Fricções Financeiras, Informalidade e Desigualdade de Renda

Transcrição

Fricções Financeiras, Informalidade e Desigualdade de Renda
Fricções Financeiras, Informalidade e Desigualdade de
Renda
Giovanni Merlin ∗
Vladimir K. Teles†
Resumo
Nós estudamos os efeitos de mudanças nos spreads bancários sobre as distribuições de renda, riqueza e consumo, bem como o bem-estar da economia a partir de um modelo de agentes heterogêneos
com mercados incompletos e escolha ocupacional, no qual a informalidade de firmas e trabalhadores é um canal de transmissão relevante. O principal resultado encontrado é que reduções no spread
para pessoa jurı́dica aumenta a proporção de empreendedores e trabalhadores formais na economia,
de forma que o tamanho do setor informal diminui. Os efeitos sobre a desigualdade, no entanto, são
ambı́guos, e dependerão da dinâmica salarial e das transferências do governo. Reduções no spread
para pessoa fı́sica levam a uma redução nos indicadores de desigualdade, em detrimento do consumo
e bem-estar agregados. Calibrando o modelo para o Brasil para 2003-2012, é possı́vel encontrar resultados em linha com a recente queda na informalidade e no diferencial salarial entre trabalhadores
formais e informais.
Palavras-Chave: Spreads Bancários, Agentes heterogêneos, Escolha Ocupacional, Desigualdade, Informalidade.
JELs: E60, G38
Área de Submissão: Macroeconomia Aplicada
∗
†
Sao Paulo School of Economics - FGV
Sao Paulo School of Economics - FGV, email: [email protected]
1
1
Introdução
Fricções financeiras desempenham um papel importante na economia. Neste artigo estudamos os impactos redistributivos de tais fricções em um modelo de agentes heterogêneos à la Imrohoroglu (1992) e
Aiyagari (1994), com mercados imperfeitos e escolha ocupacional. A informalidade, que é uma caracterı́stica marcante em paı́ses em desenvolvimento (ver Antunes and Cavalcanti (2007)), provê uma fonte
de heterogeneidade na fricção financeira, uma vez que o acesso ao crédito é mais limitado para empresas
informais. Diante desta condição informalidade, desigualdade e fricções de crédito são caracterı́sticas
interligadas, e uma mudança nos spreads altera a fração de empreendedores formais e informais na economia, o que implica em uma realocação de demanda por trabalho em cada setor, alterando os salários
de equilı́brio e a proporção de trabalhadores em cada setor, dessa forma, alterando as distribuições de
consumo, renda e riqueza na economia.
O modelo pode ser relacionado com diferentes literaturas, onde traz alguma contribuição a cada uma
delas. Nesse contexto está relacionado com Guerrieri and Lorenzoni (2011) que estudam os efeitos de
um perı́odo de restrição de crédito e aumento dos spreads na dinâmica de variáveis agregadas, como
consumo das famı́lias, taxa de juros e produto em um modelo de agentes heterogêneos. Os autores
mostram que um aumento do spread derruba a taxa de juros e o produto, um resultado que também
encontramos neste trabalho. Porém nós nos focamos nos impactos redistributivos de variações nos juros.
Perto desta linha de pesquisa ainda há o trabalho de Buera et al. (2012), no qual os autores verificam que
polı́ticas de microcrédito e direcionamento de crédito para pequenas empresas têm impactos fortes sobre
a distribuição de renda, aumentando o bem-estar, principalmente dos agentes menos qualificados e mais
pobres.
Intimamente ligados ao nosso modelo, estão os diversos trabalhos que investigam a relação entre
fricções financeiras, escolha ocupacional e informalidade analisando os impactos agregados e redistributivos utilizando modelos de agentes heterogêneos (Antunes et al. (2008a,b, 2011, 2013); Antunes and
Cavalcanti (2007); Banerjee and Newman (1993)). Os autores, no entanto, optam por analisar somente a
informalidade por parte dos empreendedores e modelam com gerações sobrepostas, algo diferente do que
será feito aqui. Além disso, o modelo incorpora a possibilidade de escolha por trabalho por conta-própria,
que é algo relevante ao se estudar paı́ses em desenvolvimento.
A literatura sobre informalidade como em Amaral and Quintin (2006); Antunes and Cavalcanti (2007);
De Paula and Scheinkman (2007); Rauch (1991); Straub (2005), fornece diversos aspectos a serem utilizados em nosso modelo. No trabalho de Rauch (1991), por exemplo, as firmas formais enfrentam uma
restrição de pagar aos seus empregados um salário maior ou igual ao salário mı́nimo, o que pode gerar
2
um excesso de oferta de trabalho no mercado formal, que será suprido pelas firmas informais, que não
enfrentam essa restrição. De Paula and Scheinkman (2007) modelam a informalidade de modo semelhante ao que é feito neste trabalho, onde firmas informais, além de terem acesso à crédito mais restrito,
têm uma probabilidade de serem detectadas como informais, que é crescente na “visibilidade” das firmas,
representada pelo estoque de capital.
Em relação à literatura de desigualdade, talvez a linha de pesquisa mais importante para o trabalho
que será aqui feito é a da importância relativa da desigualdade transitória, uma vez que no modelo que
será proposto a seguir os agentes são ex-ante idênticos e se diferenciam endogenamente através de sua
posição ocupacional. A importância da desigualdade transitória, embora em geral seja menor que a desigualdade permanente, é verificada tanto em paı́ses desenvolvidos Gustavsson (2007); Ramos (2003) como
em paı́ses em desenvolvimento Freije and Souza (2002). Ramos (2003), por exemplo, verifica que na Inglaterra, durante a década de 90, houve um grande aumento da importância do componente transitório
da desigualdade, chegando a atingir no final da década, de 60% a 80% da desigualdade, dependendo do
coorte analisado. Já Freije and Souza (2002) analisam o perı́odo de 1995-1997 na Venezuela, e encontram
que o componente transitório representa 77% da desigualdade de renda.
O modelo é calibrado para o caso brasileiro, que é um paı́s que conta com essas três caracterı́sticas de
forma proeminente, mas que recentemente sofreram fortes mudanças, e observamos quão bem o modelo
consegue ajustar tais resultados, e em seguida faz-se simulações de polı́ticas. O Brasil é reconhecido,
além de ter uma das maiores taxas de juros real do mundo, pelos elevados spreads bancários. Embora
o estoque de crédito na economia tenha aumentado de forma acelerada na última década, os spreads
bancários caı́ram pouco e permaneceram em patamares elevados. Em relação à desigualdade, sabe-se que
a maior causa de desigualdade, especialmente no Brasil, não se deve ao fato de transições entre empregos e demais componentes transitórios, mas sim à variáveis relacionadas ao ciclo de vida e componentes
persistentes, como educação, gênero, diferenças regionais e heterogeneidade não-observada entre os indivı́duos Santos and Souza (2007). No entanto, o componente transitório foi o grande responsável pela
queda na desigualdade no Brasil no perı́odo de 1994-2009 (Arabage (2013)), o que torna interessante
uma análise de quais fatores poderiam ter reduzido a desigualdade transitória. Já o setor informal brasileiro, que em 2000 representava cerca de 40% da economia brasileira (Schneider (2002)), um valor muito
acima dos encontrados em paı́ses desenvolvidos, também sofreu retração, tendo a fração de trabalhadores
no setor informal caı́do substancialmente nos últimos anos.
O principal resultado encontrado é que uma redução no spread para pessoa jurı́dica reduz a informalidade na economia, coeteris paribus. Os impactos sobre a desigualdade, no entanto, são ambı́guos, e
dependerão do estado inicial da economia, da dinâmica dos salários formais (não incorporada ao modelo)
3
e da magnitude do corte no spread. Já o ganho de bem-estar será maior quanto mais forte for a redução
no spread para as firmas formais e menor for o aumento do salário formal, podendo até ser negativo, caso
o aumento salarial seja alto.
O modelo também mostra que a informalidade, para os atuais nı́veis de spread no Brasil, é benéfica
em termos de bem-estar agregado. A informalidade proporciona uma suavização da desigualdade, uma
vez que se torna uma opção extra para fugir do desemprego. No entanto, em uma economia sem informalidade, os impactos positivos de uma redução no spread para pessoa jurı́dica sobre a desigualdade e
o bem-estar são maiores. Uma redução nos spreads para pessoa fı́sica, caso seja forte, beneficia o setor
informal e diminui a desigualdade, mas gera perda de bem-estar. Dessa forma, polı́ticas de incentivo ao
crédito informal, como o microcrédito, tem um efeito ambı́guo.
A principal conclusão que pode ser tirada do modelo, em termos de polı́ticas públicas, é a de que o
governo deve estimular a redução do spread para firmas formais (crédito direcionado ou subsidiado) e
evitar reajustes salariais elevados no setor formal, de forma a aumentar a demanda por trabalho formal e
reduzir o desemprego, diminuindo assim a desigualdade e aumentando o bem-estar.
2
Modelo
O modelo segue a ideia de Aiyagari (1994) com alguns aspectos de Antunes et al. (2008b); Antunes and
Cavalcanti (2007); Guerrieri and Lorenzoni (2011); Rauch (1991). Em suma, o modelo é representado
por uma massa unitária de agentes, ex-ante idênticos, que diferem um dos outros pela sua atual “ideia”
de negócio. Aqui, ideia pode ser interpretada como a produtividade de um empreendedor quando no
comando de uma firma. Essa abordagem é similar a trabalhos no qual a “habilidade gerencial” dita a
produtividade, como em Antunes and Cavalcanti (2007); Lucas (1978); Rauch (1991). No entanto, para
explicar desigualdade transitória e a transição entre empregos, a diferenciação dos agentes por ideia se
torna mais adequada. Em cada perı́odo, dada a poupança e a ideia, os agentes vão escolher entre procurar
um emprego no setor formal ou informal, ser um trabalhador por conta-própria ou ser um empregador
formal ou informal. Além disso, a poupança das famı́lias é transferida para as firmas por um mercado
de intermediação financeira competitivo, que repassa o custo de intermediação (diferente para firmas e
famı́lias) perfeitamente para os agentes, cobrando um spread. Firmas, formais e informais, também atuam
em mercados competitivos e produzem com retornos decrescentes de escala. As firmas informais tendem
a ser menores, devido à restrição de crédito maior e por incorrer em um custo quadrático na quantidade
de capital, enquanto que as firmas formais são obrigadas a pagar imposto sobre a folha de pagamentos
para o governo central, que, por sua vez, distribui a receita fiscal em forma de transferência lump-sum
4
para todos os agentes.
2.1
Famı́lias
Seja uma massa unitária de famı́lias, ex-ante idênticas, que maximizam a sua utilidade intertemporal,
dada por
"
Ei0
∞
X
#
β t U (cit )
"
= Ei0
t=0
∞
X
t=0
βt
c1−γ
it
1−γ
#
(1)
onde β é a taxa de desconto intertemporal, cit ∈ C ⊂ R+ refere-se ao consumo, e γ é o coeficiente de
aversão relativa ao risco.
Diferentemente do modelo de Aiyagari (1994), onde os agentes se diferem pela sua dotação efetiva
de trabalho, as famı́lias estão sujeitas a choques idiossincráticos na qualidade de sua “ideia” de negócios.
Mais especificamente, a ideia individual, representada por θi ∈ [0, 1], segue um processo de Markov com
alta persistência e distribuição estacionária Ψ(θi , θi0 ).
1
A persistência do processo é importante para que os agentes permaneçam na mesma posição no mercado de trabalho por um perı́odo maior de tempo e é uma hipótese razoável, uma vez que boas ideias de
negócios tendem a perdurar e se manter boas ao longo do tempo, tendo uma pequena probabilidade de vir
a ser uma ideia de negócio inútil no perı́odo seguinte.
A restrição orçamentária das famı́lias é cit +sit+1 ≤ ωit +(1+rt )(sit −eit )+eit +Tt , onde sit ∈ A ⊂ R+
é a poupança; eit ∈ A ⊂ R+ é o capital próprio alocado na firma, se empregador; Tt é a transferência
lump-sum do governo; e ωit é a renda decorrente do trabalho, mais precisamente:
ωit =




wtF ltF ,







wtI ltI ,






ACP θit ltCP ,
se trabalhador no setor formal (TF)
se trabalhador no setor informal (TI)
se trabalhador por conta-própria (CP)
(2)



ΠF (θ , e ), se empregador no setor formal (EF)

 it it it





ΠIit (θit , eit ), se empregador no setor informal (EI)






0,
se desempregado (D)
onde wtF (wtI ) é o salário de equilı́brio no mercado formal (informal); ltF , ltI , ltCP são as horas de
1
Por propósitos computacionais, a distribuição será discretizada em um processo markoviano com 11 estados, igualmente
espaçados entre 0 e 1. A matriz de transição e a distribuição estacionária são apresentadas no Apêndice B.
5
trabalho ofertadas; ACP é a produtividade relativa do trabalhador por conta-própria (a produtividade
na produção do setor formal e informal foi normalizada em 1); e ΠFit (ΠIit ) é o lucro do empregador formal
(informal), que é função da ideia e da poupança alocada na firma do agente i. Assume-se que o trabalhador
por conta-própria produz com retornos constantes de escala e o único insumo de produção é o trabalho.2
A cada perı́odo, os agentes têm uma probabilidade PtF (PtI ) de encontrar um emprego no setor formal
(informal). Para que exista equilı́brio único com oferta de trabalho positiva para ambos os setores, dois
parâmetros precisam ser fixados. Serão fixados valores para wtF (como em Rauch (1991)) e PtI . Supõe-se
que wtF > wtI , logo PtI > PtF é condição necessária para que o equilı́brio interior exista. Uma implicação
dessa suposição é que trabalhadores com menores poupanças vão escolher procurar emprego no setor
informal, uma vez que o risco de não conseguir o emprego é menor, enquanto que trabalhadores com uma
poupança maior podem arriscar procurar um trabalho formal sem ter que reduzir o consumo de forma
drástica, no caso de não encontrar. É importante notar que essa hipótese é válida a cada perı́odo, o que
implica que a probabilidade se conseguir emprego em cada setor é igual a probabilidade de se manter
empregado no próximo perı́odo. Essa é uma hipótese forte e não é algo coerente com a realidade3 , no
entanto, um modelo de ”search & matching” com destruição do posto de trabalho poderia ser incorporado
ao modelo existente, o que possibilitaria essa distinção, mas tornaria o problema mais complexo de se
resolver computacionalmente.
Por considerar apenas diferenças salariais entre ocupações e não levar em conta variações de remuneração
dentro da mesma ocupação, uma vez que todos assalariados formais e informais ganham a mesma quantia,
o modelo proposto é capaz de gerar desigualdade de renda transitória, principalmente.
2.2
Firmas
Firmas, formais e informais, são representadas por um empreendedor e produzem um bem homogêneo,
com preço unitário. Assume-se que firma formal é aquela constituı́da legalmente4 , paga impostos sobre
a folha de pagamentos, τ , e pode pedir empréstimos como pessoa jurı́dica. Firmas informais não são
constituı́das legalmente, não pagam impostos e podem contrair dı́vidas apenas como pessoa fı́sica. Além
disso, ao atuar na informalidade, os empreendedores incorrem um custo quadrático no capital fı́sico
para não ser detectados pelas autoridades, semelhante a ideia de De Paula and Scheinkman (2007), que
consideram uma probabilidade de detecção crescente no capital. A função de produção para ambos os
2
De acordo com a pesquisa de Economia Informal Urbana (ECINF) de 2003, mais de 50% dos trabalhadores por contaprópria não têm equipamentos ou utilizam apenas ferramentas/utensı́lios de baixo valor.
3
Em geral, no setor formal, é de se esperar que a probabilidade de se manter no emprego seja maior que a probabilidade de
encontrar um emprego, principalmente em perı́odos curtos de tempo.
4
No Brasil, uma firma precisa fazer o Cadastro Nacional de Pessoa Jurı́dica (CNPJ) para ser constituı́da juridicamente.
6
tipos de firma é dada por uma função Cobb-Douglas com retornos decrescentes de escala.
No inı́cio de cada perı́odo os agentes decidirão o capital fı́sico total e a demanda por trabalho. Utilizarão os recursos próprios ou empréstimos intratemporais para adquirir capital fı́sico, que será revendido
ao fim do perı́odo descontado o valor da depreciação.5
6
Assim, o empreendedor i, no perı́odo t, enfrenta o seguinte problema de restrição:7


F
F
maxL,D,e θit Kitα LΩ
se formal
it − (1 + τ )wt Lit − rt Dit − δKit − rt eit ,

maxL,D,e θit K α LΩ − wI Lit − rI Dit − φ K 2 − δKit − rt eit ,
it it
t
t
2 it
(3)
se informal
onde Kit = Dit + eit ; Dit ∈ [0, ∞) é a dı́vida total da firma; eit ∈ [0, sit ] é o capital próprio do
empreendedor, cujo custo de oportunidade é igual a rt ; δ é a taxa de depreciação do capital fı́sico; e
φ é o parâmetro relacionado ao custo de se ocultar a informalidade. Assume-se que não há risco em se
tornar um empregador. As condições de primeira ordem do problema (3) levam às funções de demanda
por trabalho do empreendedor i:
LFit
θi ΩKitα
=
(1 + τ )wtF
1
1−Ω
e
LIit
θi ΩKitα
=
wtI
1
1−Ω
(4)
Para a escolha de capital fı́sico, o problema é restrito, uma vez que o capital próprio não pode ser
maior que a poupança individual. O problema da firma informal não apresenta solução fechada, dessa
forma vale a pena analisar o retorno marginal do capital, dado por:
RM gKit =





α
(Dit
1−Ω
α
(Dit
1−Ω
+ eit )
+ eit )
α+Ω−1
1−Ω
α+Ω−1
1−Ω
1
θit1−Ω
1
1−Ω
θit
h
h
Ω
(1−τ )wtF
Ω
(1−τ )wtF
Ω
i 1−Ω
Ω
i 1−Ω
− δ,
se formal
(5)
− φ(Dit + eit ) − δ,
se informal
Se o retorno marginal do capital, avaliado em eit ≤ sit for menor que a taxa de retorno da poupança,
rt , então o empreendedor i não vai pedir empréstimo. No entanto, se o retorno marginal do capital,
avaliado em sit + ε, ∀ε > 0, for maior que o custo da dı́vida - rF ou rI -, os empregadores vão decidir
contrair dı́vida.
5
Importante citar que o setor de produção de bens de capital não está incluı́do no modelo, por questões de simplificação.
A depreciação normalmente está presente na restrição orçamentária dos agentes, mas vale notar que os agentes em si não
detêm capital fı́sico, sendo somente os que decidem se tornar empreendedores que incorrem esse custo.
7
O lucro do empreendendor não pode ser confundido com a equação 2.3, uma vez que o termo rt eit representa apenas o
custo de oportunidade do capital próprio e não faz parte do lucro.
6
7
2.3
Setor Bancário
Os intermediários financeiros, i.e., bancos, captam recursos através da poupança das famı́lias, cuja remuneração
é rt . Para fazer a intermediação financeira, os bancos incorrem custos exógenos, χF e χI , por unidade de
capital emprestado às firmas formais e às famı́lias, respectivamente. Assume-se, como em Guerrieri and
Lorenzoni (2011), que o setor financeiro é perfeitamente competitivo, o que implica lucro zero. Assim,
χF e χI podem ser interpretados como spreads para as firmas formais e famı́lias. Dessa forma, as taxas de
juros para empréstimo são:


(1 + rtF ) = (1 + rt )(1 + χF ), para firmas formais

(1 + rI ) = (1 + rt )(1 + χI ),
(6)
para famı́lias e firmas informais
t
Embora bastante simplificada, essa estrutura do setor bancário permite uma fácil análise dos efeitos
dos spreads nos outros setores da economia. Caso algum tipo de modificação, como concorrência monopolı́stica ou spreads endógenos, fosse adicionada ao modelo, seria mais complexo de se identificar o
efeito isolado dos spreads.
2.4
Governo
A receita do setor público é oriunda da taxação da folha de pagamentos do setor formal. Os gastos são
transferências lump-sum para todos os agentes, Tt , ou gastos não produtivos, Gt .8 Além disso, assumese que a restrição do governo é ativa em todo o perı́odo, i.e., não há dı́vida pública. Logo, a restrição
orçamentária do governo é:
Tt + Gt = wtF LFt τ
(7)
As transferências lump-sum (aqui podem ser interpretadas, além de transferências diretas, como o
fornecimento de bens públicos, tais como educação, saúde e outros) desempenham um papel importante
no modelo, uma vez que fornecem aos agentes um nı́vel de consumo mı́nimo, independentemente da sua
posição no mercado de trabalho. Sem as transferências, os agentes iriam escolher poupar mais, para se
manter seguros em caso de desemprego.
8
Com exceção da simulação feita na última coluna da Tabela 6, o valor dos gastos não produtivos será calibrado em zero.
8
2.5
Equilı́brio
Definição: Um equilı́brio estacionário competitivo recursivo consiste em uma função valor V : A × E →
R; uma sequência de decisão dos agentes S 0 : A × E → R, C : A × E → R+ ; escolhas das firmas
K F , K I , LF , LI ; preços r, rF , rI , wF , wI ; e polı́ticas do governo T , tal que:
1. Dados preços e polı́ticas do governo, as famı́lias, sujeitas à sua restrição orçamentária, maximizam
a sua função valor, dada por:
(
V (s, θ) = maxc,l,s0
)
X
c1−γ
+β
V (s0 , θ0 )Ψ(θ, θ0 )
1−γ
θ0 ∈Θ
(8)
2. Dados preços e polı́ticas do governo, empreendedores formais e informais maximizam (3).
3. O mercado de bens, trabalho e ativos estão em equilı́brio:9
X
c(s, θ)λ(s, θ) + Custos =
s,θ
X
[Y F (s, θ) + Y I (s, θ) + Y SE (s, θ)]λ(s, θ)
(9)
s,θ
X
(10)
LI (s, θ)λ(s, θ)
(11)
[DF (s, θ) + DI (s, θ) + DF AM (s, θ)]λ(s, θ)
(12)
s,θ
s,θ
X
lI (s, θ)λ(s, θ) =
s,θ
X
s,θ
X
LF (s, θ)λ(s, θ)
lF (s, θ)λ(s, θ) =
s(s, θ)λ(s, θ) =
X
s,θ
X
s,θ
4. O governo satisfaz sua restrição orçamentária (7).
5. λ(s, θ) é uma distribuição estacionária:
λ(s0 , θ0 ) =
XX
θ0 ∈Θ
λ(s, θ)Ψ(θ, θ0 )
(13)
s,s0
Em equilı́brio, para um certo conjunto de parâmetros, a proporção de indivı́duos em cada uma das
posições ocupacionais é constante. A Figura 1 ilustra como é dada a escolha ocupacional em função
da poupança e da ideia dos agentes. Agentes com pouca ou nenhuma poupança e sem boas ideias não
arriscarão procurar emprego formal, pois a probabilidade de encontrar a vaga é menor que a de encontrar
emprego informal, preferindo assim arriscar uma vaga no setor informal. Caso a ideia seja boa, mas
9
Custos se referem ao peso morto gerado pela depreciação e pelos custos de se ocultar a informalidade e de intermediação
financeira.
9
não o suficiente para valer a pena tomar crédito emprestado, esses agentes serão trabalhadores por contaprópria. Se tiverem ideias muito boas, decidirão ser empregadores formais, utilizando dı́vida contraı́da
junto aos bancos. A partir de um certo nı́vel de poupança, s∗ , os agentes têm recursos suficientes para
cobrir o risco de não encontrar um emprego formal. Caso tenham ideias suficientemente boas, poderão
usar capital próprio para administrar um negócio. Quando a ideia é muito boa, os empreendedores irão
preferir virar formais para ter melhor acesso à credito. Para nı́veis menos elevados de qualidade de
ideia, virar empregador informal só valerá a pena até certo ponto de riqueza, dada a existência do custo
quadrático sobre a visibilidade do capital.
Figura 1: Escolha Ocupacional
Fonte: Elaboração própria.
As transferências do governo desempenham papel importante na determinação de s∗ , uma vez que
provém um nı́vel de utilidade mı́nimo para os agentes. Dada uma relação entre salário formal e informal constante, quanto maior for a transferência, menor será a proporção de agentes buscando trabalho
informal.
3
Calibração e Resultados
O modelo apresentado na seção anterior será analisado para o caso da economia brasileira, por meio
de simulações numéricas.10 Assume-se que um perı́odo de tempo equivale a um trimestre. Para alguns
parâmetros, valores podem ser facilmente obtidos em trabalhos de referência. Outros parâmetros foram
calibrados de forma a igualar os momentos de algumas variáveis de interesse. Os valores calibrados estão
10
Para as simulações foram escolhidos os valores de -1, para o mı́nimo, e 50, para o máximo, de ativos que podem ser
escolhidos pelos agentes. O número de grids usado foi de 750, distribuı́dos exponencialmente. Além disso, foi utilizada uma
margem de 1% para o critério de convergência. No Apêndice A está descrito o algoritmo.
10
apresentados na Tabela 1.
Tabela 1: Calibração
Parâmetro
Valor
Fonte/Meta
β
γ
PI
wF
ACP
lF , lI , lCP
α
Ω
τ
δ
φ
xF
xI
0,9732
2,17
0,97
0,768
0,7955
0,4286
0,39
0,575
0,8
0,01
0,068
0,0438
0,1717
Juros Real médio entre 2003 e 2012 - 2,09% a.t.
Araújo (2005)
Desemprego Aberto de 8,7% (PME 2003-2012)
Proporção de trabalhadores formais e informais de 67,6% (PME 2003-2012)
Proporção de trabalhadores por conta-própria de 18,9% (PME 2003-2012)
Paes and Bugarin (2006)
Kanczuk (2002)
Gomes et al. (2005); Guerriero (2012)
Paes (2010)
Morandi and Reis (2004)
Proporção de trabalhadores informais de 19,7% (PME 2003-2012)
Spread Médio de Capital de Giro de 18,7% a.a. (2003-2012)
Spread Médio de Crédito Pessoal de 88,5% a.a. (2004-2012)
Fonte: Elaboração própria.
A taxa de desconto, β, é escolhida de forma a obter, em equilı́brio, uma taxa de juros real anual equivalente a 8,62% a.a., a taxa de juros real média no perı́odo analisado (2003-2012)11 . O valor encontrado é
de 0,9732. O parâmetro de aversão relativa ao risco, γ, recebe o valor de 2,17, estimado por Araújo (2005)
para o Brasil. A probabilidade de encontrar emprego no setor informal, P I , é calibrada em 0,97, de forma
a aproximar, em equilı́brio, a taxa média de desemprego aberto nas regiões metropolitanas do Brasil entre
2003 e 2012, de 8,7%.12 O salário dos trabalhadores formais, wF , adotado é de 0,768, para aproximar,
em equilı́brio, a proporção de trabalhadores (formais e informais) em 67,6%, média do perı́odo analisado.
A oferta de trabalho para os trabalhadores, l, foi calibrada em 0,4286, utilizando como base os resultados
obtidos por Paes and Bugarin (2006).13
Em relação aos parâmetros de interesse para as firmas, a participação capital no produto, α, utilizada é
de 0,39, valor calibrado por Kanczuk (2002) e próximo de outros valores encontrados na literatura. Já para
a participação da renda do trabalho no produto, Ω, foi escolhido o valor de 0,575, com base nos resultados
médios das estimações feitas para o Brasil, por Gomes et al. (2005); Guerriero (2012). O imposto sobre
a folha de pagamentos, τ , recebe o valor de 0,8, calculado por Paes (2010). A taxa de depreciação, δ,
adotada foi de 0,01, valor próximo ao encontrado por Morandi and Reis (2004), de 4% a.a. O parâmetro
11
A taxa real de juros foi calculada utilizando a SELIC, como taxa de juros nominal, e a mediana das expectativas de
inflação, disponı́veis no site do Banco Central do Brasil.
12
Foram desconsiderados da análise os funcionários públicos, concursados e militares, e os trabalhadores não-remunerados,
que totalizam cerca de 8,2% da população ocupada.
13
Paes and Bugarin (2006) encontram um valor médio de 0,25 de tempo de trabalho sobre o tempo total. Utilizando esse
valor, é obtido um valor de 42 horas semanais. Dividindo esse valor pela quantidade de horas disponı́veis, retirando 70 horas
semanais do tempo total para o sono e cuidados pessoais, como emGuerrieri and Lorenzoni (2011), é obtido o valor de 42/98
= 0,4286.
11
do custo quadrático, φ, é escolhido em 0,068, de forma a obter uma proporção de trabalhadores informais,
em equilı́brio, de 19,7%, de acordo com os dados da PME. Para as variáveis de spread, χF e χI , os valores
de 0,0438 e 0,1717, foram calculados a partir dos valores médios dos spreads bancários nas operações
de crédito para pessoa jurı́dica - modalidade capital de giro - e para pessoa fı́sica - modalidade crédito
pessoal excluindo crédito consignado - disponibilizado pelo Banco Central do Brasil.
3.1
14
Estado Estacionário
Na Tabela 2 estão apresentados os momentos observados nos dados e os obtidos no modelo com a
calibração acima. Além das variáveis utilizadas como metas, o modelo calibrado consegue replicar bem
diversos indicadores da economia brasileira.
A elevada desigualdade de riqueza obtida pelo modelo, 0,72, é próxima a observada, 0,78. Já a desigualdade de renda fica bem abaixo da desigualdade observada, o que era esperado, uma vez que a
desigualdade decorrente do modelo é a transitória, principalmente. A desigualdade de renda decorrente
do trabalho obtida pelo modelo foi de 0,25, enquanto que a desigualdade de renda total (renda do trabalho
+ renda financeira + transferências) é mais baixa devido às transferências do governo, 0,21. O modelo
também consegue replicar bem a proporção de trabalhadores por conta-própria sobre a proporção de “empreendedores” informais (conta-própria + empreendedor informal), obtendo um valor de 0,85, próximo
ao observado de 0,88. A renda média dos trabalhadores por conta-própria em relação aos trabalhadores
formais é um pouco subestimada, em 71%, mas ainda assim acima da renda dos trabalhadores informais,
cuja razão obtida foi 0,66, como observado nos dados. Já a razão da renda dos empreendedores informais
sobre os trabalhadores por conta-própria, calculada em 2,17, é próxima a calculada pelos dados da ECINF
de 2003.
A Tabela 3 mostra a matriz de transição entre as posições ocupacionais de um ano para o outro. Os
resultados estão em linha com os calculados no trabalho de da Silva and Pero (2008) para o perı́odo
de 2002 a 2007, utilizando também a base de dados da PME. A probabilidade encontrada de se manter
na posição de trabalhador formal e empreendedor é menor do que a verificada no trabalho dos autores,
entretanto eles desconsideram o desemprego na análise, o que explicaria os valores mais altos. Além
disso, o modelo assume uma probabilidade igual de se encontrar e de se manter no emprego, o que acaba
aumentando a transição para o desemprego, especialmente para os trabalhadores formais.
A Figura 2 ilustra o valor da utilidade corrente e intertemporal dos agentes em função da ideia e
da poupança corrente. Implicações importantes do modelo podem ser retiradas dessas imagens: i) a
14
A modalidade de capital de giro é a carteira com maior volume de crédito para empréstimos para pessoa jurı́dica, enquanto que a modalidade de crédito pessoal é a maior carteira para pessoa fı́sica, excluindo o crédito para financiamento de
automóveis, que não faria sentido na análise, uma vez que requer uma garantia.
12
Tabela 2: Variáveis de Interesse: Dados x Modelo
Variável
Dados
Modelo Calibrado
rt
% T rabalhadores F ormais
% T rabalhadores Inf ormais
% T rabalhadores Conta − P rópria
% Empregadores F ormais
% Empregadores Inf ormais
% Desempregados
wI /wF
ω CP /wF
ω EI /ω CP
%CP/%(CP + EI)
Gini Renda
Gini Consumo
Gini Riqueza
2,09%
47,9%
19,7%
18,9%
4,8%
4,8%
8,7%
0,66
0,81
2,38
0,88
0,53
0,51
0,78
2,09%
47,5%
19,6%
18,9%
2,1%
3,4%
8,5%
0,66
0,71
2,17
0,85
0,25(0,21)
0,19
0,72
Fonte: Taxa de Real de Juros (Banco Central do Brasil), Proporção de trabalhadores e salários (PME 2003-2012), Proporção de
trabalhadores conta-própria e razão informal/conta-própria (ECINF 2003), Gini Consumo (Silveira Neto and Menezes (2010),
dados de 2003), Gini Riqueza (Davies et al. (2011), dados de 2000).
Tabela 3: Matriz de Transição Ocupacional
Posição em t
D
CP
Desempregado
Conta-Própria
Trabalhador Formal
Trabalhador Informal
Empregador Formal
Empregador Informal
Duração (Trimestres)
11%
3,3%
11,4%
6,3%
5,5%
5,7%
1
6,6%
67,9%
6,3%
9,4%
6,7%
14,9%
10
Posição em t+4
TF
TI
63,2%
19,0%
66%
27,3%
32,5%
33,3%
5
16,2%
4,9%
13,2%
55,6%
3,0%
3,4%
7
EF
EI
1,4%
1,0%
1,4%
1,0%
42,8%
1,6%
5
1,6%
3,9%
1,7%
0,6%
9,4%
41,1%
5
Fonte: Elaboração própria.
poupança corrente parece ser o principal determinante da utilidade intertemporal, i.e., ainda que um
agente com baixa poupança tenha uma ideia muito boa, sua utilidade intertemporal será muito aquém
da de um agente com poupança alta, independentemente da ideia deste; ii) indivı́duos com poupança
muito baixa e ideias boas (mais especificamente, no caso discreto, θ = 0, 9) decidem consumir menos no
perı́odo corrente para poder utilizar capital próprio em seu negócio nos perı́odos seguintes e gozar de um
nı́vel de consumo maior.
A Figura 3 ilustra o consumo e a renda dos agentes em função da ideia e da poupança corrente. É
interessante notar que o consumo cresce praticamente de forma linear com a poupança para nı́veis de ideia
baixos e cresce exponencialmente para agentes com ideias boas, uma vez que a renda do trabalho desses
agentes é crescente, quase que linearmente, no capital investido, devido aos retornos de escala elevados
(α + Ω = 0, 965). Já a renda decorrente do trabalho independe da riqueza para agentes sem ideias de
13
Figura 2: Utilidade como função da ideia e da poupança corrente
Fonte: Elaboração própria.
negócios boas, uma vez que o salário é igual para todos os trabalhadores no setor formal.
A Figura 4 mostra a distribuição estacionária de riqueza (poupança) dos agentes.15 Pode-se notar
que maior parte dos agentes poupa uma pequena quantia, suficiente apenas para suavizar seu consumo.
O modelo indica que 21% dos agentes não poupam dinheiro nenhum, sendo 15% buscando trabalho
informal e os demais 6% trabalhadores por conta-própria. Dessa forma, dada uma proporção calibrada
de 3% de não encontrar emprego no setor informal, aproximadamente 0,45% dos agentes consomem
apenas as transferências do governo. Além disso, dada a alta taxa de juros para pessoa fı́sica, nenhum
agente escolhe tomar crédito. Os agentes que escolhem poupar mais são os empreendedores, que utilizam
recursos próprios para financiar seus investimentos em capital fı́sico.
Na Figura 5 são ilustradas as distribuições de renda decorrente do trabalho e renda total. Nota-se que
as distribuições são multimodais. Uma pequena parte dos agentes não tem renda decorrente do trabalho,
são os desempregados. No segundo pico estão os trabalhadores informais e os trabalhadores por contaprópria menos produtivos. A partir do terceiro pico, composto basicamente pelos trabalhadores formais,
estão distribuı́dos os empreendedores e os trabalhadores por conta-própria mais produtivos.
Na Figura 6 é apresentada a distribuição estacionária de consumo dos agentes. Pode-se notar também
uma distribuição multimodal, dado que o consumo é decorrente da renda. O primeiro pico corresponde
aos desempregados, o segundo é composto pela massa de trabalhadores informais e conta-própria, enquanto que o terceiro pico é constituı́do basicamente pela massa de trabalhadores formais. A partir do
15
Por questões estéticas a distribuição foi suavizada, bem como as demais que serão apresentadas.
14
Figura 3: Consumo e Renda como função da ideia e da poupança corrente
Fonte: Elaboração própria.
Figura 4: Distribuição Estacionária de Poupança
Fonte: Elaboração própria.
terceiro pico estão alguns trabalhadores por conta-própria mais produtivos e os empreendedores. Podese notar que a poupança precaucionaria desempenha um papel importante na suavização do consumo,
existindo uma pequena fração de agentes consumindo apenas as transferências.
Por fim, a Figura 7 mostra a distribuição estacionária da utilidade corrente e intertemporal dos agentes.
As distribuições têm formatos muito parecidos, evidenciando a persistência do processo de ideias e subsequente persistência na poupança dos agentes. Nota-se também uma grande dispersão nas distribuições, o
que mostra que, mesmo com a suavização do consumo, o bem-estar dos agentes é bastante distinto. Esse
15
Figura 5: Distribuições Estacionárias de Renda do Trabalho e Renda Total
Fonte: Elaboração própria.
Figura 6: Distribuição Estacionária de Consumo
Fonte: Elaboração própria.
resultado é de grande importância para os formuladores de polı́ticas, uma vez que consumo e bem-estar
podem ser vistos de forma muito diferentes.
3.2
Avaliação do Caso Brasileiro
Para avaliar o modelo para o caso brasileiro é importante analisar a dinâmica das variáveis de interesse.
A Figura 8 mostra a evolução dos spreads bancários nas categorias crédito pessoal, de pessoa fı́sica, e
capital de giro, de pessoa jurı́dica. Pode-se perceber que, a partir de 2006 há uma discreta tendência
de queda em ambos os spreads, sendo interrompida pela restrição temporária de crédito ocasionada pela
crise financeira em 2008-2009, e a partir de então a tendência de queda se intensifica. O spread médio
16
Figura 7: Distribuição de Utilidade Corrente e Intertemporal
Fonte: Elaboração própria.
anual nas categorias crédito pessoal e capital de giro passaram, respectivamente, de 95,4% a.a. e 19,3%
a.a. em 2004, para 70,7% a.a. e 13,4% a.a. em 2012.
No que se diz respeito à informalidade, a Tabela 4 contém a proporção anual média de trabalhadores
em cada ocupação. Pode-se notar que, a formalização ocorrida de 2003-2008 se deve a notável queda do
desemprego, em um perı́odo de alto crescimento econômico (cerca de 4,2% ao ano). De acordo com dos
Santos (2013), no entanto, o crescimento econômico não foi o maior responsável pela queda no desemprego, e sim a mudança demográfica, com a redução do crescimento populacional e, principalmente, da
população economicamente ativa. A partir de 2009, com o menor desempenho econômico (crescimento
próximo a 2,7% ao ano), a formalização ocorreu principalmente a partir da forte queda na proporção de
trabalhadores informais, iniciada em 2006. A proporção de trabalhadores por conta-própria permaneceu
relativamente estável, enquanto que a proporção de empregadores sofreu uma queda no inı́cio do perı́odo
analisado, tendo se estabilizado a partir de 2007.
Já a desigualdade de renda, mostrada na Tabela 5, sofreu uma queda contı́nua no perı́odo analisado.
Barros et al. (2007) encontram que grande parte da queda da desigualdade no perı́odo entre 2001 e 2005
se deve ao aumento das transferências públicas, tais como pensões, aposentadorias e o Bolsa Famı́lia.
Soares (2010), no entanto, conclui que dois terços da queda na desigualdade entre 1995 e 2009 ocorreu
por mudanças no mercado de trabalho, sendo o perı́odo mais recente o maior contribuinte dessa queda.
17
Figura 8: Spreads Pessoa Fı́sica e Jurı́dica
Fonte: Banco Central do Brasil.
Tabela 4: Proporção de trabalhadores em cada posição no mercado de trabalho
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Dif. 2012 - 2003
Desemprego
Trabalhador
Formal
Trabalhador
Informal
Trabalhador
Conta-Própria
Empregador
12,4%
11,5%
9,9%
10,0%
9,3%
7,9%
8,1%
6,7%
6,0%
5,5%
-6,9%
42,4%
42,3%
44,3%
45,3%
46,7%
48,9%
49,6%
52,0%
54,5%
55,5%
13,1%
21,0%
21,8%
22,0%
21,3%
20,5%
19,8%
19,1%
18,4%
17,2%
16,4%
-4,6%
19,1%
19,7%
19,1%
18,9%
19,2%
19,0%
18,9%
18,8%
18,4%
18,4%
-0,8%
5,3%
5,1%
5,1%
4,9%
4,7%
4,7%
4,6%
4,6%
4,5%
4,6%
-0,6%
Fonte: Pesquisa Mensal de Emprego (2003-2012) - IBGE
Tabela 5: Evolução Índice de Gini
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Dif. 2012 - 2003
Índice Gini - Renda
Dif.
0,56
0,55
0,54
0,53
0,53
0,52
0,52
0,51
0,51
0,50
-5,2 p.p.
-0,8 p.p.
-0,9 p.p.
-0,6 p.p.
-0,5 p.p.
-0,6 p.p.
-0,6 p.p.
-0,1 p.p.
-0,7 p.p.
-0,4 p.p.
Fonte: Retirado de Colares (2013), calculado a partir dos dados da Pesquisa Mensal de Emprego (Jan/2003-Jul/2012)
18
3.3
Simulações
Dada a dinâmica das variáveis analisadas na seção anterior, nessa seção são verificados os efeitos de
uma redução no spread sobre a proporção de agentes em cada posição ocupacional e seus consequentes
efeitos alocativos e de bem-estar. É feita uma análise utilizando os spreads de 2008-2012, comparando
os resultados com os dados observados, para verificar a validade do modelo. Além disso, são feitas
simulações contrafactuais supondo uma redução de 50% em ambos os spreads, com e sem informalidade,
e a equalização do spread de pessoa fı́sica com o spread de pessoa jurı́dica, de forma a verificar qual o
impacto da informalidade isolando o efeito da maior restrição de crédito enfrentada pelos empreendedores
informais.
3.3.1
Redução dos Spreads para valores de 2008-2012
A Tabela 6 mostra os resultados das variáveis de interesse para uma queda nos spreads para os valores
médios de 2008-2012. Também é feito um exercı́cio mantendo as transferências do governo no mesmo
nı́vel da calibração base, de forma a isolar o efeito das transferências sobre os resultados.
Tabela 6: Redução dos spreads para valores de 2008-2012
Base (2003-2012)
2008-2012
2008-2012 com Tt fixo
Spreads
χF = 4, 38% χI = 17, 17%
χF = 4, 25% χI = 16, 2%
χF = 4, 25% χI = 16, 2%
Transferências Lump-Sum
0,1249
0,1471
0,1249
Taxa de Juros Real
2,09%
2,12%
2,09%
% Trabalhadores Formais
47,5%
55,8%
59%
% Trabalhadores Informais
19,6%
15,1%
13,4%
% Conta-Própria
18,9%
14%
13,3%
% Empregadores Formais
2,1%
2,5%
2,6%
% Empregadores Informais
3,4%
2,8%
2,6%
% Desempregados
8,5%
9,9%
9,1%
PtF
0,857
0,855
0,872
0,66
0,68
0,69
0,71
0,74
0,75
4,47
4,70
4,76
Gini Renda do Trabalho (Total)
0,254 (0,21)
0,257 (0.211)
0,247 (0,219)
Gini Consumo
0,196
0,198
0,207
Gini Riqueza
0,724
0,742
0,745
Índice de Atkinson do Consumo
0,144
0,152
0,17
Consumo Médio
0,49
0,51 (+3,3%)
0,53 (+6,7%)
Bem-Estar Corrente (Intertemporal)
-2,51 (-93,7)
-2,29 (-85,3)
-2,42 (-90,1)
I
w /w
F
ω CP /wF
ω
EF
/w
F
Fonte: Elaboração própria.
Permitindo que a tributação seja distribuı́da em forma de transferências, os resultados mostram um
efeito forte sobre a escolha ocupacional, mas resultados pouco expressivos sobre a desigualdade, com
19
ı́ndices praticamente inalterados. Já o consumo agregado e o bem-estar da economia aumentam. A
redução no spread para pessoa fı́sica não teve efeito na análise, uma vez que, mantido em nı́veis muito
elevados, nenhum agente utiliza o crédito para suavizar consumo ou investir nas firmas informais. No
entanto, a redução do spread para as firmas formais aumentou a proporção de firmas formais e a demanda
por capital fı́sico, levando, consequentemente, ao aumento da demanda por trabalho formal. A oferta de
trabalho formal teve de aumentar às custas dos trabalhadores informais e por conta-própria. Mantido o
salário dos trabalhadores formais, wtF , constante, a formalização ocorreu pelo aumento das transferências
e pelo aumento da poupança, que tornaram menos arriscado estar desempregado, como explicado na seção
2.5. Em equilı́brio, ocorre uma diminuição do diferencial salarial, uma vez que o salário dos informais
teve que aumentar para equilibrar o mercado. Já os trabalhadores por conta-própria menos produtivos
acabaram arriscando procurar emprego formal, aumentando o ganho médio desta categoria.
Mantendo as transferências no mesmo valor inicial, são obtidos resultados próximos qualitativamente,
mas quantitativamente os efeitos são maiores. Uma diferença importante é que a oferta de trabalho formal
aumenta devido a uma menor probabilidade de não encontrar emprego, fazendo com que o desemprego
não aumente tanto, mesmo com o forte aumento da formalidade. Assim, com um desemprego não tão
elevado, a desigualdade de renda do trabalho sofre redução em relação à calibração base.
Na Figura 9 são ilustradas as distribuições de renda antes e após a queda dos spreads. Embora o
diferencial salarial tenha se reduzido com a queda dos spreads, o lucro dos empreendedores formais aumentou substancialmente e, com o aumento do desemprego, mais pessoas vivem apenas de transferências
e renda financeira. Dessa forma os indicadores de desigualdade não se reduziram e pouco se alteraram,
como visto na Tabela 6. O aumento da desigualdade decorrente desses dois efeitos supera a redução
causada pela queda no diferencial salarial entre trabalhadores, levando a um aumento da desigualdade de
renda, riqueza e consumo, bem como um aumento no Índice de Atkinson do Consumo, uma medida de
desigualdade baseada no bem-estar Atkinson (1970).
Um exercı́cio mantendo a taxa de desemprego em 8,5%, como na calibração base, reduz a desigualdade de renda do trabalho e total, para 0,246 e 0,207, respectivamente. A desigualdade de consumo
também cai, para aquém do valor inicial, para 0,195. Outro exercı́cio, mantendo o diferencial salarial
entre trabalhadores formais e informais iguais aos valores iniciais, mostra que a desigualdade da renda
do trabalho e total pouco se altera e aumenta para 0,259 e 0,213, respectivamente. Essa análise é uma
sinalização de que o principal efeito de uma mudança nos spreads sobre a desigualdade surge da decorrente mudança na posição ocupacional, e não devido à mudanças nos salários médios de cada categoria.
Assim, o que se pode notar é que o modelo parece ser capaz de explicar a queda na informalidade, mas
por não conseguir replicar a queda no desemprego, causada pela mudança demográfica, não gera reduções
20
Figura 9: Mudança na Distribuição de Renda Total
Fonte: Elaboração própria.
na desigualdade, como observado na economia brasileira.
Embora a desigualdade tenha aumentado, a redução nos spreads foi benéfica para a população mais
pobre, devido ao aumento das transferências do governo. A Figura 10 mostra a diferença de bem-estar
entre os estados estacionários, em função da poupança e da ideia corrente, decorrente da mudança nos
spreads. Nota-se que os agentes com altos nı́veis de poupança pouco sofrem alterações no seu bem-estar,
enquanto que os agentes com pouca poupança são mais beneficiados pelo aumento das transferências.
Dessa forma, ainda que os indicadores de desigualdade tenham aumentado, a redução do spread, e consequente aumento das transferências, se mostra eficaz em melhorar a qualidade de vida dos agentes mais
vulneráveis.
3.3.2
Redução dos Spreads em 50%
Verificado que a redução dos spreads pode afetar significativamente a escolha ocupacional e, em menor
intensidade, os ı́ndices de desigualdade, torna-se essencial analisar o resultado decorrente de uma redução
mais drástica nos spreads. Supondo um corte exógeno de 50% em cada um dos spreads considerados, as
mudanças podem ser grandes, ainda que os spreads permaneçam em patamares elevados. Para fazer tal
análise, no entanto, é necessário supor uma mudança salarial no setor formal, uma vez que, caso o mesmo
seja mantido contante, a demanda por trabalho irá aumentar de tal forma que não haverá trabalhadores
suficientes para supri-la. É de se esperar que os trabalhadores tenham algum repasse salarial decorrente
de uma queda nos spreads, uma vez que a classe trabalhadora tem um poder de barganha e é representada
21
Figura 10: Ganho de Bem-Estar
Fonte: Elaboração própria.
pelos sindicatos. Assim, foram feitas simulações supondo um aumento de 20% e 25% no salário formal.16
Os resultados estão descritos na Tabela 7.
Tabela 7: Redução dos Spreads em 50%
Base (2003-2012)
wF +20%
wF +25%
Spreads
χF = 4, 38% χI = 17, 17%
χF = 2, 19% χI = 8, 58%
χF = 2, 19% χI = 8, 58%
Transferências Lump-Sum
0,1249
0,128 (+2,5%)
0,0772 (-38,2%)
Taxa de Juros Real
2,09%
2,5%
2,4%
% Trabalhadores Formais
47,5%
40,2%
23,7%
% Trabalhadores Informais
19,6%
24,6%
37,3%
% Conta-Própria
18,9%
18,7%
25%
% Empregadores Formais
2,1%
1,3%
1,0%
% Empregadores Informais
3,4%
3,9%
5,6%
% Desempregados
8,5%
11,3%
7,5%
PtF
0,857
0,793
0,789
0,66
0,56
0,52
0,71
0,59
0,54
4,47
4,59
3,15
Gini Renda do Trabalho (Total)
0,254 (0,21)
0,296 (0,238)
0,268 (0,22)
Gini Consumo
0,196
0,221
0,199
Gini Riqueza
0,724
0,64
0,541
Índice de Atkinson
0,144
0,162
0,138
Consumo Médio
0,493
0,554 (+12,4%)
0,431 (-12,5%)
Bem-Estar Corrente (Intertemporal)
-2,51 (-93,7)
-2,31 (-86,1)
-2,95 (-110,1)
0%
0,6%
1,3%
I
w /w
F
ω CP /wF
ω
I
EF
/w
I
F
F
D /(D + D )
Fonte: Elaboração própria.
Os resultados da Tabela 7 mostram que, para aumentos salariais menores, a formalização é maior e
16
Para um aumento de 15% não foi encontrado equilı́brio, devido a instabilidade do modelo próximo ao canto aonde não há
trabalhadores informais. Qualitativamente, no entanto, os resultados seriam próximos aos obtidos na seção seguinte, supondo
a ausência de setor informal.
22
o diferencial salarial é menor. Consequentemente as transferências também são maiores. Para ambos
aumentos salariais a desigualdade de riqueza é reduzida de forma notável. Isso ocorre devido ao aumento
da taxa de juros e do risco de ficar desempregado, levando agentes mais vulneráveis a poupar mais.
Para um aumento de 20% nos salários, os indicadores de desigualdade de renda e consumo aumentam
substancialmente, dado o aumento do desemprego e do diferencial salarial. Embora as transferências
tenham aumentando, o valor não foi suficiente para compensar esses dois fatores. O consumo agregado e
o bem-estar, no entanto, aumentam substancialmente. Além disso, a redução no spread para pessoa fı́sica
faz com que alguns empreendedores informais tomem empréstimos, representando um total de 0,6% da
dı́vida total na economia.
Para um aumento salarial de 25%, a informalidade domina a economia. As transferências, dessa
forma, são menores que na calibração base. Assim, os trabalhadores migrarão para o setor informal ou
conta-própria, para evitar o desemprego, agora mais custoso em termos de bem-estar. Com a queda no
desemprego, a desigualdade de renda e consumo se aproximam da calibração base, sendo que o Índice
de Atkinson do Consumo chega a ser menor do que o valor inicial. Os impactos sobre o consumo e
bem-estar são perversos.
3.3.3
Extinção do Setor Informal
Outro resultado interessante que o modelo pode mostrar é o que aconteceria, após uma redução nos
spreads, se não houvesse economia informal, mantendo todos os demais parâmetros constantes. Assim,
é feita a mesma análise da seção anterior, supondo uma queda de 50% nos spreads e um aumento nos
salários de 15%, 20% e 25%, com a hipótese adicional de que a informalidade é inexistente. Essa análise,
em conjunto com os resultados da seção anterior, mostra qual é o papel da informalidade na relação entre
spreads e desigualdade. Os resultados são apresentados na Tabela 8.
O que se nota, em relação ao modelo base com informalidade, é que a proporção de empreendedores
formais é maior, 2,5%, e a taxa de juros é a mesma. Dessa forma a produção do setor formal é maior e,
consequentemente, as transferências são mais altas. Assim, mais agentes irão arriscar procurar emprego
no setor formal, pois as transferências são maiores e não há opção de se tornar informal. O resultado é um
desemprego maior, como esperado, e uma redução na renda média dos trabalhadores por conta-própria,
dado que agentes com piores ideias e poupança baixa não vão querer arriscar procurar emprego no setor
formal.
A extinção da informalidade, no entanto, gera prejuı́zos em termos de consumo e, principalmente,
bem-estar agregado. Além disso, todos os indicadores de desigualdade aumentam sem a presença da
informalidade, uma vez que os agentes têm opções de escolha ocupacional mais restritas.
23
Tabela 8: Extinção do Setor Informal - Redução dos Spreads em 50%
Base (2003-2012)
wF +15%
wF +20%
wF +25%
F
4,38%
2,19%
2,19%
2,19%
I
χ
χ
17,17%
8,58%
8,58%
8,58%
Transferências Lump-Sum
0,1276
0,2499 (+95,8%)
0,1581 (+23,9%)
0,0935 (-38,2%)
Taxa de Juros Real
2,09%
2,54%
2,4%
2,32%
% Trabalhadores Formais
48,1%
82,8%
49,9%
28,2%
% Conta-Própria
37,7%
2,8%
31,2%
58,8%
% Empregadores Formais
2,5%
2,3%
1,6%
1,1%
% Desempregados
11,7%
12,1%
17,3%
11,9%
PtF
0,805
0,873
0,743
0,704
ω CP /wF
0,68
0,76
0,58
0,50
Gini Renda do Trabalho (Total)
0,28 (0,219)
0,229 (0,213)
0,334 (0,243)
0,331 (0,243)
Gini Consumo
0,211
0,195
0,23
0,233
Gini Riqueza
0,767
0,658
0,651
0,564
Índice de Atkinson
0,178
0,151
0,198
0,181
Consumo Médio
0,491
0,829 (+69%)
0,625 (+27,4%)
0,453 (-7,6%)
Bem-Estar Corrente (Intertemporal)
-2,72 (-101,6)
-1,38 (-51,4)
-2,2 (-81,9)
-3,12 (-116,3)
Fonte: Elaboração própria.
A respeito do papel da informalidade sobre a relação entre spreads e desigualdade, talvez o resultado
mais importante que se verifica é que os efeitos de uma redução de 50% nos spreads sobre a desigualdade
transitória tornam-se mais expressivos, sem a presença da informalidade. Os trabalhadores mais vulneráveis são forçados a optar entre arriscar um emprego formal ou aceitar uma remuneração mais baixa
ao trabalhar por conta-própria. No caso em que o salário formal aumenta apenas 15% a demanda por trabalho formal aumenta fortemente, bem como as transferências, levando quase 95% dos agentes a procurar
um emprego formal, deixando apenas os agentes com melhores ideias trabalharem por conta-própria ou
abrir um negócio. O resultado é um grande aumento do consumo agregado e do bem-estar, além de uma
redução em todos os indicadores de desigualdade.
Para um aumento de 20% nos salários, mesmo com as transferências aproximadamente 25% maiores,
o aumento no desemprego para 17,3%, em conjunto com o aumento da proporção de trabalhadores por
conta-própria sem boas ideias, leva ao aumento da desigualdade de renda e consumo. O consumo e
bem-estar agregados, no entanto, aumentam com maior intensidade do que no caso com informalidade.
Também divergindo do caso com informalidade, a proporção de trabalhadores formais aumenta ao invés
de cair.
No caso da simulação com um aumento de 25% nos salários, o consumo cai menos do que no caso
com informalidade, mas os indicadores de desigualdade de renda e consumo sofrem maiores aumentos,
uma vez que o desemprego não cai, pois os trabalhadores não têm a opção de se tornarem informais e se
tornam trabalhadores por conta-própria mesmo sem ter boas ideias.
24
Tabela 9: Equalização dos Spreads
Base (2003-2012)
Spreads
χF
= 4, 38%
χI
= 17, 17%
Equalização
χF
= χI = 4, 38%
Transferências Lump-Sum
0,1249
0,0943 (-24,5%)
Taxa de Juros Real
2,09%
2,26%
% Trabalhadores Formais
47,5%
36%
% Trabalhadores Informais
19,6%
30,4%
% Conta-Própria
18,9%
20%
% Empregadores Formais
2,1%
1,6%
% Empregadores Informais
3,4%
5,3%
% Desempregados
8,5%
6,6%
PtF
0,857
0,864
wI /wF
0,66
0,68
ω CP /wF
0,71
0,69
ω EF /wF
4,47
3,98
Gini Renda do Trabalho (Total)
0,254 (0,21)
0,229 (0,202)
Gini Consumo
0,196
0,185
Gini Riqueza
0,724
0,716
Índice de Atkinson
0,144
0,131
Consumo Médio
0,493
0,43 (-11,9%)
Bem-Estar Corrente (Intertemporal)
-2,51 (-93,7)
-2,83 (-105,7)
DI /(DI + DF )
0%
3,2%
Fonte: Elaboração própria.
3.3.4
Equalização dos Spreads
Sabe-se que spreads menores incentivam a utilização de capital pelas firmas, ao reduzir o custo marginal
do capital. Além de sofrerem restrições de tamanho por questões de fiscalização, firmas informais têm
acesso ao crédito muito restrito. Dessa forma, uma análise interessante é identificar qual o impacto de
uma redução no spread de pessoa fı́sica aos mesmos nı́veis do spread para pessoa jurı́dica, de forma a
anular a diferença entre as fricções de crédito. A ideia é identificar o impacto da diferença de fricções,
considerando apenas a perda de eficiência por parte das firmas informais em burlar a fiscalização. Os
resultados são mostrados na Tabela 9.
O que se percebe é que a equalização dos spreads incentiva a escolha da informalidade pelos empreendedores, que passam a representar 5,3% da população, enquanto que os formais ficam mais raros, com
1,6% da população. Além disso, mesmo com o crédito mais barato, apenas 3,2% da dı́vida financeira
está nas mãos dos empreendedores informais. Dessa forma, ao utilizar menos capital, o retorno marginal
do trabalho das firmas informais é menor que o das firmas formais, que somada a queda na proporção
de empreendedores formais, leva a uma queda de quase 12% no consumo agregado, em especial dos
empreendedores formais, que sofrem com o aumento da taxa de juros real.
A diferença salarial entre formais e informais reduz ligeiramente. Os trabalhadores por conta-própria
25
mais eficientes viram empreendedores informais e, com a queda na arrecadação do governo decorrente
do encolhimento do setor formal, as transferências caem quase 25%, fazendo com que agentes com ideias
medı́ocres prefiram se tornar trabalhadores por conta-própria para evitar o desemprego. Com a redução
do setor formal e com o aumento da probabilidade de se encontrar emprego no setor formal, o desemprego
cai aproximadamente 2 p.p., mas ainda assim o bem-estar sofre notável redução.
Somando a queda na renda dos empreendedores formais, a aproximação salarial entre os agentes e a
queda significativa no desemprego, o que ocorre é a queda de todos os indicadores de desigualdade, em
especial a desigualdade de renda decorrente do trabalho.
Essa análise serve como base para o estudo de polı́ticas de incentivo ao crédito para firmas informais,
como o microcrédito. O resultado indica que tais polı́ticas devem ser vistas com cautela, uma vez que
podem incentivar o setor informal.
4
Conclusão
Neste trabalho foi desenvolvido um modelo de agentes heterogêneos com escolha ocupacional e fricções
de crédito capaz de identificar como mudanças nos spreads bancários afetam as distribuições de renda,
riqueza e consumo, considerando o canal da informalidade.
O principal resultado encontrado é que uma redução no spread para pessoa jurı́dica aumenta a demanda por capital fı́sico pelos empreendedores formais, que consequentemente eleva a demanda por
trabalho formal, caracterizado pelo alto ı́ndice de desemprego. Além disso, as transferências do governo
aumentam, incentivando a procura por trabalho formal. Os efeitos lı́quidos sobre desemprego, diferencial
salarial e desigualdade dependerão das transferências do governo e do quanto os empregados formais conseguirão obter de aumento salarial. Já a redução do spread de pessoa fı́sica, ao mesmo patamar do spread
de pessoa jurı́dica, gera incentivos à informalidade, o que reduz o desemprego, o diferencial salarial e os
indicadores de desigualdade, em detrimento do consumo e bem-estar agregados.
Além disso, é verificado que a informalidade permite que os agentes suavizem renda, consumo e
bem-estar. As simulações indicam que a atual economia brasileira estaria em pior situação caso a informalidade fosse extinta. Todavia, os efeitos positivos de reduções nos spreads é reduzido, em relação a
uma economia sem informalidade.
O modelo sugere que uma redução do spread, alinhado a um baixo aumento salarial, seria benéfica
para reduzir a informalidade, a desigualdade e aumentar o bem-estar da economia. Dessa forma, polı́ticas
adequadas por parte do governo seriam: i) direcionar ou subsidiar o crédito para as empresas formais
produtivas; ii) utilizar o aumento da arrecadação provendo bens públicos, seguro desemprego e trans-
26
ferências diretas e; iii) evitar reajustes do salário mı́nimo e aumentos salariais nas negociações com os
sindicatos.
Apesar das limitações do modelo, em especial por não incorporar um modelo de search & matching
e por considerar agentes ex-ante idênticos quanto ao nı́vel educacional e outros fatores idiossincráticos,
o modelo se mostrou capaz de replicar algumas evidências encontradas na economia brasileira, em especial a formalização do mercado de trabalho. Uma extensão do modelo que considerasse essas limitações
possivelmente seria capaz de explicar melhor a evolução da desigualdade e uma parte da queda no desemprego e desigualdade no Brasil.
Referências
Aiyagari, S. R. (1994), “Uninsured idiosyncratic risk and aggregate saving”, The Quarterly Journal of Economics ,
Vol. 109, pp. 659–84.
Amaral, P. S. and Quintin, E. (2006), “A competitive model of the informal sector”, Journal of Monetary Economics
, Vol. 53, Elsevier, pp. 1541–1553.
Antunes, A., Cavalcanti, T. and Villamil, A. (2008a), “Computing general equilibrium models with occupational
choice and financial frictions”, Journal of Mathematical Economics , Vol. 44, pp. 553–568.
URL: http://ideas.repec.org/a/eee/mateco/v44y2008i7-8p553-568.html
Antunes, A., Cavalcanti, T. and Villamil, A. (2008b), “The effect of financial repression and enforcement on entrepreneurship and economic development”, Journal of Monetary Economics , Vol. 55, pp. 278–297.
URL: http://ideas.repec.org/a/eee/moneco/v55y2008i2p278-297.html
Antunes, A., Cavalcanti, T. and Villamil, A. (2011), ‘The effects of credit subsidies on development’.
Antunes, A., Cavalcanti, T. and Villamil, A. (2013), “Costly intermediation and consumption smoothing”, Economic Inquiry , Vol. 51, pp. 459–472.
URL: http://ideas.repec.org/a/bla/ecinqu/v51y2013i1p459-472.html
Antunes, A. R. and Cavalcanti, T. V. d. V. (2007), “Start up costs, limited enforcement, and the hidden economy”,
European Economic Review , Vol. 51, pp. 203–224.
URL: http://ideas.repec.org/a/eee/eecrev/v51y2007i1p203-224.html
Arabage, A. (2013), Os determinantes da mudança da desigualdade de salários no setor formal do Brasil, PhD
thesis, São Paulo School of Economics.
27
Araújo, E. (2005), “Avaliando três especificações para o fator de desconto estocástico através da fronteira de volatilidade de hansen-jaganathan: um estudo empı́rico para o brasil”, Pesquisa e planejamento econômico , Vol. 35,
pp. 49–73.
Atkinson, A. B. (1970), “On the measurement of inequality”, Journal of Economic Theory , Vol. 2, pp. 244 – 263.
URL: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/0022053170900396
Banerjee, A. V. and Newman, A. F. (1993), “Occupational choice and the process of development”, Journal of
political economy , JSTOR, pp. 274–298.
Barros, R. P., Carvalho, M. and Franco, S. (2007), “O papel das transferências públicas na queda recente da desigualdade de renda brasileira”, Desigualdade de Renda no Brasil: uma análise da queda recente , Vol. 2,
pp. 41–86.
Bernanke, B. S., Gertler, M. and Gilchrist, S. (1999), The financial accelerator in a quantitative business cycle
framework, in Bernanke et al. (1999), chapter 21, pp. 1341–1393.
URL: http://ideas.repec.org/h/eee/macchp/1-21.html
Buera, F. J., Kaboski, J. P. and Shin, Y. (2012), The macroeconomics of microfinance, Working Paper 17905,
National Bureau of Economic Research.
URL: http://www.nber.org/papers/w17905
Colares, B. (2013), Polı́ca monetária e desigualdade: Efeito de choques de polı́tica monetária em desigualdade de
renda e salário no brasil.
da Silva, A. F. R. E. and Pero, V. L. (2008), “Segmentação do mercado de trabalho e mobilidade de renda entre
2002 e 2007”, Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia .
Davies, J. B., Sandström, S., Shorrocks, A. and Wolff, E. N. (2011), “The level and distribution of global household
wealth*”, The Economic Journal , Vol. 121, Wiley Online Library, pp. 223–254.
De Paula, A. and Scheinkman, J. A. (2007), The informal sector, Technical report, National Bureau of Economic
Research.
dos Santos, F. S. (2013), “Ascensão e queda do desemprego no brasil: 1998-2012”.
Freije, S. and Souza, A. (2002), “Earnings dynamics and inequality in venezuela: 1995–1997”, Vanderbilt University, Department of Economics, Working Paper .
Gomes, V., Bugarin, M. N. and Ellery-Jr, R. (2005), “Long-run implications of the brazilian capital stock and
income estimates”, Brazilian Review of Econometrics , Vol. 25, pp. 67–88.
28
Guerrieri, V. and Lorenzoni, G. (2011), Credit crises, precautionary savings, and the liquidity trap, Working Paper
17583, National Bureau of Economic Research.
URL: http://www.nber.org/papers/w17583
Guerriero, M. (2012), “The labour share of income around the world: evidence from a panel dataset”, Manchester,
University of Manchester, Institute for Development Policy and Management (IDPM) .
Gustavsson, M. (2007), “The 1990s rise in swedish earnings inequality–persistent or transitory?”, Applied Economics , Vol. 39, Taylor & Francis, pp. 25–30.
Imrohoroglu, A. (1992), “The welfare cost of inflation under imperfect insurance”, Journal of Economic Dynamics
and Control , Vol. 16, pp. 79–91.
URL: http://ideas.repec.org/a/eee/dyncon/v16y1992i1p79-91.html
Kanczuk, F. (2002), “Juros reais e ciclos reais brasileiros”, Revista Brasileira de Economia , Vol. 56, pp. 249–267.
URL: http://ideas.repec.org/a/fgv/epgrbe/v56n2a3.html
Lucas, R. (1978), “On the size distribution of business firms”, The Bell Journal of Economics , JSTOR, pp. 508–523.
Morandi, L. and Reis, E. (2004), “Estoque de capital fixo no brasil, 1950-2002”, Anais do XXXII Encontro Nacional
de Economia .
c
Paes, N. L. (2010), “Mudanças no sistema tributário e no mercado de crÃdito
e seus efeitos sobre a informalidade no brasil”, Nova Economia , Vol. 20, pp. 315–340.
Paes, N. L. and Bugarin, N. S. (2006), “Parâmetros tributários da economia brasileira”, Estudos Econômicos (São
Paulo) , Vol. 36, SciELO Brasil, pp. 699–720.
Ramos, X. (2003), “The covariance structure of earnings in great britain, 1991–1999”, Economica , Vol. 70, Wiley
Online Library, pp. 353–374.
Rauch, J. E. (1991), “Modelling the informal sector formally”, Journal of development Economics , Vol. 35, Elsevier, pp. 33–47.
Santos, A. L. and Souza, A. P. (2007), “Earnings inequality in brazil: Is it permanent or transitory?”, Brazilian
Review of Econometrics , Vol. 27, pp. 259–284.
Schneider, F. (2002), Size and measurement of the informal economy in 110 countries, in ‘Workshop on Australian
National tax centre’.
Silveira Neto, R. d. M. and Menezes, T. A. d. (2010), “Nivel e evolução da desigualdade dos gastos familiares no
brasil: uma análise para as regiões metropolitanas no perı́odo 1996 a 2003”, Estudos Econômicos (São Paulo) ,
Vol. 40, scielo, pp. 341 – 372.
29
Soares, S. (2010), “A distribuição dos rendimentos do trabalho ea queda da desigualdade de 1995 a 2009”, mercado
de trabalho , Vol. 45, p. 35.
Straub, S. (2005), “Informal sector: the credit market channel”, Journal of Development Economics , Vol. 78,
Elsevier, pp. 299–321.
A
Algoritmo
O algoritmo para encontrar o equilı́brio é esquematizado da seguinte forma:
1. Calibra-se os parâmetros, o número mı́nimo e máximo de ativos e a quantidade de grids.
2. A partir de um valor inicial para as transferências lump-sum do governo, τ , é calculada a matriz de
utilidade dos agentes, já considerando a melhor escolha ocupacional.
3. A partir de um valor inicial para a função valor, V (s, θ), calcula-se qual a melhor escolha dos
agentes, até que ocorra convergência.
4. Dada a convergência da função valor, obtém-se a matriz de transição, λ(s, θ).
5. A nova transferência do governo é calculada e atualizada. Repete-se o processo desde o item 2 até
que o excesso de demanda por trabalho e capital estabilize.
6. Com base no excesso de demanda por trabalho e capital, novos valores são atribuı́dos para rt , wtI , PtF .
Repete-se o processo desde o item 2 até que o excesso de demanda nos mercados não ultrapasse
1%, em módulo, em todos os mercados.
B
Processo de Markov de Ideias
Para efeitos computacionais a distribuição de ideias é discretizada em um processo de Markov com 11
estados. Os valores da matriz de transição foram escolhidos de forma a gerar persistência no processo e
obter uma função de densidade de probabilidade semelhante a de uma distribuição normal discretizada
com média 0,5 e desvio-padrão 0,2.

70













0
Ψ(θ, θ ) = 












10
7
5
3
0.5
70
0.5
1, 5
1, 5
10
5
4
3
80
5
4
3
1
1
0, 5
0, 5
0, 5
2, 5
2
1, 5
1
0, 5
2, 5
1, 5
1
0.5
0, 5
0, 25
1
2
90
2
1, 5
1
1
0, 5
0, 5
0, 25
0, 25
0, 5
1
1
93
1
1
1
0, 5
0, 5
0, 25
0, 25
0, 25
0, 5
0, 5
1
95
1
0, 5
0, 5
0, 25
0, 25
0, 25
0, 5
0, 5
1
1
1
93
1
1
0, 5
0, 25
0, 25
0, 5
0, 5
1
1
1, 5
2
90
2
1
0, 25
0, 5
0.5
1
1, 5
2, 5
3
3
5
80
1, 5
0, 5
0, 5
1
1, 5
2
2, 5
3
4
5
10
70
0, 5
0, 5
0, 5
0, 5
1
1
1, 5
3
5
7
10
70
30
 
8
1
0.96


 

1  2, 14 

 


 


1  5, 25 
 



 


1 11, 48

 


 


1 18, 33

 



 
 /100 ⇒1 23, 67 /100

 


 


1 18, 33
 



 


1 11, 48

 


1  5, 25 

 


 


1  2, 14 
 



1
0, 96
Figura 11: Distribuição Invariante de Ideias
Fonte: Elaboração própria.
C
Curvas de Lorenz
A seguir são apresentadas as Curvas de Lorenz de riqueza, consumo e renda referentes à calibração base.
Figura 12: Curvas de Lorenz - Calibração Base
Fonte: Elaboração própria.
31

Documentos relacionados