Aumentando a Eficiência Energética da Cana

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Aumentando a Eficiência Energética da Cana
Aumentando a Eficiência Energética da Cana
Autor: Jayme Buarque de Hollanda - 05/2013
Introdução
Comparada às demais fontes de energia primária do Brasil, a cana de açúcar apresenta as melhores
oportunidades de aumento da eficiência energética e agregação de valor na sua cadeia de
transformações e usos, com uma perspectiva de custos decrescentes e forte desenvolvimento
econômico.
Em contraste, nos setores de petróleo e energia hidráulica já foram desenvolvidos os
aproveitamentos de menor custo. Portanto, os desafios e riscos ambientais tendem a aumentar e
serem agravados pelas restrições e taxação das emissões de carbono. Trabalham com custos
crescentes em uma situação em que as cadeias de produção, transformação e uso já operam com
eficiências elevadas.
A cana é das poucas fontes de energia primária controladas pelo setor privado. Enfrenta
dificuldades para desenvolver todo o seu potencial energético em um país onde a atenção é focada
nos setores tradicionais (energia elétrica e petróleo), com forte controle estatal. O principal
produto energético da cana, o etanol, passou por períodos de euforia seguidos de ameaças de
extinção. A sobrevivência e, mesmo, o aumento da produção só foram possíveis graças ao grande
aumento da produtividade agroindustrial que ainda está longe da saturação.
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O fluxo de energia , entre o campo e uso final (roda), identifica as principais perdas (setas cinza). A maior parte deriva
do uso inadequado da palha e da baixa eficiência energética no uso do bagaço, bem inferior à eficiência potencial.
Aumentar a baixa eficiência do uso veicular tem um grande efeito, pois ocorre no final do processo. Substituir o diesel
por etanol tem também efeito importante.
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Dados do BEN 2008 em milhões de toneladas equivalentes de petróleo com correções do INEE para incluir a energia
da palha e a parcela da energia da cana com finalidade não energética (critério usado para o petróleo e gás natural).
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Há diversas possibilidades para aumentar a produtividade na cadeia energética da cana, com
destaque para a melhoria genética da cana (0,3% do investimento no Brasil contra mais de 10% na
beterraba e milho energéticos na Europa e EUA) e técnicas de plantio e manejo. No que se refere a
novas tecnologias tem-se dado destaque à transformação da celulose da biomassa em etanol
(etanol 2ª geração) e à sua gasificação.
O INEE entende que seria importante melhorar a eficiência global da cadeia, dando ênfase,
inicialmente, àquelas atividades de maior efeito de demonstração sobre o mercado e que
independem de grandes saltos tecnológicos. Entre elas, o aumento da eficiência dos veículos
quando usarem etanol e o desenvolvimento do mercado de biocombustíveis sólidos derivados da
cana que pode, inclusive, alterar positivamente a atividade de geração elétrica.
Etanol veicular
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Um dos principais fatores de ineficiência na cadeia da cana dirigida ao uso veicular se deve à
baixa eficiência energética dos carros flex quando usam etanol. O motor flex atual é uma
solução de compromisso que inibe a eficiência máxima quando usa o etanol, pois fica
limitado pelas características da gasolina.
Em 2012, dos 3,4 milhões de carros vendidos no Brasil, 83% eram flex, 11% a gasolina. Dos
352 modelos de carros avaliados pelo INMETRO em 2013, 226 são flex, 126 a gasolina e
nenhum a etanol. A eficiência energética de todos os flex (medida em MJoules/km) é mais
baixa quando usam etanol do que quando usam gasolina.
O etanol, apesar de conter 27% menos energia por litro que a gasolina, apresenta
importantes vantagens em relação ao combustível fóssil, pois:
o é quimicamente homogêneo (a gasolina é um “cocktail” de hidrocarbonetos);
o tem elevada octanagem;
o tem calor de vaporização latente elevado.
Um motor projetado para aproveitar essas propriedades do etanol será bem mais eficiente
que o motor equivalente a gasolina (ver box); o consumo volumétrico de etanol, por km
rodado, seria aproximadamente igual ao de um motor a gasolina equivalente.
Na vigência do PROALCOOL, a competição entre montadoras estimulou o aumento da
eficiência dos motores a etanol.
Tecnologias que facilitam o melhor aproveitamento das propriedades do etanol,
indisponíveis antes, hoje têm uso generalizado, como é o caso da injeção direta.
A busca de um motor a etanol otimizado foi praticamente abandonada nos centros de
pesquisa e tecnologia brasileiros. Nos EUA, onde o etanol
(E85) é vendido, a pesquisa tem avançado no MIT e na
FORD. A RICARDO MOTORS desenvolveu um motor para
etanol que atinge eficiência similar à obtida com motores
diesel, os mais eficientes motores de combustão;
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“We want to create an engine that’s competitive with diesel but without diesel’s substantial costs,” said Rod
Beazley, product group director for gasoline at Ricardo. “The engine [we’ve developed] has a much cheaper
fuel system and much simpler [exhaust] after-treatment. We also want to take advantage of the positive
properties that current flex-fuel engines don’t do.” (…..). It’s taken spark ignition technology decades to catch
up to diesel. Diesel is so efficient and powerful because it contains more energy per gallon of fuel than
gasoline, and it combusts using compression ignition, which is the tremendous frictional heat generated from
the extreme compression of air in the cylinder. Such high temperatures and pressures produce the large
amounts of torque that trailer-towers love, but they inhibit thorough mixing of the fuel-air charge in the
cylinder, which leads to incomplete fuel burns that produce soot and other pollutants. Conventional gas and
flex-fuel engines use spark ignition to detonate the fuel-air mix when the charge is optimally distributed
throughout the cylinder chamber. That has two results: The mix burns cleaner, and it burns with less relative
power than diesel.
“Ethanol, however, has a higher octane and heat-of-vaporization point than gasoline, meaning it combusts at
a higher temperature and with greater force (higher compression) than gasoline, while also having a greater
capacity to cool the fuel/air mix in the cylinder before combustion. This allows a larger charge to be drawn
into the cylinder before ignition. This inherent efficiency is what enables a smaller-displacement engine to
perform with the same power as a bigger motor if the engine is built to take advantage of it.”
http://news.pickuptrucks.com/2009/03/ricardo-boosts-ethanol-engine-technology-using-gm-motor.html
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Outra possibilidade será utilizar o etanol nos veículos elétrico-híbridos. Bem mais
MOTOR ETANOL
eficientes do que os carros convencionais e usando etanol da cana, seriam
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(quando se considera toda a cadeia energética, ou “ciclo de vida”), os veículos
GASOLINA
mais verdes do mundo, um título muito cobiçado pelas montadoras;
O Inovar Energia, programa de incentivo à indústria veicular criou uma linha específica de
incentivo aos veículos elétricos híbridos a etanol.
“No debate sobre políticas para categoria, governo e montadoras começam a convergir em um ponto: incluir
o etanol nas novas tecnologias. O caminho natural seria um híbrido a etanol, como sugere Bruno Jorge, da
ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial)” (Folha de São Paulo, 2/3/2013 “Governo dará
incentivo a 'carro verde'” Gabriel Baldocchi, de São Paulo; citado em
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1239531-governo-dara-incentivo-a-carro-verde.shtml
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O etanol pode substituir o diesel em veículos pesados (caminhões e ônibus). O principal
interessado é o setor de cana, um dos maiores consumidores de diesel no Brasil (10% do
etanol da cana tem esse insumo energético fóssil).
Há motores diesel adaptados e que utilizam um
aditivo (SCANIA e IVECO no Brasil) e sistemas
elétrico-híbridos (testes no Brasil pela ITAIPU
Binacional e na Suécia, pela SCANIA).
O INEE propõe o uso da solução da Porsche em
que a tração (elétrica) é distribuída pelas rodas
Caminhão híbrido de Porsche (1915) arrastava
do(s) reboque(s). A energia elétrica é gerada no
canhão de 150 t. Na frente gerador de 150 HP.
A tração era feita por 8 motores elétricos
instalados nas rodas dos reboques
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“Cavalo Elétrico” que segue na frente. A concepção é muito eficiente e compatível com o
uso de motores Otto a etanol de baixa potência (pode ter mais de um grupo motorgerador).
Combustíveis Sólidos da Cana
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O conteúdo energético do bagaço e das palhas da cana representa cerca de metade de todo o
petróleo produzido no país.
A disponibilidade de palhas, até recentemente queimadas no campo, vem aumentado com a
proibição das queimadas e mecanização das colheitas.
Devido à baixa densidade energética e heterogeneidade dessas biomassas “in natura”, seu uso
como combustível fica restrito, na prática, ao uso local, ou seja, à indústria sucroalcooleira. O
desperdício é elevado, pois a necessidade energética do setor é pequena vis-à-vis o potencial.
Essas biomassas, no entanto, podem ser convertidas em formas mais “nobres” sob a forma de
biocombustíveis sólidos com características dos combustíveis fósseis mais usados (homogêneos,
de fácil transporte, estocagem e uso):
o Densificado: biomassa seca, comprimida a altas pressões;
o Torrefado: biomassa aquecida a cerca de 250 oC em forno, na ausência de oxigênio
(pirólise).
Além de serem renováveis, têm queima limpa, densidade energética elevada e são
homogêneos. A energia para produzi-los é bem inferior aos seus conteúdos energéticos. Com
formato de pequeno cilindro (“pellet”) se assemelha a um líquido o que facilita o transporte,
manuseio e estocagem.
Pellet de densificados (esq) ou torrefados (dir): transporte, estoque e uso como combustível líquido
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A produção de densificados e torrefados com biomassas da cana seria uma atividade muito
interessante para as usinas de cana, pois:
o Os custos de produção são reduzidos, já que os insumos (biomassa, calor e energia
elétrica) são disponíveis na usina e trazem ganhos de escopo, reduzindo custos dos
produtos tradicionais.
o É uma atividade pouco capital-intensiva;
o A economicidade não está atrelada a grandes escalas de produção;
o Pode ser um negócio com reduzido risco empresarial;
o A existência de pellets produzidos com outras biomassas torna o mercado mais
diversificado e abrangente;
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o Nos EUA, o EPRI2 testa unidades móveis para torrefação de gramíneas que vão ao
campo: pode ser ideal para processar as palhas da cana;
o Ajuda a dar um novo enfoque à geração de energia elétrica pela maior facilidade para
armazenar, transportar e usar caldeiras de menor porte.
Produzido com resíduos de biomassa (florestal e industrial), o densificado é competitivo com os
combustíveis fósseis3 na Europa, onde as vendas têm uma evolução muito dinâmica e hoje se
importa cerca de 20% das necessidades, dos EUA e Canadá.
Cresce a demanda para uso em termelétricas a carvão, que começam a ser taxadas pelo CO2
emitido por kWh gerado. O densificado substitui até 30% do carvão e torrefado, até 100%.
“Sean Ebnet is the director of biomass origination for the UK utility Drax Power, whose 4,000-megawatt coal-fired
power plant generates about 7 percent of the UK's electricity. He said that of the country's 85 gigawatts (that's
85,000 megawatts) of power generation capacity, one-third is scheduled to be shut down by 2016, including 24
gigawatts of coal capacity (because it can't meet emissions standards) and 5 gigawatts of nuclear capacity
(because it's reached the end of its life).
Drax's state-of-the-art plant runs at nearly 40 percent efficiency, and currently gets about 12.5 percent of its fuel -- 1.2 million tonnes (Mt) per year --- from wood pellets. But Ebnet says they're just getting started. With new
capital investment, the plant will get 20 percent of its fuel from pellets later this year, and ultimately rely on
biomass for the majority of its fuel.
http://www.kleanindustries.com/s/environmental_market_Industry_news.asp?ReportID=539073
A produção de densificados não depende de novas descobertas e/ou saltos tecnológicos; há
vários fabricantes. A produção de torrefados com objetivo energético é mais recente (França,
1987).
O uso desse combustível na Europa foi inicialmente impulsionado pela busca de uma alternativa
renovável, apesar da resistência cultural ao uso da energia de biomassa, que dispensa grandes
desafios tecnológicos como os enfrentados para aproveitar os ventos e a energia solar.
A ilustração de uma matéria do The Economist sobre biomassa energética resume a visão
preconceituosa que se observa com relação ao uso dessa fonte que não depende de saltos
tecnológicos. A abertura do artigo resume alguns aspectos pouco divulgados sobre o tema.
Essa visão se reflete no Brasil onde o uso de biomassa se associa a subdesenvolvimento; apesar
da importância do carvão vegetal (um biocombustível sólido) para a siderurgia brasileira, tratase do único energético produzido e comercializado à margem de qualquer norma ou
Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento das empresas de energia elétrica dos EUA.
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A figura da direita (€/kWh na Inglaterra) considera uma taxação do carbono a 40 € por tonelada de
carbono http://www.charmontinvestments.com/news-carbon-price-boost-for-green-energy.htm
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regulamentação. A definição legal de biocombustível desconsidera os biocombustíveis sólidos e
tira da agência responsável pelos biocombustíveis (ANP) a responsabilidade de tratar da
matéria.
WHICH source of renewable energy is most important to the European Union? Solar power, perhaps? (Europe
has three-quarters of the world’s total installed capacity of solar photovoltaic energy.) Or wind? (Germany
trebled its wind-power capacity in the past decade.) The answer is neither. By far the largest so-called
renewable fuel used in Europe is wood.
In its various forms, from sticks to pellets to sawdust,
wood (or to use its fashionable name, biomass) accounts
for about half of Europe’s renewable-energy consumption.
In some countries, such as Poland and Finland, wood
meets more than 80% of renewable-energy demand.
Even in Germany, home of the Energiewende (energy
transformation) which has poured huge subsidies into
wind and solar power, 38% of non-fossil fuel consumption
comes from the stuff. After years in which European
governments have boasted about their high-tech, lowcarbon energy revolution, the main beneficiary seems to
be the favoured fuel of pre-industrial societies.
“The fuel of teh Future – Evironmental Lunacy in
Europe” The Economist, xx/04/2013
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No Brasil, a produção e uso de densificados se concentra no Sul a partir, basicamente, de
resíduos de florestas e/ou de indústrias que processam madeira. É ínfimo vis-à-vis a quantidade
de resíduos agroindustriais, mas tem crescido.
A exportação dos biocombustíveis seria um caminho para atingir o mercado europeu, mais
maduro e com demanda crescente.
Desenvolver o mercado brasileiro para substituir combustíveis fósseis parece ser o caminho
mais adequado, pois reduz o custo de transporte que onera consideravelmente o produto.
Um mercado importante para os pellets pode ser criado no Brasil com a expansão da geração
elétrica com carvão mineral, pois a mistura do biocombustível ao carvão contribuirá para
manter compromissos brasileiros de baixa emissão de carbono.
"O Brasil é um país que convive com grandes desperdícios. Por
incrível que possa parecer, isso é uma vantagem, pois, no dia em
que formos competentes para eliminar esses desperdícios, vamos
ter um aumento brutal de produtividade, de competitividade.
Já não se vê tanto desperdício na Dinamarca, Suíça, Áustria, Suécia;
são economias que não têm muito o que melhorar neste aspecto, já
estão num patamar de eficiência bastante elevado, não têm muitos
saltos a dar. “Nós não, temos que evoluir muito.”
Amir Klink, Gestão de Sonhos Riscos e Oportunidades, 2000.
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