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0 FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO FAAP PÓS-GRADUAÇÃO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO-SENSU EM MEIO AMBIENTE, SUSTENTABILIDADE E QUESTÕES GLOBAIS Luís Paulo A. M. Duprat [email protected] O projeto de REDD da RDS do Juma Abordando seus efeitos para biodiversidade amazônica SÃO PAULO 2010 1 Luís Paulo Agostino de Magalhães Duprat O Projeto de REDD da RDS do Juma Abordando seus efeitos para a biodiversidade amazônica Monografia apresentada à FAAP Pós-Graduação, como parte dos requisitos para a aprovação no Curso de Pós-Graduação LatoSensu em Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Questões Globais. Josilene Ferrer São Paulo 2010 2 Luís Paulo Agostino de Magalhães Duprat O Projeto de REDD da RDS do Juma Abordando seus efeitos para a biodiversidade amazônica Monografia apresentada à FAAP PósGraduação, como parte dos requisitos para a aprovação no Curso de Pós-Graduação LatoSensu em Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Questões Globais ( ) Recomendamos exposição na Biblioteca. ( ) Não recomendamos exposição na biblioteca. Nota: __________________________________ São Paulo, _____ de _____ de ____/____/____ _______________________________________ Professor (a) _______________________________________ Professor (a) _______________________________________ Professor (a) 3 Resumo Duprat, Luís. O Projeto de REDD da RDS do Juma: Abordando seus efeitos para a biodiversidade amazônica. São Paulo, 2010. 200p. Monografia (Especialização em Meio Ambiente, desenvolvimento Sustentável e Questões Globais). Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP). O Brasil lidera a lista dos países de maior biodiversidade do planeta possuindo cerca de 10 a 20% somente das espécies já catalogadas. Da totalidade de sua fauna, somente a Floresta Amazônica possui 50% das espécies de aves, 40% das de mamíferos, 30% dos anfíbios e 80% das espécies de peixes conhecidas em toda a Região Neotropical. Essa riqueza, entretanto, se encontra ameaçada preponderantemente pela perda de habitat conseqüente da conversão e degradação dos ecossistemas florestais, a qual além de ser genesis da redução da biodiversidade e das funções ecossistêmicas, contribui para as alterações climáticas globais. O histórico das decisões proferidas no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) mostra que o debate sobre as florestas vem se ampliando e cada vez mais é afirmado o combate ao desmatamento nos países em desenvolvimento. Desse modo, fundamentada no conceito de Pagamentos por Serviços Ambientais, há uma tendência de criação de um mecanismo de Redução de Emissões por Desflorestamento e Degradação Florestal (REDD) que recompense economicamente os países com grandes áreas de florestas preservadas. Enquanto as negociações sobre REDD, visando estabelecer um protocolo dentro da UNFCCC, são discutidas entre as Partes, várias iniciativas de implantação de projetos voluntários sub-nacionais estão se difundindo pelo mundo, gerando benefícios climáticos, ambientais e sociais diretos, bem como servindo de aprendizado para outros potenciais projetos decorrente de um futuro acordo internacional. Este trabalho teve como objetivo abordar as questões das florestas dentro e fora do âmbito das negociações internacionais sobre as mudanças climáticas, os mecanismos e perspectivas que envolvem o tema, assim como os potenciais benefícios para a biodiversidade da Floresta Amazônica a luz do Projeto da RDS do Juma localizado no município de Aripuanã, Amazonas. O trabalho conclui que a implementação de projetos voluntários de REDD pode sim ser uma ferramenta eficaz para a preservação da biodiversidade amazônica. Não obstante, deve-se buscar um acordo internacional que suceda o Protocolo de Quioto, no qual se viabilize a operacionalização de um esquema de REDD em escala nacional de forma equitativa e que favoreça a integralidade dos benefícios proporcionados pela proteção das florestas. Palavras-chave: Meio Ambiente; REDD; Desmatamento; Degradação Florestal; Projeto Juma; Biodiversidade. 4 Abstract Duprat, Luís. O Projeto de REDD da RDS do Juma: Abordando seus efeitos para a biodiversidade amazônica. São Paulo, 2010. 200p. Monografia (Especialização em Meio Ambiente, desenvolvimento Sustentável e Questões Globais). Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) Brazil is on top of the ranking of the countries with the greatest biodiversity on the planet homing around 10 to 20% of the species already cataloged. From all the Brazilian fauna, only the Amazon forest has 50% of the bird species, 40% of the mammals, 30% of the amphibians and 80% of the known fish species throughout the Neotropics. This wealth, however, is threatened mainly by habitat loss and degradation resulting from the conversion of forest ecosystems, which besides being the genesis of the decline in biodiversity and ecosystem functions, contributes to global climate change. The record of decisions made under the United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC) shows that the debate on forests has been expanding and it is affirmed to combat deforestation in developing countries. Thus, based on the concept of Payments for Environmental Services, there is a tendency of creating a mechanism for Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation (REDD) that economically rewards countries with large forest areas preserved. While the REDD negotiations are discussed between the parties envisaging to establish a protocol within the UNFCCC, several initiatives to implement sub-national volunteer projects are spreading throughout the world, generating direct climate, environmental and social benefits as well as creating a lesson for other potential projects arising from a future international agreement. This study aimed to address the issues of forests within and outside the scope of international negotiations on climate change, mechanisms and perspectives of the theme, as well as potential benefits for biodiversity of the Amazon Forest Light Project of RDS Juma located in the municipality of Aripuanã, Amazonas. The paper concludes that the implementation of REDD projects volunteers can indeed be an effective tool for the preservation of Amazonian biodiversity. Nevertheless, one should seek an international agreement to succeed the Kyoto Protocol, in which it makes possible the operation of a REDD scheme on a national scale in a fair way that promotes the full benefits provided by forest protection. Key-words: Environment; REDD; Deforestation; Forest Degradation; Juma Project; Biodiversity 5 Lista de Abreviaturas e Siglas A/R – aflorestamento / reflorestamento BAU – Business as usual BioCF- Biocarbon Fund CCB Standards - Climate, Community and Biodiversity Standards CCE - Chicago Climate Exchange CDB - Convenção sobre a Biodiversidade Biológica CERs - Certified Emission Reduction CEUC - Centro Estadual de Unidades de Conservação CO2 - dióxido de carbono CO2eq - dióxido de carbono equivalente DCP - Documento de Concepção do Projeto FAD - fator de ajuste de desenvolvimento FAR - Fourth Assessment Report FSC - Forest Stewardship Concil GEEs - gases de efeito estufa GEF - Global Environment Facility Gt - gigatoneladas IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais IFL - Intact Forest Landscape IPCC - Intergovernamental Painel on Climate Change ITTO - International Tropical Timber Organization IUCN - International Union for Conservation of Nature LULUCF - Land Use, Land Use Change and Forestry MDL - Mecanismo de Desenvolvimento Limpo 6 MI - Marriott International MVR - monitoramento, comunicação e verificação NAPA - National Adaptation Programme of Action NGGIP - National Greenhouse Gas Inventories Programme NICF - Norwegian Initiative for Climate and Forests NWP - Nairobi Work Programme on Impacts Vulnerability and Adaptation to Climate Change ONU - Organização das Nações Unidas PBF - Programa Bolsa Floresta PDD - Project Design Document PEMC-AM - Política Estadual do Amazonas de Mudanças Climáticas PNMC - Plano Nacional sobre Mudanças do Clima PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente ppm – (unidade de) partes por milhão ProBuc - Programa de Monitoramento da Biodiversidade e do Uso de Recursos Naturais em Unidades de Conservação Estaduais do Amazonas PRODES - Projeto de Estimativa do Desflorestamento da.Amazônia Pronabio - Programa Nacional de Diversidade Biológica RDS - Reserva de Desenvolvimento Sustentável RED - Reducing Emissions from Deforestation REDD - Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation REDD plus (REDD+) - Reducing Emissions from Deforestation and forest Degradation plus sustainable management of forests and enhancement of forest carbon stocks SBSTA - Subsidiary Body for Scientific and Technological Advice SEUC-AM - Sistema Estadual de Unidades de Conservação da Amazonia SIDS - Small Island Developing States SYR - Synthesis Report 7 TGICA - Task Group on Data and Scenarios Support for Impacts and Climate Analysis UNEP - United Nation Environment Programme UNEP/WCMC - UNEP "s World Conservation Monitoring Centre UNFCCC - United Nations Framework Convention on Climate Change VCS - Voluntary Carbon Standard WG - Working Group WMO - World Meteorological Organization WRI - World Resources Institute 8 Sumário Introdução ................................................................................................................ 11 1 Mudanças climáticas e o papel das florestas no processo de adaptação e mitigação.................................................................................................................. 15 Evidências do aquecimento global ....................................................................... 16 1.1 1.2 Projeções Para o Futuro ........................................................................................ 23 1.3 Mudanças climáticas e Biodiversidade ................................................................ 27 1.4 A Convenção do Clima, o Protocolo de Quioto e o atual cenário das negociações climáticas. .................................................................................................... 29 1.5 O IPCC ...................................................................................................................... 34 1.5.1 Organização do IPCC ..................................................................................... 35 1.5.2 A Contribuição do IPCC .................................................................................. 36 1.6 A adaptação e a importância das florestas neste processo............................. 37 1.6.1 O Nairobi Work Programme ........................................................................... 40 1.6.2 O Custo da Adaptação .................................................................................... 41 1.7 A contribuição das florestas para a mitigação das mudanças climáticas ...... 43 2 Reducing emission from deforestation and forest degradation (REDD): aspectos e impactos ao clima e a biodiversidade ................................................ 47 2.1 Um panorama atual das florestas no planeta ..................................................... 48 2.2 O conceito REDD e sua abrangência. ................................................................. 55 2.3 A evolução do REDD no âmbito da UNFCCC ................................................... 62 2.4 Atuais esforços/criando capacitação ................................................................... 68 2.5 O Plano de Bali e o UN-REDD Programme ....................................................... 68 2.6 REDD: principais aspectos .................................................................................... 70 2.6.1 Escopo: REDD e REDD-plus ......................................................................... 70 2.6.2 Nível de referência (Baseline) ....................................................................... 72 2.6.3 Mecanismos de distribuição ........................................................................... 74 2.6.4 Mecanismos de financiamento para o REDD. ............................................ 76 2.6.5 Escala: Nacional ou sub-nacional (scale) .................................................... 79 2.6.6 Permanência..................................................................................................... 82 2.6.7 Desflorestamento bruto ou liquido. ............................................................... 84 9 2.6.8 2.7 Comunidades locais e povos indígenas....................................................... 85 Promovendo co-benefícios do REDD+: biodiversidade.................................... 86 2.7.1 Identificando áreas de grandes benefícios aos ecossistemas e biodiversidade ................................................................................................................. 87 2.7.2 Identificando áreas de riscos de desflorestamento e degradação florestal 90 3 2.7.3 O Mercado voluntário agregando Carbono e biodiversidade ................... 91 2.7.4 Outras iniciativas importantes ........................................................................ 97 2.8 REDD na America Latina ..................................................................................... 102 2.9 REDD no Brasil e o Projeto Juma ...................................................................... 105 Projeto juma: buscando a preservação da biodiversidade local ............... 106 3.1 Localização e área do projeto ............................................................................. 106 3.2 Contexto histórico ................................................................................................. 108 3.3 O projeto de REDD da RDS do Juma: objetivos e desenho .......................... 110 3.4 Caracterização fito-ecológica do projeto ........................................................... 113 3.5 Estoque de carbono .............................................................................................. 117 3.6 Projeções da linha de base e adicionalidade do projeto ................................ 125 3.7 Cálculo de emissões............................................................................................. 130 3.8 Vazamento (leakage) ........................................................................................... 132 3.9 Permanência e riscos do projeto ........................................................................ 133 3.10 Monitoramento do impacto ao clima .................................................................. 134 3.11 Financiamento e sanidade financeira do projeto ............................................. 135 3.12 Período de creditação dos créditos de carbono............................................... 137 3.13 Base legal do projeto ............................................................................................ 138 3.14 Integração do projeto as políticas nacionais de REDD................................... 140 3.15 Informações sócio-econômicas .......................................................................... 140 3.15.2 Benefícios à comunidade ............................................................................. 144 3.16 Caracterização da fauna e flora local ................................................................ 147 - Aves ................................................................................................................. 151 - Mamíferos ....................................................................................................... 152 - Mamíferos Aquáticos..................................................................................... 152 - Peixes .............................................................................................................. 153 10 - Quelônios e Crocodilianos ........................................................................... 153 - Flora ................................................................................................................. 154 3.17 Ameaça a biodiversidade amazônica ................................................................ 157 3.17.1 Espécies em perigo de extinção presentes na Reserva do Juma ......... 162 3.18 Benefícios para a Biodiversidade ....................................................................... 168 3.18.1 Monitoramento dos Impactos na Biodiversidade ...................................... 170 3.19 Potenciais impactos negativos a biodiversidade ............................................. 172 3.20 Impactos na Biodiversidade Externos à Área do Projeto e Efeito Liquido... 173 3.21 Benefícios para o meio ambiente ....................................................................... 174 Conclusão .............................................................................................................. 176 Referências bibliográficas .................................................................................... 181 ANEXOS ................................................................................................................. 189 11 Introdução Neste último século a humanidade experimentou um crescimento exponencial da população global, acompanhado de um boom econômico embasado na exploração exaustiva dos recursos naturais do planeta e justificado pelo modelo econômico capitalista vigente. Hoje, como conseqüência de um modo de vida individualista e descompromissado, os impactos resultantes de décadas de exploração energética baseada na queima de combustíveis fósseis estão colocando em risco o futuro da humanidade. No contexto desta crise ambiental, as mudanças climáticas têm sido alvo de discussões, pesquisas científicas e, certamente, será um tema relevante e constante no cenário do corrente século. As florestas desempenham um papel expressivo na regulação do clima global, sendo responsáveis por cerca de metade do reservatório de carbono terrestre. Somente a Amazônica representa 21% da área de florestas tropicais, correspondendo a 11% do estoque terrestre de carbono do mundo. Face ao volume do estoque de carbono florestal, as emissões decorrentes de desmatamento, degradação florestal e demais mudanças no uso da terra originam 17,4% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) e 28% das emissões globais de dióxido de carbono (CO2) e contribuem significantemente para o fenômeno global das mudanças climáticas. Esse quadro aponta a importância das florestas para a mitigação das alterações climáticas. As florestas tropicais abrigam a maior riqueza em espécies da Terra e sua manutenção propicia o benefício adicional de preservar o habitat de diversas comunidades biológicas do planeta. Cobrindo apenas 7% da área terrestre da terra, abrigam incríveis 70% das espécies terrestres e, igualmente, grandes proporções de espécies endêmicas. A maior parte dos desmatamentos ocorre em florestas tropicais de alta biodiversidade, como as que existem no Brasil, e a redução daqueles vai além do combate às mudanças climáticas, implica também menor perda de habitat para centenas de milhares de espécies. Esse contexto gera oportunidade ímpar aos países detentores dessas reservas, que podem tirar grande ganho para a sua biodiversidade pela redução da perda de carbono. Promovendo incentivos e 12 protegendo as florestas em pé, projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD) podem ajudar a manter esses benefícios, já que muitos ecossistemas que são grandes em estoque de carbono são também em biodiversidade, particularmente nas regiões tropicais. Apesar de sua incontestável importância, as atividades relacionadas ao uso da terra ou a mudança dele - nas quais as ações florestais estão inseridas passaram por um difícil processo de entendimentos no âmbito internacional de negociações climáticas. O Protocolo de Quioto foi o primeiro tratado internacional a estabelecer metas de redução de emissões de GEE aos países que historicamente mais contribuíram para o problema. Elaborado em 1997, firmou que determinadas atividades florestais devem visar a atender o compromisso de redução de emissões de GEE. O referido Protocolo, entretanto, não fez nenhuma referência explícita às atividades de Uso da Terra, Mudanças no Uso da Terra e Floresta (Land Use, Land Use Change and Forestry – LULUCF), no que diz respeito ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Em 2001 o Acordo de Marrakesch estabeleceu que, no âmbito do MDL, os créditos de carbono poderiam ser adquiridos via projetos de remoção por sumidouros, limitados a aflorestamento e reflorestamento. Posteriormente, em 2003, foram definidas as regras para a inclusão destas atividades no MDL e somente em 2005, a partir de uma proposta elaborada pela Papua Nova Guiné, as florestas passaram a receber maior atenção nas deliberações sobre alterações climáticas devido seu papel fundamental na mitigação. Finalmente, em 2009, pelo Acordo de Copenhague - documento de caráter não vinculativo, os países reconheceram a importância da redução das emissões geradas pelo desmatamento e pela degradação das florestas, bem como a necessidade de promover “incentivos positivos” para financiar ações pertinentes com a utilização de recursos de países desenvolvidos. A complexidade dos procedimentos e metodologias do registro de projetos florestais no contexto de Quioto, somada a falta de concretização de um esquema REDD dentro da Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudanças Climáticas, tem forçado a ida do Setor Florestal para o Mercado Voluntário de Carbono. Para dar credibilidade às reduções de emissões oferecidas por tais mercados, alianças 13 ambientalistas, participantes financeiros e organizações de apoio criaram padrões de acreditação, visando garantir benefícios climáticos e ambientais tanto para a biodiversidade quanto para os povos locais Atualmente, vários projetos experimentais de REDD vêm sendo financiados e implantados nos mais diversos locais. Entretanto, apesar de já se ter valiosas informações empíricas, não há ainda dados reais suficientes para uma conclusão quanto a melhor abordagem para as diferentes modalidades propostas, nem quanto aos reais benefícios destes projetos para o clima, biodiversidade e populações locais. (FARIA, C., 2010; IPCC, 2007; UNFCCC, 2003, 2009). Dentro do contextualizado, a presente dissertação apresenta um estudo de caso a fim de contribuir para o entendimento e clareza do tema, bem como elucidação de alguns de seus aspectos, benefícios e dificuldades. Uma vez que os processos econômico-sócio-políticos que levam ao desmatamento dentro da área do Projeto-tema são, em grande parte, comuns e presentes nas demais regiões da Floresta Amazônica, é viável que seus resultados possam ser reproduzidos e aplicados em outras áreas do bioma amazônico brasileiro. O Capítulo 1 apresenta a problemática das mudanças climáticas e a origem das negociações que culminaram com o estabelecimento da Convenção-Quadro. Em seu seguimento apresenta uma síntese das principais decisões tomadas nas reuniões anuais dos países signatários da Convenção, concentrando-se, então, nos mecanismos de flexibilização do Protocolo de Quioto. Finalmente, expõe as questões de adaptação e mitigação das alterações climáticas e introduz a temática e o papel das florestas nesse processo. O Capítulo 2 ilustra a situação atual das florestas do planeta e, em subseqüentemente, traça um histórico do modo como as atividades que acarretam mudanças no uso da terra - nas quais as florestais estão incluídas - foram abordadas nas negociações internacionais sobre mudança do clima. Após abordar os conceitos e os principais aspectos do mecanismo de Redução de Emissões por Desflorestamento e Degradação Florestal (REDD) apresenta os potenciais 14 benefícios sócio-ambientais dos projetos de REDD e seus mercados. Por fim, introduz propriamente o plano-tema/paradigma: o Projeto Juma. O Capítulo 3 apresenta, em maior detalhe, o desenho e as características do Projeto de REDD da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Juma, pioneiro na abordagem concreta do tema. Fundamentado no tratamento da biodiversidade local apresentado pelo projeto em foco, aborda os benefícios e riscos que o mesmo possa trazer para biodiversidade não somente dentro de seus limites, mas também fora. A contextualização do tema, apresentada pelos capítulos 1 e 2, foi embasada em dados e informações obtidos através de levantamento bibliográfico. Por se tratar de um assunto extremamente contemporâneo foi priorizada a consulta eletrônica de bases oficiais e publicações acadêmicas, que objetivou tomar ciência e analisar as principais contribuições teóricas existentes, bem como dominar o conhecimento disponível e utilizá-lo como instrumento para a construção e fundamentação da presente dissertação. A análise de caso apresentada no capítulo 3, foi realizada a partir do estudo do Documento de Concepção do Projeto (DCP) em questão e de outros documentos e relatórios que trazem informações atuais sobre seu status atual. 15 1 Mudanças climáticas e o papel das florestas no processo de adaptação e mitigação. Um dos maiores problemas mundiais já enfrentados pelo homem em todos os tempos é, sem dúvida, o aquecimento global, reflexo da crise ambiental que atinge o planeta. Como pontuou o United Nation Environment Programme (UNEP) as mudanças climaticas há tempos deixaram de ser apenas uma curiosidade científica ou somente um dos aspectos das questões ambientais, passando hoje a ser, certamente, o maior desafio da humanidade. Trata-se de uma crise crescente de dimensões não só ambiental, mas também politica-econômica-sócio-cultural, envolvendo sobremaneira a segurança e saúde da humanidade. Evidências alarmantes sinalizam que um ponto crítico da ação antrópica no sistema climático - no qual as mudanças são irreversíveis na maioria dos ecossistemas bem como no sistema climático planetário - já foi atingido ou, até mesmo, ultrapassado. Em resposta às pressões originadas pelo homem, o feedback climático1 potencializa as conseqüências de tal antropia, gerando uma dinâmica pela qual os efeitos ambientais cumulativos são alimentados de forma tal que não se pode mais dimensionar o comportamento do sistema climático daqui para frente. Mudanças dos padrões climáticos ameaçam o homem não só diretamente pela exacerbação de eventos climáticos extremos, como furacões, inundações e secas, mas, também, indiretamente face à possível retração na produção de alimentos e no suprimento de água com conseqüentes efeitos sócio-políticos de grandeza sem precedente na história da civilização O quarto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (Intergovernamental Painel on Climate Change- IPCC)2, divulgado em 2007, forneceu quantidade inédita de informações sobre as mudanças climáticas globais, 1 O feedback é uma mudança de energia que é produzida dentro do próprio sistema climático em resposta a pressões impostas ao clima. Durante o ciclo de feedback, uma mudança em um fator, como temperatura, leva a mudança em um outro fator, como vapor d‟água, que reforça ou compensa a mudança no primeiro fator 2 O IPCC foi estabelecido em 1988 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e pelo World Meteorological Organization (WMO) para avaliar com transparência e objetividade científica informações técnicas e socioeconômicas relevantes para a compreensão das bases científicas do risco da mudança climática por indução humana, seus potenciais impactos e opções de adaptação e mitigação (IPCC, 2010) Mais detalhes a diante. 16 com análises apuradas e sofisticadas. Dados decorrentes de um‟a maior cobertura geográfica e de ampla variedade de medições possibilitaram novas observações geradoras de melhor compreensão de como as alterações climáticas vêm afetando o planeta, bem como permitiram sua simulação em modelos de alta complexibilidade. Estudos paleoclimáticos, utilizando indicadores sensíveis de oscilação de clima, cresceram em confiabilidade e demonstraram coerência no comportamento dos múltiplos indicadores, em diferentes partes do mundo, o que possibilitou medir as alterações climáticas globais nos últimos milhares de anos. Os resultados desses diversos estudos e as evidências consistentes obtidas forneceram, nos últimos anos, um corpo de provas científicas que não mais deixa dúvida de que a atividade humana é a causa primária do processo em foco (IPCC, 2007, p. 2, 5, 9; UNEP, 2010). 1.1 Evidências do aquecimento global Medições por todo o globo mostraram um rápido aumento na temperatura da Terra durante o último século. Esses dados de temperatura são consistentes com outras evidências de aquecimento, como o aumento na temperatura dos oceanos, a retração dos glaciares e a diminuição da cobertura de gelo polar (NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES, 2008, p. 4). “O aquecimento do sistema climático é inequívoco em virtude de que agora é evidente pelas observações no aumento na média global das temperaturas do ar e oceanos, derretimento de neve e gelo por todo o planeta e aumento do nível do mar” (IPCC 2007, p. 5 tradução nossa)3. Muitos fatores, no entanto, atuam no controle da temperatura superficial da Terra. Dentre as principais variáveis que controlam o balanço energético do Sistema Climático estão a concentração de gases de efeito estufa (GEEs) e aerossóis na 3 “Warming of the climate system is unequivocal, as is now evident from observations of increases in global average air and ocean temperatures, widespread melting of snow and ice, and rising global average sea level” 17 atmosfera, a quantidade de incidência da irradiação solar e as propriedades da superfície da Terra. Mudanças naturais ou antropológicas que influenciam esses fatores são potencialmente capazes de esquentar ou esfriar o sistema climático (IPCC, 2007, p. 2). A partir de 1978 as medidas de irradiação solar passaram a ser fornecidas por satélites e sinalizam que, desde então, não houve aumento da energia solar que atinge o planeta. A freqüência de erupções vulcânicas, que tendem a esfriar a Terra por refletir a irradiação solar, tampouco vem aumentando ou diminuindo significativamente (NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES, 2008, p. 6). Assim, o notável aumento da temperatura nos últimos 30 anos passa a ser uma forte evidência da ação antrópica no clima, especificamente pela liberação de GEEs na atmosfera, uma vez que as alterações climáticas não podem ser atribuídas a nenhum outro fator natural presente nesse período de tempo (NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES, 2008, p. 6). A figura 1 (a seguir) mostra a estreita correlação entre a concentração de CO2 e a temperatura nos últimos 400 mil anos. 18 Fonte: UNEP, 2007. Figura 1 (gráfico) Tendências históricas de temperatura e concentrações de dióxido de carbono, em uma escala de tempo geológica e recente. Dentre os gases de efeito estufa, as concentrações de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso cresceram notavelmente desde 1750, como resultado das atividades humanas pós Revolução Industrial e hoje excedem em muito os níveis pré-industriais, avaliados através de núcleos de gelos de milhares de anos. Um século e meio de industrialização, com intensiva queima de fósseis, corte de florestas e práticas agrícolas de liberação de carbono, ocasionou o aumento da quantidade de gases de efeito estufa na atmosfera - especialmente dióxido de carbono, metano e óxido nitroso – os quais, apesar de ocorrerem naturalmente e serem críticos para a vida na Terra, já que impedem que parte do calor do sol seja refletida de volta à atmosfera, elevam a temperatura global para níveis altos com conseqüente alteração no clima. 19 De modo geral, o aumento global de dióxido de carbono, principal gás de efeito estufa antropogênico, dá-se primariamente pela queima de combustíveis fósseis e mudanças no uso da terra. O dióxido de carbono gerado por tais práticas humanas soma-se ao existente naturalmente na atmosfera. O aumento das concentrações de metano e óxido nitroso é gerado, por sua vez, pela agricultura e queima de combustíveis fósseis e, também, por fontes ainda não claramente determinadas. Cerca de metade do excesso dos gases citados é absorvida pelos oceanos e pela cobertura vegetal, porém o restante é acumulado na atmosfera. Segundo o IPCC, o CO2 teve sua concentração aumentada na atmosfera, no período préindustrial, de 280 ppm para 379 ppm, em 2005. Tal valor excede em muito o nível mais alto deste gás nos últimos 650.000 anos. A taxa de CO2 no período de 1995 a 2005 foi, em média, 1,9 ppm/ano - maior média registrada desde 1960, quando se iniciaram as medições diretas (IPCC, 2007; NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES, 2008; UNFCCC, 2010). O quarto relatório do IPCC reforça, ainda, ser extremamente improvável que a mudança climática ocorrida nos últimos 50 anos - sinalizada pelo aquecimento do ar e da atmosfera, juntamente com a perda de massa de gelo observada em todo planeta - possa ser explicada apenas por causas naturais, sem a concorrência de forças externas. Os padrões de aquecimento verificados, bem como os diferentes graus de distribuição na superfície da terra e nos oceanos observados, só podem ser reproduzidos por modelos que incluem a atuação de forças antropogênicas no sistema climático (IPCC, 2007). Inúmeras constatações de alteração global da temperatura e suas conseqüências, abordadas resumidamente a seguir, também são apontadas pelo relatório do IPCC: Até a data do relatório, onze dos últimos doze anos estão no ranque dos 12 anos mais quentes, registrados instrumentalmente, desde 1850, sendo o ano de 1998 o mais quente. O relatório atualiza o aumento de 0,76 oC na temperatura média do planeta no último século (de 1906-2005), resultante de um acréscimo de 0,13oC por década nos últimos 50 anos. Este valor sobe para 0,2oC ao 20 considerar o aumento entre 1990 e 2005. Informações paleoclimaticas indicam que o calor da última metade do século não foi evidenciado nos últimos 1.300 anos (IPCC, 2007, p. 5, 9). Foi diagnosticado um aumento na temperatura média dos oceanos, a profundidades de até 3000 m., desde 1961, o que evidenciou ser o oceano o principal responsável por absorver a maior parte do calor (mais de 80%) adicionado ao sistema climático. Tal aquecimento ocasionou a expansão da água do mar, o que gerou aumento, em média, de seu nível em 1,8mm por ano (entre 1961 e 2003), com uma taxa de 3,1mm desde 1993. Isso implica num aumento médio do nível do mar de 10 a 20 cm no decorrer do século XX (IPCC, 2007 p. 5; UNFCCC, 2010). O gráfico a seguir (fig.2) mostra a evolução da temperatura, nível do mar e cobertura de gelo entre 1850 e 2000. 21 Fonte: IPCC, 2007. Figura 2 (gráfico) Evolução da temperatura, nível do mar e cobertura de gelo evidenciado entre 1850 e 2000. Glaciares e coberturas de neve vêm em sua totalidade declinando em ambos os hemisférios, contribuindo ainda mais para a elevação do nível do mar. Quase todos os glaciares em regiões não polares retraíram durante o séc. XX, sendo que a cobertura de gelo declinou em cerca de 10% nas latitudes médias e altas do Hemisfério Norte desde 1960. A retração alarmante dos glaciares e 22 conseqüente redução de suprimento de água durante os meses mais secos repercutirão no modo de vida de povos por gerações. As temperaturas médias do Ártico cresceram quase o dobro da taxa média dos últimos 100 anos e muito provavelmente, a diminuição da cobertura de gelo da Groelândia, assim como na Antártica, contribuiu para o aumento do nível do mar entre 1993 e 2003. Imagens de satélite mostram que a média anual do encolhimento da calota polar do Ártico é, respectivamente, no inverno e verão, de 2,7 e 7,4% por década. Tão alarmante quanto, a temperatura no topo da camada do permafrost4 do Ártico cresceu, desde a década de 80, em até 3 graus Celsius, com sua área máxima de cobertura no Hemisfério Norte diminuindo, a partir de 1900, de 7% a 15% de acordo com a estação do ano (IPCC 2007 p. 5, 7; UNEP, 2010; UNFCC 2010). Fonte: NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES, 2008 Figura 3 (foto) South Cascade Glaciar, estado de Washington (1960-2004) As freqüências crescentes de fenômenos naturais extremos têm afetado a vida de milhares de pessoas ao redor do mundo. Em escala sub-global, várias mudanças de longo prazo no clima já foram observadas. Acréscimos de precipitações devidas a alterações no nível de evaporação, decorrente do aumento de temperatura e mudança de salinidade da água do mar em diferentes latitudes, foram observadas com mais freqüência em varias regiões do mundo. 4 O Permafrost é o tipo de solo encontrado em regiões do Ártico e constituído por terra, gelo e rochas permanentemente congelados. 23 Um aumento significante de precipitações vem sendo observado em partes do leste e norte da América do Sul, norte da Europa e regiões norte e central da Ásia; enquanto a freqüência de volumosas precipitações vem aumentando sobre a maioria das áreas terrestres. Foram verificadas, também, evidências de um aumento de intensidade na atividade de ciclones tropicais no Atlântico Norte, relacionado ao aumento da temperatura da superfície do mar desde 1970. Por outro lado, em grandes áreas como o Sahel Africano, Mediterrâneo, sudeste Africano e partes do sudeste Asiático, severas e prolongadas secas foram observadas; fato que é uma tendência nas áreas tropicais e subtropicais do planeta, fruto do aumento da temperatura, das mudanças de regime de chuvas e de ventos e da diminuição da cobertura de neve. Ecossistemas tão diversos como a Amazônia e a Tundra Ártica, por exemplo, podem estar se aproximando do limiar das mudanças dramáticas devido ao calor e as secas. Em 2005 a Amazônia experimentou uma seca de enorme impacto na população local, geradora de significantes perdas econômicas, sociais e ambientais. Ondas de calor por varias regiões do planeta, igualmente, foram intensificadas (IPCC, 2007 p. 5, 7, 9; UNEP, 2010; UNFCCC, 2010). O potencial de aquecimento global pelos GEEs é real e nunca esteve tão presente. As conseqüências das mudanças climáticas mais perigosas, no entanto, ainda podem ser evitadas caso programas racionais de adaptação e mitigação forem imediata e agressivamente iniciados, assim como adequadamente financiados, visando evitar desastres e migrações em escalas sem precedentes. 1.2 Projeções Para o Futuro Os modelos computacionais e o entendimento científico sobre o sistema climático, especialmente sobre a resposta de reação do ciclo de carbono às alterações do CO2 na atmosfera, melhoraram muito nos últimos anos. Tal aprimoramento técnico, associado as respostas climáticas já observadas, faz com que as projeções climáticas para o futuro passem a ser feitas com maior 24 confiabilidade. Assim, através de uma grande quantidade de simulações disponíveis - de diferentes modelos de grande complexidade e realismo - é possível estimar quantitativamente as mudanças climáticas, para vários cenários futuros, de acordo com o grau de interferência humana. As previsões de impacto climático, que podem variar de perturbadora a catastrófica, ganharam confiabilidade uma vez que suas estimativas para o aumento de temperatura - desde o primeiro relatório - foram consistentes com os resultados observados atualmente (IPCC, 2007 p. 12). A média de temperatura da superfície da Terra já aumentou 0,74oC desde 1800 e, caso nada seja feito, é esperado o aumento médio de mais 1.8 a 4 graus Celsius até o ano de 2100 (com variação do valor médio máximo entre 2,4 e 6,4oC). Até mesmo a menor mudança climática prevista para o sec. XXI será maior que qualquer tendência no decorrer de um século nos últimos 10.000 anos, o que evidencia uma alteração significativa e extremamente preocupante. Os modelos experimentais indicam que devido a resposta retardatária dos oceanos para a estabilização climática, mesmo se fossem mantidas as emissões nos níveis de 2005 - o que de fato não ocorre - um aumento, de 0,1oC por década, nas próximas duas décadas, inevitavelmente irá ocorrer (NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES, 2008; UNFCCC, 2010). Catorze cenários mais realistas foram desenhados pelo IPCC, ilustrando diferentes situações do planeta e levando em conta, dentre outros, futuros aspectos econômicos e populacionais. Os mais conservadores apontam aumento na temperatura da ordem de 0,18oC por década até o final do sec. XXI; índice passível de subir em função do quadro de emissão suposto. Pressupondo um futuro business as usual de altas emissões e no contexto de um planeta heterogêneo, com contínuo crescimento populacional, no qual poucas medidas direcionadas a uma economia globalizada foram tomadas e sem introdução de tecnologias limpas, tal índice pode chegar a 0,4oC por década, ou seja, 4oC em média mais quente no final do século. 25 Fonte: IPCC, 2007. Figura 4 (mapa e gráfico) Projeções de aumento de temperatura (em graus Celsius) para 2029 e 2099 segundo os diferentes cenários previstos pelo IPCC: B1(em cima), A1B (meio) e A2 (abaixo). O gráfico ao lado mostra as respectivas probabilidades. Essas projeções de aquecimento no século XXI são condizentes aos dados observados nas últimas décadas. Através delas, eventos extremos como chuvas torrenciais, aumento da intensidade de furacões, ondas de calor, calor extremo e secas são demonstrados, independentemente do cenário analisado, conforme detalhamento a seguir (IPCC, 2007 p. 13, 18). Tempestades mais fortes e períodos de secas mais longas e quentes provavelmente devem ocorrer, segundo o Fourth Assessment Report - FAR (IPCC, 2007). É, também, esperado um maior aquecimento nas regiões de latitudes mais altas do Hemisfério Norte, bem como um menor aquecimento dos oceanos do Hemisfério Sul e de partes do Atlântico Norte. Assim, um aumento na quantidade de precipitações em altas latitudes é muito provável, enquanto uma diminuição é esperada na maioria das regiões subtropicais. Temperaturas mais quentes significam maior evaporação e uma atmosfera também mais quente poderá carregar maior quantidade de vapor de água, fatores que aumentam a quantidade de água que poderá cair em uma precipitação. Igualmente é esperada uma intensificação de ciclones tropicais, como tufão e furacão. 26 Espera-se que as regiões áridas perderão ainda mais umidade com o aumento da temperatura, agravando as secas e o processo de desertificação. Secas nos interiores continentais - como a Ásia Central, Sahel Africana e as grades planícies dos Estados Unidos - também são previstas, podendo ocasionar um colapso no uso da terra, com conseqüente ruptura na agricultura e no fornecimento de alimentos. Campos de agricultura poderão sofrer na maioria das regiões tropicais e subtropicais - até mesmo em regiões temperadas - caso o aumento da temperatura seja superior a poucos graus Celsius. Apesar dos efeitos regionais e locais poderem diferenciar amplamente, uma redução geral do potencial de agricultura é esperada na maioria dos países tropicais e subtropicais. Áreas do meio continental, como o cinturão de grãos dos Estados Unidos e vastas áreas da Ásia poderão secar. Regiões nas quais a agricultura se sustenta somente por chuvas como na África Sub-Saara - campos irão decrescer dramaticamente, mesmo com mínimas mudanças de temperatura. Tais mudanças poderão ter desastrosas conseqüências no suprimento de alimentos em uma região já maltratada pela fome. O quadro para a Amazônia, por exemplo, poderá ser pior do que o previsto. A Amazônia é uma das regiões onde o maior aumento de temperatura poderá ocorrer. Secas na Amazônia estão previstas para acontecerem com maior freqüência, em intervalos de três a seis anos. Temperaturas mais altas significam também maiores probabilidades de expansão de vetores de doenças tropicais como a malária, que já mata, anualmente, um milhão de pessoas, especialmente crianças O gelo oceânico, tanto Ártico quanto Antártico, tem previsão de encolhimento, em face de qualquer cenário. As projeções apontam para uma contínua retração da cobertura de neve, assim como um generalizado aumento do derretimento das regiões de permafrost. O nível do mar, que já subiu 10 a 20 cm sob as medias pré-industriais, deverá ter um adicional de 18 a 59 cm para o ano de 2100. No FAR, o IPCC afirma que a constrição da cobertura de gelo da Groelândia está prevista a continuar, contribuindo para o aumento do nível do mar depois de 2100. Se esta contração for mantida nos próximos séculos, ocasionará sua completa depleção e, como resultado, um aumento do nível do mar em cerca de 7m (IPCC, 2007 p. 7, 8, 9; UNFCCC, 2010). 27 A invasão do solo pela água salgada, em virtude do aumento do nível do mar, irá reduzir a qualidade e quantidade do fornecimento de água potável. Isso se torna ainda mais grave uma vez que bilhões de pessoas já sofrem com a falta de acesso a água. Níveis mais altos do oceano já estão contaminando as fontes de água subterrânea em Israel, Tailândia, em vários pequenos países insulares do Pacifico, do Oceano Índico, do Mar do Caribe e nos mais produtivos deltas do mundo - como o Delta do Yangtze na China e o Delta Mekong no Vietnam (UNFCCC, 2010). Em uma visão futura, mesmo com uma eventual estabilização das concentrações atmosféricas de gazes de efeito estufa, o aquecimento do planeta e o aumento do nível do mar deverão continuar por séculos, dada a escala de tempo em que esses eventos acorrem juntamente ao processo de feedback. Por esse processo - cuja magnitude de seu efeito é ainda incerta - o ciclo de carbono climático deverá adicionar ainda mais CO2 a atmosfera à medida que o sistema climático esquentar. Tal incerteza da grandeza desse efeito alimenta ainda mais algumas linhas filosóficas de projeções catastróficas (IPCC, 2007 p. 12). Por tudo, percebe-se que os seres humanos deverão enfrentar grandes desafios para lidar com o aquecimento global. O aquecimento global é um problema moderno, complexo, global e de interface com temas difíceis como pobreza, desenvolvimento econômico e crescimento populacional (UNFCCC, 2010). 1.3 Mudanças climáticas e Biodiversidade O clima na Terra vem mudando e seu impacto já está atingindo a biodiversidade e a vida selvagem do nosso planeta. Existem amplas evidência de que tal alteração poderá tornar-se um dos fatores mais importantes da perda de biodiversidade até ao final do século. As mudanças climáticas globais já estão forçando o processo de adaptação da biodiversidade através de mudança de habitat, da alteração dos ciclos de vida e até com o desenvolvimento de novas características físicas (CBD, 2010). 28 Foram constatadas pelo menos 420 mudanças em processos físicos e biológicos em espécies e comunidades, induzidas pelas mudanças climáticas globais em diferentes partes do planeta. Nos Alpes, algumas plantas, antes somente encontradas no topo das montanhas, desapareceram enquanto outras espécies migram em direção a altitudes mais elevadas, num ritmo de um a quatro metros por década. Na Europa, certas espécies de aves já vêm se acasalando e até mesmo colocando ovos antecipadamente a estação padrão. Determinadas espécies de insetos, por sua vez, passaram a viver em altitudes mais altas, onde antes era muito frio. Habitat aquáticos de água doce e pântanos, mangues, recifes de coral, ecossistemas árticos e alpinos e florestas da nuvem são particularmente vulneráveis aos impactos das alterações climáticas. Espécies de regiões de montanha e espécies endêmicas foram identificadas como sendo particularmente vulneráveis devido suas restritas áreas geográficas e climáticas, poucas oportunidades de dispersão e outras pressões (CBD, 2009b p. 9). Verificou-se que os índices atuais de extinção de espécies ultrapassam de longe as taxas de fundo normal. As atividades humanas já provocaram a perda da biodiversidade e, decorrentemente, podem também ter afetado bens e serviços essenciais ao bem estar do homem. A magnitude da mudança climática induzida por emissões de gases de efeito estufa tem aumentado e continuará a afetar a biodiversidade, quer seja diretamente ou em combinação com outros fatores de mudança (CBC, 2010; UNFCCC, 2010). A estimativa de extinções aponta que numerosas plantas e espécies animais, já enfraquecidos pela poluição e perdas de habitat, não deverão sobreviver nos próximos 100 anos. Da maioria das espécies em perigo, 25% dos mamíferos e 12% das aves podem ser extintos nas próximas décadas, conforme o aquecimento altere as condições de seus habitat (UNFCCC, 2010). É neste contexto de eminente perigo a biodiversidade do planeta que é clamada a consciência da ação humana sobre as diversas formas de vida da Terra assim como os riscos e conseqüências desta ação. A manutenção da biodiversidade, além dos benefícios diretos trazidos para o homem, como os serviços ambientais e seu valor econômico na forma de produtos, pode ainda contribuir para reduzir os efeitos negativos das alterações climáticas, devido à 29 remoção de dióxido de carbono da atmosfera e armazenamento de carbono como, por exemplo, através da manutenção das florestas. Além disso, a conservação dos ecossistemas intactos tais como manguezais, pode ajudar a minimizar os impactos desastrosos da mudança climática, como inundações e tempestades (CBD, 2010). 1.4 A Convenção do Clima, o Protocolo de Quioto e o atual cenário das negociações climáticas. Em vista as crescentes sinalizações da comunidade científica com relação a ação do homem sobre o sistema climático e seus potenciais riscos, há cerca de duas décadas atrás, 192 países juntaram-se a um acordo internacional que determinou metas gerais e regras para confrontar as mudanças climáticas - A ConvençãoQuadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas (United Nations Framework Convention on Climate Change – UNFCCC) – e considerar o que poderia ser feito para reduzir o aquecimento global e como lidar com o inevitável aumento de temperatura decorrente. Essa Convenção estipulou o objetivo de estabilizar a concentração de gases de efeito estufa em um nível que previna a interferência antropogênica perigosa no sistema climático, afirmando que tal nível deve ser atingido em tempo suficiente para permitir a adaptação natural dos ecossistemas, bem como garantir a proteção do homem e permitir o desenvolvimento econômico de maneira sustentável. O principal foco da Convenção foi reconhecer que existe o problema - algo muito arriscado em 1994, quando o tratado se tornou efetivo em época com menos evidências disponíveis. A Convenção exige atualização precisa e regular dos inventários de emissões de gases de efeito estufa dos países industrializados, como primeiro passo para dimensionar o problema. Com poucas exceções, o ano base para tabular as emissões de efeito estufa vem sendo estabelecido como 1990. Os países em desenvolvimento também são encorajados a realizarem seus inventários (UNFCCC, 2010). Seis gases de efeito estufa são considerados pela UNFCCC em seu Protocolo de Quioto, conforme descritos na tabela 1: 30 Tabela 1 Parcela das emissões globais de GEE em 2004 e suas principais fontes Gás Parcela das emissões Fonte Globais em 2004 Consumo de energia por queima de combustíveis fósseis Dióxido de Carbono (CO2) 76,7%, (56.6% pouso de combustível fóssil) Desflorestamento Atividades agrícolas Metano (CH4) Produção de energia 14.3% Lixo Óxido Nitroso (N2O) Majoritariamente atividades agrícolas por 7.9% Usando como substituto de substâncias que agridem a camada de ozônio. Hidrofluorcarnonetos (HFCs) Perfluorocarbonos (PFCs) Hexafluoreto de Enxofre (SF6) Usado em alguns processos industriais e equipamento eletrônico. 1.1% Fonte: UNFCCC, 2010 As partes, assim chamados os países signatários da Convenção no jargão diplomático, concordam em considerar as mudanças climáticas em suas políticas internas e em seus planos econômicos setoriais. Os países industrializados acordaram, ainda, em apoiar atividades relacionadas às mudanças climáticas em países em desenvolvimento, compartilhando tecnologia e fornecendo suporte financeiro acima e além de qualquer assistência financeira que porventura já viessem provendo. Os países em desenvolvimento (países não Anexo I) não se comprometeram em reduzir os limites de emissões de GEE por ocasião em que a Convenção foi negociada. Uma vez que o desenvolvimento econômico é vital para os países mais pobres do mundo, a Convenção, de acordo com o princípio de 31 “responsabilidade comum, porém, diferenciada”, permitiu que a parcela de emissões de gases de efeitos estufa produzida pelos países em desenvolvimento cresça nos próximos anos; dessa forma auxiliando esses países a reduzirem suas emissões sem frear seu progresso econômico. A Convenção, portanto, coloca o maior peso para a luta contra o aquecimento nas nações industrializadas - também chamadas de países do Anexo I - uma vez que elas foram geradoras das maiores emissões de gases de efeito estufa no passado e continuam sendo no presente. As partes da Convenção reconhecem que o documento-quadro deve ser complementado no decorrer do tempo de forma que os esforços para lidar com as mudanças climáticas e aquecimento global possam ser focados e atuados de forma mais efetiva. A primeira adição ao tratado foi o Protocolo de Quioto, adotado em 1997, que compartilha o objetivo final com a Convenção do Clima, aumentando os comprometimentos já existentes através de medidas mais rígidas e de vínculo legal. Por meio deste, os países industrializados (países do Anexo I)5 acordam em cumprir as metas obrigatórias de redução de emissões de cerca de 5% dos níveis de 1990 para o período de 2008-2012. Esta meta deve ser atingida somente por ações domésticas ou complementarmente com o uso de um dos três mecanismos internacionais de mercado estabelecidos pelo protocolo de Quioto: Mecanismo de Desenvolvimento Limpo MDL (Clean Development Mechanism,CDM): caracteriza pelo financiamento de projetos de desenvolvimento sustentável em países não-Anexo I que reduzam emissões (ou aumentem sumidouros através de aflorestamento ou reflorestamento); Implementação Conjunta (Joint Implementation - JI); financiamento de projetos em países com economia em transição (EITs); Comercio de Emissões (Emissions Trading - ET): mecanismo que possibilita países do Anexo I a comercializarem créditos ou permissão de emissão entre eles. 5 Os Estados Unidos não ratificaram o Protocolo de Quioto e até o momento, não tiveram êxito em formalizar uma política federal para mudanças climáticas. Entretanto, alguns estados vêm tomando medidas reais para redução de suas emissões. 32 Estes mecanismos podem ser visto como um importante instrumento gerado pela Convenção, que auxilia os países a atingir seus objetivos através da redução dos custos para cumprir com suas metas e foi largamente responsável para a criação do Mercado de Carbono. Através deles os países do Anexo I podem reduzir suas emissões fora de suas fronteiras geográficas, como, por exemplo, através de projetos voluntários implementados em países em desenvolvimento. O primeiro período de comprometimento do Protocolo começou em 2008 e terminará em 2012. No atual momento, grande esforço vem sendo feito para colocar em vigor um compromisso multilateral objetivando garantir que não haja uma lacuna entre o final do primeiro período de compromisso do Protocolo de Quioto, em 2012, e a entrada de um futuro regime (UNFCCC, 2010). O objetivo atual da UNFCCC é balancear as concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa a um nível que previna a interferência perigosa do homem no sistema climático. Para cumprir com esse objetivo, de acordo com o IPCC, a meta a longo-prazo seria um pico de emissões, nos próximos 10 a 15 anos, seguido de declínio - 50% sobre os índices de 2000 - no ano de 2050. Tal estabilizaria as emissões na atmosfera por volta de 450 ppm de CO2eq. , o que corresponde a um aumento de temperatura de 2 a 2,4 graus Celsius. Recentemente, uma grande expectativa de um acordo foi direcionada em torno do encontro das Partes em Copenhagen (COP15), visando definição do futuro das negociações climáticas em um regime pós 2012. Apesar de nenhum novo compromisso compulsório adicional ter sido acordado desde o fechamento de tal Conferência, 76 Partes, que juntas somam mais de 80% das emissões globais por uso de energia, assumiram promessas nacionais (national pleadges) de cortes ou limitação de emissões de GEE para 2020. Quarenta e uma nações industrializadas já anunciaram formalmente suas metas a UNFCCC e trinta e cinco países em desenvolvimento já emitiram informações sobre planos de mitigação nacionais. 6 No entanto cabe alerta, conforme declaração do próprio então secretário executivo Yvo de Boer: “Está claro que enquanto as promessas submetidas são importantes passos em direção à limitação do crescimento das emissões, elas não serão sozinhas 6 Essas comunicações podem ser encontradas no site da UNFCC: http://unfccc.int/5265.php. 33 suficientes para limitar o aquecimento abaixo dos 2 graus Celsius.” (VIDAL, J, 2010; UNFCC, 2010). Análises feitas pela UNEP e WRI mostram que mesmo com as promessas atuais de redução de emissões ainda há uma chance maior que 50% de que o aquecimento global ultrapasse os 3oC em 2100. É estimado que com esses cortes de emissões prometidos, ainda sejam liberados de 47.9 a 53.6 gigatoneladas de CO2eq por ano até 2020. Cientistas mostram que isto poderia levar, por exemplo, a um colapso da floresta amazônica, bem como do fornecimento de água na America do Sul e na Austrália e a quase extinção de todos os recifes de coral. Afirma Joss Garman, do Greenpeace: “Este é um documento explosivo que mostra que o número de promessas existentes até o momento levaria a não menos que um colapso climático e uma situação extraordinariamente perigosa para a humanidade”. As promessas - salvas exceções do Japão e da Noruega que se propuseram a cortes de 25% e 30-40% abaixo de 1990, respectivamente - mostraram-se, até agora, muito pouco ambiciosas. A EU propôs um corte de 20 a 30% das emissões. Os EUA propuseram uma meta de corte de 17% dos níveis de 2005, o que equivale a somente 3% em relação a 1990. A China se comprometeu a metas de 40-45% em relação a 2005, o que pouco acrescenta a tendência de redução já alcançada nos últimos anos através de seu desenvolvimento tecnológico. Adicionando-se a essas limitadas propostas há ainda o risco de um acréscimo de 12 gigatoneladas de CO2eq decorrentes de um eventual uso de permissões excedentes conseguidas por alguns países do Anexo I durante o período de 2008 a 2012 - decorrentes das fracas metas estipuladas a eles pelo Protocolo de Quioto, bem como ao uso de possíveis permissões concedidas pelas regras internacionais referentes às alterações de uso da terra - podendo então, em 2020, ter-se um acréscimo de 6,5% de CO2 em relação aos níveis de 1990; índice distante da redução de 20 a 40% proposto pelo IPCC. Caso um novo acordo internacional selando novos compromissos não seja concretizado, é possível que as nações cumpram a menor margem das promessas de redução de emissões. (VIDAL, J., 2010; ROGELJ, J et al, 2010). 34 Desta forma, o Protocolo de Quioto constitui um progresso importante na arquitetura global especialmente por iniciar um mercado global de carbono, mas é um modesto primeiro passo para lidar com a mudança climática. Profundos cortes de emissão das nações industrializadas são necessários, sendo que as mesmas, devido a sua responsabilidade histórica e capacitação econômica, devem continuar a liderar a mitigação. Por outro lado, um futuro regime de mudanças climáticas requererá maior engajamento dos países em desenvolvimento, em particular daqueles cujas emissões, quer agora ou em um futuro próximo, contribuem significativamente para as concentrações atmosféricas. Isso será importante dado o projetado crescimento econômico e demanda de energia nos países em desenvolvimento. 1.5 O IPCC Evidências verificadas nos anos 60 e 70, de que as concentrações de dióxido de carbono na atmosfera estavam crescendo, levaram, primeiramente, os climatologistas e outros cientistas a chamarem a atenção internacional às ameaças impostas pelo aquecimento global e a pressionar por ações. Após anos, sem que ações efetivas fossem dadas em resposta aos apelos da comunidade cientistas, foi criado, em 1988, pelo World Meteorological Organization (WMO) e pelo United Nations Environment Pogramme (UNEP) o Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC) a fim de subsidiar as futuras negociações para um acordo climático internacional dentro da ONU. Desde então, sua função vem sendo avaliar e compilar de forma compreensiva, objetiva e transparente, as informações científicas, técnicas e socioeconômicas relevantes ao entendimento dos riscos da indução humana nas mudanças climáticas e seus potenciais impactos. Apesar de não conduzir nem monitorar pesquisa cientifica, o IPCC revisa as mais recentes pesquisas científicas, técnicas e socioeconômicas realizadas pelo mundo inteiro, produzindo os Relatórios Periódicos de Avaliação em Mudanças Climáticas (Regular Assessment Reports on Climate Change), sendo a preparação desses relatórios sua atividade chave. Tal revisão é parte essencial do processo do 35 IPCC, assegurando informações completas, objetivas e transparentes (IPCC, 2010; UNFCCC, 2010). A elaboração de todos os relatórios e publicações do IPCC segue rigorosos procedimentos acordados pelo Painel. Milhares de cientistas de todo o mundo contribuem voluntariamente, como autores e revisores, para o trabalho do IPCC. Por ser um órgão internacional, o IPCC é aberto a todos os países membros das Nações Unidas e do World Meteorological Organization (WMO) e seus governos podem ser envolvidos, uma vez que podem participar dos processos de revisão e das sessões de plenário do órgão, nas quais são tomadas as principais decisões sobre o programa de trabalho do IPCC, como aceitação, aprovação e adoção de relatórios (IPCC, 2010). 1.5.1 Organização do IPCC O trabalho do IPCC é centralizado e coordenado pela Secretaria Geral cuja função é planejar, organizar e coordenar todas as suas atividades no mundo. Três Grupos de Trabalho (Working Group), uma Força Tarefa (Task Force) e um Grupo Tarefa (Task Group) - administrados por suas Unidades de Suporte Técnico (Support Units) - compõem a organização básica do IPCC. São atribuições dos Grupos de Trabalho: Working Group I (WG I) – avaliar os aspectos físico-científicos do sistema climático e das alterações climáticas. Working Group II (WG II) - avaliar a vulnerabilidade dos sistemas naturais e sócioeconômicos frente às alterações climáticas, as conseqüências negativas e positivas das mudanças climáticas e opções para se adaptar a ela. Working Group III (WG III) - avalia as opções de mitigação das mudanças climáticas, através da limitação ou prevenção das emissões de gases de efeito estufa e atividades de remoção dos gases da atmosfera. 36 O IPCC possui, também, uma Força Tarefa em Inventários Nacionais de Gases de Efeito Estufa (Task Force on Nacional Greenhouse Gas Inventories) cujo objetivo principal é desenvolver uma metodologia refinada para cálculo e reporte de emissões e remoções nacionais de GEEs. A Força-Tarefa para Inventários Nacionais de Gases de Efeito Estufa foi estabelecida pelo IPCC para supervisionar o seu programa denominado IPCC National Greenhouse Gas Inventories Programme (IPCC-NGGIP). Sua atividade principal é desenvolver e aperfeiçoar uma metodologia internacionalmente acordada, desenvolver softwares para o cálculo e comunicação de emissões e remoções de GEEs nacionais e incentivar a sua utilização pelos países participantes do IPCC e das partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática. O Grupo de Trabalho de Dados e Suporte aos Cenários de Impactos e Análise Climática (Task Group on Data and Cenário Support for Impacts and Climate Analysis - TGICA) visa facilitar a ampla disponibilidade de dados relativos às alterações climáticas, cenários para a análise do clima e impactos, adaptação, vulnerabilidade e mitigação (IPCC, 2010). 1.5.2 A Contribuição do IPCC O IPCC endereçou o primeiro relatório de avaliação em 1990, refletindo a visão de 400 cientistas que colaboraram em sua elaboração. O relatório afirmava que o aquecimento global era real e urgia que algo fosse feito. O painel encorajou governos a criarem a Convenção do Clima (UNFCCC) – mais popularmente conhecida como Cúpula da Terra, (Earth Summit) -- no Rio de Janeiro, que em 1992 já estava pronta para ser ratificada. Após seu primeiro relatório, mais três outros foram divulgados em 1995, 2001 e 2007. O Quarto Relatório (Fourth Assessment Report -AR4) foi divulgado em 2007, consistindo de quarto volumes: os três relatórios dos WGs e o Synthesis Report (SYR). Cada grupo de trabalho contribui com capítulos individuais, Sumário Técnico e Sumário para os tomadores de decisões (policy makers). O processo em direção ao quinto relatório esta em andamento (IPCC, 2010, UNFCCC, 2010). 37 Os relatórios do IPCC continuam sendo freqüentemente usados como base para decisões realizadas dentro da Convenção e possui função primordial nas negociações do Protocolo de Quioto (UNFCCC, 2010). O IPCC é, hoje, o órgão líder na avaliação das mudanças climáticas, fornecendo ao mundo uma visão cientifica clara do atual estado dessas alterações e suas potenciais conseqüências ambientais e socioeconômicas. Com sua natureza científica e intergovernamental, têm a responsabilidade de prover os formadores de políticas (policy makers) com dados técnicos e científicos relevantes, mas não tem a tarefa de prescrever políticas. Assim, seu objetivo é mediar e ocupar a lacuna existente entre a ciência e os tomadores de decisões e outros stakeholders. Endossando os relatórios do IPCC os governos reconhecem a autoridade de seu conteúdo cientifico. Dessa forma, os dados do IPCC, frutos de um consenso cientifico global e portadores de caráter imparcial, possibilitam um contrabalanço para os freqüentes debates acerca de medidas a respeito das mudanças climáticas (IPCC, 2010; UNFCCC, 2010). 1.6 A adaptação e a importância das florestas neste processo O clima mundial apresenta mudanças sem precedentes na história e existe amplo consenso na comunidade científica de que continuará mudando mais rapidamente do que o previsto há alguns anos. Alterações climáticas, em dezenas de milhares de anos atrás, ocorriam gradualmente e davam maior chance de adaptação aos sistemas naturais. A vasta população mundial atual, na maioria pobre, é muito vulnerável ao stress climático e, diferentemente dos ancestrais, possui menos espaço para migrar. Estima-se que os riscos e prejuízos impostos pelas mudanças climáticas irão variar muito; alguns se revelando paulatinamente através de gradativas mudanças de temperatura e precipitação - levando a perdas sócio-econômicas e ambientais de longo prazo; enquanto outros acontecerão repentinamente, como tempestades tropicais e inundações, criando episódios de catástrofes. Somente em 2008 mais de 20 milhões de pessoas foram deslocados por desastres climáticos repentinos. Prevê-se que cerca de 200 milhões de pessoas 38 serão desalojadas por impactos climáticos até 2050 (UNFCCC, 2010, WORD BANK, 2010). Independentemente da forma com que as mencionadas mudanças se concretizem, o aquecimento global, muito provavelmente, será injusto. Os países em desenvolvimento, apesar de pouco terem contribuído para o efeito estufa, serão os mais expostos devido à falta de recursos para lidar com tempestades, enchentes, secas, surtos de doenças e com o possível colapso no abastecimento de comida e água anunciados pelo FAR. As alterações climáticas afetam os mais pobres de duas principais formas. Uma está relacionada à dependência dos povos pobres da agricultura como fonte de renda e subsistência. A outra é oriunda do fato de grande parte da população pobre viver em áreas que são muito vulneráveis a oscilações climáticas severas, como áreas de alagamento ou favelas em encostas. Essas características tecem um panorama preocupante e que aponta a urgência em assegurar apoio adequado e rápido aos países e comunidades em questão. É com este objetivo que a UNFCCC convoca todas as Partes para formular, implementar, publicar e atualizar medidas de adaptação, assim como cooperar com os países em desenvolvimento para a adaptação necessária, favorecendo a provisão de fundos, transferência de tecnologia e assistência técnica e institucional. Face á situação delicada de tais países e em concordância com o Artigo 4.9 da UNFCCC foi criado o National Adaptation Programme of Action (NAPA), objetivando identificar, através das informações já existentes, as necessidades imediatas dos países menos desenvolvidos para que viabilizem a adaptação diante as ameaças das mudanças climáticas (NAPA, 2010; UNFCCC; 2010; WORLD BANK, 2010). A fragilidade futura de cada país, no entanto, não depende somente da mudança climática, mas também dos caminhos escolhidos para alcançar o seu desenvolvimento. O desenvolvimento sustentável pode reduzir a vulnerabilidade através da implantação de planos de adaptação integrados às prioridades de desenvolvimento sustentável nacional e internacional. Isso exige decisão política centrada em um aumento de investimento para estratégias de adaptação que 39 cubram diferentes escalas de tempo/níveis/setores e que sejam embasados em um maior conhecimento técnico-cientifico de avaliação de riscos e de formas de adaptação. Maior capacitação individual e coletiva, assim como institucional, também será decisiva para o preparo dos países. Cooperação e ações amistosas entre países, através de acordos internacionais serão, também, primordiais para a transferência e desenvolvimento de tecnologias e estratégias que possibilitem um maior preparo para os países enfrentarem as crises ou para o caso de eventual necessidade de migração (UNFCCC, 2010 WORLD BANK, 2010). A adaptação baseada nos ecossistemas usa a biodiversidade e os serviços ambientais como uma estratégia de adaptação global e inclui a gestão sustentável, conservação e restauração daqueles a fim de fornecer serviços que ajudem as pessoas a se adaptarem aos efeitos adversos da mudança climática. Exemplos de atividades de adaptação baseada nos ecossistemas: defesa costeira através da manutenção e / ou restauração de manguezais e outros sistemas costeiros; gestão sustentável das zonas úmidas e planícies alagadas para a manutenção do fluxo e qualidade da água; conservação e restauração de florestas para estabilizar encostas e regular os fluxos de água; estabelecimento de sistemas agroflorestais diversificados para lidar com o maior risco de alteração climática; e conservação da agrobiodiversidade para fornecer pools de gene específico para adaptação da agricultura e da pecuária às mudanças climáticas (CBD, 2009b p. 10). Observa-se que muitas nações já definiram seus planos e projetos de adaptação, porém poucas consideraram o papel das florestas nesse processo. É vital incluir estas nas políticas de mudanças climáticas por duas razões principais: porque são vulneráveis e porque exercem papel fundamental na redução da fragilidade das sociedades expostas a perdas decorrentes de mudanças climáticas. Adicionalmente, a manutenção das florestas pode ser uma das opções menos custosas para lidar com mudanças climáticas para muitos povos. É de extrema importância garantir políticas e práticas florestais adequadamente centradas na proteção daqueles cuja subsistência depende das florestas, assegurando que as estratégias de adaptação incorporem o manejo sustentável das mesmas (CIFLOR, 2010). 40 Diversificação econômica é outra boa forma de criar proteção contra choques climáticos e, adicionalmente, preservar o potencial de desenvolvimento dos países mais pobres. O desenvolvimento de culturas resistentes a secas, o manejo do suprimento de água, a ampliação do acesso a energia também irão ajudar os grupos mais fragilizados a sobreviverem nas próximas décadas. Outras medidas importantes de adaptação incluem campanhas de conscientização pública, desenvolvimento de opções tecnológicas e engenharia de defesa (a exemplo de: comportas que protegem as cidades), sistemas de alarme para eventos extremos e desenvolvimento de instrumentos financeiros (por exemplo: esquemas de seguro) (UNFCCC, 2010; WORLD BANK, 2010). As experiências passadas e atuais em lidar com a variabilidade do clima e com outros eventos extremos são valiosas e fornecem indicações preciosas para reduzir a vulnerabilidade e ganhar resistência face futuros impactos climáticos adversos. Um maior esforço, no entanto, precisa ser efetivado para que tais ações sejam integradas em planos nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento sustentável, visando alcançar a potencialidade dos processos de ganho de resistência (UNFCCC, 2010). 1.6.1 O Nairobi Work Programme Em 2004, em Buenos Aires, as Partes decidiram elaborar um programa de adaptação de cinco anos (2005-2010), comandado pelo Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico e Tecnológico (Subsidiary Body for Scientific and Technological Advice - SBSTA) da UNFCCC, para abordar fatores como vulnerabilidade maior dos países em desenvolvimento e necessidade de coordenação das ações de adaptação e desenvolvimento sócio-econômico em um campo de crescente ganho de conhecimento. Após deliberações adicionais em Montreal, em 2005, o programa foi adotado pelas Partes conjuntamente com organizações intergovernamentais e não-governamentais, setor privado, comunidades e outros stakeholde. Detalhes do programa foram finalizados em 2006, em Nairobi, ocasião em que foi nomeado Nairobi Work Programme on Impacts 41 Vulnerability and Adaptation to Climate Change (NWP). Um plano de atividades para até meados de 2008 foi acordado. A segunda fase das atividades se iniciou em Junho de 2008 e irá até Dezembro de 2010. O NWP tem como objetivo dar assistência tecno-científica e sócio-econômica a todos os países - particularmente aos em desenvolvimento e insulares - propiciandolhes maior entendimento sobre futuras variabilidades climáticas e ocorrência, freqüência e escala de eventos extremos, bem como seus impactos e implicações para o desenvolvimento sustentável, a fim de prepará-los para tomar decisões práticas que visem ações e medidas de adaptação prioritárias e de alta efetividade. O programa visa um‟a maior capacitação internacional, nacional, setorial e local através da partilha de informações e experiências advindas de atividades práticas de adaptação, aumentando assim as habilidades dos países para administrar os riscos das mudanças climáticas. Atualmente mais de 130 organizações são parceiras e mais de 20 companhias privadas participam do NWP (NAIROBI WORK PROGRAMME, 2010; UNEP, 2010; UNFCC, 2010). 1.6.2 O Custo da Adaptação As mudanças do clima vêm restringindo o desenvolvimento e sobrecarregando os povos mais pobres, geralmente os mais atingidos pelas catástrofes climáticas, desertificação e aumento do nível do mar. Ajudar os países mais vulneráveis é um desafio crescente para a comunidade internacional, especialmente pelo fato das medidas de adaptação exigirem recursos significativos, estimados em centenas de bilhões de dólares a cada ano e por várias décadas (WORLD BANK, 2010). O cenário aponta a necessidade de fundos suficientes e sustentáveis para que os países possam planejar e implementar planos de adaptação em todos os níveis: local, sub-nacional e nacional. Em vista disso, o Fundo de Adaptação (The Adaptation Fund) foi estabelecido pelas Partes do Protocolo de Quioto para financiar projetos e programas de adaptação concretos em países em desenvolvimento que 42 são Partes do Protocolo. Tal Fundo é primariamente financiado por uma taxa de arrecadação de 2% cobradas sobre as Reduções Certificadas de Emissões (Certified Emission Reduction - CERs), oriundas dos projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Sua arrecadação é gerida pelo Fundo Mundial para o Ambiente (GEF) e o dinheiro fica a cargo do Banco Mundial, que desempenha as funções de gerenciamento do Fundo e venda dos CERs. O montante de recursos para pós-ano de 2012 dependerá da continuação dos projetos de MDL e do nível de demanda do Mercado de Carbono (THE ADAPTATION FUND, 2010; UNFCC, 2010; WORLD BANK, 2010). Além do Fundo de Adaptação outras fontes de recursos podem ser mobilizadas para ajudar as nações em desenvolvimento no processo de adaptação às mudanças climáticas. A UNEP tem acesso aos recursos do Global Environment Facility (GEF)7 e também a outros fundos que podem dar suporte para os países elaborarem planos nacionais de ações para adaptação e os instaurarem. Através de intervenções técnico-políticas e aporte financeiro a UNEP procura fortalecer a capacitação adaptativa dos países em desenvolvimento, aumentar a resistência dos ecossistemas e mobilizar os conhecimentos para políticas e planos de adaptação. Até 2010, o trabalho da UNEP de suporte a outros programas de adaptação globais e regionais será focado principalmente na África, nos pequenos países insulares em desenvolvimento (Small Island Developing States - SIDS) e nos mega deltas. Estima-se que na África, até 2020, 75 a 250 milhões de pessoas sofrerão tanto com a maior ocorrência de inundações quanto com a escassez de água. As SIDS e os grandes Deltas - que abrigam grande parte da população mundial - estão ameaçados pelo aumento do nível do mar. A UNEP também dará apoio técnico e financeiro aos povos do Himalaia, ameaçados pelas mudanças climáticas tanto a curto-prazo - como deslizamentos de terra e inundações por ruptura de lagos glaciares - quanto a longo-prazo, para atender a provável falta de suprimento de água no futuro devido a diminuição dos glaciares (UNEP, 2010). 7 O GEF é um mecanismo de cooperação internacional com a finalidade de prover recursos adicionais e fundos concessionais para cobrir custos incrementais em projetos que beneficiem o meio ambiente global. 43 1.7 A contribuição das florestas para a mitigação das mudanças climáticas A mitigação das mudanças climáticas, juntamente com a adaptação, é uma das duas abordagens centrais do processo internacional de mudanças climáticas. A mitigação envolve intervenções humanas para reduzir as emissões dos gases de efeito estufa das fontes ou para aumentar sua remoção da atmosfera através dos sumidouros, sejam eles florestas, vegetação, solo ou algum processo de geoengenharia que possa absorver CO2. De acordo com IPCC, o crescimento do uso de tecnologias limpas e a melhora na eficiência energética, a preservação dos sumidouros de carbono e o mecanismo de mercado de carbono instituído constituem um grande potencial de mitigação para todos os setores. Nas últimas décadas as emissões de gases de efeito estufa aumentaram em média 1,6%, com emissões de CO2 de combustíveis fosseis crescendo em 1,6%. O maior crescimento nas emissões de GEE, em geral, decorre do suprimento de energia e transporte rodoviário. Não menos importante é a atual taxa de desflorestamento, incluindo o que ocorre na zona tropical da América do Sul, África e Ásia, que representa cerca de 20% das emissões de GEE geradas pelo o homem; ação essa de grande significância para as mudanças climáticas. As emissões por desflorestamento no Brasil e Indonésia, por exemplo, sozinhas equivalem ao índice de redução de emissões obtidas por todos os países do Anexo I durante o primeiro período de compromissos sob o Protocolo de Quioto. É sabido que o desflorestamento possui um efeito de dano duplo, pois, além de reduzir o número de árvores que fazem a conversão de CO2 de origem humana, ele libera na atmosfera o carbono contido nas árvores que são cortadas. Sem a implementação de eficientes políticas e medidas para conter o desmatamento, a derrubada de florestas tropicais provavelmente irá liberar um adicional de 87-130 gigatoneladas de carbono por volta de 2100; quantia equivalente à liberação de carbono de mais de uma década de queima global de combustíveis fósseis, considerando as taxas atuais (UNFCCC, 2010 UNEP, 2010). Historicamente, o interesse no carbono florestal tem se concentrado em atividades de aflorestamento e reflorestamento (AR), as quais seqüestram carbono. 44 Atividades AR, por ocorrerem em terras manejadas, têm sido melhor compreendida do que as atividades de redução de emissões por desflorestamento (RED). Várias análises, contudo, confirmou que o potencial de mitigação de carbono das atividades de RED é, várias vezes, maior do que o potencial das atividades de AR (UNEP, 2010). No gráfico a seguir (figura 5), é possível comparar as diferentes estratégias para mitigação das mudanças climáticas com seus respectivos custos associados. Fonte: IPCC, 2007 Fig 5 (gráfico): Opções de ações de mitigação e seus custos associados. Sob a vigência do Protocolo de Quioto, países industrializados com falta de espaço ou opções de custo benefício para expandir florestas no seu próprio território, poderão compensar parcialmente suas emissões de GEE pagando pelo 45 estabelecimento e manutenção de florestas em outros países, através do mecanismo de MDL florestal. O MDL teve papel determinante para o desenvolvimento de projetos de aflorestamento e reflorestamento, incentivando a criação de métodos e técnicas essenciais para sua elegibilidade e efetiva implementação dentro dos critérios adotados pela Convenção. Atividades de Aflorestamento / Reflorestamento (A/R)8 são inerentemente diferentes das atividades de redução de emissões por desflorestamento e degradação florestal (REDD). Atividades de AR seqüestram carbono e a geração de crédito está baseada no aumento dos estoques de carbono. Com o crescimento as árvores absorvem mais carbono e na medida em que o valor absoluto de carbono em uma floresta aumenta, os créditos são emitidos. No entanto a porcentagem dos projetos MDL para aflorestamento e reflorestamento é ainda muito pequena9 decorrente de dificuldades que vão das complexas metodológicas e restrições regulatórias para tais projetos, sua menor lucratividade quando comparados a outros projetos de MDL bem como ao fato dos créditos serem temporários e não fungíveis10 a outros créditos de carbono. Além disso, o MDL - florestal ou mesmo energético não abrange grande parte do problema relativo ao aquecimento global: as emissões compartilhadas que são geradas pelo desflorestamento de florestas tropicais em países em desenvolvimento, que representam 20-25% dos gases de efeito estufa global. Devido a impasses relacionados a questões de soberania, incertezas científicas e implicações no esforço para redução de emissões por uso de combustíveis fosseis, qualquer redução de emissões de gases de efeitos estufa pelo desflorestamento e degradação florestal, conservação florestal, ou a valorização das florestas intactas como um estoque de carbono ainda não é reconhecida sob o Protocolo de Quioto e sua inclusão está em discussão pelos signatários da UNFCCC (STERN, N., 2006; UNFCCC, 2010; UNEP, 2010). 8 Conforme definido no Acordo de Marrakech, aflorestamento refere-se à conversão direta, induzida pelo homem, de terra que não foi florestada por um período de pelo menos 50 anos em terra florestada por meio de plantio, semeadura e / ou a promoção induzida pelo homem de fontes naturais de sementes. Refloretamento refere-se à conversão diretamente induzida pelo homem de terra nãoflorestada em terra florestada por meio de plantio, semeadura e / ou a promoção induzida de fontes naturais de sementes, na terra que foi florestada, mas que foi convertida em terra não-florestada. 9 Apenas 13 projetos registrados até 2010. 10 Ser de tal natureza que uma parte ou quantidade possa ser substituída por outra parte ou quantidade igual para cumprir uma obrigação. No caso, referimos á fungibilidade de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente. 46 Concretamente, um novo caminho deve ser encontrado para expandir e alimentar o apelo das florestas. Os povos ainda não valorizam devidamente os efeitos positivos das florestas. Apesar da redução de emissões por desflorestamento ser hoje amplamente reconhecida como questão chave para a mitigação das mudanças climáticas, muitas questões com relação aos riscos ambientais e sociais se mantém. Achar novas maneiras de manter os reservatórios terrestres de carbono e reduzir as emissões de carbono por mudanças no uso da terra será peça chave para as próximas negociações dentro da UNFCCC. È preciso assegurar que a redução de emissões por desflorestamento e degradação florestal seja um tópico central em qualquer regime climático futuro (UNFCCC, 2010; UNEP, 2010). 47 2 Reducing Emission from Deforestation and forest Degradation (REDD): aspectos e impactos ao clima e a biodiversidade As florestas possuem uma função chave no contexto das mudanças climáticas devido ao total de carbono retido nelas, estimado em 638 Gt em 2005 (mais do que a quantidade de carbono presente na atmosfera inteira), e ao seu duplo efeito de resfriamento e manutenção de temperatura, exercido via absorção de CO2 e manutenção de altos níveis de evaporação a partir da copa das árvores. Oposta e incoerentemente a sua importância, a ação das nações – quer pelo uso de sua terra, quer na mudança de seu uso ou pelas alterações das áreas de florestas (Land Use, Land Use Change and Forestry - LULUCF) são responsáveis por 20-25% do total das emissões anuais de GEEs. O grande percentual de emissões por LULUCF vem do desflorestamento, resultando na imediata liberação do CO2 proveniente da queima do carbono estocado nas árvores. Somente o desflorestamento, principalmente pela conversão de florestas em atividades agropecuárias, é responsável por contribuir em 17% das emissões dos GEE – a terceira maior fonte de emissões antropogênicas depois do suprimento de energia e atividade industrial (GCP, 2009 p. 13; IPCC, 2007, UNFCCC, 2006 p.3, 2009 p.1). As florestas tropicais do mundo hoje cobrem aproximadamente 30 % da superfície terrestre. Desta enorme área florestal, 44% esta na América Latina, sendo que aproximadamente 13 milhões de hectares florestais são perdidos todos os anos, representando uma média de taxa de desflorestamento de aproximadamente 0,9% por ano. Este dado confirma que as florestas tropicais estão sob crescente ameaça e que esta tendência infelizmente não está decrescendo (TNC-IDESAM, 2009, p.10; UNFCCC, 2009 p.1). Redução de Emissões por Desflorestamento e Degradação Florestal, termo adotado internacionalmente por Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation (REDD), em países em desenvolvimento é um novo mecanismo financeiro que vem sendo proposto para o regime de mudança climática pós 2012, 48 sob o auspício da UNFCCC. O sucesso de um acordo para um futuro mecanismo REDD representaria um substancial e sem precedente avanço na criação de um instrumento para ajudar a internacionalizar os custos da perda de carbono pelas florestas e poderia ser uma contribuição significativa para lidar com o desafio das alterações climáticas. De acordo com o IPCC, no seu quarto relatório, redução e/ ou prevenção do desflorestamento é a opção de mitigação mais abrangente e de mais imediato impacto no estoque de carbono em curto prazo. Apesar disso, além das considerações sobre os benefícios das atividades de REDD para os países, ainda há divergências sobre se algumas atividades de uso da terra devem ser ou não consideradas em um futuro sistema de REDD (KAROUSAKIS, K; 2009, p. 4; IPCC, 2007). Não menos importante que sua função de regulação climática, as florestas também são primordiais para provisão de biodiversidade, abrigando pelo menos 50% da riqueza terrestre em espécies, principalmente nos trópicos. Além de carregar um significante estoque global de carbono, prover serviços ambientais e produtos valiosos elas servem de habitat para uma ampla variedade de flora e fauna, que por sua vez aumenta também a resistência e resiliência11 das mesmas perante as mudanças climáticas (KAROUSAKIS, K; 2009, p. 6). 2.1 Um panorama atual das florestas no planeta Quase a metade da cobertura florestal original da Terra já foi extinta; em grande parte destruída nas últimas três décadas. No decorrer dessa devastação, perde-se espécies e uma abundância de recursos valiosos, alterando a composição da atmosfera e degradando brutalmente os ecossistemas. O mapa a seguir (figura 6) ilustra a distribuição das áreas de floresta pelo Globo. O mapa da figura 7 mostra a mudança da área florestal global. 11 Resiliência é a capacidade de uma floresta de suportar (absorver) a pressões externas e de regresso, ao longo do tempo, ao seu estado pré-perturbação. Quando visto ao longo de um período de tempo adequado, um ecossistema florestal resiliênte é capaz de manter a sua "identidade" em termos de composição taxonômica, estrutura, funções ecológicas e as taxas de processo. 49 Fonte: FAO, 2010. Figura 6 (Mapa) Distribuição florestal. Fonte: FAO, 2010. Figura 7 (mapa) Mudança liquida em área florestal. 50 A maior parte das florestas originais do mundo foi perdida pela conversão de sua área em pastos e culturas agrícolas ou pela exploração madeireira e manejo florestal. Grande parte das florestas que restaram são áreas degradadas e muitas vezes descontínuas, representando, assim, um ecossistema que um dia já esteve em pleno funcionamento. Não obstante, estas florestas ainda possuem importância: são os últimos refúgios para algumas das espécies mais ameaçadas e fornecem importantes produtos econômicos bem como serviços ecológicos. Infelizmente, porém, muitas delas podem ter perdido sua capacidade de auto-sustentação a longo prazo, necessitando eventualmente de futuras intervenções de recursos gestores (GREENPEACE, 2010; WRI, 2007 p. 2, 8). As florestas intactas remanescentes com significância territorial e interferência humana irrelevante somam menos de 10% da área terrestre do planeta, o que é agravado pelo fato de que apenas 8% de sua extensão global - que continua encolhendo - esta estritamente protegida (GREENPEACE, 2010; WRI, 2007 p. 2). O mapa a seguir (figura 8) mostra o percentual que cada país abriga de floresta em relação a sua área. Fonte: FAO, 2010 Figura 8 (mapa) Porcentagem de área florestal 51 O conceito de floresta intacta (Intact Forest Landscape – IFL)12 foi desenvolvido por um grupo de organizações não governamentais composto pelo Greenpeace, World Resources Institute, Global Forest Watch, Biodiversity Conservation Center, International Socio-Ecological Union e Transparent World. O conceito de florestas intactas e sua definição técnica foi introduzido para ajudar a criar, implementar e acompanhar as políticas relativas ao impacto humano sobre as paisagens florestais a nível regional e nacional. A essência dessa abordagem é a utilização de informações de satélite de alta resolução espacial para estabelecer os limites de grandes áreas de floresta intacta, utilizando essas fronteiras como uma base para o monitoramento. Para tal propósito, foi definida como floresta intacta (IFL) aquela com uma extensão contínua de ecossistemas naturais dentro da zona de extensão florestal atual, que não apresenta sinais de atividade humana significativa e suficientemente grande e que toda a biodiversidade nativa, incluindo populações viáveis de espécies de grande envergadura, possa ser mantida. Apesar de todas as IFL estarem dentro da zona de mata, algumas podem conter extensas áreas naturalmente sem árvores, incluindo campos, banhados, lagos, áreas alpinas e gelo. Tecnicamente, uma floresta intacta foi definida como um território que contém os ecossistemas florestais e não florestais minimamente influenciados pela atividade econômica humana, com uma área de pelo menos 500 km 2 (50.000 ha) e uma largura mínima de 10 km (medida como o diâmetro de um círculo que está totalmente inscrito dentro dos limites do território).13 As áreas com indícios de certos tipos de influência humana, como por exemplo, assentamentos, infra-estrutura utilizada para o transporte, gasodutos, linhas de transmissão de energia, áreas de agricultura, áreas de atividades madereira e industriais nos últimos 30-70 anos são consideradas “perturbadas” e, conseqüentemente, não são consideradas uma IFL (GREENPEACE, 2010). Existem várias razões para a importância dada às grandes áreas de floresta intocadas. Primeiramente, os ecossistemas são geralmente mais aptos a suportar a 12 No vocábulo Inglês, comumente encontramos autores que fazem referência as florestas intactas também como anscient forest, virgin forest, primary forest ou ainda frontier forest 13 Maiores detalhes quanto aos critérios para definição podem ser encontrados no site www.intactforest.org 52 sua diversidade biológica natural e os processos ecológicos quanto menor a interferência humana e quanto maior a sua área. Eles também são mais capazes de absorver e se recuperar de perturbação, conferindo maior resistência e resiliência, por exemplo, a eventuais alterações climáticas. Adicionalmente, grandes áreas de florestas naturais são importantes para a preservação de todos os estratos da diversidade biológica. Fragmentação e perda de habitat naturais são os principais fatores que ameaçam espécies vegetais e animais de extinção. Animais de grande envergadura (como os elefantes de floresta, os grandes símios, ursos, lobos, tigres, onças, veados, etc), principalmente, exigem grandes áreas intactas preservadas. Fragmentos florestais menores também são mais vulneráveis aos efeitos de borda, tanto físicos como biológicos. Nos Estados Unidos, por exemplo, os ninhos de pássaros em pequenas manchas florestais remanescentes estão sob alta tensão devido à presença e ataque de outros animais que se adaptaram e se desenvolveram ao longo das bordas da floresta, como pássaros habituados a convivência em áreas abertas e com gado. Muitas florestas intactas abrigam recursos naturais dos quais espécies nativas necessitam. No Noroeste dos Estados Unidos as corujas dependem de grandes árvores mortas em pé, normalmente encontradas em florestas antigas e preservadas, e que estão ameaçadas pela exploração madeireira desses ecossistemas. Representando locais seguros para espécies nativas, as florestas intactas são refúgios inestimáveis para a biodiversidade global que está muito ameaçada, principalmente pela perda de habitat. A seqüência de gráficos a seguir (figura 9) quantifica, através do indicador “Living Palnet Index”, a redução da diversidade biológica nos últimos 40 anos. 53 Fonte: WWW 2010. Figura 9 (gráfico). O “Living Planet Index” é um indicador do estado global da diversidade biológica baseado nas tendências das populações de aproximadamente 8000 espécies vertebrados de todo o mundo. O índice geral (gráfico superior) mostra uma redução de cerca de 30% de 1970 a 2007. Para o mesmo período, o gráfico do meio mostra um declínio de 5% para as espécies terrestres de zonas temperadas e 50% para espécies terrestres de zonas tropicais. Para a região Neotropical, especificamente, o declínio populacional representou 55%. 54 Holisticamente, mais do que abrigo para os genes e as espécies sob o seu cerco, as florestas intactas mantêm complexas e inimitáveis comunidades e processos ecológicos além de prestarem inúmeros serviços ecológicos, como a purificação do ar e da água, reciclagem de nutrientes, seqüestro de carbono, controle de erosão e inundações, dentre outros (GREENPEACE, 2010; WRI, p. 9). O mapa mundial das florestas intactas remanescentes (figura 10) foi a primeira avaliação global dessas grandes áreas baseada em imagens de satélite de alta resolução espacial. O mapa ilustra as restantes grandes áreas florestais, comparando-as diretamente com a extensão original de floresta e baseia-se em uma série de mapas regionais de IFL produzidos entre 2001-2006, com uso de métodos semelhantes. A utilização de um único conjunto de critérios e de fonte de dados permitiu a elaboração de um mapa global consistente e obtenção de estimativas do nível de preservação (GREENPEACE, 2010). FONTE: GREENPEACE, 2010. Figura 10 (mapa) Florestas intactas. De acordo com o mapa, as proporções das florestas intactas restantes do mundo estão localizadas nas seguintes áreas: 35% na América Latina (em grande parte na Floresta Amazônica), 28% na América do Norte, 19% no Norte da Ásia, 7% no Sul da Ásia e Pacífico, 8% na África e menos de 3% na Europa. A grande maioria 55 das IFL é encontrada em dois biomas: Tropical Úmida e Florestas Boreais. A menor proporção de florestas intactas é encontrada em Florestas Temperadas. A maioria dos IFL compreende florestas fechadas (64,5%), sendo o restante repartido por florestas abertas (20,5%) e ecossistemas não-florestais (15,0%). Três países Rússia, Canadá e Brasil – somam quase 70% das florestas intactas restantes. O monitoramento visando à conservação de floresta intacta é uma tarefa de grande relevância mundial. Assim, o conhecimento dessas áreas intactas é uma ferramenta extremamente útil para a elaboração, implementação e acompanhamento das políticas e estratégias de proteção ambiental e de manutenção climática. A Conservação das grandes IFLs é uma forma robusta e de baixo custo para proteger a biodiversidade e manter a integridade ecológica e, portanto, deve fazer parte de uma estratégia global de conservação (GREENPEACE, 2010). 2.2 O conceito REDD e sua abrangência. A idéia básica por trás de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD) é que os países que estão dispostos e possuem condições de reduzir as emissões por desmatamento deveriam ser recompensados financeiramente. Um mecanismo REDD, entretanto, tem potencial para realizar muito mais, podendo abordar as mudanças climáticas e a pobreza rural ao mesmo tempo em que conserva a biodiversidade e dá sustentação a serviços ambientais vitais (GCP, 2009 p.14). A definição de REDD, na sua proposta original na COP11 em 2005, inclui atividades que "reduzam emissões resultantes de desflorestamento e degradação florestal". A partir do anúncio do Roteiro de Bali (decisão / CP13, UNFCCC 2007), passou-se a considerar, também, "o papel da conservação, manejo sustentável das florestas e aumento das reservas de carbono das florestas nos países em desenvolvimento", ganhando assim o termo “plus” (REDDplus ou REDD+). (TNC – 56 IDESAM, 2009 p.17). Tal definição abarca diferentes conceitos que merecem serem discutidos. Como o próprio nome "redução das emissões por desmatamento e degradação" explicita, desmatamento e degradação são atividades distintas. Embora estejam freqüentemente associadas, geralmente têm origens e conseqüências distintas, daí a importância de diferenciá-las. A maioria das definições caracteriza o desflorestamento como remoção permanente ou de longo prazo da cobertura florestal e conversão da terra para uso não-florestal. O IPCC define desflorestamento como “a conversão direta induzida pelo homem de terra florestada para não floresta”14 (IPCC, 2001; UNFCCC, 2001). O mesmo, ainda, conceitua floresta como: Floresta é uma área mínima de terra de 0,05-1,0 hectare com cobertura arbóreo (ou densidade equivalente) de mais de 10-30 por cento, com árvores com potencial para chegar a uma altura mínima de 2-5 metros na maturidade in situ. Uma floresta pode consistir de mata fechada, onde árvores de vários estratos e sub-bosque cobrem uma alta proporção do terreno, ou floresta aberta. Formações naturais jovens e todas as plantações que ainda têm de chegar a uma densidade de 10 -30 por cento ou altura de árvore de 2-5 metros são incluídos sob a floresta, como normalmente são áreas que fazem parte da área de floresta que são temporariamente esvaziamos como um resultado da intervenção humana, tais como colheita ou causas naturais, mas que são esperadas reverter para floresta.”15 (IPCC, 2000, tradução nossa). 14 “The direct human-induced conversion of forested land to nonforested land.” “Forest is a minimum area of land of 0.05-1.0 hectares with tree crown cover (or equivalent stocking level) of more than 10-30 per cent with trees having the potential to reach a minimum height of 2-5 meters at maturity in situ. A forest may consist either of closed forest formations, where trees of various storeys and undergrowth cover a high proportion of the ground, oropen forest. Young natural stands and all plantations which have yet to reach a crown density of 10-30 per cent or tree height of 2-5 metres are included under forest, as are areas normally forming part of the forest area which are temporarily unstocked as a result of human intervention such as harvesting or natural causes but which are expected to revert to forest.” 15 57 A FAO restringe um pouco mais o termo: “A conversão de floresta para outro uso da terra ou a redução em longo prazo da copa cobertura abaixo do limiar mínimo de 10 por cento”16. (FAO, 2001 apud FAO, 2007 p.8 tradução nossa) Ambas as definições estipulam o emprego de uma coroa de cobertura mínima de 10% como critério diferenciador de florestas e não florestas. Se o teto arbóreo é reduzido abaixo deste limiar, o desmatamento é caracterizado. Numa perspectiva generalista, o desmatamento envolve a perda de longa duração ou permanente da cobertura florestal e implica na transformação do uso da terra. Essa perda só pode ser causada e mantida por uma contínua interferência de origem humana, como o uso de áreas de floresta para agricultura, pastagem, reservatórios de água e constituição de áreas urbanas, além de outras (FAO, 2007 p.8). As causas do desmatamento são múltiplas e complexas e variam de país para país. As pressões locais provêm de comunidades que utilizam as florestas como fonte de alimento, combustível e terras cultiváveis. Atualmente, o desmatamento é freqüentemente impulsionado pela demanda dos mercados nacionais e internacionais de produtos agrícolas e florestais, pelo crescimento da população e pela expansão das áreas urbanas e redes de transporte. Na África, por exemplo, o principal indutor deste processo é basicamente a agricultura de subsistência em pequena escala. Na América do Sul, em geral, são os grandes empreendimentos do agrobusiness que produzem carne e soja para o mercado externo. Nas últimas décadas, o desmatamento passou de um processo amplamente incentivado e iniciado pelo Estado para um processo impulsionado pelas empresas e costuma ser realizado por entidades com renda suficiente para derrubar florestas (MAYER, E. 2007 p. 8; GPC, 2009 p.13). Outro tópico com menos consenso é o referente à degradação da floresta, que é visto e percebido de formas diversas pelos stakeholders, devido os objetivos diferentes envolvidos. É tecnicamente difícil conceituar degradação, além do fato de sua definição poder gerar implicações políticas que dificultem, ainda mais, alcançar 16 “Deforestation implies the long-term or permanent loss of forest cover and implies transformation into another land use. Such a loss can only be caused and maintained by a continued human induced or natural perturbation.” 58 abordagens operacionais comuns visando sua aplicação tanto a nível nacional e internacional (FAO, 2009 p. 5). O conceito genérico de degradação da floresta como sendo a redução da capacidade da floresta de fornecer bens e serviços, prevê um quadro comum para todas as definições internacionais e também é compatível com a abordagem de serviços do ecossistema. As conceituações mais abrangentes e compreensíveis universalmente foram desenvolvidas pela International Tropical Timber Organization (ITTO) e pela Convenção sobre a Biodiversidade Biológica (CDB) e abordam: dinâmica e mudança na estrutura da floresta; funções da floresta; causas de indução humana; estado de referência; e condições ligadas à temporalidade. O tratamento de mudanças temporais na floresta é crucial para a definição de degradação. A definição utilizada pelo Global Forest Resources Assessments (FRA 2000, 2001, 2003 e 2006) abrange muitos elementos semelhantes, mas não aborda especificamente as causas do desmatamento. A definição desenvolvida pelo IPCC, no contexto das alterações climáticas centra-se em mudanças induzidas pelo homem no ciclo do carbono em longo prazo, mas a definição ainda não foi operacionalizada e não tem status formal. As diversas definições internacionais de degradação florestal deixam várias questões em aberto que precisam ser resolvidas. Uma questão de particular importância é a definição de limites adequados para florestas degradadas e não degradadas, especialmente no que diz respeito às negociações internacionais sobre clima (FAO, 2009 p.5). Para fins de harmonização conceitual, pode-se inferir que a degradação florestal é indicada pela redução da cobertura do dossel e / ou estocagem de floresta através da exploração madeireira, fogo, extração de lenha para uso combustível, além de outros eventos - desde que a cobertura do dossel permaneça acima de 10% (limite de caracterização de uma floresta). Assim, esta definição aponta que até 90% de uma floresta pode ser limpo antes de ser considerada desmatada (FAO, 2009 p.5; TNC-CI-WCS, 2010 p.14). 59 Em sentido amplo, a degradação florestal é a redução em longo prazo da oferta global de benefícios da floresta, o que inclui madeira, biodiversidade, produtos e serviços, ou seja, quando as mudanças na mesma afetam negativamente a sua capacidade de produção. Enquanto o desmatamento se refere à perda total de parte da floresta por corte raso, a degradação se refere à perda gradual de sua biomassa, resultando em alterações do teto arbóreo, mas, não abaixo do limiar da floresta. Uma vez que os ecossistemas são geralmente mais densos de carbono e biologicamente mais diversos em seu estado natural, a degradação de muitos deles reduz significativamente sua capacidade de armazenamento e seqüestro de carbono, com conseqüente aumento das emissões de gases de efeito estufa e perda da biodiversidade genética, de espécies e nível do ecossistema. A degradação da floresta podem eventualmente resultar em desmatamento (CBD, 2009b p. 8; FAO, 2009 p.5; MAYER, E, 2007 p. 8). A degradação da floresta também está relacionada com a densidade populacional, sendo uma de suas causas mais comuns a colheita de lenha, exploração seletiva de madeira, pastagem e agricultura de subsistência (MAYER, E. 2007 p.8). A figura 11, a seguir, mostra os diferentes graus e padrões de degradação florestal pela exploração madeireira. 60 Fonte: INPE, 2010. Figura 11 (foto) Padrões de degradação florestal por extração de madeira observados em imagens realçadas. A) Degradação de intensidade moderada, área em regeneração após exploração madeireira, pátios ainda evidentes; B) Degradação de intensidade alta, exploração madeireira ativa, grande proporção de solo exposto; C) Degradação de intensidade leve, evidência de abertura de estradas de acesso. A degradação das florestas e dos solos são problemas graves, particularmente nos países em desenvolvimento. Em 2000, a área total de florestas degradadas e terras florestais em 77 países tropicais foi estimada em cerca de 800 milhões de hectares. A deterioração da floresta é uma das principais fontes de GEEs, apesar de sua importância não ter sido estimada em escala global. Em alguns países, as emissões provenientes deste processo são tão, ou mais, importantes do que as de desmatamento. Na Floresta Amazônica brasileira, tal processo é responsável por 20% das emissões totais e causam, também, um disseminado dano colateral às árvores remanescentes, à vegetação sob as copas, ao solo, a hidrografia e à biodiversidade. Na Indonésia, é responsável por dois terços da diminuição do estoque florestal. Especialmente no Continente Africano podemos perceber a importância deste processo dada as proporções que chegam as taxas de 61 degradação florestal: quase 50% da taxa anual de desmatamento. (ASNER et al., 2005; ITTO, 2002 apud FAO, 2009 p.7; LAMBIN et al. 2003; UNFCCC, 2006a) Embora o benefício potencial da redução de emissões de GEE oriundos da degradação da floresta seja elevado, este é mais difícil de identificar e controlar do que o proveniente do desflorestamento, cuja mensuração é menos incerta. Portanto, há uma falta de consenso sobre se a degradação das florestas poderia realmente ser incluído em uma política que visa a redução de emissões florestais. Em última instância esta decisão dependerá da capacidade técnica para identificar e monitorar emissões de carbono provenientes da degradação da floresta (MAYER E. 2007 p.8). Quanto ao "papel da conservação" a questão principal em debate é a forma como os esforços de conservação florestal em áreas que não são imediatamente ameaçadas devem ser considerados. Alguns países, como Brasil, por exemplo, propõem que esses esforços devem ser reconhecidos, mas não impliquem em reduções compensatórias de emissões. Uma opção possível para lidar com este problema é chamada de "Abordagem de Fluxo de Estoque" (Stockflow). Entre as propostas da Abordagem de Fluxo de Estoque pode-se considerar um sistema de canalização de recursos, através do qual uma porcentagem dos recursos gerados por créditos de redução das emissões seria locada em um fundo comum para remunerar os países que mantêm suas florestas conservadas. Esta abordagem pode ser particularmente benéfica nos países de alta cobertura florestal e de baixas taxas de desmatamento, gerando recursos necessários para combater os riscos do desmatamento, bem como ações que garanta a permanência da conservação das florestas ainda não ameaçadas. Sobre o tema "Gestão Sustentável das Florestas" o foco da discussão é centrado na distinção das ações consideradas como mantenedoras dos estoques de carbono, como forma de garantir que não haja degradação florestal e manutenção dos estoques de carbono em longo prazo. Com relação ao “Aumento das Reservas Florestais de Carbono" entende-se as atividades de aflorestamento e reflorestamento. O ponto chave da discussão aqui é se a forma com que elas ocorrem poderá restaurar os ecossistemas da floresta para manter e aumentar os estoques de carbono e, ao mesmo tempo, assegurar a 62 sua integridade ambiental e permanência. Uma das possibilidades seria a inclusão de recuperação de áreas com espécies nativas. Todas essas questões, entretanto, ainda estão abertas a discussão e deverão ser aprovadas nas próximas reuniões, já que geram opiniões divergentes e impacto direto não somente sobre a forma como o REDD será incluído em um futuro regime, mas também quais as atividades poderiam ser inseridas no âmbito do mesmo (TNC-IDESAM, 2009 p.16,17). 2.3 A evolução do REDD no âmbito da UNFCCC Florestas é sempre um tópico controverso na Convenção do Clima. Sob o Protocolo de Quioto de 1997 a maior parte dos países Anexo I (ou industrializados) concordou com a limitação mandatória quantificada de emissões de GEEs nacionais e com os objetivos de redução para o primeiro período de compromisso (20082012). Conforme comentado no capítulo anterior, para diminuir os custos e para atingir as metas de emissões, o Protocolo de Quioto permitiu que as Partes do Anexo I utilizassem uma série de mecanismos flexíveis, inclusos nos termos do artigo 12, permitindo que tais Partes invistam em projetos de redução de emissões nos países em desenvolvimento, através do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Com respeito ao setor florestal, somente projetos de florestamento e reflorestamento foram elegíveis no âmbito do MDL. Desmatamento evitado não foi inserido, face as preocupações com a adequação de capacidades de vigilância e de assegurar o princípio da adicionalidade e permanência, como já mencionado anteriormente17. 17 Ou seja, reduções de emissões obtidas como resultado de um projeto são adicionais ao que teria ocorrido no business-as-usual contra-factual. 63 Assim, durante a Sétima Conferência das Partes sobre Mudança Global do Clima - COP7 em 2001, quando o Acordo de Marrakesh18 foi aprovado para regular as atividades de MDL, o tópico “florestas” foi excluído do debate, sendo reafirmado que a adoção de medidas para conter o desflorestamento envolve inúmeras incertezas e difíceis metodologias e poderiam afetar a soberania e o direito a desenvolvimento das nações tropicais ricas em florestas (ROUSAKIS, K., 2009, p. 6, 7). Nos anos seguintes vários estudos e propostas, paralelos às oficiais, foram conduzidos, em busca de formas voluntárias de compensação pelos esforços tomados para redução de emissões pelo desflorestamento. Entre elas, especial importância foi dada à proposta de criar um mecanismo de compensação para redução de desflorestamento apresentada pela primeira vez em 2003, durante a COP 9 em Milão. Essas iniciativas, resultado do esforço das Partes, foram fundamentais para o retorno do tema “florestas” na Agenda da UNFCCC em 2005, durante a 11ª Conferência das Partes (COP-11/MOP-1) (TNC-IDESAM, 2009, p. 12, 13). Na COP-11 (Montreal), em Dezembro de 2005, debates sobre redução de emissões por desflorestamento em países em desenvolvimento começaram com a proposta lançada oficialmente pela submissão conjunta de Papua Nova Guine e Costa Rica19. Proposta apoiada também pela Bolívia, República Central Africana, Chile, Congo, Republica Democrática do Congo, República Dominicana e Nicarágua - grupo conhecido como Coalizão dos Países de Florestas Tropicais (Coalition of Tropical Forest Countries). Papua Nova Guiné propôs integrar a redução das emissões por desmatamento em países em desenvolvimento (RED) no regime de mudança climática pós-2012. Um processo formal foi posteriormente lançado, convidando as Partes a analisar as questões relativas ao tema, centrando-se em questões científicas relevantes - técnicas e metodológica - e na troca de informações e experiências, incluindo abordagens políticas e incentivos positivos, para potencial 18 O documento conhecido como "Acordos de Marrakesh" (Decisão 17/CP.7), foi um pacote de políticas e medidas para a regulação das atividades válidas, sob o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) 19 Disponível em: http://unfccc.int/resource/docs/2005/cop11/eng/misc01.pdf. 64 recomendação à UNFCCC em sua futura COP-13 (Dezembro, 2007) (KAROUSAKIS, K., 2009, p. 7; TNC - IDESAM, 2009, p. 12; UNFCCC, 2009, p.1). A COP 11 também providenciou um mandato para maior quantidade de trabalhos pelo Subsidiary Body for Scientific and Technological Advice (SBSTA). Entre 2006 e 2008 as discussões sobre os processos da UNFCCC focaram-se na identificação dos indutores (drivers) do desflorestamento, nas questões metodológicas e técnicas relacionadas à estimativa e monitoramento das emissões e nas barreiras técnicas e financeiras para a implementação das atividades de redução de emissão por desflorestamento. Dessa forma, as Partes reconheceram a importância do tema mudanças climáticas particularmente a luz de um maior entendimento da larga contribuição das atividades de desflorestamento nas emissões globais de gases de efeito estufa (UNFCCC, 2009 p.1). Em 2006, durante a COP-12/MOP-2 em Nairobi, todos os países foram convidados a expor suas visões para políticas de incentivo positivo, que pudessem ser adotadas para a Redução de Emissões em Países em Desenvolvimento dentro do quadro da Convenção. Em Fevereiro de 2007, o Brasil apresentou sua proposta de política e incentivos para a redução de emissões por desflorestamento em países em desenvolvimento, sugerindo um mecanismo voluntário, baseado no desempenho, que compensasse os países em desenvolvimento que apresentasse reais reduções em seus índices de desflorestamento em relação à média histórica de 10 anos. Essa proposta foi posteriormente implementada nacionalmente através do lançamento do Fundo Amazônia (UNFCCC, 2010; WERTZ-KANOUNNIKOFF.,S; ALVARADO., L, 2008 p. 15). A maior decisão para estimular ações de redução de emissões por desflorestamento e degradação florestal em países em desenvolvimento, no entanto, foi adotada pelas Partes durante a COP-13 em Bali, Indonésia (2008), contando com representantes de mais de 180 países, ocasião em que avanços significativos foram alcançados para a inclusão de florestas no Regime Internacional do Clima. A decisão determinou um mandato para a realização de várias ações pelas Partes, como por exemplo: maior empenho e apoio aos esforços em andamento, suporte para construção de capacitação (capacity-building), assistência e transferência de tecnologia relativa às necessidades técnicas, metodológicas e institucionais dos 65 países em desenvolvimento, pertinentes às identificação circunstâncias dos nacionais “drivers” do de cada desmatamento país e mobilização de recursos para apoiar os esforços acima mencionados. A Conferência em questão culminou com a adoção do Roteiro de Bali (Bali Road Map), um conjunto de futuras decisões que representariam as várias direções essenciais a serem seguidas na busca de alcançar a estabilização climática. O Roteiro de Bali inclui o Plano de Ação de Bali (Bali Action Plan) visando direcionar as Partes a negociarem um instrumento legal pós 2012 que considere possíveis incentivos financeiros para ações de mitigação focadas em florestas, nos países em desenvolvimento (UNFCCC, 2010). O tema REDD foi um dos assuntos mais discutidos no período de dois anos entre Bali e Copenhagen (COP 15, 2009). O âmbito do RED foi, a partir de então, ampliado para abranger a degradação florestal (REDD) e seu conceito foi expandido para incluir também a conservação, manejo florestal sustentável e valorização dos estoques de carbono - tal como consta no Plano de Ação de Bali (decisão 1/CP.13), coletivamente designado por "REDD-plus" (TNC-IDESAM, 2009, p. 13). Sobre o Plano de Ação de Bali vale ainda destacar que, apesar do REDD ser necessariamente focado nas emissões de carbono, o plano reconhece que as ações de apoio ao REDD podem promover co-benefícios, contribuindo assim para alcançar os objetivos de outras convenções e acordos internacionais como, por exemplo, a Convenção sobre Diversidade Biológica (UNEP-WCMC, 2008). Visando implementar o plano de ação de Bali dois grupos de trabalho foram criados: o AWG-KP e o AWG-LCA. O AWG-KP aborda questões específicas relacionadas ao Protocolo de Quioto e seu ainda possível novo período de compromisso. O AWG-LCA é o espaço onde as negociações sobre inclusão do REDD ocorrem. O encontro de Bali foi também relevante para a definição das diretivas metodológicas20 incentivando o desenvolvimento de iniciativas pilotos em países em 20 A decisão COP/13 fornece um guia de melhores práticas para a promoção de iniciativas e projetos-piloto, que será utilizado como "Demonstração REDD" para apoiar o processo de 66 desenvolvimento, a fim de obter experiência prática e gerar lições para alimentar qualquer mecanismo REDD pós-2012 (TNC-IDESAM, 2009, p. 13; UNFCCC, 2009 p.2). Foi realizado, ainda em 2008, um programa de trabalho sobre questões relacionadas a uma série de abordagens políticas e incentivos positivos para reduzir as emissões por desmatamento e degradação florestal em países em desenvolvimento. O programa incluiu um workshop sobre questões metodológicas que foi realizado no Japão, em Junho de 2008, e enfatizou a necessidade de metodologias robustas e de baixo custo para avaliar e monitorar as mudanças na cobertura floresta e seus estoques de carbono, realizar inventários de carbono florestal e estimar e monitorar as emissões deste tipo. Na “Accra Climate Change Talk”, em Agosto de 2008, um workshop foi realizado abordando, também, o tópico metodologia. Como resultado desse evento houve um entendimento comum de que o conhecimento atual sobre o tema é suficiente para iniciar as discussões sobre as abordagens políticas e incentivos positivos. Verificou-se, ainda, a necessidade de abordagens políticas flexíveis, práticas e abrangentes, que devem ser voluntárias e ter em conta as circunstâncias nacionais. Houve concordância, igualmente, de que qualquer mecanismo financeiro deve ser eficaz, sustentável, previsível, suportado por fontes diversas oriundas quer do mercado quer de outras fontes, bem como baseado no desempenho (UNFCCC, 2009 p. 2, 3). Através do ano 2009 cinco rodadas internacionais de negociações ocorreram dentro dos grupos de trabalho. Neste processo o REDD foi sem dúvida o tema mais discutido e controverso do debate. No entanto, o tão necessário quanto esperado tratado vinculativo com novos compromissos de metas de redução para os países desenvolvidos não se concretizou na COP15, em Dezembro de 2009 ocorrida em Copenhagen, ficando pendente de futuras negociações climáticas. Alguns avanços nas negociações foram feitos sobre REDD+ e o apoio geral bem como a importância do tema foram mantido (TNC-IDESAM, 2009, p. 13). negociações da UNFCCC. O documento www.idesam.org.br/documentos/01_ResumoCOP13.pdf está disponível em: 67 A COP15 gerou um acordo político - “Acordo de Copenhagen” – assinado por 97 países, estabelecendo boas intenções e mantendo, assim, o curso normal das negociações dentro da Convenção do Clima. O Acordo incluiu um parágrafo que reconhece o papel crucial do REDD+ e enfatizou a necessidade de mobilizar recursos financeiros dos países desenvolvidos através da implantação imediata de tal mecanismo. Apesar de ter ficado aquém das expectativas, as negociações de Copenhagen caminharam um pouco mais. Se por um lado o grupo de trabalho que discutiu o REDD (AWG-LCA) não conseguiu finalizar suas negociações - adiando a definição do método e origem dos recursos necessários para o REDD - o grupo que tratou das questões técnicas e metodológicas (SBSTA) obteve avanços e teve êxito de aprovar uma “decisão draft”. Neste último aspecto a COP15 foi importante, uma vez que organizou e esquematizou definitivamente o tema REDD em um novo documento. Entre estes avanços, podemos citar as diretrizes para estabelecimento de níveis de referência de emissões (linhas de base), o reconhecimento à importância de participação dos povos indígenas nas atividades de REDD, sistemas de monitoramento, entre outros (informação verbal).21 Subseqüentemente ao acordo, seis países - Estados Unidos, Reino Unido, Noruega, França, Japão e Austrália - prometeram US$3,5 bilhões para apoio imediato ás atividades do REDD+ entre 2010 e 2012 (TNC-CI-WCS, 2010 p. 3, 15). Em resumo, o REDD foi definitivamente assegurado na agenda futura da Convenção do Clima, quer pelo “Acordo de Copenhagen” quer pelas negociações do AWG/LCA que aconteceram durante o ano de 2010. No mais, os projetos e iniciativas piloto já em andamento via mercado voluntário de carbono, trazem lições, clareza e segurança suficientes para avançar com atividades de REDD, seja por acordos e programas globais / multilaterais seja através de projetos e iniciativas bilaterais e nacionais. (CE NA MO M. ; P A VA N , M. , 20 1 0 ) . 21 Informações obtidas também em palestra realizada pelo Dr. Marcelo Theuto na Faculdade Armando Alves Penteado em 2010. 68 2.4 Atuais esforços/criando capacitação Para poder participar de qualquer futura atividade que vise a redução das emissões por desflorestamento e degradação florestal, muitos países em desenvolvimento necessitarão obter capacitação, assistência técnica e suporte financeiro para atender as várias atividades de viabilização, como por exemplo, promover a criação de instituições necessárias à melhora do sistema de coleta de dados, estimativa e divulgação das emissões. A consideração de questões sobre a UNFCCC, durante os dois últimos anos, gerou atividades de cooperação bilateral e multilaterais, envolvendo governos e uma ampla gama de organizações, com o fim de construir capacitação e aumentar o conhecimento técnico-cientifico nos países em desenvolvimento. Organizações intergovernamentais e não-governamentais, iniciativas públicas e privadas já possuem em andamento projetos e atividades em muitos desses países, relacionados à redução de desflorestamento e conservação e manejo sustentável de florestas (UNFCCC, 2009 p.3, 4). 2.5 O Plano de Bali e o UN-REDD Programme Em resposta à decisão 2/COP.13 a iniciativa das Nações Unidas sobre Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD) em Países em Desenvolvimento - United Nations Collaborative Program on Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation in Developing Countries (UNREDD Programme) - foi lançada, em Setembro de 2008, para ajudar países em desenvolvimento a elaborar e implementar estratégias nacionais de REDD+. Conta com a colaboração e competência da Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO), que apóia as questões técnicas relacionadas com as florestas e com o desenvolvimento de um sólido processo de medição, comunicação e verificação (MRV) de redução de emissões; do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que aborda questões de governança e implicações sócio- 69 econômicas de REDD, incluindo a participação da sociedade civil e comunidades indígenas e locais; e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Procura, ainda, operar em estreita colaboração com World Forest Carbon Partnership Facility, bem como com outras iniciativas, tais como: Global Environment Facility Tropical Forest, Australia's International Forest Carbon Initiative e a Collaborative Partnership on Forests. O Programa apóia inicialmente, através de um financiamento atual de cerca de 42,6 milhões de dólares, atividades de implementação e iniciação (readiness atividades) de REDD+ em nove países membros distribuídos pela África, Ásia e América Latina. Os outros países: Bolívia, República Democrática do Congo, Indonésia, Panamá, Papua Nova Guiné, Paraguai, República Unida da Tanzânia, Vietnã, Zâmbia, Argentina, Equador, Camboja, Costa Rica, Quênia, México, Nepal, Nigéria, Filipinas, República do Congo, Ilhas Salomão, Sri Lanka e Sudão têm o status de observador, possuindo livre acesso a outros benefícios do Programa, tais como: nerworking, participação em seminários regionais e partilha de conhecimentos. O objetivo do programa, que reúne equipes técnicas de todo o mundo, é capacitar os países a gerir seus processos nacionais de REDD, aconselhá-los na identificação de estratégias que apontem as causas do desmatamento, ajudá-los a desenvolver métodos e ferramentas de MRV para emissões de GEEs, auxiliá-los na participação do programa e prestar-lhes assistência técnica e financeira, garantindo assim, que as florestas continuem a proporcionar vários benefícios para a subsistência e para o meio ambiente. O Programa visa ainda assegurar o consenso internacional no debate sobre REDD, aumentar a compreensão das opções para a inclusão de um mecanismo de REDD em um regime climático pós-2012 e construir confiança na sua viabilidade, sempre apoiando o envolvimento dos Povos Indígenas e da sociedade civil em todas as fases de concepção e implementação de estratégias de REDD (TNC-IDESAM, 2009 p. 66; UNEP, 2010; UN-REDD PROGRAMEE, 2010). 70 2.6 REDD: principais aspectos Os processos de negociações do REDD para inclusão no regime climático internacional ainda estão ocorrendo e é necessária a obtenção de um amplo acordo climático. Há, ainda, um número de questões técnicas e metodológicas que se mantêm sem solução. Várias propostas relacionadas a essas questões, tanto governamentais quanto não governamentais, no entanto, vêm sendo elaboradas para mostrar o posicionamento desses atores envolvidos quanto ao tema. Os pontos chaves do mecanismo REDD que ainda precisam ser acordados incluem: estabelecimento do baseline / nível de referência; financiamento; escopo; escala; permanência; desflorestamento bruto versus liquido e modo de inclusão da comunidade local no REDD. Cada um desses aspectos, que potencialmente também podem ter implicações sobre a biodiversidade, será a seguir examinado. 2.6.1 Escopo: REDD e REDD-plus O escopo refere-se às atividades consideradas elegíveis para a geração de reduções de emissões segundo o REDD, sejam elas: Redução de emissões por desmatamento (RED), Redução de emissões por desmatamento e degradação (REDD) ou Redução de emissões por desmatamento e degradação, conservação e incremento dos estoques de carbono (REDD+). Desta forma, o escopo centra-se no tipo de redução de emissões. Essas atividades estão relacionadas aos fluxos de carbono entre a terra e a atmosfera. A redução de emissões por desmatamento e degradação compreende duas atividades que diminuem adições de carbono à atmosfera. O incremento de estoques de carbono (o “símbolo mais” no REDD+) aponta o seqüestro de carbono ou remoções de carbono da atmosfera. O escopo de REDD+ em seu sentido mais amplo, no entanto, também inclui estoques de carbono à medida que envolve a conservação das florestas e carbono armazenado em florestas “em pé”. Estoques são distintos de 71 emissões por não implicarem em mudanças diretas na concentração de gases de efeito estufa na atmosfera e não são, portanto, reconhecidos ainda como uma atividade de mitigação da mudança do clima. A escolha do escopo terá um impacto importante sobre o número de países que podem se beneficiar do REDD, assim como sobre a escala, custo relativo e potencial de mitigação de um mecanismo REDD. Desempenhará, ainda, um papel importante na viabilidade política de um acordo e na capacidade dos países em desenvolvimento para medir, relatar e verificar suas emissões provenientes das atividades consideradas dentro deste escopo (GPC, 2009 p. 20; CIFOR, 2009 p. 9). Há um forte consenso de que um futuro mecanismo para o REDD deveria incluir tanto o desmatamento como a degradação florestal como prioridade. Um número crescente de propostas enfatiza que as atividades de incremento de carbono deveriam ser consideradas juntamente com as de reduções de emissões, mesmo que estas fossem abordadas num segundo passo das negociações (GPC, 2009 p.78). A inserção do manejo florestal e do ganho em estoque de carbono vem ganhando força nas negociações não só pelo seu maior potencial de benefícios de carbono, mas dada a sua capacidade de garantir a sustentabilidade destes através da manutenção da produção e acesso aos recursos para as comunidades locais. Após o Acordo de Copenhagen muitos governos – incluindo os Estados Unidos concederam apoio financeiro significativo para ampliar o alcance do REDD às atividades acima referidas (TNC-CI-WCS, 2010, p.6). Um mecanismo de REDD que igualmente abranja a conservação, o manejo florestal sustentável e a valorização dos estoques de carbono pode ter impactos positivos adicionais sobre a biodiversidade; particularmente quando tal é conseguido através da recuperação adequada dos ecossistemas florestais degradados. Além disso, se atividades de aflorestamento e reflorestamento (A / R) forem incluídas em um futuro mecanismo de REDD, os benefícios da biodiversidade podem surgir a partir de incentivos para regenerar as florestas em áreas previamente desmatadas e gerar maior conectividade entre os habitats florestais. O uso de espécies florestais 72 nativas pode gerar múltiplos bens para a biodiversidade. Em contraste, florestamento, reflorestamento e atividades que resultaram em mono-monocultura ou uso potencial de espécies exóticas invasoras em plantações poderiam impactar negativamente a biodiversidade (CBD, 2009). 2.6.2 Nível de referência (Baseline) Atualmente se nota uma grande dificuldade para alcançar um consenso a respeito da melhor forma de estabelecer o nível de referência nacional (ou baseline) para o desflorestamento, mediante o qual as reduções de emissões esperadas pelo padrão REDD seriam calculadas. Os níveis de referência definem o cenário “business as usual” ao longo de um período e de uma escala pré-definida. São, portanto, freqüentemente utilizados para determinar a adicionalidade de uma dada atividade, ou seja, quantas reduções de emissões teriam ocorrido em função da implementação de um mecanismo de REDD comparativamente ao que teria ocorrido sem ela. Duas principais abordagens são consideradas na atualidade: I. Através das taxas históricas de desflorestamento considerando a média dos desflorestamentos anteriores e projetando-as para uma linha de base futura. Algumas limitações da abordagem histórica são apontadas. Uma é que ela requer uma qualidade e disponibilidade mínima de dados, inviabilizando a participação de alguns países que não dispõem dos mesmos. Outra se deve ao fato de não reconhecer potenciais mudanças das circunstâncias nacionais ao longo do tempo. Para tratar deste último problema algumas propostas sugerem o desenvolvimento de um Fator de Ajuste de Desenvolvimento (FAD), que poderia ser aplicado à linha de base para refletir mudanças previstas nos futuros vetores de desmatamento. Esse tipo de nível de referência pode ser classificado como uma linha de base histórica ajustada, intermediária entre as de base puramente históricas e projetadas. 73 II. Através de projeções e modelos de simulação de desflorestamento baseados na análise de pressupostos e parâmetros socioeconômicos que interferem com a dinâmica do desflorestamento no futuro, como crescimento populacional, construção de infra-estrutura, políticas governamentais e outros. Uma das limitações observada dessa abordagem teórica é a exigência de dados adequados sobre variáveis-chaves para garantir sua acuidade, e isso, dada sua complexidade, pode ser difícil de negociar num fórum dentro da UNFCCC. Seria, no entanto, uma abordagem mais robusta para prever futuras taxas de desmatamento, uma vez que incorpora uma gama mais ampla de fatores causais além do comportamento histórico. Outro modo de se calcular linhas de base projetadas é estabelecer áreas cujo desmatamento seria economicamente viável no decurso de um determinado período de tempo e classificar todas essas áreas como de risco. Este modelo, entretanto, pode criar linhas de base mais altas que outras metodologias, uma vez que aponta que todas as áreas de risco serão desmatadas num determinado período de tempo, o que pode gerar um “hot air22”. O quanto os modelos serão conservadores redundará em fator-chave para garantir a credibilidade e aderência das Partes ao mecanismo proposto. Em virtude de todas essas variáveis, o grande desafio é como harmonizar diferentes cenários de desflorestamento e conservação em diferentes países sem, contudo, criar incentivos perversos. Por exemplo, se um mecanismo somente favorecer países com altas taxas históricas de desflorestamento, o resultado poderia ser contraditório ao incentivar países a um maior desflorestamento apenas visando o benefício. Além disso, a adoção de um nível de base histórico para países como o Congo ou Guiana, com grande cobertura florestal e um histórico de baixas taxas de desflorestamento, poderia falhar em refletir um possível cenário de pressão sob suas florestas no futuro. O fato da taxa de desflorestamento de um país ser baixa não 22“Hot air” é o termo usado para descrever a parte do montante de emissões atribuído a um país industrializado que é provável que seja excedente para as necessidades do país, sem fazer esforços adicionais. 74 implica, necessariamente, que suas florestas vão continuar a serem, preservadas. Dessa forma, é fundamental estruturar um mecanismo que permita recompensar países que diminuíram suas taxas de desflorestamento e, igualmente, aqueles que conservaram suas florestas. Existem atualmente algumas propostas que visam reconciliar essas duas abordagens considerando as necessidades de desenvolvimento e a pressão sobre as florestas em vários países do mundo. Essas abordagens, analisadas no item seguinte, propõem que além das metas de redução os países, inclusive, devem ser compensados por manter seus estoques de carbono. Há um consenso crescente entre as propostas governamentais sobre o uso de Níveis de Referência históricos com um fator de ajuste de desenvolvimento - FAD (AOSIS, Canadá, Colômbia, UE, Japão, Malásia, México, Noruega, Panamá) em oposição a um nível de referência projetado (suportado pela Austrália e Indonésia) (GPC, 2009, p. 84; TNC-IDESAM, 2009 p. 16; GPC, 2009 p. 21, 22, 23;). Cabe ressaltar, no entanto, que, uma vez que linhas de base são essenciais às previsões de um futuro estado, é importante revisá-las no decorrer do andamento do projeto a fim de ajustar-se a quaisquer alterações no governo, nas forças sócioeconômicas ou outro fator que ocorram ao longo do tempo. (TNC-CI-WCS, 2010, p.18). 2.6.3 Mecanismos de distribuição O escopo e o nível de referência determinam quantas reduções de emissões serão geradas. É igualmente importante o modo dos benefícios das reduções serem distribuídos ou alocados a países com florestas “em pé”. Assim, a escolha de um mecanismo de distribuição demonstra como diferentes propostas visam remunerar países com alta cobertura florestal e baixas taxas de desmatamento por manter seus estoques de carbono. Essas abordagens visam evitar vazamento internacional, tratando de questões de equidade em mecanismos de REDD que recompensam somente redução de emissões. O argumento é que se os países com alta cobertura 75 florestal e baixo desmatamento não receberem para proteger seus estoques, haverá um incentivo perverso para derrubar florestas em prol de opções mais lucrativas. A maioria das propostas defende incentivos ou compensações diretamente alinhadas com as ações da própria Parte. Outras propostas sugerem que alguns destes benefícios devam fluir para Partes diferentes daquelas que geraram as reduções de emissões, através de um mecanismo de distribuição. A escolha sobre como os benefícios serão distribuídos tem potencial de influenciar enormemente a possibilidade de um país participar de um mecanismo de REDD. A escolha de metodologias para compensar países com alta cobertura florestal e baixo desmatamento pode ser classificada em dois grandes grupos: redistribuição dos recursos do REDD ou fontes adicionais de financiamento: Propostas que especificam um mecanismo de redistribuição podem realocar recursos de várias formas. Sugestões iniciais, como “Incentivos Combinados” e “Contagem de Incentivos”, usam uma linha de base global em relação a qual uma proporção dos recursos é alocada. O raciocínio por trás dessa abordagem é o de que recompensar reduções de emissões em relação a uma linha de base global gerará incentivos para os países com alta cobertura florestal e baixo desmatamento, cujas taxas estiverem abaixo dessa média global. Para gerar recursos para tais pagamentos, os países com altas taxas de desmatamento receberiam menos nesse mecanismo de alocação, uma vez que parte de suas emissões seriam contabilizadas acima da linha de base global. Outra forma de mecanismo de distribuição é taxar reduções de emissões, onde uma proporção dos recursos seria depositada num Fundo e paga aos países sob a forma de pagamento por estoques. A chave para ambas as abordagens é que os recursos necessários para apoiar países com alta cobertura florestal e baixo desmatamento são gerados pelo próprio mecanismo. Uma potencial desvantagem dessas abordagens é o efeito de distorção que a redistribuição poderia ter nos incentivos para redução de emissão nos países com altas taxas de desmatamento. 76 A alternativa a um mecanismo de redistribuição é o uso de um mecanismo financeiro adicional. Muitas propostas sugerem um “Fundo de Estabilização” que empregaria recursos adicionais para lidar com vazamentos e questões de eqüidade nos países com alta cobertura florestal e baixo desmatamento. Os recursos de um Fundo de Estabilização poderiam vir de uma variedade de fontes, incluindo fundos voluntários ou mecanismos financeiros inovadores como leilões de permissões ou taxas do transporte marítimo ou aéreo (GPC, 2009 p. 24, 25). 2.6.4 Mecanismos de financiamento para o REDD. Sem dúvida, o mais importante tema em discussão para construir um regime REDD sob UNFCCC é o arranjo financeiro que será estruturado para permitir sua operação. De acordo com Stern (2006), o volume necessário de recursos para reduzir o desflorestamento é entre 5 a 15 bilhões de dólares por ano. Outras estimativas giram ao redor de 17 a 33 bilhões por ano para diminuir o desflorestamento em 50% até 2030. Atualmente três propostas prevalecem para geração do financiamento ao REDD. Elas possuem implicações para o envolvimento de possíveis stakeholders no processo de decisão, assim como para a promoção dos possíveis co-benefícios do REDD. Aqui é valido refletir como cada um desses mecanismos pode impactar a biodiversidade como co-benefício direto e indireto de um projeto de REDD (CIFOR, 2009 p 10, 11; TNC-IDESAM, 2009 p.14; KAROUSAKIS, K.; 2009, p. 8, 9). 2.6.4.1 Abordagem de Mercado (market-based) Trata-se de propostas ligadas a um mecanismo de Mercado, como fundos provindos de vendas e leilões de permissão de emissão, no qual o REDD poderia 77 gerar créditos a ser usados por países desenvolvidos como parte de suas metas obrigatórias de redução de emissões (TNC-IDESAM, 2009 p.14). A demanda para estes créditos REDD seria gerada pelo mercado internacional regulamentado de carbono, sendo assim, natural que o próprio dirigiria os investimentos para uma menos custosa opção de mitigação de carbono. A abordagem pelo mercado de carbono poderia mobilizar maiores níveis de financiamento sustentável em longo prazo, devido sua habilidade de engajar totalmente o setor privado. Conseqüentemente, quanto maior financiamento disponível para o REDD maior a área de florestas conservadas e, provavelmente, maiores os co-benefícios para a biodiversidade. Neste aspecto, dependendo do tipo de escala definido (nacional, sub-nacional ou a nível de projeto), diferentes stakeholders poderiam priorizar as atividades REDD visando promover a conservação da biodiversidade (KAROUSAKIS, K., 2009, p. 8). A principal vantagem de um mecanismo de Mercado é a possibilidade da participação do setor privado, que já provou essencial dado o enorme volume de recursos necessários para frear o desflorestamento. Além disso, um mecanismo baseado no mercado permite maior flexibilidade na captura de fundos e, conseqüentemente, maior velocidade de implementação. A principal questão paira sobre a real capacidade em arrecadar tal magnitude de recursos financeiros, tão necessários para efetivamente reduzir as emissões. De qualquer forma, é importante salientar que um mecanismo REDD baseado no mercado deverá necessariamente estar atado ao comprometimento de um ambicioso acordo de redução de emissões entre os países desenvolvidos, para não comprometer o balanço ambiental do regime (TNC-IDESAM, 2009 p.14). 2.6.4.2 Abordagens baseadas em fundos (Fund-based approaches) A abordagem de um sistema REDD financiado por Fundos pode ser concebida para alocar recursos baseado nos objetivos e critérios estabelecidos pelo 78 doador e pelo país receptor. Propostas atuais para geração de fundos REDD incluem contribuições voluntárias de receitas nacionais, leilões, taxações em unidades de redução de emissão de projetos do Joint Implementation e taxas em commodities de alta emissão de carbono ou /e emissões por transporte. Se os fundos para REDD forem mobilizados via cofres centrais os governos poderiam, teoricamente, alocar o dinheiro da forma que quiserem, incluindo a priorização de atividades REDD em áreas com alta biodiversidade e, assim, aumentando o custo-benefício dos investimentos florestais. Apesar disto poder implicar em grande flexibilidade para os governos ater-se a objetivos específicos, é reconhecido amplamente que confiar em contribuições nacionais de base voluntária não é garantia de mobilização previsível e suficiente de financiamento a longo prazo, o que é necessário para a mitigação do clima via REDD e promoção de tais cobenefícios como conseqüência. Não obstante, se alternativamente os fundos foram gerados através de leilão de permissões de emissões (AAUs), por exemplo, e o objetivo do mecanismo de REDD baseado em fundos for prolongar os co-benefícios para a biodiversidade, os financiadores emissores de GEEs terão que suportar, posteriormente, os custos da conservação da biodiversidade, além dos custos da redução das emissões de GEE. Isso não está em consonância com o princípio poluidor-pagador. Idealmente, espera-se que aqueles que causam perda ou dano de biodiversidade paguem por esses custos (TNC- IDESAM, 2009 p.14; KAROUSAKIS, K, 2009, p. 9, 10). 2.6.4.3 Abordagem por Fases (Phased approaches) Atualmente, há um maior consenso entre as Partes em utilizar-se uma abordagem de fases para o REDD, na qual diferentes fontes de financiamento são mobilizadas, dependendo das circunstâncias nacionais dos países em desenvolvimento e do propósito para o qual o financiamento seria usado. Especificamente, três fases foram apresentadas: fundo voluntário para criação de capacitação, instrumento financeiro vinculativo e mercado para redução de emissões 79 Trata-se, portanto, de uma proposta mista que visa sustentar investimentos iniciais através de fundos públicos ou doações que, posteriormente, migrariam para o Mercado, objetivando dar base ao processo de “readness” em países em desenvolvimento (TNC-IDESAM, 2009 p.14; WGEAB; 2009, p. 9,10). 2.6.5 Escala: Nacional ou sub-nacional (scale) Outro tema de central importância para o REDD é a escala de implementação a ser considerada com o fim de o mecanismo operar dentro da Convenção do Clima. A questão do vazamento é um dos pontos chaves na discussão a respeito da escala de um projeto de REDD. O vazamento vem em duas formas principais, que, em ultima instância, estão indiretamente relacionadas: - Vazamento por mudança de atividade (activity-shifting leakage): quando as atividades de carbono da floresta diretamente causarem a transferência das atividades emissoras de carbono para outro local, fora dos limites do projeto (ou fora do país, em escala nacional), e; - vazamento de mercado" (market leakage): quando um projeto ou política altera o equilíbrio de oferta e demanda, levando os intervenientes do mercado a transferir as suas atividades. Por exemplo: se um projeto restringe o fornecimento de uma mercadoria, como produtos agrícolas ou de madeira, os preços podem subir e os produtores de outros lugares, em resposta, pode ampliar suas atividades. A ocorrência de vazamento é mais provável de ocorrer em áreas em que fontes alternativas de emprego não está disponíveis, ou onde a posse de terra não é clara, ou ainda nas quais as atividades de uso da terra são majoritariamente para fins comerciais e não de subsistência (TNC-CI-WCS, 2010, p.30). Projetos que substituem as atividades intensivas em carbono por atividades menos intensivas em carbono, sem sacrificar a produtividade, podem reduzir a chance de ocorrer vazamento. Por exemplo: a fim de minimizar seus efeitos no mercado de madeira, os projetos podem incluir técnicas de melhoria de gestão 80 florestal que mantenha a produção de madeira próxima dos níveis pré-projeto enquanto continua a gerar benefícios de carbono. Da mesma forma, em áreas onde a expansão agrícola é um driver de desmatamento, a produção agrícola poderá ser mantida, através da intensificação produtiva nas terras existentes e ordenamento zoneamento, direcionando o desenvolvimento para áreas já degradadas ou terras desmatadas. Descontos de vazamento, calculados de acordo com vários fatores de risco associados com as atividades do projeto, estão se tornando uma prática padrão para ajudar a assegurar que os créditos de carbono serão fornecidos na eventual ocorrência de tal processo. As acreditações voluntárias reconhecidas, como o Voluntary Carbon Standard (VCS), agora exigem tais descontos que contribuem para uma estimativa conservadora de benefícios de carbono. Estes padrões fornecem orientações sobre a porcentagem de desconto adequado com base em aspectos do projeto e vários fatores de risco, geralmente variando entre 10-20%, mas às vezes maior para projetos de grande risco. (TNC-CI-WCS, 2010, p. 34, 35). No âmbito da implementação de um sistema de REDD dentro do regime climático internacional, a questão do vazamento é crucial, sendo discutida dentro das três principais propósitos para a escala em foco. De um lado, existe o intento de um esquema nacional em que a distribuição de recursos e a implementação das atividades são diretamente responsabilidades dos governos nacionais. O principal argumento para tal é o pressuposto de que um sistema nacional evitaria vazamento (leakage) de um projeto para outro e facilitaria as atividades de monitoria. Por outro lado, há uma proposta de aplicação do REDD a projetos em nível sub-nacional, similar ao que já ocorre com os de MDL. Sua justificativa é de que nesta escala problemas metodológicos podem ser prontamente resolvidos, sendo mais eficaz para fundamentar e operacionalizar essas atividades, bem como gerar conhecimento e capacitação que podem ser replicadas não somente em outros projetos, mas também em um passo inicial de transição para um esquema nacional de REDD. Apesar dos riscos de vazamento, os defensores desta abordagem crêem ser possível identificar e excluir essas emissões da quota de emissões de cada projeto (TNC-IDESAM, 2009 p.14; WERTZ-KANOUNNIKOFF.,S; ALVARADO., L, 2008 p. 22). 81 Atualmente, ambas as propostas sobre a escala de projeto convergem para um sistema híbrido (nested aproach) no qual a implementação de atividades e programas em escala sub-nacional é permitida sob uma contabilidade e monitoramento nacional. Desde que exista uma contabilidade robusta e confiável para todas as transações na escala sub-nacional, é possível rastrear cada tonelada transitada, evitando dupla contagem e, até, permitir a integração de projetos dentro de uma estratégia nacional. Os esforços para caminhar em direção à escala nacional são, em parte, por causa da magnitude do impacto positivo ao clima que tais projetos em dimensão nacional poderiam ter e, também, pelas vantagens do engajamento dos governos ao lidar com alguns desafios técnicos em países inteiros. O estabelecimento, nacionalmente, de uma contabilidade de carbono provavelmente permitiria métodos mais simples e de melhor custo-benefício para projetar linhas de base, do que ante cada projeto (que geralmente se baseia em modelos complexos), além de facilitar capturar qualquer potencial vazamento intra-país. Adicionalmente, as causas da mudança do uso da terra, incluindo desmatamento, são muitas e variáveis e algumas são significativamente impulsionadas pelas políticas e ações governamentais; fatores difíceis de controlar em escala de projeto individual. Ademais, apesar de projetos individuais poderem reduzir as emissões de forma crível, o seu impacto sobre a atmosfera ainda é relativamente pequeno. Em contraposiçãoo, a âmbito nacional - na faixa de milhões de hectares - as reduções seriam mais proporcionais com os bilhões de toneladas de emissões causadas por este setor a cada ano (TNC-CI-WCS, 2010 p. 6, 53). Assim, apesar dos benefícios para avançar no sentido de uma contabilização nacional, é provável que, por algum tempo, muitos países que não têm capacidade institucional e garantias legais para assegurar equitatividade de um regime de REDD+, terão de focar os esforços REDD em sub-escala nacional. Dado que a dinâmica e os indutores de desmatamento variam entre nações, devido a uma variedade de fatores geo-político-econômico-cultural, as atividades piloto de REDD locais podem fornecer lições valiosas para o seu projeto em planos nacionais (TNCCI-WCS, 2010 p. 6). 82 Sob a perspectiva ecológica, o plano de referência tem implicações não só para o vazamento de carbono, mas também para o vazamento de biodiversidade. Ambos os vazamentos, intra-nacional como internacional, podem ter conseqüências adversas para carbono e para a biodiversidade. O escape pode ser detrimental no caso da biodiversidade, se o desflorestamento ou degradação for deslocado de uma área com baixo valor de biodiversidade para outra de alto valor. Acredita-se que, em geral, a contagem de emissões a esfera nacional é mais eficaz para diagnosticar vazamento de carbono do que a sub-nacional ou de projetos, sendo também mais adequada para prover incentivos para estratégias nacionais, bem como implementação de políticas e medidas necessárias para alcançar e manter a redução de emissões do setor florestal. A escolha do nível de referência tem, ainda, implicações na inclusão da biodiversidade nas atividades de REDD. Se a base de referência for nacionalmente determinada, o país possuidor poderá decidir aonde as atividades REDD deverão ser priorizadas e poderá, dessa forma, estabelecer guias e metodologias que almejem promover os co-benefícios do REDD à biodiversidade. Se, no entanto, o padrão de referência for estabelecido por projeto, os investidores (talvez os gerentes, caso seja um mecanismo baseado em fundos) iriam decidir em qual projeto REDD aplicar (KAROUSAKIS, K, 2009, p.10). 2.6.6 Permanência No contexto do REDD, permanência se refere à robustez e aos riscos potenciais que poderiam reverter os benefícios de carbono de um projeto em uma data futura, ou seja, à possibilidade da redução de emissão - creditada ou paga em um período - ser emitida em uma data futura devido a algum distúrbio, seja natural ou de ordem antropogênica. Apesar dos projetos de carbono dos demais setores também terem risco de impermanência, projetos de REDD possuem uma fragilidade especial, devido a instabilidades como: mudança de governo e políticas nacionais, fatores sócio-econômicos, má gestão, incêndios, pragas, etc, - que podem levar à 83 destruição das florestas e às subseqüentes emissões (KAROUSAKIS, K., 2009, p.10). O conceito de permanência é gerador de muita confusão, principalmente devido à falta de consenso sobre "quanto tempo é considerado permanente". Em geral, os projetos de carbono florestal incluem uma estimativa da vida dos benefícios de carbono tanto para a análise de viabilidade quanto de interesse dos investidores. Essas estimativas são derivadas da análise da cobertura da terra no passado, mudança regional da cobertura da terra e seus drivers, projetando essa base para o futuro - às vezes 20, 30, ou mesmo 50 anos. Ressalta-se que as leis e outras ferramentas jurídicas são instrumentos fundamentais para garantir a permanência, mas também devem ser conjugados com ferramentas eficazes de monitoramento, processos dentro da sociedade civil e dos vários planos de governo. Entretanto, sempre há riscos inerentes a uma previsão tão longe do futuro. Para lidar com o problema existem formas e instrumentos que podem ser endereçadas às políticas e desenhos do REDD, a fim de se precaver de uma eventual emissão não esperada para determinado período. O estabelecimento de créditos de reserva e mecanismos de seguro são duas possibilidades. Os padrões voluntários de carbono têm adotado o uso de "buffers de impermanência", ou uma porcentagem reserva de créditos de carbono, aplicados sobre os projetos geralmente de 10-20% (mas pode ir até 40%) do total dos benefícios e determinado por uma análise de risco - que é posta de lado e não comercializada, garantindo que créditos reais possam ser entregues no casso de uma reversão parcial (KAROUSAKIS, K., 2009, p.10; TNC-CI-WCS, 2010 p. 35, 38). Do ponto de vista ecológico, a resiliência de um ecossistema de floresta às mudanças das condições ambientais é determinada pelos seus recursos biológicos e ecológicos, nomeadamente pela diversidade de espécies, incluindo microorganismos, a variabilidade genética dentro das espécies (ou seja, a diversidade de características genéticas dentro de populações de espécies), e o conjunto regional de espécies e ecossistemas. A resiliência é também influenciada pelo tamanho dos ecossistemas florestais (quanto maior e menos fragmentado, maior a resiliência), e pela condição e caráter da paisagem circundante. (CBD, 2009 p. 7). O anexo da 84 Decisão II/9, da Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica reforça este argumento: "A diversidade biológica das florestas é resultado dos processos evolutivos ao longo de milhares e até mesmo milhões de anos que, em si, são movidos por forças ecológicas, como o clima, o fogo, a concorrência e perturbação. Além disso, a diversidade dos ecossistemas florestais (em ambos os aspectos, físico e biológico) resulta em elevados níveis de adaptação, uma característica desses ecossistemas que é um componente integrante de sua diversidade biológica. Dentro dos ecossistemas florestais específicos, a manutenção dos processos ecológicos é dependente da manutenção de sua diversidade biológica". (CBD, 1995 tradução nossa) Atividades de REDD, portanto, deve levar em consideração a conservação da biodiversidade, já que isso ajudará a manter a resiliência do ecossistema florestal e a estabilidade em longo prazo do reservatório de carbono (CBD, 2009 p. 7). 2.6.7 Desflorestamento bruto ou liquido. Uma questão que continua a ser negociada é se os índices de desflorestamento, bruto ou líquido, devem ser considerados quando estimadas as emissões reduzidas. Redução líquida (redução liquida de área desmatada) é definida, pela FAO Global Forest Resources Assesment (2005), como sendo o desflorestamento total menos mudanças de área florestal devido a plantações de florestas, restauração da paisagem e expansão natural de floresta. Sob uma perspectiva climática, o carbono mais relevante é o contido na atmosfera, daí ser lógico considerar valores líquidos. O uso destes, no entanto, poderia esconder a perda de florestas maduras e sua reposição, in situ ou em outro lugar, por áreas de 85 novas florestas. Isto poderia ser acompanhado de perdas significantes de biodiversidade (CBD, 2009b, p. 59). 2.6.8 Comunidades locais e povos indígenas Outro ponto muito discutido é os potenciais efeitos e impactos do REDD em comunidades locais e indígenas. Os recursos florestais sustentam diretamente os meios de vida de 90% da 1,2 bilhões de pessoas que vivem em extrema pobreza. As comunidades locais dependem das florestas como fonte de combustível, alimento, medicamento e abrigo. A pobreza e a pressão populacional podem levar à perda inexorável da cobertura florestal, mantendo as pessoas presas em um ciclo perpétuo de miséria, comprometendo seu combate. A principal crítica do REDD, face a tal, é sua potencialidade em expulsar vários povos da floresta de suas terras tradicionais ou prejudicá-los de outras formas. Estes possíveis impactos adversos se devem, primordialmente, a falta de clareza e estabelecimento legal da terra de alguns países participantes do REDD (GCP, 2009 p.12, 13; KAROUSAKIS, K., 2009, p.11; TNC – IDESAM, 2009 p.17). O documento Bali Road Map afirma que a garantia dos direitos dos povos da floresta é crucial para iniciativas de REDD. No entanto, é essencial que estas iniciativas vão além de simplesmente respeitar os direitos legais de acesso e de não os prejudicar, mas afiance que os projetos não minem o papel central que esses povos desempenham na conservação da floresta. Além disso, o design e implementação de iniciativas REDD devem ter em conta as diversas práticas culturais, valores e sistemas de produção tradicionais dos povos da floresta. A consulta, o consentimento informado e a participação das comunidades locais e dos povos indígenas, em todas as fases do projeto, são necessários para assegurar benefícios para a comunidade em geral (TNC-CI-WCS 2010, p.47; TNC-IDESAM, 2009 p.17, 18; CIFOR, 2009 p. 22, 23). 86 Outra questão de suma importância diz respeito à partilha eqüitativa dos benefícios gerados pelas iniciativas de REDD. A fim de garantir que uma parte igualitária dos benefícios resultantes de operações de comércio de carbono chegue às comunidades envolvidas no projeto que as gerou, as iniciativas de REDD devem estabelecer um mecanismo transparente para a distribuição de benefícios entre os vários intervenientes (TNC- IDESAM, 2009 p.18). 2.7 Promovendo co-benefícios do REDD+: biodiversidade Da mesma forma como projetos de REDD podem ser planejados com benefícios para a comunidade, podem também gerar co-beneficios ambientais, incluindo a conservação e ganho de biodiversidade, a manutenção dos serviços ambientais e proteção aos mananciais, o que gera um ganho triplo Espera-se que qualquer futuro mecanismo REDD que vise reduções de emissões por desenvolvimento desflorestamento e degradação florestal em países em tenha impacto positivo na biodiversidade, uma vez que desflorestamento e degradação implica em aumento na destruição de habitat e, conseqüente, perda de biodiversidade. Há outras formas específicas para que a biodiversidade, como co-benefícios de REDD, possa ser promovida ou maximizada (na implementação do REDD) além das características abordagens de financiamentos, nível de referencia e escopo acordados internacionalmente para o referido mecanismo, como já analisado anteriormente. Em escala global, os serviços do ecossistema (incluindo a regulação do clima) e riqueza de biodiversidade muitas vezes coincidem, apontando, predominantemente, um‟a maior sinergia nas florestas tropicais. Na escala nacional e local, a realização do REDD em áreas de alta taxa de carbono e alta biodiversidade pode contribuir para a mitigação das alterações climáticas e reforçar co-benefícios relacionados com a conservação da biodiversidade e uso sustentável. 87 Para alcançar tais ganhos é importante a análise do custo-benefício de cada projeto em sua respectiva área, através da identificação de regiões de grande risco de desflorestamento e degradação associadas às de alta densidade de carbono, biodiversidade e promoção de serviços ecológicos (KAROUSAKIS, K, 2009, p. 11, 12; TNC-CI-WCS, 2010, p. 48; TURNER, W. et al. 2007). 2.7.1 Identificando áreas de biodiversidade grandes benefícios aos ecossistemas e A identificação de áreas com carbono elevado, bem como com alta biodiversidade, requer ferramentas para avaliar onde ocorrem geograficamente e se estão espacialmente correlacionados. Avaliando e mapeando as regiões com alta taxa de carbono que se sobrepõem a áreas de biodiversidade alta, os governos e investidores do setor privado podem, potencialmente, capturar dois serviços ambientais com o preço de um. Vários esforços foram iniciados, internacionalmente, para estabelecer e melhorar essas ferramentas / mapas. Um exemplo é o Carbon and Biodiversity Demonstration Atlas, produzido pela UNEP "s World Conservation Monitoring Centre - UNEP-WCMC (2008). O Atlas inclui mapas regionais de áreas de alto estoque de carbono que coincidem com áreas de importância de biodiversidade. O UNEPWCMC usou seis indicadores de biodiversidade para a elaboração do mapa: Conservation International’s Hotspots, WWF Ecoregions, Birdlife International Endemic Bird Areas, Amphibian Diversity Areas, Centers of Plant Diversity, e Alliance for Zero Extinction Sites23. Regiões de "alta biodiversidade", classificadas pelo UNEP-WCMC, são áreas nas quais pelo menos quatro das prioridades globais de biodiversidade se sobrepõem (figura 12) (UNEP-WCMC, 2008). 23 Detalhes sobre os critérios adotados para o estabelecimento de cada uma dos indicadores adotados estão disponíveis no Atlas no site http://www.unep.org/pdf/carbon_biodiversity.pdf 88 Fonte: UNEP-WCMC, 2008 Figura 12 (mapa) Sobreposição dos indicadores de áreas de prioridade para a biodiversidade. Regiões com quatro ou mais sobreposições de indicadores são consideradas de “alta biodiversidade” Tons de verde escuro indica maior grau de sobreposição desses indicadores O mapa seguinte (figura 13) indica a concentração de carbono contida nas florestas pelo globo. Fonte: UNEP-WCMC, 2008 Figura 13 (mapa) Toneladas por alqueire de biomassa armazenada nos ecossistemas terrestres. 89 O mapa da figura 14 destaca o território tropical da América, no qual aponta as regiões de maior concentração de biomassa e, sobrepostamente, as classificadas de alta biodiversidade, segundo os indicadores adotados.Vale ressalvar que mesmo as áreas que não são destacadas como de alta biodiversidade pelos critérios de escolha dos indicadores, não são, necessariamente, de baixa riqueza em biodiversidade; pelo contrario, é necessário notar que um dos indicadores estabelecidos - o ”Hotspot” - apesar de levar em consideração as localidades de grande ocorrência de endemismo, está associado também a áreas de alto grau de pressão antrópica onde menos de 30 por cento do ecossistema ainda restam. É possível, portanto, encontrar regiões de endemismo que não estão atualmente sobre forte pressão antropica, não tendo sido, dessa forma, classificadas como de alta biodiversidade. Note-se, ainda, que o mapa não identifica, necessariamente, locais de alta biodiversidade em termos econômicos. Fonte: UNEP-WCMC, 2008 Figura 14 (mapa) Áreas de alta concentração de biomassa e alta biodiversidade na América Latina A região Neotropical, destacada no mapa 14, é extremamente rica em biodiversidade. A área Tropical Andina é a mais rica em biodiversidade do mundo e 90 a floresta Amazônica é a maior área contínua de floresta tropical do mundo. Tanto os estoques de carbono quanto a biodiversidade do Neotrópico estão ameaçados pelo desflorestamento, majoritariamente induzido pela expansão de áreas para pasto e mais recentemente para a produção de soja em larga escala. Neste panorama, levando-se em conta a distribuição das áreas de alta concentração de carbono e biodiversidade, percebe-se que projetos de REDD na America tropical, sejam dentro de um futuro mecanismo dentro do regime internacional do clima, sejam via mercado voluntário de emissões, mostra-se inevitavelmente benéfico para a biodiversidade Ressalva deve ser feita devido às incertezas ainda presentes quanto ao processo de vazamento, especialmente se tal ocorrer direcionando a pressão do desmatamento para áreas de baixo estoque de carbono, mas com alto estoque de biodiversidade. Face à falta de regulamentação exigindo que os co-beneficiários ambientais sejam considerados, existe a possiblidade de geração de incentivos perversos para maximizar os beneficiários de carbono em detrimento de outros valores, como por exemplo: atividades que introduzam espécies exóticas ou plantações de monoculturas (TNC-CI-WCS, 2010, p48; UNEP-WCMC, 2008). 2.7.2 Identificando áreas de riscos de desflorestamento e degradação florestal Para garantir a eficácia dos incentivos financeiros para reduzir o desmatamento e a degradação florestal, os pagamentos devem ser direcionados para áreas de floresta que estão em risco de conversão para usos alternativos do solo. Avaliar os custos de possíveis usos alternativos da terra também é necessário para garantir que os limitados recursos financeiros sejam otimizadamente alocados. De modo geral, embora simplista, se uma Abordagem de Mercado for usada para REDD ela irá conduzir as ações de tal mecanismo para atividades de menor custo. Uma abordagem baseada em Fundos poderá estabelecer que os métodos sejam utilizados para assegurar que os recursos sejam alocados da maneira mais eficaz. Por outro lado, identificar áreas de alto risco de desmatamento e degradação florestal não deve, necessariamente, conduzir à exclusão de elegibilidade de áreas 91 protegidas. Muitas regiões protegidas sofrem má gestão ou falta de recursos adequados, o que incapacita a proteção devida das espécies e dos ecossistemas florestais. Se tais áreas forem eleitas será, portanto, importante assegurar que os pagamentos REDD sejam realmente complementares e não geradores de incentivos contrários. A inclusão de áreas protegidas pode, de fato, incentivar governos a alegar não poder prover fundos suficientes para as mesmas - até mesmo reduzir o financiamento nacional - a fim de obter financiamento internacional através de um mecanismo REDD. Isso, inclusive, acarretaria injustiça para com outros países em desenvolvimento que tenham feito os investimentos necessários para a efetiva proteção das áreas. A inserção, ou não, de áreas protegidas como potencialmente elegíveis em um mecanismo REDD, será claramente uma questão difícil de resolver e exigirá medidas para evitar os efeitos perversos (KAROUSAKIS, K., 2009, p. 14,15). 2.7.3 O Mercado voluntário agregando Carbono e biodiversidade As negociações na esfera da UNFCCC são longas e complexas e a estruturação do mecanismo REDD ainda não foi completamente acordada durante a COP15, em Dezembro de 2009. Alguns sinais positivos, no entanto, vêm sendo assinalados pelo setor privado e várias partes governamentais que pretendem antecipar o estabelecimento de um possível mercado para REDD, através da implantação de iniciativas piloto. Nesse sentido, iniciativas voluntárias e independentes, para o desenvolvimento de projetos e atividades REDD, estão surgindo em paralelo ao mercado de carbono criado pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Este novo mercado, chamado „mercado voluntário‟, não está vinculado as metas obrigatórias dos países e vem crescendo a um ritmo acelerado nos últimos anos. O volume de créditos negociados aumentou 64% entre os anos 2006 e 2007, mais de 89% entre 2007 e 2008. Muitos dos desafios associados com o monitoramento, medição e contabilização de reduções de emissões de carbono das 92 atividades florestais podem ser tratados com abordagens que têm sido aplicadas em projetos desenvolvidos para mercados voluntários (TNC-CI-WCS, 2010, p16, 19). Fonte: TNC – IDESAM, 2009. Figura 15 (gráfico) Crescimento do Mercado voluntário entre 2006 e 2008. Esses projetos iniciais de REDD foram concebidos principalmente por acordos bilaterais e estruturados através de metodologias validadas de forma independente, o que permitiu implementação imediata e a formação de um esboço de mercado voluntário de carbono para as atividades REDD. Seguindo a lógica dos projetos de MDL, o desenvolvimento desses planos deve adotar metodologias centradas na quantificação e monitorização de créditos de carbono, apresentando-as como um Project Design Document – PDD (Documento de Concepção do Projeto). Com o fim de dar credibilidade, muitos projetos têm optado pela submissão a análises através de um processo de validação independente, fundamental para proporcionar transparência e confiança nos benefícios de carbono gerados pelas suas atividades. Tais padrões garantem que as atividades REDD sejam rigorosamente consistentes e confiáveis na obtenção dos benefícios de carbono produzidos (TNC – IDESAM, 2009 p.20; TNC-CI-WCS 2010, p. 42). 93 2.7.3.1 Standards para o mercado voluntário Métodos padronizados são necessários para estabelecer as normas, garantindo a qualidade e consistência em todos os projetos REDD. A inclusão do carbono florestal em sistemas formais dentro do âmbito da UNFCCC (por exemplo, Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e Implementação Conjunta) está sujeita a regulamentações para reger as atividades do projeto, bem como para que os créditos resultantes possam ser considerados robustos e confiáveis. Já as transações voluntárias de carbono não estão subjugadas as mesmas regras e, em última análise, é o comprador e o vendedor que chegam a um acordo sobre o rigor contábil a ser utilizado no projeto. Para atender à demanda crescente de comparabilidade e transparência no mercado, ao longo do tempo várias normas voluntárias têm sido desenvolvidas, baseadas nas regulamentações em vigor ou nas experiências de projetos, visando atender às necessidades dos mercados voluntários de carbono. Estas foram concebidas para lidar com as principais preocupações referentes a permanência, vazamento, adicionalidade, beneficios socio-ambiental e risco dos projetos de carbono florestal. A maioria das normas voluntárias passaram a incluir o REDD e estão ajudando a servir de modelo para futura inclusão de atividades de carbono florestal dentro da estrutura da UNFCCC. Muitos desses padrões não somente proporcionam um meio de calcular, verificar, registrar e rastrear os beneficios de carbono, mas também garantem beneficios sociais e ambientais. Semelhante ao já existente, créditos de MDL Gold Standard ou créditos voluntários de REDD premium "Green Standard" são também possíveis para os projetos de REDD que proporcionam benefícios adicionais aos de carbono. Já existem vários exemplos de iniciativas que combinam o carbono e benefícios para a biodiversidade a projetos ligados ao mercado de carbono voluntário. Atualmente existe uma tendência natural dos Standards se agregarem, assim como de alguns deles apresentarem maior credibilidade no Mercado. Os preços dos créditos voluntários de REDD incorporados aos benefícios para a biodiversidade variam de 94 acordo com a integridade da norma aplicada, mas a diferenciação de preço se tornará mais clara entre as normas (Standards) de acordo com o amadurecimento do Mercado. Um dos três fatores mais importantes nas decisões de compra pelos compradores dos créditos florestais é o potencial para a geração de benefícios de biodiversidade (KAROUSAKIS, K, 2009, p. 15, 16; TNC- IDESAM, 2009 p. 20). Entre as principais normas (Standards) podemos citar o Voluntary Carbon Standards (VCS), com um foco primário relacionado com o cálculo de carbono e questões metodológicas; o Climate, Community and Biodiversity Standards (CCB Standards) e o Forest Stewardship Concil (FSC) que verificam os impactos positivos do projeto também em termos de co-benefícios para as comunidades e para a biodiversidade, e outros como o Plan Vivo, o CarbonFix, o Social Carbon, o Californian Climate Action Registry (CCAR). Detalhamos a seguir algumas dessas normas: - Voluntary Carbon Standard (VCS) Iniciativa fundada pela parceria entre o The Climate Group, The International Emissions Trading Association e o World Business Council for Sustainable Development visando fornecer um padrão internacional robusto para aprovações de créditos voluntários. A validação pelo VCS objetiva assegurar que os créditos obtidos com os projetos sejam fatualmente reais, adicionais, mensuráveis, permanentes, verificados de forma independente e únicos (não reutilizados para compensar emissões) (VCS, 2010). Este padrão está surgindo como forma dominante para a quantificação de benefícios de projetos florestais de carbono no Mercado Voluntário, particularmente de REDD. Um aspecto de garantia da VCS é que os planos são avaliados em função do risco de impermanência, tendo a obrigatoriedade de depósitar uma porcentagem de seus créditos em uma reserva de créditos com o fim de proporcionar proteção no caso de uma floresta, sob tutela do projeto, ser perdida (TNC-CI-WCS, 2010, p. 39, 40). 95 - Climate, Community and Biodiversity Alliance A Climate, Community and Biodiversity Alliance (CCBA) é uma parceria entre instituições de pesquisa, empresas e organizações não-governamentais e tem desenvolvido normas voluntárias para ajudar a projetar e identificar planos de manejo de terra que, simultaneamente, minimizem mudanças climáticas, apóiem o desenvolvimento sustentável e a conservação da biodiversidade. Essas normas foram criadas através de um processo inclusivo envolvendo governos, ONGs e outras organizações da sociedade civil e de povos indígenas, política internacional, instituições de pesquisa e setor privado. A CCBA apresenta 17 critérios de qualidade, sendo 14 obrigatórios e 03 opcionais. Três dos critérios exigidos são pertinentes à biodiversidade: 1) impactos positivos sobre a biodiversidade; 2) compensação dos impactos sobre a biodiversidade e 3) monitoramento do impacto da biodiversidade. São auditados por certificadores independentes e cada um é sujeito a um período de 21 dias para comentário publico (KAROUSAKIS, K., 2009, p. 15, 16; CCBA, 2010). - Forest Stewardship Concil (FSC) O FSC é uma organização não-governamental, sem fins lucrativos, criada para promover o manejo responsável das florestas do mundo. Fundada em 1993 como uma resposta às preocupações sobre o desmatamento global, fornece normatizações internacionalmente reconhecidas, acreditação para empresas, organizações e comunidades interessadas na gestão florestal responsável. O FSC também exige que as atividades de gestão de florestas de alto valor de conservação mantenham ou incrementem os atributos que definem estas florestas. Seu selo oferece uma ligação confiável entre a produção e o consumo responsável de produtos florestais, permitindo aos consumidores e as empresas tomarem decisões 96 de compra que beneficiem as pessoas e ao ambiente, agregando, desta forma, valor ao negócios em andamento (FSC, 2010; TNC-CI-WCS, 2010 p. 49). - CarbonFix Esta organização sem objetivos lucrativos fornece aos desenvolvedores de projetos critérios confiáveis para certificar a qualidade dos mesmos no que se refere a fins climáticos associados à quantificação dos créditos de carbono. Segue os princípios de adicionalidade, permanência, verificação e monitoramento visando garantir aos projetos ganhos sócio-econômicos e ecológicos. O CarbonFix exige que 30% dos créditos sejam mantidos em uma reserva de segurança. Certificações conjuntas sob CarbonFix e CCB Standard ou Forests Stewardship Council já são possíveis (CARBONFIX STANDARDS, 2010). - PlanVivo O PlanVivo é um sistema de ferramentas, utilizado para desenvolver e registrar o pagamento de serviços ambientais em países em desenvolvimento, que abarca atividades relacionadas com o reflorestamento, sistemas agroflorestais, conservação e restauração florestal e desmatamento evitado, implementado por fazendeiros em pequena escala ou comunidades. Os projetos são avaliados de forma independente a fim de gerar um Plan Vivo Certificate, representando ganhos de carbono a longo prazo (VER), conservação dos ecossistemas e redução da pobreza via geração de benefícios adicionais para a subsistência (TNC-IDESAM, 2009 p.20; KAROUSAKIS, K, 2009, p. 16; PLANVIVO, 2010). 97 - Social Carbon O Social Carbon desenvolveu uma metodologia com ênfase no aspecto social, analisando e priorizando seis áreas principais de recursos: de biodiversidade, naturais, financeiros, humanos, sociais e de carbono. Seu foco é a sustentabilidade dos projetos a longo prazo através da participação ativa das comunidades locais (SOCIAL CARBON, 2010). 2.7.4 Outras iniciativas importantes Além das acreditadoras para projetos de REDD há outras iniciativas atuando em caráter de programa e que desempenham papel importante, não só para financiamento de planos de redução de emissões, mas também na estruturação de processos de prontidão para as nações em desenvolvimento.24 Estes programas têm como objetivo principal a construção de capacitação para os países implementarem sistemas nacionais de REDD, que possam gerar reduções robustas e confiáveis, contribuindo tanto para a mitigação das alterações climáticas como para o desenvolvimento econômico e social (TNC – IDESAM, 2009 p.64). Como exemplo, podemos citar o UN-REDD Programme, abordado no capitulo anterior e algumas outras iniciativas também relevantes: 2.7.4.1 Forest Carbon Partnership Facility – FCPF 24 Outras iniciativas focando tanto as questões técnicas e metodológicas quanto de govêrno nacional e, até mesmo, internacional, que vale mencionar são: CIFOR, TNC, WWF, GCP, FERN, TEBB, dentre outras. 98 O FCPF é uma parceria global criada pelo Banco Mundial em 2007, com um orçamento de US$ 300 milhões, para ajudar na preparação e desenvolvimento de sistemas REDD em países tropicais que, voluntariamente, optarem por participar do programa, auxiliando, também, a complementar as negociações da UNFCCC sobre REDD +. Foi projetado para gerar um sistema de incentivos para REDD+ em grande escala, proporcionando uma nova fonte de financiamento para o uso sustentável dos recursos florestais e conservação da biodiversidade e para os mais de 1,2 bilhões de habitantes que, em vários aspectos, dependem das florestas para a subsistência (FCPF, 2010). O FCPF é composto por dois mecanismos: Readiness Mechanism (Mecanismo de Preparação), que atualmente ajuda cerca de 37 países na preparação de sua participação num mecanismo de REDD internacional, e o Carbon Fund, fundo que visa apoiar os programas de reduções de emissões por meio de compensação (via resultado de diminuição de emissões) de desmatamento e degradação florestal. Juntas, essas abordagens procuram gerar conhecimento e aprendizados realistas em termos de custos e que podem reduzir as emissões do desmatamento, mitigar as alterações climáticas e gerar benefícios adicionais (TNCIDESAM, 2009 p. 65; WERTZ-KANOUNNIKOFF.,S; ALVARADO., L, 2008 p.14). 2.7.4.2 Norwegian Initiative for Climate and Forests O Norwegian Initiative for Climate and Forests (NICF) foi lançado durante as negociações de mudança climática em Bali, em dezembro de 2007. O governo norueguês comprometeu-se com um financiamento substancial (aproximadamente US$600 milhões) para investir nos esforços de redução de emissões resultantes do desflorestamento e degradação florestal em países em desenvolvimento. O objetivo a longo prazo é, desempenhando um papel internacional, procurar instituir um regime pós 2012 que assegure cortes profundos nas emissões globais de GEEs e promova a conservação das florestas naturais, a fim de manter suas capacidades de armazenamento de carbono. A iniciativa vem desenvolvendo cooperação direta com 99 as organizações internacionais, incluindo as agências das Nações Unidas, países beneficiários e outros doadores (NORUEGA, [entre 2007 e 2009] p 1, 2, 3). A Norway’s International Climate and Forest Initiative coopera, dentre outros, com os seguintes parceiros: Fundo Amazônia: a Noruega comprometeu-se a doar para o Brasil US$ 1 bilhão, direcionado ao Fundo Amazônia, para subsidiar programas que apóiem os esforços das autoridades brasileiras para reduzir o desmatamento. Por iniciativa do Brasil, os pagamentos ao fundo serão realizados de acordo com o desempenho, ou seja, ligado diretamente à redução do desmatamento em relação a um nível de referência histórico, que será atualizado a cada cinco anos. As contribuições da Noruega ao Fundo Amazônia é parte de sua ampla política de cooperação aos fins climáticos firmada com o Brasil em Setembro de 2008. Cooperação que inclui, também, um diálogo sistemático com o governo brasileiro sobre o clima e a política florestal (NORUEGA, [entre 2007 e 2009] p. 8). Nações Unidas: para garantir um início rápido da primeira fase das ações programáticas das Nações Unidas, a Noruega forneceu um financiamento total de cerca de US$ 50 milhões (NORUEGA, [entre 2007 e 2009], p. 7). Banco Mundial: recebeu do governo norueguês US$ 40 milhões e US$ 50 milhões, respectivamente para seus dois programas: Forest Carbon Partnership Facility e Forest Investment Program, que visam ajudar países em desenvolvimento nos seus esforços para reduzir emissões resultantes do desflorestamento e degradação florestal (NORUEGA, [entre 2007 e 2009] p. 7). Chicago Climate Exchange (CCE): plataforma já existente que movimenta não só os créditos florestais, mas igualmente de outros setores, possuindo grande participação do setor privado, como: grandes empresas - a exemplo: Rolls Royce, Sony, Aracruz, Klabin - e outros membros (TNC-IDESAM, 2009 p. 21). 100 Biocarbon Fund (BioCF): uma iniciativa público-privada, gerida pelo Banco Mundial, que visa proporcionar reduções das emissões de custo-benefício, bem como promover a conservação da biodiversidade e redução da pobreza. O BioCF prevê financiamento para projetos que seqüestrem ou conservem gases de efeito estufa em florestas, ecossistemas agrícolas e outros. O BioCarbon Fund testa e demonstra como as atividades LULUCF podem gerar reduções de emissões de alta qualidade, com benefícios ambientais que podem ser medidos, monitorados e certificados. (TNC-IDESAM, 2009 p. 21; WERTZ- KANOUNNIKOFF.,S; ALVARADO., L, 2008 p. 13). Prince Charles’ Rainforest Project: programa focado em dois objetivos específicos: identificar os incentivos adequados para estimular as nações tropicais a reduzir suas taxas de desmatamento e aumentar a consciência da relação entre florestas e mudanças climáticas. Busca atender esses fins criando e propondo mecanismos práticos que evidenciem o valor real dos serviços ambientais fornecidos pelas florestas tropicais remanescentes, bem como assegurando e garantindo a subsistência sustentável dos habitantes da floresta através do emprego de recursos financeiros. O programa desenvolveu uma proposta para um pacote emergencial de financiamento para os ecossistemas florestais, visando atingir uma redução a curto prazo significativa no desmatamento tropical, através de pagamento às nações detentoras de florestas. (TNC-IDESAM, 2009 p.21; THE PRINCE‟S RAINFORESTS PROJECT, 2010; GCP, 2009 p. 98). The Congo Basin Forest Fund: este fundo, que é organizado pelo Banco Africano de Desenvolvimento, apóia a conservação e o uso sustentável das florestas da bacia do Congo através de ajudar as comunidades locais a encontrar meios de subsistência compatíveis com a conservação das matas. Receberá US$100 milhões de dólares até o final de 2010 (TNC-IDESAM, 2009 p. 21; THE CONGO BASIN FOREST FUND, 2010). 101 Tanzânia: a Noruega esta provendo apoio bilateral aos esforços da Tanzânia para reduzir as emissões resultantes do desflorestamento e degradação, através da implantação de estratégia nacional de REDD para os próximos cinco anos, período em que receberá US$100 milhões do governo norueguês (TNCIDESAM, 2009 p.21; NORUEGA, [entre 2007 e 2009], p. 7). 2.7.4.3 Fundo Amazônia (Amazon Fund) Outra iniciativa nacional, atualmente em desenvolvimento, que vale realçar é o Fundo Amazônia (Amazônia Fund), criado pelo governo brasileiro para aproveitar as doações voluntárias dos países, pessoas físicas ou empresas que contribuem financeiramente para a redução do desmatamento no país, como por exemplo, as doações do governo norueguês. O fundo é dirigido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e segue as diretrizes e critérios estabelecidos por um Comitê Gestor, composto por representantes dos governos estaduais e federal, ONG's, movimentos sociais, povos indígenas, cientistas e empresas. É, também, apoiado por um Comitê Técnico, nomeado pela Secretária do Meio Ambiente, cujo papel é verificar as emissões e as reduções de emissões provenientes do desmatamento da Amazônia. O objetivo do fundo é captar doações a serem aplicadas em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e promover a conservação e o uso sustentável das florestas no bioma amazônico. Fora tal, 20% dos recursos podem ser utilizados para sustentar o desenvolvimento de sistemas de monitoramento e controle do desmatamento quer em outros biomas brasileiros quer em outros países tropicais. O Comitê Técnico atesta os cálculos, apresentados pelo Ministério do Meio Ambiente, das reduções efetivas de emissões de carbono oriundas do desmatamento, apreciando as metodologias de cálculo - da área de desmatamento e da quantidade de carbono por hectare - utilizadas no cálculo das emissões. Os cálculos de redução de emissão anual serão baseados em uma comparação 102 entre as emissões históricas dos últimos 10 anos (revisto a cada cinco anos) e as emissões ao longo do ano em questão. Quando uma redução no desmatamento efetivamente acontece, o fundo pode captar recursos para o investimento correspondente à tonelagem de redução; em caso de aumento das emissões, a diferença será descontada da expectativa para o próximo período. Com base nas doações recebidas, o Fundo Amazônia emite certificados referentes às toneladas de carbono "reduzidas", equivalentes e correspondentes ao valor da contribuição prédeterminada em US$5/tCO2. Cada doador ganhará um certificado que comprove a contribuição da redução das emissões em um determinado período, expresso em toneladas de CO2. Esses certificados são numerados e intransferíveis e não podem gerar créditos de carbono para compensar qualquer tipo de emissão. A intenção do Fundo Amazônia é captar cerca de US$20 bilhões de dólar até o ano de 2020. Seu primeiro doador foi o governo da Noruega com US$1 bilhão, a ser transferido para o Brasil em sete anos. Até Novembro de 2009, 38 propostas de projetos foram apresentadas para o Fundo Amazônia Assim como as iniciativas mencionadas acima, muitos outros processos políticos que envolvem governos sub-nacionais de países do mundo inteiro estão se proliferando. No Brasil, por exemplo, pode-se citar uma Força Tarefa criada pelo governo da Amazônia apresentando recomendações sobre REDD para o Governo Federal (FUNDO AMAZONIA, 2010; TNC-IDESAM, 2009 p. 64, 69). 2.8 REDD na America Latina Enquanto as negociações sobre REDD dentro de um protocolo da UNFCCC é debatida no campo internacional, várias iniciativas de implantação de projetos subnacionais de REDD estão se difundindo pelo mundo, antecipadamente a qualquer decisão de âmbito internacional. Estas são de extrema valia, não somente pelos benefícios diretos de preservação florestal e redução de emissões, mas como aprendizado técnico-metodológico a ser transferido para outros programas mundo afora, estimulando a criação de uma capacitação institucional em países com frágil 103 estrutura político-governamental e que aspiram estabelecer um esquema REDD em escala nacional. Por terem abrangência local e sub-nacional, esses projetos pilotos podem ser instituídos de forma muito mais rápida, evitando inúmeros e complexos trâmites institucionais, jurídicos, administrativos e financeiros necessários à construção de um projeto nacional ou da magnitude de um UNFCCC. Na América do Sul 17 projetos REDD já estão em estágio avançado de implementação e estão distribuídos em seis países: Bolívia (01), Brasil (07), Equador (01), Guatemala (03), Paraguai (01) e Peru (04). Juntos, somam aproximadamente 14,8 milhões de hectares de floresta tropical - área equivalente a 3,5 vezes o território da Dinamarca – e visam evitar a emissão de cerca de 522.7 milhões de toneladas de CO2: equivalente a mais da metade das emissões totais anuais do setor de transporte na União Européia. Tabela 2 Características dos principais projetos de REDD na America Latina País Projeto Brasil Duração Custo de Custo de geração implementação (US$) (US$/tCO2) Juma 44 24,000,000 0,13 Ecomapuá 20 23,597,968 3,93 Acre 15 25,000,000 4,00 Transamazonia 10 15,427,499 4,92 Ecuador SocioBosque 7 560,000,000 2,95 Guatemala Biosfera Maia 20 80,000,000 4,00 Paraguai Mbaracaiu 35 22,750,000 1,75 Peru Madre de Dieus 20 47,000,000 6,31 TOTAL 1,022,775,467 Fonte: TNC – IDESAM, 2009 Quanto ao perfil das instituições proponentes de projetos REDD, destaca-se a grande participação dos governos, que estão presentes em 61% deles. Isto se deve ao fato de uma grande parte dos mesmos ser realizada em terras públicas ou áreas protegidas, que são legalmente geridas pelos governos. Estes, na sua maioria, 104 são locais (departamentos, municípios, distritos, etc), refletindo a importância e inovação dos mesmos na gestão de florestas. A média de vida dos projetos é de 21 anos, variando de sete anos para o programa SocioBosque no Ecuador a 44 anos para o Projeto Juma. O custo total de implantação desses oito projetos é de US$1.022,775.467 e a média de custo por tCO2 é de US$3.49/tCO2e (± 2.21). Foi verificada uma grande variação de custo na geração de tais projetos, tanto entre países quanto entre projetos num mesmo país, oscilando entre um valor mínimo de US$0.13/tCO2 e um máximo de US$6.27/tCO2, conforme mostra o gráfico abaixo: Fonte: TNC – IDESAM, 2009 Figura 16 (gráfico) Redução de emissões e custo por tCO2 para os projetos de REDD. Observa-se, também, que a relação entre custo de geração de crédito REDD por tCO2 e o total de redução de emissões pelo projeto nem sempre é positiva. Esta alta variância é explicada por ampla gama de fatores que são determinantes para definir o custo de implementação de cada projeto, como: contexto da pressão de desflorestamento, posse da terra (pública, privada, comunitária, território indígena, áreas de proteção etc..), escopo da atividade, localização, acesso e instituições participantes (programas com participação da 105 iniciativa pública podem ter custos reduzidos). A combinação destes fatores é determinante para definir os custos de cada projeto REDD (TNC-IDESAM, 2009, p. 75, 76). Segundo um estudo realizado por Nepstad, D. (2008), um programa plausível de REDD que reduza o desmatamento na totalidade da Amazônia brasileira para próximo a zero em um período de dez anos teria um custo anual inicial de US$72 milhões atingido US$531 milhões no décimo ano. Um programa desta dimensão evitaria a emissão de 1,4 bilhões de toneladas de carbono durante uma década a um custo total de US$3.4 bilhões (US$0,7/Tonelada de CO2). 2.9 REDD no Brasil e o Projeto Juma A ONG The Nature Conservacy (TNC, 2009) identificou e classificou sete projetos REDD em fase avançada de implantação no Brasil. Dentre eles o Projeto de RED da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Juma foi o primeiro do Brasil - segundo no mundo - a ser validado pelo CCB, na modalidade de Redução de Emissões do Desmatamento (RED). Dado seu caráter pioneiro, sua avançada fase de implementação, sua considerável área e seu potencial tanto para redução de emissões quanto para a conservação da biodiversidade de uma área da Floresta Amazônica rica em vida selvagem, acredita-se que possa ser um modelo representativo para futuros projetos REDD na Floresta Amazônica. Suas características físicas somada às condições político-econômico-social em comum com outras regiões do estado do Amazonas podem desenhar um valioso panorama das dificuldades e potenciais de um projeto de REDD na Amazônia. Entender como está sendo tratada a biodiversidade dentro deste projeto, trará sinalizações sobre a validade do mecanismo como ferramenta para a proteção da biodiversidade da Floresta Amazônica. 106 3 Projeto Juma: buscando a preservação da biodiversidade local 3.1 Localização e área do projeto A Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Juma foi criada pelo Governo do Amazonas através do Decreto 26.009 de julho de 2006, em uma área de 589.612,8 hectares no município de Novo Aripuanã, que totaliza 14,3% da área deste município. Encontra-se a 227,8 km ao sul da cidade de Manaus, próxima à área urbana de Novo Aripuanã, cujos limites estão a cerca de 10 km ao leste da fronteira norte da Reserva, na margem direita da foz do Rio Aripuanã (Figura 17). A RDS do Juma é delineada pelo Rio Mariepauá no lado oeste, que também limita os municípios Novo Aripuanã e Manicoré; no lado sul, pelas áreas de domínio do Estado (100 km ao norte da Rodovia Transamazônica – BR-230); na parte leste, pela margem esquerda do Rio Acari; e no extremo norte (borda norte relativamente estreita) é limitada pelo Rio Madeira (AMAZONAS, 2006; IDESAM, 2009 p. 10). 107 Fonte: IDESAM, 2009. Figura 17 (mapa) Localização da área de creditação do Projeto de RED da RDS do Juma, mostrando também a BR-319, AM-174 e BR-230 e o município de Novo Aripuanã, Manicoré e Apuí. 108 3.2 Contexto histórico Estima-se que 17% da cobertura florestal original da Amazônia já foi retirada e suas florestas continuam sobre constante pressão. Entre 2000 a 2007 mais de 150,000 km2 de florestas foram destruídas na região, o que representa 3,7% de toda área da Amazônia Legal Brasileira. Destruição que continuou aumentando a uma taxa de 3,6% ao ano no período de 2007/2008 comparativamente a 2006/2007, segundo dados do PRODES25. No mesmo período foram detectados 101.000 focos 2 de queimada e em 2008 uma área de 24.932 km de floresta na Amazônia sofreu degradação. O total de desmatamento confirmado pelo INPE, para o período de Agosto de 2008 a Agosto de 2009, foi de 7.464 km2 (IDESAM, 2009; INPE, 2008, INPE, 2010). A Figura 18 (mapa esquerdo) mostra a variação relativa de desmatamento em cada uma das 85 áreas, nas quais este processo foi verificado, considerando-se o período observado em 2007 e em 2008, evidenciando os locais onde houve redução (tons verdes), estabilização (tons amarelos) e aumento do desmatamento (cor vermelha). No mapa a direita é possível visualizar as regiões de ocorrência de degradação florestal na Floresta Amazônica em 2008, mapeadas pelo sistema operacional DEGRAD do Programa de Monitoramento do INPE. 25 O programa de monitoramento da Amazônia do INPE - INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS conta com quatro sistemas operacionais complementares: PRODES, DETER, QUEIMADAS e DEGRAD. O sistema PRODES mede as taxas anuais de corte raso para os períodos de Agosto do ano anterior a Julho do ano corrente, considerando desmatamentos com áreas superiores a 6,25 hectares. 109 Fonte: INPE 2010 Figura 18 (mapa) Esquerda: Variação relativa (%) entre o desmatamento encontrado nas 85 áreas em 2007 e 2008. Locais onde houve redução (tons verdes), estabilização (tons amarelos) e aumento do desmatamento (cor vermelha). Direita: Área de degradação florestal observada no ano de 2008 (dados do Sistema DEGRAD). Em contrapartida a esse cenário, nesse mesmo período o Estado do Amazonas perdeu somente 0,4% de suas florestas; porcentagem consonante com os índices históricos do Estado, que sempre apresentou as menores taxas de desmatamento em comparação com os demais Estados da Região Amazônica. Atualmente, o Amazonas mantém intacta aproximadamente 98%, da sua cobertura florestal original. Nos últimos anos, entretanto, o decréscimo da cobertura florestal e a indisponibilidade de terras, decorrente do intenso desmatamento histórico nos outros Estados da Região da Amazônica Brasileira (Acre, Mato Grosso, Pará e Rondônia), vêm ocasionando uma visível tendência de migração para a Região Central da Amazônia, principalmente para o Estado do Amazonas. A crescente taxa de expansão da agricultura e pecuária bovina faz com que os principais agentes do desmatamento se voltem para as grandes áreas de floresta (com baixa densidade humana) deste Estado. Assim, se seguirmos a tendência histórica do restante da Amazônia, o Estado do Amazonas será rapidamente ocupado por grandes pastagens e culturas agrícolas, resultando no desmatamento de milhões de hectares de florestas. 110 Os modelos mais avançados de simulação do desmatamento indicam que, nas próximas décadas, o Estado do Amazonas poderá ter um rápido aumento das taxas de desmatamento. O Sim Amazônia I, modelo de desmatamento construído pelo Programa “Cenários para Amazônia” e coordenado por Britaldo Silveira Soares Filho, da Universidade Federal de Minas Gerais, juntamente com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e com o Woods Hole Research Center, vem sendo considerado atualmente como um dos mais refinados para a Região Amazônica. Tal instrumento indica uma forte tendência de destruição em um futuro próximo, que poderá resultar em perdas de até 30% da cobertura florestal do Amazonas até o ano de 2050. Caso não haja medidas e estratégias concretas de prevenção, o desmatamento no Amazonas poderá emitir cerca de 3,5 bilhões de toneladas de CO2 para a atmosfera, aproximadamente o mesmo volume anual de emissões de toda a União Européia (IDESAM, 2009 p. 7; INPE, 2008). 3.3 O projeto de REDD da RDS do Juma: objetivos e desenho O Projeto de RED da RDS do Juma objetiva conter o desmatamento de cerca de 329.483 hectares de floresta tropical e suas respectivas emissões - cerca de 189.767.027,9 toneladas de CO2, protegendo, ao mesmo tempo, suas espécies do risco de extinção e a qualidade de vida de centenas de famílias. Visa alcançar tais objetivos através da criação e implantação de uma Unidade de Conservação em uma área do Estado do Amazonas de grande tensão pelo uso da terra e passível de ser quase totalmente desmatada se prevalecer as práticas correntes. O governo do Estado do Amazonas estabeleceu a RDS do Juma em 2006 e sua concretização é parte de uma ampla estratégia iniciada em 2003 pelo Estado, visando a contenção do desmatamento e promoção do desenvolvimento sustentável através da valorização dos serviços ambientais prestados pelas florestas. A previsão de perda de grandes áreas de floresta até 2050, em um cenário business as usual, devido a principalmente a pavimentação das estradas BR-319 e AM-174 foi fortemente considerada pelo governo do Amazonas para a criação da Reserva. A 111 RDS do Juma foi a primeira reserva a ser implantada após a criação e aprovação da Lei da Política Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC-AM) e do Sistema Estadual de Unidades de Conservação (SEUC-AM), que forneceram o arcabouço legal necessário para a realização de projetos desse gênero no Amazonas. A sua criação e implementação efetiva, no entanto, só foi possível graças à perspectiva de efetivação de um mecanismo financeiro de geração de créditos de carbono oriundos da Redução de Emissões do Desmatamento – RED, planejado pelo governo deste Estado. A rede de hotéis Marriott International está financiando o projeto com investimentos anuais de US$500 mil durante os quatro primeiros anos; receitas provindas de seus hóspedes, que são convidados a neutralizar as emissões de carbono decorrentes da sua hospedagem através da contribuição de US$1 por noite. Assim, os recursos financeiros oriundos dos créditos deverão ser dirigidos a promoção tanto da manutenção dos benefícios climáticos de redução de emissões de GEEs pelo desmatamento quanto de melhorias sócio-ambientais e iniciativas voltadas para a pesquisa científica e inventários da riquíssima biodiversidade da Reserva, que serão realizadas através dos seguintes programas e atividades: a) Fortalecimento da fiscalização e controle ambiental: combinando melhoria no sistema de vigilância já realizado pelas comunidades com grandes investimentos em ações de policiamento pelos órgãos ambientais de proteção e de regulamentação fundiária; além de atividades de monitoramento com técnicas avançadas de sensoriamento remoto. O custo das operações de monitoramento e fiscalização em áreas remotas como a da RDS do Juma é significativamente alto devido a seu difícil acesso. Nesse sentido, o mecanismo RED entrará com os aportes necessários para suprir uma grande deficiência do Estado. b) Geração de renda através de negócios sustentáveis: serão combinadas ações de organização comunitária com apoio ao empreendedorismo para o aumento da capacidade de administração dos produtos florestais; fomento e suporte ao manejo florestal; pesquisa e desenvolvimento de tecnologias para inovação de produtos; desenvolvimento de mercado para produtos e serviços sustentáveis; visando dinamizar toda a cadeia produtiva florestal para as comunidades do projeto. 112 c) Desenvolvimento comunitário, pesquisa científica e educação: serão construídos centros educacionais para capacitar e transmitir informações científicas para as comunidades locais, além de oferecer oportunidades de treinamento para profissionais especializados. d) Pagamento direto por serviços ambientais – Programa Bolsa Floresta: as comunidades receberão benefícios diretos por sua contribuição à conservação, como acesso a água limpa, cuidados de saúde, informação, atividades produtivas e outras melhorias de qualidade de vida. Adicionalmente, uma parte dos recursos financeiros gerados pelo projeto irá para o pagamento de serviços ambientais às comunidades tradicionais da Reserva do Juma, através do estabelecimento dos quatro componentes do Programa Bolsa Floresta: Bolsa Floresta Familiar, Bolsa Floresta Associação, Bolsa Floresta Social e Bolsa Floresta Renda. O sucesso deste projeto depende das atividades direcionadas pelo Plano de Gestão da Reserva e da geração de fundos através do mecanismo de RED. O desenvolvimento e implementação do Plano de Gestão Adaptativa da Reserva incluem a identificação de demandas, aplicação de todas as medidas necessárias para promover a conservação dos recursos naturais e da biodiversidade e o desenvolvimento sustentável dentro dos limites da Reserva. As necessidades locais de educação e saúde deverão ser identificadas e solucionadas (entre outros: escolas, postos de saúde, profissionais) objetivando promover melhorias na qualidade de vida das comunidades. Atividades econômicas regionais complementares serão desenvolvidas, baseadas no estudo sócio-econômico realizado como parte da criação da Reserva. A geração de renda familiar e comunitária será incrementada ao se identificar as necessidades relativas a equipamentos, capacitação e desenvolvimento, bem como as oportunidades de mercado para o uso sustentável dos recursos naturais. Quanto à biodiversidade, o projeto busca a proteção dessa área rica e singular em termos de flora e fauna, espécies raras e ameaçadas de extinção. Considerando o grau esperado de endemismo na região, espera-se o descobrimento de novas espécies, o que aumentará o conhecimento da biodiversidade da Amazônia e fundamentará o desenvolvimento de medidas de manejo para a proteção e monitoramento de 113 “hotspots” de biodiversidade local. As informações sobre biodiversidade e uso de recursos naturais serão coletadas através do Programa de Monitoramento da Biodiversidade e do Uso de Recursos Naturais em Unidades de Conservação Estaduais do Amazonas - ProBuc, coordenado pelo Centro Estadual de Unidades de Conservação - CEUC. Os empreendedores do projeto Juma são: Fundação Amazônia Sustentável (co-gestor); Estado do Amazonas (CEU-SDS) responsável por gerenciar, coordenar e implantar as atividades propostas pelo projeto; a cadeia de Hotéis Marriot, responsável pelo financiamento e compra dos créditos REDD que serão usados para compensar suas emissões de carbono, e o Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia - IDESAM, parceiro técnico responsável pela elaboração do DCP e pelo processo de validação junto ao CCB e VCS. O programa foi concebido com o princípio de garantir o envolvimento e o comprometimento dos atores locais, através de um processo transparente que conta com oficinas participativas e consultas públicas (IDESAM, 2009, p. 7, 8, 9, 40, 41, 70; FAS, 2009 p. 57). 3.4 Caracterização fito-ecológica do projeto A área da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Juma é coberta em quase sua totalidade por floresta tropical preservada, que, em maiores detalhes, é classificada de acordo com as definições fito-ecológicas estabelecidas pelo projeto RADAMBRASIL26. Uma vez que a classificação do RADAMBRASIL foi feita para a escala da bacia amazônica (5,4 milhões km2), foi necessário um sobrevôo com sensoriamento remoto para validar essa classificação para as escalas do projeto. O sobrevôo para referenciar geograficamente os pontos de diferentes vegetações e classe de usos do solo foi realizado em 08/03/2008 com um sistema de rastreamento via GPS. Durante o sobrevôo foi estabelecido que algumas áreas não 26 O Projeto RADAM, ou Projeto RADAMBRASIL, foi um grande programa governamental, que ocorreu nos anos 70 e 80, responsáveis pelo levantamento dos recursos naturais de todo o território brasileiro. A equipe que realizou este levantamento e todo o acervo técnico encontram-se, atualmente, incorporados ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. 114 estavam de acordo com a classificação apresentada no mapa de vegetação do RADAMBRASIL. Assim, os limites originais das classes de vegetação de RADAMBRASIL foram propriamente ajustados para as condições locais do projeto. Existem três tipos de vegetações mais importantes na área do projeto, como descritas abaixo: - Floresta Ombrófila Densa Submontana (Ds) As florestas densas cobrem tanto platôs de plataforma pré-cambriana como relevos dissecados em montes suaves e colinas. É a fitofisionomia da vegetação dominante na região sul da Reserva do Juma. Nos platôs, as florestas apresentam estrutura uniforme e com árvores grossas de altura superior a 40m, com ou sem palmeiras e lianas. Possui grande número de árvores emergentes, sem estrato arbustivo, mas com intensa regeneração de espécies arbóreas. Nas colinas e morros, a estrutura da floresta varia com o maior ou o menor grau de dissecação do relevo. A presença de árvores emergentes diminui proporcionalmente com a declividade do terreno. Estima-se que essa vegetação possua em média um estoque de carbono entre 135,77 tC por hectare e 184,71 tC por hectare, variando de acordo com as duas principais estimativas existentes na literatura27 - Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas (Db) Formação florestal dominante da região norte da Reserva do Juma, substituindo a Floresta Ombrófila Densa Submontana na direção sul-norte. Essa formação apresenta grupamentos de árvores emergentes nas elevações mais pronunciadas dos interflúvios. É significativa a presença de palmeiras que competem 27 Respectivamente dados do Primeiro Inventário Brasileiro de Emissões Antrópicas de Gases de Efeito Estufa do Ministério de Ciência e Tecnologia (2006) e levantamento da biomassa realizado por NOGUEIRA, E. M. et al, (2008) 115 em luz no estrato arbóreo superior. Estima-se que essa vegetação possua em média um estoque de carbono entre 139,49 tC por hectare e 184,31 tC por hectare, variando de acordo com as duas principais estimativas existentes na literatura. - Floresta Ombrófila Densa Aluvial (Da) Formação arbórea com palmeiras, caracterizada ao longo das margens do Rio Aripuanã e parte da região do Rio Acari no limite leste da reserva. Essa formação é característica das áreas inundáveis pelas cheias sazonais, ecologicamente adaptadas às intensas variações no nível d‟água, beneficia-se, no entanto, da renovação regular do solo decorrente das enchentes periódicas. Não constitui um ambiente clímax. Durante a época das cheias existe uma certa diminuição das atividades biológicas, podendo ocorrer dormência e seca fisiológica quando a inundação prolonga-se anormalmente. Estima-se que essa vegetação possua em média um estoque de carbono entre 139,49 tC por hectare e 172,95 tC por hectare, variando de acordo com as duas principais estimativas existentes na literatura (IDESAM, 2009, p.14,15,16). 116 Fonte: CEUC, 2010. Figura 19 (mapa) Tipos de vegetação encontrados na área do Projeto de RED da RDS do Juma. 117 3.5 Estoque de carbono As fontes utilizadas para definir o estoque de carbono das classes de vegetação do projeto são derivadas dos estudos do Ministério de Ciência e Tecnologia (2006) e NOGUEIRA et al. (2008), ambos baseados no Projeto RADAMBRASIL de 1978.28 Apesar de haver um consenso em usar a classificação de fito-fisionomias do RADAMBRASIL para as florestas amazônicas, existem diferentes opiniões sobre a estimativa de estoque de biomassa que deve ser utilizado para calcular a quantidade total de carbono existente na Amazônia Brasileira. Até recentemente, os valores apresentados no Primeiro Inventário Brasileiro de Emissões Antrópicas de Gases de Efeito Estufa, realizado pelo MCT em 2004 eram considerados os dados mais confiáveis. No entanto, desde sua publicação a comunidade científica realizou avanços significativos que permitiram melhorar as estimativas de estoque de carbono para biomassa para a floresta amazônica. Entre esses trabalhos vale mencionar NOGUEIRA et al. (2005, 2006, 2007, 2008a, b, c), que catalogou 602 árvores adicionais na Amazônia Central (NOGUEIRA et al., 2005) e Amazônia Meridional (NOGUEIRA et al., 2007). Os estoques de carbono considerados nas estimativas de biomassa de NOGUEIRA et al. (2007) consideram o volume de madeira inventariada de forma ajustada às estimativas de biomassa para diferentes tipos de floresta amazônica. Todas as estimativas foram aplicadas para gerar um novo mapa de biomassa para florestas na Amazônia Brasileira a partir das parcelas do RADAMBRASIL e os 28 Através do Projeto RADAMBRASIL, um total de 2.719 pontos foram utilizado para realizar o inventário de biomassa na Amazônia Legal Brasileira. Desses pontos, somente dentro da área do Projeto RDS do Juma foram alocadas 13 amostras (BRASIL, RADAMBRASIL, 1973-1983). As medidas tomadas em cada ponto para o cálculo de biomassa das diferentes fitofisionomias florestais incluíram todas as árvores com valor de CAP maior ou igual a 100 cm (i.e diâmetro à altura do peito – DAP – maior ou igual a 31,83 cm). 118 estoques de biomassa por tipo de floresta foram calculados para cada um dos nove estados da Amazônia Legal Brasileira. Desta forma, para a estimativa “ex-ante” dos estoques de carbono do projeto foram utilizados os valores de estoques apresentados por NOGUEIRA (2008). Estes valores são considerados como os mais precisos disponíveis para aplicação no projeto. Ainda assim, a título de comparação, foram também estimadas as emissões/reduções de emissões utilizando-se dos valores “default” do IPCC para estoques de carbono em Florestas Tropicais. Apesar dos dados do IPCC ser considerados mais conservadores para a estimativa de biomassa, seus valores subestimam o estoque de carbono das florestas Amazônicas, uma vez que foram gerados através de uma média entre diferentes florestas tropicais em diferentes regiões do mundo. Tendo em vista que NOGUEIRA et al. (2008) e o MCT (2006) fornecem valores confiáveis e específicos do local para os tipos de vegetação existentes na área do projeto, preferiu-se utilizálos no lugar dos valores padrões do IPCC. Uma medida conservadora foi utilizada, calculando-se a média das duas fontes para estimar os estoques de carbono para as classes de floresta presentes na área do projeto29 (IDESAM, 2009 p. 19, 20, 21, 75). Para efeito da contabilização das reduções de emissões de GEE do desmatamento com a implantação do projeto, a Reserva do Juma foi dividida em três áreas: a) Área de Creditação do Projeto de RED: toda a área de floresta que seria desmatada no cenário da Linha de Base na zona de implantação do projeto. b) Área de Exclusão da Fase 1 do Projeto de RED: caracterizada por áreas que seriam desmatadas no cenário da Linha de Base, mas cujo uso do solo, cobertura florestal ou situação fundiária não estão claramente definidos para a implantação do projeto, a saber: - Áreas desmatadas: De acordo com dados disponíveis do INPE a área total desmatada na Reserva do Juma se limitou a 6.493 hectares (1.18% da área 29 Maiores detalhes sobre a metodologia de calculo da biomassa e comparação dos diferentes estoques de carbono para biomassa acima e abaixo do solo dos tipos de vegetação encontrados na RDS do Juma ver o DCP, p. 22. 119 da RDS do Juma até junho de 2006.30 O pequeno percentual de desmatamento é encontrado principalmente nas áreas de uso comunitário, sendo causado pela prática de agricultura familiar e em áreas historicamente exploradas e degradadas, ao longo da estrada Novo Aripuanã-Apuí (AM-174), devido à extração de madeira ilegal por madeireiros não residentes na Reserva e grileiros pecuaristas. O projeto utiliza, como parte do Plano de Gestão da Reserva, um método participativo para a identificação e mapeamento da dinâmica de uso da terra para as áreas de uso comunitário manejadas diretamente pelas populações tradicionais residentes dentro da RDS (IDESAM, 2009 p. 25). 30 A quantificação do desmatamento utilizada para a área do projeto foi obtida pelo sistema PRODEX do INPE. 120 DESFLORESTAMENTO Fonte: IDESAM, 2009 Figura 20 (mapa) Áreas desmatadas observadas em Junho de 2006 na área do Projeto de RED da RDS do Juma. 121 - Áreas tituladas: Segundo avaliação prévia do Instituto de Terras do Estado do Amazonas – ITEAM existem, dentro dos limites do projeto, vinte títulos de propriedades privadas solicitadas ou sob análise para regularização fundiária, totalizando 15.038 hectares de terras potencialmente na reserva. Boa parte dessas propriedades não está legalmente cadastrada - há ilegalidade fiscal ou na aquisição – exigindo que sejam regularizadas ou re-apropriadas pelo Estado. Uma das ações prioritárias do projeto é a análise completa da legalidade desses documentos e a conseqüente aplicação de medidas que visem a regulamentação dos títulos. Como áreas privadas não pertencem ao Estado do Amazonas, suas florestas não serão contabilizadas para o projeto de carbono. No entanto, como as atividades realizadas nessas áreas podem impactar na área do projeto, elas também serão foco do projeto em seu plano de monitoramento. (IDESAM, 2009 p.25, 26) 122 Fonte: CEUC, 2010 Figura 21 (mapa) Localização das áreas com títulos definitivos e em processo de titulação no interior e no entorno da RDS do Juma. 123 Áreas sob influência da rodovia Apuí – Novo Aripuanã (AM 174): áreas com - cobertura florestal, mas que potencialmente já passaram por algum tipo de distúrbio, como extração seletiva de madeira, zonas desmatadas em regeneração etc. A delimitação dessas localidades tomou por base a área desmatada mais distante da rodovia, identificada pela Classificação de Imagem do PRODES, tendo uma zona tampão sido estabelecida em ambos os lados da rodovia. Houve, também, checagem das imagens de geoprocessamento do sobrevôo ocorrido em 2008. - Áreas de uso das comunidades: áreas atualmente em uso pelas comunidades ou que potencialmente serão utilizadas para agricultura de pequena escala, extração de madeira, manejo florestal e outras possibilidades de uso, o que poderia afetar o estoque de carbono no interior da Reserva.31 c) Áreas naturais cuja vegetação não é classificada como floresta, não cumprindo com a definição de Floresta Brasileira (cobertura de copa mínima de 30%; área de solo mínima de um hectare e altura de árvore mínima de cinco metros) (IDESAM, 2009, p. 49). Tabela 3 Descrição das áreas excluídas do Projeto de RED da RDS do Juma RDS do Juma Áreas excluídas Desmatamento Vegetação não-florestal Hectares 6,493 15,647 9,778 Rodovia AM-174 Área de Uso das comunidades 38,480 Propriedades privadas 15,038 Água 31,499 Total 116,935 Fonte: IDESAM, 2009. 31 A fonte destes dados é da SDS (2006) e os mesmos foram coletados através de um processo de mapeamento participativo com a comunidade para os Estudos de Criação da Reserva do Juma. 124 A Figura 22, a seguir, mostra as áreas excluídas do projeto seguida da tabela 2 com a descrição das áreas. AREAS EXCLUíDAS DO PROJETO DE REDD JUMA Fonte: IDESAM, 2009. Figura 22 (mapa) Localização das áreas excluídas do Projeto de RED da RDS do Juma. 125 3.6 Projeções da linha de base e adicionalidade do projeto Estima-se que 17% da cobertura florestal original da Amazônia já foi perdida. Como no passado, ainda hoje mais de 70% do desmatamento é resultado da conversão de floresta em pastagens extensivas de baixa rentabilidade. Historicamente, este desmatamento tem ocorrido principalmente nos municípios do Pará, Mato Grosso, Rondônia, Tocantins e Maranhão, que compõem a região de fronteira que forma o chamado “Arco do Desmatamento da Amazônia” (IDESAM, 2009). 126 Fonte: Greenpeace, 2007 Figura 23 (mapa) Desmatamento (em vermelho) e áreas protegidas na Amazônia brasileira. 127 Apesar de até os dias de hoje o Amazonas ter se mantido relativamente conservado, o decréscimo da cobertura florestal e a indisponibilidade de terras, devido à intensa ocupação da Região do Arco do Desmatamento, vêm conduzindo a uma visível tendência de migração para a região central da Amazônia de baixa densidade humana, principalmente para o Estado do Amazonas. Modelos avançados de simulação do desmatamento indicam que nas próximas décadas o Estado do Amazonas terá um rápido aumento em suas taxas de desmatamento. O SimAmazônia I, é considerado, por consenso na comunidade científica, como um dos modelos disponível para a previsão futura do desmatamento mais refinados para a região Amazônica. Segundo o mesmo, cerca de 30% da cobertura florestal no Amazonas poderá ser perdida até o ano de 2050 em um cenário convencional “business-as-usual”, emitindo cerca de 3,5 bilhões de toneladas de CO2 para a atmosfera. O modelo ainda indica que a região onde está localizado o município de Novo Aripuanã é altamente vulnerável ao desmatamento devido à dinâmica de expansão das fronteiras do desmatamento somadas a previsão de pavimentação de estradas. A projeção do SimAmazonia I, feita por SOARES-FILHO et al. (2006), apresenta oito cenários de desmatamento para toda a Amazônia até o ano de 2050. Um deles considera a manutenção do cenário convencional (BAU), com baixa governança e baseado nas taxas históricas de desmatamento da Amazônia, adicionando o efeito de drivers macroeconômicos, como a pavimentação prevista de rodovias, crescimento na produção pecuária e agrícola, crescimento populacional, entre outros. Especificamente para a região sul do Amazonas e no município de Novo Aripuanã, a pavimentação das rodovias BR-230 (Rodovia Transamazônica) e BR-319 (entre Manaus e Porto Velho) têm papel determinante em impulsionar o desmatamento para as áreas onde foi implantado o Projeto de RED da RDS do Juma. Como a simulação de SOARES-FILHO et al. (2006) foi feita antes da criação da Reserva, o cenário de BAU corresponde fielmente com a realidade em um cenário de linha de base, já que não são consideradas influências da criação da Reserva do Projeto do Juma (IDESAM, 2009 p.31, 32, 33). 128 Fonte: IDESAM, 2009. (baseado em dados do modelo SimAmazônia I). Figura 24 (mapa) Desmatamento Projetado no Estado do Amazonas para o ano de 2050 considerando o cenário convencional (BAU). Conforme pode ser verificado pela figura 26, as projeções do SimAmazônia I identificam as áreas onde a Reserva do Juma está localizada como altamente vulneráveis ao desmatamento. 129 Fonte: IDESAM, 2009. (baseado em dados do modelo SimAmazônia I). Figura 25 (mapa) Desmatamento projetado para as áreas do Projeto do Juma em diferentes estágios, de 2008 a 2050, considerando o cenário convencional BAU. Na ausência da implantação do projeto (no cenário BAU), o modelo mostra que o futuro provável é o desmatamento de 62% da área dentro dos limites do projeto, resultando na emissão de cerca de 210.885.604 toneladas de CO 2 para a atmosfera até o ano de 2050. SOARES-FILHO et al. (2006) considerou uma média de manutenção da vegetação de substituição ao desmatamento com 15% do estoque total de carbono da área desmatada. Esta estimativa na realidade é conservadora, visto que a tendência atual dos sistemas agrícolas na Amazônia é o 130 aumento da pressão populacional e intensidade no uso da terra ao longo do tempo, resultando em menor biomassa média na paisagem. Os valores de biomassa usados também são mais que o dobro daqueles atualmente utilizados pelo IPCC. Apesar de as emissões de outros GEE que não o CO2 na linha de base do Projeto de RED do Juma não chegarem a 15% do total de emissões, a porcentagem de emissões de CH4 e N2O no corte e queima da floresta é significativa, tendo sido necessário um ajuste adicional dos efeitos desses gases-traços. Com base nas previsões de emissões acima elucidadas, o beneficio financeiro de venda de carbono foi fortemente considerado na decisão da criação da Reserva Juma, sendo indispensável para a continuidade do projeto. Sem tal benefício não teria sido possível criar e estabelecer a Reserva Juma, assegurando assim o caráter adicional da implantação do projeto (IDESAM, 2009 p. 34, 35). 3.7 Cálculo de emissões De maneira ilustrativa a equação abaixo apresenta a lógica de cálculo da quantidade de reduções de emissões de CO2 esperada com a concretização do projeto. A metodologia utilizada pelo IPCC (2003) assume que as emissões líquidas são iguais às mudanças nos estoques de carbono na biomassa existente entre duas datas diferentes. A lógica utilizada neste projeto é a mesma da metodologia do MCT (2006) utilizada para o Primeiro Inventário Brasileiro de GEE. Assim, a fórmula pode ser resumida como: CRED = C_linha de base – C_projeto – C_vazamento Onde: C_RED = Redução Líquida de Emissões por Desmatamento. C_linha de base = emissões de CO2eq na Linha de Base (BAU). São as emissões resultantes dos dados de atividade instalada por hectare multiplicadas pelos estoques de carbono remanescentes em cada vegetação após o desmatamento (estoque de carbono original menos 14,25 tC/ha – vegetação em equilíbrio) mais 131 6,6% do impacto das emissões de CO2 por si só, para emissões de gases não carbônicos. C_projeto = emissões de CO2eq no cenário do projeto. Corresponde ao desmatamento medido pelo PRODES nos anos de 2006 e 2007. Para os anos seguintes foi estimado em 10% (buffer) do desmatamento total que aconteceria sem o projeto. C_vazamento = representa as emissões de CO2eq que ocorrem fora dos limites do projeto e podem ser atribuídas a ele. Esses números foram gerados com base nas previsões de desmatamento feitas pelo modelo SimAmazonia I, que prevê a quantidade e localização do desmatamento dentro da Reserva do Juma. Ante tal, adotando uma posição conservadora e assegurando benefícios, o projeto se responsabiliza por reduzir 90% do desmatamento previsto. Os 10% restantes podem ser mantidos como “segurança de carbono” no caso de desmatamento em pequenas áreas dentro da Reserva. Apesar das estimativas de Linha de Base ser consideradas robustas e conservadoras existem certas incertezas que podem afetar a geração de créditos de carbono. Assim, as emissões e os estoques correspondentes estão sujeitos a mudanças após o primeiro período de verificação em 2016, dez anos após o início do projeto, quando a linha de base será então revisada. Nessa oportunidade, caso o desmatamento da linha de base for diferente do previsto, a redução das emissões para o próximo período deverá ser recalculada. Se o desmatamento da Linha de Base for constatado como abaixo do previsto originalmente, o projeto deverá descontar a quantidade respectiva de VERs do próximo período de avaliação da Linha de Base. Se o desmatamento desta for constatado como maior que o previsto originalmente, o projeto poderá emitir a respectiva quantidade de VERs para esse período. Os cálculos da redução líquida ex post - após a verificação e contabilidade da redução do desmatamento - das emissões antrópicas de GEE é similar ao cálculo ex ante, com a única diferença de que as emissões ex ante projetadas para o cenário do projeto e vazamento são substituídos pelas emissões ex-post calculadas dos dados já levantados. No caso de haver diferenças na Linha de Base e de vazamento de carbono ajustada post facto (devido à melhoria ex post dos dados de 132 estoque de carbono, retirados dos impactos naturais, etc.), a linha de base estimada ex ante vai ser reposta pela linha de base post facto (IDESAM, 2009 p. 76, 77, 80). 3.8 Vazamento (leakage) Nenhum impacto negativo é esperado sobre o estoque de carbono fora do projeto uma vez que estratégias foram adotadas para evitar a migração da população e mudança no uso da terra. A implantação do projeto intenciona gerar “vazamento positivo” com previsão também de ações de redução de desflorestamento fora dos limites do mesmo - em áreas no entorno da Reserva. Estudos recentes sobre a dinâmica de desmatamento indicam que apenas a criação de uma Área de Proteção já promove uma redução do desmatamento nas áreas de entorno. Esse efeito foi observado na grande maioria das áreas protegidas criadas na Amazônia Brasileira, sendo que a “redução de desmatamento” gerada variou de 1 a 3% do tamanho da Unidade de Conservação. As atividades a serem realizadas fora da área do projeto afetarão diretamente os condutores e a dinâmica do desmatamento na região, como exploração de madeira e pastagens, grilagem, mineração, entre outros, Essas atividades abordarão diretamente os causadores e as dinâmicas de desmatamento da região, particularmente na “zona de entorno da RDS do Juma”. Essa será uma área definida como uma faixa de terra que circunda a Reserva com uma delimitação geográfica específica, cuja terra estará sujeita a termos e condições propriamente estabelecidas por lei. Os limites físicos da “zona de entorno” foram determinados como parte do Plano de Gestão da Reserva durante os anos iniciais de implementação do projeto. Normalmente, a área tampão é definida com uma distância mínima de 10 km do perímetro ao redor da Reserva (por ex. a zona de Reserva do Juma é de no mínimo de 494.318 ha). A área de entorno total será monitorada como parte do plano de monitoramento do projeto. 133 As migrações das comunidades dentro da RDS do Juma para outras partes da floresta bem como as imigrações para dentro da Reserva, serão monitoradas pelas atividades anuais do Programa Bolsa Floresta. Como medida de mitigação para garantir que os estoques de carbono das áreas de entorno não diminuam, o projeto se comprometerá com um investimento de no mínimo 10% do orçamento anual gerado pela venda de créditos de carbono (IDESAM, 2009 p. 83; TNC-IDESAM, 2009 p. 37). Quanto ao vazamento em escala nacional, o projeto não se alinha com nenhuma política de linha de base nacional, já que quando o projeto foi desenvolvido, bem como até o atual momento, nenhuma política a nível nacional foi definida (informação concedida e autorizada por Raquel Luna, colaboradora da FAS, via e-mail em 16/11/2010). Cabe aqui uma reflexão sobre a dimensão do efeito de vazamento nacional e seu conseqüente comprometimento, tanto na redução nacional de emissões de CO2 quanto para a garantia de beneficio da biodiversidade no âmbito nacional, no caso de projetos desvinculados de concretas políticas federais de contenção de desmatamento e preservação da biodiversidade. 3.9 Permanência e riscos do projeto Um excedente de proteção (buffer) de créditos (10%) foi estabelecido de acordo com a metodologia provida pelo VCS. Adicionalmente, um fundo permanente vai ser estabelecido com o objetivo de garantir um fluxo necessário de recursos para assegurar a implementação do projeto mesmo depois do período de credito. Um risco a ser considerado é o desmatamento continuar a ocorrer apesar de todos os esforços e medidas de redução. Outros, ainda, podem estar relacionados a eventos naturais extremos, como: fortes secas, queimadas e doenças. Como forma de resolver essa situação, o projeto se compromete a diminuir o desmatamento em 90%. Se for verificado que o projeto conseguiu reduzir 100% das emissões segundo 134 a Linha de Base, tal será creditado durante o período das certificações periódicas. (TNC – IDESAM, 2009 p. 37) 3.10 Monitoramento do impacto ao clima O monitoramento vai contemplar tanto os aspectos ambientais quanto sócioeconômicos do projeto. Para os reservatórios de carbono será realizada uma análise real do desmatamento do projeto a partir dos dados mais recentes do INPE/PRODES. O acompanhamento do desmatamento e da dinâmica do carbono exigirá (i) o monitoramento via satélite e (ii) o monitoramento in loco dos estoques pelas comunidades locais e por pesquisadores. A completa estratégia de monitoramento é composta por quatro componentes principais, conforme apresentado abaixo: Monitoramento via satélite pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – imagens do INPE/PRODES: O INPE desenvolveu o mais avançado sistema de monitoramento de desmatamento do mundo e torna as imagens disponíveis publicamente para consulta. Através desse sistema os implementadores participantes do projeto, assim como qualquer cidadão interessado, poderão monitorar o desmatamento seguindo os dados do INPE através de sua página na internet: http://www.obt.inpe.br/prodes/index.html; Monitoramento de dinâmica e estoques de carbono florestal: será estabelecida uma parceria entre a FAS/SDS e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) para o desenvolvimento de estudos analíticos e quantificação de fluxos e estoques de carbono nos diferentes reservatórios da biomassa florestal: 135 biomassa acima e abaixo do solo, serrapilheira, madeira morta fina e grossa e carbono no solo; Monitoramento participativo "in loco" (ProBUC - CEUC/SDS): a SDS desenvolveu o Programa de Monitoramento da Biodiversidade e Uso de Recursos Naturais - ProBUC (SDS, 2006), que está sendo implantado em Unidades de Conservação do Estado. A premissa do programa é o envolvimento das comunidades locais como forma de aumentar sua consciência ambiental e a conseqüente eficiência de monitoramento, e, também, despertar seu senso de responsabilidade para a manutenção da integridade dos ecossistemas, o que contribui para o bem-estar da própria comunidade. Programa de Vigilância: o programa de vigilância tem como objetivo envolver as comunidades no mapeamento das áreas ameaçadas, identificando os riscos que estão sujeitas e quais são as atividades agressivas atuantes. A partir disso, serão introduzidas medidas de controle pelo órgão gestor para garantir a fiscalização e a proteção dessas áreas, com o suporte do Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (IPAAM) (IDESAM, 2009, p. 84, 85). 3.11 Financiamento e sanidade financeira do projeto A Fundação Amazonas Sustentável, responsável pela coordenação geral do projeto e pelo desenvolvimento e assinatura do contrato com o setor privado, foi criada com a participação do governo do Estado do Amazonas para comercializar os serviços ambientais prestados pelas florestas das Unidades de Conservação (UCs) do Estado e para investir a totalidade dos recursos gerados por tais serviços na concretização de suas Unidades. A FAS possui um fundo permanente inicial de R$40 milhões, cujos rendimentos podem ser investidos em atividades consonantes com seus objetivos. Tal fundo foi criado com doações do governo do Amazonas e do Banco Bradesco. Outros investidores privados fornecerão fundos adicionais para as operações da FAS. 136 A sustentabilidade e independência financeira das UCs Estaduais é condição para o sucesso a longo prazo das políticas conservacionistas do estado. A geração de recursos através da comercialização dos serviços ambientais, como os estoques de carbono, tornou-se uma estratégia de grande importância. A concretização do Projeto Juma é um marco fundamental e estratégico na promoção da sustentabilidade financeira da gestão de UCs dentro do Estado. A execução deste projeto conta majoritariamente com os benefícios financeiros de carbono a serem gerados com a utilização de um mecanismo de RED no âmbito da Política Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC-AM). Exclusivamente para o Projeto de RED da RDS do Juma foi estabelecida parceria com a rede de hotéis Marriott International (MI), com o objetivo de desenvolver um mecanismo RED para “compensar” as emissões geradas por seus hóspedes ao redor do mundo. Como adiantamento de R$3,4 milhões para a execução das atividades pertinentes ao projeto, a FAS irá contribuir com R$500.000 - a serem gastos nos quatro primeiros anos da parceria com a MI (2008 – 2011). Adicionalmente, o Governo do Estado do Amazonas já desembolsou R$179.300, de 2005 a 2007, no desenvolvimento do projeto e até o fim de 2011 investirá mais R$797.59732 o que indica um potencial considerável de sustentabilidade a longo prazo. Baseado no contrato atual assinado pelo Governo de Amazonas, FAS e Marriott International, a rede de hotéis irá comprar os créditos de RED, gerados pelo projeto da RDS do Juma, pelo preço mínimo de US$1 por tonelada de CO2. Assim, o projeto de RED do Juma espera gerar, no mínimo, mais de US$3,6 milhões nos primeiros 10 anos e mais de US$ 89 milhões até 2050, através da venda de créditos de carbono de RED. Adicionalmente, um fundo fiduciário será criado para garantir a sustentabilidade do projeto. Tais fundos são recebidos por um doador com a 32 Para maiores detalhes veja Anexo XII do DCP. 137 restrição de que o principal não seja gasto, a fim de preservar o valor real (ou poder de barganha) do fundo fiduciário de ativos e assegurar o suporte anual desses ativos por um período infinito. A política do fundo segue o conceito de retorno total, considerando uma taxa média de gasto que é alocada para pagamentos do Programa Bolsa Floresta e outras atividades. O intuito é assegurar um fluxo de renda estável que acompanhe a inflação e não degrade o valor real do montante investido ao longo do tempo, garantindo a aplicação duradoura dos recursos necessários para suprir as despesas de manutenção da Reserva. Uma vez que os recursos esperados do mecanismo de financiamento de RED ainda não foram gerados, cabe aos investidores envolvidos na implantação do projeto, através de parcerias com a FAS, garantir o suporte financeiro necessário para a concretização efetiva das atividades planejadas de combate e monitoramento do desmatamento, de conservação da floresta e de desenvolvimento sustentável (IDESAM, 2009, p. 64, 65). 3.12 Período de creditação dos créditos de carbono O período de creditação do Projeto de RED da RDS do Juma se estende até 2050, mesma data do término da venda dos créditos de carbono. No entanto, uma vez que o principal papel do projeto é melhorar a qualidade de vida das comunidades, somado ao fortalecimento da capacidade produtiva através do fornecimento de ferramentas necessárias que permitam a elas gerar sua renda pelo uso de recursos naturais, espera-se que as atividades estejam em avançado nível de implantação a fim de que o projeto seja auto-sustentável a longo prazo. A data de início do projeto de RED da RDS do Juma é a da criação da Reserva - 3 de julho de 2006, assim como a do período de creditação. Ao longo deste haverá certificações periódicas, realizadas por uma organização do CCB. Essas certificações vão verificar se o carbono que permanece na Reserva está de 138 acordo com os valores esperados. Elas serão realizadas um ano após a obtenção da validação inicial e após esta, de dois em dois anos (IDESAM, 2009, p. 52). 3.13 Base legal do projeto Os elementos tratados no Projeto de RED da RDS do Juma, aos quais se busca atribuir valoração econômica como vetor de viabilização de proteção e manutenção da Amazônia, constituem em sua maioria intangíveis clássicos, cuja proteção é objetivo de toda a sociedade global. O Projeto atende aos princípios da prevenção, precaução, proteção, preservação, recuperação ambiental propostos na Declaração Rio Eco 92, assim como as bases e regulamentos firmados na Convenção sobre a Diversidade Biológica e na Convenção-Quadro sobre a Mudança do Clima através dos mecanismos econômicos já estabelecidos – com seus mercados, métodos e normas – e nos modelos ainda incipientes em seu processo de desenvolvimento. Adota-se ainda, para concepção do projeto sob sua vertente jurídica, o princípio do protetor-recebedor - instrumento de recente criação doutrinária - vetor de viabilização do Projeto e de iniciativas como a de RED, sob discussão e formatação no âmbito das discussões da UNFCCC. Já no âmbito interno, o Projeto atende aos princípios estabelecidos na Constituição Federal - tanto no caput do Artigo 225, uma vez que concorre para a busca do meio ambiente ecologicamente equilibrado, e no Artigo 224, Parágrafo I e III da Constituição Federal, na medida em que contribui para a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais - e agrega valor à manutenção dos atributos que justificaram a proteção do espaço territorial especialmente protegido denominado de RDS do Juma. Adicionalmente, o projeto enquadra-se também nos princípios estabelecidos pela Lei de Política Nacional do Meio Ambiente – Lei nº 6.938, de 31.8.1981, que declara em seu Artigo 2 ter como objetivos a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, tendo dentre seus princípios a proteção dos 139 ecossistemas, com a preservação de áreas representativas (Artigo 2º, Inciso IV) e a proteção de áreas ameaçadas de degradação (inciso IX). O Projeto foi criado no âmbito da Política Estadual de Mudanças Climáticas do Amazonas (PEMC-AM - Lei 3135 de Junho de 2007) e seu estabelecimento seguirá todos os requerimentos legais previstos, inclusive relacionados à operacionalização do mecanismo de compensação financeira por serviços ambientais, baseado na redução de emissões de gases de efeito estufa oriundos do desmatamento. O Governador do Estado do Amazonas assinou o Decreto nº 26.010, que criou a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Juma, em 03 de Julho de 2006. Sua implantação seguirá as regras do Sistema Estadual de Unidades de Conservação (SEUC), bem como as regras estabelecidas pelo mesmo, como determinado na Lei Federal nº 9.985 de 18 de julho de 2000. Segundo a Lei do SEUC, a efetivação da RDS do Juma deve seguir as diretrizes apresentadas pelo Plano de Gestão – documento que deve ser elaborado por equipe técnica competente e coordenado pelo Centro Estadual de Unidades de Conservação (CEUC), sendo aprovado em sua última instância pelo Conselho Deliberativo da Reserva. O Conselho Deliberativo é uma agremiação jurídica para a gestão da UC e deve ser constituído por lei, configurando a instância máxima para a tomada de decisões dentro da RDS do Juma e será composto por todas as instituições e atores locais relevantes no âmbito da reserva. Durante as etapas de criação do Projeto de RED da RDS do Juma, foi feito um intenso processo de consulta a todas as instâncias jurídicas e legais relevantes no âmbito do projeto. Além dessas consultas foi contratada uma análise jurídica independente, para verificar eventuais conflitos das legislações estaduais com outras normas e legislações de outros estados e federais, que concluiu não haver qualquer conflito legal para o desenvolvimento de projetos de RED como o proposto para a RDS do Juma. O simples fato de o projeto estar sendo proposto pelo próprio Governo do Amazonas confere garantia e obrigatoriedade de cumprimento legal (IDESAM, 2009 p. 67, 68). 140 3.14 Integração do projeto as políticas nacionais de REDD O Programa Nacional de Mudanças Climáticas previu uma redução de 40% no desmatamento na Amazônia para o final do ano de 2009, baseado nas taxas de desmatamento entre 1996 e 2005. A intenção é que de 2010 a 2013 outros 30% de desflorestamento Recentemente, seja o reduzido Governo em Federal relação anunciou os seu quatro intento anos de anteriores. diminuir o desflorestamento em 80% em 2020. O projeto Juma espera contribuir para essas metas de redução e gerar conhecimento que possa ser replicado em outras áreas, como MVR (monitoramento, reportando e verificação), distribuição de benefícios, envolvimento de comunidades, dentre outros. Desde o desenvolvimento do projeto nenhuma política, a nível nacional e internacional, sobre redução de emissões por desflorestamento foi estabelecida. Ressalta-se, assim, o caráter exclusivamente voluntário do projeto, apontando que as reduções de emissões dele decorrentes e os conseqüentes benefícios à biodiversidade não podem ser usadas para compensar emissões nem contabilizadas como parte de metas obrigatórias governamentais ou daquelas firmadas em tratados internacionais (TNC-IDESAM, 2009, p. 37). 3.15 Informações sócio-econômicas De acordo com o inventário feito em julho de 2008 existe uma população de 380 famílias morando em 43 comunidades dentro da RDS do Juma e arredores (Figura 28). São usuários diretos, em caráter permanente, da RDS do Juma uma população de cerca de 1.800 pessoas. A média de habitantes por comunidade / localidade é de 46 pessoas, predominantemente jovens. Não há relato de conflitos entre os moradores das comunidades localizada no interior da unidade (CEUC, 2010 p. 92). 141 Fonte: CEUC 2010. Figura 26 (mapa) Comunidades que habitam dentro e no entorno da RDS do Juma. 142 A maioria das famílias residentes dentro da área da RDS do Juma não possui títulos de terra ou documentação pessoal. As habitações são geralmente feitas de madeira com telhados construídos de amianto ou palha. Não existe sistema de saneamento básico ou sistema de coleta de lixo em nenhuma das comunidades. O lixo orgânico depositado naturalmente nos terrenos das casas é incorporado ao solo e o restante do lixo geralmente é separado e queimado. As famílias que não possuem geradores de energia dependem de lamparinas de querosene para iluminação. Todas as comunidades dependem da agricultura de subsistência (mandioca e fruticultura) e atividades de extrativismo (coleta de frutos, pesca e caça) para sua alimentação. A pesca e a caça são praticadas somente para subsistência, sendo os peixes a maior fonte de proteínas das comunidades. O sistema educacional é precário e seu déficit na RDS do Juma é bastante expressivo. Com base nos dados do Programa Bolsa Floresta (FAS, 2009) concluise que cerca de 22% da população com 6 (seis) anos ou mais é analfabeta; 3% foi apenas alfabetizada; 46% não completou o primeiro segmento do Ensino Fundamental; 16% apenas completou o primeiro segmento; 10% tem o Ensino Fundamental incompleto e menos de 2% cursou pelo menos uma série do Ensino Médio. A assistência à saúde dos moradores da RDS do Juma também é bastante deficiente. Não há visitas regulares de médicos, enfermeiros e dentistas para atendimento da população. Não existe nenhum sistema organizado de saúde para atendimento médico e a assistência básica emergencial é provida por agentes comunitários de saúde das próprias comunidades, com base em seus conhecimentos tradicionais ou treinamento dado pela Prefeitura local. Os problemas de saúde e doenças mais comuns são malária, diarréia, verminoses, desnutrição, gripes e hipertensão. Para o tratamento de problemas mais graves a única alternativa é o hospital da cidade de Novo Aripuanã, acessado por navegação em “rabetas” (canoas de madeira com motores de baixa potência) - meio de transporte usado para viagens curtas dentro e entre as comunidades (CEUC, 2010 p. 98, 99; IDESAM, 2009 p. 24, 25). No estudo preliminar de criação da Reserva mais da metade das famílias declarou possuir uma renda que varia de meio a um salário mínimo (cerca de 143 R$200,00 a R$400,00). Alguns poucos membros das comunidades informaram ter uma renda de até três vezes o salário mínimo (até R$1.200,00). As atividades econômicas mais importantes são a comercialização e a extração do óleo de copaíba, castanha da Amazônia e madeira e a produção de farinha de mandioca. Algumas famílias criam galinhas para consumo doméstico. As comunidades dependem da regularidade dos barcos regionais, que transitam ao longo do rio Aripuanã, para vender, comprar ou trocar bens (IDESAM, 2009 p. 24, 25).33 Extrativismo nas comunidades do rio Arapuanã 4% 4% 4% 17% castanha copaíba madeira 71% açaí cipó Fonte CEUC-SDS, 2009 Figura 27 (gráfico) Principais produtos extraídos da floresta nas Comunidades do rio Aripuanã. 33 As informações sócio-econômicas, assim como os dados de fauna e flora, de etno-caracterização da paisagem, da situação fundiária, de sítios arqueológicos e recursos naturais da RDS do Juma, trazidos no DCP, foram levantados a partir de uma excursão em campo realizada em Abril de 2005 por técnicos de diferentes instituições como a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SDS), Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (IPAAM), Conservação Internacional (CI), Instituto de Terras do Amazonas (ITEAM), Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA) e Universidade Federal do Amazonas (UFAM), buscando embasar o estudo de criação de uma Unidade de Conservação (UC) na região. Nessa expedição, questionários foram aplicados às comunidades, identificando problemas relacionados à saúde, transporte, educação, infra-estrutura, emprego e cidadania. Anteriormente à expedição, já haviam sido levantados dados preliminares da localização das comunidades e da fauna e flora, para direcionar os estudos de campo. Posteriormente a excursão, o processo de identificação das comunidades e caracterização de sua situação sócio-econômica foram refinados durante o registro das famílias no programa Bolsa Floresta. 144 3.15.2 Benefícios à comunidade Um dos esperados impactos do desmatamento no cenário “sem-projeto” é a redução da qualidade de vida das comunidades existentes na RDS do Juma. Estas comunidades são altamente dependentes da qualidade dos ecossistemas naturais para satisfazer suas necessidades básicas. O desmatamento projetado para ocorrer sem a criação e implementação da Reserva do Juma representaria a degradação significativa dos recursos disponíveis e dos quais as comunidades dependem, como por exemplo: extração de madeira para a construção de suas habitações e produtos não madeireiros para a economia doméstica (castanha da Amazônia, óleo de copaíba, fibras naturais e ervas - medicinais); redução da fauna sinergética e da pesca. Por outro lado, o processo de desmatamento gera conflitos sociais através da invasão de terras, que freqüentemente afetam as comunidades tradicionais residentes. Visto que muitos dos habitantes da Reserva não possuem títulos de terra regularizados, no cenário "sem-projeto" muitos deles seriam expulsos de sua propriedade - um processo já conhecido na Amazônia. Além disso, não se espera que sejam feitas melhorias no atual status de atendimento à saúde ou na promoção de oportunidades educacionais e econômicas sem uma intervenção maior do Governo do Estado. As condições atuais na região favorecem a migração dos habitantes em direção aos centros urbanos, como Novo Aripuanã e Manaus. Na economia urbana de Manaus onde grande parte dos empregos é disponibilizada pelo setor industrial, esses migrantes - com limitado grau de escolaridade e pouca especialização técnica - teriam pouca chance de melhorar sua qualidade de vida. Contrapondo esse cenário, o projeto visa trazer benefícios líquidos para a comunidade que serão mensurados por meio de uma ferramenta de indicadores sócio-econômicos considerada de grande importância para o desenvolvimento das comunidades. Por meio deste instrumento a população local identifica as condições reais da comunidade para cada um dos assuntos, tal como: educação, moradia, saúde, energia, coleta de lixo, água, esgoto, monitoramento ambiental, etc. 145 O projeto ainda busca promover a capacitação organizacional, administrativa e técnica para promover a gestão da Reserva pelos moradores locais, bem como assegurar seu envolvimento na tomada de decisões e implantação de programas de conservação e desenvolvimento sustentável. Dentre eles podemos citar: Programa de Agentes Ambientais Voluntários, Agentes de Saúde, Programa de Monitoramento da Biodiversidade e do Uso Recursos Naturais em Unidades de Conservação Estaduais do Amazonas – ProBUC, Gestão Florestal, Associação e Conscientização Ambiental. Serão oferecidos à comunidade local treinamentos, oficinas e eventos para trocas de experiências, para que tenham as ferramentas necessárias para melhorar sua capacidade de lidar com o ambiente de forma permanente e sustentável. Atualmente, como resultado da concretização do projeto, benefícios mensuráveis para as comunidades locais já podem ser observados. Desde maio de 2008, o Programa Bolsa Floresta (PBFF) - iniciativa que se consolidou como o maior programa de pagamento por serviços ambientais do mundo - contribuindo para a manutenção de cerca de 10 milhões de hectares de florestas. Em 2009 um total de 338 famílias da RDS do Juma recebeu o auxílio Bolsa Família, totalizando 1516 pessoas diretamente beneficiadas somente dentro da Reserva. Trata-se do pagamento de uma recompensa mensal de R$50,00 pago às mães de família residentes nas Unidades de Conservação, que estejam dispostas a assumir um compromisso de conservação ambiental e desenvolvimento sustentável. É um inovador mecanismo de recompensa e melhoria de qualidade de vida que envolve as populações tradicionais nas atividades de combate ao desmatamento e manutenção dos serviços ambientais prestados pelas florestas tropicais. O PBFF não é um salário e não pretende ser a principal fonte de renda das famílias, sendo primordialmente um complemento de renda pago a título de recompensa pela conservação da floresta. Além do Bolsa Floresta Família, o programa Bolsa Floresta Renda se destina ao apoio à produção sustentável na Reserva, entendendo que a produção sustentável é uma das melhores alternativas para o incremento da geração de renda e melhoria da qualidade de vida das populações tradicionais A meta é promover arranjos produtivos e certificação de produtos que gerem aumento do valor recebido 146 pelo produtor. São elegíveis para tal todas as atividades legalizadas que não produzam desmatamento. Na RDS do Juma o investimento gira em torno de R$118.375,00. Como exemplo pode-se citar a parceria que a FAS iniciou, na RDS do Juma, com o Centro de Sementes/ UFAM para treinamento de coleta de sementes nativas. Através de recursos oriundos do Bolsa-Floresta foram realizadas oficinas para instruir as comunidades – na técnica de rapel – para a coleta de sementes nativas no dossel das árvores, objetivando um mercado promissor nesta área. Outro destaque é a parceria com a Cooperativa de Manicoré (Covema) para a coleta de castanha, agregando valor ao produto final. Escolas, transporte emergencial (ambulanchas) e rádio-comunicação são exemplos de investimentos feitos com os recursos do Bolsa Floresta Social. Este programa é destinado à melhoria das áreas de educação, saúde, comunicação e transporte, áreas básicas para a construção da cidadania dessas comunidades. Trata-se de um investimento de R$118.350,00 somente para a reserva do Juma. O Núcleo de Conservação e Sustentabilidade Samuel Benchimol, construído na comunidade Boa Frente, em pleno funcionamento atendendo a 60 alunos de 16 comunidades do entorno e ainda outras duas escolas estão sendo construídas na Reserva. A FAS investiu também na compra de 28 geradores que irão atender comunidades da Reserva Juma, contribuindo para a eletrificação das mesmas. Fonte: CEUC, 2010 Figura 28 (foto) Esquerda: Escola Estadual J. W. Marriott Jr. Direita: Ambulância da comunidade Abelha. 147 O Programa Bolsa Floresta Associação promove a gestão participativa por meio do fortalecimento da organização comunitária, contribuindo para o exercício da liderança associativa nas reservas. Ele é destinado às associações dos moradores das Unidades de Conservação e equivale a 10%, em média, da soma de todos os pagamentos feitos por meio do Bolsa Floresta Família. Sua função é consolidar a organização e o controle social do programa e das organizações de base comunitária. O Projeto do Juma já conta com o apoio deste programa, com orçamento de R$52.080,00 entre 2009 e 2010. A implantação do projeto não espera acarretar impactos sociais negativos sobre as comunidades, nem dentro nem fora dos limites do Projeto da RDS do Juma. Os únicos com esse caráter poderiam ser decorrentes da perda de áreas de plantação, devido à limitação do desmatamento para agricultura como parte do estabelecimento do Programa Bolsa Floresta. Para lidar com esta questão o Programa Bolsa Floresta possui sub-programas que visam aumentar a produtividade e a efetividade, diversificando as atividades com base no desenvolvimento sustentável (FAS 2010, p. 23, 29, 31, 53, 58, 59; IDESAM, 2009 p. 38, 91, 98 -102). 3.16 Caracterização da fauna e flora local A caracterização da fauna da RDS do Juma abrangeu os principais grupos de vertebrados terrestres - mamíferos não-voadores, aves, répteis e anfíbios – e foi realizada a partir de uma síntese do conhecimento já existente (dados “secundários”), entre eles uma série de estudos de campo extensivos executados com o objetivo específico de conhecer a biodiversidade dessa região e subsidiar a criação de unidades de conservação, inclusive a RDS do Juma. Durante os estudos de criação da RDS do Juma, foram realizados inventários e diagnósticos de caráter pragmático sobre a biodiversidade existente dentro da área da Reserva. Com a implantação do Projeto esses inventários serão aprofundados, como parte dos 148 programas de pesquisa previstos para os diversos ecossistemas da Reserva.34,35 A área onde foi criada a RDS do Juma é tida de extrema importância para a biodiversidade, em especial para répteis, anfíbios e mamíferos, bem como para a fauna e flora aquática. A variedade de espécies na Reserva é excepcionalmente alta mesmo para o padrão amazônico, região onde se espera encontrar o maior número de espécies do mundo e citada como uma das áreas de maior interesse para a conservação da biodiversidade da Amazônia. Algumas características relevantes da reserva são: altos índices de riqueza de espécies, inúmeras novas espécies descritas cientificamente nos últimos anos, altos índices de endemismo nas margens do rio Aripuanã e regiões com tipos singulares de formações vegetais. Para se ter uma visão da importância desta área: vinte e uma espécies de primatas foram catalogadas, o que representa um dos maiores índices de diversidade de primatas do mundo; mais de um terço das espécies de pássaros brasileiros foram registrados como existentes dentro dos limites da Reserva do Juma. Neste contexto, o Rio Aripuanã foi identificado como um grande divisor da fauna, sendo o limite geográfico de distribuição de algumas espécies, especialmente primatas como o macaco-barrigudo (Lagothrix sp.), o macaco bugio ou guariba (Alouatta sp.), o macaco caiarara (Cebus albifrons), o macaco zogue-zogue (Callicebus cinerascens) e a cotia vermelha (Dasyprocta cristata), que ocorrem exclusivamente na margem direita do rio, enquanto o sagüi-anão-da-coroa-preta (Callibella humilis) e uma espécie distinta de zogue-zogue (Callicebus bernhardi) ocorrem apenas na margem esquerda. 34 A lista completa da fauna e flora registrada na RDS do Juma pode ser encontrada no anexo 14 do Plano de Gestão da RDS do Juma, 2010. Disponível em http://www.ceuc.sds.am.gov.br/downloads/category/9-planosdegestao.html 35 Tais estudos / dados descritos no DCP e no Plano de Gestão da RDS do Juma e aqui descritos, foram levantados por SDS (2005, 2007), COHN-HAFT, M. et al, (2007), van ROOSMALEN, M. et al, (1998, 2000, 2002, 2003, 2007), RÖHE, F. 2007, da SILVA M. et al. (2007), SOUSA, C., (2007), VOGT, R. et al. (2007) RAPP PY-DANIEL, L. (2007); MESQUITA et al.(2007). 149 Padrões semelhantes são encontrados para pássaros - um grupo que apresenta espécies-irmãs que se reproduzem criando novas espécies de híbridos, mas que mantêm os sub-grupos separados nas margens opostas do Rio Aripuanã, o que demonstra o papel deste como barreira de dispersão das espécies e sua contribuição para o potencial evolutivo da biota. Em répteis esse padrão de endemismo não era conhecido, mas a única espécie investigada até então - o pequeno lagarto Leposoma osvaldoi - mostrou populações diferenciadas em lados opostos do rio, sugerindo que o fenômeno é mais comum e generalizado do que o previsto. O caso mais espetacular de endemismo identificado até o momento é do macaquinho Callibella humilis, descrito há poucos anos, sendo que aproximadamente a metade da distribuição global da espécie ocorre dentro da Reserva. Outro caso importante é de Mico acariensis, cuja distribuição global está no entorno da Reserva (margem direita do Rio Acari). De forma geral quase todas as espécies da Reserva, com distribuição global muito pequena, têm sua ocorrência limitada por dois rios afluentes do Rio Madeira. Além do Callibella humilis alguns outros exemplos incluem: Mico manicorensis (Manicoré – Aripuanã), Mico chrysoleucus (Aripuanã – Canumã/Acari) e uma nova espécie de ave ainda não descrita: Herpsilochmus sp. (Machado/Jiparaná – Aripuanã). Este padrão de espécies de fauna terrestre com distribuições pequenas delimitadas por pequenos rios só é conhecido na bacia do Rio Madeira e seus afluentes. Esta é a característica que mais diferencia a fauna da região do Rio Aripuanã e que mais destaca a RDS do Juma como unidade de conservação de fauna. Outro fator que contribui para a alta diversidade de espécies é a especificidade da fauna para certos tipos de ambientes e a presença de tais habitats na Reserva. Isso é especialmente claro em aves, onde a avifauna de cada fitofisionomia principal difere das outras. A floresta de terra firme é a mais diversa em espécies da fauna, contendo mais da metade das espécies e a maioria das novas descobertas. Não existem evidências de diferenças na fauna entre florestas 150 classificadas como de terras baixas ou submontanhas. Por outro lado, cada variação sutil dentro da mata de terra firme afeta notavelmente a fauna, como exemplos as espécies de palmeiras presentes servem como indicadores da composição da avifauna. Campos naturais amazônicos (campinas e campinaranas) têm uma fauna própria, melhor conhecida em aves (com dezenas de espécies especialistas). A várzea (floresta ombrófila aluvial, apenas onde é alagada por água barrenta) ocorre na Reserva somente num pequeno trecho que abrange a margem direita do Rio Madeira e este ambiente acrescenta um número significativo de espécies à fauna da Reserva, principalmente aves como Brotogeris sanctithomae, Amazona festiva e Bucco macrodactylus. A relativa falta de áreas protegidas em toda a Amazônia localizadas em regiões de várzea fornece uma importância a mais para este canto da Reserva. Além dos habitats principais, micro-ambientes localizados - como cachoeiras e corredeiras e fases sucessionais de vegetação em bancos de areia ou sedimentos que ainda não foram mapeados, têm associações faunísticas fortes. Como exemplo, a espécie de andorinhão, Streptoprocne zonaris, nidifica somente em cachoeiras. Sua presença na Reserva provavelmente reflete a existência de colônias reprodutivas em cachoeiras do Rio Aripuanã ainda a serem identificadas. Outro exemplo são as praias ao longo do Rio Aripuanã, que são utilizadas para a oviposição dos quelônios Tracajá (Podocnemis unifilis) e Iaçá (P. sextuberculata) durante a época da seca. A fauna da bacia do Rio Aripuanã se destaca ainda em relação a do restante da Amazônia pela complexidade e riqueza das comunidades faunísticas específicas; isto é, além de ter uma extraordinária diversidade de espécies devido à presença de duas áreas de endemismo e a heterogeneidade de tipos de ambientes, certos grupos animais contêm mais espécies coexistindo nessas florestas do que em qualquer outro lugar na Amazônia. Por exemplo, em quase toda a Amazônia se encontra duas espécies de porcos-do-mato no mesmo lugar: uma de “caititu” e outra de “queixada”. No Aripuanã, existe uma terceira também: a recém descrita Pecari maximus. Tal fato, junto com outras evidências geomorfológicas, sugere uma história biogeográfica bastante complexa, quando comparada a outras regiões da Amazônia, no que diz respeito à dispersão e especiação na bacia do Rio Aripuanã. Nela, fatores 151 ambientais e históricos teriam conduzido de forma diferenciada os processos evolutivos. Apesar de pouco investigada, cada vez mais evidências apontam a favor da singularidade biológica da região em termos amazônicos e globais (CEUC, 2010, p. 82, 83; IDESAM, 2009 p. 27). - Aves A pesquisa de aves foi feita na área onde se localiza a RDS do Juma, em ambos os lados do rio Aripuanã e no lado oeste do rio Madeira. Foram feitas coletas visuais e auditivas, capturas utilizando redes de neblina e vocalizações. Algumas das espécies certamente não estão descritas e são endêmicas na região. Das 612 espécies de aves de ocorrência esperada na Reserva 398 já foram registradas dentro dos limites da UC; as outras contam com registros de um ou mais pontos ao redor da Reserva, sem separação por barreira que pudesse impedir sua ocupação. Isso representa metade da avifauna da Amazônia brasileira, um terço da avifauna de todo o Brasil, e a coloca entre as avifaunas mais ricas de qualquer unidade de conservação do mundo (CEUC, 2010 p. 80; IDESAM, 2009 p. 27). - Repteis e anfíbios Para a herpetofauna o esforço de coleta ainda insuficiente para amostrar as espécies presentes resultou em 43 espécies de répteis e 27 de anfíbios. Além disso, espécies novas de todos os grupos de fauna estão sendo descritas nesta região numa taxa acima do normal, sugerindo que ainda maior diversidade a ser descoberta (CEUC, 2010 p. 80). 152 - Mamíferos A avaliação e identificação de mamíferos foram realizadas com base na observação direta e indireta em campo (censo, registro de pegadas, vocalização, fezes e refúgios, em diferentes ambientes, tipos de vegetação e períodos do dia), entrevistas com os caçadores locais e pesquisas de dados de literatura. Setenta espécies de mamíferos não-voadores já foram registradas (cinqüenta desses de médio e grande porte), de 55 gêneros, 28 famílias e 10 ordens. A região é de alta prioridade para a conservação de mamíferos de médio e grande porte, com destaque para primatas como o sagüi-anão, cuja área de distribuição mundial é inferior a 3.000 hectares. Destaque pode ser dado às dezessete espécies de primatas que foram encontradas em alguns locais do interflúvio, das quais quatorze espécies foram identificadas na área do projeto. A área apresenta um excepcional endemismo deste grupo em particular e pelo menos cinco espécies potencialmente novas foram identificadas (CEUC-SDS, 2009 p. 35; CEUC, 2010 p. 80; IDESAM, 2009 p. 27). - Mamíferos Aquáticos Três espécies de mamíferos aquáticos foram registradas ao longo do estudo para a criação da Reserva do Juma: Sotalia fluviatilis (golfinho de rio cinza) e Inia geoffrensis (golfinho de rio vermelho); uma espécie de peixe-boi que ocorre em todos os rios da Reserva foi mencionada pelos habitantes locais. (Trichechus inungis) (IDESAM, 2009 p. 27). 153 - Peixes Considerando o tamanho da bacia amazônica, a ampla complexidade dos ecossistemas aquáticos e especialmente as vastas áreas de florestas inundáveis é esperado que ela apresente a maior diversidade íctíca do planeta, com um número estimado em torno de 2.500 espécies de peixes, o que representaria aproximadamente 8% do total existente no mundo, 30% da ictiofauna de água doce e 75% dos peixes continentais do Brasil. Os inventários de peixes realizados na RDS do Juma, utilizando diferentes técnicas (redes de bloqueio, redes de cerco, redes de espera - malhadeira, etc.), em pequenos igarapés, rios principais e florestas inundadas, resultaram em 43 espécies de 16 famílias diferentes. As ordens com maior número de espécies registradas foram: Characiformes (26 espécies) e Siluriformes (11 espécies) (CEUC, 2010 p. 85). - Quelônios e Crocodilianos Durante os estudos preliminares da RDS do Juma foi capturado apenas um macho jovem de tracajá (Podocnemis unifilis) - espécie comum de cágado na Amazônia - porém quatro espécies diferentes de tartarugas de rios (Podocnemis expansa, P. unifilis, P. sextuberculata e Callopsis punctularia) foram mencionadas pelos habitantes locais como freqüentemente ocorrentes em várias regiões da Reserva do Juma. Apesar de não terem sido amostrados, quatro espécies de crocodilianos também foram mencionadas pelos habitantes locais: Melanosuchus niger, Caiman crocodilus, Paleosuchus trigonatus e P. palpebrosus (CEUC-SDS, 2009 p. 35; IDESAM, 2009 p. 28). 154 - Flora O inventário florestal realizado na Reserva amostrou 358 espécies, sendo que 61 apresentam potencial para produtos madereiros e não-madeireiros. A vegetação muda de acordo com a variação do terreno e proximidade do Rio Aripuanã. As principais famílias existentes na área são Chrysobalanaceae, Leguminosae, Sapotaceae, Moraceae, Burseraceae e a Lecythidaceae, Algumas são usadas pelos próprios comunitários: Castanha-do-Brasil, Andiroba, Amapá e Copaíba. As espécies mais abundantes encontradas são o breu vermelho (Protium sp.), o matamatá (Eschweilera sp.), a Sumaúma (Ceiba petranda), o Açaí (Euterpe spp.), o Buriti (Mauritia flexuosa), o Angelim da mata (Hymenolobium petraeum), o Angelim Pedra (Dinizia excelsa), a Castanha da Amazônia (Bertholettia excelsa) e a Abioranas (Pouteria spp) - espécies também amplamente encontrado em outras áreas da Amazônia (CEUC-SDS, 2009 p. 35; CEUC, 2010 p. 77; IDESAM, 2009 p. 27, 28). 155 Fonte: SILVA, S. [200-?] (Samaúba) WWF, 2010 (Buriti); ARVORES DO BRASIL, 2010 (Copaíba / Andiro.) Figura 30 (foto) Árvores de grande ocorrência na RDS do Juma. Esquerda acima: Para dezenas de tribos indígenas a Samaúma (Ceiba petranda) é sagrada. Trata-se da mais alta árvore da Amazônia, chegando a 65 metros. Sua derrubada é indiscriminada e a madeira, apesar de ser considerada de baixa qualidade, é usada em compensados. Direita acima O Buriti, (Mauritia flexuosa), é uma palmeira robusta e elegante de 20-30 m de altura, de ocorrência em toda a Amazônia, Nordeste, Centro Oeste e Brasil Central. E fonte alimentar importante para os indígenas amazônicos e inúmeros produtos úteis do buritizeiro são aproveitados pelas populações ribeirinhas: bebida, sabão caseiro, material para casa, doces dos frutos, fécula da semente, dentre outros. O doce de buriti é o exemplo do produto mais comercializados desta árvore. Direita abaixo: A copaíba 156 (Copaifera sp) fornece o bálsamo ou óleo de copaíba, um líquido transparente e terapêutico, que é a seiva extraída de seu cerne. Os índios da Amazônia utilizavam o óleo para untar o corpo depois dos combates a fim curar as feridas. Os colonos descobriram outras aplicações, utilizando-o como antiséptico das vias urinárias e respiratórias, particularmente bronquites. Atualmente, seu uso mais comum é como antiinflamatório e anticancerígeno, sendo bastante procurado nos mercados regional, nacional e internacional. Esquerda abaixo: Da Andiróba é extraído o óleo amarelo-claro contido em sua semente, que deu origem ao nome desta árvore, que, em tupi-guarani, significa gosto amargo. Possui propriedades anti-sépticas, antiinflamatórias, cicatrizantes e inseticidas. Tres tipos de produtos florestais presentes na RDS do Juma são mostrados na figura 31 a seguir: Fonte: SELVA NORTE MADEIREIRA (madeira amazônica); ECOLOGIAONLINE (açaí); WWF, 2010 (castanha-do-pará). Figura 31 (foto) Exemplos de potenciais produtos florestais da RDS do Juma. Direta: Ripas de madeira amazônica. Entre espécies identificadas com os maiores índices de valor de importância (IVI) para exploração madeireira via manejo florestal sustentável na RDS do Juma estão as Breu-vermelho (Protium sp.), o Matamata amarelo (Eschweilera sp) e o Abiurana (Chrysophyllum amazonicum). 3 Estimado em, aproximadamente, sete milhões de m de madeira em tora, esse produto poderia ser usado para construção de moradias ou melhorias nas instalações das comunidades locais e o excedente incorporado na geração de renda local. Meio: O açaí (Euterpe spp) é uma espécie nativa das várzeas da região amazônica, especificamente da Venezuela, Colômbia, Equador, Guianas e Brasil (Amazonas, Amapá, Pará e Maranhão). É um alimento muito importante na dieta dos habitantes da Amazônia e seu consumo remonta aos tempos pré-colombianos. Hoje em dia é uma das frutas mais apreciadas na culinária nacional sendo cultivado também em diversos outros estados brasileiros. Esquerda: Um dos mais conhecidos símbolos da Amazônia, a castanha-do-Brasil (Bertholletia excelsa), também chamada de castanha-do-Pará, é a única semente de florestas nativas vastamente comercializada mundialmente e está em ameaça de extinção. Os imensos castanhais muitas vezes são a principal fonte de renda de comunidades amazônicas. 157 3.17 Ameaça a biodiversidade amazônica Entender a história do desmatamento na Amazônia é fundamental para prever o futuro desse processo sob diferentes prismas e identificar medidas eficazes para seu controle, evitando assim impactos nocivos a floresta e a sua dependente diversidade biológica. O Brasil tem uma longa história de tentativas fracassadas de controlar o desmatamento e mesmo já tendo sido possível constatar que os esforços de comando e controle - essencial para evitar a crença na impunidade entre os desmatadores - tiveram alguns efeitos positivos em alguns casos, essas ações por si só não são suficientes. As forças geradoras do desmatamento são igualmente importantes e precisam ser focadas e abordadas. Os motores que levam à perda da biodiversidade, como a fragmentação de ecossistemas, a introdução de espécies exóticas, a poluição, a caça e pesca predatórias além de outros, continuam atuando e não perderam força. A construção do arcabouço legal que trata da preservação do meio ambiente no Brasil não é nova, foi iniciada ainda no período colonial, época em que o cuidado com o meio ambiente estava estritamente relacionado a objetivos comerciais. Ao se centrar especificamente na biodiversidade verifica-se que foi principalmente nas últimas décadas que houve a construção de uma série de instrumentos legais e infralegais para garantir sua proteção. Em 1994, antes mesmo da ratificação da Convenção da Biodiversidade Biológica (CDB), o Brasil dispunha de uma série de leis que estabeleciam as bases do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama). O Código Florestal é um exemplo e estabeleceu alguns conceitos posteriormente consagrados na Ciência Ambiental, como a importância da preservação dos solos, das águas, da paisagem, da vegetação, da fauna e suas relações com os ciclos biogeoquímicos. Estabeleceu ainda normas como as de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e as Reservas Legais (RL), que garantiam a saúde ambiental da propriedade além de levar em conta a saúde econômica da produção. 158 A Constituição de 1988 reforçou algumas normas do Código Florestal e dedicou um capítulo ao meio ambiente, consolidando a preocupação com os direitos difusos e função social da propriedade. Posteriormente, varias outras leis e decretos solidificaram os conceitos trazidos pelo Código e algumas delas foram importantes para a implantação dos objetivos e compromissos da CDB: conservação e uso sustentável da biodiversidade e repartição dos benefícios decorrentes do uso dos recursos genéticos (Leis da Política Nacional do Meio Ambiente, 1981; dos Crimes Ambientais, 1998; do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, 2000; de Biossegurança, 2005; Decreto da Política Nacional da Biodiversidade, 2002 e o Programa Nacional de Diversidade Biológica - Pronabio, 2003). O Pronabio, mais tarde, coordenou a concretização dos compromissos da CBD no país A despeito da vasta legislação, assim como do Código Florestal, muitas das ferramentas jurídicas estiveram por anos no ostracismo, em grande parte devido à manutenção de uma lógica histórica, ainda vigente no país, de privatização dos benefícios e socialização dos prejuízos (BRITO, 2010). A atual política de redução do desmatamento no Brasil, lançada em 2008 e apresentada como Plano Nacional sobre Mudanças do Clima (PNMC), apesar do bom anúncio de objetivos quantificados de redução do desmatamento - algo inédito até então - não contém metas concretas, valendo-se apenas do termo “objetivos”. Além de seu caráter voluntário - fora dos compromissos formais da UNFCCC - a utilização da expressão “objetivos” não implica “conseqüências” caso o desmatamento ultrapasse o estabelecido e, tal, gera insegurança e incertezas quanto ao seu cumprimento em futuras administrações. O montante total de desmatamento permitido pela lei - para o período de 2009 a 2017 - é de 80.112 Km2 de florestas, quase três vezes o tamanho da Bélgica. Vale lembrar, ainda, que existem várias propostas em curso para alteração da legislação que define o percentual de floresta que pode ser desmatado, permitindo um significativo aumento no desmatamento legal. A potencial perda de grandes áreas de florestas, seja de forma legal ou ilegal, põe em risco a garantia de perpetuidade da riqueza da biodiversidade do Brasil (FERNESIDE 2010). 159 Como reflexo da fragilidade jurídica e institucional a floresta amazônica brasileira enfrenta uma série de ameaças que a poderá devastar ainda neste século se medidas eficazes não forem tomadas. Atualmente, as áreas de desmatamento presentes na Amazônia Brasileira se concentram no "arco do desmatamento", ao longo da borda sul e leste da floresta. Os atores envolvidos variam dos pequenos posseiros, que simplesmente se movem para a área da floresta desocupada e posteriormente ganham os direitos fundiários permanentes, aos grandes fazendeiros e "grileiros", que se apropriam de terras públicas por meios fraudulentos. Sistema este de forte ocorrência e de importante responsabilidade no desmatamento sendo que, diferentemente de muitos outros países tropicais em que tal é predominantemente realizado por pequenos agricultores, a maior parte da destruição da mata na Amazônia é realizada por agentes de grande e médio porte. O processo de passagem de terras do domínio público para o privado presente desde a colonização do país - intensificou-se, a partir 1960, com a abertura da rodovia Belém-Brasília e da Transamazônica em 1970, fatos esses geradores de um fluxo de pequenos posseiros que derrubou parte da floresta, subseqüentemente seguidos de grandes fazendeiros que se apossaram dessas áreas quer por compra ou por expulsão violenta. A década de 70 se caracterizou pelo estimulo governamental a ocupação da área e a partir de 74 passou a priorizar a ocupação por grandes fazendas via incentivos fiscais e financiamento em projetos aprovados pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Uma das lições da historia é que as estradas conduzem ao desmatamento, mesmo com planos bem intencionados como foi o caso da estrada BR-364 (CuiabáPorto Velho) e do Programa Polonoroeste no inicio dos anos 80, que visavam impulsionar a agricultura sustentável e a manutenção das florestas e que, contrariamente, levou à devastação de uma grande área de floresta em Rondônia. Estradas na Amazônia representam, além do mais, uma forte ameaça à fauna e à integridade ecossistêmica em geral, fatos estes bem documentados. Assim, a invasão do interior da área central da Amazônia pode ocorrer pela construção de novas estradas como pela proposta reconstrução da abandonada rodovia BR-319, que liga Manaus a Rondônia, rota impraticável desde 1988. Sua abertura será critica, favorecendo a migração do “arco do desmatamento” para as 160 redes de estradas atualmente isoladas no Amazonas e em Roraima. O plano de blindagem da rodovia BR-319, criando uma série de áreas protegidas ao longo da rota, poderá ser ineficaz já que as estradas laterais que figuram nos projetos do governo podem perfurar tal blindagem ao permitir que grileiros e sem terras avancem para o enorme miolo de terras públicas do estado do Amazonas. A construção de rodovias deflagra uma serie de forças e eventos que não possuem relação com os planos anunciados para promoção do desenvolvimento sustentável. Estradas ampliam o desmatamento dando acesso a imigrantes e empresários de todos os portes, valorizando a terra e levando à especulação imobiliária. Acarretam um incremento na rentabilidade da agricultura e exploração madeireira decorrente do transporte mais barato desses produtos e dos insumos utilizados para sua produção. Além disso, existe o efeito adicional de migração populacional ao longo das estradas quando os atores e os investimentos se deslocam pela malha viária já existente. A exploração madeireira, também associada à abertura de estradas, destrói a floresta, fornecendo recursos para financiar a conversão dessas áreas em pastagens. Nas últimas décadas, o cultivo de soja, assim como a criação bovina, foi adicionado às forças subjacentes do desmatamento (FEARNSIDE 2010). Outra pressão presente na biodiversidade Amazônica, especialmente sobre a fauna, é a caça (mamíferos, quelônios, jacarés e aves de grande e médio porte). O tráfico de animais silvestres é pouco documentado na Amazônia, mas deve ser previsto como possível coerção, ainda mais face ao forte apelo ao tráfico que é a descoberta de espécies novas e endêmicas. A pesca predatória também poderá levar à depleção de espécies de quelônios e grandes peixes de couro utilizados como alimento (CEUC-SDS, 2009 p. 35). A qualidade da água e o ciclo hidrológico dos rios da Amazônia têm papel crucial para a fauna terrestre que habita nichos alagáveis. Assoreamento, poluição, dragagem e barramento, por exemplo, são igualmente pressões que não devem ser desprezadas (CEUC, 2010 p. 84). 161 Enfim, as próprias mudanças climáticas globais muito provavelmente terão impacto incalculável na biodiversidade amazônica e aponta eminente e importante ameaça que deve ser considerada. Os modelos sugerem que até o ano de 2050 as temperaturas na Amazônia vão aumentar entre 2-3 ºC. Ao mesmo tempo, uma redução das chuvas nos meses naturalmente secos poderá gerar uma estiagem generalizada. Previsões de aumento de temperaturas e diminuíção de chuvas durante os meses de estio assinalam secas mais longas e severas, além de mudanças substanciais na sazonalidade. As tendências de destruição do bioma amazônico e sua interação com alterações climáticas geram grande preocupação quanto a possibilidade da Amazônia entrar em um conjunto de loops de feedback negativo, que acelerariam drasticamente o ritmo de perda e degradação das florestas, levando tal bioma a um ponto sem retorno, em um processo de progressiva substituição da floresta por savana. Dois principais fatores verificados justificam tal preocupação. O fenomeno El Niño / Oscilação Sul (ENOS) é um dos fatos que influencia muito a variabilidade climática na América Latina. Embora as alterações climáticas decorrentes dos eventos de ENOS sejam uma ocorrência natural, quando induzidas pelo homem tem sua frequência aumentada, o que poderá ocorrer no futuro. ENOS estão associados a condições de seca no nordeste do Brasil, norte da Amazônia, altiplano Peruboliviano e costa do Pacífico da América Central. Enquanto isso, o sul do Brasil e noroeste do Peru têm demonstrado condições excepcionalmente úmidas durante os eventos El Niño. O segundo fator é o próprio desmatamento, que além de remover a cobertura da floresta provoca uma mudança radical nos padrões de precipitação e distribuição das chuvas. A substituição das florestas por savanas e semi-arido ocasionada pelas alterações climáticas e pelo desmatamento tem sido denominada "die-back" da floresta amazônica. Embora o conceito ainda seja discutido no meio científico, alguns modelos de simulação de clima prevêem que tal die-back pode ocorrer até o final deste século. Para alguns cientistas, no entanto, este prazo pode ser otimista já que os modelos não incluem os efeitos sinérgicos do desmatamento, das mudanças no uso da terra e da alteração climática regional. Se esses fatores forem considerados, a previsão é de um cenário em que a seca poderá destruir ou 162 danificar gravemente 55% da Floresta Amazônica até o ano de 2030. (Nepstad 2008, Cox et al 2000, 2004, Nobre et al. 1991, Oyama and Nobre, 2003 apud WWF, 2011). 3.17.1 Espécies em perigo de extinção presentes na Reserva do Juma A RDS do Juma caracteriza-se como uma das poucas UCs em toda a região entre os rios Jiparaná/Machado (em Rondônia) e o Aripuanã, pertencentes ao centro de endemismo de Rondônia. Abrangendo cerca de 475.000 km2, dos quais 12,56% já foram desmatados, esta área abriga um alto número de espécies endêmicas e de ocorrência bastante restrita, algumas já sob ameaça de extinção. Visando um maior monitoramento das espécies ameaçadas existentes dentro da Reserva do Juma, primeiramente foram identificadas, em estudos prévios (como de van ROOSMALEN et al e COHN-HAFT et al, além do estudo preliminar para a criação da RDS do Juma), todas as espécies encontradas na Reserva.36 Após a identificação das espécies potencialmente presentes dentro dos limites da área do projeto, essas foram comparadas as listas de espécies ameaçadas do International Union for Conservation of Nature - IUCN37 e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais - IBAMA38, gerando uma lista de espécies ameaçadas do IUCN e do IBAMA para o Projeto de RED do Juma, conforme mostra a Tabela 3. É importante ressaltar que estas listas incluem em sua maioria mamíferos, os quais foram o principal foco do estudo do CEUC. Durante o Projeto 36 Apesar de alguns desses estudos não focarem precisamente na área do projeto, foram realizados na mesma área entre os rios Madeira e Tapajós, garantindo suas ocorrências também nas áreas do projeto. 37 A Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) das espécies ameaçadas, ou, em inglês, IUCN Red List ou Red Data List, foi criada em 1963 e constitui um dos inventários mais detalhados do mundo sobre o estado de conservação mundial de várias espécie de plantas, animais, fungos e protistas. A Lista Vermelha obedece a critérios precisos, para avaliar os riscos de extinção de milhares das espécies e subespécies em todas as regiões do mundo, com o objetivo de informar sobre a urgência das medidas de conservação. Para acessar a lista, visite http://www.iucnredlist.org/ 38 Para acesso a lista, visite http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=179&idConteudo=8110&idM enu=8617 163 serão conduzidas avaliações detalhadas de outros grupos diferentes de fauna e de flora da Reserva. Além disso, as listagens mencionadas não incluem algumas espécies endêmicas e nem outras espécies encontradas recentemente na Reserva e na região do projeto, que poderiam certamente ser ameaçadas sem a realização do Projeto (FERNSIDE, 2010; IDESAM, 2009 p. 29, 30, 105). Tabela 3 Lista de espécies ameaçadas da lista da IUCN encontradas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Juma. Grupo/Ordem/Espécies Categoria IUCN* Categoria IBAMA** MAMÌFEROS Carnívora Leopardus tigrinus (gato do mato) VU Vulnerável Panthera onca (onça pintada) NT Vulnerável Pteronura brasiliensis (ariranha) EM Vulnerável Speothos venaticus (cachorro vinagre) NT Vulnerável Atelocynus microtis (cachorro do mato NT Não Listada Saimiri ustus (mona esquirol brasileira) NT Não Listada Lagothrix cf. cana (macaco-barrigudo) EM Não Listada Chiropotes albinasus (Cuxiú-de-nariz-branco) EM Não Listada Callibella humilis (sagüi anão) VU Não Listada Ateles belzebuth (macaco-aranha) EM Vulnerável VU Vulnerável Myrmecophaga tridactyla (tamanduá-band.) VU Vulnerável Priodontes maximus (tatu-canastra) VU Vulnerável VU Não Listada de orelhas curtas) Primates Sirenia Trichechus inunguis (peixe-boi) Xenarthra Perissodactyla Tapirus terrestris (anta) AVES Falconiformes 164 Harpia harpyja (harpia) NT Não Listada Podocnemis unifilis (tracajá) VU Não Listada Podocnemis sextuberculata (Iaçá) VU Não Listada Chelonoidis denticulata (jabuti tinga) VU Não Listada VU Vulnerável EN Em perigo Repteis Testudinidae FLORA Lecythidales Bertholletia excelsa (castanheira do Pará) Laurales Aniba roseodora (pau rosa) *NT- Near treatned, LC – least concerned, EN - endangered, VU-vulnerable, 2010 **Ultima lista oficial divulgada pelo IBAMA em 2003. Fonte: IDESAM, 2009. Fonte: SOCIEDADE SUSTENTÁVEL, 2010 Figura 32 (foto): O Pau Rosa (aniba roseodora) é uma árvore de grande porte utilizada para a extração de seu óleo essencial na fabricação de perfumes finos. No Channel n.º 5, um dos estimados oitenta ingredientes da fórmula ainda é o óleo essencial do pau-rosa. Para se obter, em média, dez quilos de essência, é necessária a derrubada e trituração de uma tonelada de pau-rosa. O pau-rosa faz parte da lista do Ibama de espécies em perigo de extinção. Estima-se que em décadas de exploração, mais de oitocentas mil árvores tenham sido derrubadas no país. A espécie, que ocorre no Equador, na Colômbia, na Guiana, na Guiana Francesa, no Peru, no Suriname, na Venezuela e no Brasil, foi intensamente explorada nos Estados do Amapá e do Pará, onde os estoques comerciais foram praticamente esgotados. Atualmente, o pau-rosa é explorado exclusivamente no Estado do Amazonas. 165 Fonte: ZOOLÓGICO DE SÃO PAULO, 2010 Figura 33 (foto) O cachorro vinagre Speothos venaticus é da Família Canidae e são os menores canídeos silvestres do Brasil, podendo chegar ate 8 quilos. São os mais sociais dos canídeos brasileiros, podendo reunir-se em matilhas familiares e hierarquizadas de 4 a 10 indivíduos. São animais que capturam pequenas presas como insetos, mas quando em grupos capturam pacas, gambás, patos, rãs e cutias. Apesar de possuir ampla distribuição pela America do Sul, é uma espécie rara e pouco se sabe sobre a biologia desta espécie fora de zoológicos ou criadouros. Fonte: AMBIENTE BRASIL, 2010 SEApic, 2010. Figura 34 (foto) Animais em risco de extinção presentes na Reserva do Juma. Direita: macaco prego (Ateles belzebuth). Direita acima: peixe boi (Trichechus inunguis). Direita a baixo: filhotes de ariranha (Pteronura brasiliensis). 166 A Reserva apresenta relativamente poucas espécies listadas, nacionalmente ou internacionalmente, como ameaçadas. Onze são encontradas: oito espécies de mamíferos e três de quelônios comestíveis (tracajá - Podocnemis unifilis, iaçá – Podocnemis sextuberculata e jabuti tinga - Chelonoidis denticulata). Dos mamíferos, quatro (anta – Tapirus terrestris, peixe-boi - Trichechus inunguis, tatu - Priodontes maximus, ariranha – Pteronura brasiliensis) são espécies de grande porte e ampla distribuição no Brasil, provavelmente com populações saudáveis em níveis naturais dentro da Reserva. As outras são de primatas com distribuições restritas. As espécies de grandes macacos (Chiropotes albinasus, Ateles sp., Lagothrix sp.) são consideradas “em perigo” e a minúscula Callibella humilis como “vulnerável”. Não há nenhuma espécie de ave listada como “vulnerável” ou “ameaçada” registrada na Reserva. O raríssimo tamnofilídeo Clytoctantes atrogularis, listado pela IUCN como “vulnerável”, foi registrado no baixo Rio Roosevelt (afluente do médio Aripuanã) e no Rio Sucunduri, provavelmente ocorrendo no sul da Reserva. O número baixo de espécies oficialmente ameaçadas se deve à condição predominantemente intacta e saudável do ambiente natural da região. Entretanto, a contínua descoberta de espécies novas e endêmicas, com distribuições geográficas muito restritas, aumenta a probabilidade de que alguma mudança antrópica na região venha a ameaçar essas populações naturalmente pequenas. Reconhecimento de endemismo nos “mini interflúvios” entre os rios Madeira e Tapajós faz com que populações, ainda não reconhecidas na literatura como espécies distintas, possam estar sofrendo pressões não detectadas nas análises tradicionais (CEUC, 2010, p. 82, 83). A área do projeto e outras do interflúvio dos rios Madeira e Tapajós foram classificadas como de alta importância biológica pelo Seminário de Avaliação e Identificação de Ações Prioritárias para Conservação, coordenado pelo Ministério do Ambiente. Poucos estudos e inventários de biodiversidade, porém, foram realizados nessa região que é de grande importância para mamíferos, aves, répteis e fauna aquática. É necessário, portanto, um esforço inicial para identificação das espécies ocorrentes na área - muitas delas raras e restritas à região - que correm o risco de extinção antes mesmo de serem descritas e classificadas. 167 Aves raras, pouco conhecidas ou desconhecidas e recentemente descritas foram registradas por COHN-HAFT et al. (2007). As espécies Micrastur mintoni, Touit huetii e Gypopsitta aurantiocephala, recentemente descritas, são pouco conhecidas e as últimas duas estão ausentes na maior parte da bacia Amazônica e foram encontradas diversas vezes nas margens do Rio Aripuanã durante a pesquisa. Aproximadamente 100 indivíduos de Streptoprocne zonaris foram observados no mesmo rio, possivelmente representando a primeira população residente na Amazônia, com prováveis ninhos em suas quedas d‟água. Espécimes de Avocettula recurvirostris, muito pouco conhecida, representaram apresentaram um de seus poucos registros na Amazônia. O registro de Eubucco richardsoni aumentou a ocorrência desta espécie. Também na parte baixa do Rio Aripuanã viu-se a maior ocorrência do táxon Capitonideae para toda a Amazônia (4 espécies). Duas novas espécies do gênero Herpsilochmus e uma do Cyanocorax foram encontradas, uma em cada margem do Aripuanã. Conopias parvus e Hemitriccus minimus, consideradas raras, foram frequentemente e amplamente encontradas na área. Fonte: WWF, 2009. Figura 35 (Foto) Espécie recém descoberta (2002) e ainda pouco conhecida, o Micrastur mintoni (falcão críptico) possui distribuição pela região sudeste da Amazônica no Brasil e Bolívia. 168 Em algumas regiões do interflúvio foram identificadas 17 espécies de primatas dentre 10 gêneros, alguns endêmicos e outros considerados ameaçados. Na área do Projeto foram observadas, igualmente, 21 espécies de primatas. Para a avifauna, foi recentemente encontrada uma nova espécie do Gênero Herpsilochmus (Família Thamnophilidae), e, no mínimo, classificadas mais sete outras endêmicas. Nela há ocorrência de alta diversidade de répteis, incluindo espécies recentemente descritas, outras raras como Anolis phyllorhinus, e várias dos gêneros Phyllomedusa e Phrynohyas, ou que são raras em outras regiões e que ali são freqüentes. Todas as espécies serão alvo de medidas de conservação, estando elas listadas ou não. Assim, o rol de espécies ameaçadas não inclui algumas das endêmicas recentemente encontradas na região, que estariam absolutamente ameaçadas se considerarmos que elas são, até agora, consideradas endêmicas à reserva. Uma análise detalhada dos grupos de fauna e flora será realizada ao longo do primeiro ano da realização deste projeto. A concretização do programa ProBUC irá permitir a identificação dos refúgios das espécies ameaçadas. Estes lugares receberão uma atenção especial e serão excluídos das atividades mais impactantes. Seu monitoramento sistemático permitirá não só uma avaliação quantitativa de sua ocorrência na Reserva, mas também um estudo de sua dinâmica populacional (IDESAM, 2009 p. 106, 107, 108). 3.18 Benefícios para a Biodiversidade A Reserva do Juma é uma área de alta riqueza em biodiversidade, com uma série de espécies endêmicas e outras de recente descoberta. Com a previsão da perda de 65% da sua cobertura florestal original, toda a flora e fauna que nela habita área seria dizimada, resultando em uma drástica baixa de biodiversidade local que ameaçaria de extinção algumas espécies com distribuição restrita à região. Espécies endêmicas são especialmente suscetíveis aos efeitos degradantes do desmatamento, uma vez que seus habitats são reduzidos e fragmentados. Desta 169 forma, estariam sujeitas a perder grande parte de sua população. A perda de diversidade genética, pela redução das populações e isolamento em fragmentos, aceleraria a extinção de espécies. A fragmentação florestal, por sua vez, provoca “efeitos de borda” que potencializam os impactos do desmatamento e podem se estender quilômetros adentro da floresta. Os “efeitos de borda”, incluindo variação na umidade, luminosidade e temperatura, alteram o habitat e causam, dentre outros efeitos, alta mortalidade de árvores e redução do número de espécies animais. A fragmentação florestal contínua em pequenos fragmentos anuncia um efeito nocivo em cascata para a sobrevivência de espécies mais suscetíveis já que gera a perda das interações biológicas associadas. Os estudos assinalam que uma perspectiva futura “sem projeto” representaria um real desastre para a biodiversidade na área do Projeto. Em contrapartida um cenário “com projeto”, no qual haverá recursos necessários para garantir a conservação e o desenvolvimento sustentável, a expectativa é de que quase toda a área seja conservada, com benefícios líquidos concretos à biodiversidade (IDESAM, 2009 p. 39). O Projeto, além do mais, possibilitará a implantação do sistema de monitoramento ProBuc (CEUC) dentro de sua área e também nas de entorno. Esse sistema objetiva o monitoramento da biodiversidade e recursos naturais, respeitando a premissa maior de envolvimento dos habitantes das comunidades da Reserva como forma de evidenciar a importância e a responsabilidade de suas funções na manutenção da integridade do ecossistema. Tal monitoramento conta com um orçamento de R$190.000,00 e um dos principais resultados positivos gerará para a área do projeto será a identificação dos impactos negativos à biodiversidade, visto que, sem o monitoramento desta, é impossível levantar informações que permitam a sua melhor gestão e conservação (IDESAM, 2009 p. 105). Como garantia dos benefícios para a conservação da biodiversidade, o Projeto de REDD da RDS do Juma foi submetido e validado, em 2008, seguindo os critérios da certificação CCBA emitido pela certificadora alemã TÜV SÜD, que concedeu ao projeto o padrão de qualidade OURO - o primeiro do mundo a ser 170 incluído nesse padrão. O CCBA também fará a validação do projeto sob o padrão VCS (FAS, 2010). 3.18.1 Monitoramento dos Impactos na Biodiversidade O Plano de Monitoramento seguirá as diretrizes do ProBUC, que se baseiam no monitoramento da riqueza das espécies animais (mamíferos, pássaros e répteis, bem como de produtos associados, como ovos e couro) e vegetais (produtos madeireiros e não-madeireiros) utilizadas pelos comunitários. Assim, se a população dessas espécies estiver em declínio, ações de manejo e proteção serão instauradas visando sua conservação. O monitoramento tem por objetivo gerar o conhecimento necessário para subsidiar propostas para a gestão apropriada dos recursos naturais. Os objetivos específicos do ProBUC são: Sensibilizar os comunitários residentes na UC sobre a relevância do monitoramento do uso de recursos naturais para o estabelecimento de normas de aproveitamento dos mesmos sob bases sustentáveis; Capacitar comunitários residentes na UC para atuar como monitores de biodiversidade: recenseadores, monitores de tabuleiros de quelônios, monitores de fauna e monitores pesqueiros; Monitorar espécies aproveitadas e com potencial de aproveitamento pelas comunidades: fauna sinergética (mamíferos, aves e quelônios), espécies de peixes comerciais, espécies vegetais madeireiras e não-madeireiras; Monitorar espécies de “interesse especial”: espécies em situação de perigo crítico, perigo ou ameaçada de extinção (segundo as listas da IUCN e do IBAMA), espécies-carismáticas e espécies “de conflito” - que causam perda econômica ou “competem” por recursos: p.e. jacarés (Melanosuchus niger e Caiman crocodilus), boto (Inia geoffrensis) e tucuxi (Sotalia fluviatilis); 171 Monitorar o uso do solo e modificações na cobertura vegetal; Monitorar o trânsito de embarcações na área da reserva. O método utilizado pelo monitoramento é participativo, desde sua concepção até a avaliação dos resultados obtidos e discussão de novas propostas. Dentre os monitores, que serão capacitados para exercerem sua função, estão: Monitores de fauna: registra a presença e quantidade de animais na floresta; Monitores de pesca: coleta dados da produção, mercadologia e venda de peixes no município; Monitores de trânsito de embarcações: levanta dados do trânsito de barcos em ponto estratégico nas Áreas Protegidas; Monitores recenseadores: Coleta semanalmente informações sobre a utilização de recursos naturais. A coleta de dados pelos membros das comunidades será registrada em fichas disponibilizadas pela equipe técnica, que permitirão a padronização das informações coletadas e permitirão seu arquivamento e processamento. Além disso, o programa irá contar com o apoio de pescadores-colaboradores que irão auxiliar nas pesquisas científicas que forem de interesse e no diagnóstico do uso de recurso. A equipe técnica do programa, com apoio do CEUC/SDS, é responsável por validar as informações, dar entrada na base de dados, monitorar o sistema e coordenar a logística do programa. Conjuntamente ao monitoramento do ProBUC serão conduzidos estudos científicos, com objetivo de monitorar a biodiversidade com maior exatidão, bem como aumentar o conhecimento sobre espécies recém descobertas e aquelas que ainda não foram estudadas. Dessa forma, será possível ter a mesma base de comparação entre dois dados e obter resultados mais precisos sobre sua evolução ao longo do tempo. Levando em conta que o Projeto de RED da RDS do Juma irá conservar e proteger as espécies ameaçadas ao manter e conservar seu habitat natural, suas listas (IUCN e Ibama) serão periodicamente revisadas como parte do plano de monitoramento e, quando necessário, atualizadas. Dessa maneira, será possível saber se a conservação da floresta está provocando reais benefícios para a 172 biodiversidade ao proteger as espécies que já foram ameaçadas, evitando a inclusão de novas espécies na lista. Um dos pressupostos do projeto é de que as pesquisas científicas sobre a biodiversidade na RDS do Juma (por exemplo, ecologia das espécies, dinâmica de populações, etc.) subsidiaram o Plano de Gestão, bem como melhorias que se fizerem necessárias, auxiliando a identificação das necessidades e oportunidades para as próximas investigações e atividades de monitoramento. O conhecimento sobre o status de conservação das espécies ameaçadas dentro e nos arredores da Reserva será aprimorado, o que levará a medidas específicas de proteção de tais espécies, bem como possibilitará uma visão geral da disponibilidade das espécies exploradas. Esses dados podem ajudar a gerar medidas para instrução das comunidades sobre como usar os recursos naturais de forma sustentável, sem afetar suas necessidades e tão pouco os recursos (IDESAM, 2009 p. 110, 111, 112, 116). 3.19 Potenciais impactos negativos a biodiversidade Não é esperado nenhum impacto negativo na região de implantação do projeto. Na RDS do Juma, as únicas áreas existentes com espécies exóticas são pequenas pastagens (família poaceae) utilizadas para criação de gado em escala familiar e que já estavam inseridas no cenário “sem projeto”. Ademais, o projeto está fortemente baseado na conservação e manejo dos ecossistemas naturais e das espécies nativas e não existe previsão de utilização de nenhuma espécie exótica. Fora isso, com a realização do Projeto e de suas atividades de capacitação, as comunidades poderão utilizar técnicas ambientalmente corretas, ou mesmo substituir as pastagens exóticas por nativas ou por outro tipo de atividade. Caso o manejo de qualquer recurso natural seja promovido dentro da Reserva, como parte do incremento da renda das comunidades, ele estará de acordo com as regras e leis, bem como seguirá rigorosamente os procedimentos de sustentabilidade para prevenir a super-exploração de espécies. Fato este também garantido pela Legislação Federal e Estadual não permite a introdução de espécies 173 geneticamente modificadas nas Unidades de Conservação e áreas de entorno (IDESAM, 2009, p. 106). 3.20 Impactos na Biodiversidade Externos à Área do Projeto e Efeito Liquido O alcance da implementação do Projeto de RED da RDS do Juma não está restrito apenas à região interna dos limites da Reserva, mas inclui localidades de amortecimento no entorno da mesma, que são inseridas no programa de monitoramento do ProBuc. Com esse cuidado, o Projeto, certamente, causará apenas impactos positivos na área externa a seus limites. Além do mais, o programa de fiscalização irá gerar subsídios para evitar nessa área impactos negativos, como aqueles causados pelo corte ilegal de madeira e desmatamento. Dessa forma, a biodiversidade da área de entorno também se beneficiará da conservação dos seus recursos naturais. A simples conservação do ecossistema florestal na RDS do Juma já implica no conseqüente cuidado da fauna, dos processos ecológicos de dispersão e polinização e dos solos, e estenderá tal manutenção também às áreas fora do Projeto. Esse zelo garante a preservação de reservatórios genéticos de populações animais e vegetais, bem como a presença de um micro-clima favorável e menos susceptível à ocorrência de incêndios e subseqüente dessecação e morte das árvores da floresta do entorno, que acarreta diminuição da riqueza da comunidade arbórea. Os “efeitos de borda” causados pelo desmatamento no cenário “sem-projeto”, alterariam o habitat das florestas das áreas de entorno do Projeto, causando, dentre outros, alta mortalidade de árvores e redução do número de espécies animais. A sedimentação dos corpos d‟água e contaminação por agrotóxicos que acompanham comumente as atividades de agropecuária na perspectiva “sem projeto” também não ocorrerá. 174 Assim, com a manutenção da qualidade ambiental, a produtividade dos rios Aripuanã e Madeira a jusante da área do Projeto estará assegurada. O Projeto assegura, ainda, que toda atividade impactante da biodiversidade da Reserva e de seus arredores receberá atenção imediata e apropriada (IDESAM, 2009, p. 109, 110). 3.21 Benefícios para o meio ambiente A RDS do Juma está locada em grande parte na região a jusante da bacia do Rio Aripuanã, em um complexo de florestas, rios, igarapés e lagos. Se 75,4% da área dessa bacia fosse perdido em razão do desmatamento, como previsto pelo cenário BAU para a área do projeto (SOARES-FILHO et al., 2006), haveria um significativo impacto na dinâmica do ciclo hidrográfico da região. A floresta exerce papel fundamental na manutenção das chuvas, uma vez que contribui com a distribuição das precipitações para todo o sudeste do continente sul-americano e, também, parte da América Central e do Norte. Uma das conseqüências da conversão maciça da floresta amazônica em pastagem seria a diminuição da pluviosidade na Amazônia e regiões vizinhas, já que metade dela deriva da água que é reciclada pela floresta através da evapotranspiração. O solo também seria atingido, já que os desmatamentos deixam as superfícies desprotegidas e, conseqüentemente, mais susceptíveis à erosão e perda da camada de matéria orgânica naturalmente concentrada na periferia do substrato, que é de grande relevância para sua fertilidade e manutenção da microbiologia. A serrapilheira, os caules e as ramagens diminuem o escoamento superficial enquanto as raízes das árvores aumentam a porosidade do solo e a absorção e a infiltração da água. A erosão, depleção e compactação do solo, por sua vez, levam ao assoreamento dos rios e à mudança da quantidade de água da superfície do solo e 175 camadas subterrâneas, fatores que afetam a disponibilidade de água nos processos ecológicos e na manutenção dos serviços ambientais. Desta forma, as medidas apropriadas para conservação interna e nos arredores da RDS do Juma permitirão a conservação do estado natural das florestas e rios. Esta é a chave para a manutenção dos ciclos hidrográficos, qualidade e quantidade das águas, bem como conservação dos solos (IDESAM, 2009 p. 39, 40, 116, 117). 176 Conclusão A presente dissertação procurou evidenciar que as alterações climáticas provenientes de atividades antrópicas emissoras de GEE e que ampliam a capacidade de absorção de energia da atmosfera - será um dos principais desafios deste século. Estudos mostram que apesar da queima de combustíveis fósseis ser a principal causa da intensificação do efeito estufa, as emissões decorrentes de desmatamento, degradação florestal e demais mudanças no uso da terra contribuem com aproximadamente 17% das emissões globais anuais desses gases. A crescente preocupação acerca dos problemas provenientes do aquecimento global gerou um processo de negociação internacional, objetivando estabilizar as concentrações de GEE na atmosfera em um nível que reduziria o risco da influência antrópica no sistema climático. As negociações se direcionaram para o estabelecimento de metas diferenciadas entre as nações que historicamente mais contribuíram para a questão, metas que foram consolidadas no Protocolo de Quioto. Os países em desenvolvimento foram inseridos nos esforços de redução de GEE através do MDL, mecanismo originalmente criado para lidar com reduções de emissões. Num segundo momento, houve a inclusão de atividades de remoção de CO2 - limitadas ao aflorestamento e reflorestamento - por meio dos Acordos de Marraqueche. As dúvidas quanto à permanência do carbono estocado nas florestas e quanto à quantificação dos estoques de carbono nas diferentes formações florestais tornaram-se, contudo, os principais problemas científicos para se incluir a questão florestal no MDL, gerando registro de poucos projetos deste tipo. O histórico das decisões firmadas nas Conferências das Partes mostra que o debate sobre as florestas vem se ampliando, com o combate ao desmatamento cada vez mais sendo discutido nas negociações sobre um novo acordo global para o período pós-2012, já que a diminuição de emissões por desmatamento e degradação florestal (REDD) vem sendo considerada como umas das mais eficientes estratégias de mitigação no cenário de alterações climáticas. 177 Projetos voluntários de REDD, embora marginais ao âmbito dos mercados oficiais de carbono, têm fornecido valiosos subsídios ao enfrentamento de aspectos metodológicos relacionados à quantificação, monitoramento, adicionalidade, permanência e fuga. Esses problemas são basicamente semelhantes aos defrontados pelos projetos florestais do MDL, o que ressalta o valor desse instrumento para a dinâmica de inclusão de outras modalidades relacionadas ao setor de LULUCF em um acordo pós-2012. Os fundos de financiamento atualmente são assinalados como mais adequados para capacitação e para atividades-piloto e as abordagens vinculadas ao mercado, para o financiamento de longo prazo, pois demonstra maior potencial gerador de recursos. Em termos de escala, a maioria das propostas considera que a abordagem nacional é a mais adequada, uma vez que reduz o risco de deslocamento da atividade indesejada para outra localidade (vazamento) presente na abordagem sub-nacional. Com o amadurecimento da discussão sobre o REDD, outras considerações, fora a questão do carbono, foram sendo incorporadas. A tendência da discussão aponta para uma abordagem mais integrada, que foque o problema das emissões de GEE em um cenário de maior amplitude. Isso porque a conversão e a degradação dos ecossistemas florestais, além de contribuírem para as alterações climáticas, originam perda de biodiversidade e de funções ecossistêmicas, isto é, mais do que um “estoque de carbono” as florestas são provedoras de serviços ambientais geradores de co-benefícios ecológicos e sociais. É neste contexto que o presente trabalho visou avaliar o potencial de benefício à biodiversidade - local e regional - de um dos projetos de REDD pioneiros na America: o Projeto de REDD da RDS do Juma, localizado no município de Aripuanã, no estado do Amazonas, área pertencente a uma grande região com alto número de espécies endêmicas e de ocorrência bastante restrita, algumas sob ameaça de extinção. 178 Estimativas recentes (IPAM, 2010) revelam que a biodiversidade da Amazônia pode corresponder à metade da existente no planeta, riqueza que salvaguarda uma serie de serviços ambientais e processos biológicos vitais para o planeta. Estudos, que utilizam modelos que permitem projetar um ambiente mais quente e seco para a Amazônia, prevêm alterações climáticas que anunciam um futuro sombrio para a região – no qual tanto a biodiversidade quanto os povos muito podem perder. Esta previsão, somada à de perda de grandes áreas de floresta até 2050 - em um cenário business as usual - devido principalmente a pavimentação das estradas BR-319 e AM-174, influenciou fortemente o governo do Amazonas na criação da Reserva. Estradas na Amazônia representam uma forte ameaça tanto à fauna quanto à integridade ecossistêmica em geral, fatos estes já bem documentados. A reconstrução da abandonada rodovia BR-319 será critica e favorecerá a migração do “arco do desmatamento” para dentro de áreas da floresta ainda intocadas. A perda da cobertura florestal implica não só na perda de biodiversidade e de habitat da fauna como também dos serviços ambientais fornecidos pela floresta. A comparação das perspectivas “sem projeto” e “com projeto” mostra um grande ganho deste segundo cenário, o qual ao propiciar recursos necessários para garantir a manutenção e o desenvolvimento sustentável, poderá evitar a perda de 62% da área florestada da RDS do Juma até o ano de 2050, assim como favorecer concretamente a conservação da quase totalidade dessa área, além de outros benefícios diretos à biodiversidade. A ameaça do desmatamento pode ser prevenida apenas com vigilância apropriada e reforço das leis, atividade prioritária do Projeto. A obtenção de créditos de carbono, oriundos da redução de emissões do desmatamento, criará condições para atrair investidores e trazer ao estado os recursos financeiros necessários à geração de políticas fortes e permanentes de controle e monitoramento de desmatamento, estabelecendo um caráter financeiro auto-sustentável para a conservação, além de reforçar o cumprimento das leis ao mesmo tempo em que promove melhoria nas condições de vida das comunidades locais. 179 Apesar da recente implantação do Projeto, há a expectativa de que a preservação da área e os cuidados e atenção dados à biodiversidade local quando da concepção do mesmo, contribuirão significativamente para a preservação da sua fauna e flora. Tal ação redundará na proteção da biodiversidade existente fora da área do Projeto, uma vez que tais ações realizadas dentro da RDS do Juma já implicam na conseqüente manutenção dos processos ecológicos locados além do seu traçado, devido à eliminação dos “efeitos de borda” que são ocasionados pelo desmatamento no “cenário sem projeto” e que alteram o habitat das áreas de entorno e causam, dentre outros efeitos, alta mortalidade de árvores e redução do número de espécies animais. Esse zelo garante a preservação de reservatórios genéticos de populações animais e vegetais, bem como a presença de um microclima favorável e menos susceptível à ocorrência de incêndios e subseqüente dessecação e morte das árvores da floresta do entorno. Adicionalmente, com a manutenção da qualidade ambiental, a produtividade dos rios Aripuanã e Madeira a jusante da área do Projeto também estará assegurada. Fora os ganhos diretos à biodiversidade citados acima, o Projeto ainda poderá cooperar na geração de conhecimento e experiência em áreas técnicas, como: MVR, opções de abordagens, distribuição de benefícios, dentre outros. Servirá, assim, de embasamento tanto a outros projetos voluntários de REDD como para auxiliar na consolidação de um futuro esquema de REDD dentro das negociações climáticas internacionais. Seu efeito emblemático, igualmente, poderá repercutir positivamente na sociedade e nas decisões políticas nacionais e internacionais. Adicionalmente, apesar de seu o caráter exclusivamente voluntário - já que as reduções de emissões dele decorrentes não podem ser usadas para compensar emissões, nem contabilizadas como parte de metas obrigatórias governamentais ou daquelas firmadas em tratados internacionais - o Projeto Juma ainda poderá contribuir para a concretização de outras metas e programas tanto nacionais quanto internacionais. Suas emissões evitadas vêm de encontro às metas de redução previstas no Programa Nacional de Mudanças Climáticas, assim como a preservação de sua área poderá concorrer para os objetivos de Tratados, como o da 180 Convenção da Diversidade Biológica, o da Convenção para Combate à Desertificação e outros programas de conservação de espécies. Apesar dos potenciais benefícios do Projeto, citados acima, os mesmos podem ter seus efeitos minimizados ou até anulados se não buscar sua integração a um contexto mais amplo de compromissos nacionais e internacionais de preservação ambiental. Os projetos de REDD voluntários, por não se alinharem a nenhuma política nacional de contabilização de emissões, permitem o efeito de vazamento nacional e internacional e seu conseqüente comprometimento, tanto na redução nacional de emissões de CO2 quanto para a garantia de beneficio da biodiversidade. Ante o apresentado, concluí-se que o Projeto de REDD da RDS do Juma, a exemplo de outros projetos dessa natureza, possui um grande potencial de geração de benefícios à biodiversidade amazônica, porém, é imprescindível a busca de um acordo internacional que suceda o Protocolo de Quioto, o qual viabilize a operacionalização de um esquema de REDD em escala nacional que minimize, ou até elimine, as chances do efeito de vazamento, e que previna o aumento global da temperatura a níveis que venham a comprometer a permanência da floresta Amazônica. Tal situação favoreceria a integridade dos benefícios proporcionados por este e outros futuros projetos de REDD. 181 Referências bibliográficas AÇAI: Família Arecaceae. Somente Il. color Disponível em: <http://www.ecologiaonline.com/acai-familia-bromeliaceas-nome-cientifico-euterpeoleracea/>. Acesso em: 12/12/2010. ADAPTATION FUND. Disponível Acesso em: 06/06/2010. em: <http://www.adaptation-fund.org/About>. AMAZONAS, Governo do Estado. 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