Resposta a uma Crise no FUNDESER

Transcrição

Resposta a uma Crise no FUNDESER
Resposta a uma Crise
no FUNDESER
Pondo os
Princípios em Prática
O FUNDESER nasceu em 1997 como uma iniciativa
agrícola rural para prestação de serviços financeiros
e não financeiros a agricultores da Nicarágua. Em 2000,
o FUNDESER começou a se especializar em serviços de
microfinanças rurais e expandiu-se para comunidades
em que os habitantes lutam contra a pobreza e a exclusão financeira. Com sede em Manágua, o FUNDESER
tem hoje mais de 18 agências em todo o país.
NÚMERO 12 | MARÇO DE 2012
ENFRENTANDO UMA CRISE
A política de Recursos Humanos do FUNDESER exige
que todos os funcionários comprometam-se com o
Código de Ética da instituição, que inclui tratamento
justo e respeitoso aos clientes. A política também cria
incentivos que motivam os funcionários a tratar os
clientes de modo ético.
De 2004 a 2008, o FUNDESER viveu um período de
crescimento acelerado. O número de clientes passou
de cerca de 4.000 em 2004 para aproximadamente 32.000 em 2008 e a carteira cresceu de US$ 2,6
milhões para US$ 21,5 milhões, respectivamente (ver
Figura 1). Esses anos foram considerados “a melhor
época” da instituição na perspectiva de alguns funcionários. Enquanto a taxa média de crescimento do mercado nicaraguense era de 30%, o FUNDESER mais que
dobrou esse índice, alcançando 70%.
Esses números “excepcionais” foram resultado de uma
liquidez abundante proveniente dos financiadores internacionais, de uma metodologia de crédito muito flexível
acompanhada de pouca supervisão da adesão à política de riscos na subscrição dos empréstimos e de uma
política de incentivos que premiava o crescimento e os
desembolsos e não a qualidade da carteira.
Um dos Princípios de Proteção ao Cliente da Smart
Campaign, Tratamento Justo e Ético aos Clientes,
requer que os prestadores de serviços financeiros
desenvolvam uma cultura corporativa que valorize
altos padrões éticos entre seus funcionários e assegurem a existência de controles para evitar, identificar
e corrigir casos de corrupção e de maus tratos aos
clientes. Os esforços do FUNDESER para cumprir esse
princípio servem de exemplo de boas práticas para
outras instituições.
Em 2008, a crise financeira mundial chegou à Nicarágua
e afetou fortemente o país devido aos altos preços do
petróleo e à forte queda das remessas, entre outros
problemas. Além disso, ao mesmo tempo em que a economia se deteriorava, o setor de microfinanças nicaraguense viu-se profundamente afetado pelo movimento
político e social de mutuários inadimplentes conhecido
como “Movimiento No Pago”1.
O FUNDESER foi duramente atingido pela crise. O crescimento exponencial de sua carteira havia deixado a
instituição em uma posição vulnerável diante das mudanças no ambiente nacional e internacional. Em 2009,
o PAR 30 passou de controláveis 3,8% para devastadores 26%. Grande parte da carteira teve que ser reestruturada e a instituição viu-se obrigada a reconsiderar
seu modelo operacional.
1 Para mais informações sobre o Movimiento No Pago
visite: http://centerforfinancialinclusionblog.wordpress.
com/2009/11/05/nicaraguan-microfinance-in-crisis/
www.smartcampaign.org1
Crédito para FUNDESER
No momento de crise, o FUNDESER decidiu examinar
como mudanças nas políticas da organização poderiam
ajudar a resolver os problemas. Uma vez que muitas
instituições nicaraguenses – entre elas o FUNDESER –
eram acusadas de não levar em conta as necessidades
dos clientes, o FUNDESER resolveu ter um enfoque mais
centrado nas relações dos funcionários com os clientes.
A instituição voltou-se, em primeiro lugar, para um exame
de suas políticas de recursos humanos vigentes na época.
Durante a revisão das políticas de RH, a instituição percebeu várias deficiências:
• Os funcionários não estavam preocupados com
a prevenção do superendividamento dos clientes.
Eles não faziam uso completo dos relatórios do serviço de proteção ao crédito e davam pouca atenção
à capacidade dos clientes de pagar os empréstimos.
• O departamento de Recursos Humanos não investia
nem atribuía valor suficiente ao talento humano da
instituição. Ao contrário, a instituição tinha um foco
exclusivo no crescimento, dando pouca atenção à
qualidade ao desenvolvimento da equipe.
• Os incentivos para os funcionários e as diretrizes de
salários variáveis premiavam o crescimento da carteira
e davam pouca atenção à qualidade da carteira.
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FORMULAÇÃO DAS NOVAS POLÍTICAS DE RH
O FUNDESER começou a mudar suas políticas de recursos humanos. Motivado pela liderança do Conselho
de Administração e da alta gerência, o FUNDESER criou
o “Manual de Políticas e Procedimentos de Gestão
do Talento Humano”, que explica o sistema de valores
e o código de conduta da instituição, além de conter a
descrição do cargo de cada funcionário e uma descrição
do sistema de revisão do desempenho e das políticas
de incentivos da instituição.
O manual descreve as seguintes prioridades institucionais:
a) Desenvolvimento das habilidades: Os funcionários
do FUNDESER devem se comprometer a desenvolver
continuamente suas habilidades a fim de responder às
necessidades dos clientes. O FUNDESER oferece treinamento para assegurar que as competências de seus
funcionários lhes permitam oferecer serviços de qualidade aos clientes.
b) Lealdade aos valores institucionais: Os funcionários
do FUNDESER devem se identificar com os objetivos e
valores da instituição, promovê-los e defendê-los como
seus próprios. Isso inclui tratar os clientes com respeito e
nunca tratá-los mal ou de forma abusiva.
Crédito para FUNDESER
Consultor Carlos E. Vargas com agentes de crédito em uma capacitação sobre estratégias de comunicação.
c) Remuneração justa: O FUNDESER desenvolve e promove a liderança ética e profissional entre seus funcionários. Os funcionários são remunerados com base no
desempenho individual e em grupo. Eles não recebem
mais pagamentos variáveis que serviam de incentivos indiretos para vender produtos desnecessários ou maltratar clientes que estavam com pagamentos em atraso.
IMPLEMENTAÇÃO DAS NOVAS POLÍTICAS
Os gerentes do FUNDESER admitem que foi um grande
desafio fazer essa mudança tão significativa no processo
de contratação e capacitação, bem como no sistema de
incentivos aos funcionários. Especificamente, a instituição enfrentou dificuldades para tentar modificar a
cultura e as políticas de remuneração, tendo encontrado
alguma resistência por parte dos funcionários que obtinham vantagens com o sistema anterior.
Para facilitar o processo, foi contratada a Walter Palmieri,
uma firma de consultoria da Guatemala. Com essa assistência, o FUNDESER começou a desenvolver a estratégia
de Recursos Humanos e implementar a mudança organizacional. Os membros do Conselho de Administração do
FUNDESER tiveram um papel crucial na elaboração do manual de recursos humanos. Foram feitas também entrevis-
tas com executivos de alto nível. Em maio de 2011, quase
dois anos depois do pico do índice de inadimplência, o
manual foi finalmente aprovado.
Nos dois meses seguintes, introduziu-se cuidadosamente
o novo enfoque organizacional para a equipe. O gerente
de recursos humanos fez oficinas em todas as 18 agências
para apresentar de maneira formal os novos padrões.
Durante esses treinamentos, os gerentes do FUNDESER
também informaram suas equipes sobre a importância
dos Princípios de Proteção ao Cliente e as conclusões da
avaliação da Smart Campaign feita em junho de 2011.
Durante as visitas, o departamento de Recursos Humanos avaliou cada funcionário de acordo com os novos
padrões de conduta ética, desempenho profissional e
interação com os clientes. Essas avaliações não só permitiram que a instituição tivesse uma ideia clara do desempenho dos funcionários, como também foram úteis para
que a equipe entendesse a nova política de recursos
humanos e como deveria ser sua conduta no futuro.
Um efeito imediato e impactante dessas avaliações foi
a rotatividade de 50% na força de trabalho. Os funcionários que não passaram nessa fase da avaliação foram
substituídos. Como era de esperar, muitos dos funcionários mostraram-se céticos quanto à conveniência da
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nova estratégia de Recursos Humanos e preocuparam-se
com sua própria segurança no trabalho. A instituição fez
uso de duas táticas principais para que os funcionários
aceitassem as novas políticas.
Em primeiro lugar, o FUNDESER explicou a todos os seus
funcionários que a instituição estava investindo neles
para o longo prazo. Assegurou que os novos salários fixos
seriam competitivos no mercado, que os funcionários
poderiam negociar seus novos salários e que o fato de
a remuneração ser fixa representava uma maior estabilidade financeira.
Segundo, a instituição criou descrições de cargos claras
para cada posição, o que ajudou os funcionários a entenderem melhor seus novos salários. Antes da introdução
formal das novas descrições de cargos, a instituição
passou por um processo profundo de avaliação das
descrições anteriores e fez consultas com funcionários e
gerentes das agências para criar as novas descrições.
Com as informações essenciais sobre cada posição, os
funcionários podiam reconhecer mais facilmente como seu
trabalho se traduzia em valor agregado para a instituição.
Por fim, como as descrições incluíam as habilidades requeridas para cada posição, os funcionários podiam definir metas para desenvolver suas habilidades e avaliar seu próprio
desempenho em relação aos novos padrões estabelecidos
pela instituição. O processo também requeria que os agentes de crédito fossem avaliados a cada três meses e que os
demais funcionários fossem avaliados duas vezes por ano.
REFLEXÕES UM ANO DEPOIS
Um ano depois da implementação da nova política de
recursos humanos, o FUNDESER é uma instituição totalmente diferente. De acordo com a gerência, os funcionários estão satisfeitos com as mudanças e a instituição está
alcançando suas metas de retenção de clientes e pagamento de empréstimos. A carteira do FUNDESER cresceu
25% em 2011 e o PAR 30 caiu cerca de 75% (ver Figura 2).
Embora esteja claro que muitos fatores contribuíram para
a melhora da qualidade da carteira, incluindo as melhores condições do setor de microfinanças, não há dúvida
de que as políticas de recursos humanos implementadas
pela gerência tiveram um papel importante.
A gerência acha que a mudança vai continuar sendo
difícil. A eficiência operacional tem sofrido um declínio
gradual e deve persistir nessa tendência pelos próximos
três anos. No entanto, a gerência acredita firmemente
que a instituição se beneficiará no longo prazo com a
construção de uma equipe de funcionários competentes.
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Três anos depois da crise, a instituição também reconhece
como é importante ter funcionários focados nos clientes.
A melhora das políticas de funcionários contribuiu para
uma melhor relação com os clientes.
A gerência do FUNDESER concorda que grande parte do
sucesso é resultado da ampla divulgação e das discussões com todos os funcionários. Reconheceu também
que uma única oficina por agência não era suficiente
para que as mudanças se consolidassem como parte da
estratégia de longo prazo. No final de 2011, o FUNDESER
decidiu desenvolver uma estratégia de comunicação
Hoje, René Romero Arrechavala, gerente geral do FUNDESER, percebe que não é suficiente ter os princípios,
valores e comportamentos esperados no papel. A instituição precisa acompanhar os funcionários a cada passo,
até se assegurar de que a equipe esteja consciente da
forma como os valores da instituição podem ser aplicados nas operações do dia a dia. O comportamento ético
que eles devem ter para com funcionários e clientes tem
que ser plenamente compreendido e os funcionários
devem ser capazes de reconhecer por si mesmos a importância dos Princípios de Proteção ao Cliente e de sua
implementação.
Crédito para FUNDESER
Como pode ser visto, essas mudanças são parte de um
processo que continua. A instituição especificou estratégias para 2012 com o objetivo de melhorar o que foi
feito nos anos passados. A gerência prevê que seja feita
uma nova revisão da descrição de cargos para confirmar
a precisão dos comportamentos esperados em cada posição. O FUNDESER também pretende investir duas vezes
mais que em 2011 no desenvolvimento profissional dos
funcionários. A estratégia de comunicação focará em
receber feedback de clientes internos e externos e em
divulgar mensagens-chave para os funcionários.
Agente de crédito Arlen Reyes com Fátima Campos, cliente da
agência “La Fuente”, em Manágua.
aperfeiçoada com a assistência da EDF Communications,
patrocínio da World Learning e financiamento da USAID,
criando grupos de trabalho para visitar as agências.
O FUNDESER confirma que os clientes estão satisfeitos
com o serviço. Em geral, as relações com os clientes
que faziam parte do movimento “No pago” melhoraram, muitos dos agentes de crédito implantaram
técnicas aprimoradas de negociação, e os Princípios
de Proteção ao Cliente são hoje parte das operações
cotidianas da instituição.
Além disso, como os agentes de crédito são avaliados a
cada três meses, a instituição pode monitorar o respeito
com que eles estão tratando os clientes. Por exemplo,
no ano passado, o departamento de Recursos Humanos recebeu uma queixa sobre tratamento inadequado
a um cliente da agência “La Dalia” e, depois de analisar
a situação, o agente de crédito envolvido acabou sendo
demitido. Como resultado dessa monitoração contínua,
a qualidade dos serviços melhorou. Os clientes afirmaram que o serviço é ágil e que a diferença no tratamento
aos clientes é visível.
Romero acredita que investir tempo e recursos na área
de recursos humanos deve ser uma prioridade. Ele dá o
crédito às políticas de recursos humanos pela recuperação da instituição, embora ainda não esteja pronto para
declarar que o FUNDESER está livre de problemas. Ele e
outros gerentes concordam que a instituição fez muitos
sacrifícios para implementar as novas políticas e que foi
bastante complicado convencer os funcionários de que
essas mudanças eram necessárias para que a instituição
sobrevivesse. Romero conclui que os resultados que já
podem ser vistos após tão poucos anos validam todos os
sacrifícios feitos e garante que resultados ainda melhores estão por vir.
Agradecimentos especiais aos nossos contatos no FUNDESER,
René Romero Arrechavala e Félix Díaz, por suas contribuições
para esta Smart Note.
Tomás Rodríguez, Aracely Castillo, Leah Nedderman, Laura
Galindo e Sergio Guzmán foram responsáveis pela preparação
desta Nota.
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