáveis r e c u r s o s o meio d e o e x e c u t a r . E' o hospital g e r a l s u s t e n t a d o pelos legados dos n o b r e s G e n o v e z e s ; cada bemfeitor è alli r e p r e sentado d ' u m a m a n e i r a différente conforme a g r a n deza das s u a s d a d i v a s . Menos de cem mil f r a n cos duo direito a uma i n s c n p ç ã o ; para ter uma estatua em p é , é mister haver dado pelo menos cem mil f r a n c o s ; p a r a estar a s s e n t a d o , mais d e cem mil. Esta comprida fileira d e e s t a t u a s de m á r m o r e - 82 - branco, collocadas em nichos feitos por sobre a s camas dos doentes , não produz somente um a g r a d á v e l golpe de visla ; mas desperta ainda na alma um sentimento delicioso. Collocava o paganismo as e s t a t u a s dos seus grandes homens nas t h e r m a s e nos a m p h i l h c a t r o s , para presidirem ao p r a z e r c á c r u e l d a d e ; o c h n s t i a n i s m o colloca as i m a g e n s dos s e u s no asylo da pobreza e da dor. Por vent u r a não è uma idêa e n c a n t a d o r a o a p r o x i m a r d e s t ' a r l e a riqueza q u e protege e dá , da pobreza q u e recebe e bcmdiz ! Como ella traduz bem a s palavras tam e m i n e n t e m e n t e sociacs do divino l e g i s l a d o r : Vós sois todos irmãos: reconhecesseha que sois meus filhos se tos amardes uns aos outros ï Não fatio do asseio q u e reina neste bello e s t a b e l e c i m e n t o , q u e e. e s q u i s i t o ; mas não a d m i r a , q u a n d o se viram os nossos hospitaes de F r a n ç a . É r a m o s conduzidos pela s u p e r i o r a , digna filha de S . Vicente de P a u l o , q u e nos mostrou s u c c e s s i v ã m e n t e a botica , a rouparia , a s s a í a s , com a mesma graça e felicidade com que a d a m a do mundo faz as h o n r a s do seu salão. « Agora vou mostrar-vos , nos disse e l l a , o nosso l h e s o i r o ; c o quarto e o corpo de Santa C a t h e r t n a d e Génova. » ' S e g u i o d o - a entramos com respeito n ' u m a estreita c e l l a , calçada de tijolos, a l u m i a d a por uma jancllinha , e cujas paredes d e n e g r i d a s estão cobertas de p i n t u r a s de f r e s c o , r e p r e s e n t a n d o as diversas s r e n a s da Paixão, Com olhos ávidos contempla o viajante c h n s t ã o todas a s p a r tes deste pobre r e t i r o , e não pôde o homem do m u n d o deixar de e x c l a m a r ; « Q u e ! pois é alli q u e viveu por espaço de trinta annos u m a nobre d o n z e l l a , nascida nos d e g r a u s do t b r o n o , e que - 83 ~ ontava na sua linhagem todas as glorias h u m a j a s : vigários perpétuos do império na Itália, g e ocracs c e l e b r e s , diversos cardeaes e dois p a p a s , lonocencio IV e Adrino V I Ë' alli q u e , ao pé d'um crucifixo, ella descançava á noite das fadig a s do dia , c nutria aquclle activo zelo cujos milagres foram tam n u m e r o s o s d u r a n t e a terrível peste de 1 4 9 7 ! E' alli , finalmente, que m o r r e u , i n u n d a d a de castas d e l i c i a s , a heroina da charid a d e ! » Deve a g e n t e a d m i r a r - s c de q u e um s a o c t u a r i o , cheio de similhantes recordaçoens, seja nm the&oiro para as Filhas de S. Vicente de P a u l o ? Do quarto da s a n t a , passamos á e g r e j a . O seu c o r p o , p r e s e r v a d o da c o r r u p ç ã o do t u m u l o , repoisa o'utn magnifico relicário , collocado n o a l lar mor. Não foram os exemplos dc Santa C a t h e n n a perdidos para a sua p á t r i a . Alem do hospital , p o s s u e Génova um asylo j u s t a m e n t e afamado pela sua magnificência, sob o n o m e ù'Âlbmjode Poi > m . E s t e e s t a b e l e c i m e n t o , cuja fundação r e m o n t a a 1 5 3 9 , é uma oflicina de trabalho livre, q u e r e ú n e cerca d e 2 , 0 6 0 indigentes validos:SOO h o m e n s e 1,500 m u l h e r e s . Os pobres q u e c a r e cem d ' o b r a tem s e m p r e a certeza d e a a c h a r e m n o Albergo. E m p r e g a m - o s e m tecer I a n , algodão, fio de c â n h a m o , e em fabricar t a p e t e s , meias, fit a s de s e d a , e t c . A casa fornece os objectos n e cessários para o sen p r ó p r i o c o n s u m o , e para o dos h o s p i t a e s e hospícios, p a r t e dos objectos fabric a d o s ; tem a b e r t o um a i m a z e m para v e n d e r os seus produclos. A organisação, o asseio, a o r d e m , o espirito d e s t e precioso estabelecimento offerecem a s s u m p t o a uleis estudos c um bello modelo q u e imitar. As rendas montam a 300,000 7 l i b r a s , roais de metade das q u a e s provem de l e gados pios (1). Do Albergo subimos á cúpula de S a n t a M a ria di Garignano , p a r a g o z a r m o s o panorama de G é n o v a . Aos raios do sol, q u e brilhava com todo o seu fulgor, sob um céu sem n u v e n s , ostentava' a s o b e r b a cidade ante nós os seus e n c a n t o s e a sua magnificência. Os s e u s g r a n d e s edifícios c o s s e u s palácios de mármore resplandeciam como um rio de diamantes na cabeça de uma m u l h e r ; s e g u n d o o lestimunho de todo o m u n d o , é este um dos mais belfos golpes de vista que d e s e j a r - s e pode. Os painéis e as e s t a t u a s q u e o r n a m a e g r e j a , chamaram depois a nossa attençào. Nos quatro pilares que sustentam a cúpula, estão q u a tro e s t a t u a s de m á r m o r e b r a n c o , de u n s doze pés d ' a l l u r a . As de S . Sebastião e do bemavent u r a d o Alexandre Pauli, são do celebre 1'uget: a primeira passa por uma o b r a - p r i m a . O museu de Génova oflereceu-nos u m a proa de galera romana , diz*sc q u e a única qne existe. Como havíamos resolvido visitar r a p i d a m e n t e o centro da I t á l i a , antes de c h e g a r m o s a -Roma , t o m a m o s , pela t a r d e , o c a m i n h o d ' M e x a n d r i a . E n l r a n h a - s e elle no fértil valle da Polcevera, deix a n d o á e s q u e r d a , da banda do m a r , a villa de S a n - R e r a o , habitada pela família Brcsca , da qual fatiarei mais adiante'. Q u a t r o horas são suíDcientes para se chegar a N o v i , pequena cidade c e l e bre no commercio pelas suas sedas b r a n c a s , e n o s nossos fastos militares pela batalha onde pereceu, (1) Veja-se M. d e Gerando , Penef,, t. I I I , p a g . 510 — G39. Traclado da no anno VII da Republica, o moço e valente g e neral Joubcrt. 1 6 ile Novembro. Alexandria. — Uma lrman parda. — Recordação. — Campo de batalha de Marengo. — Voghera.— O Kizotto alia Milanese. — Encontro d'uni Padre Capuchinho. Reinava o mais profundo silencio em Alexandria quando lá chegamos ; eram 1res horas da ma* nhan. Nada se parece mais com um vasto c e mitério do q u e uma cidade adormecida. Havia algum tanto de solemne na quelle socego absoluto, q u e era apenas perturbado pelos passos da sentinella q u e veiava na m u r a l h a , ou pelo ruido da porta rodando pesadamente sobre os gonzos para d e i x a r - n o s passar. E s p e r a n d o o dia e a c a r r u a gem de Turin que devia c o n d u z i r - n o s a Placença, p e r n o i t a m o s , segundo o c o s t u m e , no e s c r i p t o n o das diligencias. No meio do aposento eslava um f o g ã o , q u e os q u e primeiro se apearam se après* saram a tomar debaixo da sua mui immediata protecção. Mais tímida , uma r e l i g i o s a , vinda de Génova comnosco, mas n'um compartimento diflfarente , oceupava um canto da salla. O seu trajo, q u e me não era d e s c o n h e c i d o , excitava-me v i v a mente a curiosidade ; aproximei-me e a r r i s q u e i - m e a d i z e r - l h e em italiano ; — « Senhora , se e s t i véssemos em F r a n ç a , diria : Eis uma Irrnan parda.— E não vos enganaríeis-, r e s p o u d e - m e ella em mni bom francez. Como vos encontrais n'um paiz q u e não ò o vosso ? Ella me disse s o r r i a - - 36 - d o - s e : — Às I r m ã s da eharidade são de lodos os paizes. — T o d a v i a , como vos achais a q u i ? — Cela vontade de D e u s . • De subito r e c o r d e i - m e da h i s t o r i a d o estabelecimento Bisontino das l r m a n s p a r d a s . Pronunciei o nome da m a d r e T h . . . , e ficamos muito conhecidos. Como Franccz e do F r a n c o - C o n d a d o , s u b e , com o mais vivo i n t e r e s s e , q u e o ramo separado da arvore tam vivaz da ordem de S. V i c e n t e , havia lançado novos raminhos ; que as l r m a n s p a r d a s estavam espalhadas na Sabóia, no P i e m o n t e , no Montferrat, no ducado de Modena , em N á p o l e s , na C a l á b r i a ; que cilas estavam e n c a r regadas do hospital marítimo de Génova. Esta boa religiosa ia para V e r c c i l , a fim de alli d e s empenhar uma das numerosas funcçoeus do seu Instituto. O cuidado dos doentes e a educação dos filhos do povo formam , em F r a n c a , as duas tarefas das l r m a n s de S. V i c e n t e ; na I t á l i a , j u n tam-lhes a limpeza das salas d'asylo e a i n s l r u c çâo das meninas. Este ultimo ministério é-lhes c o m m u m com a s Claras e Ursulinas. Destas t r è s o r d e n s r e u n i d a s , recebe a classe abastada uma e d u c a ç ã o simples, mas solida. N'uro paiz em q u e todos são a r t i s t a s , sabem todavia e n c e r r a r - s e em j u s t o s limites, e antepor o principal ao a c c e s s o r i o . A loucura da musica e das artes de divertim e n t o ainda não passou os A l p e s ; Deus q u e i r a q u e n u n c a os transponha ! a não ser para nos deixar. Ilavia-se a conversação prolongado mais d e íima h o r a , quando ao som d'uma s i n e t a , q u e tocava a Ave Marias, levaotou-se a i r m a n e s a h i u . T u d o dormia ainda ; porem já os anjos da charid.rde e da oração haviam começado o seu sancto e util dia* - 87 — Eu sahi pela minha vez e visitei p a r t e da cidade. A' excepção do Palacio Real, das e g r e j a s de Sauto Alexandre", de S . Lourenço e da c a m a r á m u n i c i p a l , nada oiïerece notável a antiga A / e xandria stelliatorum. Sem e m b a r g o , ao p e r c o r rer aquellas r u a s , aquelia praça d ' a r m a s , aonde c h e g a v a , ao toque de c a i x a , p a r t e da guarnição, uma bem cara recordação me fazia tomar i n t e resse pelas coisas mais c o m m u n s , c Em 1811 , dizia eu comigo , eslava aqui , nesta cidade e n t ã o f r a n c e z a , um i r m ã o muito a m a d o ; elle viu estes mesmos p a l á c i o s , p e r c o r r e u estas mesmas r u a s , protegeu estas mesmas m u r a l h a s . Onde está e l l e ? onde estão esses numerosos companheiros d ' a r m a s , velhas glorias de um império q u e j á não e x i s t e ? Vejo muitas bandeiras e u n i f o r m e s ; oiço o som do t a m b o r , porem nada de tudo isto é francez.» A looga successão dos a c o n t e c i m e n t o s , d e s e n r o laado-se com r a p i d e z , abria vasto campo á s refle* xoens ; porem foi mister t e r m i n a r n a q u e l l e p o n t o ; era dado o signal da p a r t i d a . Pelas oito horas da m a n h a n , deixamos A l e x a n d r i a . Passeando a vista pela extensa planície q u e rodea a c i d a d e , comprehende-se q u e os s o beranos alliados m a n d a s s e m a r r a s a r os i m m e n s o s trabalhos executados pelos F r a n c e z e s . Aquelia for* midavcl cerca de fossos e m u r a l h a s fazia d ' A I e xandria o baluarte da F r a n ç a pelo lado da I t á l i a , e uma das praças mais fortes da E u r o p a . P a s s a d o o T a n a r o , a c h a m o ' - n o s , em alguns i n s t a n t e s , nas margens escarpadas do Dormida , cujo n o m e a p p a r e c e muitas vezes nos nossos fastos militares. T r a n s p o n d o esta espécie d e t o r r e n t e de largo a l veo e bordas e s c a r p a d a s , u m a g r a n d e recordação nos p r e o c e u p a v a . De r e p e n t e faz o conductor - ss - parar os c a v a l l o s , e nos b r a d a : « Eis o campo de batalha do M a r e n g o ! J> A estas p a l a v r a s , pozeaio'-nos era p é ; pulsava-nos com força o coraç ã o ; e abarcávamos com a vista o lheatro do memorando combate que veio m u d a r a face da E u r o p a , illustrar o consulado e p r e p a r a r o império. Não pôde a gente d e i x a r , ainda que não seja da profissão , de admirar o génio do grande c a p i t ã o q u e ganhou a vicloria. Era impossível c a l c u l a r com mais precisão e pôr mais completamente da sua parto as alternativas favoráveis do t e m po e do logar. Q u e exercito de p e n s a m e n t o s , de r c c o r d a ç o e n s , de r e f l e x o c n s , de l i ç o e n s , se alça ante vós q u a n d o atravessais este c a m p o de batalha 1 Eu passei-lhe r a p i d a m e n t e revista ; e depois , com o coração commovido , r e c i t e i , por lodo aquello povo de m o r t o s , um fervoroso De profundis ; é esta a ílor q u e o christuo d e p o sita ao passar no tumulo de s e u s irmãos. Entretanto podemos ver a elevação coberta de v i n h a s , onde succumbiu o bravo Desaix no seu t r i u m p h o ; depois a p l a n u r a d'onde Kalfermann a r r e m e s s o u a gallopc a sua numerosa cavalleria contra a s columnas a u s t r í a c a s , que conseguiu a b a l a r e d e s b a r a t a r . Dois rasgos q u e pintam bem o c a r a c t e r francez , me vieram então á memoria. O general B c s s i c r e s , á t e s t a d o s g r a n a d e i r o s e dos caçadores da g u a r d a consular, avançava sobre o i n i m i g o ; os ferros dos Francezes e dos Austríacos iam c r u z a r - s e , q u a n d o um cavallciro h ú n g a r o , que acabava de ser deitado por terra , estendeu as mãos para os nossos bravos, supplicando-lhes não o calcassem debaixo das p a t a s dos s e u s c a vallos. Bessiéres v ê - o : Meus amigos, brada elle, abri as vossas fileiras , poupemos este desgraçado. 1 - 89 — Na maior força do c o m b a t e , foi levada ao t e n e n t e d'arlilhcna Conrad u m a p e r n a por uma bala de c a n h ã o ; logo q u e c a h i u , l e v a n t a - s e para o b s e r var o tiro da s u a b a t e r i a . Os artilheiros q u e r e m lcval-o ; elle oppõe-se a isso : Servi a vossa ba~ teria, lhes diz elle , e tende o cuidado de fazer a pontaria um pouco mais baixa. A planície de Marengo , e d e toda a L o m bardia não é bella , como se ""disse, senão p a r a batalhas. Não tem b o s q u e s , n e m v e r g é i s , nem sebes vivas , e tem p o u c a s vinhas ; p o r e m , d e t o dos os l a d o s , campos a p e r d e r d e v i s t a , q u e s e prolongam até S t r a d e l l a , villota á e n t r a d a do d u cado de P a r m a . A n t e s d e alli c h e g a r , p a s s a - s e por V o g h e r a , u l t i m a cidade do reino da S a r d e n h a . O estado m a i o r do exercito francez havia alli jantado na vespora da batalha de M a r e n g o , P o s t o não tivéssemos q u e dar b a t a l h a , quizemos imitar este nobre e x e m p l o . A' vista de Napoleão e dos seus g e n e r a e s , cujos r e t r a t o s ornavam u m a vasta sala de c o m e r , p o z e m o ' - n o s á meza em companhia d'alguns L o m b a r d o s vindos dos A p p e n i nos. Começamos por t o m a r conhecimento com u m a iguaria do p a i z , q u e , creio firmemente, não pôde deixar de ser o r e s u l t a d o de um congresso e c u m é n i c o de a l c h i m i s t a s , boticários e e n v e n e n a d o r e s . Arroz c o z i d o , q u e i j o , a l e t r i a , trufas piemontezas cortadas em talhadas d e l g a d a s como f o lhas d e tabaco , a r o m á t i c a s como cravo da índia, a z e i t e , sal e açafrão cm a b u n d â n c i a ; tal é a i n fernal composição q u e nos serviram em guisa de s o p a . Vou d i z e r - v o s o seu n o m e , para q u e , se a l g u m dia , passando por V o g h e r a , vos o u v i r d e s a m e a ç a r com esta m e d i c i n a , não percais um m i n u t o sem m a n d a r d e s pôr os vossos cavallos á c a r - - 90 - ruagem e p a r t i r d e s a gallope. Esta minestra cham a - s e Rizotto alla minime. De r e s t o , t r a n quillisai-vos , q u e este prato não será p e r d i d o : délie fazem os Lombardos as s u a s delicias , p o dcmoUo aflirmar. T e r m i n a d o o j a n t a r , c o n t i n u a m o s a nossa j o r n a d a atravez destes campos da Itália , todo* cheios d e recordaçoens francezas. Conquistadí pelos soldados de B r e n n o , a Galha cisalpina torn o u a ver muitas vezes os filhos dos antigo; F r a n c o s . Não ha um o i t e i r i n h o , não ha umí s a r ç a , não ha u m a t o r r e n t e , não ha uma aldôí desta terra tam j u s t a m e n t e c h a m a d a por Montaigne o divertimento dos reis e a sepultura do nossos exércitos, q u e não lembre algum feito d'ar roas, algum nome famoso nos nossos a n n a e s mi Ittares. E comtudo , n u n c a alli podemos estabele cer solidamente a nossa dominação ! hoje mesmo não possuímos alli uma pollegada de t e r r e n o ; i s t o , não obstante as sympathías das populaçocns q u e foram s e m p r e por nós e não pela Áustria E s t e facto extraordinário procede sem duvida dt c o m m u n i d a d e de origem ; porem não parece in* d i c a r elle á França q u e é c h a m a d a a reinar s o b r e a Itália d'outro modo q u e não pelas a r m a s ï T o r n e - s c ella francamente c a t h o l i c a , e depressa terá reconquistado na I t á l i a , assim como no Oriente assim como em todas a s p a r t e s , o imperic mais h o n r o s o , o império m o r a l . Tal é , não f e s q u e ç a m o s , o glorioso privilegio q u e o Principe d a s n a ç o e n s parece h a v e r r e s e r v a d o à filha primogénita da sua Egreja. Continuavam as recordaçoens militares a oc« c u p a r os nossos e s p í r i t o s , q u a n d o veio um e n contro imprevisto c h a m a r - n o s a o u t r a ordem dc - 91 — idëas. Na encosta d ' u m a pequena collina a s s o m brada por olmos e a m o r e i r a s , v i m o s , d e s c e n d o uma estreita s e n d a , um religioso de S . F r a n c i s c o . Pela sua veste de burel côr de c a s t a n h a , peta sua comprida b a r b a g r i s a l h a , pela sua cabeç< r a p a d a , pelas s u a s p e r n a s n u a s , reconhecemos logo nelle um c a p u c h i n h o . O humilde padre ca min ha va silencioso e recolhido. Com uma mãe sustentava o alforge q u e lhe pesava sobre as costas já c u r v a d a s , e com a outra apoiava-sc n ' u m ramo d'arvore em guisa d e b o r d ã o . Pobre volunt á r i o , v i n h a - e l l e d e pedir esmolas a s e u s i r m ã o s , os pobres h a b i t a n t e s dos c a m p o s . Não havia e m balde p e d i d o , q u e o seu fardo o a n n u n c i a v a . £ em troca do pão q u e tinha r e c e b i d o , havia elle d a d o , só com a sua p r e s e n ç a , um salutar e x e m plo , algumas boas palavras à f a m í l i a , a l g u m a s consolaçoens aos d o e n t e s , e a l g u n s affagos á s c r i a n c i n h a s . T o c a n t e c o m m e r c i o , em q u e r e c e b e a q u e l l c q u e parece d e s p o j a r - s e , mais do q u e dá ; deliciosa h a r m o n i a , em q u e se prestam o homem d o trabalho e o homem da o r a ç ã o m u t u o soccorro p a r a chegarem ao mesmo t e r m o . Vivas r e c o r d a * çoens dos séculos de f é , s a n t a s visoens d ' o u t r a e d a d e , como sois doces para o coração c h r i s l ã o l E n t r e t a n t o , apezar da rapidez da nossa m a r c h a » a p r o x i m a v a - s e a n o i t e : e r a fechada q u a n d o c h e gamos a Stradella. 1* de N o v e m b r o . Aventura de Stradella. — A Alfandega. — Passagem do Trebia, — Inscripçoens. — Placença. — Aspecto da cidade. — Recordaçoens. — Hospital. Ilavia-se convencionado q u e dormiríamos a — 92 — 16 em Placença. Porem veio o cooductor a n n u n c i a r - n o s que a a t l a n d e g a , cuja visita devíamos solTrer , antes d e passarmos o T r e b i a , se fechava ás cinco horas da t a r d e , e que. assim se tornava impossível a passagem naquelie d i a ; e q u e se nos obstinássemos , o menor i n c o n v e n i e n t e era p a s s a r mos toda a noite na estrada r e a l . Força nos foi achar boas as suas razoens. Somente nos p r o m e t í a m o s supplicar h u m i l d e m e n t e a S. M. 1, Mar i a Luisa , hoje duqueza de P a r m a c Placença , tivesse por bem o r d e n a r aos seus a d u a n e i r o s s e deitassem um pouco mais t a r d e . Apeando no Real Albergo, de S t r a d e l l a , p e dimos ao mordomo q u e nos a c o r d a s s e ás q u a t r o horas da m a d r u g a d a , a f i m d e partirmos á s cinco. Exacto como o soldado da ronda , o c a m a r e i r o e n t r a v a no q u a r t o dos m e u s dois jovens a m i g o s , à hora indicada. Disseram-lhe q u e me levasse luz ao aposento visinho ; porem a ordem não foi c o m p r e h e n d i d a , pois o velho servo não entendia uma só palavra d e froncez. D'aqui proveio g r a n de embaraço de p a r l e a parte. Henrique p o z - s e a g r i t a r : Poria, palavra q u e q u e r dizer e g u a í niente porta e traz. O Italiano a p r e s s a - s e a s a tisfazer o supposto desejo do meu joven amigo e a p r e s e n l a - l h e a primeira coisa que e n c o n t r a á m ã o : era a bacia de mãos. Francisco , do seu lado , r i n d o - s c ás g a r g a l h a d a s , grita com mais força : Porta, porta. O Italiano redobra em zelo, e traz as calças e as botas. O pobre homem e s m e r a - s e , e crendo 1er a d i v i n h a d o , traz o movei i n d i s p e n sável d'um quarto de d o r m i r : então ó q u e foi a r r e b e n t a r com riso. Posto que d e s c o n c e r t a d o , o camareiro participa da hilaridade dos meus a m i gos , c , andando em volta do q u a r t o , vai p r o ( - 93 — curando por todas as partes o q u e podem p e d i r l h e , e repetindo a cada p a s s o : Ma che diavolo? Ia toda a mobília p a s s a r - l h e pelas m ã o s , q u a n d o ouviu rir no aposento visinho : Capitol Capitol e x c l a m a , comprehendi , r o m p r e h e u d i ; depois a bre-me a poria , e a c c e n d e - m e a vela repetindo com um a r meio enfadado meio r i s o u h o : Ma che diavolo ! ' Ainda nos divertia esta p e q u e n a repetição da T o r r e de B a b e l , q u a n d o tocamos nas fronteiras do ducado de P a r m a . Por espaço de cinco quartos d'hora , esperamos na oslrada , tiritando de f r i o , que aprouvesse aos s e n h o r e s a d u a n e i r o s c u m p r i rem o seu dever. A visita d u r o u , o m u i t o , o tempo q u e eu gasto em escrever ; porque foi a coisa mais simples do i n u n d o . Um velho a d u a neiro a p r o x i m o u - s e de n ò s , e estendendo de d e baixo do seu capote p a r d o , d e b r u a d o de v e r d e , uma mão m a g r a , a r m a d a de cinco dedos m a n h o s o s , disse-nos a meia v o z ; Signori; comprehendemos. A buona maneia cahiu no r e c i p i e n t e , maravilhosamente p r o m p i o a fechar-se , e tudo ficou concluído. Um instante depois , estávamos na c a r r u a g e m , brancos como neve e f a z e n l o muit a s reílexoens a respeito do que a c a b a v a de ter logar. Pelas nove h o r a s , a v i s l a r a m - s e as m a r g e n s famosas do T r e b i a . T o r r e n t e melhor q u e r i o , c o r r e o Trebia , como o Dormida , a ' u m leito d e s e i x o s , cuja extrema largura nos fez c o m p r e h e n d e r q u e formidável obstáculo p o d e a p r e s e n t a r a um e x e r c i t o , no momento das cheias. Ànnibal, q u e havíamos encontrado nas bordas do Rhodano, a p p a r e c e u - n o s aqui cora os seus e l e f a n t e s , e as suas tropas a f r i c a n a s , hespanholas e gaulezas. O t — 91 - consul S e m p r o n i o , com os seas R o m a n o s , m o s t r a v a - s e na margem opposla. Um pouco m a i s , e teríamos ouvido o lioido das a r m a s , tam e x a l tada se achava a nossa imaginação clássica. P o rem o ecco r e p e t e um outro ruido apenas e x p i r a n t e , q u e é o da arlilheria alleman e franceza, q u e ha pouco abalou aquelies logares e aquellas a g u a s ta p ta s vezes tingidas com s a n g u e h u m a n o . N ' a q u e l l e mesmo t e r r e n o , onde , dois mil a n n o s a n t e s , haviam sido os Romanos vencidos pelos Carthagiuczes , deu Macdonald , a 19 d e j u n h o d e 1 7 9 9 , ao formidável S a w a r o w , o sanguinolento combate q u e durou 1res d i a s . D* um a e o u t r a p a r t e , q u e i m a r a m - s e cinco m i l h o e n s d e c a r t u c h o s e dispararam-se setenta mil tiros de canhão ; q u i n ze mil homens pereceram , e os exércitos d o r m i ram no campo da batalha. E m b r e v e chegamos à magnifica ponte c o n s truída por Maria Luisa. Mesmo defronte da c o lumna que esta no m e i o , transcrevemos a í n s e r i p ç ã o soffrivelmente austríaca q u e consagra t o d a s "as recordaçoens m i l i t a r e s , de que acabo d e fallar : MARIA LCD0V1CA IMP. Dux OCAM FRANCISCI I GAES. ARCHIDUX AUSTBI/E PARM. PLAG'. TftEBIiE ANNIBAL AN. 0 . LICTENSTEINCS AN. CHR. M. SoWAROFIDS ET M ELAS FILIA VAST. C. DXXXV DCCXXXXVI AN. C H R . BELLO VICTORES ILLUSTRAVERGNT; M. DCCXClX PRINCEPS FACTA 93 - BENEFICENTÍSSIMA PONTI S COMMOD1TATE GLORIAM FELICIOREM ADJUNXIT, ANNO M . D C C C X X (Ï). Um pouco mais a d i a n t e , nos limites s a n g r e n t o s de todos aquelies c a m p o s d e b a t a l h a , l e mos uma inscripção de bem différente g é n e r o . Na frontaria d'uma graciosa casinha , caiada d e fresc o , v i a - s e uma m a d o n a , aos pés da q u a l e s t a vam ajoelhados dois p e r e g r i n o s . Por baixo d e s t a linda p i n t u r a estavam escriptas as seguintes p a lavras , q u e pareciam d i r i g i r e m - s e a n ó s : Figli d'Eva che per le vie andate Di salutar Maria non vi scordate ( 2 ) . E ' a I t á l i a , por excelleocia , o paiz da d e voção para com a santa Virgem. A sua doce i m a gem a p p a r e c e em todas a s p a r t e s aos olhos d o (\) Eis aqui a sua t r a d u c ç ã o literal : a Maria Luisa , filha do i m p e r a d o r - c e s a r Francisco I , a r c h i d u q u e z a d ' A u s l n a , d u q u e z a de P a r m a , d e P l a c e n ç a , ao vasto Trebia q u e Annibal no anno d e Roma 5 3 5 , Lichtoiostein no a n n o de J . C. 174&, S o w a r o w e Melas no anno d e J . C, 1799 , i l l u s t r a r a m com suas victorias ; esta princeza benéfica ajuntou uma gloria mais ícliz com a c o n s t r u c ç ã o d c uma p o n t e , no anno de 1 8 2 0 . » (2) Filhos d ' E v a q u e a n d a e s pelos c a m i n h o s , não vos esqueçais de saudar a Alaria. - 96 viajante ; c o pobre peregrino da vida é i n c e s santemente advertido, de q u e ao atravessar o valle de lagrimas tem no céu uma mãe que vela por elle. Entramoâ em Plarença pelas dez horas da m a n h a n . M u r o s , c a s a s , p a l á c i o s , egrejas, é tudo de tijolo; as ruas sào l a r g a s , compridas e pouco f r e q u e n t a d a s : isto é bastante para dizer q u a m triste e severo é o aspecto geral daquella g r a n d e c i d a d e . Orphan da sua gloria e da sua n u m e rosa população , nunca mais Plscença se resarciu do espantoso saque que lhe fez s o l í r e r , cm Î 4 1 S , o terrível Francisco Slorce. A% e g r e j a s , s o b r e carregadas de o r n a t o s , nada oflerecem notável, à excepção da c a t h e d r a ) , bel la construcção gothica do X I I I século. A cúpula é ornada de p i n t u r a s mui estimadas , de S u e r c h i n e Luis Carrache (1). No exterior da t o r r e , vê-se a famosa gaiola de ferro em q u e . d i z - s e , foram e n c e r r a d a s , para alli as deixarem m o r r e r , algumas das mais illustres viclimas das n u m e r o s a s revoluçoens italianas. Placença traz á memoria do viajante ebristão a lembrança de dois concílios memoráveis. O p r i m e i r o , celebrado pelo papa Urbano II, em 1095, nnnullou o casamento q u e Philippe 1 . ° , rei de F r a n ç a , havia c o n t r a h i d o com Berlrade , depois de ter repudiado B e r t h a , filha do conde d ' H o l landa ; o s e g u n d o , celebrado por Innocencio I I , em 1132 , comlcmnou o anti-papa Anacleto. A esterilidade d a s nossas primeiras e x c u r soens foi compensada por uma visita q u e a c o n * selho a lodos os v i a j a n t e s ; ó a inspecção m i n u i t ) Nascido o p r i m e i r o em C e n t o , e m l C i 9 0 ; o segundo em Bolonha , em 1553. - 97 - ciosa do hospital g e r a l . Como em Génova, encontramos nelle os filhas de S, Vicente de P a u l o , Chamadas por Maria L u i s a , nao estavam lá senão desde o mez de julho. Sem embargo tudo havia mudado de face naquellc bel lo e s t a b e l e c i m e n t o , onde reinava , a n t e s da chegada d e l i a s , uma ladroeira odiosa e uma indizivel porcaria. Coro a s boas i r m a n s , cessaram todos os a b u s o s . Por isso a administração lhes deixa plena liberdade de obrarem e regularem todas as m i u d e z a s como bem lhes p a r e c e . Recordei<-me de ter visto a mesma coisa em Lucerna c Ncufchatel. Q u e h u m i l h a n t e contraste para os homens q u e g o v e r n a m a F r a n ça ! Mexeriqueira , m i n u c i o s a , desconfiada , a nossa burocracia (1) conserva as irmans n ' u m odioso estado de suspeição e constrangimento , ao passo q u e a Itália e Suissa , ainda mesmo p r o t e s t a n t e , ditosas por se d e s c a r r e g a r e m nas nossas hospitaleiras do c u i d a d o dos pobres e dos doent e s , c o n c e d e m - l h e s illimitada confiança. O s i m ples bom senso lhes diz assàs q u e as (ilhas de S. V i c e n t e , feitas m ã e s peta c h a i i d a d e , náo d i s s i parão o património de seus filhos adoptivos. A superiora , que p a r e c e u encantada de ver c o m p a t r i o t a s , c o n d u z i u - n o s a todas as p a r t e s . D i s s c - n o s com um accenlo de f e l i c i d a d e : « A q u i a roda não está supprimida. As nossas meninas são e n v i a d a s para a aldêa até á edade de doze a n n o s . Se voltam ao hospital , tem a liberdade (1) Não lemos cm p o r l u g u e z palavra , por que se traduza a franceza bureaucratie ; q u e r d i z e r — i n d e v i d a influencia dos officiaes das r e p a r tiçoens do governo em alguma coisa. iN. do I r a d . j 98 - de ficarem celle toda a v i d a , a menos q u e não prefiram casar ou irem servir. Neste ultimo caso, o amo o b r i g a - s e , por um i n s t r u m e n t o p u b l i c o , a e n c a r r e g a r - s e delias o resto da v i d a , ou a não as pôr s e n ã o em casas q u e cffereçam t o d a s as g a r a n t i a s desejáveis. ». Deve-se convir em q u e s i m i l h a n l e systema atinge maravilhosamente o alvo da c h a r i d a d e . S e g u r a ao mesmo tempo a v i d a physica , a educação christan e a sorte da o r p h a n até ao fim dos seus dias. Em f r a n ç a , a charidade , debaixo deste ponto dc v i s t a , é incompleta. Abandouada a p r i m e i r a vez ao n a s cer , a menina é - o de novo ao sahir do hospício : a adopção social cessa nesse momento. Entrando no mundo sem p r o t e c ç ã o ' , p e r m a n e c e nelle com p e r i g o , e , d e m a s i a d a s v e z e s , afllictívas desordens vem inutihsar os custosos cuidados p r o d i g a l i sados á sua infância. Não se gabe pois demasiado a nossa philanlropia : q u e ha mais d'uma lacuna em s u a s t h e o n a s , e todo o bem q u e ella f a z , fel-o a c h a r i d a d e antes delia e melhor q u e ella. 4 18 dc Novembro. Borgo San-Donino. — Casa di Lavoro. — Ponte do Taro.— Damas do Sagrado Coração. — Estudos clericaes. — Vista de Parma. A ' s s e t e horas da raanhan, por um tempo frio e b r u m o s o , tomávamos o caminho de P a r m a em companhia de q u a t r o italianos. Depois d e se terem atravessado vastas p l a n í c i e s ; cuja m o n o t o nia por nenhuma i r r e g u l a r i d a d e d e terreno é cor- — 99 - t a J a , cliega-sc p r o m p l a m e n t e a Borgo S a n D o n i tio. Esta pequena c i d a d e , elegantemente e d i f i c a da , forma com o seu termo o q u a r t o bispado d o s Estados de P a r m a . A vista do seu hospital fez cahír o discurso sobre os estabelecimentos de char i d a d e . D i s s e r a m - n o s q u e havia em P a r m a , como em G é n o v a , uma officina publica , onde os p o b r e s validos iam t r a b a l h a r á vontade. Fazer g a u h a r a vida ao homem que a pode g a n h a r , e á q u e l l e q u c é incapaz disso s o c c o r r e l - o em domicilio , é resolver o diílicil problema de conciliar a lei do t r a balho e da c h a n d a d e . A oHictna italiana não t e m o c a r a c t e r dos nossos d e p ó s i t o s ; não priva o p o b r e do único bem q u e lhe resta, a l i b e r d a d e ; e, t o d a v i a , atinge o fim q u e nós p r o c u r a m o s : a e x tincção da m e n d i c i d a d e . T e r e m o s accasião d e t o r * n a r a faltar sobre este e s t a b e l e c i m e n t o . A alguma distancia de P a r m a p a s s a - s e o T a r o , por uma ponte q u e só tem de notável o seu comp r i m e n t o : é d e q u i n h e n t o s m e t r o s . Chegando á capital da nossa antiga i m p e r a t r i z , sabe o v i a j a n t e francez com felicidade q u e conta aqui n o bres c o m p a t r i o t a s , e uma d a s s u a s p r i m e i r a s visitas foi ás Damas do Sagrado Coração. Mestras da classe pobre e da elevada , dão a u m a e o u t r a uma e d u c a ç ã o e m i n e n t e m e n t e c h r i s t a n ; de m a i s , as suas pensionistas.recebem u m a i n s t r u c ção i n t e i r a m e n t e franceza. P a r a lhes e n s i n a r e m a nossa língua , única q u e ellas e s t u d a m com o i t a l i a n o , nas a u l a s falla-se o francez. Deste m o do , g r a ç a s a Maria Luisa , é o nosso n o m e h e m dicto em" P a r m a e P l a c e n ç a , onde a nossa i n fluencia se faz sentir em todas as e d a d e s e c o n diçoens. Se a França quizessc r e c o r d a r - s e da sua missão p r o v i d e n c i a l , e , cordialmente subinet8 — too — tida à E g r e j a , de q u e m é a filha primogénita , pozcsse os s e u s cuidados e a sua gloria em p r o pagar as ídôas de sua m5e ; o império dos povos lhe pertenceria e não lhe seria contestado. Vede o q u e fazem em proveito do nosso nome as Damas do Sagrado Coração na Itália , a s nossas Irmans de S. Vicente no mesmo p a i z , assim como no O r i e n t e e na Africa. Q u e faria se a sua acção salutar fosse coadjuvada por aquelies q u e estão e n c a r r e g a d o s d e velar pelos destinos do reino chrislianissimo? Que f a r i a , sobre t u d o , s e , ao lado dos ensinos vivificantes e d o s m a t e r n a e s c u i dados das nossas religiosas, não vissem os povos estrangeiros sahir d e França o u t r a s d o u t r i n a s , que o instincto da conservação os obriga a rejeitar com toda a sua energia ? Vergonha eterna aquelies que fizeram que as naçoens proscrevessem o pensamento í r a n c e z . e alistaram na propaganda da impiedade o povo m i s s i o n á r i o da charidade e da fé. A superiora do Sagrado Coração teve a b o n d a d e de nos fazer visitar a sua casa , e dc -nos relacionar com o c a p c l l ã o , joven sacerdote q u o mc p a r e c e u reunir às maneiras mais delicadas um juízo recto e um espirito cultivado. Disse-me elle que a organisação dos estudos ecclcsiaslicos é em P a r m a o que é em Génova e quasi toda a I t á l i a . ' O g r a n d e e o pequeno seminário não formam s e n ã o um estabelecimento ; e as condiçoens r i g o r o s a m e n t e exigidas para as o r d e n s são o e x a m e e o retiro dc dez dias. A hora avançada a p e n a s nos permittiu l a n çássemos um rápido volver d'olhos sobre o todo da cidade. Situada n ' u m a vasta p l a n í c i e , é P a r m a muito mais a n i m a d a , e como costumamos d i z e r , — 101 — r u o sei porque , muito mais viva do q u e P l a c e u ca': v e l - a ~ h c m o s amaoh&n. 19 do Novembro. de Parma; — Baptistério. — Museu. — Galeria. — Bibliolheca. — Interior da cidade.*— Egreja de S. Quenlino. Catuedral A t e m p e r a t u r a , q u e , na v é s p e r a , e r a assas fria para conservar uma ligeira c a m a d a de n e v e nas planícies do P a r m e s a d o ,\ h a v i a - s e s u a v i s a d o . Não havia geada sohru as a r v o r e s , nem n e v o e i r o s na a t m o s p h e r a ; m a s um b r i l h a n t e sol no h o r i s o n l c , um ar tépido e quasi q u e n t e , finalmente um belto dia d'Itaiia q u e nós começamos pela visita do Duomo ou d.i c a t h e d r a ) . Ë' um vasto edtticio de estylo golhico , c u j a s p a r t e s não c a r e cem nem de d e l i c a d e z a , nem de elegância, m a s cujo todo e um tanto c a n e g a d o . A cúpula é s o bre tudo notável peta sua elevação e pelas p i n t u ras de q u e é ornada. Estas p i n t u r a s passam pela melhor obra de Corredio ( 1 ) , c r e p r e s e n t a m a Assumpção da Santa Virgem no meio dos anjos. Ao e n t r a r na egreja vfi-se á d i r e i t a , no fundo d e uma capella l a t e r a l , o m o n u m e n t o , de bem fraca a p p a r e n c i a , consagrado á memoria de P e t r a r c h a : sabe-se q u e o celebre poeta foi por muito t e m p o a r c e d i a g o de P a r m a . Nfio me d e m o i a r e i a d e s c r e v e r , nem a j u l g a r os numerosos painéis q u e g u a r n e c e m o sombrio duomo, assim como a bril h a n t e egreja dos B é n é d i c t i n e s . (1) Nascido c m C o r r ^ g i o , em 1434. - 102 - Esta profusão de q u a d r o s , estatuas e doirados espalhados por todas as egrejas d ' I l a l i a , dá margem a uma observação que não deve e s c a p a r ao viajante a t t e n l o . Mais q u e n e n h u m o u t r o , parece o. povo italiano t e r precisão das a r t e s p a r a se elevar á meditação das coisas espirituacs. T i r a i - l h e a sua m u s i c a , a sua pintura , a sua e s c u l p t u r a , as suas festas r e l i g i o s a s , o luxo dos s e u s t e m p l o s , e este povo cahirá p e r p e t u a m e n t e no s e n s u a l i s m o ; a vivacidade do seu s a n g u e , a mobilidade do seu c a r a c t e r , o calor do seu t e m peramento , o a r d o r da sua i m a g i n a ç ã o , a s u a v i dade um ianio froixa e as g r a ç a s effeminadas da língua que falia , os encantos e a riqueza do paiz que h a b i t a , a belleza do céu sob que r e s p i r a , não d e i x a m , sobre este p a r t i c u l a r , duvida a l g u ma ao observador reflexivo. Q u e no meio dos povos do Norte revista a religião formas severas, c o n c e b o ; porem concebo lambem que na ( t a l i a , e em todas as n a ç o e n s m e r i d i o n a e s , deva ella c e r c a r - s e de h a r m o n i a , o r n a r - s e de g r a ç a s e p e r f u r m a r - s e dc incenso : e f a l - o . E eis um novo aspecto sob o qual ella se mostra v e r d a d e i r a m e n t e catholica. Admirável instiocto q u e n e n h u m a seita e s t r a n h a possuiu nuuca ' Só a v e r dadeira Egreja p ô d e , sem nem compromclter a s u a existência, nem a sua d i g n i d a d e , nem a sua santa a u c t o r i d a d e , p ô r - s e em harmonia com o c a r a c t e r , os c o s t u m e s e as precisoens dos h a b i t a n t e s de todos os climas ; n'uma palavra, fazer-sc toda para l o d o s , para os ganhar a todos para o e s p i r i t u a l i s m o , para D e u s , paru a v i r t u d e , p a r a o céu. A visita das egrejas d e P a r m a conduz a o u tra observação cujo motivo se reproduz por todas - 103 — as partes na Itália. P o r baixo da taboa do a l t a r , sustentada por q u a t r o c o i u m o a s , repoisa o c a i x i lho que contem as r e l í q u i a s dos m a r t y r e s . F i c a se vivamente commovido com este uso i n v a r i á vel que suscita a r e c o r d a ç ã o triste e gloriosa d a s catacumbas e perpetua em favor das ultimas g e raçoens catholicas um g r a n d e mysterio e uma s u blime lição. Da c a t h e d r a l passamos ao Baptistério, que só é separado delia pela largura d ' u m a r u a . Est'outro monumento da nossa v e n e r a n d a a n t i g u i d a d e , è um edifício g o l h i c o . d e forma o c t o g o n a , cujas partes t o d a s , c o n v e r g e n d o para o mesmo c e n t r o , vos dão uma cúpula de m a r a v i l h o s a e l e v a ç ã o . E* todo de m á r m o r e veronez e data de 1 1 9 6 . Em. torno da vasta cúpula ha g a l e r i a s , d ' o n d e p o d i a m os numerosos a s s i s t e n t e s gozar a s magnificas c e r e m o n i a s do baptismo s o l e m n e . T o d o o circuito è ornado de p i n t u r a s a n t i g a s ; a s mais s a l i e n t e s são : Santo Octávio cahindo do cavai lo e o Baptismo de Constantino. O meio do Baptistério é oceupado pela g r a n d e pia á qual se desciam os calhecumenos ; é octogona e d'um só pedaço d e m á r m o r e vermelho. No c e n t r o da vasta bacia , a b r e - s e o espaço q u a d r a n g u l a r , onde se c o l l o c a va o bispo com os seus a j u d a n t e s p a r a effectuer ' a s duas cerernonias da i m m e r s ã o e da u n e ç ã o . Q u e de r e c o r d a ç o e n s , que de i m p r e s s o e n s á vista de todas aquellas coisas t a n t a s vezes veneráveis ! T r a n s p o r l a n d o - s e o p e n s a m e n t o aquellas noites b r i l h a n t e s e solemues em q u e o Baptistério estava i l l u m m a d o por milhares de t o c h a s , v ê - s e n a s g a lerias aquelle povo de chrislãos , q u e assistiam á r e n a s c e n ç a d'outro povo ; ao pé da ampla bacia , o pontífice com os seus ricos o r n a m e n t o s , s e g u i d o - lOi - (l'orna tribu de l e v i t a s ; depois aquelies n u m e r o sos c a t h e c u m e n o s , com seus vestidos brancos e seus cirios na mao : o u v e - s e o caótico dos c â n ticos santos , as oraçoens c as palavras s a c r a m e o taes , e a s s o c i a - s e a gente a todos a q u a l l e s m y s terios d e a m o r e felicidade , com u m a e m b r i a g u e z deliciosa , que bem pôde o c o r a ç ã o s e n t i r , mas q u e a penna, ainda menos que a boca, não t r a duzirá jamais. Posto que a disciplina da Egreja haja m u d a do , não se abandonou o v e r d a d e i r o B a p t i s t é r i o . J u n t o da bacia antiga está collocada a pia s a g r a da , de modo que todas as creanças da cidade de P a r m a vão beber a vida divina ao mesmo logar o n d e s e u s pais a recebiam. Por cima da pia a c tual Iodes a simples e sublime inscripeão s e g u i n te : Ilic renascimur Ai xmmortalitatem (1). Ainda todos embalsamados dos religiosos perfumes do Baptistério, entramos n*u m palácio onde se respira uma atmosphera mui différente. A Pilotta, ou palácio F a r n e s c , e n c e r r a o museu , a acadeocia e a bibliothcca. No m u s e u , aliás r i q u í s s i m o , d i r i g i u - s e a nossa a l t c n ç ã o quasi exclusivamente para a famosa Jaboa Trajana , cuja historia è e s t a . Não longe de P a r m a estava Velleja, peq u e n a cidade q u e se t o r n o u , pelas n u m e r o s a s a n t i g u i d a d e s encontradas nas suas ruínas , a P o m peia da Itália c e n t r a l . No século passado, q u a t r o aldeoens cavavam n a q u e l l e fértil c a m p o . A c h a r a m ( l j « E* aqui q u e renascemos para a i r a r a o r talidade. » - lOB - a taboa dc q u e falíamos, q u e b r a r a m - a em q u a t r o pedaços c a v e n d e r a m a um fundidor de s i n o s . À destruição total deste curioso monumento ia c o n s u m m a r - s e , q u a n d o um antiquário a c o m p r o u , uniu os pedaços e a m a n d o u collocar no m u s e u . Sabe-se q u e os R o m a n o s g r a v a v a m a s s u a s leis em taboas de b r o n z e , a fim , sem d u v i d a , d e assegurarem a inteireza do texto, d e mostrarem a duração e talvez o inflexível r i g o r dellc. Ora , a taboa trajana r e ú n e todas estas c o n d i ç o e n s . £' u m a comprida e larga c h a p a d e b r o n z e , c o b e r t a de caracteres g r a v a d o s ou a b e r t o s ao b u r i l . A lei cujo teor eiía a p r e s e n t a é um cohtracío h y p o t h e cario sobre os fundos de Velieja, debaixo da g a r a n t i a imperial de Trajano. Os doadores h y p o thecara uma somma d e 10,040 seslercios p a r a o sustento das creanças p o b r e s , legitimas ou i l l e g i t i m a s . E ' um d o c u m e n t o precioso p a r a a h i s toria da administração r o m a n a (í). Ao pé desta taboa está o u t r a e g u a l m e o l e d e b r o n z e , e d e maior antiguidade. E ' a q u a r t a folha d'um senatusconsulto que regulava os interesses da Gallia Cisalpina , cera annos antes d e J e s u s Cbrislo. Depois de termos dado os nossos agradecimentos ao cicerone d o m u s e u , e n t r a m o s n a a c a d e m i a , guiados por um uovo d e m o n s t r a d o r . As d u a s e s t a t u a s collossaes de Hercules c Baccho, d e basaltes ou granito egypcio, feriram desde logo os nossos o l h a r e s , mas não os o c e u p a r a m i n t e i r a m e n t e ; ellas contam tantos objectos d ' a r t e , q u e é necessário ver sem as olhar. D e um t r a b a l h o e dc u m a conservação notáveis , e s t a s e s t a t u a s f o - da (1) Veja-se o q u e dissemos na nossa Família. Historia ram achadas nas r u í n a s do palácio de N e r o , e enviadas por P a o l o I I I , da família F a r n e s e , a P a r m a , sua p á t r i a . Mas o que absorveu a nossa atienção foi o S. Jerónimo do deserto, obra-pnma de Corregio, O santo douior eslá em p é , e tem na mão um rolo meio desdobrado contendo p a r l e d a s suas o b r a s ; diante delle um a n g i n h o a p r e s e n t a a outra p a r t e ao menino J e s u s , O Salvador , assentado nos joelhos da Santa V i r g e m , e s t e n d e a mão p a r a r e c e b e r as obras do ' s a n t o anaeboreta. Abaixo da santa Yirgem está a j o e lhada santa M a g d a l e n a , olhando o que se p a s s a ; ntraz , na borda do q u a d r o , um a n g i n h o a p r o x i m a ao nariz o vaso dos perfumes do illustre p e n i t e n t e . Não sei se é possível i m a g i n a r a l g u m a coisa m a i s d o c e , g r a c i o s a , natural e acabada q u e todas as figuras tomadas cada uma em p a r t i c u l a r . C o n s i d e r a d a s nas suas relaçoens , formam um todo cheio de encanto e h a r m o n i a : ficaes e n l e v a d o , c o m m o v i d o , fallam-vos as p a l a v r a s , só podeis a d m i r a r . A impressão Iam viva e socegada q u e p r o d u z i u em nós a vista daquella o b r a - p r i m a christan , revela uma verdade que convém e x p r i m i r muito a l t o : A fé que inspira o artista dá áquelie que o não é o sentimento do bello. Na b i b l i o t h e c a , mui n u m e r o s a e mui bem a r r a n j a d a , e x a m i n a m o s , com ávida c u r i o s i d a d e , a s Horas de Henrique I I , rei de F r a n c a , com o seu c r e s c e n t e c a d i v i s a , q u e estaria melhor c o l locada em outra p a r t e , de Diana de Poitiers : Donec iotum impleat orbem ; o Coran de K a r a M u s t a p h a . c n c o n t r a d o na sua lenda depois do levantamento do cerco de Vienna ; um Psallerioeva hebreu, contendo notas i n t e r l i n e a r e s da mão d o L u t h e r o : opai da reforma escrevia mui pouco l e g t v e l m e n t e . Depois tic l e r m o s v i s i t a d o , cm todas a s s u a s p a r t e s , a morada da família F a r n c s e , o r p h a n hoje de seus illustres d o n o s , passamos e tornamos a passar pelo pateo do palácio silencioso, h a b i t a d o por M a n a Luisa. De Paris a Parma , d a s T u l h e rias ao palácio d u c a l , q u e distancia 1 Q u e nova prova da instabilidade das coisas h u m a n a s / Foi o resto do dia e m p r e g a d o em p e r c o r r e r a cidade em todos os s e u s b a i r r o s . O r a . a pátria de Cássio e d e Macrobio nada oílerece q u e se não e n contre n.ts nossas cidades m o d e r n a s . Deve-se exceptuar um e s p e c t á c u l o que interessa v i v a m e n t e o viajante c h r í s t S o , p o r q u e é u m a manifestação publica da p i e d a d e dos Parmesanos. No c e n t r o da cidade eleva-se uma bonita e g r e g i n h a , cujo frontispício e cujas p a r e d e s são guarnecidas d e brazoens e de m á r m o r e s f ú n e b r e s ; esta egreja é dedicada a 5 . Quentino. Os e m b l e m a s da m o r t e estão assim collocados para r e c o r d a r aos q u e p a s sam aquelies que já nào existem e r o n v i d a l - o s a rogarem por elles. Depois d ' u m tempo d e t e r m i n a d o , novos emblemas s u c c e d e m aos p r i m e i r o s ; de modo que a egreja está s e m p r e coberta d c l l e s , tamprompta è a morte em encher os seus togares !.' Mas a charidade dos h a b i t a n t e s não p a r a a q u i . T o d o s os dias o sangue redemptor é p u b l i c a m e n t e offerecido a favor de todas as a l m a s q u e sofTrem. No correr do a n n o , cada freguezia da Cidade se d i r i g e a S.. Q u e n t i n o , onde celebra uma novena d e missas e de oraçoens solemncs pelos defunclos q u e lhe p e r t e n c e m . Este uso t o c a n t e , que a França d e v e invejar à I t á l i a , não é digno d c elogios s o m e n t e por ser muito religioso, m a s ainda por ser muito social : t u d o o que favorece a piedade p a r a com os mortos é e m i n e n t e m e n t e util aos vivos. SÓ «le TVoveniïiro. Partida de Parma. — Aduaneiro. — Reggio. — Modena. — Muratori. — Tiraboschi. — Triumviraio. — B o l o nha. — Santa Virgem. — Procissão do Santíssimo Sacramento. A's quatro h o r a s da mnnhnn , cantava u m homem na r u a , b a t e n d o a p r e s s a d a m e n t e á p o r t a da Locando, Tedesca, onde nos havíamos a p e a d o . E s t e homem era o nosso caleceiro, honrado v a m piro a quem nos havíamos e n t r e g a d o de P a r m a a Modena. Vinha -acordar-nos e c a r r e g a r as nossas b a g a g e n s . Uma hora d e p o i s , estávamos nós a c a m i n h o por u m tempo frio e n e b u l o s o . A p o r t a da c i d a d e , velava o agente da policia , q u e teve por bem p c r m i t t i r - n o s que s a h i s s e m o s , m e d i a n t e a e n t r e g a das nossas c a r t a s de s e g u r a n ç a . Dez m i n u t o s d e p o i s , tocava o Legno nas fronteiras do ducado de Modena. Alli nos esperava a i n e v i t á vel alfandega, O e m p r e g a d o de g u a r d a era u m homem do seus cincoenta annos. Ao ruido d a c a r r u a g e m , sabe do seu a p o s e n t o , e , a s s o m a n d o à portinhola a sua magra face , precedida de u m nariz g i g a n t e s c o , pede-nos , s e g u n d o a formula, p a r a v e r os nossos passaportes e visitar as nossas b a g a g e n s . Os passaportes são cxhibidos, dizendo* s e - l h e q u e as nossas malías não conteem c o n t r a b a n d o — Lo credo, ma . . . Acredito-o, mas . . . M a s por f a v o r , deixai-nos em p a z , lhe respondeu u m italiano , nosso companheiro de j o r n a d a , e eu vos tocarei a mão : e ti toccherò la mano. O aduaneiro p a r e c e u - n o s muito sensível a esta e n c a n * tadora e x p r e s s ã o . T o d a v i a , a b a n o u a cabeça d i zendo : — Não posso ; a s minhas ordens são f o r 1 - 109 - m ã e s , — V a m o s , meu b r a v o , t o m a o nosso ita* liano , que l e m e s ? — T e m o o t e n e n t e . — R e s p o n do por e l l e . — Affirmais-me q u e não trazeis nada p r o h i b i d o ? — N a d a , — Então vira a c a b e ç a , olha para as janellas do corpo da g u a r d a ; depois, f a zendo com o beiço inferior u m a caretinha muito e n g r a ç a d a , m e t t e furtivamente atravez da p o r t i nhola a mão embrulhada r u i m m a n g u i t o . Apres* samo'-nos a iocal-a, c o m p r e h e n d e i s de qne m a neira. Logo , com uma voz . estrondosa ,* brada : Vetturino, avanti, c a l c c e i r o , a v a n t e ; estes s e nhores eslao cm r e g r a . Para nosso d i v e r t i m e n t o , a mesma scena se renovou nove vezes , com a l g u m a s p e q u e n a s variantes , d u r a n t e este m e m o rável d i a . Apezar de todas estas i m p o r t u n a ç o e n s fiscaes, c h e g a m o s a Reggio pelas nove h o r a s da m a n h i n . C Reggio uma p e q u e n a c i d a d e e n c a n t a d o r a , à qual um numeroso mercado dava então uma phy~ sionomia muito a n i m a d a . O tempo nos p e r m i t tiu visscinos o q u e ella oíTercce mais notável : ë o grupo de Adão e Eva, na frontaria da c a t h e dra I ; Nossa Senhora delia Ghxara, bellissima egreja, miniatura de S. Pedro de Roma, com p i n t u r a s e um Christo de G u c r c h i n : por ultimo a casa oode uma tradição, q u e creio duvidosa , faz n a s c e r Ariosto ; está sita na pra?a da C a l h e d r a l . Ao meio dia estávamos cm Modena. À a n t i g a M atina, celebre colónia dos Romanos, é uma c i d a d e importante situada n ' u m a planície agradável e n t r e a Secchia e o Panaro. Largos a l p e n d r e s se e s t e n d e m ao comprido d a s r u a s e a b r i g a m da chuva e do sol as pessoas q u e andam a pé. M o d e n a , cuja população não passa de 30,000 a l m a s , conta cincoenta egrejas. A c a l h e d r a l , de estylo - 110 - lombardo, com a sua t o r r e q u a d r a d a , isolada e toda de m á r m o r e , a p r e s e n t a um todo q u e c a r e c e de harmonia. No fundo desta torre c o n s e r v a - s e o velho balde de p i n h e i r o q u e o s M o d e n e z e s a r r e b a t a ram aos Bolonhezes, e que deu logar ao p o e m a h e r o i - c o m i c o d e Tassoni, i n t i t u l a d o : a Secchia rapita. Na caihedral está o humilde t u m u l o de M u r a t o n , a b b a d e de Santa M a n a de Pomposa; e s t e h o m e m , um dos mais sábios da E u r o p a , m o r r e u em 1730. Todo o mundo conhece ou d e v e c o n h e c e r a sua obra, intitulada : / / cristianesimo feíice nelie missione dei Paraguay; é u m quadro fiel daquellas novas christandades da America m e r i d i o n a l , q u e rcaiisaram as maravilhas fabulosasda edadc de oiro, e de que os próprios philosophos fallaram como d'uma das glorias exclusivas da religião. A b i b l i o t h e c a de Modena conta mais de 90,000 v o l u m e s e 3,000 m a n u s c r i p t o s . Recordou-oos o celebre Tiraboschi, a q u e m . ella se honra dc 1er tido por conservador. Este sábio jesuíta fallecido em 1794, é a u c t o r da interessante Historia da literatura italiana. A espécie dc idolatria q u e manifestou o século X V I pelos clássicos pagãos de Athenas e Roma, foi o objecto da sua justa c r i tica. Com tanto e n g e n h o como razão, zomba e s perialmcnte do P, Maffei, q u e pediu ao papa licença de 1er o breviário em grego, a fim de não corromper o estylo lendo o latim da Vulgata. Ja era tarde q u a n d o partimos para Bolonha, a t r a v e z dos vastos campos q u e tinham visto os derradeiros esforços da liberdade r o m a n a . Vencido em Modena pelo consul P a n s a , fugiu Antonio para as Gallias e tornou a a p p a r e c e r em breve na Itália á frente de vinte e t r è s legioens e dez mil cavallos. Não deixamos o campo oceupado —111 — n ' o u t r ' o r a por a q u e l l e exercito liberticida , como se <1 m a em 9 4 , s e n ã o para atravessarmos o Reno, antigo Labinius, assignalado por uma m o n s t r u o s a recordação. Foi n'uma iosua formada por e s t e r i o , q u e se estabeleceu o t r i u m v i r a t o e n t r e O c t á v i o , Antonio e Lépido. Os triumviros e n t r e g a ram uns aos o u t r o s r e c i p r o c a m e n t e a vida de s e u s amigos e i n i m i g o s ; a sua defirante crueldade o r denou a t é , sob pena de m o r t e , q u e cada um tivesse de se regosijar com as p r o s c r i p ç o e n s d e i los ; f i n a l m e n t e , a cabeça de C i c e r o , r e g a t e a d a d u r a n t e dois dias, tornou-se o p e n h o r da s u a a l liança. Este pacto s a n g r e n t o q u e nos enchia o espirito de tristes p e n s a m e n t o s , fazia n e c e s s á r i a s impressoens d'outra o r d e m : e s p e r a v a m - n o s cm Bolonha. À's sete horas da t a r d e p a r á v a m o s á porta ; compridas as formalidades do c o s t u m e e d e p o s i tados os nossos p a s s a p o r t e s , e n t r a m o s n a c i d a d e . E r a sabbado , véspera da festividade da Apresentação da santa Virgem. Bolonha estava i l l u m i n a d a pela piedade dos h a b i t a n t e s . Debaixo dos g r a n d e s a l p e n d r e s , de q u e as r u a s são g u a r n e c i d a s , appareciam n u m e r o s a s m a d o n a s d e todos os tamanhos e de todas as f o r m a s , a l u m i a d a s p o r tochas e ornadas com flores. Não era a q u i l l o u m a van demonstração á qual os coraçoens ficavam e s t r a n h o s ; de distancia em distancia fieis ajoelhados r e z a v a m aos pés das s a n t a s i m a g e n s . Tela p r i m e i r a vez na minha vida , e r a t e s t e m u n h a d'um s i m i t h a n t e espectáculo. Não posso explicar q u e deliciosa impressão produz no coração , o t e s t e m u n h o publico e espontâneo da piedade de todo um povo para com a mais a m á v e l das c r e a t u r a s , a Mãe de Deus , e a I r m a n do género h u m a n o . Julguei também observar g r a n d e n u m e r o de casas r e p a r a d a s de f r e s c o , com as fronteiras a m a relias claras ou vermelhas cor de telha. Estávamos longe de suspeitar que é r a m o s ainda d e v e dores desta linda perspectiva á fé viva dos Bolon h e z e s . A nossa ignorância foi breve d i s s i p a d a . Apeados cm casa d'um Francez , estabelecido em Bolonha havia trinta e dois a n n o s , homem i n s t r u í d o e bom c h r i s t ã o , a p r e s s a m o ' - n o s a p e d i r lhe a explicação do que havíamos visto. « Bolo* n h a , nos disse elle, conta 75,000 habitantes e vinte e d u a s freguezias. Cada a n n o a procissão solemne da festa do Corpo do Deus faz-sc em d u a s f r e guezias s o m e n t e , e por turno. E ' costume i m mémorial os h a b i t a n t e s d a s r u a s que devem ser honrados com a passagem do S a n t o S a c r a m e n t o , concertarem o interior e o exterior das suas c a s a s . Os proprietários de todas a s classes mostram egual zelo. Se , apezar da sua boa vontade, não pode o pobre fazer o que deseja o seu coração , não teme pedir emprestado para prover a uma despeza que olha como sagrada. Vós vedes, c o n tinuou , que o interior dos meus q u a r t o s esta por a c a b a r , e isto provem de que todos os ofliciacs estiveram occnpados nas freguezias q u e tiveram este anno a p r o c i s s ã o ; e não me a d m i r a r i a do q u e fossem já começadas as obras nos bairros por o n d e cila deve passar o anno que vem. Eis ahí o q u e vos explica a a p p a r c n c i a nova dos nossos velhos edilicios e o asseio garrido d a s nossas v e lhas r u a s . » D u r a n t e esta n a r r a ç ã o , eu estava em F r a n ç a , chamando lodos os ouvidos francczçs para a e s - . c u t a r e m . Oh meu D e u s 1 quam longe estão estes testemunhos de fé dos nossos costumes a c t u a c s . — 113 — Mui culpados são aquelies cujas d o u t r i n a s e cujos exemplos hão gelado cs nossos coraçoens n a t u r a l mente tam a r d e n t e s e generosos. Éis ahi o q u e se passa era B o l o n h a ; e , na capital do r e i n o c h r i s t i a n i s s i m o , o Filho dc Deus a c h a - s e r e d u z i d o a não sahir ostensivamente dos s e u s templos 1 3 1 de X o v e m l i r o . Serenata. — Imagem d'uma cidadechrisian. — Educação.— Torre dos Asinelli e da Garizenda. — Universidade. Hontem havíamos sido acordados d ' u m a m a neira mui pouco harmoniosa pela rouca voz do caleceiro ; succedeu muito d i v e r s a m e n t e dia da hpresentaçuo. Em F r a n ç a d a m o s ás a u c t o r i d a d c s , ás pessoas v e n e r a d a s e q u e r i d a s , serenatas na noite que precede o dia do santo do seu n o m e ; o m e s m o costume reina na Itália. Somente, e n t r e as auctoridades ou os p a r e n t e s a quem alli se / a z esta h o n r a , a piedade filia!, esclarecida pela fé, conta mais uma : é M a n a . A ' s q u a t r o h o r a s da m a d r u g a d a , fomos a r r a n c a d o s do nosso somno pelo b r i l h a n t e repique de não sei q u a n t o s s i n o s , q u e . tocados a c o m p a s s o , formavam por sobre a c i d a d e u m como m a r de harmonia. Dir-se-hia um c o n certo dos anjos , ao qual responderam bera d e p r e s sa mil vozes da t e r r a . E n t r a n d o pela m a n h a n cedo na egreja visinha , e n c o n t r a m o l - a cheia de h o m e n s , mulheres e e r c a n ç a s de todas as c ò n d i çoens. f o i - n o s g r a t o associar a nossa oração á oração da multidão recolhida q u e , a p e r t a d a em torno dos altares da Rainha do céu , oITerecia a esta snãe muito a m a d a os seus comprimentos e os s e u s ramilhetes. O canto simples da Ladainha repetido em coro por todo o p o v o , c a u s o u - n o s o mais vivo p r a z e r . Acabava de bater meio d i a , q u a n d o nos lançamos no interior da g r a v e e estudiosa B o l o n h a . Foi com felicidade q u e c o n t e m p l a m o s , pela s e g u n d a v e z , o espectáculo d'uma c i d a d e c h r i s t a n , nos domingos e dias sanctiíicados. Não havia armazéns a b e r t o s , nem t r a b a l h o s , nem b a r u l h o ; a mesma p a r t i d a dos obreiros estava suspensa : reiuava silencio e repoiso u n i v e r s a l . Os pórticos estavam animados com passeadores de todas as ciasses que tomavam a r ; e as egrejas cheias de fieis q u e o r a v a m . P a r a o c e n t r o da c i d a d e , e n contramos um r a p a z i n h o , de uns doze a n n o s , que t i n h a , na mão d i r e i t a , u"i g r a n d e crucifixo; e, na esquerda , u m a sineta <pe agitava continua* m e n t e . Era um menino do cathecismo. Percorria assim todas as r u a s da . f r e g u e z i a , c h a m a n d o os seus c a m a r a d a s á reunião E houvéreis visto todos os ragazzi d e i x a r e m os seus b r i n q u e d o s , e d i r i g i r e m - s e d o c i l m e n t e á sua capcila. E i s ahi u m desses traços d c costumes q u e nos s e p a r a da Itália com u m a b a r r e i r a mais alta que os Alpes. Em B o l o n h a , é o povo geralmente instruído. O m e s m o succède no r e s t o dos Estados pontifícios, onde os ignorantes são em proporção muito m e nor q u e em F r a n ç a . M, d e T o u r n o n já havia feito a mesma o b s e r v a ç ã o ; « A instrucção p r i « m a r i a , d i z , é ollerccida ao povo , nos d o m i « nios pontifícios , com uma liberalidade de q u e « poucos governos dão exemplo. Nas cidades e - 115 - « nas mats p e q u e n a s a l d è a s , mestres, p a g o s pelo « p u b l i c o , ensinam a 1 e r , escrever e c o n t a r ; d e a modo que não ha um sò menino que não possa v receber o beneficio da instrucção e l e m e n t a r (1) ; u e de f a c t o , os meninos q u e frequentam a s e s * « cholas estão na proporção d e 1 para 11 h a b i • t a n t e s . Na I n g l a t e r r a , a media , com relação « á p o p u l a ç ã o , è também de 1 para 11 ; em « F r a n ç a , de 1 para 2 0 . Ella é , nos Estados « U n i d o s , de 1 para â; no d u c a d o de Baden e a no W u r t e m b e r g , de 1 para G ; na P r ú s s i a , d e <t 1 para 7 ; na B a v i e r a , de 1 para 1 0 ; na A u s « t r i a , de 1 para 1 3 ; na I r l a n d a , de 1 p a r a 1 9 ; <r na P o l ó n i a , de 1 para 7 8 ; em P o r t u g a l , d e 1 « para 88 ; e na Rússia , de 1 para 3 7 8 . Vê-se « que os Estados pontifícios se classificam e n t r e cr as naçocns cm que está mais espalhada a i n s te trucção primaria (á). » E m Bolonha, a e d u c a ç ã o d a s meninas está confiada a mestras d'uma v i r t u d e e x p e r i m e n t a d a , ou a religiosas. Todos os meios de a v a n ç a r na carreira das sciencias são olíerecidos aos jovens : e são gratuitos lodos estes nicíos. Ë q u e direi do b e m - c s t a r m a t e r i a l ? E m Bolonha h a , como em P a r m a , u m a casa de t r a b a l h o para os p o b r e s . A nossa longa serie de t r i b u t o s s o b r e as p o r t a s , j a n c l l a s , patentes è alli desconhecida ; em s u m m a , este povo submettido ao poder temporal do Santo P a d r e , e s t á , em muitas c o i s a s , mais a d i a n t a d o q u e certa nação q u e se gaba de e s t a r á testa do (1) Yôde Prefacio R o m a , pag. 99. (2) aos I s l i l . de Bencf. Estudos e s t a t í s t i c o s , t. I I , p a g , 8 7 . 9 de - 116 - progresso universal : é sobretudo mais feliz d e que n ò s , e isto com menos d e s p e z a s . No meio da nossa e x c u r s ã o , tivemos d e p a r a r diante das d u a s famosas t o r r e s , inevitável objecto d a s n a r r a ç o e n s e da a d m i r a ç ã o dos v i a j a n t e s . São de tijolo e de forma q u a d r a d a . A t o r r e dos Asinelli, a mais alta da I t á l i a , excede a l g u n s pês a agulha do zimbório dos I n v á l i d o s . D e vez em q u a n d o , s e r v e para o b s e r v a ç o e n s a s tronómicas. A Garizenda só tem q u a r e n t a e oito m e t r o s d'altura. O q u e as t o r n a a a m b a s c u r i o s í s s i m a s , diria até m e d o n h a s , é a sua inclinação. A primeira tem de pendor très p e s e meio ; a s e gunda oito pés e d u a s pollegadas. A g e n t e t r a n quilhsa-se todavia ao p e n s a r q u e ellas estavam no mesmo estado ha muitos s é c u l o s : o D a n t e n ã o deixa a este respeito duvida alguma (1). E ' ao aluimenlo do t e r r e n o , é á vaidade rival dos a n tigos nobres Boloohezes q u e se deve a t l r i b u i r a extraordinária inclinação destes dois m o n u m e n t o s ? Não obstante os a r m a z é n s de tinta e papel q u e t e m feito gastar* a questão está ainda i n d e c i s a ; a c h o - a bem assim : c o n t i n u e m o s . A Universidade d e Bolonha, a mais a n t i g a da Itália e uma das m a i s - c e l e b r e s do m u n d o , a t t r a hiu bem depressa a nossa curiosidade. Fundada e m 4 3 5 pelo imperador Theodosio , mereceu t e r p o r protector o próprio Carlos-magno , q u e lhe deu novo lustre. Seria longo nomear todos os (1) Qual p a r e a r i g u a r d a r la Garizenda Sotto'I c h i n a l o , q u a n d ' u n uovol vada S o v r ' e s s a s i , c h ' e l l a i n contrario p e a d a ; Tal p a r v e Anteo. Inferno. XXXI. - 117 - grandes homens q u e ella p r o d u z i u . Às p a r e d e s e a ho l>3 d as dos i m m e n s o s claustros estão o r n a d a s de uma multidão d e escudos d ' a r m a s q u e r e c o r dam os sábios de toda a espécie e as p e r s o n a g e n s n o b r e s , discípulos c m e s t r e s desta gloriosa u n i versidade. Os s e u s n o m e s , mostrados com orgulho aos e s t r a n g e i r o s , são um estimulo p e r p e t u o para as geraçoens n o v a s , c h a m a d a s aos t r a b a l h o s da intelligencia sob simílhanles t e s t e m u n h a s . N o s tempos m o d e r n o s , a U n i v e r s i d a d e conta e n t r e os seus membros Bento X I V , G a l v a n i , o cardeal Mezzofanti, q u e bastam para fazer a sua g l o r i a immorlal. A bibliotheca possue oitenta mil v o l u mes e q u a t r o mil maouscriptos , a l g u n s do sexto c até do quinto século. E n t r e e s t e s últimos, c o r remos com enternecimento as Imagens de Philostrato : esta obra recorda tocantes infortúnios ; c da mão de Miguel A p o s l o l i o , um dos g r e g o s fugitivos de Constantinopla , no decimo q u i n t o século , e tem esta inscripção : O r e i dos pobres deste mundo escreveu este livro para viver. Não se pode d a r um p a s s o na I t á l i a , sem e n c o n t r a r alguns grandes ludíbrios da fortuna. S S de N o v e m b r e Madona de «an Luca. — Sua festa.— Campo santo. S e , do alto da Garizenda, virais os olhos p a r a o o c c i d e n t e , avistais uma v e r d e c o i l i n a , s i t u a d a a uma légua de distancia d e Bolonha. S o b r e o c u m e esguio deste m o n t e solitário, e r g u e - s e u m a rica egreja, cuja esbelta t o r r e e brilhante cúpula - 118 - chamam de longa a atlenção do viajante : è Nossa Senhora da Guarda, ou a madona de san Luca. Alli, venera-se uma imagem maravilhosa da sancta Virgem, pintada por S. Lucas. S e g u n d o uma antiga tradição (1J, este r e t r a t o Fora trazido d e Contanlinopla a Bolonha, em 1160, por um pio e r e m i t a , qne o depositou n ' u m a capella solitária, ao pé da qual habitava uma santa r a p a r i g a , c h a m a d a Angela. A Rainha do ceu não tardou a s i g n a l a r a sua (l) No dizer do P . Lanzy, na sua Historta da Pintura, aquelles q u e e x a m i n a r a m os q u a d r o s attribuidos a S. Lucas, convém em que elles não podem realmente p e r t e n c e r - l h e , ao menos no e s t a d o em q u e se a c h a m . Fora mister s u p p o r u m a serie d e retoques que teriam acabado por fa^er q u a d r o s inteiramente diííercnles da obra p r i m i t i v a . Nenhum, tal quai esta, passa da epocha d i e ta Byzaulina. Segundo U a c z o l a r i , d e v e - s e c e r t a m e n t e e x c e p t u a r a madoua de Santa Maria Maior, em R o m a . No e n t a n t o a tradição que a t t r i b u e q u a d r o s ao santo Evangelista está de modo tal espalhada no Oriente e Occidente, q u e é provável t e r e m realmente existido.* Muitos daquclles q u e se dão como taes são até talvez as primeiras m a deiras, em que se exercitou e pincel do c o m p a n h e i r o de S. P a u l o . Mas a mesma R o m a está longe de afíirmal-o. Indicando os dias em q u e se descobrem a s v i r g e n s , o Diário Romano c o n t e n t a - s e com dizer : Dipmte, come decesi, da san Luca. Ë ' no sentido desta nota q u e se deverão e n t e n d e r todas as e x p r e s s o e n s de q u e me servir no seguimento da viajem, faltando d a s v i r g e n s p i n tadas por S , Lucas. - 119 - presença com favores m u l t i p l i c a d o s , aos q u a e s Bolouha correspondeu com testemunhos não e q u í vocos dc g r a t i d ã o . A piedade dc seus h a h i t a n t e s substituiu a modesta capella por u m a magnifica egreja, c, nestes últimos tempos, quiz tornar a g r a dável e commodo o caminho q u e c o n d u z a fonte das graças. Uma maravilhosa e s t r a d a , cujo t y p o só encontroes na Itália ; uma e s t r a d a , q u e atesta o poder da fé c da c h a r i d a d e , u n e a c i d a d e ao cimo da alta m o n t a n h a . E ' um a l p e n d r e d e a l venaria, composto de seiscentas e trinta e cinco a r c a d a s , a maior p a r t e o r n a d a s d c p i n t u r a s e wscripçoens pias. - Formado por duas m u r a l h a s de coisa de vinte c cinco pés de elevação, s o b r e * pujadas por uma elegante a b o b a d a , a p r e s e n t a u m caminho de uns doze pés de l a r g u r a . U m a d a s p a r e d e s é massiça ; a o u t r a , composta de a r c a * d a s s u s t e n t a d a s por c o l u m n a s ou pilaslras, p e r mitte-vos gozeis a p a i z a g c m . E s t e soberbo alp e n d r e estende-se cotn g r a ç a pela planície , depois e l e v a - s e serpenteando sobre o flanco da colima , e vos introduz suavemente no templo de M a r i a . Não temos sem commoção os nomes das pessoas cuja liberalidade construiu aquelies s o b e r b o s a r cos. Aqui, os alfaiates, as modistas, os a r m a d o r e s ; alli, os criados da c i d a d e ; um pouco m a i s l o n g e , os lenhadores, os p e d r e i r o s , que reuniram as s u a s economias para e l e v a r e m u m a , d u a s e até 1res a r cadas. Trepamos v a g a r o s a m e n t e aquelia rampa sane* liíicada pelas oraçoens e lagrimas de tantos p i e dosos peregrinos q u e a haviam subido antes de nós e q u e ainda a sobem todos os d i a s . Q u a n t a s vezes,« d u r a n t e a viajem , pede o coração e n t e r necido um pouco d'aquella confiança filial q u e p r o - - 120 - duz os milagres c o n s o l a d o r e s , cujas provas iam tocantes como variadas vedes nos numerosos ex voto suspensos no altar de Maria / Exprimimos ao sachristão o desejo de v e n e r a r m o s a santa i m a g e m . A nossa petição foi t r a n s m i t t i d a ao p a d r e n o m e a d o p a r a a guarda da madona , c só o qual tem direito d e a descobrir. F o r a m accesas a l g u m a s tochas ; o padre r e v e s l i u - s e do r o q u e t e e da e s t o l a , e seguimol-o atraz do a l t a r - m o r . Chegados com elle ao alto de uma escada de d u a s descidas, p o z e m o ' - n o s de joelhos , e 1res vezes s a u d a m o s , com a oração a n g é l i c a , a Mãe dos homens e Rainha dos anjos. Uma porta de b r o n z e girou sobre os seus gonzos r o d a n t e s , e fomos chamados , um depois do o u t r o , a contemplar as fciçocns p a r a s e m p r e v e n e r a n d a s da a u g u s t a Virgem. Q u e r o retrato seja ao n a t u r a l , como p r e t e n d e m , q u e r seja um typo tradicional , o certo é q u e c o r r e s ponde à idôa q u e os séculos christãos nos hão transmiltido do rosto da Mãe do Salvador. Um oval de g r a n d e p u r e z a , olhos perfeitamente r a s g a d o s , sobrancelhas graciosamente a r q u e a d a s , u m a admirável proporção das partes, u m a côr t r i g u e i r a , a l g u m a coisa grandiosa nas f e i ç o e n s , e u m a d o ç u r a indefinível espalhada peto todo : eis ahi o q u e e u pude o b s e r v a r n'aquella p i n t u r a a r r e b a t a d o r a , á qual o tempo tem n e c e s s a r i a m e n t e feito p e r d e r p a r t e da sua expressão. T o d o s os annos a B a i n h a d a montanha d e s c e á cidade ; passa nella très d i a s . A sua v i n d a é um t r í u m p h o ; os habitantes d c Bolonha e os de toda a p r o v í n c i a , concorrendo á lesta , compõem o cortejo, O cardeal a r c e b i s p o espera a amável princeza á porta da c i d a d e , cujas chaves elle lhe apresenta. Depois de a baver recebido com todas a s honras devidas á s (esias c o r o a d a s , leva-a elle próprio á egreja d e S. Pedro. Permanece q u a r e n t a e oito horas c e r c a d a , noite e d i a , das d e s veladas homenagens d ' u m povo immenso. Ao t e r ceiro d i a . v i s i t a a c a t h e d r a ! , o n d e dá a sua b e n ç ã o . D'alli toma d e novo o c a m i n h o do seu palácio a é r e o , p a r a p r o t e g e r a feliz cidade q u e vê a s e u s pés. A sua volta não é menos p o m p o s a q u e a v i n d a ; tem l u g a r nos p r i m e i r o s dias d e maio. Ora , é mister ter visto a I t á l i a , para c o m p r e h e n d e r os encantos e e s p l e n d o r e s q u e a j u n t a m a esta brilhante festa , as bellezas da p r i m a v e r a e a pureza do cén. Esta visão d ' u m m u n d o s u perior passou ; e todo o povo italiano é d i t o s o ; e aquellas imaginaçoens tam v i v a s , e a q u e l l e s coraçocns tam i n f l a m m a v e i s , são d e novo s a n c t i ficados por castas i m a g e n s , p o r piedosas c o m m o ç o e n s ; e o espirito ha g a n h a d o mais u m a Victoria sobre os sentidos. A Itália sobre t u d o é n e cessário o culto da R a i n h a d a s v i r g e n s ; d ' a h i , s e m duvida a l g u m a , as festas , os s y m b o l o s , as i n s c r i p ç o e n s , os usos v a r i a d o s e n u m e r o s o s , q u e tornam alli Maria presente a t o d o s . Q u e o v i a j a n t e leviano ou impio não veja neste facto u n i versal mais q u e uma superstição m i s e r á v e l , isso pouco admira : aqnelle q u e d u v i d a de t u d o , n ã o suspeita ordinariamente coisa a l g u m a . E m q u a n t o ao observador j u d i c i o s o , d e s c o b r e nelle com a d m i r a ç ã o uma das mais formosas h a r m o n i a s d o Ghristianismo. 1 Depois d e termos confiado a Maria os nossos votos e os dos nossos a m i g o s , depozemos a s e u s p é s , como recordação da nossa fugitiva p a s s a g e m , o óbolo dos peregrinos. Depois t o m a n d o de n o v o , felizes e c o n t e n t e s , o c a m i n h o d a c i d a d e , des* — 122 — comos v a g a r o s a m e n t e a montanha s a n t a , para gozarmos o bello espectáculo q u e tínhamos diante dos olhos. Ante nós estendia-se uma vasta p l a nície orlada pelos A p e n n i n o s e sulcada pelo R e n o , cujas a g u a s límpidos deixam entrever l a r g a s c a m a d a s de saibro branco q u e lhe servem de leito. S o b r e esta paizagem risonha e severa , a p p a r e c e a cidade s a b i a , com s u a s velhas m u r a l h a s , s u a s t e r r a s numerosas e soas b r a n c a s villas , dissemin a d a s por sobre as cristas circumvisinhas. Nd fralda da montanha a b r e - s c , sobre a e s querda , um novo a l p e n d r e , composto de cerca de cento e cincoenta a r c a d a s : é o caminho do campo santo. Tal è o nome verdadeiramente christão que na Itália se dá aos cemitérios , e o s cemitérios são dignos do seu n o m e . A l l i , r e u nem-se aos m o n u m e n t o s da mais tocante piedade para com os mortos , todos os testimunhos da mais a r d e n t e fé na resurreição futura. S e , como o dc P i s a , não è o Campo santo de Bolonha formado da terra santa de J e r u s a l é m , nem por isso deixa de ser um dos mais veneráveis e bellos da Itália. I m a g i n e - s e um vasto quadrado rodeado dc grandes arvores verdes e de soberbos a l p e n d r e s , com ricas capellas de distancia em d i s t a n cia, e túmulos a i n d a mais r i c o s ; depois m o n u m e n tos mais modestos e simples s e p u l t u r a s , com u m a multidão de inscripçoens cujo espirito christão e cuja contextura a n t i g a dão a maior h o n r a á piedade e ao talento do sábio a b b a d e S c h i a s s i ; e t e r - s e - h a uma ligeira idôa daquelle magnifico c e mitério. Um viajante jausenista talvez lhe achasse alguma riqueza m u n d a n a de mais , e de m e n o s alguma daquella g r a v i d a d e religiosa que c o n v é m á silenciosa mansão da m o r t e . — 123 — 2 3 de N o v e m b r o . Prisão do rei Enzio. — Kgreja de nio. — S. Domingos. — Santa nha. — Santo Estevão. — de Bento XIV. — S. Paulo. — S. PetroCathenna de BoloAnecdota acerca Galleria. Âo nascer do s o l , e r a a cidade a t r a v e s s a d a por atoa multidão de vehiculos q u e vinham d a aldôa. Traziam ao m e r c a d o o canepa, linho s o berbo , de que Bolonha faz i m m e n s o c o m m e r c i o . Atravessamos a t u r b a a g i t a d a e um p o u c o g r i t a dora , para nos dirigirmos ao palácio do P o d e s t a , outr'ora a prisão do rei E n z i o , cuja historia vou contar. No X I I I s é c u l o , vivia um i m p e r a d o r n a A l l e m a n h a , chamado F r e d e r i c o I I ; a n d a v a p o r esse mundo a l e m , g u e r r e a n d o e respeitando p o u co as leis da justiça. Seu filho m a i s velho, E n zio , ia ao seu lado. Moço e v a l e n t e , levou o ferro e o fogo ás m a r c a s de A n c o n a , e bateu n o m a r a poderosa frota dos Genovezes. Entrand o na Lombardia , encontrou os Bolonhezes q u e lhe d e s b a r a t a r a m o exercito nas planícies de F a s sa! to , c o fizeram prisioneiro ; e r a isto n o m e z d e maio do anno de 1 2 4 7 . Os vencedores c o n duziram-o em triumpho á sua c i d a d e , e o c o n d e m n a r a m a prisão p e r p e t u a . S ó tinha vinte e cinco annos e viveu cincoenta. P a r a sua visar s e u s enojos cantou os seus i n f o r t ú n i o s , e o n o m e d o b a r d o prisioneiro é ainda hoje popular em B o l o n h a . Vimos a t o r r e c o n s t r u í d a para o v i g i a r , e a salla onde elle morreu. Esta s a l l a , c h a m a d a a i n d a hoje sala d'Enzio, serviu para o conclave q u e , em 1 4 1 0 . elegeu o papa João X X I I . Em frente deste mesmo palácio acha-se a - 121 — fonte do Gigante , obra de João de Bolonha. Re* servo-roe para delia fallar depois de ter visitado a s galerias de Florença. E n t r e todas a s egrejas notamos: 1.° S . Pauto, onde se acha o t u m u l o da princeza Eliza Bacciochi , irman de Napoleão ; n'urua das capeilas a d m i r a - s c o q u a d r o de G u e r cbin , representando as almas do Purgatório. 2.° S . Petronio, mais digna''que a metrópole d e s e r a primeira egreja de Bolonha. P o s t o q u e c o meçada no fim do século X I V , esta basilica n ã o está concluída. Dois objectos d ' a r t e a t l r a h e m s o bretudo a a t t c n ç ã o : * a s Sibyllas das p o r t a s , e as magnificas vidraças da capella de Santo Antonio. Na nave de S . P e t r o n i o , estabeleceu Cassini a s u a primeira meridiana ; o m u n d o sábio não o e s q u e c e u : porem o q u e e s q u e c e u , o q u e talvez n n n c a soubesse, é a historia do próprio S. Petronio. T o d a v i a , em q u e peze aquelies q u e tem olhos p a r a v ê r e n3o vêem, a vida de um santo tem pelo m e n o s t a n t o direito a ficar na memoria dos h o m e n s , como um calculo astronómico, fosse elle d e Newton ou de Cassini. Pelo fim d o século IV, pois, nasceu a P e t r o n i o , prefeito do P r e t ó r i o , um filho longo tempo desejado. Os mais ternos e esclarecidos cuidados cercaram a sua infância. Digno d e seu pai pelos talentos, o qobre mancebo quiz t o r n a r se digno do seu D e u s pelas v i r t u d e s . Partia a f i m de ver com os s e u s próprios olhos os g r a n d e s modelos q u e povoavam as solidoens do O r i e n t e . Como Moisés c h a m a d o á çarça a r d e n t e , c o m p r e h e n d e u q u e caminhava n ' u m a t e r r a s a n t a , e percorreu descalço todos aquelies vastos d e s e r t o s . Rico d e dous s o b r e n a t u r a e s , valtou a Roma. O - 123 — papa Celestino collorou sobre o candelabro esta lâmpada a r d e n t e e b r i l h a n t e , isto é, Bolonha t e ve por bispo um s a n t o , um restanrador e um p a i , q u e lhe r e p a r o u a s r u i n a s c s p i r i t u a e s c m a t e r i a e s , dois túmulos o n d e a haviam e n c e r r a d o viva a h e resia e a c r u e l d a d e dos b á r b a r o s . Acreditar-seha q u e as relíquias de S. P e l r o n i o , depositadas na egreja edificada em sua h o n r a , não m e r e c e m n m a visita, a sua vida uma r e c o r d a ç ã o ? E u t r e teem-se em c o n t e m p l a r , criticar, louvar, com m a i s o u ' m e n o s bom gosto, os objectos d ' a r t e q u e d e * c o r a m o seu templo, e nem mesmo pensam e m s e ajoelhar sobre o seu glorioso tumulo ! P o i s q u a n d o cessarão as viagens á Itália de s e r e m um passeio m u n d a n o , inutil e muitas vezes p e r i g o s o ? Revestindo o c a r a c t e r religioso q u e lhes convém,* ella» a b r i r ã o um novo horisoote aos olhares da intelligencia e completarão, s a n t i í i c a u d o - a s , a s impressoens do coração, 3.° A pgreja de S . Domingos* O c u r i o s o t u m u l o do rei Enzio, que n e l l a - s e a c h a , absorveria toda a attenção do viajante, s c não fosse eclipsado por outro tumulo todo r a d i a n t e de g f o n a e m a g e s t a d e ; é o de S. Domingos. Alli repoisa, n ' u m magnifico altar de m á r m o r e b r a n c o , d'uni trabalho ezqnisilo, o illustre d e s c e n d e n t e dos G u s m o e n s , o salvador da Europa m e r i d i o n a l , e, com S . Francisco ri'Assiz, a columna da Egreja no s é culo X I I I . Pedi para v e r d e s , n ' u m a das capellas, a madona dei velttlto; c ficareis enlevados. Esta o b r a - p r i m a é de Ltppo Dalmasio, o modelo mais notável do sentimento religioso empregado na a r t e . P o r devoção, este pio artista jamais quiz p i n t a r senão madonas. A historia nos refere q u e elle e s tava d e tal modo p e n e t r a d o da s a n t i d a d e da sua - 126 — obra, e da pureza de coração com q u e era m i s ter começal-a, q u e se impunha na véspera um j e j u m severo, e se aproximava pela manhã do s a c r a m e n t o do a l t a r . Por isso Guido recouheceu q u e nenhum piutor, sem exceptuar o divino R a p h a ë l , com todos os recursos da a r t e moderna, pôde c h e n a r àquelle c a r a c t e r de santidade, modéstia e p u r e z a , q u e Dalmasio soube d a r ás suas figuras ( 1 / . 4.° A egreja dei corpus Domini, ou delia Santa, para designar S a n t a Catherina de Bolon h a . Por roais bellas q u e sejam, as p i n t u r a s d e Luiz Carrachc, de José Mazza e de Zanoti, q u e ornam o coro, as a b o b a d a s e a sachristia, não p o deram d e t e r - n o s senão um i n s t a n t e . T í n h a m o s pressa de contemplar uma maravilha mui s u p e rior a todas as obras-primas da a r t e . A t e r r a q u e aqui se calca é uma t e r r a s a n t a , calcada, ha q u a trocentos annos, por u m a n o b r e virgem d e Bolonha ; a casa onde estais s e r v i u - l h e de habitação ; todas as abobadas deste claustro viram suas l a * g r i m a s e seus solTrimentos ; as paredes destas c e l lulas o u v i r a m a s u a v o z ; estão embalsamadas do perfume dus s u a s oraçoens e virtudes. Em sua vida, esta virgem cbamava-se Catherina. Deus glorificou a, e o seu nome é hoje S a n t a C a t h e rina de Bolonha. Tendo obtido licença de v i s i t a r mos o seu c o r p o , miraculosamente conservado, entramos n u m a capellinha r e d o n d a , i n t e i r a m e n t e a r mada de veliudo vermelho c a r m e s i m , a d o r n a d o d ' o i ro e b o r d a d o s . No meio está um throno s o b r e p u jado por um doce!, cuja graça eguala a r i q u e z a . f (1) Vede Conferencias da Semana santa em ltoma man. } sobre as ceremonias por Monsenhor W i s e - - 127 — A santa está a s s e n t a d a neste t h r o n o , com o rosto descoberto ; as m ã o s , e g u a i m e n t e descobertas, d e s cansam sobre os j o e l h o s , e os pés v ê e m - s e a t r a vez d'um cristal. Os m e m b r o s tem conservado a sua flexibilidade, porem a carnação geral está d e n e g r i d a 4 ) , excepto a parte inferior da face d i r e i t a , onde é d'uma brancura esplendida ; é o s i tio o n d e a santa mereceu r e c e b e r um beijo do m e nino J e s u s . Q u a n t o me julguei feliz por ser p a d r e ! p o r q u e , nesta q u a l i d a d e , f o i - m e p e r m i t t i d o não só a b r a ç a r os pés, mas as mãos da s a n t a , c v e r de perto os objectos veneráveis sanctificados pelas mãos da t h a u m a t u r g a . Os primeiros c h r i s t ã o s ent e r r a v a m , com o cadáver dos m a r t y r e s , t u d o o q u e podia r e c o r d a l - o s e fazcl-os ura dia r e c o n h e c e r . Fieis herdeiros deste piedoso costume, tem os Italianos um cuidado admirável de c o n s e r v a rem e reunirem em torno dos s a n t o s todos os o b jectos quo foram do uso d e i t e s . A s s u n , naquella c a m a r á , vôdes o escapulário da s a n t a , o seu lenço, as s u a s horas, escripias pela sua mão, o seu v i o loncelo uma cabeça do menino J e s u s , p i n t a d a por ella mesma, cm fim o crucifixo miraculoso q u e lhe fatiou. Foram bem sinceros os desejos q u e s e n t i m o s de termos j u n t o s de nós, n ' a q u e l l e s f e lizes instantes, todas as pessoas q u e nos são c a r a s ; ao m e n o s , r e c o m m e n d a m o l - a s o melhor qufc nos foi possível á poderosa protectora de B o l o nha , e sahimos para visitarmos S a n t o E s t e v ã o . 4.° Monumento curioso a todos os respeitos, (l) Isto provem d ' u m a circumstancia q u e s e ria demasiado longo referir a q u u Vede a Vida da Santa, no fim, a egreja de Santo Estevão é composta de sete egrejas r e u n i d a s , a primeira d a s q u a e s , q u e r e monta ao IV s é c u l o , foi edificada por S. P e t r o nio. Se eu conhecesse um archeologo a d m i r a d o r sincero o desinteressado da. nossa a r t e chrislan a c o n s e l h a r - l h c - h i a q u e fosse c s t a b e l e c e r - ^ c em Bolonha e estudasse todos os d i a s , d u r a n t e um a n n o inteiro , a egreja de Santo Estevão. Atrium > fontes s a g r a d a s , architectura de lodos o s e s t y l o s , capcllas de todas as f o r m a s , velhas p i n t u r a s dos séculos X I I e X I I I , pinturas singelas, cheias de vida e m o v i m e n t o , i n a d o n a s , ex-toto, túmulos de sanLos; acharia alli um verdadeiro m u s e u , do qual cada objecto forma uma pagina da historia da a r t e desde a origem do Christianisme a l è os nossos d i a s . Sahindo deste m o n u m e n t o , que creio umeo no m u n d o , veria ainda , s u s p e n so ao muro e x t e r i o r , o antigo p ú l p i t o , d'onde se a o n u n c i a v a o Evangelho a o povo reunido na p r a ça publica. t Antes dc c h e g a r m o s á A c a d e m i a , passamos por perto do palácio habitado por Bento X I V , quando este grande papa era arcebispo d e B o l o n h a . Esta habitação , illustrada por (antas r e cordaçoens , l e m b r o u - m e uma a n e e d o t a q u e c a r a c térisa a um tempo o homem de geuio e o homem superior. Não sei q u e mau poeta se a t r e v e u a publicar uma s a l y r a a m a r g a contra o digno arcebispo. O prelado quiz v e l - a , e l e u - a com muita a t t e n ç ã o . Sem c o r t a r coisa a l g u m a d a s injurias de q u e era objecto , Tetocou muitos v e r s o s por sua niao ; depois tornou a m a n d a r a peça ao autor d i z e n d o I h e : « Assim corrigida penso q u e ella se v e n d e r á melhor. » - 129 — A galeria d e Bolonha, pela qual iamos á A c a demia , dislingue-se pela escolha dos q u a d r o s . A attenção fixa-se p r i n c i p a l m e n t e no ilartyrto de Santa Jgnez, áe Dominiquino (1) ; a Madona delia pietá, de G u i d o ; a Santa Virgem in g l o r i a , de P e r u g i n o {%) ; e a Santa Cecília, de Raphaël ( 3 ) . E s t a s magnificas composiçocns estão collocadasna rotunda a o n d e se chega por u m vasto corredor a d o r n a d o de q u a d r o s anteriores à r e n a s c e n ç a . E s ta a p r o x i m a ç ã o lança um g r a n d e clarão na historia da a r t e , e faz tocar com o d e d o a differença de espirito e de execução , e n t r e a esehola cathohea e a pagan. P a r a explicar o meu p e n s a m e n to , d o u - v o s a p r a z a m e n t o em F l o r e n ç a , onde e s t a r e m o s dentro d e poucos d i a s . 2*1 de N o v e m b r o . Os Apennin os. — Trajo. — A marqueza Pepoli. Quem não o u v i a c o n t a r na i n f â n c i a , cu não tem lido em sua v i d a , alguma historia d e s a l t e a d o r e s da Floresta Negra ou dos A p e n n i n o s ? Não é isto o episodio forçado da m a i o r p a r t e d a s v i a j e n s antigas e m o d e r n a s á Allemanha e s o b r e t u d o á I t á l i a ? O r a , a i m a g i n a ç ã o conserva tam f i e l m e n t e a s primeiras i m p r e s s o e n s , q u e a nossa se encheu d e imagens p a v o r o s a s , logo q u e se d e c i (1) (2) (3) Nascido em B o l o n h a , em 1B6U Nascido em P e r u s a , em 1 4 4 6 . Nascido em U r b i a o , em 1 4 8 5 . — 130 - diu q u e atravessaríamos as famosas montanhas. A's très horas d a manhan , q u a n d o nos a r r a n c a ram do s o n i n o , o pensamento dos sgrazzatori foi, depois do de D e u s , o primeiro q u e se p r e s e n l o u . O tempo e s t a v a em harmonia com as nossas d i s * p o s i ç o c n s . U m a noite escura , u m vivo f r i o , u m d e n s o nevoeiro q u e distilava g r a n d e s flocos d e n e v e , acompanharam a nossa silenciosa partida : Bolonha dormia. A's portas da cidade, o c o o d u c tor fez subir atraz do vchiculo um homem v i g o r o s o , q u e , deitado s o b r e o a r m a z é m , devia v i g i a r na g u a r d a das nossas b a g a g e n s , j à presas com duas grossas c a d è a s d e ferro. No interior tinham logar n a r r a ç o e n s e m i n e n t e m e n t e proprias para distrahir os nossos pensamentos. Coutavamse assassinatos q u e acabavam de ser c o m m e t l i d o s , um havia dez d i a s , outro havia somente dois dias. Brevemente nos vimos e n t r a n h a d o s n'uni vaile profundo , verdadeiro covil de salteadores, t e r minado por uma montanha longa e árida : e s t á v a m o s nos Apeoninos, A l l i , q u a t r o bois p a r d o s , de g a i t a s aguçadas, nos esperavam ; de distancia em distancia éramos demorados por uma j u n t a ou d u a s daquelles ú t e i s , m a s v a g a r o s o s q u a d r ú p e d e s . Começava o d i a ; m a s , a i ! n e n h u n s s a l t e a d o r e s , nenhum encontro, portanto nenhum e p i s o d i o ; eu indemnisei-me desta privação e x a m i nando a paizagem. Nada m a i s triste do q u e a vista dos A p e n n i n o s . pelo menos na p a r t e q u e separa Bolonha de Florença. Não deparais a q u i , nem com as m o n t a n h a s magestosas da S u i s s a , nem com os seus picos elevados, nem com os s e u s yalles g r a c i o s o s , animados pela q u e d a das cascat a s o a pelo m u r m ú r i o das t o r r e n t e s . Montanhas - 131 - incompletas, s u m m i d a d e s s e m e a d a s aqui e a l l i , sem ordem , sem g r a ç a , a m a i o r parte n u a s e sulcadas por l a r g o s b a r r a n c o s ; o u t r a s c o b e r t a s d e carvalhos enguiçados : tal é o esboço do q u a d r o q u e entristecem muito mais do q u e alegram a l g u mas cabanas isoladas , m e s q u i n h a s habitaçoens dos raros moradores destes logares s e l v a g e n s . Por e s paço de dezoito h o r a s , a n d a m o s e n t r a n h a d o s n e s tas m o n t a n h a s , seguindo um caminho orlado de p r e c i p í c i o s , e de cruzes v e r m e l h a s ou p r e t a s , q u e marcavam o logar onde se haviam verificado acontecimentos "funestos. G r a ç a s a D e u s , nós v i a jamos sem e x p e r i m e n t a r m o s accidente a l g u m , e s e m e n c o n t r a r m o s o bandido dos Apcnninos ; não vimos senão o seu lypo c o seu clássico trajo usado pelos tnoiïensivos m o n t a n h e z e s . A(1igurai-vos um homem de íeiçoens varonis, cabello preto , côr a c o b r e a d a , com a cabeça c o berta com um chapéu á Jiobinson, cercado dc uma ítirga tila de vclludo preto , presa pelo lado de diante com u m a fivela o b l o n g a ; com os h o m h r o s cobertos com uma capa c com uma vestia r e d o n d a c ò r d e c a s t a n h a , colete v e r m e l h o , calçoens v e r d e s , m e i a s formando corpo com à sola dos ç a p a t o s , e t e r e i s , menos as pistolas à cinta e a c a r a b i n a ao h o m b r o , o sgrazzatore dos Apenntnos. S e , q u a n d o p a s s a r d e s , vos a c o m p a n h a r a l g u m m o n l a n h c z , t e r e i s , como nós, este typo formidável d i a n t e dos olhos . Se lhe p e d i r d e s vos deixe ver a sua faca, m o s t r a r - v o s - h a friamente uma a r m a cuja vista vos fará e s t r e m e c e r : é um p u n h a l , cuja folha d e l g a da , aíliada , tem nove pollcgadas de c o m p r i m e n t o ; por uUimo , s e , ainda como n ó s , o i n t e r r o g a r d e s , f a l l a r - v o s - h a dos seus e n c o n t r o s na flor e s t a , assim como da coragem e p r e s e n ç a d e e s 10 1 - 132 — lúnto dc q u e necessitou para e s c a p a r aos s a l t e a dores. A b s t e n d e - v o s de deixardes a p p a r e c e r a l g u m signal d'incredulidade ; taparieis a bôcca ao historiador e tericis occasião de vos a r r e p e n d e r des d i s s o ; adeus aventuras optimamente inventadas e contadas com uma pantomima v e r d a d e i r a m e n t e divertida. Podeis todavia nao a c r e d i t a r nas suas narraçoens ; porque, a fallar a v e r d a d e , eu creio os sgrazzaíori dos Apenninos m u i t o mais raros do q u e se tem q u e r i d o c o n t a r rara avis in terris, etc. Para fazermos d i v e r s ã o à s historias de s a l teadores , falíamos a l t e r n a t i v a m e n t e da F r a n ç a , e dos nossos a m i g o s . Pela sua v e z , um v i a j a n t e , cs'abelecido havia muito em Bolonha, i n l c r c s s o u nos vivamente fallando-nos da m a r q u e / a d e P e p o l i . « Não c o n h e c e i s , nos disse elle , essa m a r q u e z a ? Q u a n d o a cu houver n o m e a d o ficareis l o J o s s u r 'prehcndidos de e n c o n t r a r d e s , debaixo deste e n voltório i t a l i a n o , um nome francez , um nome iSi l l u s t r c ft caro aos velhos «soldados do i m p é r i o . A m a r q u e z a repoli é madatftoesclla M ura t , (ilha do i c i de Nápoles. Casada cm Bolonha , goza d e u m a fortuna considerável ; mas não é por isso q u e delia vos Tallo. O s e u ' t i t u l o d e ' g l o n a está em s e r o modelo das donas de casa, c das mães q u e e n t e n d e m a educação de s u a s filhas. Esta s e n h o - ra tem a simplicidade d e crer q u e a e d u c a ç ã o é o tirocínio da vida. Uma piedade esclarecida , doce e s u s t e n t a d a , essa piedade util a tudo e q u e é t o m o a pudica belle/.a da v i r t u d e , forma a base da i n s l r u r ç ã o e direcção de sua (ilha. Sob as azas m a t e r n a e s , a menina cresce cm s c i e n c i a , dirigida por hábeis m e s t r e s . Acabadas as h ç o e n s , Madaniocsella, guiada por sua m ã e , entra em tot - 133 — das as miudezas da economia d o m e s t i c a , c u i d a da roupa branca , a p r e n d e a fazer e compor os v e s t i d o s , toma n o t a d a despeza ; n ' u m a palavra n u c i a ^ s e , pouco a p o u c o , no a r r a n j o d'uma c a s a . A nobre menina não cora de n e n h u m destes c u i d a d o s ; p o r q u e a mãe lhe tem dicto que não ha mister algum tolo , só ha pessoas tolas; q u e aos olhos do homem razoável se honra a g e n t e praticando com intelligencia c fidelidade os d e v e r e s do seu estado ; e que o reino d'uma m u l h e r è a sua casa , os s e u s g r a n d e s negócios são os arranjo ! d o m é s t i c o s . « E d u c a d a deste m o d o , a nela do a n t i g o rei de Nápoles será , c v e r d a d e » d o c e , piedosa , i n s truída , s i m p l e s , modesta , c o r a j o s a , boa e s p o s a , boa dona e boa a r r a n j a d e i r a d o m e s t i c a , s a b e r á c o n s e r v a r a sua casa em o r d e m , vigiar os c r e a d o s , passar por a g u a de anil os collannhos do seus f i l h o s , fazer m e i a s a seu m a n d o ; s e r á , s a b e r á , fará tudo isto , e , o que m a i s vale , nem por isso c o r a r á . Mas não s e r a n u n c a uma peralta, habii em n a d a r , m o n t a r a cavailo ou e s g r i m i r , a r d e n t e a fumar cigarro , a 1er r o m a n c e s ; não terá n e m um camarote no t b e a t r o , nem um l o g a r r e s e r v a d o nos bancos dos t r i b u n a e s , para a l c a n ç a r commoçoens e variar os p r a z e r e s . Por o u t r a s p a l a v r a s , concluiu o v i a j a n t e , a m a r q u e z a a m e a ç a o decitno-nono século com d a r - l h e uma boa mulher ÚQ mnis e uma leoa de m e n o s . » Esta interessante conversa fez-nos e s q u e c e r o a b o r r e c i m e n t o da v i a j e m , a qual se prolongou d e m a i s : só c h e g a d o s a F l o r e n ç a á s d u a s b o t a s depois da* meia noite. y 1 - 134 — 2 5 de Novembro* Florença. — Jardim de Boboli. — Olhada sobre a historia de Florença. Q u e surpreza foi a n o s s a , q u a n d o a b r i n d o os olhos á l u z , vimos um céu claro e t r a n s p a r e n t e como o temos no interior da F r a n ç a , nos bellos d i a s do verão, de sentirmos uma t e m p e r a t u r a tam a g r a d á v e l , e vermos uma v e r d u r a tam fresca como no niez de maio ! A ti m de j u l g a r m o s a cidade no seu todo, d i r i g i m o ' - n o s i m i n e d i a t a m c n te ao jardim imperial e real de Boboli. E' o jardim do celebre palácio Pttti , morada a c t u a l do soberano, E l e v a - s c cm a m p h i t h é â t r e e do cimo do terrapleno , podemos c o n t e m p l a r á nossa vontade a cidade das flores. Assentada n*uma planície rodeada de montes cobertos até ao meio d ' u m a risonha v e g e t a ç ã o , a s s i m e l h a - s e Florença a uma pérola no cálix d ' u m a f l o r , cujas pétalas, frescas na base , estivessem murchas na p o n t a . A c a p i t a l da T o s c a n a , atravessada pelo A r n o , conta 100 mil h a b i t a n t e s . Está bem e d i f i c a d a , soiTrivclmente c a l ç a d a , e se isso pôde a g r a d a r vos , c h e i a , no outono , dos inevitáveis lilhos d'Albion. Encontramos l a m b e m lâ a l g u n s f r a n c o zes. A' noite , á meza redonda , quasi só se fallou a nossa l í n g u a . Isto me fazia feliz e o r g u lhoso , q u a n d o veio uma s u r p r e z a mui a g r a d á v e l r e m a t a r a minha alegria. No meio da c o m i d a , ouvi p e d i r - m e o sugeito q u e estava defronte, d c mim , em bom francez c cm alta v o z , n o v a s de NevtTs e de muitos dos meus amigos. O a m á v e l desconhecido , q u e t a m b é m sabia quem nós é r a mos e d'onde vínhamos, era o s e n h o r c o n d e T h . . . — 135 — \ V . . . E' um d a q u e l î e s h o m e n s r a r o s ; q u e , por um feliz p r i v i l e g i o , r e ú n e m às maneiras d i s t i u c tas da nossa antiga nobreza , o espirito s u p e r i o r do lilteralo e x e r c i t a d o e o coração do fervoroso christâo. Volto a Boboli. A entrada e r g u e r a - s e , sobre os seus largos p e d e s t a e s , d u a s b o i s e s t a t u a s a n t i g a s , de porphyro o r i e n t a l , r e p r e s e n t a n d o d o i s p r i s i o n e i r o s Dacios. Mas a d i a n t e a p p a r e c e a e s t a t u a colossal d e Ceres e m u i t a s o u t r a s mais q u e não posso ou não q u e r o nomear. Os e s c u l p l o r e s , cujas o b r a s decoram este j a r d i m , t i v e r a m o t r i s t e talento de vos fazerem a b a i x a r os olhos a c a d a p a s s o . Da altura onde estávamos situados a b r a n g i a m a s nossas vistas a cidade i n t e i r a ; aos n o s sos p é s corria o A r n o , cujas o n d a s agitadas p a recem offerecer uma imagem exacta da historia d e F l o r e n ç a . I l e c o r d a n d o - m e q u e estava na terra n a tal do clássico, j u l g u e i poder p e r m i t t i r - m e u m a prosopopea. Dirigindo pois a palavra ao r i o , d i s s c - J h é : « Antiga l e s l i m u n h a dos acontecimentos c u m p r i dos neste l o g a r , c o n t a - m e o que tens visto 1 » Elie r e s p o n d e u - m e : • Muito tempo a n t e s dos R o manos , os E t r u s c o s , colónia de Pheoicios , h a b i tavam nas minhas m a r g e n s ; o accenlo g u t t u r a l dos Florentinos prova a sua d e s c e n d ê n c i a (1) ; vi c h e g a r a dor do exercito de C e s a r que t r a n s formou a velha cidade n ' u m a c i d a d e nova ; F l o r e n ç a soiïrcu o j u g o de Roma , à qual foi u n i d a p*or uma larga via chamada Via caspia, cujas r u i v t j (1) Algumas l u s c r i p ç o e n s , e m e d a l h a s e n c o n t r a d a s cm F l o r e n ç a , parecem estabelecer o m e s m o f a c t o , s e g u n d o o doutor Lami, — 13G — nas tu podes ainda r e c o n h e c e r . No r e i n a d o dc Nero foi ella atravessada por um apostolo , c h a mado Frontino (l) , q u e o chefe dos pescadores galileus enviava ás G a l l i a s : n'clla deixou c a h i r u m a scintilla do fogo divino q u e levava para outra p a r t e : Florença fez-so c h r i s t a n . 'Assolada pelos B á r b a r o s , foi reedificada por C a r l o s - m a g n o , esse g r a n d e restaurador do Occidcnte. Em 1 1 2 5 e r a ella bastante poderosa para s u b j u g a r a a n t i g a F i e s o l a sua rival. Dois séculos d e p o i s , havia e n chido o mundo com o e s t r o n d o do seu n o m e . Nas abobadas do Palazzo Vecchio , um painel te recordará esse facto talvez ú n i c o , c tam honroso para a c i v i l i s a ç ã o de F l o r e n ç a . OITerece-te e l l e a recepção dos doze e m b a i x a d o r e s enviados por d i v e r s a s .potencias ao Pontífice r o m a n o Bonifacio VIII , para o celebre jubileu do anno de 1 3 0 0 , embaixadores que todos se a c h a r a m Florentinos. P o r isso o Papa , impressionado com s i m i l h a n l e encontro e com esta reuniSo de F l o r e n t i n o s , g o v e r n a n d o o universo , lhes disse : Vós sois um quinto elemento, A lista das potencias de q u e estes Florentinos eram ministros não te p a r e c e r á menos extraordinária que o próprio facto ; e i l - a a q u i : A F r a n ç a , a I n g l a t e r r a , o rei da B o h c roia, o imperador d'AHemanha , a republica de B a g u s a , o senhor de V e r o n a , o g r a n d e K a n da T a r t a r i a . o rei de Nápoles, o rei da Sicilia, a r e publica de P i s a , . o senhor de C a m e r i n o , o g r a n ' m e s t r e de S. J o ï o de J é r u s a l e m ( 1 ; Vôde Fogginio, de itinere romano divi Petri. ( ï ) Yêde Valéry, t. I I . 1 7 1 . et epitcopatu - 137 - « Alternativamente a r i s t o c r á t i c a e d e m o c r á tica , adquiriu Florença pelo seu commercio com a Asia r i q u e z a s i m m e n s a s q u e a c a r r e t a r a m a s u a r u i n a . As m i n h a s a g u a s foram m u i t a s v e z e s t i n gidas com o s a n g u e dos seus mais nobres c i d a * •Jilós. Desvia os olhos d e s t e triste, espectáculo , e d i r i g e - o s p a r a os g r a n d e s h o m e n s q u e esta t e r r a tem p r o d u z i d o . Sem faltar d e m u i t o s outros , ó a q u i q u e viram a luz o Dante , p r i n c i p e dos p o e t a s e c r e a d o r da língua i t a l i a n a ; Machiavelo, q u e deshonrou o seu génio fazendo* se o apostolo da a s t ú c i a ; M i g u e l - A n g e l o , q u e immortalwsou o s e u , como p i n t o r , corno e s c u l p l o r e como a r c h i t e c t o ; B r u n e l l c s c h i , cuja gloria sem mancha a r e d i z a c ú p u l a d e F l o r e n ç a ; F r a Barlolomco, q u e n u n c a foi maior que q u a n d o q u e i m o u as obras l i c e n c i o sas do seu hábil p i n c e l ; C i m a b u e , cuja fama c r e s c e à p r o p o r ç ã o q u e a a r t e torna a ser c a t h o lica ; S a n t o A n t o n i n o , pérola dos bispos do d e c i o i o - q n i n l o s é c u l o ; Leão X , q u e s o u b e r e s i s t i r ás terríveis tempestades' do século seguinte ; S. Philippe de N e r i , modelo dos p a d r e s ; o ò e m a v e n t u r a d o Dippolyto Galantini , cuja memoria abençoam os pobres e as c r e a n ç a s ao passo q u e o Céu coroa as suas virtudes ; S . P h i l i p p e B e n i z z i , honra dos Serviías e apostolo da paz e n t r e os Guelfos e os G i b e l i n o s ; por u l t i m o S a n t a M a g dalena de P a z z i , a T h e r c z a da I t á l i a , » Era assim que os fastos d e F l o r e n ç a m e p a s s a v a m ante os olhos com as o n d a s do rio q u e ia levar o tributo monótono das s u a s a g u a s ao m a r d ' E t r u r i a , como os h o m e n s , q u e n ' o u t r ' o r a viviam nas s u a s bordas , haviam levado o da sua v i d a p u r a ou manchada , ao g r a n d e oceano da e t e r n i d a d e . Depois desta lição d e historia , t o r n a - — 13S - mos a e n t r a r na hospedaria com a e s p e r a n ç a de uma rica colheita para o dia s e g u i n t e . 2 6 de IVoveiiiliro. Baptistério. — Calhedral. — M o n u m e n t o s do D a n t e , de G i o t t o , de Marcilio Ficino. — Estatuas de S. Miniato , de Santo Antonino. — Pias d'agua benta. — S. Z e n o bio. — Recordação do Concilio geral. — Campanário. — Egreja de S. Lourenço. — Capella dos Medíeis, — A Annunziata. — Santa Magdalena de Pazzi. — Inscripção d'Arnolfo. — Lumes p r o m p t o s . — Traço de costumes. A nossa primeira visita foi para o B a p t i s t é rio. A fundação d e s t e e d i í i c i o , devida á piedosa Theodelioda , rainha dos Lombardos , r e m o n t a ao 6.° século, li' de forma octogona c todo o r n a d o de m á r m o r e ; mas e x c e p t u a n d o as tres famosas p o r t a s de b r o n z e , prefiro o Baptistério de P a r m a . A mais antiga , sita ao s u l , foi executada em 1 3 3 0 , por André d e Pisa. Ella oiïerece, em vinte c o m p a r t i m e n t o s , a historia de S. João e diversas virtudes. Na Visitação e Apresentação , as (iguras de m u l h e r e s tem uma g r a ç a , uma decência, uma espécie d e embaraço tímido cheio de e n c a n t o s . Não se d e v e esquecer a data d e s t a s c o m p o s i ç o e n s simplices e de bom g o s t o , o b r a s - p r i m a s de G h i berli ; a s outras d u a s portas remontam ao d e c i m o q u a r t o século. A do meio é Iam bel la q u e M i g u c l - A o g e l o pretendia q u e ella merecia ser a P o r t a do P a r a i s o . E n t r e todos os baixos relevos que decoram as almofadas , a d m i r a m - s e e s p e c i a l mente cs assumptos do Antigo T e s t a m e n t o . Ao lado da porta p r i n c i p a l . estão d u a s columnas de — 139 - porphyro t o m a d a s aos S e r r a c e n o s ; e as c o r r e n tes de* ferro q u e a ellas estão presas p e r p e t u a m a recordação d'uma c e l e b r e Victoria alcançada p e los Florentinos s o b r e os P i s a n o s . Do B a p t i s t é r i o p a s s a m o s á cathedral de Santa Maria dei Fiore. Esta i m m e n s a egreja tem dC7 pés de c o m p r i m e n t o ; a l a r g u r a da cúpula e x c e d e em sete pés e d u a s pollegadas a de S. Pedro d e Roma. Todo o e x t e r i o r , á excepção da facbada, é incrustado de m á r m o r e s dc d i v e r s a s c o r e s , k a l t u r a d a s n a v e s está uma v a r a n d a cuja b a l a u s trada , toda d e m á r m o r e , é recortada como uma r e n d a ; t e n d e s outra na base da cúpula , q u e r o tiôa esta p a r t e a é r e a do edifício como u m a g r i nalda de ílores. Às janellas sào ornadas de e s c u l p l u r a s , de c o l u m n a s em espiraes , de m o s a i cos e de p y r a m i d e s , bem como a s q u a t r o p o r t a s lateraes, 0 interior da egreja é rico cm m o n u m e n t o s , e s t a t u a s e t ú m u l o s . Ao lado d ' u m a porta lateral está u m a p i n t u r a em madeira , r e p r e s e n tando o D a n t e , vestido de cidadão de F l o r e n ç a e coroado de loiros. Ao pé delle vô-sc u m a i m a g e m da Divina Comedia , e uma vista de F l o r e n ç a . E ' o único m o n u m e n t o q u e a i n g r a t a r e publica consagrara ao seu i l l u s t r e p o e t a , q u e morreu desterrado em Rnvenna , onde mais t a r d e visitaremos o seu soberbo t u m u l o . Observais d e pois os monumentos d e Ciotto e Marcilio Fieino. v 9 Na p r i m e i r a o r d e m das e s t a t u a s figura a de S . M i n i a l o , m a r t y r ; é d e t a m a n h o colossal. Para h o n r a r v i r t u d e s e uma c o r a g e m s o b r e n a t u r a l , c o n cebo q u e a a r t e e x c e d a as proporçoens o r d i n á r i a s . M i n i a l o , soldado r o m a n o , estava de g u a r n i ç ã o em Florença q u a n d o û e c i o a c c e n d e u de novo o fogo da perseguição contra os christQos. O v e t e r a n o , intimado para sacrificar nos í d o l o s , mostrou q u e sabia aíTrontar pelo seu Deus a morte q u e tantas vezes havia aiïronlado pelo seu principe j r e c e b e u - a n o meio dos t o r m e n t o s ; o seu Iriumptio p r e p a r o u o da legião T h e b a n a , e F l o r e n ç a conservou r e l i g i o s a m e n t e um nome q u e o Céu escreveu nos s e u s fastos immortaes. As r e l í q u i a s do glorioso m a r t y r c dos s e u s c o m p a n h e i r o s repoisam n ' u m a egreja dedicada em sua honra , fora da porta di San Jtfiniãto. Este v e n e r a n d o snncluario , s u s t e n t a d o por trinta e seis c o l u m n a s de m á r m o r e d e notável e l e g â n c i a , m e r e c e a particular a t l e n ç ã o do viajante. O u t r a e s t a t u a colossal é a d e S a n t o Antonino , a r c e b i s p o de Florença , c u j a s relíquias e n r i q u e c e m a c a t h e d r a l . Felizes as cid a d e s q u e encontram no seu próprio seto os m o delos e os mestres de todas as v i r t u d e s ! mais felizes aquellas q u e tem o bom e s p i r i t o de p e r p e t u a r e m por meio de m o n u m e n t o s a sua preciosa memoria I Não conheço patriotismo mais bem e n tendido. N o b r e filho de Florença e pae da sua p á t r i a , nasceu A n t o n i n o c m 1 3 8 9 . D o t a d o d a s mais r a r a s q u a l i d a d e s , deveu a um prodigioso esforço intellectuel a . s u a e n t r a d a na ordem de S . Domingos. De edade de q u i n z e a n n o s , apresenta-se ao prior d e Fiesola e s u p p l i c a - l h e o a d m i t i a e n t r e os s e u s noviços. O p r i o r , q u e q u e r i a e x p e r i m e n t a r u m a vocação' tam p r e c o c e , disse-lhe : « Sereis recebido, m e u filho, q u a n d o houverdes a p r e n d i d o de c ó r o Decreto de Graciano, D Aquelle que conhece algum tanto o corpo de direito canónico , confessará facilmente q u e similhante condição podia p a s s a r por uma verdadeira r e c u s a . Antonino não vê n'ella outra coisa mais q u e uma dilliculdadc ; põe m ã o s - 141 - à obra c doze mezes depois volta a a p r e s e o t a r - s e ao prior. Interrogado o prodigioso moço recita , r e s p o n d e , discute com tanta firmeza e s u p e r i o r i dade, q u e é recebido por u n a n i m a d a . Era elle q u e . mais tarde, respondia a E u g é n i o I V , decidido a fazei o a r c e b i s p o : « Q u e r e r í e i s , Santíssimo P a d r e , tract ar como inimigo um homem a quem h a v e i s dado tantas m o s t r a s de b o n d a d e ? • O papa foi inflexível. Antonino, a r c e b i s p o , visitava r e g u l a r mente a sua diocese. Uma mula c o m p u n h a todo o seu t r e m . Q u a n d o não tinha mai» n a d a q u e d a r , v e n d i a - a para coccorrcr os pobres. Pessoas r i c a s pediam então para a c o m p r a r e m , para terem o c casiao de a restituírem ao Santo em forma d e p r e s e n t e : este piedoso trafico durou muito t e m p o ; e a nãn ser a consciência de certos p e r s o n a g e n s q u e nao é necessário n o m e a r , n e n h u m a m e r c a d o ria tivera sido vendida mais vezes que a m u l a de Santo Antonino, ou o cobertor d e Ian de S . J o ã o o Esmoler. Nos dois primeiros pilares da g r a n d e nave es-' tão d u a s antigas pias ri'agua benta, u m a d a s q u a e s é notável pelas c s r u l p t u r a s , e a outra muito v e n e r a d a por ter e n c e r r a d o os ossos de S. Zenobio. Como Antonino, filho, protector, p a t r o n o , apostolo de F l o r e n ç a , Z e n o b i o , descendente de Zcnobia , r i i n h a dc P a l m y r a , n a s c e u no século I V . P e s c a d o no pego da idolatria, veio a ser a seu t u r n o pescador d'homens. As s u a s p r i m e i r a s conquistas f o r a m seu pai e sua m ã e . Amigo de Santo A m b r ó sio e do papa Dâmaso , m o r r e u no reinado d ' i l o oorio, e foi depositado na c a t h e d r a ) , onde c o n t i n u a a velar pela família q u e produziu a J . C. Santa Maria dei Piore r e c o r d a o u t r o facto q u e t e m g r a n d e logar na historia. V i u , em 1 í 3 S , — 142 — o celebre concilio ecuménico onde foi assignada , entre o O r i e n t é e o Occideoto , a união por t a n t o tempo d e s e j a d a , tantas vezes rota , e q u e , a i n d a desta v e z , d e v i a ser dentro e m breve calcada a o s pés pelos g r e g o s , para d e s g r a ç a da s u a n a ç ã o . As conferencias p r e p a r a t ó r i a s c e l c b r a v a m - s e no convento dos d o m i n i c o s , e as conclusoens ou s e s soens p u b l i c a s na c a t h e d r a ) . Eis uma fraca p a r l e das recordaçoens q u e c e r c a m o viajante q u a n d o visita este m o n u m e n t o , t a n t a s vezes v e n e r a n d o . Vós t o d o s , q u e p r o c u r a e s inspiraçoens nesta òella t e r r a d'italia , se m e fosse permittido d a r - v o s u m c o n s e l h o , d i r - v o s hia : Não desprezeis estas r e c o r d a ç o e n s ; c r ê d e m e , ellas servem m a r a v i l h o s a m e n t e para d i s p e r l a r , e desenvolver o sentimento religioso que c h a m a r e i sen) temor a s e g u n d a vista do a r t i s t a . E m F l o r e n ç a , a t o r r e é s e p a r a d a da c a t h e dral ; esta anomalia e n c o n l r a - s e muitas vezes n a I t á l i a , especialmente na R o m a n i a , onde d o m i n o u p o r muito tempo o gosto bysaotino. De forma q u a d r a n g u l a r e revestida , da base ao coruchéu , d e m á r m o r e p r e c i o s o , a t o r r e d e Santa Maria dei Fiore è de certo o mais elegante e precioso campanário q u e temos v i s t o , e , creio e u , q u e s e pode ver. Os curiosos q u e r e r ã o não e s q u e c e r q u e c obra de Giotto ; o q u e prova q u e o pae da p i n t u r a m o d e r n a , o rei da a r t e c h r i s t a n , não precisara dos clássicos modelos d'Àlhenas e Roma para crear o b r a s - p n m a s . Ao sahirmos do Duomo encontramos as r u a s atulhadas de Toscanos e T o s c a n a s q u e vinham ao m e r c a d o . Toda esta m u l t i d ã o , d e trajo p i t o r e s c o , apresentava um animadíssimo espectáculo e u m a perspectiva c u r i o s a ; foi-nos permittido gozal-a á - 143 — nossa vontade d i r i g i n d o - n o s á egreja d e 5 . Lourenço. Aqui a c h a - s e a capella dos M e d í e i s , q u e r e corda a magnificência da de V e r s a l h e s , V ê e m - s e nelia alem disso os t ú m u l o s d'aquella illustre família , primeiro de c o m m e r c i a l e s , depois de p r i n c i p e s , depois ailiada com a m a i s nobre casa d o u n i v e r s o , a casa de B o u r b o n / / I ! E alli, m u i t o p r ó x i m o , está o u t r a c a p e l l a , destinada á s e p u l tura dos príncipes austríacos q u e hoje r e i n a m em F l o r e n ç a . Assim passam as coroas d'uma c a b e ç a a o u t r a ; assim passam os h o m e n s ; assim passam as d y n a s t i a s ; uma só coisa não passa : a m o r t e ! q u e reduz ao mesmo nada os p r í n c i p e s da t e r r a , q u a l q u e r q u e seja a nação a que p e r t e n ç a m . A nossa p e r e g r i n a ç ã o terminou com a visita das d u a s c e r e j a s da Annunziaia e de Santa Magdolenu d e Pazzi. Na primeira , conserva-se u m a imagem miraculosa da S a n t a V i r g e m , em g r a n d e veneração e n t r e os F l o r e n t i n o s . Depois de h a v e r s a u d a d o a Bainha do t e m p l o , a d m i r a r n - s e d i v e r sos q u a d r o s d'Andréa dei S a t o / l ) > r e p r e s e n t a n d o as p r i n c i p a e s p a s s a g e n s da vida de S. P h i l i p p e Bcnizzi. P a r a c o m p r e h e n d e r uma das mais n o táveis , é mister recordar q u e o S a n t o , estando n a s ' a g o n i a s , poz lodos os s e u s i r m ã o s em a g i * t a c ã o , p e d i n d o - l h e s o seu livro. Os bons r e l i giosos não podiam a c e r t a r em a c h a l - o , ainda q u e lhe houvessem a p r e s e n t a d o g r a n d e n u m e r o délies. F i n a l m e n t e , t r o u x c r a m - l h e o s e u crucifixo** Sim, eis aqui o m e u livro » , disse o S a n t o m o r i b u n d o ; e e s t u d a n d o - o pela ultima vez com a m o r , morreu no meio da sua deliciosa l e i t o r a . A c a (1) Nascido em Florença em 14SS - lií - pella que e n c e r r a a imagem miraculosa é de i n crível riqueza : o pavimento c de porphyro e de granito egypcio ; as p a r e d e s do pequeno oratorio são incrustadas de ágata j a s p e e o u t r a s p e d r a s preciosas ; possue todas as magnificências da natureza e do g e m o . A egreja de Santa M a g d a lena oflerere-nos um o r n a m e n t o q u e u l t r a p a s s a todas as o b r a s - p n m a s da a r t e : são as relíquias da S a n t a . Quam g r a t o é venerar , sob aquellas a b o b a d a s scintillantes de doirados, o corpo v i r g i nal da illustre a m a n t e do Salvador ! Q u a m g r a t o é r e c o r d a r , cm presença do seu glorioso t u m u l o , aquellcs cantos inspirados pelo muito a m a d o da sua alma , e a q u c l l e amor a r d e n t e q u e lhe fazia d i z e r : « Ëu para comrnnngar não h e s i t a r i a , se fosse n e c e s s á r i o e m e n t r a r na cavei na d'um leão l » f T o r n a n d o a passar por ao pé da catbedral , paramos ante o m o n u m e n t ) e r g u i d o á gloria d'Ar~ nolfo di Lapo , q u e foi o archilecto do celebre edifício ; por baixo do busto lê-sc a inscripfão s e guinte : Ille Mc est Arnulphus Qui facere jussus . /Edis metropolitana! Tanta ex decreto communis Floreniinorum Magntficenciœ extruendœ Quanlam nulla hnminum Superare posset industria ingenli civium auso Ob aciem animi ingenlem Parem se piebuit (t;., (1) « Este é Arnolfo q u e , tendo recebido da camará de Florença o r d e m de editicar u m a c a l h e - - 14S - A exageração italiana t e m - s e tornado p r o v e r bial e n t r e nós o u t r o s filhos ao Norte. Desta e x probração q u e nós dirigimos a todos os povos m e r i d i o n a i s , p a r e c i a - n o s l e r a prova no e m p h a t i c o elogio d'Arnoifo. Todavia , a grandeza e a b&lleza do m o n u m e n t o podem d e s c u l p a r a poética licença d a i n s c r i p ç ã o ; a nossa sentença foi pois suspensa até mais ampla informação. Mas eis q u e um novo documento de convicção nos e s p e - l a v a , dois passos snais a d i a n t e . Como o p r i m e i r o , não eslava e s t e , c v e r d a d e , g r a v a d o no m á r m o r e por ordem dos m a g i s t r a d o s da c i d a d e ; estava simplesmente escriplo n ' u m a caixa de p a p e lão , por não sei que proletário desconhecido. Esta c i r c u m s l a n c i a nada lhe tirava da sua (orça ; pelo c o n t r a r i o , fortificava, nlargando-a , a base do raciocínio s e g u i n t e ; Pois que a exageração s e encontra em lodos os g r a u s da escala s o c i a l , a e x p r o b r a ç ã o dirigida a este povo não é sem f u n d a m e n t o . E s t u d a n d o a nova prova que acabava dc c a h i r - n o s nas m ã o s , não se deve e s q u e c e r q u e se pôde 1er o c a r a c t e r d'um povo em pranchas d c m á r m o r e ou em caixas dc p a p e l ã o : La n a t u r e , féconde en bizarres p o r t r a i t s , Dans c h a q u e âme est m a r q u é e à de différents t r a i t s : Un geste la d é c o u v r e , un rien la fait p a r a î t r e ; Mais tout esprit n'a pas des y e u x p o u r la c o n n a î t r e . (k natureza, fecunda cm r e t r a t o s extrava- drol <Ic tal magnificência, q u e n u n c a a industria h u m a n a podesse e x c e d e l - a , se mostrou , pela a l tura do seu g é n i o , ao nivel do gigantesco p r o jecto des s e u s concidadãos, » — 140 — g a n t e s , está m a r c a d a em cada alma com traços différentes : dcscobre-a um g e s t o , p a i e n t é a - a um nada ; porem nem todos os espíritos tem olhos para a conhecerem.) Um dos meus a m i g o s h a v i a c o m p r a d o uma caixa de lumes p r o m p t o s , da composição dc Philippe Barrier, d'Empoli na Toscana. Depois d e t e r accendido a minha vela , tive a c u r i o s i d a d e d e 1er os versos italianos escríptos na dieta scatola de papel p a r d o ; prestai attenção aos a c ceolos desta m u s a ignorada : Qual è causa dcl giubbiio (The m ' e m p i o tutlo il seno Che quasi vengo m e n o P e r questo g r a n p i a c c r ? Ah 1 sol la causa è questa , A v e r su tutti r i m p e r o , P o l e r s c h e r n i r e altero II mio nemico ognor ; Ë dirgli s o r r i d e n d o : Ascalta r i s u o n a r e D'aiTuno all'altro m a r e 11 n o m e di Barrier [\). S e n r . P h i l i p p e ' B a r r i e r , d'Empoli na T o s c a n a , q u e vos c a n t a i s neste t o m , por haverdes desço-* berto l u m e s , permilti-me q u e vos p e r g u n t e q u e (1) ff Qual è a causa da alegria q u e me i n u n da a a l m a , e me cansa t a m a n h o prazer q u e quasi desfalleço? A l i ! a única causa , é o ter s o b r e pujado a t o d o s ; é p o d e r s e m p r e e s c a r n e c e r dos meus rivaes c dizer-lhes s o r r i n d o : Ouvi resoar d'um mar ao o u t r o o n o m e d e B a r r i e r . » 147 - versos teríeis dirigido a vós p r ó p r i o , se , novo C o l o m b o , houvésseis descoberto a A m e r i c a ? £ 7 de N o v e m b r o . Uma surpreza. — Galeria do palácio Piltí, — Juizo sobre a renascença. Este d i a , em q u e o >ccu se m o s t r a v a t a m puro como na véspera , começou por u m a s u r p r e z a . Apostaria q u a n t o .quizesseis q u e a n ã o adivinharíeis. Q u a r e n t a e oito horas a n t e s , h a víamos encontrado a i g u a s Fraccezcs á ineza r e donda , e hoje sabemos q u e estamos hospedados em casa do u m , , , N i t e r n e z ! E' v e r d a d e . Pela u n n h a n , o e s t a l a j a d e i r o , q u e linha visto e r e gistado os nossos p a s s a p o r t e s , veio ter comigo, e d í s s e - m e : « Sou foliz , senhor a b b a d e , por ver um ecclesiastieo da minha t e r r a . — Sois F r a n cez ? — M e l h o r , q u e i s s o ; sou Niverncz. Meu pai e minha mãe e r a m dc N e v e r s ; ainda tenho um tio naquella c i d a d e ; é p a d r e ; ainda v i v c ? ~ P d •zei favor de me dizer o seu n o m e ? — O s e n r . B . . . . — C o o h e ç o - o muito b e m . Posto q u e muito edoso , passava b e m , ha um m e z , na epocha da m i n h a p a r t i d a . » E as lagrimas vieram aos olho.? do excellente homem ; c ficamos muito c o n h e c i d o s ; e eis-nos fallando e t o r n a n d o a fallar do N e vers e do N i v e r n e z . O digno s e n r . B . . . contourne a sua i n t e r e s s a n t e historia ; e , d e s d e esta e c c a s i ã o , nós fomos os mimosos da estalagem de Porta Rossa, Q u a s i tam felizes com o nosso encontro como - 148 — o senr. Philippe B a r r i e r coro a s u a descoberta , fomos ao passeio. A velha Florença religiosa h a via recebido a nossa v i s i t a ; era hoje a vez de F l o r e o ç a artística. A m ã e a n t e s da íilha : eis o q u e se chama observar as conveniências. A s galerias do palácio P i l t i , os Uflizi, o P a lazzo Vecchio , a Acadenria , nos viram s u c e s s i v a m e n t e . Estes brilhantes s a n c t u a r i o s da arte. d e v i a m estar muito a d m i r a d o s , elles c o s t u m a d o s a tantos sorrisos a p p r o v a d o r c s , a tantas e x c l a m a çoens a d m i r a t i v a s , da c a r a h a b i t u a l m e n t e s e v e r a q u e nós lhes m o s t r a m o s . P a r a nos j u s t i f i c a r m o s , b a s t a r a , creio e u , e x p l i c a r - n o s . Estávamos nos logares de triste memoria o n d e , 1res séculos e meio a n t e s , a a r t e s e n s u a l i sada e libertina havia r e p u d i a d o a sua casta e s p o s a , a religião c a t h o l i c a , para desposar a i m p u r a mythologia da G r é c i a e de Ruma. P o r t o d a s as " p a r t e s , os nossos olhos viam os fructos d e g r a d a d o s deste commercio adultero : deplorável divorcio cuja causa e cujos efíeilos é de mister r e c o r d a r , O Christianismo, q u e purificara o m u n do d a s infâmias p a g í i n s , q u e o salvara da b a r baria dos p o v o s do N o r t e , q u e e r g u e r a as s o c i e dades modernas a , tamanha s u p e r i o r i d a d e de c o s tumes e luzes , inspirara também o geoio d a s a r tes. No fogo s e m p r e puro dos seus a l t a r e s , nos claroens sempre divinos dos s e u s m y s t e r i o s , h a viam o p i n t o r , o e s c u l p t o r , o archíieclo, o poeta e o orador accendido o seu facho , e bebido a s s u a s inspiraçoens ; e o m u n d o espantado vira os seus pensamentos trnduzirem-se cm m o n u m e n t o s de toda a e s p é c i e , de uma e l e v a ç ã o , g r a ç a , castidade , mageslade , d'un» espiritualismo d e s c o n h e cido da a n t i g u i d a d e . Era um admirável reflexo do - 149 — principio sobrenatural q u e se t o r n a r a a alma d a s naçorns r e g e n e r a d a s . Chegava o decimo-quinlo século ao seu m e a do. Filha da fé , c a m i n h a v a a Europa artística com passo rápido na via de um progresso q u e lhe era p r ó p r i o , p o r q u e era o desenvolvimento natural da sua religião , dos s e u s costumes , d a s suas i d ê a s , f u n d i d a s , como c i l a , no molde do ChrisLianismo. Já havia fatiado S . B e r n a r d o ; havia cantado o D a n t e ; Cimabuc , C i o t t o c muitos outros haviam escripto com o seu immortal p i n cel $s paginas sublimes da a r t e christan n a s e g r e jas de F l o r e n ç a , B o l o n h a , Assis e P á d u a ; mil cathedraes , com as suas myriadas d e t o r r e s pontiagudas , levavam ás nuvens a gloria da a r c h i tectura ralholíca e o poder do génio i n s p i r a d o pela -fé. Que brilhante dia a n n u n c i a v a tam b r i lhante a u r o r a t Mas c i s q u e os G r e g o s , tristes r e l í q u i a s d ' u m a nação dispersa pelos quatro ventos por haver t r a hido a fe de s e u s pais , chegam a F l o r e n ç a . Na sua bagagem de p r o s c r i t o s , t r a z e m as obras dos philosophos , poetas , oradores , a r t i s t a s pagãos , de quem são admiradores fanáticos. Acolhidos p e los M e d í e i s , pagam a sua benevolência e x p l i c a n do as obras dos seus antigos compatriotas. Pelo q u e d i z i a m , a E u r o p a ate e n t ã o nada e n t e n d e u d c philosophia , de eloquência , de poesia e dc bcllas a r t e s . < B a r b a r a , i n s t r u c - t e , não mais p r o c u r e s os teus modelos , nem as. tuas inspira ç o e o s , nos teus grandes h o m e n s , nos teus a n n a e s , na tua religião. Só Borna p a g a n , só a Grécia pagan e s p e c i a l m e n t e , podem o I T e r c c c r t e , cm t o dos os g é n e r o s , ohras-primas dignas das t u a s meditaçoens. L á , foi o monopólio do g é n i o , do - lîiO - saber e da e l o q u ê n c i a ; l á , e x i s t i r a m homens que deves imitar , porem q u e nunca has de c g u a l a r : a lua gloria será o a p r o x i m a r - t e d é l i e s ; não esp e r e s ir tam longe : elles pozeram as columnas d ' H e r c u l e s da inteltigencia h u m a n a , D E i s ahi o q u e foi dicto e repetido em lodos os t o n s , pelos r e c é m - c h e g a d o s e seus d i s c í p u l o s . E d e i x a r a m - s e illndir pelos s e u s d i s c u r s o s , e romp e r a m violentamente com o passado ; e nada mais viram q u e os pagãos d ' À t h c n a s e de Roma ; e tanto quanto nella c o u b e , a Europa sabia esfor™ çou-se por se fazer à imagem délies. Varias e s cavaçoeus activamente seguidas produziram a d e s coberta de a l g u m a s estatuas dos habitantes do Olympo ; todas as artes a c u d i r a m para se i n s p i r a r e m na contemplação dos novos m o d e l o s : a r e volução foi c o n s u m m a d a . Tal é em poucas palavras" a historia da Renascença. Q u a n t o á sua influencia sobre a sociedade em g e r a l , c e s p e c i a l * mente sobre as belWis a r t e s , tem ella sido o b jecto dos juízos mais contradictorios. Jà que e s tamos em Florença e vamos visitar a galeria P i t l i , a s principacs peças do processo v à o - n o s passar pela vista ; importa estudai-as bem. E' o melhor meio de apreciar com justiça o g r a n d e movimento do XV s é c u l o , e de distribuir c o o s c i e n c i o s a • menle a censura e o elogio. A R e n a s c e n ç a , todo o mundo convém n'isso, foi p a r t i c u l a r m e n t e o culto da forma , mais ou menos desprezada pela Eschola calholica. Este amor da forma é b o m , é necessário até para a perfeição dos objectos d ' a r l e . D'ahi A S m a g n i f i cas incitaçoens q u e Roma foi a primeira q u e se apressou a d a r - l h e . Mas deve elle ficar dentro de justos limites. P r i m e i r a m e n t e , não d e v e p r e - - 1S1 - valecer sobre a i n s p i r a ç ã o , no sentido de q u e o artista , absorto peio desejo de representar a hei— ieza material , despreze o pensamento que devo animar a tela ou o m á r m o r e , e nos assumptos religiosos fazer da a r t e um verdadeiro s a c e r d ó c i o . D e p o i s , este amor da forma não deve ir a l è de* vassal-a e r e p r e s c n t a l - a em c e r t a s partes q u e a moral publica não p e r m u t e expor á vista. F i n a l m e n t e , o amor da forma não d e v e fazer e s q u e c e r ao artista q u e a betleza material não pôde nem deve ser mais q u e o reflexo da belleza ideal, cujo typo se encontra na h u m a n i d a d e ennobrecida pelo Chrislianismo. Os gloriosos h a b i t a d o r e s d o c é u , o l l o m e m - D c u s , sua augusta Mãe , os anjos, os santos e a s s a n t a s , e s t u d a d o s no silencio d a m e d i t a ç ã o , e contemplados com essa segunda vista que dão a pureza de coraçiío e a piedade , tal é a fonte da inspiração c h n s l a n e o v e r d a d e i r o t y p o do bello. Entre esta inspiração e a mythologica ha , c o n c e b e - s c , a mesma distancia q u e e n t r e o céu c a t e r r a . R e p r e s e n t a r a s q u a l i d a d e s d i v i n a s , a s v i r t u d e s , os sentimentos celestes d a q u e l l e s j y pos augustos j u n t a n d o a isso a belleza d a forma, é elevar a a r t e ao seu mais alto poder. Uma vez recordados estes p r i n c í p i o s , diremos q u e a Renascença m e r e c e justos elogios p o r h a ver cullivado a forma , e d e boa mente lhe p a g a m o s esse t r i b u t o . Mas se ella sacrificou a inspiração á forma; se a pintou em partes cuja vista ultraja os costumes públicos ; se , em vez de p r o curar o typo do bello no céu, o procurou demasiado habitualmente na terra ou no olympo, então m e r e c e uma censura'Severn : p o r q u e matcrialisou o génio e tornou a a r t e infiel á sua n o b r e e santa missão. Vejamos s e assim è c e n t r e m o s na celebre g a l e r i a . E i s - n o s no fundo da g r a n d e escada da qual subimos os soberbos d e g r a u s , enire duas alas de V e n u s , H e r c u l e s , F a u n o s , Bacchos , M c r c u r i o s , S a t y r o s , U y g i a s , Pallas e Esculápios. A'escada s u c c è d e o vestíbulo denominado sala delle nicchie ; este n o m e v e m - l h e dos nichos abertos nas p a redes e destinados a r e c e b e r e s t a t u a s : nelles se encontram V e n u s , F l o r a , uma M u s a , Apollo M u s a g e l c s , Marco-Aurelio , Antonino, Commodo ; por fim estamos no limiar da galeria. Este t e m plo da p i n t u r a , em q u e a Renascença expõe á admiração a maior p a r l e d a s s u a s o b r a s , d i v i d e se em quinze capellas ou salocns. Nenhum r e cebeu denominação chrislan. Très tem nomes insignificantes: saloens delia Stuffá, das Creancas, d e Pocctti. Os doze o u t r o s tem o n o m e d'uma divindade pagan ou d'um s e m i - d e u s : salão de Venus; salão tf Apollo; salão de Marte ; salão de Jupiter; salão de Saturno; salão da Ilíada; salão da Educação de Jupiter; salão d'Ulysses voltando a i Ilíaca; salão de Prometheo; salão da Justiça ; salão de Flora ; salão da Musica. K fim d c não haver engano acerca do p e n samento q u e presidiu a este arranjo c a e s t a s d e n o m i n a ç o e n s , é d e mister n o t a r : q u e e s t e s ú l timos salocns são os mais ricos e magníficos ; q u e o salão de V e n u s é o p r i m e i r o ; q u e cada d i v i n d a d e tutelar está pintada na abobada do s a l ã o , com os s e u s castos a l t r i b u l o s , ou no c u m p r i mento de alguns factos mylhologicos , todos m a i s próprios uns que os outros para inspirar celestes pensamentos. Por b a i x o , nas quatro paredes do s a n c t u a n o , vedes os q u a d r o s dos g r a n d e s m e s tres da Renascença. Dir-se hiara promessas e%voto, q u e testilicam r e c o n h e c i m e n t o dos artistas — 1S3 - p a r a com o d e u s ou a d e u s a , á inspiração d o s q u a e s parecem dcclarar-sc d e v e d o r e s das o b r a s d o seu pincel. Q u e vos p a r e c e ? T o d o este espectáculo t a m perfeitamente pagão não p a r e c e a traducção l i teral do pensamento a r t i s t i c o m o d e r n o , e o t e s temunho irrecusável da alliança a d u l t e r a verificada pelo fim do século XV ? Não parece a galeria d e Florença dizer ao joven a r t i s t a : « L e v a n t a os olhos para a a b o b a d a dos m e u s s a l o e n s ; ets os deuses da P i n t u r a e das A r t e s ; e i s os q u e i n s piraram as o b r a s - p n m a s q u e brilham a o s s e u s p é s ; não tens para q u e b u s c a r no céu d o s c h n s l ã o s i n s piraçocns e m o d e l o s : b a s t a - t e o olympo ; a e s trada está traçada pelos vestígios luminosos] dos grandes mestres ; t r a b a l h a , imita, e s p e r a ? » Estudemos agora os resultados do principio pagão , inspirador da R e n a s c e n ç a . Os q u a d r o s da galeria dividern-se em d u a s g r a n d e s classes : os a s s u m p t o s profanos e os a s sumptos religiosos. Os primeiros são executados pelos m e s t r e s , com g r a n d e perfeição. Vê-se q u e foram t r a ç a d o s com e n t h u s i a s m o e segundo a impulsão do c o r a ç ã o , lia figura tal q u e d i a n t e delia pôde o c i r u r g i ã o fazer um curso d'analomia. A d o ç u r a , a força , o b r i l h o , os mais delicados matizes da c a r n a ç ã o ; a flexibilidade das c a r n e s ; a s í i b r a s , os n e r v o s , os m ú s c u l o s , os mais p e q u e n o s t e n d o e n s ; o jogo complexo dos ó r g ã o s , a sua dilatação o u c o n t r a c ç ã o , conforme os p r a z e r e s e as d o r e s , ou as impressoens nahtraes da a l m a ; nada lhes falta. A todas e s t a s qualidades se r e ú n e m a r e gularidade das proporçoens , a irreprehensivel n a turalidade das a t t i t u d e s , a belleza a r r e b a t a d o r a d o c o l o r i d o , e a forma material c a sensação physica se acham r e p r e s e n t a d a s com nma perfeição de d e s esperar : assim devia s e r . Com o mesmo p r a z e r e bom exilo , pôde o botânico estudar certo vaso de flores. Os p i s tilos e as petaias com os seus matizes tam variados e d e l i c a d o s ; as f o l h a s , com a sua b r a n d u r a ou o seu l u s t r o , q u e sei e u ? a posição da h a s t e , o s e u diâmetro, a sua e l e v a ç ã o : t e m - s e a c e r t e z a d e encontrar alli ludo o q u e se encontra na n a t u reza , imitado e r e p r e s e n t a d o com admirável e x a c tidão : ainda assim devia s e r . Deste modo , m i u d e zas anatómicas, precisão de desenho., belleza m a t e r i a l , p u r e z a , v i v a c i d a d e , graça de c o l o t i d o ; n ' u m a p a l a v r a , tudo o q u e é do dominio dos s e n t i d o s , está reproduzido com r a r a felicidade: i s to pelo q u e loca aos a s s u m p t o s profanos. Q u a n t o aos a s s u m p t o s religiosos, adivinha-se o q u e pedem ser : o pintor fel-os á sua i m a g e m , corno elle próprio se havia feito á imagem dos modelos pagãos e profanos. ^ forma material não deixa nada ou q u a s i nada a desejar. T e n d e s bel— los h o m e n s e bellas m u l h e r e s , Graças até e D e u s a s ; porem s a n t o s e s a n t a s , pouco ou n a d a . B u s c a - s e o c e u , e só se e n c o n t r a o o l y m p o ; os olhos a d m i r a m , porem o coração não o r a . Toda u m a ordem de s e u t i m e n t o s , ideias, i m a g e n s , d e positada em nós pelo calholicismo , e q u e c o m p õ e como a essência do nosso ser sobrenatural, fica sem t r a d u c ç ã o . O pintor não nos c o m p r e h e n d e ; o seu idioma não è o n o s s o : elfe falia s e g u n d o a carne ; c nós falíamos segundo o espirilo. D'ahi as inevrrecçoens e os contra-sensos q u e commette quando q u e r gaguejar a nossa l i n g u a . Exemplos: recordavamo*-nos das madonas d e Giotto, — 155 - de Lippo D a l m a s i o , do b e r a a v e n t u r a d o Angélico de Fiesoia , c p r o c u r á v a m o s , nas que cstiïo s u s pensas nos saloeos de Marie c J u p i t e r , os s i n gelos e n c a n t o s , a graça p u d i c a , a doce s e r e n i d a d e , a santidade ; n ' u m a p a l a v r a , esse reflexo divino q u e brilha nas p r i m e i r a s e só pelo qual c o n sente a nossa fé em reconhecer a virgem Mãe d e D e u s ; ai I já o n ã o e n c o n t r á v a m o s , excepto t a l vez na Madona do duque d'Alba, de Raphaël. Olhamos a i n d a , c d e s c o b r í a m o s , a pezar n o s s o , nos S a n t o s , nas S a n t é s , nos M a r t y r e s , nos A n o s , nos a r e s do parentesco com ApoIIo , J u p i t e r , as G r a ç a s , as M u s a s , os Ucroes e as Ueroinas d a a u t i g n i d a d e , q u e nos t o r n a v a m p a l p á v e l a i n s p i r a ç ã o s e n s u a l q u e os diclou. Isto è n e m mais nem menos o q u e deve ser. Os grandes mestres da Renascença são pintores verdadeiramente religiosos, como foram verdadeiraramente christaos, m o m e n t a n e a m e n t e e por e x c e p ç ã o . F r a n c a m e n t e , a q u e m se espera c a p a c i t a r q u e levando uma vida toda s e n s u a l , e n c h e n d o o espirito , a m e m o r i a , o c o r a ç ã o , de p e n s a mentos , i m a g e n s e alíeiçoens g r o s s e i r a s , é sufíicienle saber d e s e n h a r , ter na mão um pincel e diante dos olhos a primeira F o r n a r i n a , d o t a d a d e alguns e n c a n t o s , p a r a fazer u m a s a n t a , u m a Virgem , a mais pura d a s v i r g e n s ? Oh ! isto n u n ca cu o a c r e d i t a r e i ; porque n u n c a a c r e d i t a r e i q u e o facho divino do génio se a c c e n d a na lama d a s p a i x o e n s ! No entanto a historia está ahi para nos dizer que taes foram os modelos e a receita d e masiado ordinária dos p i n t o r e s do XVI século e dos s e n s successores. È q u e r e r - s e - h i a q u e t i v é s semos fé na inspiração religiosa de todos esses a r t i s t a s ? Credat Judœus Apollo... — 156 — Ter sacrificado demasiado á forma material « e desprezado a inspiração christao , e i s , creio e u , as duas primeiras exprobraçoens q u e se podem com justiça fazer á Renascença. A galeria do p a lácio Pilli nos informa q u e ella merece outra muito mais grave. Antes da Renascença não se pintava o nu , e isto por d u a s razoens : p r i m e i r a , porque a religião c h n s t a n essencialmente e s p i r i tualista e moral o veda. A a r t e era tomada a serio e olhada como um s a c e r d ó c i o , como uma l i n g o a sobrenatural destinada a t r a d u z i r uma o r dem de iríôas, sentimentos e bellezas s u p e r i o r e s aos sentidos. Prova , em d i v e r s a s e p o c h a s , a vida e as obras de C i r a a b u e , G i o t t o , Lippo D a l m a s i o , do B. Angélico da Fiesola , do seu d i s cípulo querido Benozzo Gozzoli ; de Gentie F a briano , Thoddeo B a r t o l o ; finalmente dos d o i ? r e ligiosos Vital e Lorenzo, q u e , pintando os c l a u s tros de Bolonha , trabalhavam j u n t o s como dois i r m ã o s , excepto q u a n d o se tractava de r e p r e s e n tar o Crucificado. Então Vital se sentia de modo tal aniquilado pelo a s s u m p t o , q u e o a b a n d o n a v a c o m p l e t a m e n t e ao seu amigo. Poderia citar o u tros exemplos não menos notáveis deste profundo s e n t i m e n t o religioso e m p r e g a d o na arte* pelos p i n tores v e r d a d e i r a m e n t e chrislãos. A segunda rasão por que se não pintava o n u , è que isto não era necessário á perfeição da a r t e cathofica. Procurava-se representar e x c l u s i v a mente a belleza espiritual, a única cuja vista eleva acima dos sentidos. Ora , esta belleza r e liée t e - s e unicamente nos olhos e nas feiçoens do Tosto. D'ahi a incomparável pureza d a s figuras e o typo v e r d a d e i r a m e n t e divino, que d i s t i n g u e m as obras dos g r a n d e s mestres a n t e r i o r e s ao m o - vimento do X V . ° século. Vè-se q u e esta p a r t e absorvia os seus cuidados e o seu t a l e n t o ; todo o r e s t o , olhado como a c c e s s o r i o , é tractado com certa negligencia , objecto eterno dc censuras l e vadas até á injustiça a respeito das p a r t e s v i s í veis das a n t i g a s p i n t u r a s . Esta d i g n i d a d e , esta santa missão da a r t e foi desconhecida pelos novos •artistas. Formados na eschoía do paganismo, n ã o viram habitualmente mais q u e a bcllcza material, e para a fazerem s o b r e s a h i r , pintaram o nu : e p i n t a r a m - o , miseráveis ! com um luxo e uma impudência q u e faz b a i x a r os olhos á v i r t u d e , e que deve cobrir dc r u b o r a face menos pudica. Então é isto , p e r g u n t a m o s , o legitimo uso ou o abuso da a r t e ? P ó d e - s e acreditar q u e Deus desse ao homem o g e m o p a r a corromper mais h a b i l mente? S e , nos a s s u m p t o s profanos , é o nu dc q u e fallo um escândalo , não é elle nos a s s u m p t o s religiosos um c o n l r a - s e n s o s a c r í l e g o ? Não se revolta o senso c h r i s l ã o , q u a n d o nos dão por s a n t a s , figuras d e s p i d a s e provocantes como n y m phas ou sereias ? e pela augusta Mãe de D e u s , uma mulher m o s t r a n d o a todos os o l h a r e s um meuino completamente n u ? N ã o , n ã o , por mais q u e digam e por mais q u e façam , n u n c a p e r suadirão a n e n h u m cathohco , q u e as nossas sant a s tinham a d e s e n v o l t u r a das d e u s a s ; e q u e a m a i s recatada de todas as mães , a mais s a n t a m e n t e pudica de todas as v i r g e n s , Maria emfim, desse jamais ao publico um espectáculo como a q u e t t e de que acabo de fallar. T o d a v i a , foi-nos g r a t o r c c o n h e c e l - o , e é-nos consolador dcclaral-o , a estes conlra-scnsos e s t r a n h o s , para não dizer s a c r í l e g o s , oflerece a g a - leria de Florença honrosas e x r e p ç o e n s . Raphaël, T i c i a n o , M u r i l l o , G u i d o , T i n l o r e l o , Julio R o mano , e outros m a i s , escreveram paginas v e r d a deiramente c h r i s t a n s , isto é verdadeiramente s u blimes. M a s , admitlidas estas excepçoens , é difficil não sanecionar as graves c e n s u r a s d i r i g i das á Reoascença. Ella honrou o culto da forma a ponto d e o tornar idolntrico ; a arte cessou de ser a língua do e s p i r i t u a l i s m o , para t o r n a r - s e a língua do sensualismo ; em vez de se conservar « m sacerdócio c a t h o l i c o , foi demasiadas v e z t s um. sacerdócio d e g r a d a n t e e c o r r u p t o r . Pelo q u e toca á essência , perdeu pois mais do q u e ganhou com a revolução do X V . século. Q u a n t o á forma, p o d e r - s e - h i a provar q u e permanecendo catholica não teria atingido essa c o n e c ç ã o d e desenho, essa regularidade de feiçoens, toda essa perfeição de a l t i t u d e s , de roupagens e outros a c c e s s o n o s de q u e a Renascença se gloria j u s t a m e n t e ? Aquelle q u e pode o m a i s , pôde o menos. à a r t e c a t h o lica h a v i a - s c elevado até á hclleza ideal e e s p i ritualista : uma pouca d c pratica l e r - l h c - h i á dado o s e g r e d o da belleza sensível , cujos modelos são p a l p á v e i s ; mas havia-os desprezado pelas r a s o e n s mais acima e n u n c i a d a s . Poder-se-hiam citar e m prova as o b r a s - p r i m a s de Giotto e do B. A n g é lico , dc Gaddi , etc. A capella dos Hcspanhoes, em Roma , possuc m u i t a s figuras tam bellas em cslylo e expressão como as de R a p h a ë l , e os pensamentos são, roais p r o f u n d o s , mais vastas as conrepçoens. A madooa de Scnla Maria in Cosmedin, e Nosso S e n h o r , na egreja dos S S . C o s me e Damião', são admiráveis ; as figuras são d'um tamanho a que Miguel Angelo, Raphaël e t o dos os pintoresque se lhes s e g u i r a m nunca c h e g a r a m . 0 — 159 — Sahimos da galeria de Florença com os olhos d e s l u m b r a d o s , porem com o coração mui pouco satisfeito. A* vista de tanto génio tam tristemente d e s p e n d i d o , g e m e - s e a m a r g a m e n t e , e não se encontra consolação senão na esperança d'uma v o l ta á o r d e m , volta a r d e n t e m e n t e desejada hoje e cujo salutar progresso deve cada qual p r o m e t t e r de a p r e s s a l - o com todo o poder da sua fraqueza. Tal é o motivo das reflexoens q u e precedem ; oxalá possa elle justifical-as ! 2 8 do Novembro* JVnecdota. — 0 Palazzo-Vecchio. — Os Uffizj. — Visita ao benhor Cónego B . . . . — EMado moral de Florença. — Confraria da Misericórdia. —CaleOÍMIIO de perseverança. Havíamos houlem deixado a galeria para p a s sarmos aos Uffizj, mas a hora adiantada o h r i g o u - n o s a deixar esta visita p a i a o dia s e g u i n t e . D u r a n t e a n o i t e , o áspero clima do norte s u b stituirá a suave t e m p e r a t u r a da Itália. O friorento T o s c a n o , assaltado d ' i m p r o v i s o , não sabia como e m b r u l h a r - s e no seu c a p o t e , O seu e m b a r c o nos fazia r i r , p o r q u e o frio nos parecia m u i t o s u p porlavel. E' v e r d a d e , q u e antes de c o m e ç a r m o s o nosso beilo c longo p a s s e i o , pelas m a r g o u s p i torescas do Arno , t i v é r a m o s cuidado de a l m o ç a r com um appelite q u e a curiosa conversação d'uni viajante inglez favorecera s i n g u l a r m e n t e . * Este amável- n a r r a d o r e r a um velhinho, muito experto em matéria d e viajens. Na sua vida n ó mada , havia visitado v a r u s vezes a E u r o p a i n - - 160 — teira. Nada i m p o r t a n t e lhe e s c a p a r a , e falia va de tudo com uma exactidão e o p p o r l u n i d a d e que davam ás s u a s relaçoens um encanto e interesse s e m p r e e g u a l . Por um privilegio bem raro e n t r e os seus c o m p a t r i o t a s , e x p r i m i a - s e na nossa língua com elegância e sem a c c e n t o . À conhecimentos variadíssimos, juntava , o q u e é ainda mais r a r o , perfeita modéstia. É r a m o s cinco ou seis s o m e n t e n a salta de c o m e r ; a conversação era g e r a l . P e r g u n t á v a m o s uns aos outros o q u e tínhamos n o t a d o nas diferentes cidades d Itália. No numero dos convivas a c h a v a - s c um v i a j a n t e , muito enthusiasta do que liuha visto. Mas os seus elogios subiam alem do s u p e r l a t i v o , s e , por acaso , o objecto da sua a d m i r a ç ã o , ainda q u e não fosse senão uma bagatella , vos havia e s c a pado. Dirigindo-sc pois ao velho : « S e n h o r , diss e - l h e , já fostes a G é n o v a ? — Sim , senhor, até lá me demorei bastante t e m p o : creio conhecer essa cidade, » E poz se a contar-nos por incudo o q u e tinha v i s t o : e g r e j a s , m o n u m e n t o s , q u a d r o s , palácios , institutos , glorias numerosas da s o b e r ba c i d a d e , a tudo passou revista. Depois desta comprida n o m e n c l a t u r a , o viajante aceresceutou : « Vistes a villa N e g r o n i ? — Não, senhor. — Como, poii não vistes a villa N e g r o n i ? então não vistes n a d a . » Ë o viajante e x t a s i a - s e com as b e l l e zas , curiosidades e r i q u e z a s da villa ; e felicitase de a Ler visitado , e lamenta que o velho a houvesse e s q u e c i d o . O r a , como vos eu dizia, em G é n o v a , a villa Negroni nada e n c e r r a que s e n ã o encontre vinte vezes na ltaiia. Não tem quasi que a seu favor senão a vantagem da sua posição. Do jardim g o z a ~ s c o p a n o r a m a da c i d a d e ; porem este mesmo golpe dc vista tendei o maior c mais — 161 - completo de vários outros p o n t o s ; tal, por e x e m plo , como a c ú p u l a de Santa Maria di Garignano. « Senhor , a g r a d e ç o - v o s a vossa índicaçSo; d e n l r o d'um mez estarei de volta em Génova, c promelto de não e s q u e c e r a villa N e g r o n i . » E i m m e d i a t a m e n t c escreveu no livro d e l e m b r a n ç a s : Villa Negroni, em Génova. A conversação continuou , e s t e n d e u - s e , s a l tou de assumpto em a s s u m p t o , e o velho a d e i xou c o r r e r . Continuava todavia a tomar partk n e l l a , pronunciando de vez em quando a l g u m a s p a l a v r a s , que pareciam dizer : Eu te levarei ao meu ponto. De f e i t o , ao mesmo tempo q u e c o mia o seu beefteack, e sem parecer q u e g u a r d a v a u m a segunda t e n ç ã o , poz-se a contar-nos v a r i a s a n e c d o l a s . « Recordo«me, e n t r e o u t r a s , nos disse, de uma c i r c u m s t a n c i a da minha primeira viajem a P a r i s , que nunca me esqueceu. Era eu então novo , curioso , como se c aos vinte annos , e muito a m a n t e d c monumentos e o b r a s - p n m a s . Seis mezes inteiros não me tinham parecido demasiado l o n g o s , para estudar P a r i s . Desta cidade fui-me estabelecer em Versalhes. Um dia em q u e cu visitava o caslelio, e n c o n t r e i - m e com uma companhia de viajantes francezes. Uma senhora de muito boas m a n e i r a s , lendo-me reconhecido por estrangeiro , p e r g u n t o u - m e se eu tinha visto P a r i s . — Sim , s e n h o r a . — Yisles as galerias do L o u v r e ? — Sim , s e n h o r a ; sou a m a n t e de p i n t u ra , e foi por ahi q u e comecei. — Vistes NossaS e n h o r a , Snnta-Gcnoveva , Saolo-Kstevão-doM o n t e ? — S i m , senhora. — Ella passeou-roe por todo o Paris. A todas as suas p e r g u n t a s , dava eu a mesma r e s p o s t a , e a minha resposta era v e r d a d e i r a . Dc repente voltou se e d i s s e - m e : 1 Yistes o canal do Ourcq ? — N ã o , s e n h o r a , — Como ! pois não vistes o canal do O u r c q ? então não vistes n a d a . » A este ultimo tiro q u e ia na direcção do nosso viajante francez como uma frecha ao seu a l v o ' , todos deram uma g a r g a l h a d a de riso , sem e x c e p t u a r o c h a r i U t i v o i n d i c a d o r da Villa Negroni. Voltando do passeio, o n d e podéramos gozar s i n o s encantadores visinhos dc Florença, dirigimo*nos aos Uffii]. An}es de c h e g a r ao novo templo das a r t e s , eis a praça D u c a l , com o seu rapto das Sabinas e não sei q u a n t a s o u t r a s e s t a t u a s , cujo nu recorda t r i s t e m e n t e a fonte de N e p t u n o , em Bolonha. Diante e r g u c - s c o Palazzo-Vecchio. S e v e r o , solido, p i t o r e s c o , elevado pelo fim do X I I I . século, dominado pela sua alta e atrevida t o r r e , a antiga mansão dos Medíeis vos' transporia completamente á edade media. Elie rediz u um tempo, a magnificência dos seus antigos senhores, e os trágicos acontecimentos de q u e foi i m p a s s í vel l e s l i m u n h a . Subindo a escada principal, espera» se e n c o n t r a r o frade Savonarole, o a r d e n t e t r i b u n o , q u e pagou com a cabeça as suas prògaçoens democráticas : passa-se peio mesmo logar o n d e elle foi despojado do habito de d o m i o i c o , a n t e s de subir ao palibulo. A torre chamada Barberia recorda Cosme de Medíeis, o pae da p á t r i a . Enc e r r a d o n'aquclle c á r c e r e aéreo pelo fogoso R i n a l do dos Albizzi, leve por guarda F r e d e r i c o M a l a volli, d e n o m i n a d o o mais honrado e delicado dos carcereiros. 0 Atravez um povo de e s t a t u a s c h e g a - s c aos Uffizj : este nome celebre na {historia das artes designa um novo palácio cheio de q u a d r o s e estatuas a m i g a s - 163 - e modernas. Alli, v e d e s , no gabinete dos p i n t o r e s , t o dos os retratos dos grandes artistas, feitos por elles mesmos resta c o l l e c ç ã o é a única no mundo. As différentes Escholas de p i n t u r a , italiana, flamenga, frauecza, alleman, hespanhola, tem cada uma seu salão p a r t i c u l a r . E n c o n t r a m o s lá com felicidade as o b r a s dos artistas catholicos collocadas na primeira o r d e m : o mesmo succède na Academia, onde F l o r e n ç a conserva cm g r a n d e n u m e r o as o b r a s - p r i m a s do B. Angélico c dos o u t r o s p i n t o r e s , seus c o n t e m porâneos. A visita da Academia e dos UHizj, ao mesmo t e m p o q u e vos reconcilia um pouco com a cidade da Renascença, faz lastimar m a i s v i v a m e n t e o desvio do X V . século. Entre u m a mui» tidão d'objeclos q u e compõem a galeria dos b r o n zes no palácio dos Uflizj. dois ha q u e e x c i t a r a m vivamente a nossa c u r i o s i d a d e . E' o p r i m e i r o uma á g u i a r o m a n a , a á g u i a da x>igesima-quartà legião ; o s e g u n d o é um c a p a c e t e de ferro, com uma inscripção em letras desconhecidas : um e o u t r o provem do campo de batalha de C a n n a s . 0 Como estudo de c o s t u m e s , a collecção dos b u s t o s antigos de todos os imperadores r o m a n o s , p a r t i n d o de Augusto até Diocleciano, ollercce g r a n de i n t e r e s s e . A sociedade de s a n g u e e de lodo , de q u e os Cesares foram a personificação, r e l í e c l e - s e n a s suas feiçoens com espantosa verdade. T e s t a s , a maior p a r t e d e p r i m i d a s , c a r n e s p e n d e n t e s , e parle inferior do fácies muito d e s e n v o l vida, um pescoço de toiro, olhos duros c s a l i e n t e s , ou pequenos e profundos, separados por um n a r i z p r o e m i n e n t e , dão a uns a figura de bestas i m m u u d a s e f e r o z e s ; a o u t r o s , a das g r a n d e s aves de r a p i n a . Entre òs bustos i m p e n a e s , dispostos cm d u a s l i n h a s , estão intercaladas as e s t a t u a s dos 12 habitantes do O l y m p o . Os d e u s e s e os C e s a r e s , reunidos por fragmentos de lapides s e p u l c r a e s , com inseripçoens aos d e u s e s m a n e s , o c e u p a m os dois lados de uma immeosa g a l e r i a : d i r - s e - h i a uma hecatomba h o r r e n d a onde o m u n d o antigo , unmovel e gelado, se r e s u m e em très palavras : c r u e l d a d e , voluptuosidade, m o r t e . Não o b s t a n t e a s vergonhosas desnudezes com q u e fatiga os o l h a r e s , não é este espectáculo destituído d e u t i lidade para o observador c h n s t ã o . Apparecendol h e tal qual foi, o p a g a n i s m o jcollocou nos s e u s lábios mais de uma benção vivamente sentida ao Deus de misericórdia q u e fez e u l r a r n a s t r e v a s todo aquelle horrível u n i v e r s o . Entretanto era chegada a hora de m e a c h a r n*uma entrevista v i v a m e n t e desejada'. Haviam* me dado o endereço d'uni cónego da c a l h c d r a l , homem mui dislincto e mui capaz de me fornecer, acerca do estado moral de F l o r e n ç a , todas a s 1 0 formaçoens desejáveis. A minha esperança não foi baldada. Encontrei um velho de cabello b r a n * c o , a n t i g o missionário d'America , sincero amigo da F r a n ç a , e j u n t a n d o a raros c o n h e c i m e n t o s muita c a n d u r a e aflabilidade. A's p e r g u n t a s q u e lhe dirigi r e s p o n d e a - m e nestes termos : « O Jansenismo dogmático está extincto e n t r e n ó s ; porem os males q u e elle fez não estão i n t e i r a m e n t e r e p a r a d o s . Até a g o r a te rase seguido no ensino os a u c t o r e s severos : c o m e ça-se a s u h s t i t u i r - l h e s Santo Alfonso. A theo/ogia do illustre b i s p o , adoptada e praticada na T o s c a na , é um facto q u e podeis olhar como mui s i gnificativo, O nosso clero é n u m e r o s o ; julgai d e i te pelo da calhcdral q u e conta trinta e seis c ó n e g o s , sessenta e cinco capellaens e cem cleri- - 163 - gos , chamados Engeniani, em memoria dc E u génio IV. No concilio de F l o r e n ç a , esle p a p a , nosso c o m p a t r i o t a , teve por bem c o n c e d e r a c e m jovens ecciesiaslicos da nossa c i d a d e o privilegio de serem a d m i l t i d o s ás ordens sem beneficio n e m p a t r i m ó n i o , com a condição dc nove a n n o s d c serviço na c a l h c d r a l . Uma coisa nos falta , c é a orgamsação dos vossos s e m i n á r i o s . N i n g u é m ent r e vós é admiltido às o r d e n s sem q u e a sua v o cação haja sido d u a s vezes provada : a p r i m e i r a no pequeno s e m i n á r i o ; a segunda no g r a n d e . Nós temos m u i t o s s e m i n á r i o s , mas o vicio destes estabelecimentos ë o não serem s e p a r a d o s . T o d a v i a o clero faz o b e m ; lal-o-hia m e l h o r e m a i s facilmente, se o espirito d e José II não reinasse ainda na T o s c a n a . O poder civil invade q u a n t o pode os direitos da E g r e j a , e não cessa de q u e i xar-se da invasão do clero. — É , lhe disse eu , meu venerável c o l l e g a ; a táctica um pouco usada d ' u m personagem c h a m a d o e n t r e nós Roberto Ma* cario , q u e , depois de haver r o u b a d o o seu visinho, é sempre o primeiro a grilar aqukTel-rci ladroens. < Os c o s t u m e s , continuou e l l e , seriam g e r a l mente bons, p o r q u e ha fé c até piedade em F l o rença ; mas os e s t r a n g e i r o s fazem-nos m u i t o mal: c o n t a m - s c h a b i t u a l m e n t e de q u i n z e a v i n t e m i l . Comludo o dever pascal é g e r a l m e n t e c u m p r i d o pelos homens do mesmo modo q u e pelas mulheres* S a b c m o l - o d'uma m a n e i r a c e r t a ; p o r q u e , posto q u e ninguém seja o b r i g a d o a confessar-sc na Páscoa ao seu parocho , ha obrigação d e receber a Eu* charistia na sua Ireguezia e d c e n t r e g a r ao p a s t o r um bilhete d e c o m m u n h ã o . «Não obstante as más d o u t r i n a s trazidas pelos e s t r a n g e i r o s ; não obstante os vossos livros í m p i o s - 166 - com q u e os falsificadores belgas nos inundam ; não obstante os venenos d e r r a m a d o s nas e n t r a n h a s d o nosso povo pelas nudezes escandalosas expostas n a s nossas g a l e n a s e praças publicas, como em m u i t a s o u t r a s cidades da Itália, lemos , alem do bem q u e vos d i s s e , uma instituição a d m i r á v e l , q u e è gloria excíusiva de Florença e da nossa santa religião: é a confraria da Misericórdia. Klla foi fundada pelo meado do século X I I I . , por a l g u n s nobres Florentinos, por occasião da peste q u e devastava a nossa pátria : conta cerca d e mil confrades. O principe r e i n a n t e , o c a r d e a l arcebispo, os homens mais distinctos fazem p a r t e delia, e não podem ser mais que simples confrades ; os r e g u l a m e n t o s os excluem de todas a s d i g n i d a d e s . A confraria tem por f i m s o c c o r r e r os feridos, t r a n s portai-os ao hospital e l r a c l a l - o s até q u e estejam curados ou sejam chamados a melhor vida. Esta instituição tam respeitável s u r p r e h e n d e e edifica os e s t r a n g e i r o s . Vedes a l g u m a s vezes e s c a p a r - s e dos circnlos mais brilhantes um desles confrades advertido pelo sino do zimbório de algum a c c i d e n t e . A este c h a m a m e n t o da c h a r í d a d e , corre a vestir o seu uniforme religioso, espécie de h a b i t o preto com c a p u z , trajo monástico q u e dissimula a desegualdadc das classes e do qual está suspenso um rosário. IíNte homem do m u n d o , n a s c i d o no meio dos gozos da v i d a , pega de boa vontade a uma das extremidades da maca ; c a m i n h a v a g a r o s a m e n t e a l r a v e z d a s ruas da c i d a d e , c a r r e g a do com sen irmão q u e sofTre , e passa, sem p e 7 u r , sem s u r p r e z a , do salão ao hospital (1). ^ •—— • 9 /1) Um viajante moderno exprime o facto nos mesmos t e r m o s . mesmo — 167 - « E n t r e os confrades de semana , ha s e m p r e um padre munido da e x t r e m a - u n c ç ã o . Se é n e cessário t r a n s p o r t a r ao hospital um doente q u a l q u e r , ferido ou não , essa honra p e r t e n c e a i n d a exclusivamente á confraria. Sc é pobre o d o e n t e , s e m p r e ella em sua casa deixa mostras da mais generosa c h a r i d a d e . As senhoras fazem t a m b é m p a r t e d a . o b r a da Misericórdia,, p a r a cujo bem c o n t r i b u e m com s u a s esmolas e oraçoens. A confraria está dividida por b a i r r o s e c a d a i n c z u m dos m e m b r o s faz o peditório. « Em q u a n t o aos nossos h o s p i t a e s , deixam q u e d e s e j a r : as salas d'homens a d m i o i s t r a m - a s e cuidara delias c r i a d o s , os q u a c s , com os e m p r e g a d o s , gastam g r a n d e parte dos r e n d i m e n t o s . A l g u m a s religiosas vigiam as salas de m u l h e r e s ; porem a maior parte dos enfermos são t r a c t a d o s por criadas. » E o bom velho p o z - s e a c l o g i a r me as nossas irmans de S. Vicente de P a u l o , e x p r i m i n d o o seu a r d e n t e desejo de v e l - a s e s t a belecidas em Florença. « Existem m a i s , d i s s e * m e concluindo o venerável cónego , v a n o s e s t a b e l e cimentos de c h a r i d a d e e p i e d a d e que visitareis com interesse. Taes são a pia casa di Lavoro , o hospício Bxgallo, e a casa pia de S . Philippe de Neri. T a m b é m não devo e s q u e c e r os nossos cathecismos de p e r s e v e r a n ç a , B A estas palavras, puxou pelo relógio e disse : « O da Santíssima Trindade faz-se neste m o m e n t o , e se desejaes v e l - o , não ha tempo a p e r d e r ; mas antes de p a r t i r d e s p r o m e t t e i - m e de voltardes a m a n h a n . ti P r o i n e t t í , agradeci e d i r i g i - m e a toda a p r e s s a á egreja indicada. O clero p a r o c h i a l , escoudido por traz do a l t a r , psalmodiava as vesporas a meia — 168 — v o z , em tanto q u e no meio da n a v e c o m e ç a v a o cathecismo de p e r s e v e r a n ç a . Era n u m e r o s o , r e colhido e composto de c r e a n ç a s de doze a vinte a n n o s . E n c o n t r a r em Itália a i n s t i t u i ç ã o a q u e eu linha consagrado dez annos da minha e x i s tência ; v e r - m e n'uma dessas i n t e r e s s a n t e s r e u n i o e n s , á mesma hora em q u e o u t r a s c r e a n ç a s , m u i c a r a s ao meu coração, p a r t i c i p a v a m do mesmo e x e r c í c i o , recebiam a mesma i n s t r u c ç ã o . foi p a r a m i m , confesso-o, uma g r a t í s s i m a s u r p r e z a . Estava eu a r e c o m m e n d a r ao Deus das c r e a n ç a s ' o cathecismo italiano e o f r a n c e z , q u a n d o reparei q u e a noite estava comigo. Sub pena de não d a r com o caminho, foi mister p a r t i r afim de r e g r e s s a r á Porta Rossa. 2 9 de Novemliro. Semí-festa de Santo André. — Pia casa di Lavoro. — Hospício de Bigallo. — Pia casa de S. Philippe — Hospício dos Innocentes. — Sasso di Dante. — Bibliolheca Laurenciana. — Pandectas Pisarias. — Sepulcro de Miguel Angelo , de Galileo, de Machiavelo, de Pico da Wirandola. — Anecdota. Hoje ainda na Itália, c o m o n ' o u l r o tempo em F r a n ç a , ha semi-festas (1). N ' e s s e s dias é p e r mittido t r a b a l h a r - s e , mas ha obrigação d e ouvir missa. O S a n t o André é uma s e m i - f c s t a ; ella devia celebrar-se no dia s e g u i n t e . Como eu a t r a (1) Dias-santos dispensados a i n d a não ha m u i tos annos em P o r t u g a l . (Not. do t r a d u c t . ) — 169 — vcssasse a p r a ç a do m e r c a d o , um rapazinho d e s e u s doze annos veio a g a r r a r - s e - m c á sutana , e d i s s e - m e ; « Padre, c*è obbhgo di messa oggi? P a d r e , ha obrigação d ' o u v i r missa h o j e ? » « - í i o j e , n ã o ; mas manhan , sim. Depois de me t e r b e i j a do a m ã o , foi-se c o n t e n t e g u a r d a r a sua lojinha. No dia s e g u i n t e estava elle aos pôs do a l t a r , assistindo , com u m a m u l t i d ã o de povo, ao s a n t o sacrifício. Virtuoso m e n i n o , Deus te abençoe / o teu proceder e d i f i c o u - m e e tive a felicidade de poder dizer comigo continuando o meu caminho : A q u i , p o i s , t o m a m - s e ainda a serio a s leis da E g r e j a , até mesmo aquellas cuja o b r i g a ç ã o p a r e c e menos rigorosa e q u e a distracção do t r a b a lho pôde mais facilmente fazer e s q u e c e r . O' F r a n ç a 1 até q u a n d o farás c h o r a r tua mãe e c o r a r t e u s filhos? A p r o v e i t a n d o n o s das m d i c a ç o e n s q u e n a v e s * pera nos haviam sido d a d a s , d i n g i m o ' - n o s á pia casa di Lavoro. E s t e e s t a b e l e c i m e n t o , um dos mais bellos da I t á l i a , r e c e b e ao mesmo tempo validos e i n v á l i d o s , mendigos enviados pela a u c t o r i d a d e e i n d i g e n t e s q u e vão alli v o l u n t a r i a m e n t e p r o c u r a r t r a b a l h o . O n u m e r o total varia d e 600 a 9 0 0 . A classificação e as s e p a r a ç o e n s que d e vem d'aqui s e g u i r - s e , lá estão e s t a b e l e c i d a s . F a zem-se a p r e n d e r diversos officios. Il a ofíicinas p a r a teceloens , a l f a i a t e s , ç a p a t e i r o s , c a r d a d o r e s d e I a n , seda , algodão , para fabricantes d e t a p e t e s de Ian , estofos dc seda , fitas, b a r r e i e s v e r m e l h o s para o L e v a n t e , P a r t e dos p r o d u c t o s é vendida por conta da casa ; outra p a r l e é feita p o r encommenda dos n e g o c i a n t e s . As d u a s t e r ç a s p a r t e s do seu valor são r e s e r v a d a s para o e s t a belecimento , e a o u t r a terça p a r t e é p a r a os - 170 — obreiros, A disciplina é alli s u a v e e severa. Pouco d i s t a n t e , admiramos a cbaridade n a tholica em dois outros l h e a t r o s . O hospício Bigallo fundado por Cosme 1 . * , é um asylo das c r e a n ç a s a quem a miséria de seus paes deixa sem e d u c a ç ã o ; ao passo q u e a p i a casa de S. Philippe de Ne ri recolhe a s c r i a n ç a s q u e vagueara p e l a s r u a s e a s a r r a n c a aos perigos q u e nascem da* ocios i d a d e . A c h a r i d a d e vai ainda mais longe , e a s c r i a n ç a s no berço são objecto da sua intelligente solicitude. Foi com felicidade q u e visitamos o h o s p í c i o , tam bem d e n o m i n a d o , dos Innocentes. F u n d a d o em 1 4 2 1 , e construído segundo os d e s e n h o s d o c e l e b r e Brunellesc© , r e ú n e a casa 'de p a r t o ao serviço das c r e a n ç a s achadas ; s u s t e n t a 4,000 destas c r e a t u r i n h a s e provê as despezas da sua educação até aos 10 a n n o s , p a r a os rapazes, e 18 p a r a as r a p a r i g a s , A. Toscana conta doze g r a n d e s h o s p i c i o s , sitos nas principaes cidades e destinados a r e c o lher as creanças a b a n d o n a d a s . A roda e x i s t e ' ; m a s è prohibido depositar n'ella o filho legitimo. Não pôde ser admittido no hospício senão no caso d ' e x t r e m a urgência : por exemplo se a mãe está na impossibilidade de o c r i a r , ou se p e r d e u o p a e , único apoio d a família. Estas c i r c u n s t a n cias devem ser acompanhadas de uma miséria p o s i t i v a , a t l e s t a d a pelo p a r o c h o , pelo medico , pelo juiz, na província ; pelo commissario do bairr o , na c a p i t a l , e pelo gonfaloneiro da municipalidade , cada qual segundo a sua competência. Os rapazinhos a b a n d o n a d o s estão a cargo da c h a r i d a d e publica até aos 14 annos , as r a p a r i g a s a t é a o s 18. Todos ficam sob a tutella dos a d m i n i s t r a d o res ; p a r a as r a p a r i g a s só acaba na e d a d e de 2 5 y - 171 — annos. A Tamilia a q n e m Toi confiada uma c r i a n ç a a b a n d o n a d a , q u e a conservou e cuidou delia , s e é r a p a z , até aos 14 a n n o s , s e é r a p a r i g a , a t é aos 1 8 , i n s t r u i n d o - a n ' u m a profissão util, r e c e b e uma gratificação d e 70 l i b r a s . As r a p a r i g a s cujo comportamento é i r r e p r e h e n s i v e l , recebem um dote na epocha do seu c a s a m e n t o (1). As nossas i n t e r e s s a n t e s visitas h a v i a m - n o s reconduzido j u n t o da c a t h e d r a l , onde c o n t e m p l a mos ao p a s s a r , o Sasso di Dante* Ë' um mármore q u e indica o logar onde o illustre poeta se vinha assentar para t o m a r o fresco e i n s p i r a r - s e á vista do sublime Duomo. O primeiro h o m e m do povo vos mostra o Sasso di Dante, e vos conta a sua o r i g e m , tam popular é o D a u t e n a I t á l i a , mas especialmente em F l o r e n ç a ! Eis u m a boa lição para os nossos auctores clássicos, Em tanto q u e os modernos c a n t o r e s do Olympo e d o Panthéon são desconhecidos da multidão do s e u próprio p a i z , o poeta calholico sobrevive a si próprio ha q u a t r o c e n t o s annos ; e os íacchini de F l o r e n ç a , e os lazzarom de N á p o l e s , e os g o n doleiros d e Veneza r e p e t e m ainda os s e u s cantos p o p u l a r e s , A bulia egreja de Santa Maria No* velta, tam rica de recordaçoens , não nos d e m o r a r a senão um i n s t a n t e , desejosos como e s t á vamos de tornar a ver o excellente cónego B Elle d e u - n o s , sobre a matéria que nos havia n a véspera o c e u p a d o , novos pormenores conlirmados p o r g r a n d e numero d e factos, O seu juizo c o r r e s p o n d e u perfeitamente k opinião q u e nós h a v í a mos formado em Génova acerca do estado a c t u a l ( \ ) Veja-se M. de G e r a n d o , Benef. p u b l . , t. I I , p . 1 7 3 - 4 0 4 , t. I I I , p . S í l . — 172 — da Itália. Existe em F l o r e n ç a , viva e e n c a r n i çada , a lucta do bem c do mal. Abaixo d a s classes literatas , a quem trabalha o carbonismo a n t i - c h r i s l ã o e a n t i - s o c i a l , tendes p o p u l a ç o e n s n a s q u a e s a seiva da fé c o r r e a i n d a pura de q u a l q u e r mistura ; desordens de costumes , como em t o d a s as p a r t e s , porem remorsos e c o n v e r s o e o s ; alli ainda não se c o n h e c e , senão por excepção , o r e s peito humano e a impenitcncia final. T e n d o feito a ultima despedida ao nosso v e nerável amigo , e n t r a m o s na bibliotheca L a u r e n c i a n a . Ella mostra á curiosidade do bibliophilo a s famosas Pandectas Pisanas, manuscripto do V I . s é c u l o , em perfeito estado de conservação ; u m Virgilio, manuscripto do I V . s é c u l o ; finalmente u m Iloracio q u e pertenceu a P e t r a r c h a , e no q u a l o celebre poeta escreveu uma palavra pela s u a m ã o , d e s i g n a n d o aquelle de seus h e r d e i r o s a q u e m lega esta o b r a . À maior parle dos m a n u s c r i p t o s estão presos nas suas estantes com c o r r e n t e s de f e r r o : antigo uso*que se deve aos Ben e d i c t i n o s , e q u e affidnçou a conservação de m a i s d ' u m a o b r a - p r i m a . Outra corrente , mais forte q u e a p r i m e i r a , ligava a obra á estante do m o n g e laborioso ; era a excommunhão. Sim, n a q u e l les tempos a n t i g o s q u e se seguiram á invasão d o s B á r b a r o s , e r a lançada a excommunhão contrato-' do aquelle q u e houvesse removido um m a n u s c r i p to : tam viva e r a a sollicitude da E g r e j a , p a r a prevenir a m u t i l a ç ã o ou perda d a s obras do g e m o a n t i g o , de que e n t ã o não existia talvez senão u m a copia. E d i x - s e nos nossos dras : À Egreja é inim i g a das luzes ! 0 0 Atravessando p a r t e da cidade chegamos á belTa egreja de Santa Cruz. E n c o n t r a m - s e n'ella i l - lustros s e p u l t u r a s : a de Miguel A n g e l o , a d e G a l i l e o , um sarcophago elevado ao D a n t e , ha a p e n a s alguns a n n o s ; por ultimo o mausoleo d e M a c h i a v e l o , com a inseripçâo s e g u i n t e , n o gosto italiano ; TANTO NOMINI NULLCM PAR ELOGIUM. A egreja de S. Marcos, espécie de g r a n d e f a b r i c a , oflcreceu-nos o sepulcro do celebre Pico da Mirandela, A vista d e s t e m o n u m e n t o faz l e m b r a r uma aneedota relativa ao famoso philosopho. P r o d í g i o de sciencia e de memoria , Pico da M i r a n d o l a havia annunciado q u e sustentaria thèses p u b l i c a s sobre todos os c o n h e c i m e n t o s q u e s ã o d o domínio do e s p n t o h u m a n o : de omni scibili ; u m chocarreiro acerescentava : Et de quibusdam aliis. Havendo chegado o dia do exercício , c o n t a - s e .que um homem do povo poz em talas o p r e s u m p çoso s á b i o , r o g a n d o - l h e lhe dissesse q u a n t a s p e tiçoens ha na Ladainha da S a n t a Y i r g e m . 9 O de N o v c m b r o i Tribuna de Galileo. — P o r q u e roi condem nado Galileo?— A que foi coodemnado ? — Partida para Roma. Pela manhan a s e g r e j a s estavam cheias d e g e n t e . A festa de Santo A n d r é r e u n i a , aos pés dos a l t a r e s , uma 'turba n u m e r o s a , cujo r e c o l h i mento foi para nós um v e r d a d e i r o motivo de e d i ficação. Ao piedoso e s p e c t á c u l o succedeu a visita do g a b i n e t e d'Uisloria N a t u r a l e da T r i b u n a d e — 174 — Galileo. Neste ultimo edifício, espécie de r o t u n d a de g r a n d e magnificência, c o n s e r v a m - s e os i n s t r u mentos que serviram ao celebre astrónomo p a r a a p r e s s a r a revolução astronómica e lirmar o s y s lema que todos conhecem. Aquelies telescópios , aquellas b ú s s o l a s , aquelies q u a d r a n t e s , tocados pela mão do g é n i o , inspiram não sei q u e p r o fundo s e n t i m e n t o de respeito ao h o m e m , c d e g r a t i d ã o a D e u s . Alma h u m a n a , q u a n t o és n o b r e / Deus das s c i e n c i a s . como sois bom por h a v e r d e s repartido à vossa fraca c r e a t u r a uma t a m bella porção de intelligencia ! Mas não esqueceu R o m a , com um injusto a n a t h e m a , o concerto de louvores dado ao i m m o r tal a s t r ó n o m o ? não quiz abafar essa brilhante luz ? não condemnou sem razão uma descoberta q u e r e c u a ate ao infinito os limites da r a z ã o ? Estas p e r g u n t a s , ou para melhor dizer estas a c c u s a ç o e n s repetidas por t a n t a s bôccas com um ac— cento de I r i u m p h o , occorrem n a t u r a l m e n t e nos Jogares d'onde sahiu o a s s u m p t o do d e b a t e . G r a ças a Deus, não c necessário j p s t i f i c a r a s e n t e n ç a do tribunal apostólico. S o b r e este p o n t o , como sobre muitos o u t r o s , os próprios protestantes h ã o reduzido ao seu justo valor as loucas d i a t r i b e s da philosophia ( I ] . Comludo , a injusta condemnação (\) Cita se G a l i l e o , condemnado e p e r s e g u i do pelo Santo Ofíicío, por haver ensinado o m o vimento da t e r r a s o b r e si mesma- Felizmente está hoje p r o v a d o , pelas cartas de S u i c h a r d i u o , e do m a r q u e z Nicolini , embaixador de Florença , a m bos os dois a m i g o s , discípulos e protectores d e Galileo , pelas c a r t a s m a n u s c r i p t a s e pelas o b r a s do próprio G a l i l e o , q u e , ha um século, s e m e n t e - 175 - de G a l i l e o , pelo tribunal do S a n t o O f l l c i o , é u m erro dc modo tal encasquetado n a s c a b e ç a s , q u e pode ser util expor brevemente esta causa s e m p r e a n t i g a e sempre nova. Em Modena , o sábio a b b a d e Baraldi h a v i a nos indicado as Memorias e Carias alé agora meditas ou espalhadas de Galileo , publicadas por V e n l u n , em M o u e n a , em 1818 e 1 8 2 1 ; bem como as Cartas de Francisco Nicolini, embaixad o r da Toscana em R o m a , ao balio André C i o l i , secretario d'Ëstado do g r a n ' - d u q u e , e contendo a historia diplomática, dia por dia, de Galileo em Iloma durante o sen julgamento. Destes d o c u mentos originaes, escriptos uns pelo próprio Ga* lileo , outros por N i c o l i n i , seu amigo e a d m i r a ao publico sobre este facto. Este philosopho não foi perseguido como bom a s t r ó n o m o , mas como mau l h e o l o g o , por ter q u e r i d o m e t l o s e a e x p l i car a Bíblia. As suas d e s c o b e r t a s suscitaram-lhe d e certo inimigos i n v e j o s o s , p o r e m foi a sua t e i * ma d e q u e r e r conciliar a Bíblia com 'Copérnico q u e lhe deu j u i z e s , c só a sua petulância foi causa das suas afiliçoens. Foi m e l t i d o , não n a s prisoens da i n q u i s i ç ã o , m a s no aposento do F i s cal , com plena liberdade de comrannicar para fora. Na sua defeza , não se t r a c t o u da essência do seu s y s t e m a , senão da s u a pretendida c o n ciliação com a Bíblia. Depois d e d a d a a s e n t e n ç a e exigida a retractação , Galileo foi senhor de v o l t a r a F l o r e n ç a . D e v e m - s e e s t a s informaçoens a um protestante , Mallet Dupan , q u e , apoiado em d o c u m e n t o s o r i g t n a e s , vindicou aqui a Curia r o mana. (Mercúrio dt 17 de julho de 1784, n.° 29.; - 176 - d o r , r é s u l t a , q u a u t o ao motivo da c o n d e r a n a ção : 1.° Que Galileo não foi de modo algum cond e m u a d o por h a v e r sustentado o movimento da terra ; 2.° Nem por h a v e r s u s t e n t a d o q u e a t e r r a está em movimento alravez os a r e s e em collisão com e l l e s ; opinião comludo d e m o n s t r a d a falsa por Bacon , Newton , L a p l a c e , e pelos progressos da sciencia ; 3. Mas por ter q u e r i d o e s t a b e l e c e r , pela S a g r a d a E s c r i p l u r a , e transformar em dogma uma hypothèse astronómica então mui c o n t e s t a d a , e depois a b a n d o n a d a , ao menos em parte , como absurda e insustentável. D'onde resulta q u e e m vez de amaldiçoar o t r i b u n a l q u e , primeiro, condemoou esta pretenção, deve-sc admiral-o e a b e n ç o a l - o . Não é , com e í í c i t o , prestar ao génio u m eminente serviço o defendel-o contra os s e u s próprios desvios ? e o prohihir q u e se imponha á razão uma opinião contestável coiso uma lei s a g r a d a , não é proteger d i g n a m e n t e a l i b e r d a d e h u m a n a ? Tal foi o procedimento do S a n t o Officie r o m a n o no assumpto de Galileo. Vamos á s p r o v a s : « O a r , diz Galileo, como corpo desligado c fluido, e pouco s o l i d a m e n t e unido á t e r r a , não parece estar na necessidade d o b e d e c e r ao movimento d e l i a , ao m e n o s em q u a n t o q u e as rugosidades da superfície t e r r e s t r e o não a r r a s t a m , e levam comsigo uma porção q u e lhes está contigua , a qual não excede m u i t o os mais altos c u m e s dos montes ; a qual porção d ' a r deverá o p p ô r tanto menos resistência á r e v o lução t e r r e s t r e q u a n t o está cheia de v a p o r , fumo e c x h a l a ç o e n s , todas matérias q u e participam d a s 9 - 177 — qualidades da t e r r a , e por c o n s e g u i n t e a d a p t a d a s aos seus próprios movimentos \í). » D e p o i s , c h e g a n d o á explicação do fluxo e refluxo do m a r , Galileo attribue-o á rotação diurna da terra sobre o seu eixo, e de modo n e n h u m á pressão da lua como q u e r K e p l e r , d e q u e m mofa a m a r g a m e n t e . L a p l a c e v e m á sua vez, cercado, do cortejo de lodos os a s t r ó n o m o s , e diz : « As d e s c o b e r t a s ulteriores confirmaram a e x p o s i ção de K e p l e r c destruíram a explicação de G a lileo , q u e r e p u g n a ás leis do e q u i l í b r i o do movimento dos fluidos (2). O r a , e s t a s opinioens reconhecidas boje por falsas pelos h o m e n s da s c i e n c i a , q u e r i a G a l i l e o , s e g u i n d o a tendência da sua e p o c h a , opoial-as nos oráculos divinos da Escriptura e nas d e c i s o c n s da E g r e j a , a fim de fazei as prevalecer. « Elie e x i g i u , diz G u i c h a r d i n o , seu a m i g o e e m b a i x a dor em I t o m a , no seu officio de í de m a r ç o d e 161G , q u e o Papa e o Santo Ofiicio d e c l a r a s s e m este syslema de Copérnico fundado na Bíblia. » N ' u m a carta á duqueza da T o s c a n a , esforça-se elle por p r o v a l - o theologicamentè , e m o s t r a r q u e ó tirado do Génesis. T r a c l a - s e do s y s l e m a de C o p é r n i c o , entendido à m a n e i r a de G a l i l e o ; porq u e respeito ao syslema em s i , Roma deixou s e m p r e a liberdade d e o s u s t e n t a r . Devemos a t é á solicitude dos Papas a p u b l i c a ç ã o do livro d e C o p é r n i c o , dedicado a Paulo I I I . % Dos mesmos d o c u m e n t o s o r i g i n a e s q u a n t o ás penas infligidas a Galileo : c. (i; (È) II. D i á l o g o s , IY.° D i a , p . 3 1 1 . Exposto, do syslema do mundo, resulta, liv. I V , - 178 - 1.° Que lhe não c a v a r a m os o l h o s , como p r e t e n d e Monlucla ; 2.° Que nào foi mettido n'uru c á r c e r e , como affirma Bernini ; 3.° Que lhe nSo pozcram cadeias aos p é s , como dizem certos q u a d r o s dos nossos m u s e u s : 4 . " Que lhe não locaram de maneira n e n h u ma , nem nos membros nem nos o l h o s ; m a s q u e t i v e r a m para com elle todas as considcraçoeos e todos os cuidados devidos ao seu génio e á sua s a ú d e ; que depois de ter occupado d u r a n t e o j u l gamento os mesmos q u a r t o s do F i s c a l , e, depois do julgamento , a deliciosa villa Medíeis , o n de foi r o d e a d o , por . e s p a ç o de cinco mezes • d a s atleoçoens mais delicadas , leve por m o r a d a o palácio do seu melhor a m i g o , Mnr. Piccolomiui arcebispo dc Sienna , esperando que a peste q u e assolava Florença lhe p e r m i t i s s e voltar á sua p á t r i a , e e n t r e g a r - s e a novos estudos. Citemos ainda os testemunhos. Chamado d e F l o r e n ç a , chegou a Roma a Vò d c fevereiro de 16"J3 , onde se hospedou cm casa do seu a m i g o , Francisco Nicolini , embaixador da T o s c a n a . No mez de abril , p o z - s e á disposição do c o m m i s s a rio do Santo Officio , « q u e , s e g u n d o a expressão de Nicolini, o recebeu o mais b e n e v o l a m e n t e , e* lhe assignou p a r a morada a propria camará d o Fiscal do t r i b u n a l . P e r m i u i u - s c q u e o seu c r i a do o sirva e d u r m a ao seu lado , e q u e os m e u s servos lhe levem de comer ao seu q u a r t o , e voltem para minha casa de mantian c á n o i t e . » T r è s dias depois da p r o n u n c i a da sentença , a 24 d e j u n h o , o embaixador o conduziu para o jardim da T r i n d a d e dos M o u l e s , eutão chamado villa M e d í e i s , hoje occupado pela Academia d e - F r a n c a . t - 179 — Depois de cinco mezes d e residência cm R o m a , Galileo passou a Sienna ao palácio do arcebispo P i c c o l c m i n i , e q u a n d o cessou a peste q u e d e vastava F l o r e n ç a , p ô d e , ao cabo de t r è s mezes pouco mais ou menos» voltar á sua villa d ' A r c e t r i , onde a morte o s u r p r e h e n d e u a 8 de j a n e i r o dc 1 6 4 2 . O próprio Galileo escrevia ao P a d r e R e c e n e r i , seu discípulo : « O P a p a j u l g a v a - m e d i g n o da sua estima ; fui alojado no delicioso palácio da T r i n d a d e dos Montes. Q u a n d o cheguei ao S a n t o OBicio, dois dominicos me convidaram mui c o r tezmente a fazer a minha apologia... P a r a m e castigarem p r o h i b i r a m os meus Diálogos, e despediram-mc depois d e cinco mezes d e assistência em Roma. Como a peste reinava em Florença , a s s i g n a r a m - m e p a r a morada o palácio do meu melhor a m i g o , Mnr. Piccolomini , arcebispo d e S i e n n a , onde gozei d e plena t r a n q u i l l i d a d e . Hoje estou na minha aldeã d ' A r c c t r i , onde respiro um a r puro ao pé da m i n h a chara pátria ( l ) . » P o bre martyr ! Depois d e nos h a v e r m o s edificado d u p l i c a d a mente com a boa fé de certos e s c r i p l o r e s , e com a crueldade do tribunal da i n q u i s i ç ã o , d e i x a m o s a T r i b u n a de Galileo, para nos o c e u p a r m o s dos nossos preparativos de partida : na mesma n o i t e devíamos pôr-nos a caminho para a cidade e t e r n a . Fiel imagem da peregrinação do homem na t e r r a , a vida do viajante resume-se em d u a s p a l a v r a s : c h e g a r e p a r u r . Os poucos momentos dc repoiso, de que ella está semeada , não são mais q u e um alto fugitivo, algumas vezes um b i v a q u e , e sem* (1) Nas obras citadas mais acima 13 - 180 - pre um a c a m p a m e n t o . A s s i m , e s e m p r e assim na vida h u m a n a . Depois de t e r m o s ajustado com os nossos c o m p a t r i o t a s , hospedados na mesma e s talagem , de nos e n c o n t r a r m o s em R o m a , s u b i mos à c a r r u a g e m para a capital do m u n d o . Eram oito horas da n o i t e . FIM DO 1.° VOLUME