Baixar - Encontro ABET 2015
Transcrição
Baixar - Encontro ABET 2015
AS DIFERENTES ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO DOS GOVERNOS DA COLÔMBIA, DO BRASIL E DA VENEZUELA E OS IMPACTOS NO MERCADO DE TRABALHO Cássio da Silva Calvete1 Mariana Hansen Garcia2 Resumo Simples Os anos 1990 na América Latina foram marcados por altas taxas de desemprego e por um processo de precarização do trabalho. Em parte, essa deterioração do mercado de trabalho pode ser explicada pela implementação, naquele momento, de políticas de cunho neoliberal em quase todos os países latino-americanos. No início do século XXI, alguns desses países alteraram sua política econômica com a ascensão de governos de centro-esquerda e de esquerda. Concomitantemente, houve um melhora generalizada nos indicadores de emprego. Nesse trabalho pretendemos verificar em que medida é possível vincular esses resultados à manutenção ou à reorientação da política econômica dos países. Para tanto, escolhemos três deles, Venezuela, Brasil e Colômbia, que acreditamos tenham praticado, nesse começo de século, distintas estratégias de desenvolvimento econômico. Introdução Durante os anos 1990 a doutrina neoliberal foi aplicada em quase todos os países da América Latina. Naquele momento, o discurso a favor do livre-mercado ganhava força como o único modelo que poderia recuperar as taxas de acumulação capitalista. Os países latinoamericanos, que vinham sofrendo com crise da dívida, adotaram as políticas do chamado Consenso de Washington para garantir financiamentos das suas dívidas externas e de seus projetos internos. Com relação ao mercado de trabalho, a recomendação era desregulamentá-lo e flexibilizá-lo para reduzir os custos trabalhistas. Tais medidas, em um contexto de financeirização, globalização e reestruturação produtiva, levaram ao aumento do desemprego e à 1 2 Doutor em Economia Aplicada pela UNICAMP e Professor Adjunto da UFRGS. Economista formada pela UFRGS e Jornalista formada pela PUCRS. precarização das condições de trabalho. A taxa média de desemprego da América Latina foi de 8,2% para 10,8% entre 1990 e 1999, (OIT, PANORAMA LABORAL 2000). O emprego informal cresceu 6,9 pontos percentuais nos anos 1990, chegando ao final da década (1998) a quase 60% da população ocupada, (OIT, 1998). Ainda nos anos 1990 começaram a surgir movimentos sociais e grupos políticos críticos ao modelo neoliberal, que foram se fortalecendo a medida que os países iam apresentando pioras em relação ao emprego e à distribuição da renda. Este contexto levou à ascensão de governos que se opunham à doutrina pregada pelo Consenso de Washington, voltados para uma maior intervenção do Estado na economia. Os efeitos perversos das políticas neoliberais do final do século passado para a classe trabalhadora no centro e sul do continente geraram uma grande rejeição por parte da população a essa forma de condução da economia e da política (ANTUNES, 2011; POCHMANN, 2008). Assim, no início dos anos 2000 as forças políticas críticas ao modelo neoliberal se avigoraram, o que, em alguns países, levou à eleição de governos de centro-esquerda (IGLECIAS; CARDOSO; STREICH, 2014). Esses países buscaram uma alternativa ao paradigma neoliberal do final do século passado, recuperaram a importância da regulamentação do trabalho e a flexibilização passou a ser questionada. Ao mesmo tempo em que a virada do século trouxe um novo cenário político para alguns países, houve mudança no contexto econômico internacional. O PIB mundial voltou a crescer, puxando o crescimento econômico dos países latino-americanos. Neste novo cenário, no início do século XXI, o mercado de trabalho dos países latinoamericanos apresentou recuperação nos níveis de emprego e melhoras nas condições de trabalho. De acordo com o Panorama Laboral da OIT de 2012, a América Latina apresentou melhorias nos indicadores do mercado de trabalho na primeira década do século XXI, diferentemente dos países desenvolvidos. O estudo, à época, mostrava que a taxa de desemprego continuava caindo, os salários reais continuavam aumentando, e havia progressos na expansão do trabalho formal e avanço na cobertura da seguridade social (ORAGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2012). Sendo assim, buscamos compreender se essas mudanças no mercado de trabalho no início do século XXI ocorreram, em parte, como uma resposta dos governos aos impactos negativos das políticas neoliberais com relação ao trabalho. Enquanto nos anos 90 a linha ideológica do neoliberalismo estava presente na quase totalidade das políticas econômicas dos governos latino-americanos. Diferentemente, no início do século XXI houve três correntes principais que guiaram as decisões políticas e econômicas nos países da América Latina (IGLECIAS; CARDOSO; STREICH, 2014; TOLEDO; NEFFA, 2010). Sendo assim, essas diferentes políticas tiveram impactos diversos no mercado de trabalho dos países. Desta forma, para efeito de comparação agrupamos as principais economias latinoamericanas em três blocos de países com base em estudos de Iglecias, Cardoso e Streich (2014), Toledo e Neffa (2010) e Elicabide (2013): a) países com governos críticos ao capitalismo que buscaram uma ruptura completa com o modelo neoliberal (entre eles Venezuela, Bolívia, Equador); b) países em que o governo buscou restringir as políticas neoliberais e amenizar os seus efeitos no mercado de trabalho (entre eles Brasil, Uruguai e Argentina); c) países nos quais o governo aprofundou o modelo neoliberal (entre eles Colômbia e México). O objetivo principal deste estudo é compreender a relação entre as diferentes estratégias de desenvolvimento em disputa no início do século XXI e as mudanças no mercado de trabalho na América Latina. Para observar esta relação comparamos as mudanças no mercado de trabalho da Colômbia, do Brasil e da Venezuela, como exemplo dessas diferentes políticas que vigoraram nos países latino-americanos. Observamos as rupturas e as manutenções das políticas neoliberais no continente e como estas medidas impactaram no mercado de trabalho. Para avaliar o mercado de trabalho foram consideradas as seguintes variáveis: taxa de desemprego, informalidade3 e remuneração4. Relacionamos os dados que mostram o desempenho do mercado de trabalho destes países com as medidas de políticas econômicas adotadas por eles. Com o objetivo de ponderar semelhanças e diferenças e o impacto disso para os trabalhadores das diferentes estratégias de desenvolvimento. Dado que os três países aqui analisados foram beneficiados pelo cenário externo favorável, basicamente pelo aumento do preço externo das commodities – resultado, em grande medida, do crescimento da economia chinesa -, buscamos averiguar se as diferenças na condução de política econômica e social fizeram com que os mercados locais de trabalho tivessem desempenhos distintos. Brasil Como os outros países latino-americanos o Brasil no século XXI também passou a apresentar um maior crescimento econômico comparativamente ao verificado nos anos 1990. A ascensão de um governo em parte crítico ao modelo neoliberal permitiu algumas medidas prótrabalhadores e que sinalizavam uma maior regulação do mercado de trabalho por parte do Estado. Neste contexto, foi possível impedir o aprofundamento da precarização do trabalho, porém não se conseguiu reverter completamente o retrocesso herdado da década de 1990. Ainda assim essas mudanças tiveram efeitos positivos para o Brasil e refletiram em uma melhoria do mercado de trabalho, o que levou por terra os argumentos neoliberais de que se deveria ampliar a desregulamentação do mercado de trabalho (MANZANO; SANTOS; TEIXEIRA, 2013). Krein, Santos e Moretto (2013) identificam dois movimentos no governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, um favorável a regulamentação e outro flexibilizador. Entre as 3 Neste trabalho, analisaremos o “setor informal” que se refere às características das unidades de produção. Neste caso, são considerados parte do setor informal os trabalhadores urbanos de setores de baixa produtividade, sejam eles empregadores ou assalariados que trabalham em microempresas (até 5 empregados), pessoas que trabalham em emprego doméstico ou ainda trabalhadores independentes não qualificado (sem qualificação profissional ou técnica). 4 Os dados foram obtidos no site da CEPAL, que para chegar aos salários reais, deflacionou os valores nominais pelo índice de preços ao consumidor de cada país tanto o salário mínimo como o salário médio nominal. Registre-se ainda que na Colômbia e na Venezuela o IPC é desagregado por estrato de renda, nestes casos se utilizou o deflator do estrato de menor rendimento. políticas favoráveis aos trabalhadores a de valorização do salário mínimo talvez possa ser considerada a mais impactante positivamente. Porém, a ampliação do seguro desemprego e da seguridade social - que passou a cobrir donas de casa e os micro empreendedores individuais -, a Lei do Estágio, a negociação coletiva no setor público e a ampliação do aviso prévio também mostram uma recuperação da regulamentação a favor dos trabalhadores. Tais medidas, somadas aos programas de proteção social e ao aumento do acesso ao crédito incentivaram um ciclo de consumo positivo, que, obviamente, refletiu o no mercado de trabalho (KREIN; SANTOS; MORETTO, 2013). Ao mesmo tempo, Krein, Santos e Moretto (2013), chamam atenção para as medidas que aprofundam a flexibilização5 como, “a lei de falência, o Programa Primeiro Emprego, a legitimação do trabalho aos domingos, a contratação de intelectuais e artistas como não assalariados e a reforma da previdência” (KREIN; SANTOS; MORETTO, 2013). Observamos assim que a tendência de melhora com relação aos direitos trabalhistas não é linear: por um lado avança na qualidade do trabalho e, por outro, segue a precarização. Neste contexto, a melhora dos indicadores de trabalho no Brasil na primeira década do século XXI com relação aos anos 1990, não foi suficiente para recuperar integralmente a degradação do trabalho que ocorreu no período neoliberal, (ALVES; CORSI, 2010). Para Alves e Corsi (2010) se “(...)conseguiu restringir – ou colocar barreiras – ao avanço da degradação do trabalho (assim, embora não tenha conseguido ir além do modelo de desenvolvimento neoliberal, se conseguiu restringi-lo)”, (ALVES;CORSI, 2010, p.251). Portanto, apesar dos avanços positivos, os trabalhadores ainda enfrentam problemas de precarização do trabalho. Em parte, pois as mudanças ocorridas nos anos 1990 com relação à reestruturação produtiva, à desregulação e a flexibilização do trabalho afetaram o poder de regulação pública e a própria organização dos trabalhadores, (MANZANO; SANTOS; TEIXEIRA, 2013). 5 Além das questões políticas e econômicas que foram apresentadas, Manzano, Santos e Teixeira (2013) consideram importante para a redução do desemprego dois fatores demográficos: a redução da taxa de crescimento da população e a redução dos fluxos de migração interna do país. Enquanto o primeiro faz com que diminua a população em idade ativa, o segundo reduz o número de pessoas procurando emprego nas grandes cidades, devido à diminuição do fluxo rural-urbano. No governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva e no primeiro ano do de Dilma Rousseff, se observa uma redução da taxa de desemprego continua, com exceção dos anos de 2006 e de 2009 onde há um crescimento da taxa de desemprego em 0,2% (Gráfico 3). Em 2009 esse aumento pode ser explicado pela variação negativa do PIB (-0,3%), sendo esta, em boa medida, reflexo da crise econômica mundial. É importante observar que apesar da retração do PIB nesse ano, os efeitos no emprego foram bastante suaves, principalmente devido ao sucesso das políticas anti-cíclicas implementadas pelo governo brasileiro, (KREIN; SANTOS; MORETTO, 2013). Da mesma forma, é possível observar que as variações do PIB no período considerado, não tiveram grande influência na variação da taxa de desemprego, que manteve a tendência de queda apesar da irregularidade do crescimento econômico. Analisando o gráfico percebemos também que, até 2009, a tendência de queda na taxa de desemprego segue um ritmo bastante similar ao da média latino-americana, em parte pelo fato do Brasil ter um grande peso na economia da América Latina. Porém, após 2009, o Brasil passa a ter uma redução do desemprego mais acentuada do que a média. Gráfico 1 - Taxa de desemprego aberto no Brasil, taxa de desemprego aberto na América Latina e variação do PIB do Brasil entre 2003 e 2012 taxa de desemprego 12,3 11,2 11,5 10,3 9,8 9 taxa de desemprego América Latina 10 8,6 9,3 7,9 6,1 5,7 3,2 4 7,9 7,3 8,1 variação PIB 7,5 7,3 6,7 5,2 6,7 6 2,7 1,1 2003 2004 2005 2006 6,4 5,5 2007 2008 -0,3 2009 2010 1 2011 2012 Fonte: dados obtidos pelos autores a partir de CEPAL – Estatísticas Sociais (2014) Essa redução do desemprego veio acompanhada de um aumento na formalização dos trabalhadores. Através da perspectiva do setor informal, o movimento apresentado no gráfico 2 deixa evidente a redução da informalidade no século XXI no Brasil. Colocamos o movimento ocorrido entre 1993 e 1999 para mostrar a quebra de uma tendência a partir da virada do século. Já em 2002 o setor informal passa a ter menor importância do que em 1993. A partir de 2001 o único ano que apresenta um crescimento do setor informal é o de 2009, possivelmente por efeitos da crise internacional. Além da diminuição do desemprego, dos esforços de regulamentação do trabalho e do contexto econômico favorável, Alves e Corsi (2010) apresentam outros dois fatores que nos ajudam a compreender esta tendência, a formalização de trabalhadores domésticos e o aumento do emprego público (funcionários público estatutário) (ALVES; CORSI, 2010, P.251). Gráfico 2 - Porcentagem de ocupados urbanos em setores de baixa produtividade (setor informal) no Brasil entre 1993 e 2012 49 47 45 43 41 39 37 35 1993 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Fonte: dados obtidos pelos autores a partir de CEPAL – Estatísticas Sociais (2014) Junto com o movimento de melhoria nas taxas de desemprego e na informalidade, também há um cenário positivo com relação às remunerações dos trabalhadores. Há uma valorização continua e significativa do salário mínimo real no Brasil. Ressalte-se que esse aumento real da remuneração mínima já estava presente no governo FHC e no governo Lula e consegue manter seu valor crescente. Entre 2000 e 2012, o salário mínimo sofre um aumento real de 97,5%. De 2003 a 2012, o crescimento é de 80 pontos percentuais. Esse aumento se deve, em grande parte, à consolidação da política de valorização do salário mínimo, fruto de um esforço conjunto dos sindicatos com o governo. Para Krein, Santos e Moretto (2013), além disso, a valorização do salário mínimo foi fundamental para “elevar os rendimentos do trabalho de ocupações precárias, cujo processo de melhoria da qualidade, entre vários aspectos, significou a ampliação de rendimentos indiretos, como o décimo-terceiro salário, o FGTS, 1/3 de férias, seguro-desemprego, auxílios(acidentes, doenças), 14.o salário (PIS) e outros.” (KREIN; SANTOS; MORETTO, 2013, p.35) O comportamento da remuneração média se diferencia do comportamento do salário mínimo. Há uma desvalorização do salário médio de 1999 até 2003. Entretanto, a partir de 2004 o salário médio passa a apresentar uma tendência de alta, sofrendo valorizações reais ano a ano. Apesar disso, é apenas em 2012 que o salário médio volta a se equiparar ao valor do ano 2000. É importante ressaltar ainda que a política de valorização do salário mínimo refletiu no bom desempenho do salário médio, uma vez que colabora para elevar a média dos salários. Sendo assim, pós 2003 (governo Lula), os aumentos do salário mínimo bastante significativos permitiram o crescimento do salário médio, o que não havia ocorrido entre 1999 e 2003. Além disso, tanto com relação ao salário mínimo como com relação ao médio, o contexto de estabilidade com inflação baixa permitiu que os salários se mantivessem valorizados. Os indicadores observados anteriormente, como a taxa de desemprego declinante e o aumento da formalidade, também impactaram positivamente nos salários. Este movimento de valorização dos salários fez com se expandisse a parcela do rendimento do trabalho na renda brasileira, porém, “ao final da década de 2000, o rendimento do trabalho ainda não alcançou a mesma participação na renda nacional que tinha 1990, 45,4%” (ALVES; CORSI, 2010, p. 253). Gráfico 3 – Índice do salário médio real no Brasil entre 1999 e 2012 (índice anual médio, 2000=100) 101,1 100 95,1 93,1 84,9 85,5 85,2 88,2 89,5 91,4 92,6 94,5 96,8 100,4 101,5 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Fonte: dados obtidos pelos autores a partir de CEPAL – Estatísticas Sociais (2014) Após analisar os indicadores nesta seção fica bastante evidente a melhora significativa do mercado de trabalho do Brasil neste início de século. Como explicado inicialmente, o contexto econômico favorável somado a políticas pró-trabalhadores tiveram impactos positivos. Assim, foi possível em parte barrar o avanço da precarização do trabalho vinda do período neoliberal. Colômbia Ao longo dos anos 1990 a Colômbia acompanhou o processo de flexibilização do trabalho e desregulamentação do mercado de trabalho que ocorreu na América Latina. O governo eleito em 2002, do presidente Álvaro Uribe, não se apresentava como crítico a esse modelo neoliberal. Pelo contrário, o novo governo considerava as normas trabalhistas demasiado rígidas e assim buscava aprofundar o processo iniciado na década anterior. Uma das primeiras medidas deste novo governo foi a Reforma Laboral ainda em 2002 (Lei 789/2002), quando o número de desempregados no país atingia quase um quinto da população economicamente ativa (18,2% em 2001). Esta medida buscava, por um lado, aumentar a proteção social, ainda que de forma insuficiente como será visto adiante, e, por outro, dar maior flexibilidade às relações trabalhistas com o objetivo de diminuir os custos do trabalho. Para Torres (2000), “El enfoque sobre la flexibilización y la relevancia dada al costo salarial como problema del mercado de trabajo indica que un marco teórico de referencia de una parte de la política, tomado deliberadamente o no, era el neoclásico” (TORRES, 2011, p.185). Assim como em outros países da América Latina, os defensores do neoliberalismo afirmavam que as normas trabalhistas nos países latino-americanos estavam ultrapassadas e que este seria o grande problema do mercado de trabalho. Seguindo esta visão, a Reforma ampliava as formas de contratação (temporários, de tempo parcial, de aprendizagem), aumentava a jornada de trabalho diurna, diminuía o valor das horas extras dominicais e de feriados e reduzia, para os empregadores, os custos de demissão dos funcionários (ELICABIDE, 2013; TORRES, 2011). A política trabalhista do governo de Álvaro Uribe (2002-2010) estava centrada no crescimento econômico, pois o governo acreditava que os problemas de desemprego além do alto grau de informalidade se resolveriam via mercado, desde que houvesse um bom desempenho econômico do país (TORRES, 2011). Segundo Elicadibe (2013), um dos eixos principais das políticas de emprego do governo Uribe eram os programas de fomento do emprego via demanda de trabalho que buscavam aumentar o emprego no setor privado através de subsídios tributários (seguridade inversionista) às empresas privadas e da diminuição de custos trabalhistas, flexibilizando as formas de contratação. No entanto, estas políticas não causaram o retorno esperado, pois foram realizadas em áreas que não geravam muito emprego (ELICABIDE, 2013). Para Giraldo (2010) esta política de isenção tributária criou um processo de terceirização da industrialização através de médias e pequenas “plantas maquiladoras”, ainda mais flexibilizadas “las cuales incorporan trabajo por cuenta propia, familiar sin remuneración y asalariado pracarizado” o que levou a uma maior vulnerabilidade dos trabalhadores e intensificação da situação de precariedade dos trabalhos (GIRALDO, 2010, p.181). Analisando a taxa de desemprego da Colômbia, vemos que ela apresenta tendência de queda no governo Álvaro Uribe. É importante ressaltar que a segunda menor taxa de desemprego ocorre justamente no auge do crescimento econômico do período, em 2007, quando a taxa de variação do PIB é de 6,9% e a taxa de desemprego é de 11,4%. Já quando o PIB volta a patamares mais baixos de crescimento, com uma taxa de 1,7%, o desemprego volta a crescer, alcançando 13% em 2009. É possível observar que a variação da taxa de desemprego esteve muito ligada às variações do PIB, sintoma de políticas trabalhistas marginais e submetidas ao desempenho econômico (TORRES, 2011). Na comparação entre as tendências da taxa de desemprego média da América Latina e a taxa de desemprego colombiana, se observa que até 2007 a queda do desemprego era mais acentuada na Colômbia vis-à-vis a média dos países latino-americanos. Entretanto, a partir de 2007, há uma desaceleração da queda da taxa de desemprego colombiana até 2009, quando se estabiliza, em um comportamento bastante similar ao da média latino-americana. Gráfico 4 - Taxa de desemprego aberto na Colômbia, taxa de desemprego aberto na América Latina e variação do PIB da Colômbia entre 2003 e 2012 taxa de desemprego 17,6 11,2 2,5 16,7 11,2 3,9 15,4 10,3 5,3 taxa de desemprego América Latina 13,9 9 4,7 13 8,6 6,7 11,4 11,5 7,9 6,9 7,3 3,5 13 8,1 variação PIB 12,4 7,3 4 11,5 11,2 6,7 6,6 6,4 4 1,7 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Fonte: dados obtidos pelos autores a partir de CEPAL – Estatísticas Sociais (2014) Os dados sobre informalidade ficaram aquém do esperado pelo governo Uribe. Ao implantar a Reforma Laboral, o governo argumentava que uma maior flexibilização da legislação trabalhista iria influenciar positivamente na geração de empregos formais. Entretanto os dados não apontaram avanços significativos após 2002. Sobre os trabalhadores do setor informal, os dados completos só estão disponíveis após 2008, pois houve modificação nos critérios com relação à microempresas, tornando a série não comparável. Assim, no gráfico 5 utilizamos duas séries: a mais longa representa apenas parte do setor informal, pois não considera os trabalhadores em microempresas; já a menor que inicia a partir de 2008 segue a definição completa de setor informal segundo a OIT. Como o nosso estudo tem como foco compreender os movimentos no mercado de trabalho, consideraremos o indicador que apresenta parte do setor informal para observar o movimento da formalização, considerando que nos anos que temos o setor informal completo ambos apresentam as mesmas tendências. Desta forma, se observa um aumento do setor informal entre 1991 e 2002 e, a partir de 2003 uma queda até o ano de 2005, quando volta a apresentar crescimento até 2011. Vale ressaltar que em 2006 e em 2007 o PIB da Colômbia estava tendo crescimento expressivo (6,7 e 6,9 respectivamente), mas isso não se refletiu em aumento relativo do setor formal. Quando se analisa a série completa do setor informal observamos que em quatro desses anos, entre 2008 e 2012, não houve variações significativas. Além disso, no período, o setor informal representou quase 60% dos ocupados na Colômbia, ou seja, mais da metade dos trabalhadores estavam em ocupações consideradas precárias. Gráfico 5 - Porcentagem de ocupados urbanos em setores de baixa produtividade (setor informal) na Colômbia entre 1991 e 2012 60 50 40 30 1991 1999 2002 2003 2004 2005 2008 2009 2010 2011 2012 emprego doméstico+trabalhadores independentes não qualificados trabalhadores setores de baixa produtividade Fonte: dados obtidos pelos autores a partir de CEPAL – Estatísticas Sociais (2014) Podemos concluir então que Álvaro Uribe deixa o governo em 2010 com uma situação pior com relação à informalidade do que quando assume a presidência em 2002. Fato este que nos leva a crer que a maior flexibilização e desregulamentação do mercado de trabalho tiveram impactos negativos na tentativa de aumentar relativamente o emprego formal, mesmo em um cenário de crescimento econômico e de redução do desemprego que deveria ser favorável. Com relação ao salário mínimo6, com exceção ao ano de 2008, em todos os outros houve valorização real, ou seja, a remuneração subiu acima da inflação. Além disso, não é possível notar nenhuma mudança na tendência após a Reforma Laboral de 2002. Apesar de valorizações contínuas, o aumento real foi baixo, entre 2000 e 2012, de apenas 14,2%. Já o salário médio, apesar de também apresentar uma tendência crescente, teve maior irregularidade apresentando desvalorizações reais em 2001, 2003, 2007, 2008 e 2012. O que se pode concluir através da analise destes gráficos é que não há uma mudança significativa na variação tanto dos salários médios reais quanto do salário mínimo real após a Reforma Laboral de 2002, mostrando uma continuidade de projeto em relação à política salarial. Gráfico 6 – Índice do salário médio real na Colômbia entre 1999 e 2012 (índice anual médio, 2000=100) 96,3 100 109,4 109,2 107,5 108,9 111,9 99,7 102,5 101,9 103,9 105,2 122,2 113,4 116,4 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Fonte: dados obtidos pelos autores a partir de CEPAL – Estatísticas Sociais (2014) Os dados sobre o mercado de trabalho observados nesta seção mostram movimentos distintos. Embora, o desemprego tenha apresentado um melhor comportamento a partir da virada do século com relação à década de 1990, isso não se refletiu na diminuição relativa da informalidade que, pelo contrário, continuou aumentando no período. A valorização do salário 6 O salário mínimo na Colômbia é determinado através de uma negociação tripartite com representantes do governo, dos trabalhadores (centrais sindicais) e do setor empresarial, caso não haja acordo é o governo quem deve decidir o valor do salário. Entretanto, Elicabide (2013) afirma que entre o ano de 2000 e de 2010 “generalmente las negociaciones salariales tripartitas fracasaron definiéndose el SM por Decreto, en general los salarios se fijaban más cercanos de la propuesta de los gremios empresariales que a la de los Sindicatos”, (ELICABIDE, 2013, p.11). médio foi pequena acompanhando a valorização do salário mínimo. Assim, não se observa mudanças significativas após a Reforma Laboral. Venezuela A Venezuela buscou uma ruptura efetiva com o modelo neoliberal e objetivou a construção de uma nova sociedade. O governo Chávez teve como horizonte implementar o socialismo do século XXI no país. Entretanto, no que concerne ao mercado de trabalho, apesar de mudanças significativas com relação aos anos 1990, não houve um novo marco regulatório adaptado à essa transição ao socialismo (LUCENA, 2010). Assim como nos outros países analisados neste estudo, o mercado de trabalho da Venezuela também foi beneficiado com o crescimento econômico e com o cenário externo favorável. No caso venezuelano, o aumento do preço do petróleo no mercado internacional jogou um papel fundamental, pois o país ainda depende profundamente da renda petroleira. Grande parte do sucesso das políticas voltadas para o trabalho dependia de um fortalecimento e ampliação do Estado, que só foi possível graças a renda vinda do petróleo (IRANZO, 2011). Quando Chávez foi eleito ele propôs a Constituição Bolivariana. Entre as mudanças indicadas nessa nova Constituição havia algumas que impactariam fortemente o mundo do trabalho como a redução da jornada de trabalho para 36 horas. Porém, essas medidas não foram aprovadas no plebiscito popular realizado em 2007. Assim, para Lucena (2010, p.406), “falta una reforma integral para adecuar la normativa laboral a la transición que ha venido adelantándose hacia el socialismo del siglo XXI”. A situação do mercado de trabalho na Venezuela precisa ser analisada considerando uma questão central: apesar dos esforços para romper com as políticas neoliberais, as políticas do governo de Hugo Chávez, com relação ao emprego, não foram voltadas aos trabalhadores assalariados. Isto porque “el empleo subordinado es concebido como una rémora del pasado que impide el verdadero desarrollo de las potencialidades humanas, adquiriendo el trabajo autónomo una nueva valoración” (IRANZO; RICHTER, 2006). Para Lucena (2008) e Iranzo e Richter (2006), no governo Chávez uma nova forma de organização produtiva estava sendo buscada, onde a prioridade são as formas de propriedades sociais que visem construir um Modelo Produtivo Socialista. Assim, o governo venezuelano fomentou o cooperativismo e o trabalho associado, além da formação de microempresários. Esta visão já está presente desde o princípio do governo, mas é em 2002 que, deliberadamente, há uma política de emprego neste sentido. Iranzo e Richter (2006, p.9) resumem as estratégias centrais para o emprego, “a) la conservación de los puestos existentes a través de decretos ejecutivos que prohiben el despido sin autorización previa de la inspectoría del trabajo (inamovilidad laboral); b) la promoción del trabajo informal y de los microempresarios; c) la promoción de cooperativas de trabajo asociado y la creación de las misiones como forma de redistribución del ingreso en sustitución a la creación de puestos de trabajo productivos.” Com relação ao primeiro item, a proibição das demissões sem justa causa teve inicialmente um resultado positivo, porém, ao longo do tempo, gerou um aumento das subcontratações e das contratações temporais. A promoção do setor informal ocorreu através de uma série de incentivos ao microcrédito por parte do governo. Junto a isso, o governo passou a fazer vista grossa em relação aos trabalhadores não regularizados que trabalhavam na informalidade (IRANZO, 2011). A criação das “misiones”, citada acima, se refere ao programa do governo Misiones Vuelvan Caras que tinham como objetivo, através de cursos preparatórios para trabalhadores, ajudar a estabelecer uma nova economia, incentivando a economia solidária e a economia popular. Essas medidas ocorreram em parte como resposta às dificuldades econômicas que a Venezuela passou em 2002 e 2003. Durante esse período, o governo identificou uma sabotagem por parte dos empresários, que não viam vantagem no sucesso das políticas de Chávez, e assim avaliou que só conseguiria realizar mudanças com o apoio dos trabalhadores (IRANZO; RICHTER, 2006). Para tanto, o governo voltou seus esforços para incentivar a formação de cooperativas e de novas formas de organização produtiva7 (LUCENA, 2010). Essas formas de gestão eram incentivadas tanto como uma alternativa de ocupação de caráter familiar ou comunitário, e também como uma transformação de empresas privadas em cooperativas. Neste último caso a forma de estimular a transformação para o cooperativismo foi através de uma normativa que estabelecia prioridade para a contratação de cooperativas em empresas públicas e instituições do Estado. Desta forma, algumas empresas que prestavam serviços ao governo se tornaram cooperativas. Entretanto, assim como ocorreu em outros países, muitas cooperativas acabaram funcionando apenas como fachada para empresas que queriam se beneficiar das políticas financeiras do governo e ainda com a vantagem de não pagar direitos trabalhistas. Assim, havia uma crítica das cooperativas que já estavam consolidadas anteriormente ao afirmarem não estar se constituindo, de fato, um desenvolvimento autêntico das cooperativas (LUCENA, 2010). Apesar destas dificuldades, o que observamos na Venezuela é uma nova lógica com relação ao trabalho. Ou seja, não é apenas o nível de emprego ou salário que está no centro da preocupação do governo e sim uma forma que reduza a exploração do trabalhador. O Estado exerce um papel central nesta forma de organização do trabalho, tanto como fomentador quanto como empregador. Ao mesmo tempo, essa centralização no Estado acabou tentando tirar a autonomia do movimento sindical que teve diversos conflitos com o governo Chávez. Para Iranzo (2011), houve uma mudança da lógica do capital para a lógica do Estado, que não dá espaço aos atores sociais que não concordam com as políticas do governo. Para ela “en ninguno de los dos casos ha existido el ejercicio de una democracia asentada sobre la negociación y el respeto de los diferentes intereses que componen la sociedade” (IRANZO, 2011, p.33). Enquanto não se alcança o objetivo socialista, os trabalhadores que continuam inseridos em uma lógica capitalista acabam por ser prejudicados, deixando o sindicalismo marginalizado. Com relação aos movimentos da taxa de desemprego, podemos notar uma queda substancial do desemprego principalmente após 2003. Neste período, a taxa de desemprego 7 As principais novas formas de organização produtiva na Venezuela são as Empresas de Producción Social (Empresas de Produção Social) e as Empresas de Propriedad Social (Empresas de Propriedade Social) – nas quais a produção não deve ser de forma alienada e nem hierárquica, podendo ser propriedade estatal, coletiva ou combinação de ambas. Ver Lucena (2010). venezuelana que era bastante superior à taxa média latino-americana se aproxima desta última. Ou seja, a intensidade da diminuição do desemprego na Venezuela é maior do que a média dos países da América Latina. Comparando o movimento da taxa de desemprego e a variação do PIB verificamos que a taxa de desemprego apresenta um aumento em 2002 e 2003, anos em que a variação do PIB é negativa em 8,9% e 7,8%, respectivamente. Porém, após 2003, o movimento de redução da taxa de desemprego parece ser continuo apesar das variações do PIB. Vale ressaltar que o crescimento impressionante de 2003 para 2004 está relacionado ao aumento expressivo do preço do petróleo 8. Assim, a queda sustentada do desemprego ocorre após esta nova estratégia de manutenção e geração de emprego explicitada por Iranzo e Richter (2006). Em nove anos (entre 2003 e 2012), a taxa de desemprego reduz 10 pontos percentuais. Gráfico 7 - Taxa de desemprego aberto na Venezuela, taxa de desemprego aberto na América Latina e variação do PIB da Venezuela entre 2003 e 2012 taxa de desemprego 15 11,2 15,9 13,9 13,3 10,4 10,2 3,7 11,2 taxa de desemprego América Latina 18 variação do PIB 18,3 15,1 11,2 3,4 10,3 12,3 10,3 9 10 8,8 9,9 8,4 8,6 7,9 8,1 7,3 5,3 7,8 8,7 7,3 8,3 6,7 4,2 8,1 6,4 5,6 -1,5 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 -3,2 -8,9 8 -7,8 O preço internacional do barril do petróleo (brent) durante a década de 1990 teve uma redução de U$ 22,98 em 1990 para U$ 17,98 em 1999. Já na década de 2000, o preço do barril de petróleo foi de U$ 28,23 em 2000 para U$ 79, 03 em 2010. Em 2011, o barril estava U$ 104 e em 2012 U$ 105. Fonte: dados obtidos pela autora a partir de CEPAL – Estatísticas Sociais (2014) Para analisar o emprego informal na Venezuela é preciso observar a visão do governo de que o setor informal não é algo negativo. Na lógica inversa da Colômbia e do Brasil que buscam reduzir o emprego informal, o governo venezuelano incentivou os trabalhadores até mesmo a saírem de empregos formais. Dessa forma, não há políticas visando essa superação, pelo contrário, o governo busca incentivar os trabalhadores que estão à margem do processo de produção (LUCENA, 2010). Notamos que no período neoliberal, entre 1992 e 1999, há um aumento substancial do setor informal e, após a eleição de Chávez, essa tendência de crescimento se mantém até 2002. Apesar da redução do setor informal, em 2012 ele representava metade da população ocupada, estando apenas um pouco abaixo da porcentagem de 1999. Assim, o que percebemos na análise dos gráficos do período Chávez foi uma leve tendência de queda da ocupação informal, apesar de movimentos contraditórios de aumento e redução. Gráfico 8 - Porcentagem de ocupados urbanos em setores de baixa produtividade (setor informal) na Venezuela entre 1992 e 2012 60 50 40 30 1992 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Fonte: dados obtidos pelos autores a partir de CEPAL – Estatísticas Sociais (2014) Os salários apresentaram o pior comportamento entre os indicadores analisados para a Venezuela. Mesmo com os aumentos nominais do salário mínimo na Venezuela a inflação corroeu o salário real. Como os ajustes são anuais por mais que a política do governo seja corrigir o salário mínimo acima da inflação, ao longo do ano os salários vão perdendo seu valor real. Houve um período de valorização do salário, entre 2003 e 2006, porém a partir de 2007 o salário mínimo tem uma desvalorização real, chegando em 2011 com um poder de compra inferior ao de 1999. A definição de como deveria ser determinado salário mínimo na Venezuela passou por controvérsias no período do governo Chávez. Legalmente, o seu valor deveria ser negociado entre empregadores e trabalhadores e, em um segundo momento, passado ao executivo que podia aprovar ou fazer modificações. Entretanto, a partir de 1999, foram chamadas outras instituições para a negociação, o que gerou um confronto com os representantes tradicionais dos sindicatos e das empresas, “a tal punto que denunciaron el problema ante la OIT por considerar que ello implicaba la deformación y ruptura del diálogo social” (LUCENA, 2010, p. 408). Após estes conflitos dos representantes dos empresários e dos sindicatos com o governo, ficou estabelecido que o salário mínimo seria determinado pelo governo (LUCENA, 2010). Entre 2003 e 2012 a remuneração média e o salário mínimo tiverem um movimento muito parecido, embora as variações do salário médio real tivessem sido maiores. É possível perceber também uma grande diminuição do salário médio real entre 2001 e 2003. Assim como o salário mínimo, o valor do salário médio igualmente foi corroído pela inflação 9, de modo que, de uma maneira geral, a partir de 2001 ele sofre decréscimos significativos atingindo o menor valor real no ano de 2010. Gráfico 9 – Índice do salário médio real na Venezuela entre 1999 e 2012 (índice anual médio, 2000=100) 96,1 100 106,9 95,1 85,8 81,9 78,4 78,6 80,7 84,8 77,2 73,1 75,3 79,7 76,2 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 9 A inflação anual na Venezuela em 2003 era de 21,7%, em 2010 chegou a 28,2% (Fonte: Banco Mundial, 2014). Fonte: dados obtidos pelos autores a partir de CEPAL – Estatísticas Sociais (2014) Pelo exposto anteriormente, ficou clara a deterioração das remunerações dos trabalhadores no período do governo Chávez. E também que a redução do valor real do salário médio foi superior à do salário mínimo. No final da série analisada, em 2012, o salário mínimo se aproxima do valor real que tinha em 1999, enquanto o salário médio se reduziu significativamente. Com relação aos indicadores analisados, podemos então concluir que na Venezuela houve uma redução significativa das taxas de desemprego, com a informalidade apresentando variações, apesar de uma pequena tendência de queda, algo que em parte mostra que os incentivos governamentais não surtiram os impactos desejados. Já os salários reais caíram. Isso fica mais nítido em relação ao salário médio, já que o mínimo apresentou uma elevação no meio do período, entre 2005 e 2009, voltando a cair daí em diante. “Em once años de transformaciones diversas em el modelo productivo aún no se há logrado consolidar un sistema productivo alternativo al tradicional. La transición al socialismo muestra una gradual estatización de entidades productivas, pero con muy limitados resultados tanto en lo productivo como en alcanzar estadios más avanzados de convivencia entre los trabajadores, en sus diversos segmentos, y en la relación con las comunidades y con los entes estatales” (LUCENA, 2010, p.247). Analisando a concentração de renda Comparando os três países analisados, observamos que há diferenças claras nas medidas de política econômica voltadas ao mercado de trabalho. Elas expressam diferentes visões de desenvolvimento. Diferentemente dos anos 1990 quando havia quase consenso com relação à implementação do modelo neoliberal, nos anos 2000 alguns países questionaram a flexibilização e a desregulamentação do mercado de trabalho o que em boa medida, representou um avanço para os trabalhadores. Essa mudança de objetivos impactou diretamente na vida dos trabalhadores. As melhorias no mercado de trabalho, em conjunto com outras políticas sociais dos governos, refletiram na queda da desigualdade de renda. Na América Latina, a média do índice de Gini passou de 0,547 em 2002 para 0,496 em 2012. Também para os três países analisados há redução desse indicador (Tabela 1). A queda mais expressiva do índice de Gini ocorreu na Venezuela, seguida pelo Brasil. Não por acaso, ambos os países tiveram as maiores reduções do desemprego, além de apresentarem uma melhor performance do salário mínimo comparativamente ao do salário médio. Tabela 1 - Índice de Gini no Brasil, na Colômbia, Venezuela e a média simples da América Latina entre 2002 e 2012 Paises 2002 2012 Brasil 0,634 0,567 Colômbia 0,567 0,536 Venezuela 0,500 0,405 América Latina 0,547 0,496 Fonte: dados obtidos pelos autores a partir de CEPAL – Estatísticas Sociais (2014) Além disso, analisando a distribuição percentual da renda, também se percebe o aumento do percentual da renda dos 20% mais pobres e a diminuição do mesmo indicador para os 20% mais ricos. Isso pode ser visualizado nos três países estudados como mostra a Tabela 2. Tabela 2 - Distribuição percentual da renda (20% mais ricos e 20% mais pobres) no Brasil, na Colômbia e na Venezuela entre 2001 e 2009 20% 20% mais pobres mais ricos Brasil 2001 2,07 63,93 2012 3,00 60,08 Colômbia 2001 2,02 61,34 2012 3,20 58,00 Venezuela 2001 3,97 51,97 2012 5,20 46,00 Fonte: dados obtidos pelos autores a partir de CEPAL – Estatísticas Sociais (2014) Observamos assim que mesmo o país que seguiu o receituário neoliberal teve melhoras nas taxas de desemprego e nos salários, além da queda das desigualdades de renda. Dessa forma, concluímos que esse resultado, em parte, também foi fruto de um cenário macroeconômico favorável, devido ao crescimento da economia mundial, até 2007, e, depois disso, à relativamente boa recuperação das economias em desenvolvimento. Considerações finais Observamos que as diferentes vias de desenvolvimento impactaram no mercado de trabalho de forma distinta. Um maior afastamento das políticas neoliberais, como houve no Brasil em relação à Colômbia, fez com que o primeiro gerasse melhores resultados para os trabalhadores. Entre os governos críticos ao modelo vigente nos anos 1990 encontramos diferenças no grau de afastamento das políticas do período. A Venezuela implementou mudanças muito mais profundas que o Brasil, algumas bem sucedidas outras nem tanto, buscando uma transição para um modelo socialista. Por um lado, conseguiu se afastar do neoliberalismo, por outro, o centralismo do papel do Estado trouxe falta de autonomia aos trabalhadores, renegando o papel do movimento sindical, ao mesmo tempo em que realizou poucas políticas para os trabalhadores assalariados. Acreditamos que o Brasil, ao buscar barrar as políticas neoliberais e realizar políticas pró-trabalhadores, obteve resultados mais significativos na melhora do mercado de trabalho. Já a Venezuela passou pelas mudanças políticas mais profundas, realmente negando a doutrina neoliberal e, em boa medida, o próprio capitalismo. Entretanto, poucas políticas foram voltadas para os trabalhadores assalariados e ao mesmo tempo houve uma tentativa de enfraquecer o movimento sindical, talvez em parte por não ser considerado necessário em uma sociedade socialista (IRANZO, 2011). Em nossa visão, o Brasil conseguiu atingir de forma mais eficaz a melhora do mercado de trabalho, devido à ação do governo, em certa medida pró-trabalhadores, regulamentando esse mercado e barrando sua flexibilização. Por outro lado, a Reforma Laboral na Colômbia aprofundou o processo de flexibilização e desregulamentação do trabalho iniciado nos anos 90. Já a Venezuela buscou caminhar em direção ao “socialismo do século XXI” o que fez com que o governo criasse medidas com o intuito de constituir um novo modelo de produção, mas a forte intervenção do Estado nas relações de trabalho acabou por, em parte, desestruturar a luta trabalhista no país. Houve uma tendência de queda do desemprego nos três países estudados. Observamos também que na Colômbia os movimentos do emprego estiveram mais ligados ao desempenho econômico, enquanto no Brasil e na Venezuela manteve-se a tendência de queda, mesmo em anos de redução do crescimento do PIB. Vale observar também a intensidade das reduções, enquanto a Venezuela tinha a taxa de desemprego similar à colombiana em 2003, o país conseguiu reduzir a um dígito já em 2006, algo que a Colômbia não conseguiu em todo o período analisado. Quanto à informalidade o Brasil apresentou os dados mais significativos reduzindo substancialmente a participação dessa relação de trabalho no total dos ocupados. Já na Colômbia a redução da informalidade não foi sustentada, uma vez que mostrou valores similares no início e no fim do período analisado, apesar de algumas variações nos anos intermediários. A Venezuela é um caso a parte com relação à informalidade, pois é algo visto como positivo, com uma nova perspectiva com relação ao trabalho. Mesmo assim, houve queda do setor informal. Com relação aos salários, a Venezuela apresentou o pior desempenho, o que pode ser explicado pelo aprofundamento do processo inflacionário. Com isso, as valorizações nominais, apesar de altas, não foram suficientes para impedir a queda nos valores reais dos salários, tanto o do mínimo quanto o do médio. Averiguamos que o cenário externo favorável às economias latino-americanas, gerando dinamismo interno, trouxe efeitos positivos com relação à redução do desemprego de todos os países analisados. Entretanto, acreditamos que o fim da crença na desregulamentação e na flexibilização do mercado de trabalho em alguns países também colaboraram para melhorias. Sabemos que não foi possível abordar todas as especificidades de cada país que podem ter tido influência no mercado de trabalho, porém buscamos relacionar o desempenho desse mercado com as decisões de políticas econômicas e trabalhistas mais importantes na nossa visão. Os impactos do neoliberalismo para os trabalhadores nos países latino-americanos são profundos e difíceis de serem revertidos. A precarização do trabalho continua sendo um grande problema, dado que o contexto de globalização e financeirização do capital se mantêm. Pretendemos com este estudo contribuir para a compreensão das alternativas que estão postas com relação à trajetória de desenvolvimento desses países. Desta forma, acreditamos que uma recuperação das condições de emprego são decisivas para se pensar o futuro e a melhoria da qualidade de vida nos países da América Latina. REFERÊNCIAS ALVES, G; CORSI, F.L. Precarização do trabalho e nova precariedade salarial no Brasil na década de 2000. Da tessitura da redundância à intermitência da contingência salarial. In: TOLEDO, Enrique de la Garza; NEFFA, Julio César. Trabajo y modelos pnoductivos em America Latina: Argentina, Brasil, Colômbia, México y Venezuela luego de la crisis del modo de desarrollo neoliberal. Buenos Aires: CLACSO, 2010. ANTUNES, Ricardo. O continente do labor. São Paulo: Boitempo, 2011. BALANCO, Paulo; PINTO, Eduardo Costa. Transformações do capitalismo contemporâneo e os impactos para a América Latina: retrospectivas, mudanças e perspectivas. Textos para Discussão 003. UFRJ: Instituto de Economia, 2013. COMISSÃO ECONÔMICA PARA AMÉRICA LATINA E CARIBE — CEPAL. Estatísticas Sociais. Santiago, 2014. CORSI, Francisco Luiz . Crise do capitalismo e reestruturação da economia mundial. As estratégias de desenvolvimento na américa Latina. In: XXX Encontro da Associação Portuguesa de História Econômica e Social, 2010, Lisboa. Anais...Lisboa, Associação Portuguesa de História Econômica Social, 2010. ELICABIDE, Laura Carla Moisá. Transformaciones en las relaciones laborales Colômbia y Brasil: Entre la flexibilización y la Regulación. In: Congresso Latino-americano de Estudos do Trabalho, 2013, São Paulo. Anais...São Paulo, 2013. GIRALDO, Fernando Urrea. Dinámica de reestructuración productiva, cambios institucionales y políticos y procesos de desregulación de las relaciones asalariadas: el caso colombiano. In: TOLEDO, Enrique de la Garza; NEFFA, Julio César. Trabajo y modelos pnoductivos em America Latina: Argentina, Brasil, Colômbia, México y Venezuela luego de la crisis del modo de desarrollo neoliberal. Buenos Aires: CLACSO, 2010. IGLECIAS, Wagner; CARDOSO, Eliel Waldvogel; STREICH, Ricardo Neves. Estratégias de desenvolvimento em questão: o debate sobre o papel do Estado no Brasil, México e República Bolivariana da Venezuela, 1989-2010. In: Primeiras jornadas de Planejamento Econômico e Social. Instituto Latino-Americano e do Caribe de Planejamento Econômico e Social (ILPES). Santiago: Nações Unidas, 2014. IRANZO, Consuelo; RICHTER, Jacqueline. La política laboral en la Venezuela de Hugo Chávez Fríes. Revista Latinoamericano de Estudios del Trabajo, v. 11, n. 18, 2006. IRANZO, Consuelo. Chávez y la política laboral en Venezuela. Revista Trabajo, Cidade do México, n. 6836, p. 5-38, 2011. KREIN, José Dari. O aprofundamento da flexibilização das relações de trabalho no Brasil nos anos 90. Campinas, 2001. Dissertação (Mestrado em Economia) – Universidade Estadual de Campinas, 190 f., 2001. KREIN, José Dari; SANTOS, Anselmo Luis dos; MORETTO, Amilton. Trabalho no Brasil: evolução recente e desafios. Revista paranaense de desenvolvimento, Curitiba, v.34, n.124, p.27-53, 2013. KREIN, José Dari; PRONI, Marcelo Weishaupt. Economia informal: aspectos conceituais e teóricos. Brasília: OIT, 2010. (Série Trabalho Decente no Brasil; Documento de Trabalho, n.4). LUCENA, Hector. Reestructuración productiva en Venezuela: balance laboral. In: TOLEDO, Enrique de la Garza; NEFFA, Julio César. Trabajo y modelos pnoductivos em America Latina: Argentina, Brasil, Colômbia, México y Venezuela luego de la crisis del modo de desarrollo neoliberal. Buenos Aires: CLACSO, 2010. MANZANO, Marcelo; SANTOS, Anselmo Luis dos; TEIXEIRA, Marilane. Desenvolvimento econômico e trabalho nos anos recentes. In: KREIN, José Dari (et al.). Regulação do trabalho e instituições públicas. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2013. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO — OIT. Panorama Laboral 2000. Lima: Oficina Regional para América Latina y el Caribe, 2000. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO — OIT. Panorama Laboral 2002. Lima: Oficina Regional para América Latina y el Caribe, 2002. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO — OIT. Panorama Laboral 2012. Lima: Oficina Regional para América Latina y el Caribe, 2012. POCHMANN, Márcio. O trabalho sob o regime pós-neoliberal no Brasil. In: TOLEDO, Enrique de la Garza; NEFFA, Julio César. Trabajo y modelos pnoductivos em America Latina: Argentina, Brasil, Colômbia, México y Venezuela luego de la crisis del modo de desarrollo neoliberal. Buenos Aires: CLACSO, 2010. SANT’ANNA, André Albuquerque; AMBROZIO, Marcos Hoelz; MEIRELLES, Beatriz Barbosa. Redistribuição de renda e a recuperação do mercado de trabalho brasileiro. Visão do Desenvolvimento, n.85, BNDES, 2010. TOLEDO, Enrique de la Garza. NEFFA, Julio César, (coords.). Trabajo y modelos pnoductivos em America Latina: Argentina, Brasil, Colômbia, México y Venezuela luego de la crisis del modo de desarrollo neoliberal. Buenos Aires: CLACSO, 2010. TORRES, Roberto Maurício Sanchez. Política Pública Laboral del gobierno de Álvaro Uribe, 2002-2010. Revista Latino-americana de Estudos do Trabalho, v. 16, n. 26, 2011.