Baixar - Encontro ABET 2015

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Baixar - Encontro ABET 2015
AS
DIFERENTES
ESTRATÉGIAS
DE
DESENVOLVIMENTO
DOS
GOVERNOS DA COLÔMBIA, DO BRASIL E DA VENEZUELA E OS IMPACTOS
NO MERCADO DE TRABALHO
Cássio da Silva Calvete1
Mariana Hansen Garcia2
Resumo Simples
Os anos 1990 na América Latina foram marcados por altas taxas de desemprego e por
um processo de precarização do trabalho. Em parte, essa deterioração do mercado de trabalho
pode ser explicada pela implementação, naquele momento, de políticas de cunho neoliberal em
quase todos os países latino-americanos. No início do século XXI, alguns desses países
alteraram sua política econômica com a ascensão de governos de centro-esquerda e de
esquerda. Concomitantemente, houve um melhora generalizada nos indicadores de emprego.
Nesse trabalho pretendemos verificar em que medida é possível vincular esses resultados à
manutenção ou à reorientação da política econômica dos países. Para tanto, escolhemos três
deles, Venezuela, Brasil e Colômbia, que acreditamos tenham praticado, nesse começo de
século, distintas estratégias de desenvolvimento econômico.
Introdução
Durante os anos 1990 a doutrina neoliberal foi aplicada em quase todos os países
da América Latina. Naquele momento, o discurso a favor do livre-mercado ganhava força como o
único modelo que poderia recuperar as taxas de acumulação capitalista. Os países latinoamericanos, que vinham sofrendo com crise da dívida, adotaram as políticas do chamado
Consenso de Washington para garantir financiamentos das suas dívidas externas e de seus
projetos internos.
Com relação ao mercado de trabalho, a recomendação era desregulamentá-lo e
flexibilizá-lo para reduzir os custos trabalhistas. Tais medidas, em um contexto de
financeirização, globalização e reestruturação produtiva, levaram ao aumento do desemprego e à
1
2
Doutor em Economia Aplicada pela UNICAMP e Professor Adjunto da UFRGS.
Economista formada pela UFRGS e Jornalista formada pela PUCRS.
precarização das condições de trabalho. A taxa média de desemprego da América Latina foi de
8,2% para 10,8% entre 1990 e 1999, (OIT, PANORAMA LABORAL 2000). O emprego
informal cresceu 6,9 pontos percentuais nos anos 1990, chegando ao final da década (1998) a
quase 60% da população ocupada, (OIT, 1998).
Ainda nos anos 1990 começaram a surgir movimentos sociais e grupos políticos críticos
ao modelo neoliberal, que foram se fortalecendo a medida que os países iam apresentando pioras
em relação ao emprego e à distribuição da renda. Este contexto levou à ascensão de governos que
se opunham à doutrina pregada pelo Consenso de Washington, voltados para uma maior
intervenção do Estado na economia.
Os efeitos perversos das políticas neoliberais do final do século passado para a classe
trabalhadora no centro e sul do continente geraram uma grande rejeição por parte da população a
essa forma de condução da economia e da política (ANTUNES, 2011; POCHMANN, 2008).
Assim, no início dos anos 2000 as forças políticas críticas ao modelo neoliberal se avigoraram, o
que, em alguns países, levou à eleição de governos de centro-esquerda (IGLECIAS; CARDOSO;
STREICH, 2014). Esses países buscaram uma alternativa ao paradigma neoliberal do final do
século passado, recuperaram a importância da regulamentação do trabalho e a flexibilização
passou a ser questionada.
Ao mesmo tempo em que a virada do século trouxe um novo cenário político para
alguns países, houve mudança no contexto econômico internacional. O PIB mundial voltou a
crescer, puxando o crescimento econômico dos países latino-americanos.
Neste novo cenário, no início do século XXI, o mercado de trabalho dos países latinoamericanos apresentou recuperação nos níveis de emprego e melhoras nas condições de trabalho.
De acordo com o Panorama Laboral da OIT de 2012, a América Latina apresentou melhorias nos
indicadores do mercado de trabalho na primeira década do século XXI, diferentemente dos países
desenvolvidos. O estudo, à época, mostrava que a taxa de desemprego continuava caindo, os
salários reais continuavam aumentando, e havia progressos na expansão do trabalho formal e
avanço na cobertura da seguridade social (ORAGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO
TRABALHO, 2012).
Sendo assim, buscamos compreender se essas mudanças no mercado de trabalho no
início do século XXI ocorreram, em parte, como uma resposta dos governos aos impactos
negativos das políticas neoliberais com relação ao trabalho.
Enquanto nos anos 90 a linha ideológica do neoliberalismo estava presente na quase
totalidade das políticas econômicas dos governos latino-americanos. Diferentemente, no início do
século XXI houve três correntes principais que guiaram as decisões políticas e econômicas nos
países da América Latina (IGLECIAS; CARDOSO; STREICH, 2014; TOLEDO; NEFFA, 2010).
Sendo assim, essas diferentes políticas tiveram impactos diversos no mercado de trabalho dos
países.
Desta forma, para efeito de comparação agrupamos as principais economias latinoamericanas em três blocos de países com base em estudos de Iglecias, Cardoso e Streich (2014),
Toledo e Neffa (2010) e Elicabide (2013):
a) países com governos críticos ao capitalismo que buscaram uma
ruptura completa com o modelo neoliberal (entre eles Venezuela, Bolívia,
Equador);
b) países em que o governo buscou restringir as políticas neoliberais e
amenizar os seus efeitos no mercado de trabalho (entre eles Brasil, Uruguai e
Argentina);
c) países nos quais o governo aprofundou o modelo neoliberal (entre eles
Colômbia e México).
O objetivo principal deste estudo é compreender a relação entre as diferentes estratégias
de desenvolvimento em disputa no início do século XXI e as mudanças no mercado de trabalho
na América Latina.
Para observar esta relação comparamos as mudanças no mercado de trabalho da
Colômbia, do Brasil e da Venezuela, como exemplo dessas diferentes políticas que vigoraram nos
países latino-americanos. Observamos as rupturas e as manutenções das políticas neoliberais no
continente e como estas medidas impactaram no mercado de trabalho.
Para avaliar o mercado de trabalho foram consideradas as seguintes variáveis: taxa de
desemprego, informalidade3 e remuneração4. Relacionamos os dados que mostram o desempenho
do mercado de trabalho destes países com as medidas de políticas econômicas adotadas por eles.
Com o objetivo de ponderar semelhanças e diferenças e o impacto disso para os trabalhadores das
diferentes estratégias de desenvolvimento.
Dado que os três países aqui analisados foram beneficiados pelo cenário externo
favorável, basicamente pelo aumento do preço externo das commodities – resultado, em grande
medida, do crescimento da economia chinesa -, buscamos averiguar se as diferenças na condução
de política econômica e social fizeram com que os mercados locais de trabalho tivessem
desempenhos distintos.
Brasil
Como os outros países latino-americanos o Brasil no século XXI também passou a
apresentar um maior crescimento econômico comparativamente ao verificado nos anos 1990. A
ascensão de um governo em parte crítico ao modelo neoliberal permitiu algumas medidas prótrabalhadores e que sinalizavam uma maior regulação do mercado de trabalho por parte do
Estado. Neste contexto, foi possível impedir o aprofundamento da precarização do trabalho,
porém não se conseguiu reverter completamente o retrocesso herdado da década de 1990. Ainda
assim essas mudanças tiveram efeitos positivos para o Brasil e refletiram em uma melhoria do
mercado de trabalho, o que levou por terra os argumentos neoliberais de que se deveria ampliar a
desregulamentação do mercado de trabalho (MANZANO; SANTOS; TEIXEIRA, 2013).
Krein, Santos e Moretto (2013) identificam dois movimentos no governo do presidente
Luís Inácio Lula da Silva, um favorável a regulamentação e outro flexibilizador. Entre as
3
Neste trabalho, analisaremos o “setor informal” que se refere às características das unidades de produção. Neste
caso, são considerados parte do setor informal os trabalhadores urbanos de setores de baixa produtividade, sejam
eles empregadores ou assalariados que trabalham em microempresas (até 5 empregados), pessoas que trabalham
em emprego doméstico ou ainda trabalhadores independentes não qualificado (sem qualificação profissional ou
técnica).
4
Os dados foram obtidos no site da CEPAL, que para chegar aos salários reais, deflacionou os valores nominais pelo
índice de preços ao consumidor de cada país tanto o salário mínimo como o salário médio nominal. Registre-se
ainda que na Colômbia e na Venezuela o IPC é desagregado por estrato de renda, nestes casos se utilizou o deflator
do estrato de menor rendimento.
políticas favoráveis aos trabalhadores a de valorização do salário mínimo talvez possa ser
considerada a mais impactante positivamente. Porém, a ampliação do seguro desemprego e da
seguridade social - que passou a cobrir donas de casa e os micro empreendedores individuais -, a
Lei do Estágio, a negociação coletiva no setor público e a ampliação do aviso prévio também
mostram uma recuperação da regulamentação a favor dos trabalhadores. Tais medidas, somadas
aos programas de proteção social e ao aumento do acesso ao crédito incentivaram um ciclo de
consumo positivo, que, obviamente, refletiu o no mercado de trabalho (KREIN; SANTOS;
MORETTO, 2013).
Ao mesmo tempo, Krein, Santos e Moretto (2013), chamam atenção para as medidas
que aprofundam a flexibilização5 como, “a lei de falência, o Programa Primeiro Emprego, a
legitimação do trabalho aos domingos, a contratação de intelectuais e artistas como não
assalariados e a reforma da previdência” (KREIN; SANTOS; MORETTO, 2013).
Observamos assim que a tendência de melhora com relação aos direitos trabalhistas não
é linear: por um lado avança na qualidade do trabalho e, por outro, segue a precarização. Neste
contexto, a melhora dos indicadores de trabalho no Brasil na primeira década do século XXI com
relação aos anos 1990, não foi suficiente para recuperar integralmente a degradação do trabalho
que ocorreu no período neoliberal, (ALVES; CORSI, 2010). Para Alves e Corsi (2010) se
“(...)conseguiu restringir – ou colocar barreiras – ao avanço da degradação do trabalho (assim,
embora não tenha conseguido ir além do modelo de desenvolvimento neoliberal, se conseguiu
restringi-lo)”, (ALVES;CORSI, 2010, p.251).
Portanto, apesar dos avanços positivos, os trabalhadores ainda enfrentam problemas de
precarização do trabalho. Em parte, pois as mudanças ocorridas nos anos 1990 com relação à
reestruturação produtiva, à desregulação e a flexibilização do trabalho afetaram o poder de
regulação pública e a própria organização dos trabalhadores, (MANZANO; SANTOS;
TEIXEIRA, 2013).
5
Além das questões políticas e econômicas que foram apresentadas, Manzano, Santos e Teixeira (2013)
consideram importante para a redução do desemprego dois fatores demográficos: a redução da taxa de
crescimento da população e a redução dos fluxos de migração interna do país. Enquanto o primeiro faz com que
diminua a população em idade ativa, o segundo reduz o número de pessoas procurando emprego nas grandes
cidades, devido à diminuição do fluxo rural-urbano.
No governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva e no primeiro ano do de Dilma
Rousseff, se observa uma redução da taxa de desemprego continua, com exceção dos anos de
2006 e de 2009 onde há um crescimento da taxa de desemprego em 0,2% (Gráfico 3). Em 2009
esse aumento pode ser explicado pela variação negativa do PIB (-0,3%), sendo esta, em boa
medida, reflexo da crise econômica mundial. É importante observar que apesar da retração do
PIB nesse ano, os efeitos no emprego foram bastante suaves, principalmente devido ao sucesso
das políticas anti-cíclicas implementadas pelo governo brasileiro, (KREIN; SANTOS;
MORETTO, 2013).
Da mesma forma, é possível observar que as variações do PIB no período considerado,
não tiveram grande influência na variação da taxa de desemprego, que manteve a tendência de
queda apesar da irregularidade do crescimento econômico. Analisando o gráfico percebemos
também que, até 2009, a tendência de queda na taxa de desemprego segue um ritmo bastante
similar ao da média latino-americana, em parte pelo fato do Brasil ter um grande peso na
economia da América Latina. Porém, após 2009, o Brasil passa a ter uma redução do desemprego
mais acentuada do que a média.
Gráfico 1 - Taxa de desemprego aberto no Brasil, taxa de desemprego aberto na América
Latina e variação do PIB do Brasil entre 2003 e 2012
taxa de desemprego
12,3
11,2
11,5
10,3
9,8
9
taxa de desemprego América Latina
10
8,6
9,3
7,9
6,1
5,7
3,2
4
7,9
7,3
8,1
variação PIB
7,5
7,3
6,7
5,2
6,7
6
2,7
1,1
2003
2004
2005
2006
6,4
5,5
2007
2008
-0,3
2009
2010
1
2011
2012
Fonte: dados obtidos pelos autores a partir de CEPAL – Estatísticas Sociais (2014)
Essa redução do desemprego veio acompanhada de um aumento na formalização dos
trabalhadores. Através da perspectiva do setor informal, o movimento apresentado no gráfico 2
deixa evidente a redução da informalidade no século XXI no Brasil. Colocamos o movimento
ocorrido entre 1993 e 1999 para mostrar a quebra de uma tendência a partir da virada do século.
Já em 2002 o setor informal passa a ter menor importância do que em 1993. A partir de 2001 o
único ano que apresenta um crescimento do setor informal é o de 2009, possivelmente por efeitos
da crise internacional.
Além da diminuição do desemprego, dos esforços de regulamentação do trabalho e do
contexto econômico favorável, Alves e Corsi (2010) apresentam outros dois fatores que nos
ajudam a compreender esta tendência, a formalização de trabalhadores domésticos e o aumento
do emprego público (funcionários público estatutário) (ALVES; CORSI, 2010, P.251).
Gráfico 2 - Porcentagem de ocupados urbanos em setores de baixa produtividade (setor
informal) no Brasil entre 1993 e 2012
49
47
45
43
41
39
37
35
1993 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Fonte: dados obtidos pelos autores a partir de CEPAL – Estatísticas Sociais (2014)
Junto com o movimento de melhoria nas taxas de desemprego e na informalidade,
também há um cenário positivo com relação às remunerações dos trabalhadores. Há uma
valorização continua e significativa do salário mínimo real no Brasil. Ressalte-se que esse
aumento real da remuneração mínima já estava presente no governo FHC e no governo Lula e
consegue manter seu valor crescente. Entre 2000 e 2012, o salário mínimo sofre um aumento real
de 97,5%. De 2003 a 2012, o crescimento é de 80 pontos percentuais. Esse aumento se deve, em
grande parte, à consolidação da política de valorização do salário mínimo, fruto de um esforço
conjunto dos sindicatos com o governo. Para Krein, Santos e Moretto (2013), além disso, a
valorização do salário mínimo foi fundamental para
“elevar os rendimentos do trabalho de ocupações precárias, cujo processo
de melhoria da qualidade, entre vários aspectos, significou a ampliação de
rendimentos indiretos, como o décimo-terceiro salário, o FGTS, 1/3 de
férias, seguro-desemprego, auxílios(acidentes, doenças), 14.o salário
(PIS) e outros.” (KREIN; SANTOS; MORETTO, 2013, p.35)
O comportamento da remuneração média se diferencia do comportamento do salário
mínimo. Há uma desvalorização do salário médio de 1999 até 2003. Entretanto, a partir de 2004
o salário médio passa a apresentar uma tendência de alta, sofrendo valorizações reais ano a ano.
Apesar disso, é apenas em 2012 que o salário médio volta a se equiparar ao valor do ano 2000.
É importante ressaltar ainda que a política de valorização do salário mínimo refletiu no
bom desempenho do salário médio, uma vez que colabora para elevar a média dos salários. Sendo
assim, pós 2003 (governo Lula), os aumentos do salário mínimo bastante significativos
permitiram o crescimento do salário médio, o que não havia ocorrido entre 1999 e 2003. Além
disso, tanto com relação ao salário mínimo como com relação ao médio, o contexto de
estabilidade com inflação baixa permitiu que os salários se mantivessem valorizados. Os
indicadores observados anteriormente, como a taxa de desemprego declinante e o aumento da
formalidade, também impactaram positivamente nos salários.
Este movimento de valorização dos salários fez com se expandisse a parcela do
rendimento do trabalho na renda brasileira, porém, “ao final da década de 2000, o rendimento do
trabalho ainda não alcançou a mesma participação na renda nacional que tinha 1990, 45,4%”
(ALVES; CORSI, 2010, p. 253).
Gráfico 3 – Índice do salário médio real no Brasil entre 1999 e 2012 (índice anual
médio, 2000=100)
101,1 100
95,1
93,1
84,9 85,5 85,2
88,2 89,5
91,4 92,6
94,5
96,8
100,4 101,5
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Fonte: dados obtidos pelos autores a partir de CEPAL – Estatísticas Sociais (2014)
Após analisar os indicadores nesta seção fica bastante evidente a melhora significativa
do mercado de trabalho do Brasil neste início de século. Como explicado inicialmente, o contexto
econômico favorável somado a políticas pró-trabalhadores tiveram impactos positivos. Assim, foi
possível em parte barrar o avanço da precarização do trabalho vinda do período neoliberal.
Colômbia
Ao longo dos anos 1990 a Colômbia acompanhou o processo de flexibilização do
trabalho e desregulamentação do mercado de trabalho que ocorreu na América Latina. O governo
eleito em 2002, do presidente Álvaro Uribe, não se apresentava como crítico a esse modelo
neoliberal. Pelo contrário, o novo governo considerava as normas trabalhistas demasiado rígidas
e assim buscava aprofundar o processo iniciado na década anterior.
Uma das primeiras medidas deste novo governo foi a Reforma Laboral ainda em 2002
(Lei 789/2002), quando o número de desempregados no país atingia quase um quinto da
população economicamente ativa (18,2% em 2001). Esta medida buscava, por um lado, aumentar
a proteção social, ainda que de forma insuficiente como será visto adiante, e, por outro, dar maior
flexibilidade às relações trabalhistas com o objetivo de diminuir os custos do trabalho. Para
Torres (2000), “El enfoque sobre la flexibilización y la relevancia dada al costo salarial como
problema del mercado de trabajo indica que un marco teórico de referencia de una parte de la
política, tomado deliberadamente o no, era el neoclásico” (TORRES, 2011, p.185).
Assim como em outros países da América Latina, os defensores do neoliberalismo
afirmavam que as normas trabalhistas nos países latino-americanos estavam ultrapassadas e que
este seria o grande problema do mercado de trabalho. Seguindo esta visão, a Reforma ampliava
as formas de contratação (temporários, de tempo parcial, de aprendizagem), aumentava a jornada
de trabalho diurna, diminuía o valor das horas extras dominicais e de feriados e reduzia, para os
empregadores, os custos de demissão dos funcionários (ELICABIDE, 2013; TORRES, 2011).
A política trabalhista do governo de Álvaro Uribe (2002-2010) estava centrada no
crescimento econômico, pois o governo acreditava que os problemas de desemprego além do alto
grau de informalidade se resolveriam via mercado, desde que houvesse um bom desempenho
econômico do país (TORRES, 2011). Segundo Elicadibe (2013), um dos eixos principais das
políticas de emprego do governo Uribe eram os programas de fomento do emprego via demanda
de trabalho que buscavam aumentar o emprego no setor privado através de subsídios tributários
(seguridade inversionista) às empresas privadas e da diminuição de custos trabalhistas,
flexibilizando as formas de contratação. No entanto, estas políticas não causaram o retorno
esperado, pois foram realizadas em áreas que não geravam muito emprego (ELICABIDE, 2013).
Para Giraldo (2010) esta política de isenção tributária criou um processo de terceirização
da industrialização através de médias e pequenas “plantas maquiladoras”, ainda mais
flexibilizadas “las cuales incorporan trabajo por cuenta propia, familiar sin remuneración y
asalariado pracarizado” o que levou a uma maior vulnerabilidade dos trabalhadores e
intensificação da situação de precariedade dos trabalhos (GIRALDO, 2010, p.181).
Analisando a taxa de desemprego da Colômbia, vemos que ela apresenta tendência de
queda no governo Álvaro Uribe. É importante ressaltar que a segunda menor taxa de desemprego
ocorre justamente no auge do crescimento econômico do período, em 2007, quando a taxa de
variação do PIB é de 6,9% e a taxa de desemprego é de 11,4%. Já quando o PIB volta a
patamares mais baixos de crescimento, com uma taxa de 1,7%, o desemprego volta a crescer,
alcançando 13% em 2009. É possível observar que a variação da taxa de desemprego esteve
muito ligada às variações do PIB, sintoma de políticas trabalhistas marginais e submetidas ao
desempenho econômico (TORRES, 2011).
Na comparação entre as tendências da taxa de desemprego média da América Latina e a
taxa de desemprego colombiana, se observa que até 2007 a queda do desemprego era mais
acentuada na Colômbia vis-à-vis a média dos países latino-americanos. Entretanto, a partir de
2007, há uma desaceleração da queda da taxa de desemprego colombiana até 2009, quando se
estabiliza, em um comportamento bastante similar ao da média latino-americana.
Gráfico 4 - Taxa de desemprego aberto na Colômbia, taxa de desemprego aberto na
América Latina e variação do PIB da Colômbia entre 2003 e 2012
taxa de desemprego
17,6
11,2
2,5
16,7
11,2
3,9
15,4
10,3
5,3
taxa de desemprego América Latina
13,9
9
4,7
13
8,6
6,7
11,4
11,5
7,9
6,9
7,3
3,5
13
8,1
variação PIB
12,4
7,3
4
11,5 11,2
6,7
6,6
6,4
4
1,7
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Fonte: dados obtidos pelos autores a partir de CEPAL – Estatísticas Sociais (2014)
Os dados sobre informalidade ficaram aquém do esperado pelo governo Uribe. Ao
implantar a Reforma Laboral, o governo argumentava que uma maior flexibilização da
legislação trabalhista iria influenciar positivamente na geração de empregos formais.
Entretanto os dados não apontaram avanços significativos após 2002.
Sobre os trabalhadores do setor informal, os dados completos só estão disponíveis após
2008, pois houve modificação nos critérios com relação à microempresas, tornando a série não
comparável. Assim, no gráfico 5 utilizamos duas séries: a mais longa representa apenas parte do
setor informal, pois não considera os trabalhadores em microempresas; já a menor que inicia a
partir de 2008 segue a definição completa de setor informal segundo a OIT. Como o nosso estudo
tem como foco compreender os movimentos no mercado de trabalho, consideraremos o indicador
que apresenta parte do setor informal para observar o movimento da formalização, considerando
que nos anos que temos o setor informal completo ambos apresentam as mesmas tendências.
Desta forma, se observa um aumento do setor informal entre 1991 e 2002 e, a partir de
2003 uma queda até o ano de 2005, quando volta a apresentar crescimento até 2011. Vale
ressaltar que em 2006 e em 2007 o PIB da Colômbia estava tendo crescimento expressivo (6,7 e
6,9 respectivamente), mas isso não se refletiu em aumento relativo do setor formal. Quando se
analisa a série completa do setor informal observamos que em quatro desses anos, entre 2008 e
2012, não houve variações significativas. Além disso, no período, o setor informal representou
quase 60% dos ocupados na Colômbia, ou seja, mais da metade dos trabalhadores estavam em
ocupações consideradas precárias.
Gráfico 5 - Porcentagem de ocupados urbanos em setores de baixa produtividade (setor
informal) na Colômbia entre 1991 e 2012
60
50
40
30
1991
1999
2002
2003
2004
2005
2008
2009
2010
2011
2012
emprego doméstico+trabalhadores independentes não qualificados
trabalhadores setores de baixa produtividade
Fonte: dados obtidos pelos autores a partir de CEPAL – Estatísticas Sociais (2014)
Podemos concluir então que Álvaro Uribe deixa o governo em 2010 com uma situação
pior com relação à informalidade do que quando assume a presidência em 2002. Fato este que
nos leva a crer que a maior flexibilização e desregulamentação do mercado de trabalho tiveram
impactos negativos na tentativa de aumentar relativamente o emprego formal, mesmo em um
cenário de crescimento econômico e de redução do desemprego que deveria ser favorável.
Com relação ao salário mínimo6, com exceção ao ano de 2008, em todos os outros
houve valorização real, ou seja, a remuneração subiu acima da inflação. Além disso, não é
possível notar nenhuma mudança na tendência após a Reforma Laboral de 2002. Apesar de
valorizações contínuas, o aumento real foi baixo, entre 2000 e 2012, de apenas 14,2%.
Já o salário médio, apesar de também apresentar uma tendência crescente, teve maior
irregularidade apresentando desvalorizações reais em 2001, 2003, 2007, 2008 e 2012. O que se
pode concluir através da analise destes gráficos é que não há uma mudança significativa na
variação tanto dos salários médios reais quanto do salário mínimo real após a Reforma Laboral de
2002, mostrando uma continuidade de projeto em relação à política salarial.
Gráfico 6 – Índice do salário médio real na Colômbia entre 1999 e 2012 (índice anual
médio, 2000=100)
96,3
100
109,4 109,2 107,5 108,9 111,9
99,7 102,5 101,9 103,9 105,2
122,2
113,4 116,4
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Fonte: dados obtidos pelos autores a partir de CEPAL – Estatísticas Sociais (2014)
Os dados sobre o mercado de trabalho observados nesta seção mostram movimentos
distintos. Embora, o desemprego tenha apresentado um melhor comportamento a partir da virada
do século com relação à década de 1990, isso não se refletiu na diminuição relativa da
informalidade que, pelo contrário, continuou aumentando no período. A valorização do salário
6
O salário mínimo na Colômbia é determinado através de uma negociação tripartite com representantes do
governo, dos trabalhadores (centrais sindicais) e do setor empresarial, caso não haja acordo é o governo quem
deve decidir o valor do salário. Entretanto, Elicabide (2013) afirma que entre o ano de 2000 e de 2010
“generalmente las negociaciones salariales tripartitas fracasaron definiéndose el SM por Decreto, en general los
salarios se fijaban más cercanos de la propuesta de los gremios empresariales que a la de los Sindicatos”,
(ELICABIDE, 2013, p.11).
médio foi pequena acompanhando a valorização do salário mínimo. Assim, não se observa
mudanças significativas após a Reforma Laboral.
Venezuela
A Venezuela buscou uma ruptura efetiva com o modelo neoliberal e objetivou a
construção de uma nova sociedade. O governo Chávez teve como horizonte implementar o
socialismo do século XXI no país. Entretanto, no que concerne ao mercado de trabalho, apesar de
mudanças significativas com relação aos anos 1990, não houve um novo marco regulatório
adaptado à essa transição ao socialismo (LUCENA, 2010).
Assim como nos outros países analisados neste estudo, o mercado de trabalho da
Venezuela também foi beneficiado com o crescimento econômico e com o cenário externo
favorável. No caso venezuelano, o aumento do preço do petróleo no mercado internacional jogou
um papel fundamental, pois o país ainda depende profundamente da renda petroleira. Grande
parte do sucesso das políticas voltadas para o trabalho dependia de um fortalecimento e
ampliação do Estado, que só foi possível graças a renda vinda do petróleo (IRANZO, 2011).
Quando Chávez foi eleito ele propôs a Constituição Bolivariana. Entre as mudanças
indicadas nessa nova Constituição havia algumas que impactariam fortemente o mundo do
trabalho como a redução da jornada de trabalho para 36 horas. Porém, essas medidas não foram
aprovadas no plebiscito popular realizado em 2007. Assim, para Lucena (2010, p.406), “falta una
reforma integral para adecuar la normativa laboral a la transición que ha venido adelantándose
hacia el socialismo del siglo XXI”.
A situação do mercado de trabalho na Venezuela precisa ser analisada considerando uma
questão central: apesar dos esforços para romper com as políticas neoliberais, as políticas do
governo de Hugo Chávez, com relação ao emprego, não foram voltadas aos trabalhadores
assalariados. Isto porque “el empleo subordinado es concebido como una rémora del pasado que
impide el verdadero desarrollo de las potencialidades humanas, adquiriendo el trabajo autónomo
una nueva valoración” (IRANZO; RICHTER, 2006).
Para Lucena (2008) e Iranzo e Richter (2006), no governo Chávez uma nova forma de
organização produtiva estava sendo buscada, onde a prioridade são as formas de propriedades
sociais que visem construir um Modelo Produtivo Socialista. Assim, o governo venezuelano
fomentou o cooperativismo e o trabalho associado, além da formação de microempresários. Esta
visão já está presente desde o princípio do governo, mas é em 2002 que, deliberadamente, há uma
política de emprego neste sentido. Iranzo e Richter (2006, p.9) resumem as estratégias centrais
para o emprego,
“a) la conservación de los puestos existentes a través de decretos ejecutivos que
prohiben el despido sin autorización previa de la inspectoría del trabajo (inamovilidad
laboral); b) la promoción del trabajo informal y de los microempresarios; c) la
promoción de cooperativas de trabajo asociado y la creación de las misiones como forma
de redistribución del ingreso en sustitución a la creación de puestos de trabajo
productivos.”
Com relação ao primeiro item, a proibição das demissões sem justa causa teve
inicialmente um resultado positivo, porém, ao longo do tempo, gerou um aumento das
subcontratações e das contratações temporais. A promoção do setor informal ocorreu através de
uma série de incentivos ao microcrédito por parte do governo. Junto a isso, o governo passou a
fazer vista grossa em relação aos trabalhadores não regularizados que trabalhavam na
informalidade (IRANZO, 2011). A criação das “misiones”, citada acima, se refere ao programa
do governo Misiones Vuelvan Caras que tinham como objetivo, através de cursos preparatórios
para trabalhadores, ajudar a estabelecer uma nova economia, incentivando a economia solidária e
a economia popular.
Essas medidas ocorreram em parte como resposta às dificuldades econômicas que a
Venezuela passou em 2002 e 2003. Durante esse período, o governo identificou uma sabotagem
por parte dos empresários, que não viam vantagem no sucesso das políticas de Chávez, e assim
avaliou que só conseguiria realizar mudanças com o apoio dos trabalhadores (IRANZO;
RICHTER, 2006). Para tanto, o governo voltou seus esforços para incentivar a formação de
cooperativas e de novas formas de organização produtiva7 (LUCENA, 2010).
Essas formas de gestão eram incentivadas tanto como uma alternativa de ocupação de
caráter familiar ou comunitário, e também como uma transformação de empresas privadas em
cooperativas. Neste último caso a forma de estimular a transformação para o cooperativismo foi
através de uma normativa que estabelecia prioridade para a contratação de cooperativas em
empresas públicas e instituições do Estado. Desta forma, algumas empresas que prestavam
serviços ao governo se tornaram cooperativas.
Entretanto, assim como ocorreu em outros países, muitas cooperativas acabaram
funcionando apenas como fachada para empresas que queriam se beneficiar das políticas
financeiras do governo e ainda com a vantagem de não pagar direitos trabalhistas. Assim, havia
uma crítica das cooperativas que já estavam consolidadas anteriormente ao afirmarem não estar
se constituindo, de fato, um desenvolvimento autêntico das cooperativas (LUCENA, 2010).
Apesar destas dificuldades, o que observamos na Venezuela é uma nova lógica com
relação ao trabalho. Ou seja, não é apenas o nível de emprego ou salário que está no centro da
preocupação do governo e sim uma forma que reduza a exploração do trabalhador. O Estado
exerce um papel central nesta forma de organização do trabalho, tanto como fomentador quanto
como empregador. Ao mesmo tempo, essa centralização no Estado acabou tentando tirar a
autonomia do movimento sindical que teve diversos conflitos com o governo Chávez. Para Iranzo
(2011), houve uma mudança da lógica do capital para a lógica do Estado, que não dá espaço aos
atores sociais que não concordam com as políticas do governo. Para ela “en ninguno de los dos
casos ha existido el ejercicio de una democracia asentada sobre la negociación y el respeto de los
diferentes intereses que componen la sociedade” (IRANZO, 2011, p.33). Enquanto não se
alcança o objetivo socialista, os trabalhadores que continuam inseridos em uma lógica capitalista
acabam por ser prejudicados, deixando o sindicalismo marginalizado.
Com relação aos movimentos da taxa de desemprego, podemos notar uma queda
substancial do desemprego principalmente após 2003. Neste período, a taxa de desemprego
7
As principais novas formas de organização produtiva na Venezuela são as Empresas de Producción Social
(Empresas de Produção Social) e as Empresas de Propriedad Social (Empresas de Propriedade Social) – nas quais a
produção não deve ser de forma alienada e nem hierárquica, podendo ser propriedade estatal, coletiva ou
combinação de ambas. Ver Lucena (2010).
venezuelana que era bastante superior à taxa média latino-americana se aproxima desta última.
Ou seja, a intensidade da diminuição do desemprego na Venezuela é maior do que a média dos
países da América Latina.
Comparando o movimento da taxa de desemprego e a variação do PIB verificamos que a
taxa de desemprego apresenta um aumento em 2002 e 2003, anos em que a variação do PIB é
negativa em 8,9% e 7,8%, respectivamente. Porém, após 2003, o movimento de redução da taxa
de desemprego parece ser continuo apesar das variações do PIB. Vale ressaltar que o crescimento
impressionante de 2003 para 2004 está relacionado ao aumento expressivo do preço do petróleo 8.
Assim, a queda sustentada do desemprego ocorre após esta nova estratégia de
manutenção e geração de emprego explicitada por Iranzo e Richter (2006). Em nove anos (entre
2003 e 2012), a taxa de desemprego reduz 10 pontos percentuais.
Gráfico 7 - Taxa de desemprego aberto na Venezuela, taxa de desemprego aberto na
América Latina e variação do PIB da Venezuela entre 2003 e 2012
taxa de desemprego
15
11,2
15,9
13,9
13,3
10,4
10,2
3,7
11,2
taxa de desemprego América Latina
18
variação do PIB
18,3
15,1
11,2
3,4
10,3
12,3
10,3
9
10 8,8
9,9
8,4
8,6
7,9
8,1
7,3
5,3
7,8
8,7
7,3
8,3
6,7
4,2
8,1
6,4
5,6
-1,5
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
-3,2
-8,9
8
-7,8
O preço internacional do barril do petróleo (brent) durante a década de 1990 teve uma redução de U$ 22,98 em
1990 para U$ 17,98 em 1999. Já na década de 2000, o preço do barril de petróleo foi de U$ 28,23 em 2000 para U$
79, 03 em 2010. Em 2011, o barril estava U$ 104 e em 2012 U$ 105.
Fonte: dados obtidos pela autora a partir de CEPAL – Estatísticas Sociais (2014)
Para analisar o emprego informal na Venezuela é preciso observar a visão do governo de
que o setor informal não é algo negativo. Na lógica inversa da Colômbia e do Brasil que buscam
reduzir o emprego informal, o governo venezuelano incentivou os trabalhadores até mesmo a
saírem de empregos formais. Dessa forma, não há políticas visando essa superação, pelo
contrário, o governo busca incentivar os trabalhadores que estão à margem do processo de
produção (LUCENA, 2010).
Notamos que no período neoliberal, entre 1992 e 1999, há um aumento substancial do
setor informal e, após a eleição de Chávez, essa tendência de crescimento se mantém até 2002.
Apesar da redução do setor informal, em 2012 ele representava metade da população ocupada,
estando apenas um pouco abaixo da porcentagem de 1999. Assim, o que percebemos na análise
dos gráficos do período Chávez foi uma leve tendência de queda da ocupação informal, apesar de
movimentos contraditórios de aumento e redução.
Gráfico 8 - Porcentagem de ocupados urbanos em setores de baixa produtividade (setor
informal) na Venezuela entre 1992 e 2012
60
50
40
30
1992 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Fonte: dados obtidos pelos autores a partir de CEPAL – Estatísticas Sociais (2014)
Os salários apresentaram o pior comportamento entre os indicadores analisados para a
Venezuela. Mesmo com os aumentos nominais do salário mínimo na Venezuela a inflação
corroeu o salário real. Como os ajustes são anuais por mais que a política do governo seja corrigir
o salário mínimo acima da inflação, ao longo do ano os salários vão perdendo seu valor real.
Houve um período de valorização do salário, entre 2003 e 2006, porém a partir de 2007
o salário mínimo tem uma desvalorização real, chegando em 2011 com um poder de compra
inferior ao de 1999. A definição de como deveria ser determinado salário mínimo na Venezuela
passou por controvérsias no período do governo Chávez. Legalmente, o seu valor deveria ser
negociado entre empregadores e trabalhadores e, em um segundo momento, passado ao executivo
que podia aprovar ou fazer modificações.
Entretanto, a partir de 1999, foram chamadas outras instituições para a negociação, o
que gerou um confronto com os representantes tradicionais dos sindicatos e das empresas, “a tal
punto que denunciaron el problema ante la OIT por considerar que ello implicaba la deformación
y ruptura del diálogo social” (LUCENA, 2010, p. 408). Após estes conflitos dos representantes
dos empresários e dos sindicatos com o governo, ficou estabelecido que o salário mínimo seria
determinado pelo governo (LUCENA, 2010).
Entre 2003 e 2012 a remuneração média e o salário mínimo tiverem um movimento
muito parecido, embora as variações do salário médio real tivessem sido maiores. É possível
perceber também uma grande diminuição do salário médio real entre 2001 e 2003. Assim como
o salário mínimo, o valor do salário médio igualmente foi corroído pela inflação 9, de modo que,
de uma maneira geral, a partir de 2001 ele sofre decréscimos significativos atingindo o menor
valor real no ano de 2010.
Gráfico 9 – Índice do salário médio real na Venezuela entre 1999 e 2012 (índice anual
médio, 2000=100)
96,1 100
106,9
95,1
85,8 81,9
78,4 78,6 80,7 84,8
77,2 73,1 75,3 79,7 76,2
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
9
A inflação anual na Venezuela em 2003 era de 21,7%, em 2010 chegou a 28,2% (Fonte: Banco Mundial, 2014).
Fonte: dados obtidos pelos autores a partir de CEPAL – Estatísticas Sociais (2014)
Pelo exposto anteriormente, ficou clara a deterioração das remunerações dos
trabalhadores no período do governo Chávez. E também que a redução do valor real do salário
médio foi superior à do salário mínimo. No final da série analisada, em 2012, o salário mínimo se
aproxima do valor real que tinha em 1999, enquanto o salário médio se reduziu
significativamente.
Com relação aos indicadores analisados, podemos então concluir que na Venezuela
houve uma redução significativa das taxas de desemprego, com a informalidade apresentando
variações, apesar de uma pequena tendência de queda, algo que em parte mostra que os
incentivos governamentais não surtiram os impactos desejados. Já os salários reais caíram. Isso
fica mais nítido em relação ao salário médio, já que o mínimo apresentou uma elevação no meio
do período, entre 2005 e 2009, voltando a cair daí em diante.
“Em once años de transformaciones diversas em el modelo productivo aún no se há
logrado consolidar un sistema productivo alternativo al tradicional. La transición al
socialismo muestra una gradual estatización de entidades productivas, pero con muy
limitados resultados tanto en lo productivo como en alcanzar estadios más avanzados de
convivencia entre los trabajadores, en sus diversos segmentos, y en la relación con las
comunidades y con los entes estatales” (LUCENA, 2010, p.247).
Analisando a concentração de renda
Comparando os três países analisados, observamos que há diferenças claras nas medidas
de política econômica voltadas ao mercado de trabalho. Elas expressam diferentes visões de
desenvolvimento. Diferentemente dos anos 1990 quando havia quase consenso com relação à
implementação do modelo neoliberal, nos anos 2000 alguns países questionaram a flexibilização
e a desregulamentação do mercado de trabalho o que em boa medida, representou um avanço
para os trabalhadores. Essa mudança de objetivos impactou diretamente na vida dos
trabalhadores.
As melhorias no mercado de trabalho, em conjunto com outras políticas sociais dos
governos, refletiram na queda da desigualdade de renda. Na América Latina, a média do índice
de Gini passou de 0,547 em 2002 para 0,496 em 2012. Também para os três países analisados há
redução desse indicador (Tabela 1). A queda mais expressiva do índice de Gini ocorreu na
Venezuela, seguida pelo Brasil. Não por acaso, ambos os países tiveram as maiores reduções do
desemprego,
além
de
apresentarem
uma
melhor
performance
do
salário
mínimo
comparativamente ao do salário médio.
Tabela 1 - Índice de Gini no Brasil, na Colômbia, Venezuela e a média simples da
América Latina entre 2002 e 2012
Paises
2002
2012
Brasil
0,634
0,567
Colômbia
0,567
0,536
Venezuela
0,500
0,405
América Latina
0,547
0,496
Fonte: dados obtidos pelos autores a partir de CEPAL – Estatísticas Sociais (2014)
Além disso, analisando a distribuição percentual da renda, também se percebe o
aumento do percentual da renda dos 20% mais pobres e a diminuição do mesmo indicador para
os 20% mais ricos. Isso pode ser visualizado nos três países estudados como mostra a Tabela 2.
Tabela 2 - Distribuição percentual da renda (20% mais ricos e 20% mais pobres) no
Brasil, na Colômbia e na Venezuela entre 2001 e 2009
20%
20%
mais pobres
mais ricos
Brasil
2001
2,07
63,93
2012
3,00
60,08
Colômbia
2001
2,02
61,34
2012
3,20
58,00
Venezuela
2001
3,97
51,97
2012
5,20
46,00
Fonte: dados obtidos pelos autores a partir de CEPAL – Estatísticas Sociais (2014)
Observamos assim que mesmo o país que seguiu o receituário neoliberal teve melhoras
nas taxas de desemprego e nos salários, além da queda das desigualdades de renda. Dessa forma,
concluímos que esse resultado, em parte, também foi fruto de um cenário macroeconômico
favorável, devido ao crescimento da economia mundial, até 2007, e, depois disso, à relativamente
boa recuperação das economias em desenvolvimento.
Considerações finais
Observamos que as diferentes vias de desenvolvimento impactaram no mercado de
trabalho de forma distinta. Um maior afastamento das políticas neoliberais, como houve no Brasil
em relação à Colômbia, fez com que o primeiro gerasse melhores resultados para os
trabalhadores. Entre os governos críticos ao modelo vigente nos anos 1990 encontramos
diferenças no grau de afastamento das políticas do período. A Venezuela implementou mudanças
muito mais profundas que o Brasil, algumas bem sucedidas outras nem tanto, buscando uma
transição para um modelo socialista. Por um lado, conseguiu se afastar do neoliberalismo, por
outro, o centralismo do papel do Estado trouxe falta de autonomia aos trabalhadores, renegando o
papel do movimento sindical, ao mesmo tempo em que realizou poucas políticas para os
trabalhadores assalariados.
Acreditamos que o Brasil, ao buscar barrar as políticas neoliberais e realizar políticas
pró-trabalhadores, obteve resultados mais significativos na melhora do mercado de trabalho. Já a
Venezuela passou pelas mudanças políticas mais profundas, realmente negando a doutrina
neoliberal e, em boa medida, o próprio capitalismo. Entretanto, poucas políticas foram voltadas
para os trabalhadores assalariados e ao mesmo tempo houve uma tentativa de enfraquecer o
movimento sindical, talvez em parte por não ser considerado necessário em uma sociedade
socialista (IRANZO, 2011).
Em nossa visão, o Brasil conseguiu atingir de forma mais eficaz a melhora do mercado
de trabalho, devido à ação do governo, em certa medida pró-trabalhadores, regulamentando esse
mercado e barrando sua flexibilização. Por outro lado, a Reforma Laboral na Colômbia
aprofundou o processo de flexibilização e desregulamentação do trabalho iniciado nos anos 90. Já
a Venezuela buscou caminhar em direção ao “socialismo do século XXI” o que fez com que o
governo criasse medidas com o intuito de constituir um novo modelo de produção, mas a forte
intervenção do Estado nas relações de trabalho acabou por, em parte, desestruturar a luta
trabalhista no país.
Houve uma tendência de queda do desemprego nos três países estudados. Observamos
também que na Colômbia os movimentos do emprego estiveram mais ligados ao desempenho
econômico, enquanto no Brasil e na Venezuela manteve-se a tendência de queda, mesmo em anos
de redução do crescimento do PIB. Vale observar também a intensidade das reduções, enquanto a
Venezuela tinha a taxa de desemprego similar à colombiana em 2003, o país conseguiu reduzir a
um dígito já em 2006, algo que a Colômbia não conseguiu em todo o período analisado.
Quanto à informalidade o Brasil apresentou os dados mais significativos reduzindo
substancialmente a participação dessa relação de trabalho no total dos ocupados. Já na Colômbia
a redução da informalidade não foi sustentada, uma vez que mostrou valores similares no início e
no fim do período analisado, apesar de algumas variações nos anos intermediários. A Venezuela
é um caso a parte com relação à informalidade, pois é algo visto como positivo, com uma nova
perspectiva com relação ao trabalho. Mesmo assim, houve queda do setor informal.
Com relação aos salários, a Venezuela apresentou o pior desempenho, o que pode ser
explicado pelo aprofundamento do processo inflacionário. Com isso, as valorizações nominais,
apesar de altas, não foram suficientes para impedir a queda nos valores reais dos salários, tanto o
do mínimo quanto o do médio.
Averiguamos que o cenário externo favorável às economias latino-americanas, gerando
dinamismo interno, trouxe efeitos positivos com relação à redução do desemprego de todos os
países analisados. Entretanto, acreditamos que o fim da crença na desregulamentação e na
flexibilização do mercado de trabalho em alguns países também colaboraram para melhorias.
Sabemos que não foi possível abordar todas as especificidades de cada país que podem ter tido
influência no mercado de trabalho, porém buscamos relacionar o desempenho desse mercado
com as decisões de políticas econômicas e trabalhistas mais importantes na nossa visão.
Os impactos do neoliberalismo para os trabalhadores nos países latino-americanos são
profundos e difíceis de serem revertidos. A precarização do trabalho continua sendo um grande
problema, dado que o contexto de globalização e financeirização do capital se mantêm.
Pretendemos com este estudo contribuir para a compreensão das alternativas que estão postas
com relação à trajetória de desenvolvimento desses países. Desta forma, acreditamos que uma
recuperação das condições de emprego são decisivas para se pensar o futuro e a melhoria da
qualidade de vida nos países da América Latina.
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