disfagia – plummer vinson

Transcrição

disfagia – plummer vinson
GE Vol. 8
48 A. SERRANO ET AL
Caso Clínico / Clínical Case
SÍNDROMA DE PLUMMER- VINSON
APRESENTANDO-SE COMO DISFAGIA ALTA DE LONGA EVOLUÇÃO
A. SERRANO (1), T. MARTINS
(1),
F. MALTEZ
R. PROENÇA
Resumo
Os autores apresentam um caso clínico de disfagia alta de
longa evolução atribuível a membrana esofágica superior
no contexto de Sindroma de Plummer-Vinson cuja principal curiosidade residiu no reaparecimento da mesma, apesar da terapêutica instituida por duas vezes consecutivas.
A raridade desta evolução parece-nos justificar a sua divulgação.
Summary
The authors present a clinical case of upper disphagia of
long evolution, attributable to lower oesophagic membrane
in the context of Plummer- Vinson's syndrome, which reappeared two times despite therapy. The rarity of this evolution seems to justify its publication.
GE - Jornal Português de Gastrenterologia 2001,8: 48-51
INTRODUÇÃO
A síndroma de Plummer-Vinson ou síndroma de Paterson-Kelly, é uma afecção que, na descrição clássica, se
caracteriza pela existência de uma disfagia alta associada a um diafragma hipofaríngeo e a uma anemia sideropénica (1-5). A esta tríade podem associar-se alterações
cutâneo-roucosase lesões ungueais (1-5).
Encontra-semais frequentemente em mulheres oriundas
dos países escandinavos e norte de Inglaterra (1,2,5), na
maioria dos casos entre os 30 e 50 anos de idade (4,5).
(1) Assistente Hospitalar de Medicina Interna. Hospital de Curry
Cabral, Lisboa.
(2) Assistente Hospitalar Graduado de Medicina Interna, Hospital de
Curry Cabral, Lisboa.
(3) Assistente Hospitalar Graduado de Radiologia, Hospital de Curry
Cabral, Lisboa.
(4) Chefe de Serviço de Medicina Interna, Hospital de Curry Cabral, Lisboa.
(5) Director de Serviço, Hospital de Curry Cabral, Lisboa.
Recebido para publicação:
Aceite para publicação:
(2),
J. MONJARDINO
(4" C. PINHO
(3),
(3"
(5)
Apenas sete casos em crianças e adolescentes foram descritos até agora na literatura mundial (6).
Apresentamos um caso de disfagia alta de longa evolução, que foi forma de apresentação clínica da síndroma de Plummer- Vinson.
CASO CLÍNICO
I. L., sexo feminino, 52 anos, caucasiana, doméstica, natural e residente em Lisboa, referia nos últimos 8 anos
disfagia localizada à base do pescoço, inicialmente para
líquidos e posteriormente para sólidos, de carácter caprichoso, com períodos de remissão e de agravamento, que
se intensificara no último ano e determinava sitofobia.
Referia ainda neste último período xerostomia e emagrecimento de cerca de 8 Kg.
Negava febre, odinofagia, pirose, ardor retro-estemal, regurgitação, epigastralgias, alterações dos hábitos intestinais ou perdas hemáticas visiveis. Negava igualmente
mioartralgias, fotossensibilidade, fenómeno de Raynaud
ou alterações muco cutâneas. Nos antecedentes pessoais
referia "Anemia" há 20 anos. Os antecedentes epidemiológicos e familiares eram irrelevantes. Ao exame objectivo, pele de coloração normal e mucosas descoradas.
Escleróticas anictéricas. TA: 120/85 mmHg (bd) e p r.
68 pp/m.r.a. Língua seca, não fissurada, com abertura da
boca de amplitude normal. Traqueia móvel e centrada.
Não apresentava adenopatias palpáveis. Tiroideia não
aumentada de volume. Sem sopros cervicais. Tórax, abdómen e membros sem alterações. O exame neurológico
também era normal.
DIAGNÓSTICO
a) Exames Laboratoriais
06/04/2000
26110/2000
A. MORGADO
Eritrócitos 4.060.00/L
Janeiro/Fevereiro/Março
Hb
= 1O.8g/dl
VGM
= 83.5
SÍNDROMA
2001
FI
= 33 mg/dl
Transferrina = 325 mg/dl
Ferritina = 6.3 mg/dl
Vit. Bl2 e Ác. Fólico normais
Ferro
T3, T4 e TSH normais
Estudos Imunológicos negativos
DE PLUMMER-VINSON
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sem peristalse. Pressão do esfíncter superior aumentada.
Ausência de incoordenação faringo esofágica. Esclerose
sistémica progressiva?
TAC Cervical e Torácica
Sem lesões intrínsecas ou extrínsecas faringo-esofágicas responsáveis por disfagia, não se excluindo causas
neuromusculares.
b) Outros Exames Complementares
ECO abdominal
Primeira Endoscopia Digestiva Alta
Sem alterações
Impossível a sua realização por obstrução à passagem do
endoscópio.
Estudo Radiográfico
do Esófago
Favorável dinâmica da deglutição. Constrição circunferencial moderada (diafragma) do esófago cervical (região pós-cricoideia) não condicionando nesta data disfagia significativa. Ausência de outras alterações esofágicas, nomeadamente aspectos sugestivos de lesão neoplásica. (Figura 1).
Manometria do Esófago
Pressão do esfincter inferior normal. Corpo do esófago
Dada a persistência das queixas, foram ainda realizados
exames para exclusão de síndroma de Sjogren e esclerodermia nomeadamente, electromiograma do esófago,
teste de Schirmer I e II Rosa de Bengala, cintigrafia das
parótidas e biópsia das glândulas salivares. Todos normais ou sem alterações.
Porque os achados da cineradiografia eram discordantes
com os da manometria esofágica optou-se por repetir a
endoscopia digestiva alta a qual mostrou a cerca de 17
cm da arcada dentária e ao nível da porção inicial do
esfíncter esofágico superior um estreitamento anular
(membrana) que foi ultrapassado pelo endoscópio com
rotura da membrana. O restante exame do esofagico era
normal. A repetição da manometria do esófago foi tam-
Figura 1 - Esófago cervical contrastado. Diafragma (setas). Incidências antero-posterior (A, B) e de perfil (C).
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bém normal corroborando o diagnóstico de Síndroma de
Plummer-Vinson.
TRATAMENTO
Sulfato ferroso 2 g/dia.
EVOLUÇÃO
Aos 3 meses tinha havido regressão completa da sintomatologia.
A prova da secreção máxima com pentagastrina realizada nessa data mostrou acloridria basal e penta-histamino
resistente.
Aos 10 meses de terapêutica, houve reaparecimento da
disfagia alta associada a regurgitação e emagrecimento
sendo submetida a nova endoscopia digestiva alta que
revelou nova membrana a cerca de 20 cm da arcada dentária que foi rompida pela passagem do endoscópio, tendo sido posteriormente submetida a dilatação com olivas
e ficado assintomática.
Aos 2 anos de follow-up reaparecimento das queixas da
disfagia alta, sendo nova submetida a endoscopia digestiva alta. Esta revelaria nova membrana no esófago cervical, a qual foi uma vez mais rompida e seguida de
dilatação com olivas.
4 anos após o diagnóstico, está assintomática, tendo recuperado o seu peso habitual e não apresentando quaisquer alterações laboratoriais.
COMENTÁRIO
As membranasesofágicas são pregas delgadas e transversais da mucosa que fazem procidênciano lume esofágico;
Originam-se na parede anterior e estendem-se lateralmente podendo ocasionalmente ser circunferenciais. Podem ser de origem congénita ou adquirida e localizam se
a qualquer nível do esófago. São recobertas por epitélio
escamoso e geralmente são únicas, embora mais raramente possam ser duplas ou múltiplas (3).
A membrana do esófago superior ocorre em cerca de 5 a
15% dos doentes com disfagia e em cerca de 1.3% das
pessoas assintomáticas (3), podendo associar-se a carcínoma, doença tiróideia, colite u1cerosa, artrite reumatóide, anemia ferropénica ou perniciosa, epidermólise bolhosa e penfigóide (3). Quando localizadas no esófago cervical, e acompanhadas de anemia ferropénica e
alterações das mucosas oral, faríngea e gástrica, constituem a Síndroma de Plummer-Vinson (3).
O caso clínico que descrevemos teve a particularidade
duma manometria esofágica superior sugerir o diagnóstico de esclerose sistémica progressiva enquanto a cineradiografia do esófago mostrava dinâmica normal de
deglutição o que nos levou à realização de nova endoscopia digestiva alta e à detecção dum diafragma no
esófago superior.
O facto da primeira endoscopia digestiva alta não ter
sido exequível técnicamente, parece ter-se relacionado
com a experiência do endoscopista, dado que posteriormente este exame foi realizado permitindo o diagnóstico.
Quer a incapacidade na realização da primeira endoscopia, como a interpretação incorrecta da primeira manometria do esófago parecem relacionar-se com a experiência pessoal de quem executa estas técnicas, tendo
sempre que ter em conta que os exames complementares
são falíveis e muitas vezes podem induzir diagnósticos
incorrectos por parte dos clínicos os quais devem ter
sempre presente a importância da suspeição clínica.
Perante este diagnóstico, o tratamento de escolha deve
ser preferencialmente a rotura endoscópica e a dilatação
da membrana com seguimento rigoroso do doente; não
raras vezes, são necessárias dilatações repetidas pois a
rotura endoscópica pode não diminuir de início os sintomas e a disfagia permanecer ainda que em grau mais
discreto (3).
A maior curiosidade do nosso caso e que parece justificar a sua divulgação assenta, contudo, no facto de apesar da rotura e dilatação iniciais e da terapêutica marcial
instituída terem corrigido a anemia a sintomatologia reapareceu e a membrana refez-se sucessivamente, após
intervalos relativamente longos sem queixas (10 meses e
2 anos de seguimento), obrigando às mesmas manobras
terapêuticas. Porque a Síndroma Plummer-Vinson é
condição pré-cancerosa, em todas as ocasiões se excluiu
a presença de neoplasia associada, mantendo-se a doente
sob vigilância 4 anos após o diagnóstico inicial.
O caso clínico descrito parece aconselhar o seguimento
prolongado nestes doentes.
Correspondência:
A. Serrano
Hospital de Curry Cabral
Serviço1 - Medicina e Doenças Infecciosas
R. Beneficiência
1000 Lisboa
Telef.: 217924282; Fax: 217 924 283
Janeiro/Fevereiro/Março
SÍNDROMA
2001
DE PLUMMER-VINSON
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