na alma - Cultinvest

Transcrição

na alma - Cultinvest
E...
•
Com os Grands Crus
na alma
Com a região de Bordeaux dominada
por grandes grupos, ex-proprietário
Bruno Prats decidiu disseminar a cultura
da excelência em outros países
Por Jorge Lucki
Vem crise, vai crise e os bordeaux
passam ao largo delas. Ao menos
os Grands Crus, categoria que reúne os melhores vinhos da região
vinícola mais famosa do planeta.
Por mais que o mercado se retraia, sempre há um grupo de
compradores,
cada vez maior,
disposto a pagar qualquer preço
por eles - é bom lembrar que a
quantidade de garrafas produzidas é consequência direta da área
de vinhedos, que é "imexível".
Entre as novas levas de consumidores, já houve a fase do Japão,
em meados da década de 80; dos
Tigres Asiáticos, nos anos 90; e
mais recentemente a Rússia. Apesar de algumas baixas eventuais, o
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bolo vai crescendo: agora é a vez
da China, e haja gente.
A dimensão do interesse dos
chineses já pôde ser testada recentemente com a forte demanda
verificada por ocasião da campanha dos "primeurs" - modalidade
semelhante às de commodities no
mercado futuro, na qual o interessado paga antecipadamente por
um vinho recém-vinificado, que é
entregue dois anos depois. Os preços dos 2009, ofertados em maio
do ano passado e quejá eram considerados altos, explodiram. Não
foi apenas devido à excelência da
safra. A alta se deveu a uma mudança no comportamento
dos
(novos e numerosos) consumi- .•
dores chineses, que até então só
compravam vinhos engarrafados.
Pelo visto, a famosa paciência deles não vale para essa bebida.
Outra demonstração da avidez
da China pelos grandes rótulos
aconteceu no leilão que a Sotheby's
promoveu em Hong Kong em outubro último, no qual o total arrecadado, US$ 8,5 milhões, foi mais de
três vezes (!) superior ao que era
estimado no catálogo. Vá lá que
era um leilão só de vinhos Lafite
Rothschild, o rótulo preferido dos
asiáticos, e as garrafas vieram diretamente do château, ou seja, tinham garantia de procedência, eliminando o grande risco que se
corre em compras desse gênero.
Por outro lado, os preços estratosféricos não se limitaram às safras
antigas, nas quais os riscos citados
são maiores, mas chegaram aos vinhos jovens. Na ocasião, foi batido
também o recorde de preço pago
por uma garrafa de vinho: mais de
US$ 230 mil por apenas um exemplar de formato normal, 750 ml,
um Lafite 1869.
O prestígio e a valorização que
os bordeaux alcançaram nesses últimos anos - mais especificamente
de duas décadas para cá - refletiram-se também no preço das propriedades. Não é apenas pelo retorno financeiro. Há poucos símbolos
de status tão fortes quanto ser proprietário de um desses chãteaux.
Não haveria então nenhum motivo
para alguém querer sair desse clube tão seleto, para o qual, é de imaginar, existem muitos querendo entrar. Acontece que os altos impostos
e as rígidas leis sobre heranças vigentes na França têm forçado famílias tradicionais a se desfazerem
desses verdadeiros patrimônios da
humanidade, dando lugar a empresários e grupos de porte que têm
cacife para tal investimento.
80 Valorlnveste
I Março 2011
Cos
O'[STOURNEl
O (hâteau (05
d'Estournel,
conhecido como
"Taj Mahal de
Bordeaux",é
dirigido hoje por
Jean-Gulllaume,
filho de
BrunoPrats
Um dos primeiros a entrar no
setor foi o grupo francês de seguros AXA, que no início dos anos
90 comprou o Château Pichon
Longueville Baron, um 2eme
Grand Cru Classé situado em
Pauillac e vizinho do Château Latouro Em decadência, de certa
forma, pela incapacidade dos antigos donos de renovar suas instalações, vinhedos e barricas, o
Pichon Baron ganhou com o AXA
o fôlego que necessitava para
voltar a brilhar.
Já o celebrado Château Cheval
Blanc, que integra o seleto grupo
dos oito Premiers Grands Crus
Classés tintos da região - Lafite,
Mouton Rothschild, Latour, Margaux, Haut Brion, Ausone e Petrus -, não passava por qualquer
dificuldade quando foi vendido,
em 1998, a Bernard Arnault, todopoderoso presidente do grupo
LVMH(Louis Vuitton Mõet Henessy), em sociedade com seu amigo
e companheiro de férias de verão
na Riviera Francesa, o empresário belga Albert Frêre. Era comandado brilhantemente por jacques Hébrard, figura lendária
em Bordeaux e grande responsável pela reputação do Château
após a Segunda Guerra Mundial;
contudo, o pesado fisco francês tornava inviável a uma família manter
um bem desse porte, que lhes pertencia desde a fundação, em 1832não apenas o imposto sobre herança, da ordem de 40%, como
também o imposto de renda anual,
que taxa as grandes fortunas.
Caso semelhante ocorreu na
mesma época com o Château Cos
d'Estournel (procuncia-se cós desturnél). Renomado 2eme Grand Cru
Classé da região de St Estéphe, o
Cos passou a fazer parte do patrimônio da família Prats desde 1917,
quando foi adquirido por Fernand
Ginestet. A propriedade passou
para as mãos de sua filha Arlette,
que teve três filhos, Iean-Marie,
Yves e Bruno, frutos de seu casamento com um dos membros da
família Prats. Em 1970, Bruno Prats
assumiu o controle do negócio, elaborando grandes vinhos, que contribuíram para firmar a imagem do
château. Muito respeitado, Bruno
foi durante um bom tempo presidente da UGCB,a Union des Grands Crus Classés de Bordeaux, organização fundada em 1973 para
conciliar interesses e zelar pela
imagem dos mais importantes produtores locais.
Embora reinasse paz entre os
irmãos, mais uma vez a tributação
na França prejudicou a continuidade do negócio familiar. Penalizados anualmente pelo imposto
de renda - Bruno, como diretor
operacional, era isento -, os dois
irmãos resolveram vender a terça
parte que cada um detinha. Com
alguma urgência, inclusive, porque um deles estava doente e o
Leão francês estava à espreita
para abocanhar 40% de sua participação. Por mais subavaliada que
fosse a propriedade, era impossível a Bruno comprar e ficar sozinho no empreendimento.
Cos d'Estournel
foi então
comprado pelo grupo Taillan,
chefiado principalmente pela família Merlaut, dona já de alguns
outros grandes châteaux em Bordeaux, como o Gruaud ("grrlô")
Larose. Estima-se que a venda tenha girado entre US$ 150 milhões
e US$ 200 milhões. Logo em seguida, uma negociação mais ampla envolveu a venda de metade
do conglomerado Taillan para
um grupo de investidores argentinos - entre eles, especulou-se, o
Catena Group.
A parceria foi desfeita apenas
(Ghislain de Montgolfier, ex-presidente do Champagne Bollinger,
entrou depois). O primeiro projeto da fase pós-Cos d'Estournel foi
no Douro, em Portugal, em sociedade com a irrepreensível família
Syminghton, um dos melhores
produtores de Vinho do Porto.
dois anos depois, em 2000, por Dali saiu o Chryseia ("De Ouro",
conta de divergências e conflitos em grego), que estreou no mercaentre os acionistas. O Château Cos do com a safra 2000.
d'Estournel foi vendido novamente.
Na sequência, em 2005, veio o
O "Taj Mahal de Bordeaux", como é Anwilka, na África do Sul, junto
conhecido o château, em alusão a com o bordalês Hubert de Boüard,
sua arquitetura com influência in- do Château Angelus, em St Ernídiana, foi comprado por Michel lion, e Lowell jooste, da não meReybier, um bem-sucedido em- nos aclamada vinícola sul-africana
presário do ramo alimentício,
Klein Constantia. Por último, e, secom suas empresas sediadas em gundo ele, realmente o último, há
Genebra, na Suíça. Por sorte, não o projeto em Alicante, na Espahouve grande descontinuidade, já nha, cuja primeira safra, 2009,
que desde o começo o filho de deve ser lançada neste ano. O obBruno Prats, jean-Guillaume, que jetivo comum em todos que ele
já trabalhava com o pai, assumiu
abraçou é poder ser ainda o mea direção do Cos d'Estournel, pos- lhor - "um dos melhores", corrigiu
to que conserva até hoje com elo- - da região ou do país em que estiver localizado. BrunoPrats
afirgiada competência.
Curiosamente, no entanto, Ie- mou, meio desconsolado, que na
an-Guíllaurne foi com o tempo mu- França isso não seria possível.
dando o estilo dos vinhos, que perDefinitivamente, Bordeaux vai
deram o toque mais clássico e ficando cada vez menos romântica
ganharam um padrão mais moder- e mais voltada para o lado comerno. "Corresponde ao que o merca- cial. O que vale é preço, que só nodo pede hoje em dia", foi o comen- vos milionários podem pagar. Não
tário resignado, mas bem hu- deve ser por acaso que as garrafas
morado, que Bruno Prats fez quan- do Lafite 2008 terão como destado perguntei recentemente como que em vermelho a grafia chinesa
ele via os novos rumos de seus an- que corresponde ao número oito,
considerado da sorte na China. Os
tigos vinhos.
Bruno mudou-se em seguida
preços dobraram depois do anúnpara a Suíça. Demonstrando, po- cio, o mesmo acontecendo com o
rém, que tem vinho nas veias, foi Mouton Rothschild da mesma salogo atrás de outros projetos na fra depois de ter sido divulgado
área - na realidade, ele já tinha se que uma obra do artista Xu Lei foi
aventurado, bem antes, no Chile, escolhida para compor seu rótulo.
ao final da década de 80, com a Isso não aconteceu no passado,
Vifia Aquitania, em conjunto com quando artistas como Miró, Chaseus amigos Paul Pontallier, dire- gall e Picasso, entre outros, assinator-técnico do Château Margaux, e ram rótulos do Château. Saudade,
e sede, daqueles tempos. _
o chileno Felipe de Solminihac
o sentimento
é de que a
tradicionalíssima região de
Bordeaux está ficando cada vez
menos romântica e mais voltada
para o aspecto comercial
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