Educação e Desenvolvimento: que tipo de relação existe?

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Educação e Desenvolvimento: que tipo de relação existe?
Educação e Desenvolvimento: que tipo de relação existe?
António Caleiro1
Universidade de Évora
Resumo
A literatura, em geral, reconhece a existência de uma inter-relação entre os níveis
de educação e de desenvolvimento de um país. Deste ponto de vista, o investimento
em educação pode permitir alcançar um maior nível de desenvolvimento mas
também este, por sua vez, pode gerar acréscimos no nível educacional da
população, em geral. A existência deste género de interacção entre os níveis de
educação e de desenvolvimento parece estar bem patente nas relações de
cooperação entre Portugal e Angola, tal como descritas, por exemplo, no Programa
Anual de Cooperação Portugal-Angola 2005 ou no Programa Indicativo de
Cooperação Portugal/Angola 2007-2010. O objectivo da comunicação é, assim, o
de analisar, em primeiro lugar, as razões teóricas que suportam a existência da
inter-relação entre os níveis de educação e de desenvolvimento de um país e, em
segundo lugar, proceder a uma averiguação empírica da existência desta interrelação, privilegiando-se o caso dos países em (vias de) desenvolvimento.
Palavras-chave
Angola, Desenvolvimento, Educação, Portugal.
Classif
icação JEL: H52, I21, I28, O15, O57.
Classificação
1
Departamento de Economia.
135
António Caleiro
1. Intr
odução
Introdução
A existência de uma inter-relação (positiva) entre os níveis de educação e
de desenvolvimento de um país parece ser um facto merecedor de um consenso
generalizado.2 Deste ponto de vista, o investimento em educação pode permitir
alcançar um maior nível de desenvolvimento mas também este, por sua vez, pode
gerar acréscimos no nível educacional da população, em geral, sendo certo que esta
outra vertente da interacção entre aqueles dois elementos é a que se revela menos
estudada ou considerada.
O objectivo da comunicação é, assim, o de analisar, em primeiro lugar, as razões
teóricas que suportam a existência da inter-relação entre os níveis de educação e de
desenvolvimento de um país e, em segundo lugar, proceder a uma averiguação
empírica da existência desta inter-relação, privilegiando-se o caso dos países em (vias
de) desenvolvimento.
Conforme se mostrará de seguida, os fundamentos teóricos para a existência de
um ‘círculo virtuoso’ entre educação e desenvolvimento têm tido reflexo ao nível das
políticas preconizadas pelas principais instituições mundiais com interesse na área da
educação, e mesmo ao nível das relações de cooperação entre os diversos países,
como é o caso de Portugal-Angola. Assim, na secção 2 deste trabalho apresentar-se-á
o ponto de vista institucional sobre a importância da educação para o desenvolvimento
(e vice-versa). A secção 3 ocupar-se-á da apresentação de alguns resultados, considerados de interesse, descritos na literatura relevante. Estes suportarão, em parte, o
estudo empírico do tipo de inter-relação entre os níveis de educação e de desenvolvimento, o que ocupará a secção 4.3 A terminar, a secção 5 apresentará as principais
conclusões deste trabalho, assim como as eventuais vias de análise para trabalhos
subsequentes.
2
3
136
A título de curiosidade, uma pesquisa na Internet sobre "education and development" revela
a existência de muitos milhões de páginas, destacando-se aquelas cujo assunto principal é
"education for development". O mesmo género de pesquisa, em Português, continua a revelar
a existência de alguns milhões de páginas, sendo de destacar aquelas cujo assunto principal
é (também) a "educação para o desenvolvimento". Esta visão da educação para o
desenvolvimento é de tal forma importante que muito recentemente foi mesmo criado um
"Journal of Education for Sustainable Development" (veja-se, por exemplo, Vare & Scott, 2007).
Os dados utilizados neste estudo são apresentados em Anexo.
Educação e Desenvolvimento: que tipo de relação existe?
2. O ponto de vista institucional sobre as relações entre a educação
e o desenvolvimento
A existência de uma interacção positiva entre os níveis de educação e de
desenvolvimento parece estar bem patente nas relações de cooperação entre Portugal
e Angola, tal como descritas, por exemplo, no Programa Anual de Cooperação PortugalAngola 2005 ou no Programa Indicativo de Cooperação Portugal/Angola 2007-2010.
Na verdade, o Programa Anual de Cooperação Portugal-Angola 2005 considerava
quatro Áreas de Concentração Prioritárias:
1. Educação,
2. Saúde,
3. Capacitação Institucional,
4. Reinserção Social e Promoção do Emprego.
justificando-se a aposta na educação tendo em conta o seu papel na “na redução
da pobreza, e a sua contribuição para o desenvolvimento, ao aumentar as capacidades
e oportunidades das populações, bem como para o processo de produção e de criação
de riqueza.”
Também ao nível do Programa Indicativo de Cooperação Portugal/Angola 2007-2010
a importância da educação no desenvolvimento das relações de cooperação entre
Portugal e Angola está bem patente. Como é sabido, às questões associadas à educação
não é estranho o compromisso de tentar alcançar os, chamados, Oito Objectivos de
Desenvolvimento do Milénio, adoptados na Cimeira do Milénio de 2000, nas Nações
Unidas. Na verdade, para além da menção explícita à educação, também alguns dos
restantes objectivos se associam, de alguma forma, ao desenvolvimento (humano,
económico, sustentável) baseado na educação. Estes objectivos são:
• Erradicar a pobreza extrema e a fome,
• Alcançar a educação primária universal, (itálico da nossa responsabilidade),
• Promover a igualdade de género e capacitar as mulheres,
• Reduzir a mortalidade infantil,
• Melhorar a saúde materna,
• Combater o VIH-SIDA, a malária e outras doenças,
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• Assegurar a sustentabilidade ambiental,
• Desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento.
Tal como o próprio Programa Indicativo de Cooperação Portugal/Angola 2007-2010
reconhece, os objectivos estratégicos da cooperação com Angola estão em concordância com a Estratégia para África da União Europeia, aprovada no Conselho
Europeu de Dezembro de 2005 e que assenta em três pilares:
• promover a paz, segurança e boa governação como pré-requisitos essenciais
para o desenvolvimento sustentável,
• apoiar a integração regional e o comércio para promover o desenvolvimento
económico, e
• melhorar o acesso aos serviços sociais básicos (saúde, educação) e a protecção
do ambiente para alcançar da forma mais rápida possível os Objectivos do
Milénio. (itálico da nossa responsabilidade).
Assim, no âmbito da cooperação Portugal-Angola, é interessante apresentar
as suas principais linhas de força. No sector da Educação, as principais alterações
nos últimos anos disseram respeito a um reforço evidente da cooperação interuniversitária – não só ao nível do envio de docentes portugueses, mas igualmente de
apoios à reestruturação e gestão dos cursos, com o objectivo de criar conhecimento
especializado, capacitar, e desenvolver o ensino universitário em Angola. A concessão
de bolsas de estudo representa igualmente um esforço significativo da cooperação
portuguesa e abrange recentemente bolsas internas para licenciatura. As lições
aprendidas vão no sentido de evoluir para a concessão de bolsas de pós-graduação
em Portugal, aumentando o número de bolsas de licenciatura ao nível local. Ao nível
da Educação Básica, as acções anteriores da cooperação portuguesa em termos de
construção ou reabilitação de infra-estruturas revelam-se menos necessárias do que
acções de capacitação dos professores angolanos, de forma a melhorar a qualidade
de ensino. (in Programa Indicativo de Cooperação Portugal/Angola 2007-2010, pp. 1213).
Em suma, as relações de cooperação Portugal-Angola assentam, no que à
educação diz respeito, no facto de a melhoria do sistema de ensino angolano, ou seja
uma aposta na educação e formação, ser um catalizador do desenvolvimento
(humano). Este facto está evidentemente de acordo com visão que hoje em dia os
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principais pensadores e organizações assumem, sendo aquela alvo de um consenso
quase generalizado (veja-se, por exemplo, Banco Mundial, 2002, e, sobre Angola
em particular, Banco Mundial, 2006, e World Data on Education, 2006). O consenso é
tal que se reconhece ter sido o século XX aquele onde se apostou na educação, enquanto investimento em capital humano. Assim é porque, no fundo, se reconheceu
a importância e diversidade dos benefícios associados à educação.
Como é sabido, a educação traz benefícios individuais e sociais. Os benefícios
individuais podem ser medidos ao nível:
• da saúde,
• da produtividade,
• da redução da desigualdade na distribuição de rendimento,
enquanto os benefícios sociais podem ser medidos ao nível:
• da redução dos efeitos nefastos da pobreza,
• da contribuição para a democratização,4
• da promoção da paz e da estabilidade,
• do aumento das preocupações com as questões ambientais,
• do aumento da competitividade económica.
Em termos da competitividade económica, tal significa que as vantagens de um
determinado país passam a não ser tanto função da quantidade de recursos naturais
e do trabalho barato, mas do factor trabalho que, sendo melhor educado/formado,
pode aproveitar ao máximo, ou melhor, a tecnologia existente. Assim, um aumento
na produtividade poderá levar a um maior crescimento económico, em resultado de
aumentos no nível de educação.
A importância da educação reconhecida no século XX tem continuado a merecer
a devida atenção por parte de importantes organizações mundiais (veja-se UNESCO,
2005, United Nations Development Programme, 2008, e, sobre África em particular,
UNESCO, 2008). Por exemplo, de acordo com a UNESCO, os 4 pilares educacionais
para o século XXI deverão ser:
1. Apr
ender a Ser
Aprender
Ser. Esta competência pessoal tem que ver com o conhecimento de
si próprio, o qual permite criar uma identidade própria única enquanto base
4
Para uma análise do papel económico das eleições veja-se Caleiro (2007).
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para um projecto de vida, ao longo da qual se deve continuar este tipo de
aprendizagem.
2. Aprender a Viver em Conjunto
Conjunto. Esta competência social tem que ver com o
desenvolvimento de atitudes e valores que permitam um relacionamento
positivo com os outros (familiares, amigos, colegas, etc.) e com o meio
ambiente (comunidade, cidade, país, etc.).
3. Apr
ender a FFazer
azer
Aprender
azer. Esta competência produtiva tem que ver com a capacidade
de criar e desenvolver transformações nas esferas ambiental, cultural, política
e económica, para que, por exemplo, se desenvolvam competências capazes
de enfrentar o mercado de trabalho.
4. Apr
ender a Conhecer
Aprender
Conhecer. Esta competência cognitiva tem que ver com o
reconhecimento de todo o conhecimento acerca de aprender a aprender
(‘learning to learn’), ensinar a ensinar (‘teaching to teach’) e conhecer como
conhecer (‘knowing to know’).
Conforme transparece daqueles 4 pilares educacionais, a educação é o processo que permite transformar o potencial de cada pessoa em competências, sendo
assim fundamental no processo de desenvolvimento humano. Por exemplo, de acordo
com o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, o processo de desenvolvimento humano passa por:
1. No campo da produtividade, o bem-estar da sociedade dever estar garantido
através do desenvolvimento económico.
2. No campo da equidade, o acesso a oportunidades iguais dever estar assegurado
a todos.
3. No campo da participação na tomada de decisão, dever estar assegurada a
todos a possibilidade de fazer escolhas informadas.
4. No campo da segurança, dever estarem assegurados os direitos civis
fundamentais como o direito à vida e à liberdade.
5. No campo da sustentabilidade, a equidade dever também estar garantida para
as gerações futuras.
A importância da educação para a sustentabilidade tem sido, de facto, bastante realçada. Por exemplo, de acordo com McKeown (2002), a educação afecta a
sustentabilidade em pelo menos três dimensões:
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1. Na implementação de planos sustentáveis, ou seja aqueles que não comprometem os interesses das gerações futuras, o que se relaciona com o campo da
equidade, atrás referido.
2. Na tomada de decisão informada por parte dos cidadãos, o que se relaciona
com o campo da participação na tomada de decisão, atrás referido.
3. No aumento da qualidade de vida, resultante de um aumento no nível e,
sobretudo, qualidade da educação, o que se relaciona com o campo da
produtividade, atrás referido.
Assim, as 3 prioridades da educação para o desenvolvimento deverão ser:
1. Melhoramento da educação primária/básica, ou seja, aumento do número
de anos de escolaridade e, sobretudo, a sua qualidade. Claramente, só a existência de um nível de ensino básico, frequentado pelo maior número possível de alunos, aos quais é facultada uma formação de qualidade, permite o
‘abastecimento’ dos níveis de ensino subsequentes: secundário e terciário/
universitário.
2. Reorientar a educação existente em direcção a outras questões como a
sustentabilidade, até como forma de aquisição de competências individuais e
sociais que tenham em conta os interesses das gerações futuras. Em particular,
o desenvolvimento do treino na realização de determinadas tarefas pode ser
uma faceta a evidenciar.
3. Aumentar os níveis de compreensão e consciência pública em relação ao
papel fundamental da educação, ou seja, os cidadãos em geral devem, cada
vez mais, compreender e estar cientes da importância da educação.
3. O ponto de vista da literatura sobre as relações entre a educação
e o desenvolvimento (económico)
A importância da educação do ponto de vista económico é um tema que
(curiosamente) começou a ser analisado há mais tempo do que se possa, eventualmente, julgar. Já em 1930, o economista norte-americano, Harold F. Clark publicou
um estudo intitulado “Economic Effects of Education”. Desde lá até hoje a literatura sobre o tema tornou-se extensíssima, e, por isso, impossível de ser cabalmente
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analisada, mesmo que de uma forma sumária. Ainda assim gostaríamos de salientar
alguns estudos com particular relevância para a aplicação empírica que se segue.
Em meados da década de 70, o galardoado pelo prémio Nobel da Economia,
Gary Becker, chamou a atenção para a importância económica da educação, enquanto
investimento em capital humano (veja-se Becker, 1975).5 Pelas características particulares da educação, colocou-se desde logo a questão da dificuldade associada à
medição dos benefícios (privados e sociais) da mesma, até porque tal medição seria
necessária para resolver questões de financiamento (público) da educação.
Na verdade, a produção de educação, como de qualquer outro bem, envolveria
a utilização de inputs (de maneira óptima), de forma a produzir um determinado
output (veja-se, entre outros, Waltenberg, 2006). Assim, em educação torna-se relevante
perceber:
1. Quais são os inputs e como medi-los?
2. Quais são os outputs e como medi-los?
3. Como combinar, de forma óptima, aqueles inputs?
4. Como pode o Governo intervir neste processo?
Independentemente da dificuldade na quantificação das respostas às questões
anteriores, o financiamento ou o fornecimento público da educação justifica-se pelo
facto de os benefícios sociais da educação serem superiores aos benefícios privados,
dadas as externalidades positivas associadas à educação. Neste caso, como é sabido,
pela comparação entre os benefícios e custos privados da educação, cada indivíduo
decidiria por um nível de educação inferior ao socialmente óptimo, já que estariam a
ser ignorados os benefícios auferidos pelos restantes membros da sociedade. Este
facto pode ser corrigido, precisamente, através do financiamento ou fornecimento
público da educação, ou mesmo imposição de um limiar mínimo de educação como,
por exemplo, a fixação de um nível de escolaridade obrigatória.
No que diz respeito aos benefícios individuais da educação, estes são, de um
modo geral, relativamente bem conhecidos, nomeadamente ao nível dos estudos de
Economia do Trabalho. Neste campo, por exemplo, a educação é um elemento
fundamental no crescimento económico por via da produtividade do trabalho. Este
5
142
É curioso notar que nesse mesmo ano o NBER publicou um volume sobre as relações entre a
educação, o rendimento e o comportamento humano (veja-se Juster, 1975).
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aumento da produtividade, quando acompanhado de aumentos de salários, resulta
em acréscimos no nível de vida, não só por via da redução da pobreza mas também
pela melhoria na facilidade de acesso aos cuidados de saúde, daí resultando um
acréscimo na esperança de vida. Note-se que, implicitamente, se está a assumir um
impacto directo da educação sobre variáveis económicas, existindo subsequentemente
impactos indirectos ao nível, por exemplo, do aumento da esperança de vida (ou mesmo
da redução da fecundidade, associada sobretudo ao aumento do nível educacional
feminino).6
No que diz respeito aos benefícios sociais, a educação, sendo um aumento no
capital humano, é também importante na formação de capital social, o qual, aparentemente, tem um efeito positivo sobre o crescimento económico (veja-se, entre
outros, Temple, 2001, e Topel, 2004).
Pelas suas características, existem uma série de questões particulares associadas
à educação. Por exemplo, para os países desenvolvidos, de acordo com alguns autores,
parece não existir uma correlação evidente entre o nível de educação e o nível de
produto (PIB).7 Mas quando a qualidade da educação é tida em conta, já se verifica
essa correlação, de natureza positiva. Naturalmente, uma política de aumento do
nível de educação sem se preocupar com questões de qualidade é menos eficiente do
ponto de vista da geração de riqueza.
Na tradição do modelo de crescimento de Solow (1957), o factor humano seria
considerado a nível residual, sendo explicitamente considerado por Uzawa (1965) e
ainda mais por Lucas (1988). Em qualquer dos casos, um aumento no nível educacional
deveria associar-se a um aumento no nível de produto (veja-se Dickens et al., 2006). Os
modelos de crescimento endógeno baseados em I&D à la Romer (1990) enfatizam
também o nível de capital humano (veja-se Temple, 2001, para uma análise mais
completa).
Para além daquele facto, os diferentes níveis de educação são também importantes. Hoje em dia, torna-se cada vez mais importante a educação pré-escolar
(veja-se Dickens et al., 2006). Os ensinos básico e secundário são aqueles onde o
6
7
Para uma análise das relações entre o nível de escolaridade e a fecundidade, veja-se, entre
outros, Sarkar (2006), para o caso da Índia onde se mostra que o aumento da literacia se
associa a uma diminuição da fecundidade, e Rego et al. (2006), para o caso de Portugal.
Para os países em (vias de) desenvolvimento, Babatunde & Adebafi (2005), Barros & Mendonça
(1997), e Morapedi (2002), são referências de interesse na matéria.
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financiamento da qualidade é mais discutível. O ensino superior levanta questões de
financiamento que alguns justificam pelo facto de os graduados serem geralmente
melhor remunerados logo pagadores de maiores impostos, o que significa um
financiamento a posteriori dos seus estudos. (veja-se, por exemplo, Rizzo, 2004).
4. Que tipo de relação existe a educação e o desenvolvimento?
Do que atrás foi dito parece realçar o facto de se esperar que a educação se
relacione positivamente com o nível de riqueza de um país, medido por um indicador
económico como o PIB, assim como com um nível de vida, medido por um indicador
de saúde, como a esperança de vida. De facto, o indicador de desenvolvimento
(humano) mais considerado, admite que este resulta de uma média ponderada
dos aspectos económicos, medidos pelo PIB, dos aspectos de saúde, medidos pela
esperança de vida, e dos aspectos educacionais medidos por um índice de educação.
Deste ponto de vista, associa-se, naturalmente, um país mais desenvolvido a um que
disponha de um maior nível de educação.
Considerando o ano mais recente para os quais se dispõe de observações, a
figura 1 apresenta a representação gráfica dos índices do PIB, de educação e de
Fig. 1 – As componentes do IDH em 2005
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Educação e Desenvolvimento: que tipo de relação existe?
esperança de vida para um total de 177 países (consulte-se o anexo para todos os
detalhes), os quais servem de cálculo ao, bem conhecido, Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH), apurado pela Nações Unidas.
Conforme parece ser evidente, existe uma aparente relação directa entre as três
componentes do IDH, sendo certo que a volatilidade nas mesmas aumenta à medida
que o valor do IDH aumenta. Deste ponto de vista, é interessante verificar que usando
a partição oficial, i.e. a das Nações Unidas, dos países em três grupos: Desenvolvimento
Elevado, Médio e Baixo, as correlações entre aquelas três componentes são bastante
díspares, conforme se mostra nas tabelas 1, 2 e 3.
Tabela 1 – Matriz de correlações
Tabela 2 – Matriz de correlações
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Tabela 3 – Matriz de correlações
No que aos países de desenvolvimento humano baixo diz respeito, a existência
de uma correlação negativa entre os níveis de educação e os índices de riqueza
económica e de saúde parece ser um paradoxo. Assim, decidimos não considerar a
partição oficial naqueles três grupos e determinar clusters de acordo com a metodologia
julgada adequada.
Querendo manter alguma homogeneidade, decidiu-se por determinar também
três clusters, recorrendo à metodologia k-médias. Apresentam-se de seguida os
resultados obtidos:8
Centros Iniciais dos Clusters
8
146
Os resultados foram obtidos utilizando o SPSS 15.0.
Educação e Desenvolvimento: que tipo de relação existe?
Centros Finais dos Clusters
Conforme é evidente, os clusters 1, 2 e 3 podem associar-se, respectivamente, aos
grupos de países de médio (71 países), elevado (56 países) e baixo (50 países)
desenvolvimento. Para além deste facto, a análise da posição relativa dos centros
finais dos clusters – sendo certo que poderão existir excepções, em termos individuais,
(veja-se o dendograma em anexo) – revelam que, efectivamente, as três componentes do desenvolvimento humano se encontram positivamente correlacionadas. A
comprovar este facto, consulte-se a figura 2.
Fig. 2 – Os clusters em função da esperança de vida, educação e PIB
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5. Conclusão
A principal conclusão deste trabalho é a de que, também para os países em (vias
de) desenvolvimento, a educação, por si só, ou seja, em termos directos, contribui
para o desenvolvimento e que, em termos indirectos, ou seja, por via da sua influência
sobre as condições de saúde e as condições económicas, tal também acontece, mesmo
para os países em vias de desenvolvimento – ao contrário do que os dados parecem
revelar à partida.
Este é um trabalho assumidamente simples, o qual pode, não necessariamente
por isso, ser completado em análises posteriores. Uma possível via de análise prendese com o nexo de causalidade entre a educação e o desenvolvimento, de acordo com
os níveis de educação. A aposta nos ensinos básico e secundário parece-nos
fundamental, até do ponto de vista da sustentabilidade do ensino terciário, enquanto
geradora de efeitos sobre o desenvolvimento. Este, por sua vez, pode ser potenciador,
de apostas no ensino terciário, completando, desta forma o ‘círculo virtuoso’ na
interacção, que se deseja positiva, entre a educação e o desenvolvimento. No caso dos
países em (vias de) desenvolvimento, as dificuldades em explorar as vantagens daquela
interacção são, por natureza, maiores, mas serão também maiores os ganhos relativos
do esforço colocado no investimento em capital humano, enquanto objectivo de
uma política de educação.
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