ANÁLISE CONTRASTIVA ENTRE OS “FANTASMAS DA ÓPERA”: O

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ANÁLISE CONTRASTIVA ENTRE OS “FANTASMAS DA ÓPERA”: O
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ANÁLISE CONTRASTIVA ENTRE OS “FANTASMAS DA ÓPERA”: O LIVRO DE
LEROUX, O FILME DE 1925 E O FILME ADAPTADO DO MUSICAL.
Myriam Pessoa Nogueira, PhD em
Artes
(Cinema),
Mestre
em
Literatura
O objetivo desse ensaio é uma análise contrastiva entre o filme adaptado do
musical O Fantasma da Ópera, de Andrew Lloyd Weber, de 2004, com direção de Joel
Schumacher, estrelado por Gerard Butler, com o livro homônimo de Gaston Leroux e
sua versão mais fiel, a de 1925, onde o fantasma ganhou vida na pele do ator Lon
Chaney. Outra versão foi feita na década de 40, com Claude Rains no papel principal,
mas não analisaremos esta versão, assim como não analisaremos o musical em si,
devido à distância temporal e física do objeto de pesquisa – só se pode analisar teatro
logo após ter-se assistido à peça, ou quando se tem o texto ou libreto, o que não é nosso
caso.i
Logo nos vem à mente a figura terrível do fantasma, tão assustadoramente
interpretado por Lon Chaney, ao lermos o livro de Leroux. O rosto é uma caveira, num
corpo de esqueleto, as mãos frias de um cadáver. Os atores que o interpretaram no
musical e no filme de Shumacher são galãs, mais atraentes que o Visconde Raoul – pois
a paixão é mais fascinante que o amor verdadeiro – e isso pode ser influência da versão
cinematográfica estrelada por Claude Rains que, apesar de fazer vilões, era um galã da
década de 40.
O fantasma, nesse caso, está representando Eros, o deus da paixão, que na
mitologia grega era irmão de Tanatós, a morte, e filhos de Afrodite, deusa do amor
sensual. Eros casa-se com a mortal Psiqué, a alma/mente humana, e lhe pede só uma
coisa: que não lhe veja o rosto. Psiqué, em sua curiosidade feminina, não obedece e
tenta desvendar o mistério da paixão. Levanta o véu de Ísis, ou de Maia, desmascarando
a ilusão. Cristine Daaé também tira a máscara do fantasma, mesmo ele tendo-lhe dito
para não fazê-lo (as ordens nos contos de fadas estão sempre lá para serem
desrespeitadas). Quando ela o faz, o Anjo da Música, a projeção de seu ideal romântico
– desaparece, e ela vê Erik, o fantasma, deformado, real. Uma diferença que existe aqui
é que na obra original literária e em sua versão fílmica Cristine tira a máscara de Erik
em seu apartamento no subsolo da ópera, e não na frente de todo o público, como no
filme do musical, sendo maior a humilhação neste segundo caso.
A busca pela intensidade emocional tende a ser maior em dramaturgia.
Apesar da linguagem do romance, em capítulos, narrativa, ser mais próxima de um
roteiro cinematográfico que a linguagem dramatúrgica, há algo que os roteiristas
derivaram do teatro que se chama curva dramática. Um filme de linguagem clássica,
hollywoodiana, vai num crescendo emocional à medida que o tempo dramático escoa.
Então ao final temos um clímax. O cinema tende a colocar as maiores emoções nesse
ponto do filme, logo antes do desenlace, que é o desatar dos nós, coincidente com um
epílogo. A cena da queda do candelabro – chandelier, como dizem no musical – tanto
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no livro como no filme mudo acontece no meio da trama. Andrew Lloyd Weber
propositalmente coloca esta cena no clímax, pondo a ópera em chamas, colocando
bombeiros perseguindo o fantasma pelos labirintos do subsolo da ópera. Interessante
que as pessoas mortas pela queda do candelabro são diversas nas várias versões: no
livro de Leroux, é a caseira convidada do diretor da ópera, que nunca tinha ido assistir a
um teatro, e acontece devido à desobediência dos diretores da ópera à ordem de Erik de
não ocuparem seu camarote e por deixarem Carlota cantar novamente. No filme de
1925, é a cantora Carlota quem morre, e no filme de 2004 é o cantor que é acidentado. ii
A personagem lanterninha Mme, Gery, no livro é uma senhora francesa
gorda, um tipo popular, supersticiosa, que vigia o camarote no. 5 a pedido do fantasma,
que sempre lhe deixa bombons de presente. Ela e sua filha Meg não têm grande
projeção na estória como acontece no filme de 2004, onde a realeza teatral britânica,
representada por Miranda Richardson, faz a madame elegante, e que tem uma ligação
no passado com Erik, o menino-monstro, e conhece inclusive o caminho para seu
esconderijo. O papel desempenhado por ela neste filme é em sua origem o do Persa. O
persa era um policial exilado que trabalhou para o sultanato da Pérsia, quando conheceu
Erik, o mágico arquiteto. Erik construiu um palácio para o sultão com labirintos que só
ele conhecia. Também fazia poções venenosas a pedido da sultana. O sultão, vendo que
Erik sabia demais, manda o Persa matá-lo. O Persa tem pena de Erik e finge matá-lo,
levando-o para longe. Então é exilado. Reencontra Erik em Paris, leva o visconde até o
esconderijo do fantasma e quase morre juntamente com Raoul quando são presos numa
espécie de sauna que fica logo acima de barris de pólvora que o fantasma pode detonar a
qualquer momento.
Ao invés do brinquedinho de macaquinho com címbalos que aparece no filme
de Shumacher, Erik tem duas chaves em forma de escorpião e gafanhoto. Claro que isso
não apareceria em detalhe numa peça musical, mas no filme de 1925 Erik diz a Cristine
que, se ela aceitar se casar com ele, deve girar o escorpião e então libertará Raoul e o
Persa. Se ela não aceitar o anel de noivado, deve girar o gafanhoto e tudo explodirá.
Cristine gira o escorpião e o calabouço se enche de água. Um alçapão que dá para o
quarto dela na prisão é aberto e os dois prisioneiros, que já iam se afogando, são salvos.
No filme de 2004, Raoul, sozinho, quase se afoga também. Mme. Gery, como o persa,
manda-o levantar os braços, para se proteger de ataques do fantasma, que poderia laçar
seu pescoço e enforcá-lo, como o fez com o maquinista no início da trama. Essa
primeira morte é um dos incidentes que fará a trama entrar em movimento. Outra morte
importante na estória é a do Conde, irmão do Visconde, morto por Eric. Quando o barco
com o Conde se aproxima do esconderijo – ele seguira seu irmão quando este vai atrás
de Cristine sequestrada – Eric é alertado por um sistema de campainha em seu
esconderijo e pega um canudo – uma espécie primitiva de snorkel – e, mergulhando, vai
até o barco e derruba o Conde, afogando-o. Essa morte só é desvendada no epílogo do
livro de Gaston Leroux.
Leroux começa seu livro com um prólogo, como um detetive que atesta a
veracidade dos fatos, e termina com um epílogo, dando mais detalhes. O filme do
musical também utiliza um prólogo, colocando Raoul, agora Conde, velhinho, no leilão
da ópera no início, e um epílogo que deixa a impressão de que o fantasma teria
sobrevivido a Cristine, pois uma rosa com o anel de noivado é deixado no túmulo da
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condessa. Ora, no livro, após Erik deixar os namorados irem para a Noruega, pede ao
Persa que avise a Cristine através de um obituário sobre sua morte. Cristine volta e
coloca o anel no dedo do fantasma morto, pelo menos é assim que o detetive deduz,
depois de encontrarem, através de escavações, um esqueleto envolto em uma capa e
com uma aliança no dedo, próximo às prisões da era napoleônica no subsolo da ópera.
Já no final do filme de 1925, o fantasma corre perseguido por uma turba que o chacina à
beira do Sena.
O filme mudo foi restaurado e remasterizado pela Universidade da Califórnia
em Los Angeles e recebeu trilha sonora de Carl Davis. A música de Andrew Lloyd
Weber, apesar de usar o leitmotiv do Pink Floyd (Echoes, 1971) no tema do Fantasma,
em 1986, nada perde em genialidade, pois o gênio não precisa ser original, como muito
bem nos provou Shakespeare, que era genial ao adaptar estórias de outros usando
inteligência dramática e poética inigualáveis. Originalidade é maia, ilusão, o graal
buscado pela juventude, mas o gênio maduro sabe que o que existe é intertextualidade,
referência, citação, reciclagem, homenagem, adaptação.
REFERÊNCIAS:
LEROUX, Gaston. O fantasma da ópera. Editora Ática, SP, 2013.
O fantasma da ópera. 1943. EUA. Com Claude Rains. Direção de Arthur Lubin.
The Phantom of the Opera (O fantasma da ópera). 1925. Mudo, P&B. Direção: Com
Lon Chaney. Universal Studios.
The Phantom of the Opera (O fantasma da ópera). 2004. Direção: Joe Schumacher.
Produção e roteiro de Andrew Lloyd Weber. Com Gerard Butler. Universal Studios
(distribuição).
WEBER, Andrew Lloyd. The Phantom of the Opera. CD duplo do musical. Original
London Cast Recording. EMI Studios, Abbey Rd., London.1987.
https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Fantasma_da_%C3%93pera
https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Fantasma_da_%C3%93pera_%28musical%29
http://www.adorocinema.com/filmes/filme-52139/curiosidades/
https://www.youtube.com/watch?v=r-F2PGldSf4 (Para o filme de 1925).
https://www.youtube.com/watch?v=xmADpBu_ZCA (Música de Roger Waters)
4
i
Outras versões para o cinema existem, como a de 1983 com Maximillian Schell, Jane Seymour e
Michael York; a de 1962 da Hammer studios, Londres; outra de 1989 e uma minissérie de TV em 1990;
há também um musical anterior ao de Andrew Lloyd Weber e versões para crianças.
ii
Outra diferença entre a obra original e o musical é que no livro Cristine e Carlota interpretam
Margarida de Fausto, de Gounod (outro paralelo do fantasma) e nunca chegam a encenar o D. Juan do
fantasma.

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