A GLOBALIZAÇÃO DO ALIMENTO SEGURO
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A GLOBALIZAÇÃO DO ALIMENTO SEGURO
ENTREVISTA DO MÊS A GLOBALIZAÇÃO DO ALIMENTO SEGURO JOHAN DEN HARTOG VEM AO BRASIL E FALA COM EXCLUSIVIDADE À FEED&FOOD SOBRE O PAPEL DO GMP+ INTERNACIONAL DENTRO DOS SETORES PRODUTIVOS DE ALIMENTAÇÃO ANIMAL. CERTIFICAÇÃO DÁ VOZ ÀS EMPRESAS EXPORTADORAS QUE EMPREGAM MELHORIA CONTÍNUA EM SEUS PROCESSOS DE FABRICAÇÃO E COMPRA, E GARANTE SEGURANÇA DO PRODUTO AO LONGO DE TODA CADEIA VALERIA CAMPOS, DE SÃO PAULO (SP) [email protected] A procura por alimentos seguros é uma condição cada vez mais notória em nível global, capaz de reger sistemas e processos para o cumprimento da demanda do mercado atual. O hasteamento dessa bandeira exige atenção redobrada dentro das companhias para assegurar o controle de riscos nos processos internos e também o olhar minucioso em cima da gestão de qualidade. Dentro desse cenário, o GMP+ Internacional (Holanda) se figura como um sistema de certificação para a indústria de alimentação animal que avalia globalmente as Boas Práticas de Fabricação (BPF) das empresas apoiadas nas normas da ISO 9000 e no Sistema de Análises de Perigos e Pontos Críticos de Controle (HACCP, sigla em inglês). “O GMP+ é uma organização privada, independente e não tem fins lucrativos”, inicia o diretor-geral Johan den Hartog. “Contamos com outras partes interessadas ao redor do mundo que integram o sistema, ajudando a fomentar e construir toda norma de certificação”. Hartog é formado em Administração de Negócios pela escola agrícola em Dordrecht (Holanda), com MBA na mesma área pela Universidade de Teesside (Reino Unido) e atua no setor de alimentação animal há 36 anos. Em 1992, foi um dos res- 54 FEEDFOOD.COM.BR ponsáveis pela criação do GMP+. Confira a seguir a entrevista completa com o diretor-geral da instituição holandesa realizada nas dependências do Sindicato Nacional da Indústria de Alimentação Animal (Sindirações, São Paulo/SP). REVISTA FEED&FOOD – Antes de adentrarmos nos objetivos e resultados do GMP+, gostaria que falasse do atual momento vivido pelo setor de alimentos para animais no mundo e quais regiões avistam oportunidades nesse campo. Johan den Hartog – A produção na Europa está mais ou menos estável. Vejo a migração para a Ásia como ponto favorável, principalmente, na região Ocidental, especialmente para a produção de alimentação de aves. Recentemente estive na Argentina, e lá o problema é complicado em função do governo anterior, porque não conseguiram movimentar o mercado, mas a promessa do atual presidente é que haverá um aquecimento principalmente no mercado interno, em função da elevação de consumo. No Peru, por exemplo, a principal atividade é a aquicultura, embora ainda sejam produções tímidas. Já no Brasil, as oportunidades, em termos de certificação, estão voltadas para as plantas esmagadoras de soja e as plantas produtoras de polpa cítrica, devido ao próprio desen- NA AVALIAÇÃO DE JOHAN, O BRASIL DISPÕE DE UM NÚMERO EXPRESSIVO DE CERTIFICAÇÃO E TEM MUITO A CRESCER DEVIDO ÀS OPORTUNIDADES Foto: f&f volvimento de produção de proteína animal e exportações para a China, já que o país é um importante comprador de ingredientes para alimentação animal das indústrias brasileiras. Ainda em solo verde amarelo, tenho que mencionar o mercado entre o Brasil e Europa, então o certificado do GMP+ é um dos requisitos para exportação para o continente. Como o Brasil é um grande exportador de carne, a questão segurança alimentar na área da alimentação animal é também muito importante, até porque nesse comércio internacional não basta apenas um produto seguro, mas é necessário a agregação de valor. O que foi observado no mercado mundial que desencadeou a criação da certificação e quais foram as transformações ao longo desses anos? Começou em 1992. Naquela época, havia uma série de incidentes e, consequentemente, a pressão junto a indústria de carne e de leite para que essas situações fossem resolvidas e houvesse um melhor controle. A partir disso iniciou a elaboração de todo o sistema. Entre esses eventos estão a crise da Vaca Louca por volta dos anos 2000 e o incidente envolvendo a polpa cítrica brasileira e a contaminação por dioxina, a partir daí percebemos a necessidade de estender o esquema para a cadeia toda de alimentação animal. Assim, integramos ao sistema os requisitos da ISO 9000 e também o Sistema de Análises de Perigos e Pontos Críticos de Controle, e se a empresa certificada tiver em algum ponto da cadeia, todos os seus fornecedores também precisam ser certificados. Essa extensão garante a segurança do produto ao longo de toda essa estrutura. O que esse olhar estendido a toda cadeia influenciou no sistema de certificação? Aumentou drasticamen- te o número de participantes, tanto na Ásia, Europa, quanto na América Latina. Com essas mudanças e com o au- FEEDFOOD.COM.BR 55 ENTREVISTA DO MÊS mento das empresas, entendemos também que deveríamos mudar toda atuação da organização e ser mais independente. Então, isso passou da Câmera de Comércio que era chamada de PDV anteriormente, para o GMP+. Depois, mudamos o logo e uma série de abordagens. Se a ideia é estimular a segurança alimentar em nível mundial, é porque há uma forte troca de mercadorias e ingredientes ao redor do mundo. Portanto, é importante e interessante que se padronize e que se tenha uma única informação sobre segurança alimentar. conjunta, para que o alimento seja seguro e se cumpra a demanda do mercado atual. É claro, que se você estiver no início da cadeia nem sempre você nota algumas situações que são mais evidentes para quem está no fim, mas a ideia toda do trabalho é chegar a um acordo e um consenso que seja interessante para todo mundo. Na verdade, não se deve pensar que vá haver um aumento de custo, mas haverá com certeza um crescimento e mais oportunidade para esse setor. A primeira ideia é criar uma resistência, porque todo mundo acha que vai aumentar os custos, mas o que realmente acontece é uma economia porque acaba evitando uma série de incidentes e também cria novas oportunidades de negócios. E qual o custo das empresas com essa certificação? Há três componentes de cus- tos: O interno da empresa que busca a certificação, no sentido de se organizar e implementar o sistema; logo em seguida o valor que será pago para a certificadora realizar a avaliação do sistema e o terceiro é a taxa para o GMP + para que possa manter o sistema. Quais ferramentas de gestão são utilizadas para definir o desempenho das empresas? Contamos com ferramentas de gestão da qualidade, os métodos do HACPP e os programas de pré-requisito. Dentro desses processos, os auditores avaliam se a companhia agiu de forma adequada a fim de controlar a contaminação e não entregar produtos que estejam fora da certificação. São mais de 25 anos de experiência e durante esse período foram coletadas uma série de informações e dados científicos, inclusive para formar um banco de dados extenso para avaliações de riscos e processos específicos dos ingredientes. Esse banco de dados é colocado à disposição das companhias certificadas para que elas utilizem as informações nos controles dos processos. Outra ferramenta é o GMP+ Academy, que são parcerias com diversos institutos e universidades, cuja responsabilidade é realizar treinamentos envolvendo ferramentas da qualidade e segurança alimentar. Dentro da proposta do GMP+, a avaliação não passa somente pelos processos de instalações de produção de alimentos. Quais são as outras áreas, dentro da companhia, que também são analisadas? Aborda toda parte pessoal e do gerenciamento da qualidade. Com ele, a companhia passa a dar uma atenção ainda maior para a gerência da qualidade, mais do que até área de compras. Pois esta última não pode comprar pelo preço, e sim visando a segurança dos ingredientes. Hoje são mais de 14 mil empresas participantes em mais de 70 países. Em que mercados essas companhias estão instaladas? 56 FEEDFOOD.COM.BR Na sua avaliação, o setor está no caminho certo? No Norte da Europa isto está SE A IDEIA É ESTIMULAR TODA A CADEIA DE SEGURANÇA ALIMENTAR EM NÍVEL MUNDIAL, É PORQUE EXISTE UMA FORTE TROCA DE MERCADORIAS E INGREDIENTES A Alemanha tem o maior número de certificados, seguido da Holanda, Polônia e Itália. O Brasil tem um número expressivo, mas há bastante espaço, tende a crescer. Isso devido as oportunidades, não só no mercado exportador, mas também no doméstico. Outra coisa que contribui para o progresso do País é o próprio desenvolvimento de produção de proteína animal na China, um grande comprador de ingredientes para alimentação animal do Brasil. A indústria de alimentos é parte da cadeia alimentar e todos os elos têm sua própria responsabilidade. Como você avalia o papel da indústria de alimentação animal em âmbito global? E para onde essa indústria está caminhando? Cada elo tem sua responsabilidade, mas também eles costumam dizer que a cadeia toda é tão forte quanto seu elo mais fraco, e todo esquema é baseado em uma ação e cadeia, portanto tem que haver uma ação bem estabelecido, os profissionais têm uma forte consciência, e essa situação tem também avançado para a Europa Central com mais empresas criando e participando de temas de certificação. Estive viajando pela América Latina, e no Peru existe uma expressiva demanda, a maioria das companhias que exportam alimentação de peixe já está certificada pelo GMP+. Visitamos recentemente uma série de organizações no Brasil, o que foi notado que além da preocupação do mercado exportador, existe uma atenção voltada para o mercado doméstico. Todos estão se conscientizando e caminhando no sentido de olhar um pouco mais com cuidado para a questão da segurança alimentar. Quais foram os êxitos trazidos pela certificação ao longo desses anos dentro da cadeia global de alimentação animal? Em todo esse período observei uma redução de incidentes relacionados com contaminação, e quando isso ocorre, as companhias têm toda a ferramenta para controlar rapidamente e resolver o problema. Na Europa, por exemplo, devido a vários episódios, é obrigatório que as empresas façam seguro dos produtos. Por volta dos anos 2000 o prêmio das seguradoras era extremamente alto, e com todo esse processo de certificação hoje o prêmio é baixo. Isso resultou em um retorno financeiro significativo. No campo de empréstimos também houve melhorias, os bancos têm pedido que as companhias apresentem certificado no sentido de oferecer qualquer quantia financeira. Mas uma coisa é importante dizer, não é porque uma empresa obteve um certificado, que ela não possa perder. Se ela não cumprir com todos os requisitos, pode ter o certificado suspenso por três meses ou até retirado definitivamente. ■ Foto: f&f