DEGRADAÇÃO DA PALHA

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DEGRADAÇÃO DA PALHA
DEGRADAÇÃO DA PALHA (15N) DE CANA-DE-AÇÚCAR
EM DOIS ANOS CONSECUTIVOS
C. E. Faroni*; A. C. Vitti; G. J. C. Gava; C. S. Manzoni; C. P. Penatti; P. C. O. Trivelin
CENA-USP, Laboratório de Isótopos Estáveis,13900-470, Piracicaba-SP
*[email protected]
Ao colher a cana-de-açúcar mecanicamente sem a queima prévia mantém-se sobre a
superfície do solo uma quantidade considerável de resíduos vegetais, denominados de palha
ou palhada (folha seca, ponteiro e pedaço de colmo). Essa quantidade varia de 10 a 30 t ha-1
ano-1 de material seco, o que corresponde a cerca de 40 a 100 kg ha-1 de N (Abramo Filho et
al., 1993; Trivelin et al., 1995), aumentando desse modo, a quantidade de matéria orgânica e
nutrientes no solo (Wood, 1991; Vallis et al., 1996; Oliveira et al., 1999).
A mineralização dos restos culturais adicionados ao solo é dependente de fatores
ambientais como a temperatura, umidade, aeração e, principalmente, de sua qualidade, em
especial da razão C:N, teores de lignina, celulose, hemicelulose e polifenóis (Ng Kee Kwong
et al., 1987; Siqueira & Franco, 1988; Oliveira et al., 2002).
Com a adição do material orgânico ao solo poderá ocorrer a mineralização do
nitrogênio, pela ação dos microrganismos, assim como a imobilização do elemento que é
retido na biomassa microbiana. Os dois processos ocorrem simultaneamente e a quantidade de
nitrogênio do material em decomposição determinará, em grande parte, qual deles será
predominante (Cassman & Munn, 1980).
Como a palha de cana-de-açúcar possui em média 390 a 450 g kg-1 de C e 4,6 a 6,5 g
-1
kg de N (Ng Kee Kwong et al., 1987; Trivelin et al., 1995) o que representa uma razão C:N
em torno de 100, é de se esperar uma intensa imobilização do N do solo, pois para C:N acima
de 20 já ocorre a imobilização (Smith & Douglas, 1971; Siqueira & Franco, 1988).
Os resíduos de cana-de-açúcar apresentam uma reduzida mineralização de N no
período de um ano agrícola, disponibilizando no solo pequena quantidade de N (Oliveira et
al., 1999). Para os nutrientes na forma iônica ou ligados a compostos de alta solubilidade, sua
liberação é rápida (Ng Kee Kwong et al., 1987; Janzen & Kucey, 1988; Oliveira et al., 2002).
A degradação dos carboidratos solúveis (sacarose e amido) é maior e mais rápida que a dos
carboidratos estruturais (hemicelulose, celulose e lignina), o que reduz suas taxas de
decomposição (Jenkinson & Ayanaba, 1977; Oliveira et al., 1999).
Este trabalho teve como por objetivo avaliar a degradação da palha marcada com 15N
em dois anos consecutivos, em áreas comerciais de cana-de-açúcar, sem a queima prévia há 3
anos (cultivar SP 80-1842), da Usina Iracema, situada município de Iracemápolis-SP. O solo
da área caracterizou-se como sendo Latossolo Vermelho escuro, textura argilosa.
Foram feitos sacos de telas de náilon (malha com diâmetro de 1-2 mm), com as
dimensões de 1,0 x 0,6 m, que receberam a palha marcada em 15N em quantidade equivalente
à 15,8 Mg ha-1 de MS. Essa palha foi composta por folhas secas e ponteiros proveniente de
cana-soca da cultivar SP 81-3250, de experimento prévio. Os sacos foram colocados entre as
linhas de cana-de-açúcar e em duas localizações (tratamentos): localização SS- saco com
palha-15N sobre o solo nu – neste tratamento retirou-se toda a palha do local originada de
colheitas anteriores (palha antiga e a nova: última colheita no ano 2000), colocando-se na
superfície do solo os sacos com palha e sobre os mesmos, a palha nova (ano 2000);
localização SP- saco com palha-15N sobre a palha remanescente da colheita anterior –
neste tratamento retirou-se apenas a palha nova (colheita de 2000) e adicionou-se sobre a
palha antiga os sacos com palha-15N (Figura 1A). Os tratamentos foram instalados em agosto
de 2000 e permaneceram até o início do mês de julho de 2001, quando foram removidos
devido a colheita mecânica da cana-de-açúcar do local. Após a colheita, os sacos retornaram
para a área, realizando-se o mesmo procedimento descrito acima, porém adicionando sobre
eles a palha oriunda da colheita de 2001. Cada tratamento continha 3 repetições.
Após decorrido 1 ano (período de agosto de 2000 a julho de 2001) foram feitas
quantificações do material seco remanescente nos sacos, sendo homogeneizado, e obtidas
subamostras nas quais foram feitas as determinações químicas (N e C) e de 15N, por
espectrometria de massa no CENA-USP, com o aparelho ANCA SL modelo 20/20 da Europa
Scientific. Na determinação da hemicelulose, celulose e lignina usou-se o método descrito por
Silva (1990). Conhecendo-se a massa do material em cada saco e a composição isotópica de
N da palha no inicio e fim do período estudado, foi possível determinar quanto desse substrato
mineralizou, bem como quantificou-se a contribuição de material de sistema radicular e de
microrganismos que passaram a fazer parte do material remanescente da palha-15N. Estas
determinações foram feitas com base no princípio da técnica diluição isotópica em 15N (Hart
& Myrold, 1996). No ano seguinte (agosto/2001 a junho/2002) determinou-se apenas a MS da
palha-15N remanescente em cada saco.
No período de agosto/2000 a agosto/2001 os valores médios mensais de temperatura
máxima e mínima, e de pluviosidade foram, respectivamente, de 29 e 16 oC, e 1388 mm.
As variáveis: N-total e 15N, carbono orgânico, relação C:N, hemicelulose, celulose e
lignina, em kg ha-1, obtidas na palha em 2000 e 2001 (nas duas localizações), foram
submetidos à análise de variância e as médias comparadas pelo teste de Tukey (p=0,05).
Pode-se observar, após algum tempo do início do experimento, ao se levantar a
cobertura de palha do solo, grande quantidade de hifas de fungos que ficavam aderidas à
palhada dando um aspecto de “manta” (Figura 1B). Notou-se, também, que se desenvolveram
junto a esse material, grande quantidade de raízes finas de cana-de-açúcar.
As quantidades (kg ha-1) de matéria seca (MS), nitrogênio total e 15N, carbono
orgânico, relação C:N, hemicelulose, celulose e lignina na palha-15N adicionada em 2000 e na
remanescente em 2001 estão na Tabela 1. Nesse período a quantidade de palha que
permaneceu em relação à inicial foi de 42 e 48%, respectivamente, nas localizações SS e SP, e
foram avaliadas pelo balanço de massas segundo Oliveira et al. (1999). Esses valores
intermediaram os obtidos por Oliveira et al. (2002) que obtiveram variação na redução de
massa de matéria seca de 22 a 70% em dois ambientes agrícolas, sendo que a maior
degradação influenciada, possivelmente, pelas irrigações. A maior decomposição da palha e
liberação de carbono verificado neste trabalho, em relação aos valores de Oliveira et al.
(1999), podem estar relacionados à composição do resíduo orgânico, uma vez que em
condições de campo encontram-se pedaços de colmos, provenientes da colheita mecânica, que
elevam a relação C:N, diminuindo a taxa de mineralização.
Em determinadas variáveis estudadas, a decomposição foi mais lenta no primeiro ano,
principalmente no início, no tratamento em que os sacos foram colocados sobre a palha
(Tabela 1). Porém, a medida que ocorreu a decomposição da palha natural residual, a palha15
N dos sacos permaneceu mais em contato com o solo, aumentando, consequentemente, sua
umidade e degradação. Já no segundo ano, permaneceu pouca palha-15N residual (menos que
10%) para ambos os tratamentos. Observou-se também, com o tempo, que a palha
remanescente tornou-se mais quebradiça. A porcentagem de degradação da hemicelulose e
celulose foi próxima em ambas as localizações, com valores em torno de 60 e 70%
respectivamente. Entretanto, no tratamento em que os sacos com palha foram colocados
diretamente sobre o solo (localização SS) houve maior decomposição da lignina, ocasionando
maior perda de C, com conseqüente redução da razão C:N. Portanto, a diminuição da massa
de material seco e da razão C:N, nas localizações SS e SP, deveram-se, principalmente, às
reduções nas quantidades de celulose. Em contraposição, Jenkinson & Ayanaba (1977)
verificaram reduções para a hemicelulose. Vitti (1998) propôs que a adubação nitrogenada
deve aumentar a taxa de decomposição dos resíduos orgânicos, por reduzir sua razão C:N.
entretanto, neste trabalho não houve influencia da adubação com N, uma vez que ela foi
realizada cerca de 50 dias antes da instalação dos tratamentos.
A liberação de N total e 15N da palha, nas duas localizações, foi a mesma (Tabela 1).
Porém, levando-se em consideração apenas a quantidade de N liberado pelo balanço de
massa, como realizado por Oliveira et al (1999; 2002), nota-se que existe uma grande
subestimativa da contribuição do N da palha para o sistema solo. Pelo princípio da diluição
isotópica pode-se quantificar que a saída do N da palha-15N foi da ordem de 50% e não apenas
de cerca de 4% (balanço de massa). A explicação para estes resultados pode em parte ser
atribuída à presença de grande quantidade de microrganismos, na maioria hifas de fungos que
se desenvolveram junto aos resíduos (Figura 1B). Conforme Siqueira & Franco (1988) a
biomassa de fungos pode variar de 400 a 5000 kg ha-1. Outra explicação, segundo Trivelin et
al. (2002), refere-se a presença de raízes que se desenvolvem na superfície, beneficiadas pelas
condições microclimáticas da cobertura do solo, que irão fazer parte da amostra de palha.
Tanto os microrganismos como as raízes de cana-de-açúcar, com composição isotópica
natural em 15N, ao fazerem parte da palha, diluíram a composição isotópica do material (15N).
Verificou-se por essa técnica, que a “massa de palha remanescente” nas localizações SS e SP,
foram, respectivamente, 6633 e 7649 kg ha-1 (Tabela 1), sendo cerca da metade dessas massas
composta por material de raízes e de microrganismos. Portanto, o material presente na
superfície do solo já não é mais a palhada, e sim um material orgânico de cobertura do solo.
Os resultados obtidos no presente trabalho permitiram concluir que a decomposição da
lignina foi maior nos sacos com palha sobre o solo em relação aos localizados sobre a palha.
O balanço de massa subestimou a liberação do N da palha e a técnica da diluição isotópica
permitiu verificar sua real liberação, bem como quantificar a presença de raízes e
microrganismos que fizeram parte do material contendo a palha remanescente.
B
A
Figura 1. Sacos de tela de náilon contendo palha marcada em
hifas de fungos junto a palha (parte branca) (B).
15
N (A); desenvolvimento de
Tabela 1. Material seco (MS), nutrientes e carboidratos estruturais contidos na palha (15N) de
cana-de-açúcar no início (agosto/2000) e na remanescente (agosto/2001), em duas
localizações: sobre o solo (SS) e sobre a palha (SP).
15
MS
N
N
C
Lignina Hemicelulose Celulose C:N
_____________________________________
kg ha-1 _______________________________________
agosto/2000
15850 a 73,1 a 0,48 a 6194 a 3852 a
3265 a
7234 a 84,8 a
agosto/2001: SS 6633 b
70,9 a 0,23 b 2428 b 1462 b
1224 b
2156 b 34,3 b
agosto/2001: SP 7649 b
70,1 a 0,24 b 2964 b 2034 c
1587 b
2153 b 42,3 b
CV (%)
6,0
_____________
agosto/2001: SS
agosto/2001: SP
41,8
48,3
9,8
8,9
8,2
6,9
15,8
5,8
6,6
______________
Quantidades que permaneceram em relação a inicial (%)
97,0
47,6
39,2
38,0
37,5
29,8
95,9
49,2
47,9
52,8
48,6
29,8
Médias seguidas por letras distintas, em cada variável, diferem entre si pelo teste de Tukey (p=0,10).
40,4
49,9
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