O Seis Sigma no Agronegócio

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O Seis Sigma no Agronegócio
O Seis Sigma no Agronegócio
Por José Goldfreind
Como foi feita a aplicação e a viabilidade do Seis Sigma em uma empresa com processos baseados no
agronegócio mostrando os seus possíveis desdobramentos.
A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) informa que foram moídas 431,1 milhões de toneladas,
acima dos 372,8 milhões de toneladas de 2006, em outras palavras estamos crescendo fortemente nesta
área e despontando como um dos líderes mundiais neste agronegócio. O objetivo deste artigo é mostrar a
aplicação e viabilidade do Seis Sigma em uma empresa com processos baseados no agronegócio mostrando
os seus possíveis desdobramentos.
A Agropecuária Jayoro, exemplo apresentado neste artigo, é a única empresa sucroalcooleira do estado do
Amazonas, fato este que a torna estratégica dentro do estado, levando em consideração a logística de
transporte. A empresa é produtora de açúcar cristal, extrato de guaraná, álcool anidro, neutro e hidratado.
Seu maior desafio consiste na adaptação do cultivo da cana-de-açúcar às condições da Amazônia, o que
implica na convivência com altos índices pluviométricos e controles biológicos de pragas e doenças típicas de
culturas favorecidas pelas altas temperaturas e umidade elevada e, por último, na ausência de mão-de-obra
específica para o setor sucroalcooleiro.
A primeira grande dificuldade foi transpor a barreira cultural existente quanto a aplicação do Seis Sigma no
agronegócio, visto que a Jayoro seria uma das pioneiras nesta aplicação. Escolhemos para mostrar como
case o projeto “Redução de Perda de Matéria Prima no Campo”, pois para chegar as metas definidas foram
utilizadas técnicas estatísticas e técnicas de controle. Uma parte dos ganhos veio dos estudos levantados do
solo e outra dos controles gerados sob as turmas da colheita.
Definir
Nesta fase inicial a empresa construiu o seqüenciamento de seus processos agrícolas, conforme figura 1,
mapeando seu processo core, desde o preparo do solo até a fase de colheita. Essas fases precedem a de
industrialização da cana-de-açúcar. Não entramos nos processos industriais neste projeto, pois o tema
escolhido era Perda de Matéria Prima no Campo (cana-de-açúcar deixada nas áreas de plantio em formas de
tocos, lascas, cana inteira etc.). Tais definições serão detalhadas ainda neste artigo na fase do Medir.
Um ponto importante dos processos agrícolas é entender seu tempo de ciclo e seqüenciamento,
diferenciados da indústria de processo contínuo. Na indústria a matéria prima vai se transformando ao passar
de um setor para o outro, ou melhor, de uma máquina para a outra, até chegar ao produto final. Os setores
neste caso trabalham simultaneamente. Já na agricultura a matéria prima (cana-de-açúcar) vai se
transformando sem sair do lugar; são os processos que andam em momentos diferentes da vida da planta.
Primeiro prepara-se o solo e planta-se a cana, depois realizam-se os tratos culturais ao longo do crescimento
da planta para finalmente executar a colheita da cana.
Plano
de
Preparo
Core Colheita
de Solo
Reforma /
Plantio
Plano de
Colheita
N1
Corte
Corte
Manual
N2
Tratos
Culturais /
Planta-Soca
Carregamento
Colheita
Transporte
Corte
Mecânico
Figura 1
Após definido o processo core desdobramos para os processos de nível 1 e 2 chegando conforme o
diagrama da figura 1. A fazenda é dividida por áreas denominadas talhões. Cada talhão possui histórico e
característica especifica que envolvem idade, tipo de cana plantada, capacidade produtiva, entre outras. No
início da safra de 2005/2006, verificou-se que 44% dos talhões possuíam uma produtividade abaixo de 65
toneladas de cana por hectare (tc/h). Como precisávamos delinear o escopo de nosso trabalho e restringi-lo
às perdas referentes às atividades da fase de colheita, elegemos o indicador de saída – Outcome (figura 2)
de nosso projeto que seriam as perdas gerais de cana no campo.
Indicador de Saída (Y) Outcome
Time Series Plot
-
PRODUTIVIDADE safra 2005/06 (agosto)
Indicador de Alto Nível
tc/ha
Time Series Plot
- % Geral de Perdas safra 2005/06 (agosto)
Figura 2
%
Observamos uma média de 3,37% de perdas de cana no campo. Contudo, para analisarmos melhor este
fenômeno temos que dividir as perdas por tipo de corte e, como mencionado acima, existem dois tipos
clássicos de corte: o manual e o mecanizado. O corte manual é realizado por homens que cortam a cana
usando basicamente um facão. Esses homens cortam a cana na base e retiram sua extremidade superior. O
resultado deste tipo de corte é uma cana inteira.
O corte mecanizado é realizado por uma máquina colhedora. Esta máquina possui serras que cortam a base
da cana e serras que cortam o topo. A cana cortada cai em um transportador da máquina que a leva a um
picador. O resultado deste tipo de corte é uma cana picada.
Ambos os cortes são carregados nos caminhões e transportados até a usina. Por isso, levantamos as perdas
no corte, no carregamento e no transporte, onde observamos que os dados de perda no carregamento e no
transporte poderiam ser considerados não significativos. As perdas avaliadas no carregamento e no
transporte juntas, não chegavam a 20kg de cana por hectare, contra uma média de perda na fase de corte de
3,960 toneladas de cana por hectare. Essa análise representava a performance do nível 1 de nosso diagrama
da figura 1. Partimos então para o levantamento de dados das perdas por tipo de corte, manual e
mecanizada, que são mostradas na figura 3
Figura 3
Entendendo que na colheita temos proporções de aplicação de corte entre os talhões diferentes para a
colheita manual e a colheita mecanizada, a média de 3,96 tc/ha é resultado de todos os talhões colhidos até
esta fase da colheita. Concluímos nesta fase, que as perdas médias no início da safra 2005/2006 (agosto)
foram de (3,96tc/ha) e eram fortemente influenciadas pelas perdas na colheita mecanizada. Contudo,
definimos estudar na fase do Medir, tanto o processo de corte manual como o mecanizado.
Medir
Nesta fase levantamos o desempenho do corte mecanizado (figura 4) e do corte manual (figura 5) ao longo
do tempo, com o objetivo de verificarmos algum tipo de tendência.
Figura 4
Figura 5
Os estudos apresentados nas figuras 4 e 5 também foram realizados para cada tipo de defeito possível.
Alguns tipos de perdas são aplicados tanto para corte manual como para corte mecanizado, tais como: cana
inteira, toco e ponteira. Toco é a base aproveitável da cana que não foi cortada e ponteira é a parte
aproveitável que fica na parte superior cortada da cana.
Os demais são aplicados apenas para o corte mecanizado: rebolo e lasca. Rebolos são pedaços de cana
picada que caem fora da colhedora no momento da colheita e lascas são pedaços de cana lascados que se
perdem na exaustão da palha. Os dois últimos são derivados do corte realizado pelo equipamento colhedora.
Tais estudos foram realizados, pois estes tipos de defeitos originam-se de etapas diferentes do processo da
colheita. O resultado geral pode ser observado na figura 6.
Figura 6
A média de perdas de matéria-prima no mês de agosto de 2005, antes do início dos trabalhos, foi de 3,96
tc/ha. Essa média, se aplicada sobre a produtividade obtida na Safra 2004/2005, projetaria uma perda de
5,36% do total de cana produzido. Foi especificada pela equipe a tolerância de perdas em 2,0 e 5,0 tc/ha,
para os cortes manual e mecanizado respectivamente, respeitando assim as características de cada tipo de
corte.
No início da safra 2005/2006 o Sigma do processo era de 1,35σ e, se atingidos os limites de tolerância
especificados, o Sigma tenderia a ser 2,5σ. Esse sigma, apesar de relativamente baixo, representa um ganho
significativo. Na média geral (manual e mecanizado) as maiores perdas estavam concentradas nos seguintes
componentes de avaliação: perda por “Cana Inteira” (29%), perda por “Rebolo” (23%) e perda por “Lasca”
(22%). Juntas, elas representavam 74% do total das perdas. No corte mecanizado as perdas estavam
também concentradas na Cana Inteira (31%), Toco (23%), além de Rebolo (19%) e Lasca (18%).
Analisar
Nesta fase a equipe realizou brainstorming para montagem do Ishikawa (figura 7), onde optou-se por discutir
tanto características de corte manual como do corte mecanizado, mesmo sabendo que nosso foco seria o
corte mecanizado. Esta opção nos abriu oportunidades de escolher algumas causas potenciais para serem
validadas. No Ishikawa, listamos quatro causas que foram validadas. Outras causas eram de simples
resolução e de baixo custo, então optamos por aplicar as soluções imediatas chamadas na Jayoro de “Quick
Hits”.
Diagrama de Ishikawa – Perdas de
Matéria-Prima na Colheita
Toco Alto
Falha
operacional
Causa #1
Irregula
ridade
do
terreno
corte base
devido ao
excesso de
umidade do
solo
Causa #3
Corte
Mecanizad
o
Causa #4
Falta
sincronismo
entre colhedora
e transbordo por
falha de
sistematização
do solo
Excesso de
Carga no
Transbordo
Perdas por
Rebolo
Corte
Manual
Método
inadequado
de corte
Má sistematização
do solo no plantio
Topografia
do terreno
Falta
sincronismo
entre
colhedora e
transbordo
por falha
operacional
Cana Tombada
dificultando o
corte
Corte Base
Corte
Mecanizad
Elevação do
o
Perda
média de
3,96tc/ha
Causa #2
Não trocar os
facões
picadores
regularmente
Corte
Mecanizad
o
Corte
Mecanizad
o
Corte
Manual
Cana
tombada
dificulta o
corte
Procedimento
de corte
inadequado
Perdas por
Lasca
Perdas por
Cana Inteira
Figura 7
Estudamos várias causas, porém apenas as quatro listadas no Ishikawa foram validadas como causas raízes,
cada uma por um método diferente. Foram utilizados desde testes de hipóteses até cálculos matemáticos.
Por exemplo, realizamos um teste de hipótese de duas proporções para comparar os resultados de perdas
entre dois tipos de sistematização de solo no plantio. Ao final dessa fase, tínhamos quatro causas
significativas validadas, além de diversas ações simples tipo “Quick Hit”.
Melhorar
Na fase Melhorar, partimos para as soluções relacionadas a cada uma das causas validadas onde utilizamos
uma planilha de seleção das soluções (figura 8), que leva em consideração três critérios básicos para a
análise da solução proposta: efetividade, custo de implementação e grau de dificuldade da implementação. A
pontuação varia de 1 a 5 onde 5 seria a melhor resposta para o critério. Quando temos o valor 125
(multiplicação da pontuação máxima dos critérios) significa que a solução será efetiva, com baixa dificuldade
de implementação e de baixo custo. Das sete soluções propostas, seis foram escolhidas. Nesta fase foram
realizados estudos de custo/benefício e riscos da implementação.
Plano de Ação – Perdas de Matéria-Prima no Corte Mecanizado
Problema
Perdas no Corte Mecanizado
Causa Raiz
Solução
Ações Específicas
Umidade do
terreno
Política de manejo
do solo
Utilização de carta de solo
Má sistematização
do solo
Mudar manejo
para a cana planta
Falta de
Sincronismo entre a
colhedora e o
transbordo por
falha operacional
Criar e
estabelecer
procedimentos
Excesso de Carga
no transbordo
Uniformizar o
carregamento do
Transbordo
SCALE:
Efeivid
Facilid
Custo
Total
4
4
4
64
Ação
Yes
Utilizar corte manual
5
5
5
125
Yes
Utilizar o método do quebra
lombo
4
1
1
4
No
Pré-estabelecer marcha/
rendimento evidente
5
5
4
100
Yes
Uso sinal sonoro p/ alertar o
operador do transbordo
5
5
3
75
Yes
Descentralizar o “Canhão” da
Colhedora durante o
carregamento do transbordo
5
2
5
50
Yes
Canhão centralizado, pico da
cana à 40cm de alt. da borda
5
5
5
125
Yes
1-None
2-Some what
3-Moderate
4-Very
5-Ext reme
Figura 8
Após a implementação levantamos os desempenhos do antes e do depois das ações propostas e verificamos
a melhoria do processo conforme mostram as figuras 9 e 10.
Controlar
Como foi explicado na introdução deste artigo, trabalhamos com melhorias em duas frentes, uma
identificando e blindando causas raízes e outra melhorando o controle dos processos. Para efeito de controle
estatístico do processo, quando identificamos que o processo não se comportava como uma normal, usamos
o método da transformada Box Cox, para poder realizar as análises estatísticas.
Podemos perceber que o processo de corte mecanizado, além de diminuir a média, também diminuiu sua
variabilidade. Contudo, no processo de corte manual, a média diminuiu, porém a variabilidade aumentou. Isso
ocorreu em função dos diferentes comportamentos das equipes do corte manual. A partir da implementação
dos controles algumas equipes melhoraram sua performance, porém outras não, gerando a variabilidade
inicial. Trata-se de um processo muito dependente do fator humano. Os controles permitiram identificar o
comportamento das equipes e tratá-las de forma independente, incluindo o uso de alguns mecanismos de
bonificação diferenciados. Com o tempo as equipes criaram uma hegemonia e diminuíram a variabilidade
Xbar-R Chart of Perda de Matéria Prima no Campo (Ton/ha)
Using Box-Cox Transformation With Lambda = 0,50
Mecanizada Ago a out 05
Antes
Durante
Depois
1
Sample Mean
3
UCL=2,249
1
2
_
_
X=1,512
1
LCL=0,775
1
Antes
3
Sample Range
16
31
46
61
76
Sample
Durante
1
91
106
121
136
Depois
1
2
1
UCL=1,280
1
_
R=0,392
LCL=0
0
1
16
31
46
61
76
Sample
91
106
121
136
Tests performed with unequal sample sizes
Figura 9
Xbar-R Chart of Perda de Matéria Prima no Campo Ton/ha
Using Box-Cox Transformation With Lambda = 0,00
Manual Ago a Out.05
Antes
Sample Mean
2
Durante
1
1
1
1
Depois
1
1
11 1
0
1
1
1
1
_
_
X=0,055
1
1
11
51
76
101
Antes
4,5
Sample Range
26
LCL=-1,143
1
-2
1
UCL=1,253
126
Sample
151
Durante
176
201
226
Depois
1
3,0
1
UCL=2,081
1,5
_
R=0,637
0,0
LCL=0
1
26
51
76
101
Tests performed with unequal sample sizes
Figura 10
126
Sample
151
176
201
226
No gráfico de tendência apresentado na figura 11 observamos a curva de perdas melhorando e mantendo
sua consistência ao longo do tempo, inclusive na safra seguinte.
Y1-Trend Analysis Plot
Linear Trend Model
Yt = 3,8909 - 0,001321*t
Perdas Gerais de Matéria Prima no Campo (Ton Cana/Ha)
Perdas Ton Cana/Ha
25
Início do Control
Início da Safra de 2006
Variable
Actual
Fits
20
Accuracy Measures
MAPE
172,976
MAD
1,435
MSD
3,768
15
10
5
0
5
5
5
5
5
5
5
5
5
6
6
-0
-0
-0
l-0
t-0
t- 0
t-0
t- 0
t- 0
t-0
t- 0
v
o
o
u
e
e
e
u
u
u
e
g
o
g
-j
-s
-s
-s
-s
-o
-o
-o
-n
-a
-a
30
08
18
26
23
07
14
27
08
28
21
Data
Figura 11
A implementação do projeto gerou resultados muito positivos. O maior ganho foi a mudança cultural onde a
empresa passou entender e a controlar melhor seu processo de colheita, desdobrando objetivos e metas para
as equipes no campo.
AGRADECIMENTOS
Gostaria de parabenizar a equipe da Jayoro pelo trabalho realizado, em especial à E. Camillo Pachikoski,
diretor-presidente da Jayoro, e à Manuel Guedes, técnico da área agrícola. O primeiro permitiu e sustentou o
processo da implementação do Seis Sigma na fazenda, e o segundo suportou e conduziu internamente os
estudos e as equipes.
José Goldfreind é diretor do Setec Consulting Group, na área de Lean Six Sigma, atua há mais de 20 anos
em Sistemas de Gestão (Qualidade e Ambiental), Ferramentas da Qualidade, Seis Sigma e Produtividade.
Engenheiro Mecânico pela Escola de Engenharia Mauá, trabalhou no Centro de Pesquisa do Instituto Mauá
de Tecnologia (IMT). Foi professor da Escola de Engenharia Mauá e da Universidade Santa Cecília dos
Bandeirantes - [email protected]

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