Revista Época. A Lição Que Vem Do Rio

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Revista Época. A Lição Que Vem Do Rio
02/03/2013
Especial - A Lição Que Vem Do Rio
O Rio de Janeiro dribla o declínio, volta a olhar pra o futuro e se torna um exemplo
para as metrópoles do Brasil
Leonardo Souza
Em julho de 2016, quando os cariocas passarem a pira olímpica para os
organizadores dos Jogos de 2020 - as candidatas são Tóquio, Istambul, Madri, Doha
e Baku -, o Rio de Janeiro será outra cidade. A capital fluminense, como San
Francisco ou Lisboa, voltará a ter bondes charmosos circulando pelo centro da
cidade - numa versão moderna, os Veículos Leves sobre Trilhos, ou VLTs. Como em
Buenos Aires, a antes decadente zona portuária voltará a ser um polo de negócios e
turismo - o primeiro passo foi a inauguração do Museu de Arte do Rio (MAR), na
semana passada. Como em Tóquio ou Berlim, grandes obras arquitetônicas
embelezarão a região central, caso do Museu do Amanhã, projetado pelo premiado
espanhol Santiago Calatrava. Como em Paris ou Barcelona, avenidas fechadas para
automóveis serão transformadas em bulevares.
Desde que se tornou a primeira capital de um país europeu fora da Europa quando o rei de Portugal Dom João VI se mudou para o Brasil, em 1808, fugindo
das guerras napoleônicas -, o Rio de Janeiro é o principal cartão de visita do país.
Esteve perto de perder esse protagonismo quando deixou de ser capital, em 1960, e
quando passou a enfrentar índices altíssimos de violência urbana, nas últimas
décadas do século XX. No século XXI, o outono do desalento se transformou em
glorioso verão sob o sol carioca. O Rio deixou de sentir saudade do passado e voltou
a olhar para o futuro. A impressionante reviravolta carioca traz várias lições para as
demais metrópoles brasileiras. Deve servir de inspiração para paulistanos e
natalenses, ludovicenses e manauaras, soteropolitanos e capixabas, brasilienses,
florianopolitanos, curitibanos etc. O renascimento do Rio se baseia em cinco pilares
- e cada um deles traz lições para as demais cidades:
1) É impossível virar o jogo sem dinheiro. O investimento pode ser público (para
isso, o Erário municipal precisa ser saneado) ou privado. O Rio é a cidade campeã
brasileira de PPPs, as Parcerias Público-Privadas e a capital regional que mais atrai
investimentos no mundo;
2) É preciso adotar um sistema eficaz de gestão e cobrança por metas, que faça as
obras sair do papel nos prazos previstos. O Rio se tornou um canteiro de obras,
situação que deve se tornar ainda mais visível a partir do segundo semestre;
3) O eixo da recuperação de uma cidade deve ser o sistema de transportes. O Rio
adotou um modelo inovador de distribuição do fluxo humano, que envolve metrô,
corredores exclusivos para ônibus articulados e novas siglas que começam
a
fazer parte da vida carioca, como VLS ou BRT. O objetivo é retirar carros e ônibus
das ruas para melhorar o trânsito e a qualidade de vida;
4) A segurança do cidadão deve ser encarada como prioridade. Para isso, qualquer
cidade precisa, como o Rio, manter uma parceria com o governo estadual que
funcione tão bem quanto as célebres Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs,
implantadas nas favelas cariocas tomadas do tráfico;
5) Oportunidades existem para ser aproveitadas. O Rio recebeu uma dádiva da
natureza, as reservas de petróleo na camada do pré-sal, que traz benefícios para o
Estado e atrai investidores (na semana passada, uma decisão do Supremo Tribunal
Federal passou a ameaçar os royalties a que o Rio faz jus, como se pode ler na
página 12). Outra oportunidade foi aberta pelos grandes eventos que o Rio sediará como as finais da Copa das Confederações neste ano, da Copa do Mundo de 2014 e
a Olimpíada de 2016. Ao usar os eventos para alavancar a recuperação da cidade, o
Rio acendeu o rastilho do crescimento econômico.
Todas as obras citadas no primeiro parágrafo desta reportagem foram feitas a
pretexto da Olimpíada. Elas não têm, porém, relação com os jogos, segundo o
prefeito Eduardo Paes. Assim que o Rio foi escolhido para sediar a Olimpíada, Paes
visitou as cidades de Barcelona, Atenas e Londres. “Vi uma frase do prefeito de
Barcelona na época, o Pasqual Maragall, que dizia o seguinte: "Há dois tipos de
Jogos Olímpicos: o que se beneficia da cidade, que se utiliza da cidade, e aquele em
que a cidade se beneficia dos Jogos’”, disse Paes a ÉPOCA. “Os Jogos Olímpicos se
tornaram uma desculpa para fazer tudo. Praça da Bandeira, BRT (corredores de
ônibus conhecidos como Bus Rapid Transport, ou ônibus de transporte rápido). Você
acha que algum cartola usará BRT para chegar ao hotel? Tudo o que a gente faz
como se fosse coisa da Olimpíada, de olímpico não tem nada.” Os dois maiores
eventos esportivos do mundo servirão, assim, de pretexto para realizar intervenções
urbanísticas num curto espaço de tempo, numa escala comparável somente à
gestão de Pereira Passos, o prefeito do início do século passado que alçou o Rio à
condição de Cidade Maravilhosa.
Há um novo estilo de administração municipal em curso, que Paes batizou de
“gestão de alto desempenho”. Todas as segundas-feiras, ele reúne em seu gabinete,
no 13º andar do edifício-sede da prefeitura do Rio, um restrito grupo de oito
pessoas de sua extrema confiança, a começar por seu braço direito, o secretáriochefe da Casa Civil, Pedro Paulo Teixeira. Paes cobra resultados de sua equipe e
recebe informações sobre questões urgentes que só ele pode resolver. A das
grandes corporações, a prefeitura implementou metas de resultados, pagamento de
bônus e capacitação de servidores. Isso permitiu ao município sanar suas finanças,
aumentar sua arrecadação e, assim, promover um salto nos investimentos.
Em 2009, as finanças do município eram precárias. A capacidade de investimento
da prefeitura estava limitada a R$ 160 milhões. O gasto com pessoal consumia mais
da metade do orçamento. Um dos motivos era o alto custo da dívida da prefeitura.
Somente com juros, foram gastos naquele ano R$ 715 milhões. No primeiro dia de
seu primeiro mandato, Paes publicou 40 decretos reorganizando a administração
municipal. Cortou em 20% os contratos de prestadores de serviço com a prefeitura.
Impediu aditivos e reajustes aos demais contratos existentes. No lado das receitas,
implantou a nota fiscal eletrônica, que dificulta a sonegação de tributos, e reviu
contratos de aluguel de imóveis. Renegociou a dívida com o Banco Mundial. Com
essas medidas, de 2009 para 2012 a participação dos investimentos subiu de 1,5%
do orçamento total da prefeitura para 15,4%. Em termos absolutos, significa dizer
que saiu de R$ 160 milhões para R$ 3,1 bilhões. Como proporção da arrecadação,
hoje o Rio é a cidade que mais investe no Brasil.
Parte desse investimento foi para uma área estratégica: a segurança. A pacificação
das favelas controladas pelo tráfico, iniciada há quatro anos, com a criação das
UPPs, beneficiou, segundo a Secretaria de Segurança do Estado, cerca de 300 mil
moradores. A taxa de homicídios, 56 mortes para cada 100 mil habitantes em 2000,
caiu para 24 no ano passado. Outra iniciativa foi a adoção das PPPs. Hoje, o Rio
conta com as três maiores PPPs em andamento no país: o Parque Olímpico (R$ 1,3
bilhão), a revitalização da região portuária (R$ 7,6 bilhões) e o VLT (R$ 1,1 bilhão).
Aos poucos, e com firmeza, o setor privado vem recuperando a confiança na
cidade. O Rio é, hoje, a capital de Estado que mais recebe investimentos por metro
quadrado no mundo, segundo o estudo Decisão Rio, da Federação das Indústrias do
Estado do Rio de Janeiro (Firjan). De acordo com a prefeitura, os pedidos de
abertura de novos negócios no ano passado foram quase 50 vezes o número de
2010. Nos últimos cinco anos, o Rio recebeu US$ 21 bilhões em investimento
estrangeiro, mais que o dobro dos cinco anos anteriores.
Empresas voltaram a se instalar na cidade. É o caso da britânica Diageo, fabricante
do uísque Johnnie Walker. Outras inauguram negócios no Rio, em diversos setores,
como GE, LOréal e Siemens. O Rio se tornou atraente especialmente para o setor de
petróleo. Dois gigantes da área acabaram de abrir sede no Rio: Schlumberger e
Halliburton. Todas no novo parque tecnológico na Ilha do Fundão. Em outros pontos
da cidade, aportam Microsoft e Rolls-Royce, esta última com equipamentos para a
geração de energia. Movimentação semelhante ocorre na área do comércio. A
primeira loja da Apple na América Latina é esperada para o Village Mall, shopping de
luxo recém-inaugurado na Barra da Tijuca - onde também abriram lojas da Tiffany,
Cartier, Ermenegildo Zegna, Prada e Gucci. Companhias aéreas abriram voos diretos
para o Rio, como Lufthansa e Emirates.
Paes afirma também que todas essas obras têm um custo: o transtorno dos
congestionamentos para os motoristas. E faz um alerta: o trânsito, que já está ruim,
piorará a partir do segundo semestre deste ano. “É aquela história, numa situação
normal, o ideal era que isso tudo tivesse acontecido ao longo de 30,40 anos.
Enquanto, nesse período, a cidade fez um único túnel, só agora estão em
construção nove.” Para Paes, o Rio tem condição de ser considerada a melhor
cidade do Hemisfério Sul. “Assim como Nova York, San Francisco, Tóquio, Londres e
Paris são cidades protagonistas de seu país, o Rio tem todas as condições de
exercer essa função.” O maior legado que ele deixa para o Rio? “O principal legado é
a recuperação da autoestima do carioca.” E o exemplo para todas as demais
metrópoles do Brasil.
CORAÇÃO DO MEU BRASIL
Com idéias criativas e novos investimentos, o Rio de Janeiro volta a inspirar e a
influenciar o país
Martha Mendonça
O Rio de Janeiro voltou a ser a cidade que inspira o Brasil. Aos poucos, recupera a
influência que tinha nos anos 1950 e 1960, época em que Burle Marx rasgava
jardins e Oscar Niemeyer projetava os edifícios que faziam do Rio uma cidade ainda
mais maravilhosa - digna de ser cantada nos versos de Tom Jobim e Vinícius de
Moraes. No passado, a pujança cultural do Rio se escorava num time de criadores
geniais como eles. Hoje, ela se deve principalmente à recuperação econômica, que
fez com que florescessem na cidade novos poios de moda, cinema, música e
esporte. Em cada um desses campos, novos criadores cariocas começam a deixar
sua marca. A soma entre o dinheiro e a perspectiva de exposição internacional com
dois grandes eventos esportivos - Copa do Mundo e Olimpíada - também atraiu o
interesse de arquitetos de renome, além de movimentar o turismo. Com tudo isso, o
carioca, aos poucos, começa a recuperar a autoestima.
Nas últimas décadas, os elogios ao Rio vinham sempre acompanhados de
conjunções adversativas. “Cidade linda,mas violenta.” “Bela, porém suja.” Alto
Astral, mas desorganizada.”
O Rio, que era capital política, econômica e cultural do país desde a chegada da
família real portuguesa, viveu um período de auge na época de Niemeyer, Burle
Marx, Vinícius de Moraes e Tom Jobim - para depois, aos poucos, ir perdendo a
magnitude. De acordo çom a historiadora Marly Motta, coordenadora do Núcleo de
Estudos e Pesquisa do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas, isso começou
quando a cidade deixou de ser a capital do Brasil. “Perdemos os grandes salários do
funcionalismo federal, o peso nas decisões; depois, nos anos 1970, o Estado da
Guanabara também foi extinto. Construímos, a partir daí, uma sensação de
saudosismo, de olhar para o passado, que, somada a governos ruins e à escalada da
violência, estagnou a cidade”, afirma. Vários fatores fizeram o cenário mudar nos
últimos anos. Vontade política dos novos governos, união das instâncias municipal,
estadual e federal e mesmo a crise mundial, que atingiu menos o Brasil. “Hoje, o Rio
olha para o futuro, não mais para o passado”, diz.
É verdade que a paz precisa ser consolidada (a taxa de homicídio ainda é o dobro
da paulistana), o trânsito também está caótico, os taxistas enganam os turistas e os
serviços não são tão eficientes quanto em outras capitais globais. Mas nos anos
dourados também não era tudo lindo. “De dia falta água/De noite falta luz”, dizia a
marchinha de Victor Simon e Fernando Martins, lançada em 1954. Em comum entre
as duas épocas, há o olhar para o futuro, como diz a historiadora Marly Motta, e a
esperança de que tudo se resolverá. Naquele tempo, a expectativa era que o
charme e o talento cariocas resolveriam os problemas. Agora, a aposta é mais no
trabalho, na criatividade e no empreendedorismo. Para usar uma expressão bem
carioca, o Rio - que em 2012 recebeu o título de Patrimônio Mundial da Humanidade
na categoria Paisagem Urbana - quer mostrar que é “mais do que um rostinho
bonito”.
A seguir, os principais campos onde o Rio volta a projetar influência.
MODA
Para o carioca, luxo é conforto. É acordar, colocar uma sandália de dedo, dar um
mergulho na praia, tomar água de coco e esperar o pôr do sol. É esse jeito de vestir
que, inspirando as coleções de grifes locais, influencia o Brasil e o mundo.
“Precisamos patentear esses maneirismos”, diz o estilista carioca Carlos Tufvesson,
hoje também chefe da Coordenadoria de Diversidade Especial da prefeitura e
presidente do Conselho Municipal de Moda. “Quanto mais colocarmos nosso DNA nas
coleções, mais seremos valorizados aqui e fora do país.” Um de seus projetos é a
criação do selo Made in Rio.
A moda gera 206.800 empregos no município. De 2010 para 2011, cresceu 8%. Em
dez anos, a cadeia produtiva da moda rendeu R$ 7,7 bilhões na cidade. Hoje, o Rio
exporta roupa em maior quantidade e com preço mais alto. Quase 30% do total
exportado são biquínis e maios. Só de 2010 para 2011, ficaram 16% mais caros. Há
dez anos, segundo a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), 30 marcas
do Brasil inteiro importavam roupas produzidas no Rio. Hoje são 56. “Num momento
em que o mundo inteiro olha para nós, o potencial dessa indústria é incalculável”,
afirma Cristiane Alves, gerente de moda e design da Firjan.
O look Rio se realimenta com iniciativas como o blog RioETC, feito pelo casal de
jornalistas cariocas Tiago Petrik e Renata Abranchs. Há quatro anos, eles
começaram a postar fotografias de gente estilosa nas ruas do Rio. Já colocaram na
internet mais de 10 mil fotos, à velocidade de quatro atualizações por dia. O blog
virou referência para estilistas e gente que trabalha com figurino no cinema e na TV.
No ano passado, figurou na lista de melhores sites de moda de rua do mundo,
escolhido pela revista francesa Grazia. “O carioca mistura o que viu na revista com o
que já tem no armário de um jeito intuitivo e relaxado”, diz Petrik.
MÚSICA
Assim como o jeito de viver carioca inspirou a bossa nova há mais de 50 anos, a
crônica e os personagens da cidade continuam nas canções. Só que o ritmo que
define a cidade não é mais um só. “Essa mistura não para nunca. Há samba, bossa
nova, samba-rock, funk, rap com samba, charme. Os gringos ficam fascinados com
essa capacidade”, diz o crítico e produtor musical Nelson Motta. Como nota o
jornalista e escritor Arthur Dapieve no livro De cada amor tu herdarás só o cinismo,
em geral os cinquentões e sessentões cariocas gostam de rock, enquanto os mais
jovens preferem os ritmos brasileiros, como o samba e a bossa nova. É comum que
um cantor de rock veterano se junte a uma turma de jovens que curtem gafieira
para criar um “projeto alternativo” revivendo o maxixe do século XIX - e é essa
convivência entre artistas de vários estilos que dá a cara musical do Rio, expressa
nos grupos de sucesso da nova geração, como a Orquestra Imperial ou o Rancho
Flor do Sereno.
Fruto dessa cultura, o grande artista carioca modelo exportação é o cantor e
compositor Seu Jorge. Nascido em Belford Roxo, no Grande Rio, de família humilde,
ele chegou a morar na rua, até conhecer gente da música e formar o grupo Farofa
Carioca. Na carreira solo - em que toca pagode, samba-rock, funk e até pop
romântico -, já vendeu meio milhão de discos, tocou em festa da Daslu e encheu
casas de espetáculo na França. Por aqui, as canções de seu último CD, Música para
churrasco, é onipresente nas rádios, em baladas e, claro, churrascos - das lajes das
favelas às casas noturnas da Zona Sul.
Para além da música feita em casa, a cidade virou um palco cobiçado. Há dez anos,
eram raros os artistas internacionais que se apresentavam na cidade no auge da
carreira. Agora, o Rio faz parte do circuito das turnês mundiais dos maiores astros
pop do momento. O Rock in Rio, que voltou com grandiosidade em 2011 e agora
acontecerá a cada dois anos, trouxe Kate Perry e Rihanna. Madonna já foi ver show
no Circo Voador, casa mitológica na Lapa, tomando caipirinha com o jovem
namorado carioca. Paul McCartney, que também não sai do Rio, andou de bicicleta
no Aterro do Flamengo no ano passado sem ser incomodado. Lady Gaga brincou
com as crianças do Cantagalo.
NOVELAS
Programas de maior audiência da TV brasileira - exportados para mais de 100
países -, as novelas promovem o Rio de Janeiro para quem não mora na cidade,
talvez mais do que propagandas turísticas oficiais. De acordo com o estudo da
socióloga Daniela Stocco, da UFRJ, cerca de 60% das novelas da TV Globo têm o Rio
como cenário. Várias tramas de autores de primeiro time, como Manoel Carlos ou
Gilberto Braga, foram ambientadas em terras cariocas. “Essa escolha traz à tona
uma visão de sociedade brasileira urbana e contemporânea, que não abriu mão de
unir o desenvolvimento, a riqueza e o luxo à simplicidade, à alegria e à
informalidade”, diz.
Recentemente, as novelas têm mostrado não apenas o Rio da Zona Sul, parte mais
nobre da cidade, mas também a beleza e as atrações do subúrbio. Avenida Brasil,
de João Emanuel Carneiro, novela de maior repercussão nos últimos 20 anos,
inaugurou uma trama ambientada praticamente só na Zona Norte, no bairro fictício
do Divino - uma espécie de Madureira reinventada. O carioca da Zona Norte se viu
ali. O da Zona Sul curtiu -e imitou. Em Ipanema e Leblon, bairros mais abastados,
popularizaram-se as cores fortes, as blusas decotadas e os shorts curtinhos do
Divino, usados pela atriz Isis Valverde, a mineira que se tornou musa carioca
vivendo a “periguete” Suelen. O mesmo jeito de vestir vem consagrando Bruna
Marquezine na novela das 9, Salve Jorge. O estilo sexy e popular é o retrato do Rio
colorido e integrado - diferente do Rio aristocrático de antes - que predomina nas
novelas atuais.
ARQUITETURA
“O Rio está se tornando uma cidade global”, diz o arquiteto espanhol Santiago
Calatrava. Ele projetou o Museu do Amanhã, construção futurista que será erguida
na zona portuária do Rio até o fim do ano que vem. O festejado arquiteto espanhol
é um dos nomes da lista de craques que redesenha a cara da cidade. Ao longo dos
próximos anos, escritórios locais, em parceria com estrangeiros, serão responsáveis
pelas transformações urbanas do espaço carioca. Um dos focos é a região portuária.
O projeto de revitalização da área, o Porto Maravilha, atraiu vários
empreendimentos. Alguns dos mais monumentais são o Porto Atlântico Leste, da
Odebrecht (dois hotéis, prédios comerciais e corporativos e um shopping), e o Porto
Maravilha Corporate (projeto dos paulistanos Aflalo & Gasperini, com duas torres de
escritórios unidas por uma passagem, formando um retângulo vazado). O magnata
americano Donald Trump anunciou cinco torres espelhadas de 150 metros de altura,
que devem compor o maior centro empresarial do Brasil. Na área do Porto
Maravilha, um espaço de 5 milhões de metros quadrados de galpões e docas será
reestruturado, com a derrubada de um viaduto, a reurbanização de avenidas e
praças, a construção de ciclovias e arborização. “Será o maior retrofit urbano do
mundo”, afirma José Conde Caldas, presidente da Associação de Dirigentes de
Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi).
ESPORTE
O cartão-postal do esporte no Rio é o Maracanã. Depois de reformado, o estádio
terá menos lugares, mais conforto e sediará a final da Copa de 2014 e parte das
competições da Olimpíada de 2016. Há no Rio, além disso, todo um mundo
esportivo fora do futebol. Eventos internacionais de surfe, iatismo, natação,
parapente, skate, corrida ou bicicleta - e, às vezes, várias modalidades misturadas se multiplicaram nos últimos anos. É dessa vocação para o esporte que nasceram
ídolos cariocas que ganharam o mundo, como o campeão mundial de voo livre Pepê
- que, depois de morrer, em 1991, virou nome de praia - ou a campeã mundial de
surfe em ondas gigantes, Maya Gabeira, filha do ex-deputado Fernando Gabeira.
Carioca de 25 anos, ela é surfista profissional e coleciona troféus de competições em
ondas gigantes. Começou a treinar nas praias do Arpoador, no Rio, aos 14 anos. Em
2008, foi a primeira mulher a encarar as ondas do mar do Alasca. Em 2012, venceu
pela quinta vez o Billabong Global Big Wave Awards, um dos campeonatos mundiais
de grandes ondas. Vive parte do tempo no Havaí e namora o ator australiano Jesse
Spencer, um dos astros da série House.
Na esteira de Maya, novas variedades radicais de esportes náuticos vêm ganhando
espaço. É o caso da competição Rei e Rainha do Mar, uma maratona aquática
seguida de corrida na areia e stand-up paddle (o pranchão com remo), somando 35
quilômetros. Na edição de dezembro passado, foram 3 mil participantes, incluindo
medalhistas olímpicos, como o tunisiano Oussama Mellouli, medalha de ouro nos
Jogos de Londres 2012. “Foi um sucesso tão grande que tivemos de recusar atletas,
pois não havia vagas”, diz Pedro Monteiro, ex-nadador, diretor da Effect Sports, que
organiza eventos de porte na cidade.
TURISMO
No último Traveler’s Choice, prêmio organizado pelo site Trip Advisor com os votos
de milhões de viajantes, o Rio ficou em quinto lugar nos 25 destinos mais desejados
do mundo - na frente de Nova York, Roma e Londres. Também foi eleito, nos três
últimos anos, o melhor destino do mundo para os gays, pelo TripOutGayTravel. É
também o lugar com as mulheres mais bonitas do mundo, de acordo com o site
AskMen. Para receber os visitantes, o grande símbolo do turismo carioca, o hotel
Copacabana Palace, acaba de reabrir seu prédio principal depois de uma reforma de
R$ 30 milhões. A obra deu cara nova aos quartos e dobrou o tamanho do lobby.
Inaugurado em 1933 pela família Guinle, o Copa viveu seu auge nas décadas de
1940 e 1950, quando reis, rainhas e Hollywood em peso se hospedaram por lá. Em
1954, o playboy Jorginho Guinle, que morava
no hotel, recebeu a atriz Ava Gardner. Ela ficou bêbada no Golden Room após o
divórcio de Frank Sinatra. A reinauguração do Copa rima perfeitamente com o bom
momento do turismo carioca. Os grandes eventos devem trazer à cidade cerca de
4,7 milhões de turistas. Eles se somam aos cerca de 3 milhões de visitantes que
habitualmente chegam ao Rio só durante os três meses de verão, número que
dobrou nos últimos três anos. A quantidade de turistas que chega em cruzeiros foi
multiplicada por seis nos últimos dez anos e alcançou a marca de 641 mil no ano
passado. O turismo de negócios dobrou em cinco anos. Segundo Pedro De Lamare,
presidente do Sindicato de Hotéis, Bares e Restaurantes do Rio, além da invasão
estrangeira, os turistas brasileiros também estão redescobrindo o Rio.
A cidade hoje tem 610 estabelecimentos para hospedar o turista e mais 85 em
construção. Quando os novos hotéis ficarem prontos, será a cidade com a maior
concentração de cinco estrelas do país. Entre os investidores, um dos mais
empolgados é o empresário Eike Batista - mineiro, mas carioca de coração. Eike, um
dos homens mais ricos do Brasil, tem sido o motor de grandes transformações na
cidade. Ele doa recursos para os programas de segurança, foi um dos
patrocinadores da campanha pela Olimpíada de 2016 e é grande investidor na
cultura local. Entre seus projetos está a restauração do Hotel Glória - como o
Copacabana Palace, também um símbolo dos anos áureos do Rio. Um dos maiores
investidores no entretenimento da cidade, Alexandre Accioly quer expandir a rede
de restaurantes Gero e abrir novas casas em Ipanema e no Leblon. Ele também é
responsável por boa parte dos corpos esculturais das cariocas - um patrimônio da
cidade -, já que é dono da maior rede de academias do Rio, a BodyTech.
CINEMA
O cinema popular brasileiro começou com a chanchada - um gênero escrachado
que nasceu nos anos 1930 e cresceu nos estúdios da Atlântida, na década seguinte.
Na década de 1950, as chanchadas ganharam qualidade temática e técnica.
Revelaram estrelas como Oscarito e Grande Otelo, diretores como Carlos Manga e
um padrão de filmes de sátira inteligente e delirante. Hoje há uma nova onda de
cinema igualmente popular, calcado no humor e ambientado no Rio, com um tom
mais realista. “Nossas comédias cariocas são um retrato divertido da classe média
urbana. Não à toa levam tanta gente aos cinemas”, diz Mariza Leão, produtora da
série De pernas pro ar. O primeiro filme da série teve 3 milhões de espectadores. O
segundo chegou a 4 milhões. Foi o filme mais visto dos últimos dois anos. O
roteirista e ator Bruno Mazzeo é o nome mais conhecido dessa nova onda. Ele
participa de longas-metragens como Cilada.com, Muita calma nessa hora e E aí,
comeu?, todos com cerca de 2 milhões de espectadores. Os penetras, de Andrucha
Waddington, e Até que a sorte nos separe, com Leandro Hassum, são também
destaques dessa leva vencedora.
Além dos filmes nacionais, o Rio também tem sido cenário de produções
internacionais. Mesmo quem não é fã da saga Crepúsculo se impressionou com a
escolha da Lapa carioca para a lua de mel de Bella Swan e do vampiro Edward,
em Amanhecer. Sylvester Stallone também rodou seu longa-metragem Os
mercenários na
cidade.
Continuações
de Velozes
e
furiosos e O
incrível
Hulk também foram filmados no Rio. A expectativa é o próximo projeto de Woody
Allen, que tem homenageado cidades importantes do mundo em suas últimas
produções. As negociações duram quatro anos - e as cifras do projeto chegam a
US$ 20 milhões. Recentemente, representantes de Woody Allen estiveram com
autoridades do Rio e, ao que tudo indica, o filme tem boa chance de sair. “Seria a
cereja do sundae”, diz o diretor da Rio Filme, Sérgio Sá Leitão.
Setenta anos depois de Walt Disney criar o Zé Carioca, em 2011 a ararinha-azul Blu
encantou o mundo com seu voo de asa-delta sobre a paisagem carioca. No longametragem Rio, do carioca Carlos Saldanha, a cidade é vista pelos olhos de uma ave
nascida na cidade, mas criada na fria Minnesota, onde desaprendeu a voar. Trazido
de volta, Blu vive uma aventura entre o mar, a montanha e as favelas, até
readquirir a essência dos pássaros. O filme, deslumbrante, é fiel à paisagem e à
arquitetura local. Se Tom Jobim cantou o Rio visto de cima nos versos de sua obraprima, “Samba do avião”, o filme de Carlos Saldanha proporciona uma sensação à
altura da poesia do mestre. Blu reafirma o que Tom já sabia: voar é o melhor jeito
de fruir de uma paisagem tão deslumbrante quanto o Rio de Janeiro.
POVOS DA FLORESTA
O Parque Nacional da Tijuca, no coração do Rio, investe em inovações, como o
arvorismo, para atrair visitantes.
O Parque Nacional da Tijuca, situado no meio da região nobre da cidade do Rio, já
oferece grandes atrações, como a estrada das Paineiras, com curvas panorâmicas, a
Vista Chinesa e o próprio Corcovado. Agora, deve ganhar mais uma: o maior circuito
de arvorismo da América Latina. Num percurso de pouco mais de 1 quilômetro de
extensão, os visitantes poderão passear pela mata através de plataformas montadas
no alto das árvores, com cordas, escadas, pontes suspensas e tirolesas. A extensão
permitirá que vários tipos de visitante aproveitem o circuito. Haverá trechos
próprios para crianças e outros adequados apenas para quem já tem experiência em
arvorismo. A inauguração está prevista para o final deste ano.
Segundo o chefe do parque, Ernesto Viveiros de Castro, o circuito deverá ser
implantado entre o restaurante A Floresta e a área de lazer conhecida como Meu
Recanto, passando próximo à Cachoeira das Almas e ao contraforte do Pico da
Tijuca. “Esse atrativo abre novas alternativas de lazer e recreação em contato com a
natureza no Parque Nacional, seguindo a linha do ICMBio de diversificar as
atividades de uso público”, diz Castro. “Além da aventura, o visitante poderá
observar o Parque Nacional da Tijuca a partir de diferentes ângulos. Da copa das
árvores, há novos cenários, além da proximidade com espécies que só vivem no
alto.” Os passeios pelo circuito serão monitorados por profissionais especializados. A
direção do parque também anunciou um novo café e uma loja de conveniências,
para dar mais conforto aos visitantes.
A referência de arvorismo na América Latina é a Costa Rica, país que é o berço da
atividade. Lá, o esporte foi criado por biólogos que estudavam animais e plantas e
acabou se estendendo como um ramo do ecoturismo. No Rio, o arvorismo já é um
sucesso numa área próxima, no Parque da Catacumba, às margens da Lagoa
Rodrigo de Freitas. A trilha é curta e fácil para quem não tem medo de altura. O
difícil é manter a concentração com a vista estonteante lá de cima.
adicionada no sistema em: 02/03/2013 10:31