da imposição aos maiores de setenta anos do

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da imposição aos maiores de setenta anos do
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TEMA:
DA IMPOSIÇÃO AOS MAIORES DE SETENTA ANOS DO
REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS
Autoria: Marcela Guimarães Santana
Profª Drª Clara Angélica Gonçalves Dias
Aprovado para a publicação em 13/06/2013
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RESUMO
A presente obra objetiva a reflexão acerca da imposição legal aos septuagenários do
regime de separação obrigatória, tolhendo-lhes a autodeterminação sob o pretexto
de protegê-los de eventuais oportunistas, riscos estes aos quais, em verdade, estamos todos sujeitos. Este trabalho almeja, portanto, a discussão em torno do confronto entre a legislação civilística, calcada em um moralismo por vezes exacerbado, e
os princípios civis-constitucionais, verdadeiras normas cogentes, igualmente dotadas
de imperatividade. Para tal desiderato, e com fundamento em arestos de jurisprudência e diversos excertos doutrinários, o autor valeu-se de uma hermenêutica constitucional para melhor entender os institutos civilísticos, no sentido de questionar a
constitucionalidade do inciso II do art. 1641 do Código Civil.
PALAVRAS-CHAVE: Separação obrigatória de bens; septuagenários; autodeterminação; inconstitucionalidade.
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RESÚMEN
Este trabajo tiene por objeto reflexionar acerca de la imposición legal a los septuagenários del régimen de separación obligatorio de bienes, privandoles la autodeterminación con la excusa de protegerles de eventuales oportunistas, riesgo al cuál,
en verdad, todos estamos sujetos. El objetivo de este trabajo es, por consiguiente, la
discusión acerca del confronto entre la legislación civil, basada en un moralismo a
veces exagerado y los principios civiles y constitucionales, normas también dotadas
de imperatividad. En consecuencia, con fundamento en la jurisprudencia y también
en la docrtrina, el autor utilizó la hermenéutica constitucional para mejor comprender
los institutos civiles, con el fin de cuestionar la constitucionalidad del artículo 1641, II,
del Código Civil.
PALABRAS CLAVE: separación obligatoria de bienes; septuagenarios; autodeterminación; inconstitucionalidad.
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LISTA DE ABREVIATURAS
CF
– Constituição Federal
CPC – Código de Processo Civil
CC
– Código Civil
STF
– Supremo Tribunal Federal
STJ
CJF
– Superior Tribunal de Justiça
- Conselho da Justiça Federal
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LISTA DE SIGLAS
amp. – ampliada
atual. – atualizada
cap.
– capítulo
coord. – coordenação
ed.
– edição
p.
– página
rev.
– revista
v.
– volume
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.……………………………………………………………………… 13
2 REGIME DE BENS.......…………………………………......……………............... 16
2.1 Conceito..........…………………………………………………………………….... 16
2.2 Embasamento Legal……………………………………………………................
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2.3 Modalidades…………………………………………………………...................... 18
2.4 Da Liberdade na Escolha do Regime de Bens……......................................... 19
2.5 Da Alteração da Modalidade de Regime de Bens……………………………....
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2.6 Princípios Correlatos...............…………………................................................... 22
2.6.1. Princípio da Intervenção Mínima do Estado.................................................. 23
2.6.2. Princípio da Mutabilidade Motivada............................................................... 24
2.6.3. Princípio da Variedade de Regimes................................................................ 26
2.6.4 Princípio da Autonomia da Vontade dos Cônjuges.......................................... 28
2.6.5. Princípio da Indivisibilidade de Regime de Bens………………...................... 28
3 REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS..................................... 29
3.1 Conceito e Base Legal ........................................................................................ 29
3.2 Disposições Gerais ............................................................................................. 31
3.3 Possibilidade de Alteração do Regime ............................................................... 31
3.4 Comunhão de Aquestos no Regime da Separação Legal.................................. 35
3.5 Análise dos Incisos do art. 1641, CC. ................................................................ 35
3.5.1. Casamento contraído com inobservância das causas suspensivas .............. 35
3.5.1.1 Art. 1523, I – Proteção dos Herdeiros .......................................................... 38
3.5.1.2 Art. 1523, II – Proteção da Prole Eventual.................................................... 39
3.5.1.3 Art. 1523, III – Proteção do Ex-cônjuge........................................................ 40
3.5.1.4 Art. 1523, IV – Proteção dos Tutelados e Curatelados................................ 40
3.5.2. Casamento de pessoas maiores de setenta anos ………............................... 41
3.5.3. Casamento de pessoas que dependem de suprimento judicial...................... 42
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3.5.3.1 Suprimento Judicial do Consentimento dos Representantes Legais…........ 42
3.5.3.2. Suprimento Judicial de Idade....................................................................... 45
4 IMPOSIÇÃO DO REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA AOS MAIORES DE
SETENTA ANOS...................................................................................................... 47
4.1 Noções sobre Controle de Constitucionalidade................................................. 47
4.1.1 Introdução........................................................................................................ 47
4.1.2 Sistema Brasileiro do Controle de Constitucionalidade................................... 48
4.1.3 Espécies e Vícios de Inconstitucionalidade..................................................... 50
4.2 Histórico da norma que impõe a separação de bens para os maiores de setenta
anos............................................................................................................................51
4.2.1 Código Civil de 1916.........................................................................................51
4.2.2 Redação Anterior do art. 1641, CC...................................................................52
4.2.3 Lei 12344/10 e a alteração no Código Civil.......................................................53
4.3 Doutrina ……………………..................................................................................54
4.3.1 Doutrina pela Inconstitucionalidade...................................................................54
4.3.2 Doutrina Intermediária.......................................................................................61
4.3.3 Doutrina pela Constitucionalidade................................................................... 62
4.5 Jurisprudência ................................................................................................... 63
5 CONCLUSÃO………………………………………………………………………...... 71
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ……………………………………..................... 73
GLOSSÁRIO…………………………………………………………………………….... 78
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1 INTRODUÇÃO
O Direito, enquanto ciência social e metódica, composta, em seu bojo
normativo, de regras e princípios, tem como grande finalidade pacificar os conflitos
sociais, mantendo a ordem e a harmonia necessárias à preservação e desenvolvimento da sociedade. Para tal desiderato, deve acompanhar as evoluções sociais,
pois a todo o momento há alterações de toda ordem, inclusive no que se refere ao
aspecto valorativo. Tais mudanças coadunam-se com a própria dinâmica das relações sociais e por certo devem ser consideradas pela ciência jurídica, sob pena de
tornar-se o Direito um aglomerado de normas jurídicas obsoletas e, portanto, destituídas de aplicabilidade prática e de legitimidade social.
Aliás, foi exatamente por comungar deste entendimento que o festejado
jurista Miguel Reale elaborou a Teoria Tridimensional do Direito, registrando desde
já a importância de o Direito ser compreendido enquanto fenômeno complexo, posto
que resultante da junção de três ordens de elementos: o fático (fato), o axiológico
(valor) e o normativo (norma). Em outras palavras, para que haja a formação da ciência jurídica faz-se necessário que um acontecimento da vida seja valorado positiva ou negativamente, incidindo, a partir de então, a normativização preceptiva, permissiva ou proibitiva, a depender do caso.
Assim, o Direito não pode ser analisado apenas do ponto de vista do texto
legal, sendo necessário que se busque a norma, resultante da incidência da valoração do legislador acerca de fatos da vida. Contudo, sabemos que o referido campo
axiológico, ou seja, a valoração atribuída aos mais variados fatos, sofre diversas alterações no decorrer dos tempos, pois está diretamente atrelada a fatores sociais,
econômicos, políticos e culturais, os quais estão sujeitos a mudanças cada vez mais
velozes em virtude do franco avanço científico e tecnológico experimentado nos últimos anos.
Assim, para que o Direito alcance sua finalidade precípua, qual seja, a
pacificação dos conflitos e a preservação da harmonia social, é imprescindível que
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esteja ele em consonância com os valores adotados pela sociedade, num dado espaço de tempo e de lugar. Para tanto, é preciso ter um olhar atento e, sobretudo,
crítico, acerca das disposições legais contidas em nosso ordenamento jurídico, com
o fito de aferir se, de fato, são capazes de responder aos anseios de justiça da sociedade.
Com o objetivo de demonstrar que juridicamente se pode afirmar, sem esforços hercúleos, mas a partir de uma interpretação conjunta e atenta dos princípios
que entornam o Direito Brasileiro, notadamente o Direito Civil, que a previsão legal
para os maiores de setenta anos do regime de separação obrigatória de bens é imposição descabida e já superada pelos valores defendidos pela sociedade contemporânea, foi elaborado o presente trabalho.
Outrossim, válido ressaltar que o ordenamento jurídico pátrio deve ser
aplicado de modo coeso e sempre em sintonia com os comandos constitucionais, de
modo que não se pode permitir que
a legislação infraconstitucional, mormente
quando restritiva de direitos, seja aplicada sem antes haver uma análise conjunta e
crítica com a principiologia jurídica, que, como é de conhecimento geral, é alicerce
dos mais importantes ao Direito.
Inicialmente, no presente trabalho, buscou-se construir um panorama geral acerca dos regimes de bens previstos no Código Civil, dando ênfase também aos
princípios que permeiam a matéria, por servirem estes de veículo interpretativo de
extrema relevância para o tema em comento. Buscou-se, assim, demonstrar que a
regra geral é da liberdade de estipulação do regime de bens pelo casal, sendo a imposição legal de um determinado tipo de regime medida excepcional, cuja excepcionalidade tem que ser inexoravelmente justificada, para legitimar tal restrição.
Esgotados os aspectos introdutórios e gerais acerca das modalidades de
regimes de bens, este trabalho adentra-se propriamente no tema em destaque, qual
seja, o regime de separação obrigatória como uma imposição legal aos septuagenários, passando, primeiramente, por aspectos teóricos acerca do próprio regime em
questão. Com o desiderato de compreender as bases do mencionado regime, foi
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feita um ampla pesquisa em obras doutrinárias, buscando desvendar a mens legis
do regime em comento.
Passada essa fase preliminar, foi o momento de iniciar a pesquisa no que
tange às opiniões de renomados juristas acerca do comando normativo previsto no
art. 1641, inciso II do Código Civil, sendo que a doutrina majoritária posiciona-se pela inconstitucionalidade do referido dispositivo, por violar, dentre outros, o Princípio
da Dignidade Humana, hoje considerado o pilar interpretativo de todo o ordenamento jurídico. Também foram colacionados acórdãos de diversos tribunais do Brasil no
que se refere ao tema, tendo a jurisprudência muitas vezes criticado e relativizado a
restrição trazida pelo art. 1641, II, CC.
Desse modo, verifica-se que a tese da inconstitucionalidade da imposição
do regime de separação obrigatória de bens aos maiores de setenta anos emerge
como consequência lógica e necessária da própria estrutura verticalizada do nosso
ordenamento, no qual as normas infraconstitucionais devem obediência aos comandos constitucionais, posto que hierarquicamente inferiores, bem como da importância conferida à principiologia consolidada, cujo caráter normativo não mais se discute.
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REGIME DE BENS
2.1 Conceito
O casamento, ato dotado de formalidade, gera uma complexidade de efeitos, que podem ser didaticamente divididos em efeitos de cunho pessoal e de cunho
patrimonial. Entre os primeiros estão as relações de cunho ético estabelecidas entre
os cônjuges e entre estes e seus filhos, como os deveres de fidelidade recíproca,
mútua assistência e sustento, guarda e educação dos filhos, todos previstos no art.
1566 do Código Civil.
Já dentre os efeitos de cunho patrimonial ganham especial destaque, por
serem tema desta obra, os regimes de bens, que têm por escopo regulamentar as
relações dotadas de valor econômico surgidas em virtude da celebração do casamento, propiciando, consequentemente, maior segurança jurídica às relações sociais.
Ensina Carlos Roberto Gonçalves que regime de bens “é o conjunto de
regras que disciplina as relações econômicas dos cônjuges, quer entre si, quer no
tocante a terceiros, durante o casamento” (2012, p. 437).
No mesmo sentido, aduzem Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, que regime de bens:
“é o estatuto que disciplina os interesses econômicos, ativos e passivos, de
um casamento, regulamentando as consequências em relação aos próprios
nubentes e a terceiros, desde a celebração até a dissolução do casamento,
em vida ou por morte” (2011, p. 272).
Anote-se ainda a definição esposada por Orlando Gomes, que define regime de bens como sendo o “estatuto patrimonial dos cônjuges”, compreendendo,
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assim, “as relações patrimoniais entre os cônjuges e entre terceiros e a sociedade
conjugal” (GOMES apud FARIAS E ROSENVALD, 2011, p. 272).
O doutrinador Sílvio Venosa, por sua vez, após criticar a nomenclatura
“regime de bens”, por não entender ser a mais apropriada, define-o como sendo “a
modalidade do sistema jurídico que rege as relações patrimoniais derivadas do casamento” (2012, p.328).
Por fim, válido também registrar o conceito exposto por Flávio Tartuce,
que define o regime matrimonial de bens como sendo “o conjunto de regras de ordem privada relacionadas com interesses patrimoniais ou econômicos resultantes da
entidade familiar” (2012, p.1078-1079).
Seja qual for a definição adotada, infere-se que os regimes de bens existentes no Direito Civil Brasileiro objetivam regulamentar os efeitos econômicos que
inexoravelmente advirão das relações conjugais e, principalmente, do desfazimento
das mesmas. Desse modo, com fulcro na segurança jurídica, torna-se imperiosa a
existência de um complexo organizado de normas jurídicas que estipulem as características e vantagens de cada um dos regimes matrimoniais previstos.
Anote-se também que além da função primordial do regime de bens de regulamentar a administração dos bens adquiridos anteriormente e na constância do enlace matrimonial, este instituto tem ainda forte repercussão no campo do direito sucessório.
Nesse mesmo sentido, sintetiza a autora Maria Berenice Dias:
“O regime de bens é uma das consequências jurídicas do casamento. A
bem da verdade, não existe casamento sem regime patrimonial de bens. Se
os nubentes não escolhem, há uma “escolha” da lei pelo regime legal. É impositiva alguma espécie de regramento de ordem patrimonial. Quando não
há a imposição legal do regime da separação, abstendo-se os nubentes de
eleger um regime de bens, o Estado faz a opção por eles do regime da comunhão parcial. Aos noivos basta pronunciar o “sim” na solenidade do matrimônio. Essa afirmativa, além de significar múltipla aceitação do casal, faz
incidir um sem-número de regras, assegura direitos e impõe deveres. A escolha do regime de bens, feita por ocasião do casamento, rege a situação
patrimonial durante a vigência do matrimônio e, principalmente, quando de
sua dissolução, pela separação, divórcio ou morte de um dos consortes.”
(2010, p.220).
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2.2 Embasamento Legal
Os regimes de bens estão expressamente previstos no Subtítulo I do Título II
do Livro V (Do Direito De Família) do Código Civil, estando regulado especificamente entre os artigos 1639 e 1688.
Temos a previsão, na lei civil, do regime de comunhão parcial entre os artigos
1658 e1666; do regime da comunhão universal de bens entre os artigos 1667 e
1671; do regime da participação final nos aquestos dos artigos 1672 a 1686 e o regime da separação convencional de bens nos artigos 1687 e 1688, enquanto a separação legal de bens encontra-se regulada no artigo 1641.
Embora haja disposições específicas para os diversos regimes de bens previstos, há também disposições gerais que se aplicam indistintamente a todos eles,
como a que determina o início da vigência do regime de bens, que coincidirá com a
data do casamento (art. 1639, §1).
Outrossim, assevera o jurista Carlos Roberto Gonçalves:
“Confirmando a posição assumida pelo Código de 1916 (art.230), o novo diploma afastou definitivamente o critério originário do direito canônico e aplicado no Brasil no direito pré-codificado, pelo qual a vigência do regime de
bens dependia da consumação do matrimônio, que se dava no instante em
que os cônjuges mantivessem relações sexuais (2012, p. 438).”
Também se constituem normas genéricas os artigos 1642 e 1643, ambos da
lei civil, que preveem que, qualquer que seja o regime de bens, o marido e a mulher
possam livremente, por exemplo, administrar seus bens próprios, bem como desobrigar ou reivindicar os imóveis que tenham sido gravados ou alienados sem o seu
consentimento ou sem suprimento judicial. Podem também comprar, ainda que a
crédito, as coisas necessárias à economia doméstica ou obter por empréstimo a
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quantia necessária para tal finalidade, sendo oportuno frisar que neste caso, as dívidas contraídas obrigam solidariamente ambos os cônjuges.
2.3 Modalidades
O atual Código Civil prevê cinco modalidades de regimes de bens, a saber:
separação legal ou obrigatória; comunhão parcial ou limitada; comunhão universal;
participação final nos aquestos e separação convencional ou absoluta.
Diferente-
mente, o Código Civil de 1916 admitia apenas quatro modalidades, a saber: comunhão universal, comunhão parcial, separação e dotal.
Além de os nubentes poderem, regra geral, optar por qualquer dos regimes
vigentes, têm ainda a possibilidade de estabelecer uma nova modalidade não prevista na legislação civil ou ainda combinar as já existentes, para que sejam melhor
atendidas as peculiaridades de cada casal. Isto porque o rol previsto na legislação
civilista, consoante aduz Flávio Tartuce, não é taxativo (numerus clausus), mas sim
exemplificativo (numerus apertus) (2012, p. 1093).
Contudo, tal liberdade não é ilimitada, não podendo, assim, as estipulações
ferir normas de ordem pública, que devem prevalecer perante ajustes particulares,
mormente por referirem-se apenas a interesses de cunho econômico.
2.4 Da Liberdade na Escolha do Regime de Bens
Inicialmente, cumpre ressaltar que em que pese ser o regime matrimonial
uma consequência inafastável do casamento, aquele não segue as mesmas regras
deste, isto porque as normas que lhe dizem respeito não têm a mesma imperativida14
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de, havendo uma certa flexibilização, já que os direitos a serem resguardados são,a
grosso modo, de cunho meramente patrimonial.
Desta relativa flexibilização, decorre que é permitida a livre escolha do regime
de bens a ser adotado, nos termos do art. 1639 da Lei Civil, que determina ser “lícito
aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto ao regime de
bens, o que lhes aprouver”. Tal enunciado normativo consagra o Princípio da Autonomia da Vontade, um dos mais importantes nas relações patrimoniais entre os cônjuges.
Entretanto, consoante já afirmado, considerando a imprescindibilidade do regime de bens para a vida conjugal, em não sendo exercido o direito de escolha
acerca da modalidade a ser adotada, aos nubentes será automaticamente aplicado
o regime de comunhão parcial de bens, por este motivo conhecido no Direito Pátrio
como o regime subsidiário ou legal.
Dispõe, nestes exatos termos, o art. 1640 do Código Civil que “não havendo
convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial”.
Registre-se que tal regime passou a ser subsidiário apenas com o advento
da Lei do Divórcio (Lei 6.515/77), pois antes disso prevalecia o regime da comunhão
universal na falta de estipulação entres os cônjuges.
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, em relação ao regime de
comunhão parcial como sendo o legalmente estabelecido, assim se manifestam:
“A argumentação procede, sem dúvida. No entanto, chamamos a atenção
para algumas dificuldades práticas decorrentes da adoção da comunhão
parcial como regime supletivo de vontade, como a exigência de outorga do
consorte para alienar bens que não integram a comunhão de bens do casamento e o estabelecimento da responsabilidade pelas dívidas contraídas”
(2011, p. 275).
Em que pese a liberdade na estipulação do regime de bens, para que a opção
por um outro regime matrimonial que não o legal seja exercida, faz-se necessária a
celebração, pelas partes, de um pacto antenupcial. Nos termos do parágrafo único
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do artigo 1640 supramencionado, deve o mencionado pacto ter necessariamente a
forma de escritura pública, sob pena de nulidade, devendo ainda ser seguido pelo
casamento, sob pena ineficácia (art. 1653, CC).
Ademais, importante observar que a autonomia conferida pela legislação aos
nubentes, no que se refere à escolha do regime de bens e até mesmo à combinação
entre eles, é relativa, pois, conforme estabelece o art. 1655 do Código Civil, tais
convenções particulares não podem contrariar disposição absoluta de lei.
2.5 Da Alteração da Modalidade Do Regime de Bens
Outra observação relevante a ser feita refere-se à possibilidade de as partes
alterarem a modalidade anteriormente escolhida, o que passou a ser admitido sob a
égide do Código Civil de 2002, posto que o Código de 1916, em seu art. 230, previa
a imutabilidade absoluta do regime adotado, com o fito de preservar a segurança
jurídica nas relações com terceiros.
Atualmente, portanto, consta no art. 1639, §2 do Código Civil a autorização
para que seja alterado o regime de bens, apesar de tal alteração ter que obedecer a
alguns requisitos, concorrentes e cumulativos, exigidos pelo próprio dispositivo, como: autorização judicial, pedido motivado formulado por ambos os cônjuges, procedência das razões expostas por estes e ressalva dos direitos de terceiros.
Constata-se, dessa forma, que não há ampla liberdade na alteração, devendo
esta passar pelo crivo do Poder Judiciário, com vistas a manter a estabilidade das
relações sociais, evitando prejuízos a terceiros, bem como impedindo que interesses
de um dos cônjuges prevaleçam sobre os do outro.
Particularmente no que concerne à necessidade de autorização judicial, bem
como de haver pedido devidamente motivado por ambos os cônjuges, criticam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:
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“A respeito da exigência de autorização judicial, é de se propugnar, de maneira prospectiva e futurística, pela dispensabilidade de intervenção do Poder Judiciário, seguindo a firme tendência de intervenção mínima judicial
nas relações privadas, confirmada pela Lei 11.441/07, que permite a dissolução consensual do casamento em cartório. Ora, se as partes podem dissolver o casamento em cartório (o chamado divórcio administrativo), certamente podem, por igual, modificar o regime de bens em cartório, simplificando-se o procedimento e facilitando o exercício dos direitos.
De saída, vale ainda registrar a necessidade de formação de um litisconsórcio ativo, devendo a ação ser promovida por ambos os cônjuges, sendo impossível a modificação do regime se um deles não aquiescer ao pedido. Ou
seja, resistindo um deles à mudança, o regime permanecerá o mesmo, não
sendo possível, sequer, falar em suprimento de vontade. “Trata-se, a toda
lógica, de simples aplicação de autonomia privada e, assim, se o regime foi
eleito por ambos os cônjuges, somente por vontade dos dois pode ser alterado, pouco importando o motivo da negativa” (2011, p. 288).
No que se refere à exigência de que sejam ressalvados direitos de terceiros,
os mencionados autores destacam ainda que, para tal fim, vem sido exigida a citação dos credores e publicação de editais. Mencionam ainda o Enunciado 113 da I
Jornada de Direito Civil que tem a seguinte redação:
“É admissível a alteração do regime de bens entre os cônjuges, quando então o pedido, devidamente motivado, será objeto de autorização judicial,
com ressalva dos direitos de terceiros, inclusive dos entes públicos, após
perquirição de dívida de qualquer natureza, exigida ampla publicidade”.
Sobre a possibilidade de alterar o regime de bens inicialmente escolhido, defende Sílvio Venosa que andou bem o legislador ao permiti-la, pois:
“Sem dúvida, os rumos tomados pela união estável sem casamento influenciaram o legislador nesse sentido: os companheiros sempre gozaram de
maior mobilidade no tocante aos bens comuns. Manter a imutabilidade do
regime de bens seria tratar o casamento de forma mais rigorosa que a união
sem casamento (2012, p. 329)”.
Uma última observação acerca da mutabilidade da modalidade de regime de
bens inicialmente acordada merece destaque. Trata-se da possibilidade de alterar o
regime de bens também quanto aos casamentos celebrados sob a égide do Diploma
Civil anterior, nos termos do art. 2035 do atual Código Civil, que assim dispõe:
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“Art. 2035: A validade dos negócios jurídicos e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas
leis anteriores, referidas no art. 2045, mas os seus efeitos, produzidos após
a vigência desse Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver
sido prevista pelas partes determinada forma de execução.”
Em outros termos, situando-se o regime de bens no plano de eficácia do ato
jurídico (casamento) celebrado, deverá ser ele regido pelas normas da nova lei civil
atual (Código Civil de 2002) que, diferentemente da anterior (Código Civil de 1916),
permite a alteração na modalidade de regime, atendidos os requisitos legais.
Por absolutamente necessário, registre-se ainda o Enunciado 260 da III Jornada de Direito Civil, de cuja leitura retiramos a mesma conclusão: “ A alteração do
regime de bens prevista no § 2 do art. 1639 do Código Civil também é permitida nos
casamentos realizados na vigência da legislação anterior”.
2.6 Princípios Correlatos
O tema dos regimes de bens é informado por alguns princípios que servem
não só de veículo interpretativo das disposições legais que regem a matéria, mas
como verdadeiras normas autônomas imperativas. Por essa razão, muitas decisões
judiciais vêm sendo tomadas com base exclusivamente na principiologia, cujo espectro, por ter maior abrangência, permite interpretações muitas vezes mais condizentes com os valores do nosso ordenamento jurídico.
É consensual, tanto em sede doutrinária quanto jurisprudencial, a relevância
dos princípios no Direito Contemporâneo, visto que o Direito não pode mais ser visto
como um conjunto posto e inflexível de normas jurídicas, sendo necessária uma
maior dinamização de seu conteúdo, o que é alcançado pela incidência destes verdadeiros enunciados dotados de maior abstração.
2.6.1 Princípio da Intervenção Mínima do Estado
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Inicialmente, merece destaque o Princípio da Intervenção Mínima do Estado
nas Relações Familiares, que se encontra em plena harmonia com a autonomia privada, tão festejada no âmbito do Direito de Família.
O art. 1513 do Código Civil, ao dispor que “é defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família” corporifica de maneira clara o princípio em estudo.
Sobre esse ponto, aduzem Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald
que:
“Em sendo assim, o Estado somente deverá atuar nas relações privadas
para assegurar garantias mínimas fundamentais ao titular.
[...]
Com isso, o Estado não deve se imiscuir no âmago familiar, mantendo incólume o espaço de autodeterminação afetiva de cada pessoa humana componente do núcleo, permitindo a busca da realização plena e da felicidade,
através das opções e comportamentos. É o que se convencionou chamar
de família eudemonista, com os seus membros buscando a felicidade plena
Até porque a presença excessiva estatal na relação familiar pode asfixiar a
autonomia privada, restringindo a liberdade das pessoas” (2011, p. 111).
Assim, procura-se evitar que haja uma intervenção excessiva do Direito na
família, verdadeira célula da sociedade, pois aquela precisa preservar a intimidade e
autonomia necessárias ao sadio desenvolvimento das relações afetivas que lhe são
inerentes. É o que se tem chamado de “desinstitucionalização ou privatização da
família”, fenômeno que é visualizado no Direito Pátrio, através de alguns dispositivos
legais e construções doutrinárias.
Neste diapasão, vale ressaltar também o art. 226, §7º da Constituição Federal, que afirma ser o planejamento familiar de livre decisão do casal, conferindo aos
cônjuges autonomia na condução da vida em família, o que se coaduna com também com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que deve ser sempre observado.
No mesmo sentido, também na linha do princípio em estudo, merece destaque a Emenda Constitucional nº 66/2010, que tornou possível o divórcio independentemente do cumprimento de requisitos como lapso temporal mínimo ou mesmo
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discussão acerca da causa do rompimento, bastando a vontade das partes, fortalecendo assim autodeterminação destas.
Assim, apenas excepcionalmente incidem, no âmbito nas relações familiares,
normas jurídicas cogentes, incidência esta que ocorre com o fim de salvaguardar
direitos mínimos, tidos como fundamentais. É o que ocorre com a obrigação alimentar, que decorre do dever de sustento imposto legalmente aos pais, para a subsistência do alimentando, que não pode ficar a mercê da consciência e senso de responsabilidade dos seus genitores.
Todavia, registre-se, desde já, que na contramão desse entendimento, há a
imposição legal do regime de separação de bens àqueles que se casarem com idade superior a setenta anos, dispositivo este contra o qual insurgem-se diversos doutrinadores, bem como juristas, que vêm afastando a incidência do mesmo, por considerar tal previsão inconstitucional.
Ora, diante do exposto, tem-se que a imposição do regime de separação absoluta aos septuagenários é restrição inadmissível, que viola frontalmente o Princípio da Intervenção Mínima do Estado nas Relações Familiares, pois o Estado, através da atividade legislativa, interfere e restringe indevidamente a liberdade da entidade familiar.
2.6.2 Princípio da Mutabilidade Motivada
Consoante já destacado alhures, o Código Civil de 2002, no que se refere à
disciplina dos regimes de bens, segue o Princípio da Mutabilidade Motivada ou Justificada. Mas, conforme já ressaltado, nem sempre foi assim.
O Código de 1916, de nítida feição patrimonialista, adotou, diversamente, o
Princípio da Imutabilidade Absoluta e justificava tal inalterabilidade basicamente na
visão de que o contrato de casamento, dada a sua formalidade, seria um pacto imutável entre os cônjuges, procurando evitar ainda que um deles, quando da alteração,
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fizesse sua vontade prevalecer em detrimento da do outro parceiro. Era ainda, segundo afirmavam os juristas da época, uma maneira de resguardar os interesses de
terceiros e preservar, assim, a segurança jurídica, embora para tanto fosse cerceada
a liberdade dos nubentes quanto à determinação das próprias relações econômicas
advindas do matrimônio.
A única exceção existente no Direito Brasileiro naquela época estava prevista
no art. 7, §5º da Lei de Introdução ao Código Civil, que facultava ao estrangeiro casado, quando da sua naturalização e com o consentimento de seu cônjuge, optar
pelo regime da comunhão parcial, não estendendo tal faculdade às demais modalidades, devendo ainda ser observados os direitos de terceiros.
Como visto, tal panorama sofreu forte alteração no Código Civil de 2002, pois
o mencionado diploma normativo adotou, no art. 1639 §2º, o Princípio da Mutabilidade Motivada. Em outras palavras, tornou-se possível a alteração da modalidade do
regime de bens, desde que observados quatro requisitos legais cumulativos: pedido
de alteração formulado por ambos os cônjuges (para evitar que os interesses de um
prevaleçam em detrimento dos do outro); razões relevantes; autorização judicial (instaura-se um procedimento de jurisdição voluntária, para que as partes convençam o
juiz da razoabilidade dos motivos pelos quais requerem tal alteração) e ressalva dos
direitos de terceiros.
Considerando que o “justo motivo” a ser alegado pelas partes constitui-se em
cláusula geral, caberá ao juiz, em seu prudente arbítrio (arbítrio boni viri), verificar se
as situações ou razões apresentadas realmente legitimam a mudança no regime
pretendida. Tal verificação deverá, pois, ser realizada em cada caso concreto e de
forma minuciosa, afinal, nunca é demais lembrar, a regra continua sendo a da imutabilidade da modalidade inicialmente escolhida, que somente poderá sofrer alterações diante de situações excepcionais.
Especificamente no que se refere à perquirição acerca da razoabilidade das
razões que motivam os cônjuges a requerer a mudança na modalidade de regime de
bens inicialmente eleita, a jurisprudência pátria encontra-se fragmentada. Isto porque há julgados nos quais há criteriosa análise dos motivos expostos pelos cônju21
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ges, ao passo que há também decisões vanguardistas, que, respaldando-se na liberdade conferida aos nubentes na escolha do regime matrimonial, consideram
desnecessárias maiores investigações acerca das justificativas apresentadas pelas
partes.
Neste aspecto, válido registrar algumas situações mencionadas pelo doutrinador Carlos Roberto Gonçalves que, a seu ver, justificariam a alteração no regime
de bens:
“Dentre os motivos relevantes pode ser mencionada, exemplificativamente,
a alteração do regime legal de comunhão parcial para o de separação de
bens, na hipótese de os consortes passarem a ter vidas econômicas e profissionais próprias, mostrando-se conveniente a existência de patrimônios
distintos não só para garantir obrigações necessárias à vida profissional,
como para a incorporação em capital social da empresa. Ou, ainda, a constituição de uma sociedade personificada entre o marido e a mulher, ou formada com terceiro e da qual ambos participam, hipóteses estas vedadas se
o regime for o da comunhão parcial, ou de participação final nos aquestos,
ou, ainda, de separação voluntária de bens” (2012, p.441-442)
Todavia, anote-se, por absolutamente necessário, que excepcionalmente no
caso do regime de separação legal ou obrigatória (art. 1641, CC), a alteração desse
regime é vedada, posto que este regime deriva não da vontade das partes, mas sim
de disposição legal. Tem a seguinte redação o dispositivo mencionado:
Art. 1641. É obrigatório o regime da separação absoluta de bens no casamento:
I – das pessoas que o contraírem com inobservâncias das causas suspensivas da celebração do casamento
II – da pessoa maior de 70 anos
III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
No entanto, há corrente doutrinária que permite que as partes, livrando-se do
motivo ensejador do regime de separação obrigatória, alterem-no para outro que
melhor lhes convier. Tal entendimento, está atualmente corporificado no Enunciado
262 da III Jornada de Direito Civil, que determina:
“A obrigatoriedade da separação de bens, nas hipóteses previstas no art.
141, I e III, do Código Civil, não impede a alteração do regime, desde que
superada a causa que o impôs .”
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Interpretando tal enunciado, infere-se que o inciso II, que se refere ao casamento celebrado por maiores de setenta anos, não foi excepcionado de tal imutabilidade, visto que não há mais como os nubentes se livrarem de tal restrição que,
consoante será detalhado em capítulo próprio desta obra, é de constitucionalidade
duvidosa.
2.6.3. Princípio da Variedade de Regimes
Tal princípio refere-se à existência, no atual Código Civil, de cinco modalidades de regimes de bens que, em regra, podem ser livremente escolhidas pelos
nubentes. São os seguintes regimes previstos na Lei Civil: comunhão parcial, comunhão universal, separação convencional,participação final nos aquestos e separação legal.
Considerando que cada um desses regimes possui regramento legal próprio, caberá aos cônjuges eleger qual deles atenderá melhor às peculiaridades de
cada casamento. Há ainda a possibilidade de combinar mais de um desses regimes,
surgindo, assim, um regime misto ou híbrido, com vistas a se moldar melhor ainda à
realidade fática e jurídica de cada casal.
Neste sentido, leciona Flávio Tartuce:
“[...] Destaque-se que o regime misto tem sido a opção de muitos casais
atuais, principalmente compostos por profissionais liberais que efetivamente
trabalham fora de casa, e que pretendem afastar uma indesejada comunhão
de todos os bens havidos durante a união. Ilustrando, é possível convencionar uma comunhão parcial de bens em relação a imóveis e uma separação
de bens quanto aos móveis (caso do dinheiro). Em acréscimo a tal convenção, é possível acertar que somente haverá comunicação de valores que forem depositados em determinada conta bancária do casal” (2012, p. 1080).
Ainda a respeito deste tema, imprescindível anotar o teor do Enunciado
331 da IV Jornada de Direito Civil que tem a seguinte redação:
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“O estatuto patrimonial do casal pode ser definido por escolha de regime de
bens distinto daqueles tipificados no Código Civil (art. 1639 e parágrafo único do art. 1640), e, para efeito de fiel observância do disposto no art. 1528
do Código Civil, cumpre certificação a respeito, nos autos do processo de
habilitação matrimonial.”
Registre-se que no Código Civil de 1916 havia ainda a modalidade conhecida por “regime dotal”, que hoje possui apenas valor histórico, tendo em vista
que, dada a sua incompatibilidade com os valores da sociedade contemporânea,
não foi previsto no Código atual. Tal regime previa a que a mulher, ou alguém em
seu nome, deveria entregar ao futuro esposo uma porção de bens como forma de
compensar os futuros gastos que este teria com a subsistência da mulher, devendo
o marido restituí-los caso houvesse o fim da sociedade conjugal.
2.6.4. Princípio da Autonomia da Vontade
Também conhecido como Princípio da Livre Estipulação, encontra-se
consubstanciado no art. 1639 do Código Civil, que dispõe ser “lícito aos nubentes,
antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”.
Dessa forma, optando os nubentes por regime de bens diverso do regime
legal ou supletivo, qual seja, o da comunhão parcial, deverão exercer seu direito de
escolha durante a fase de habilitação, através de pacto antenupcial, nos termos do
parágrafo único do art. 1640, CC.
Em que pese tal princípio privilegiar a autonomia privada, há uma exceção a tal liberdade estabelecida pela própria lei civil, mais especificamente no art.
1641, que estabelece o regime da separação obrigatória para as pessoas que se
encontrem nas situações elencadas em seus incisos. Por ser o tema de extrema relevância para esta obra, tal modalidade de regime será exaustivamente estudada no
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capitulo seguinte, onde serão expostas as razões para a sua existência, bem comoas críticas que lhes são feitas.
2.6.5. Princípio da Indivisibilidade do Regime de Bens
O mencionado princípio serve de alerta para que se perceba que, a despeito de se poder misturar mais de um regime de bens ou até mesmo poder criar um
novo regime, nenhum deles pode ter sua aplicação fragmentada em relação aos
cônjuges.
Vale dizer, escolhido um regime, esteja ele previsto na legislação ou resultante do exercício da autonomia privada das partes, as regras dele resultantes
serão as mesmas para os cônjuges, em virtude da isonomia assegurada constitucionalmente a homens e mulheres, igualdade esta que deve ser mantida mesmo nas
relações privadas.
3. REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS
3.1. Conceito e Base Legal
O jurista Washington de Barros Monteiro conceitua o regime de separação de
bens como aquele no qual “cada cônjuge conserva exclusivamente para si os bens
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que possuía quando casou, sendo também incomunicáveis os bens que cada um
deles veio a adquirir na constância do casamento” (2011, p. 299)
E continua o festejado autor, acerca do regime em comento:
“Muito discutiram os autores sobre a conveniência ou não desse regime.
Para uns, como Bridel, o regime de separação é o único em harmonia com
a verdadeira natureza do casamento, que não pode consistir na anulação
de uma individualidade em proveito de outra, e sim, deve consistir no recíproco respeito de duas individualidades juridicamente iguais. Por isso, afirma Bridel, a separação constitui o regime mais simples e mais prático, o regime dos tempos modernos e do futuro.
Para outros, porém, como Planiol, a separação não seria natural do casamento. Seria contraditório, acrescentava o mesmo autor, que duas pessoas,
partilhando o mesmo tálamo, tivessem, contudo, no tocante aos bens, interesses inteiramente distintos.” (2011, p. 299-300).
Inicialmente, importante observar que a separação de bens pode ser convencional ou absoluta, quando proveniente de estipulação pelas próprias partes, através
de pacto antenupcial, e também legal (também conhecido como “regime compulsório
ou de separação obrigatória”), sendo nesse caso imposta pelo legislador (art. 1641,
CC).
O Código Civil regulamenta a separação absoluta nos artigos 1687 e 1688, os
quais determinam que neste regime não haverá a comunicação de qualquer bem,
anterior ou posterior à união, devendo cada cônjuge, de forma exclusiva, administrar
seus bens. A liberdade é tamanha que cada cônjuge pode até alienar ou gravar com
ônus real bens de sua propriedade, ainda que imóveis, prescindindo, assim, das outorgas marital ou uxória.
O mencionado art. 1688 do CC, por sua vez, obriga os cônjuges, em não havendo estipulação contrária no pacto antenupcial, a contribuírem, na proporção dos
rendimentos de seu trabalho e seus bens, para as despesas do casal. Objetiva o
legislador, com tal norma, estabelecer que, embora tenha sido estipulada a separação de bens, a instituição familiar deve estar acima da autonomia de suas partes
integrantes, que devem reunir esforços, proporcionalmente às suas posses, para
mantê-la e preservá-la.
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Merece destaque o comentário do professor Flávio Tartuce acerca da possibilidade de estipulação contrária no pacto antenupcial, mencionada no art. 1688, acima registrado. Assevera o autor:
“Mesmo sendo clara a norma, no sentido de que cabe regra em contrário no
pacto, conclui-se que a convenção não pode trazer situação de enorme
desproporção, no sentido de que o cônjuge em pior situação financeira terá
que arcar com todas as despesas da união. Essa patente onerosidade excessiva gera a nulidade absoluta da cláusula constante da convenção antenupcial, pelo que consagra o art. 1655, do CC”. (2012, p. 1104).
No que se refere ao regime de separação obrigatória, tema desta obra, o art.
1641 da Lei Civil emerge como principal dispositivo, sendo verdadeira expressão de
limitação da autonomia da vontade dos nubentes imposta pelo legislador, com a seguinte redação:
Art. 1641. É obrigatório o regime da separação absoluta de bens no casamento:
I – das pessoas que o contraírem com inobservâncias das causas suspensivas da celebração do casamento
II – da pessoa maior de 70 anos
III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
Assim, da leitura do dispositivo acima transcrito, infere-se que o legislador,
excepcionando a regra geral da autonomia da vontade, tolheu, em determinados
casos expressamente previstos, a liberdade de alguns nubentes ao estabelecer-lhes
o regime de separação legal ou obrigatório de bens.
Tal imposição visa, no caso do inciso I do supracitado artigo, impor verdadeira
sanção ao casamento contraído com inobservância de causas suspensivas, posto
que irregular. Assim, este matrimônio terá seus efeitos reconhecidos, entretanto, será imposto aos nubentes o regime da separação de bens.
Nos demais casos, o que se verifica é a nítida postura protecionista do legislador, ao tutelar de forma especial pessoas que, no seu entender, mereceriam uma
atenção especial. Entre estas pessoas, encontram-se os menores e incapazes e
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ainda os maiores de setenta anos, que, não obstante maiores e capazes, também
sofrem tal restrição em sua liberdade de escolha.
3.2 Disposições Gerais
As hipóteses de incidência do regime de separação obrigatória devem ser interpretadas restritivamente, de modo que são taxativas (numerus clausus) as hipóteses previstas nos incisos I, II e III do art. 1641, CC, já que elencam disposições eminentemente restritivas de direitos.
Assim como o regime legal ou subsidiário, o regime de separação absoluta de
bens prescinde da celebração do pacto antenupcial, mas ambos não se confundem.
A desnecessidade do pacto advém, no caso do regime de separação obrigatória, da
própria lei, que a pretexto de acautelar interesses de ordem pública, impõe a certas
pessoas tal regime. Já no caso do regime supletivo (regime de comunhão parcial de
bens), este incide exatamente diante da ausência de convenção particular que discipline diferentemente as relações econômicas entre os cônjuges.
Vale dizer, no regime de separação obrigatória, o pacto antenupcial é ineficaz, tendo em vista que a livre manifestação das partes não pode prevalecer em detrimento das disposições legais que regem a matéria. Já o regime subsidiário tem
sua ocorrência delimitada exatamente pela inexistência anterior do aludido pacto, de
modo que incidirá, como sugere sua própria nomenclatura, apenas de forma subsidiária à livre convenção das partes.
3.3 Possibilidade de Alteração do Regime
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Há discussões no que tange à possibilidade de alteração do regime compulsório de separação, sendo divergentes as conclusões a depender do critério de interpretação adotado.
Assim, numa análise meramente literal do art. 1641, CC, temos que tal regime
não poderia ser alterado na forma do artigo 1639 §2, ainda que obedecidos todos os
pressupostos legais. Nesta ótica, entende-se que qualquer tentativa de alterá-lo seria fraudatória, sendo presumido o dano ocasionado às pessoas as quais o Código
Civil, através do aludido regime, visa proteger.
Isto porque a possibilidade de alteração dos regimes guardaria compatibilidade com a autonomia da vontade, pela qual os cônjuges, a princípio, poderiam eleger
a própria modalidade a ser adotada. Por isso, em não sendo admitida tal escolha
inicial, como no caso daqueles alcançados pela norma esculpida no art. 1641, CC,
também não haveria que se falar, no entender de alguns, em possibilidade de modificar tal modalidade, pois não se poderia alterar aquilo que não se pode nem ao menos escolher.
Diferentemente, em se adotando uma interpretação teleológica e sistemática
do regime de separação legal, mormente em atenção aos princípios que regem o
Direito de Família, cujo espectro é vasto, abrangendo não apenas interesses meramente patrimoniais, outra seria a conclusão.
Nesse sentido, entende parte da doutrina que poderia sim haver a alteração
do mencionado regime, em casos pontuais e devidamente justificados, para que o
Direito se ajuste da melhor forma à realidade de cada família. Entendem que mesmo
no caso das pessoas alcançadas pela norma restritiva emanada do art. 1641 do Código Civil, não se teria aniquilado por completo a liberdade dos nubentes.
Atualmente, o Enunciado 262da III Jornada de Direito Civil tem a seguinte redação: “A obrigatoriedade da separação de bens, nas hipóteses previstas nos incisos I e III do art. 1641 do Código Civil, não impede a alteração do regime, desde que
superada a causa que o impôs”.
Ou seja, no caso do inciso I, não havendo mais razão para serem impostas as
causas suspensivas, ou seja, não havendo mais risco de que terceiros sejam lesa29
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dos pela celebração do matrimônio, e no caso do inciso III, se o nubente atingir certa
idade que dispense o suprimento judicial, poderão os nubentes alterar a modalidade
de regime de bens para aquela que melhor se adequar aos seus interesses. Afinal,
desaparecendo o motivo ensejador da separação obrigatória, não há mais a vulnerabilidade na qual se baseia a lei para impô-lo aos nubentes.
Contudo, percebe-se que o inciso II, referente aos maiores de setenta anos,
não foi contemplado no mencionado enunciado. Ora, é certo que uma vez atingida
esta idade, não há como deixar de livrar-se da imposição do regime legal, que perseguirá o nubente por toda a sua vida, como verdadeira “condenação perpétua” por
ter simplesmente atingido idade avançada.
O mencionado enunciado, dessa forma, preferiu livrar aqueles que não observaram as previsões legais e contraíram núpcias com infração de causas suspensivas (violadores da lei) e aqueles que não cumpriram as formalidades necessárias
para a celebração do casamento (aqueles que não obtiveram o necessário suprimento judicial) em detrimento de idosos maiores de setenta anos, que não descumpriram, em momento algum, a legislação pátria.
3.4 Comunhão de Aquestos na Separação Obrigatória
Outro ponto que sempre gerou grande celeuma é a possibilidade de haver
comunhão de aquestos, ainda que no matrimônio regido pelo regime legal de separação de bens.
Para uma melhor compreensão desta discussão, já existente mesmo na época do Código Civil de 1916, faz-se necessário realizar um regresso histórico. O antigo código, em seu art., 259, previa: “embora o regime não seja o da comunhão de
bens, prevalecerão, no silêncio do contrato, os princípios dela, quanto à comunicação dos adquiridos na constância do casamento”.
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Nesta época, dada a redação do dispositivo supracitado, não havia dúvidas
acerca da aplicabilidade do mesmo ao regime de separação convencional, pois o artigo refere-se ao “silêncio do contrato”, evidenciado o caráter voluntário do regime
em questão. Em outras palavras, caso não fosse disposto expressamente no pacto
antenupcial a incomunicabilidade absoluta dos bens porventura adquiridos, ainda
que se adotasse convencionalmente o regime de separação absoluta, estar-se-ia
adotando, em verdade, o regime de comunhão de aquestos.
Entretanto, a despeito desta interpretação meramente literal, a jurisprudência
prevalecente da época, abrandando o aparente rigorismo da lei, admitia a aplicação
deste artigo também ao regime de separação legal de bens, embora este decorresse
do texto legal e não de convenção entre as partes.
A corrente contrária, representada, dentre outros, pelo festejado autor Sílvio
Rodrigues, não aceitava tal entendimento, pois defendia que a impossibilidade de
aplicação do mencionado dispositivo ao regime de separação obrigatória de bens
era decorrente da previsão, no próprio Código Civil de 1916, de artigos exclusivamente referentes a este regime, fazendo o legislador clara distinção entre este e a
modalidade de comunhão parcial, não pretendendo, assim, que se confundissem.
Para fortalecer tal entendimento, sustentavam os adeptos desta tese que leis posteriores, a exemplo do Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121/61) e Lei do Divórcio
(Lei 6.515/77), a despeito de tratarem do tema, não providenciaram nenhuma alteração legislativa. No mesmo sentido, mencionavam também o Projeto Original de
1975, que em seu art. 1.669, ao prever o regime da separação obrigatória, dizia expressamente que este se daria “sem a comunhão de aquestos”.
Visando abrandar a frieza da lei, a jurisprudência, aos poucos, foi adotando
entendimento flexível em certas situações, permitindo, em casos concretos, a comunhão dos bens adquiridos pelo esforço conjunto dos cônjuges. Com escopo nessa
orientação, visando ainda esclarecer as dúvidas que permeavam a matéria, foi elaborada a Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, com a seguinte redação: “No
regime de separação legal de bens comunicam-se os adquiridos na constância do
casamento”.
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O Código Civil de 2002, diferentemente, não reproduziu em nenhum de seus
artigos norma semelhante à verificada no mencionado art. 259, tendo em vista que o
multicitado art. 1641, ao regulamentar o regime de bens compulsório, foi silente
acerca da comunhão de aquestos. Este silêncio do legislador fez com que alguns
estudiosos defendessem que a Súmula em comento estaria sem aplicabilidade, mas
esta não tem sido a posição de nossos tribunais, que têm aplicado-a em muitos casos, com o objetivo de evitar o enriquecimento sem causa de um nubente em face
do outro.
Este enunciado sumulado evidencia o entendimento de que o casamento, ainda que realizado no regime de separação obrigatória, não pode afastar a
comunhão, entre os cônjuges, dos proveitos e bens obtidos pelos mesmos. Tal conclusão, em verdade, é consequência direta da noção de justiça e de equidade, e
ainda do princípio geral de direito de “dar a cada um o que é seu”.
Não obstante a clareza da redação da súmula, as discussões não se encerraram, pois é preciso delimitar a abrangência de tal comunicação, tendo entendido a
maior parte dos juristas que se refere apenas aos bens comprovadamente adquiridos pelos cônjuges, quando do matrimônio. Neste período seria reconhecida a existência de uma verdadeira sociedade de fato entre eles.
Sobre o tema, anote-se excelente aresto jurisprudencial do STJ, no qual a
Corte assim se pronunciou:
“A circunstância de os cônjuges haverem pactuado, como regime de bens, o
da separação não impede que se unam, em empreendimento estranho ao
casamento. Isso ocorrendo, poderá caracterizar-se a sociedade de fato,
admitindo-se sua dissolução, com a consequente partilha de bens. O que
não se há de reconhecer é a existência de tal sociedade,apenas em virtude
da vida em comum, com o atendimento dos deveres que decorram da existência do consórcio”. (STJ, Resp 30.513-9-MG, 3ª T., rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 26-4-1994, in RT, 710/74).
Atento ao teor da Súmula 377 do STF, que, em termos práticos, promoveu
uma quase equiparação do regime de separação obrigatória de bens com o de comunhão parcial, foi apresentado pelo Deputado Sergio Barradas Carneiro (PT-BA) o
Projeto de Lei nº 2285/2007, intitulado de “Estatuto das Famílias”, elaborado a partir
de estudos do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, que se encontra
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tramitando no Congresso Nacional. Pretende o mencionado projeto de lei suprimir
do ordenamento pátrio o regime legal de separação, por considerá-lo ofensivo à dignidade da pessoa humana. Os idealizadores da medida consideram discriminatória
tal modalidade de regime, atentando para o fato de que o direito civil deve ser interpretado à luz das garantias constitucionais, mormente no que se refere ao direito de
família.
3.5. Análise dos Dispositivos do art. 1641, CC:
3.5.1. Casamento contraído com inobservância das causas suspensivas
O primeiro inciso do art. 1641 do Código Civil impõe o regime de separação
obrigatória àqueles que se casarem com infração das causas suspensivas. Tais
causas encontram-se elencadas no art. 1523, CC, que tem a seguinte redação:
Art. 1.523. Não devem casar:
I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer
inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;
II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido
anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da
sociedade conjugal;
III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;
IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não
cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.
Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste
artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do
inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de
gravidez, na fluência do prazo.
As causas suspensivas, nomeadas de “impedimentos impedientes ou proibitivos”, são consideradas verdadeiras recomendações cautelosas do legislador para
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evitar que, da sucessão de relações familiares, advenham prejuízos para alguma
das partes.
Como visto, são apenas quatro as causas suspensivas, não tendo o legislador
civilista repetido o preceito constante no Código Civil de 1916 (art. 183, XVI), que
vedava o casamento entre juízes, escrivães, seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com o órfão ou a viúva, da circunscrição onde um ou
outro tivesse exercício, salvo se houvesse licença especial concedida pela autoridade judiciária superior. Torna-se claro que a revogação deste dispositivo foi decorrente da sua incompatibilidade com a vida social e com os interesses recíprocos que
podem brotar das relações humanas, não cabendo ao Direito obstá-las sem fundamento arrazoado.
As causas suspensivas, caso alegadas tempestivamente pelos legitimados,
ocasionariam, na hipótese de serem fundadas as razões que lhe embasam, a suspensão da celebração do casamento, até que sejam afastadas.
Ao revés, caso não haja nenhuma impugnação ao casamento realizado, não
obstante tenha ele violado uma das causas suspensivas descritas na lei, o mesmo
será reputado válido, não cabendo cogitar sua nulidade absoluta ou relativa, diferentemente do que ocorreria se houvesse infração às causas impeditivas. O que ocorrerá é a convalidação deste casamento irregular pelo decurso de tempo, reconhecendo-se os efeitos dele emanados.
A doutrina aponta que as causas suspensivas (art. 1523, CC) e as causas
impeditivas (art. 1521) devem ser interpretadas restritivamente, não havendo no ordenamento jurídico outros casos que não os elencados pelos citados artigos. A legislação esparsa, entretanto, traz algumas restrições para certas profissões, como
os membros do Exército, Marinha e Aeronáutica, que, para se casarem, precisam de
autorização de terceiros, sob pena de sanções administrativas.
No entanto, não se pode perder de vista que quando o casamento é realizado
com inobservância das causas suspensivas, ocorre uma infração à lei e o Direito, e
como forma de sancionar tal irregularidade,muito embora sejam plenamente reconhecidos todos os efeitos decorrentes deste matrimônio, impõe-se aos nubentes o
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regime de separação absoluta de bens. Tal providência objetiva, de outro lado, resguardar os direitos de terceiros que eventualmente poderiam ser lesados, não permitindo que os descumpridores da lei beneficiem-se de suas próprias violações.
Outrossim, relata o já registrado parágrafo único do art. 1523, CC que é possível que o juiz não aplique ao caso concreto as causas suspensivas, não obstante
tenham elas ocorrido, desde que comprovem os interessados a inexistência de prejuízo para as pessoas que o legislador visou proteger, quais sejam: herdeiro, excônjuge, tutelados e curatelados ou prole eventual.
Sobre o assunto, anote-se a lição do professor Carlos Roberto Gonçalves:
“Somente será necessário comprovar a ausência de prejuízo, em todos os
casos mencionados no aludido parágrafo único, se oposta a causa suspensiva por algum interessado, uma vez que não é dado ao oficial de registro
ou ao celebrante do casamento declarar de ofício a causa suspensiva”.
(2012, p. 88).
O art. 1524 da Lei Civil elenca os legitimados a suscitar tais causas suspensivas:
Art. 1.524. As causas suspensivas da celebração do casamento podem ser
arguidas pelos parentes em linha reta de um dos nubentes, sejam consanguíneos ou afins, e pelos colaterais em segundo grau, sejam também consanguíneos ou afins.
Da leitura do supracitado artigo, infere-se que não poderá o juiz, tampouco o
oficial de registro civil, atuando de ofício, reconhecer as causas suspensivas, pois
estas devem ser suscitadas exclusivamente pelos legitimados.
Merece atenção o Enunciado número 330 da IV Jornada de Direito Civil, que
complementa o dispositivo legal:
“As causas suspensivas da celebração do casamento poderão ser arguidas
inclusive pelos parentes em linha reta de um dos nubentes e pelos colaterais em segundo grau, por vínculo decorrente de parentesco civil”.
Carlos Roberto Gonçalves acrescenta:
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“A oposição de causas suspensivas, como se verá no capítulo seguinte, deve ser feita no prazo de quinze dias da publicação dos editais, para produzir
o efeito de sustar a realização do casamento. Se efetivada após esse prazo,
não terá o condão de obstá-lo, embora sujeite os cônjuges ao regime da
separação dos bens e os imóveis destes a hipoteca legal, na hipótese do
inciso I do art. 1523 supramencionado. [...]” (2012, p. 84).
Ainda no aspecto introdutório acerca das causas suspensivas, destaca-se,
mais uma vez, o Enunciado 262 da III Jornada de Direito Civil que possibilita alteração do regime de bens para outro que não o da separação legal, nas hipóteses em
que puderem desaparecer as causas suspensivas que a princípio ensejaram a imposição legal.
3.5.1.1 Art. 1523, I, CC – Proteção dos herdeiros
A primeira das causas suspensivas torna irregular o casamento contraído por
viúvo ou viúva que tiver filho do cônjuge falecido, antes de ser realizado o inventário
dos bens do casal e feita a partilha aos herdeiros. Tal previsão tem o claro intuito de
evitar a confusão patrimonial e o consequente prejuízo que adviria para os herdeiros
do primeiro matrimônio.
Com razão, tem a jurisprudência relativizado tal proibição nos casos de casamento do qual não resulte filhos ou bens a serem partilhados, não impondo, nesses casos, o regime de separação legal. Para tanto, os interessados costumam se
valer do inventário negativo, que tem o condão de comprovar a ausência de bens,
afastando, por conseguinte, tal causa suspensiva.
Com igual acerto têm os juízes deixado de considerar irregular o casamento
celebrado sem o inventário e a partilha, mesmo nos casos em que resultem herdeiros, desde que não haja risco de haver confusão patrimonial, em consonância com o
parágrafo único do art. 1523, CC.
36
37
Registre-se que no Código anterior havia dupla punição ao casamento celebrado com infração ao inciso I do art. 1523, CC, pois além de ser imposto o regime
de separação de bens, o cônjuge infrator perdia o direito ao usufruto dos bens dos
filhos do primeiro casamento.
O Código atual, embora não tenha reproduzido a segunda sanção, possui,
especificamente no art. 1484, II, regra que simboliza verdadeira sanção. Tal artigo
prevê que será concedida hipoteca ao filhos sobre os imóveis do cônjuge infrator, ou
seja, daquele que passou a outras núpcias antes de fazer o inventário do matrimônio
anterior.
3.5.1.2 Art. 1523, II, CC – Proteção da Prole Eventual
A segunda causa suspensiva, por sua vez (art. 1523, II, CC), visa evitar a
ocorrência da “turbatio sanguinis”, ou seja, de dúvida sobre a paternidade da prole
que eventualmente viesse a existir. Para tanto, impõe prazo de espera de 10 meses
para o casamento nulo ou anulável, bem como para a viúva, a ser contado após o
início da viuvez ou da dissolução da sociedade conjugal, prazo este que se coaduna
com as presunções de paternidade estabelecidas pelos incisos I e II do art. 1597,
CC. Senão, vejamos:
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;
II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade
conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
Contudo, imprescindível observar que o parágrafo único do art. 1523, CC
afasta tal restrição no caso de ser provado o “nascimento de filho ou a inexistência
de gravidez, na constância do prazo”, casos em que o casamento poderá ser autorizado pelo juiz, embora não tenha sido observado o prazo de 10 meses.
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38
Em relação ao tema, entretanto, a jurisprudência e doutrina foram além das
delimitações legais. Isto porque trazem outras hipóteses em que não será considerada a mencionada causa suspensiva, como nos casos de impotência coeundi absoluta, bem como em situações em que se verifique a total impossibilidade de ter havido coabitação entre os cônjuges. Pela mesma razão, também nos casos de ocorrência de aborto ou de gravidez evidente quando da viuvez ou anulação do casamento, não será necessário esperar o mencionado prazo.
O professor Flávio Tartuce, em sua obra, lembra-nos de que:
“Com os avanços da medicina esta causa suspensiva tende a desaparecer,
pois se busca cientificamente a realização de um exame que demonstre a
parentalidade da criança via exame de DNA, sem que isso ofereça riscos à
prole e à sua mãe”. (“2012, p. 1051)”.
3.5.1.3 Art. 1523, III, CC – Proteção do ex-cônjuge
Outra causa suspensiva é a trazida pelo inciso III do art. 1523, CC, que recomenda que o divorciado, enquanto não tiver sido homologada ou decidida a partilha
de bens, não contraia outro casamento. Mais uma vez a mens legis é de evitar a
confusão patrimonial que poderia se instaurar entre a antiga e a nova sociedade
conjugal.
Ressalte-se apenas que não há óbice algum a que o divórcio ocorra sem a
prévia partilha de bens, mas, em decidindo casar-se novamente, tal providência deverá ser tomada, sob pena de ser imposto o regime de segregação compulsória de
bens ao novo matrimônio. Válido ainda lembrar que a lei exige apenas a homologação ou decisão da partilha e não a efetivação da mesma.
3.5.1.4 Art. 1523, IV, CC – Proteção dos Tutelados e Curatelados
38
39
Por fim, a última das causas suspensivas refere-se aos tutores, curadores e
ainda os descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos daqueles. Nenhuma das pessoas mencionadas, enquanto não cessadas a tutela e curatela, bem
como saldadas as respectivas contas, poderia casar-se com os tutelados e curatelados.
Neste caso, buscou o legislador proteger os incapazes, sejam eles maiores
(curatelados) ou menores (tutelados) da influência moral de seus tutores e curadores
ou ainda dos parentes destes.
Para a regularidade do casamento entre eles, é necessário que sejam apresentadas as contas ao juiz e que as mesmas sejam aprovadas, pois apenas neste
momento entende-se extinto tal ônus público. Outrossim, como já ressaltado, a
mencionada causa suspensiva pode deixar de ser aplicada pelo juiz caso este se
convença da inexistência de prejuízo ao tutelado e curatelado (parágrafo único do
art. 1523, CC).
3.5.2. Casamento dos maiores de setenta anos
O inciso II do art. 1641, CC, por sua vez, determina que o casamento dos
maiores de setenta anos será necessariamente celebrado no regime de separação,
havendo completa separação entre o patrimônio dos cônjuges. Neste caso, basta
que apenas um dos cônjuges supere a idade limite na data da celebração do casamento, não sendo necessário, portanto que ambos os cônjuges sejam maiores de
setenta anos, tampouco que haja grande diferença de idade entre os nubentes.
Considerando que este inciso é o tema central desta obra e que será amplamente desenvolvido no próximo capítulo, por ora registre-se apenas que trata-se de
dispositivo acerca do qual há forte celeuma doutrinária.
39
40
A maioria dos doutrinadores o considera inconstitucional, por ofender dispositivos constitucionais que proclamam a autonomia da unidade familiar, bem como
violando, dentre outros, o princípio da dignidade humana. Assim, no entender destes, tal norma simboliza uma intervenção estatal abusiva e descabida.
Entretanto, há autores que consideram tal disposição compatível com os ditames constitucionais, entendendo que a imposição do regime de separação de
bens aos maiores de setenta anos visa proteger o patrimônio do idoso e de sua família de oportunistas que deles se aproximem apenas com interesses econômicos,
considerando a fragilidade advinda da idade avançada.
Por ora, válido destacar que, diferentemente das causas suspensivas, que
não ocasionarão o regime de separação obrigatória caso se comprove que não haverá prejuízo para aqueles que a lei civil visou proteger, o casamento de pessoas
acima de setenta anos de idade (e, nunca é demais lembrar, basta que apenas um
dos nubentes alcance essa idade), sempre dará ensejo ao regime de separação total de bens, sendo realidade inafastável.
Comentando esse tratamento mais severo e injusto conferido aos idosos maiores de sessenta anos (era esta a antiga redação do art. 1641, II, CC), Maria
Berenice Dias argumenta:
“No entanto, nas demais hipóteses em que a lei impõe esse regime de
bens, pode o juiz excluir dita apenação (CC 1.523 parágrafo único). Tal
chance não é dada aos noivos idosos. Mesmo que provem a sinceridade do
seu amor, sua higidez mental e que nem têm família a quem deixar seus
bens. Não há opção. A lei é implacável. Ora, se a sequela legal pode ser
afastada para os demais, nada justifica que não possa ser eliminada para
os sexagenários. Outro fundamento não deixa margem a qualquer resposta:
a escancarada afronta ao princípio da isonomia que a regra geral encerra. É
que essa restrição não existe na união estável. Assim, injustificável o desigulalitário tratamento dispensado ao casamento. As limitações impostas à
vontade dos noivos acabam tornando mais vantajosa a união informal”
(2010, p. 247).
Também interessante ressaltar, mais uma vez, que o inciso II não foi contemplado pelo gracioso Enunciado 262 da III Jornada de Direito Civil, de modo que, ao
menos em tese, os septuagenários não poderiam alterar o regime de bens.·.
40
41
Desse modo, percebe-se que se trata de tema bastante polêmico, que divide
opiniões entre os estudiosos. Por essa razão, para uma melhor exposição, será
abordado em capítulo próprio, no qual teceremos também breves considerações
acerca do controle de constitucionalidade brasileiro, para que só então, possamos
compreender os argumentos expostos pelas parcelas doutrinárias divergentes acerca da (in)constitucionalidade de tal imposição legal, prevista no art. 1641, CC.
3.5.3 Casamento das pessoas que dependerem de suprimento judicial para se casarem
3.5.3.1 Suprimento Judicial do Consentimento dos Representantes Legais
O Código Civil estabelece, no art. 1517, que a partir dos 16 anos, homem e
mulher podem casar-se (idade núbil), desde que haja autorização de ambos os pais
ou de seus representantes legais, sendo tal autorização necessária em razão de não
ter o nubente atingido ainda a maioridade civil. Como se sabe, a capacidade plena,
resultante da obtenção da capacidade de direito e de fato, é alcançada apenas aos
18 anos.
Antes disto, a pessoa é considerada incapaz e depende, para a validade de
seus atos, de representação (para os menores impúberes, ou seja, aqueles menores
de 16 anos) ou de assistência (esta dirigida aos menores púberes, com 16 anos
completos).
No casamento, por ser ato dotado de formalidade, com mais razão, tal consentimento se faz necessário, de modo que o adolescente de 16 anos, embora tenha atingido a idade núbil, por não ser plenamente capaz, necessita de autorização
de seus pais ou representantes legais para contrair o matrimônio. Registre-se ainda
que o casamento é uma das causas legais de emancipação (art. 5º, parágrafo único,
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42
inciso II, CC), de modo que após o casamento o adolescente torna-se plenamente
capaz para todos os atos da vida civil.
Apenas para um registro histórico, anote-se que o Código de 1916, em seu
art. 183, XII, estipulava a idade núbil diferente a depender do gênero, sendo esta de
16 anos para as mulheres e 18 anos para os homens, sob o frágil argumento de que
as mulheres alcançavam a maturidade fisiologia e psíquica antes dos homens. Consoante já mencionado, a atual lei civil aniquilou tal distinção, em conformidade com o
princípio da igualdade e com a norma constitucional esculpida no art. 226, §5, CF.
Eis o principal dispositivo da lei civil que trata da capacidade para o casamento:
Art. 1.517. O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil.
Parágrafo único. Se houver divergência entre os pais, aplica-se o disposto
no parágrafo único do art. 1.631.
A faculdade de consentir ou não com o casamento dos filhos deriva dos atributos do poder familiar, mais especificamente regulado no art. 1634, inciso III, que
diz “competir aos pais, em relação às pessoas dos filhos menores, conceder-lhes ou
negar-lhes o consentimento para casarem”. Pela mesma razão, ou seja, por serem
detentores do poder familiar, o art. 1518 da Lei Civil admite que os pais ou representantes legais revoguem a autorização até a celebração do casamento.
Entretanto, em que pese o casamento de nubentes com 16 anos completos
ocorrer, regra geral, mediante o consentimento de ambos os pais ou representantes
legais, há casos em que aqueles divergem entre si quanto à concessão, ou não, da
aludia autorização. Nesses casos, como prevê o parágrafo único do art. 1517, deverá aplicar-se a regra constante no art. 1631, CC. Tal artigo preconiza que, havendo
divergência entre os genitores, no exercício do poder familiar, é dado a qualquer deles o recurso ao juiz, a quem competirá dirimir a controvérsia.
Da mesma forma, com o fito de resguardar o adolescente do arbítrio e da tirania de seus pais, caso um ou ambos os pais ou representantes deneguem injusta42
43
mente tal consentimento, este pode ser suprido judicialmente, conforme art. 1519,
CC.
O legislador não esclareceu, entretanto, o que se deveria entender por “recusa justa” dos pais, mas Carlos Roberto Gonçalves elenca algumas hipóteses que
nos ajudam numa melhor compreensão do tema. Vejamos:
“Reputam-se justos e fundados, segundo os autores, os seguintes motivos:
a) existência de impedimento legal; b) grave risco à saúde do menor; c) costumes desregrados; d) falta de recursos para sustentar a família; e) total recusa ou incapacidade para o trabalho; f) maus antecedentes criminais, tais
como condenação em crime grave (p.ex. estupro, roubo, estelionato, etc).”
(2012, p. 55).
Desse modo, são dois os casos em que o consentimento para o casamento
será suprido judicialmente: ou na hipótese de divergência entre os genitores, igualmente detentores do poder familiar, ou no caso de recusa tida por injusta. Nestes
casos, por expressa previsão legal, será imposto o regime de separação obrigatória
ao matrimônio.
Caso suprido o consentimento, no caso de o juiz deferir a necessária autorização, esta se dará mediante expedição de alvará, que será juntado ao processo de
habilitação, que antecede o casamento. Válido destacar que para tanto, será instaurado processo judicial de jurisdição voluntária, tendo a jurisprudência admitida que o
menor de 16 anos outorgue procuração ao seu advogado, independentemente assistência de seu representante, já que é evidente a colisão de interesses entre os
mesmos.
3.5.3.2 Suprimento judicial de idade
Além do suprimento judicial do consentimento já abordado no tópico anterior,
também será oposto o regime de separação legal aos matrimônios nos quais um ou
ambos os cônjuges ainda não tenham atingido a idade núbil, ou seja, sejam menores de 16 anos.
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44
Nestes casos também será necessário um suprimento, mas desta vez, de
idade, posto que se trata de menores que ainda não alcançaram os 16 anos completos. O art. 1520 menciona tal situação, merecendo registro:
Art. 1.520. Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda
não alcançou a idade núbil (art. 1517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez.
A primeira hipótese de suprimento de idade pela autoridade judicial refere-se
à possibilidade de, com a celebração do casamento ser evitada a imposição de pena
criminal. Não obstante a literalidade do preceito ensina o jurista Carlos Roberto
Gonçalves que tal dispositivo merece interpretação benévola, devendo a expressão
“pena criminal” abranger qualquer espécie de sanção de caráter criminal, ainda que
prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente e não no Código Penal.
Porém, imprescindível observar que com a entrada em vigor da Lei
11.106/2005, foi revogado o inciso VII do art. 107 do Código Penal que extinguia a
punibilidade dos crimes contra os costumes, quando os autores destes se casassem
com as vítimas.
Com advento dessa nova lei, parte da doutrina passou a entender que teria
sido também revogado o art. 1520, CC, na parte em que justifica o suprimento de
idade para evitar a imposição da pena criminal. Outra parcela doutrinária, contudo,
entendia que em respeito à função social da família, e considerando ainda que naquela época as ações penais eram ainda de iniciativa privada, deveria ser respeitado
o direito da vítima. Se esta se casasse posteriormente com seu ofensor estaria, tacitamente, perdoando-o, devendo o Direito de Família reconhecer tal opção, apesar
de não mais estar prevista na legislação penal.
O professor Flávio Tartuce ilustra com maestria tal situação:
“[...]. A ilustrar, no caso de um rapaz de 18 anos que tivesse relação sexual
com uma menina de 13 anos sua anterior namorada desde os tempos em
que era menor, vindo essa a engravidar, poderia o casamento ser autorizado. Com isso, evitar-se-ia a prisão do pai da criança, prevalecendo o vínculo
familiar. Por óbvio, em outras situações tal casamento não poderia ser auto-
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rizado em hipótese alguma (v.g., um homem de 60 anos que tem relação
sexual com uma menina de 12 anos)”. (2012, p. 1047).
Na mesma direção foi elaborado o Enunciado número 329 da IV Jornada
de Direito Civil:
“A permissão para casamento fora da idade núbil merece interpretação orientada pela dimensão substancial do princípio da igualdade jurídica, ética e
moral entre o homem e a mulher, evitando-se, sem prejuízo do respeito à diferença, tratamento discriminatório”.
Todavia, a mencionada possibilidade de o casamento funcionar como
perdão tácito ao crime outrora cometido foi completamente rechaçada quando da
vigência da Lei 12.015/2009, que introduziu o crime de estupro de vulnerável (art.
217-A, CP), o qual seria de ação pública incondicionada (art. 225, parágrafo único,
CP), pondo fim a discussão outrora existente.
A segunda hipótese de suprimento judicial de idade refere-se à gravidez,
que, diferentemente da hipótese anterior, não tem nenhuma relação com o cometimento de crime. Neste caso, permite-se o suprimento de idade com o fito de preservar os componentes familiares unidos, e, desse modo, salvaguardar os melhores
interesses da prole vindoura.
Registre-se, por fim, que o suprimento de idade realizado pelo juiz não dispensa o consentimento dos pais e representantes legais, como antes visto. Isto porque o adolescente permanecerá incapaz, embora tenha de maneira ficta, alcançado
a idade núbil.
45
46
4 DA IMPOSIÇÃO LEGAL DO REGIME DE SEPARAÇÃO
OBRIGATÓRIA AOS MAIORES DE SETENTA ANOS
4.1 Considerações acerca do Controle de Constitucionalidade
4.1.1. Introdução
Tendo em vista que o presente trabalho tem como tema central a imposição aos maiores de setenta anos do regime de separação obrigatória, acerca do
qual há forte controvérsia em sede doutrinária, tendo grande parcela dos estudiosos
defendido, inclusive, a inconstitucionalidade desta imposição, torna-se imprescindível tecer esclarecimentos acerca do que seria o controle de constitucionalidade e
como este ocorre.
O controle de constitucionalidade é tema de extrema relevância não só
para o Direito Constitucional, mas também para todos os ramos da Ciência Jurídica.
Afinal, só se pode falar em Constituição Rígida (como é exemplo a Carta Magna de
1988), bem como no Princípio da Supremacia da Constituição, se houver um meio
de efetivar a superioridade hierárquica desta em relação às demais normas infraconstitucionais.
Apenas para um registro conceitual, anote-se que Constituição Rígida é
aquela que para ser alterada necessita de um processo mais dificultoso, mais solene, em comparação àquele adotado para a alteração das normas infraconstitucionais. Por isso, para a aprovação de emendas constitucionais, deve ser observado
um quórum diferenciado, além de outros requisitos formais e materiais previstos na
própria Constituição. Todas essas limitações têm o objetivo de manter uma certa
46
47
estabilidade no ordenamento jurídico, evitando sucessivas alterações no texto constitucional, pois não podemos nos olvidar de que é a Constituição que valida e conforma todas as normas infraconstitucionais.
Contudo, não basta afirmar que a Constituição é a Lei Maior do Ordenamento Jurídico (o que consubstancia o Princípio da Supremacia da Constituição), é
preciso haver um mecanismo de assegurar tal hierarquia.
Por essa razão, o professor Alexandre de Moraes define controle de constitucionalidade da seguinte forma:
“Controlar constitucionalmente significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a constituição, verificando
seus requisitos formais e materiais”. (2008, p. 701).
O controle de constitucionalidade serve, dessa forma, como meio de assegurar que as normas jurídicas e atos normativos elaborados obedeçam aos parâmetros traçados pelo Poder Constituinte, para que o ordenamento jurídico seja não
apenas um complexo de normas, mas, sobretudo, um conjunto de normas compatíveis entre si, compondo uma verdadeira unidade normativa.
Desse modo, qualquer norma infraconstitucional que viole normas constitucionais estaria maculada pelo vício de inconstitucionalidade, o que gera a nulidade
da mesma, posto que a Lei Maior funciona, no ordenamento pátrio, como verdadeira
norma de validade.
4.1.2 Sistema Brasileiro de Constitucionalidade
No Brasil, adotamos, via de regra, o modelo jurisdicional ou judicial de
controle de constitucionalidade. Isto significa que na maioria dos casos em que é
aferida a compatibilidade entre uma norma ou um ato normativo infraconstitucional
47
48
com a Constituição, tal procedimento é realizado por órgão integrante do Poder Judiciário.
Excepcionalmente, porém, pode ocorrer que o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos já em vigor (controle repressivo) seja exercido
pelo Poder Legislativo. O primeiro exemplo está contido no art. 49, V, CF, que prevê
a competência do Congresso Nacional para sustar os atos do Poder Executivo que
exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa. O outro
exemplo refere-se à medida provisória (art. 62, CF), que, embora já plenamente em
vigor, pode ser rejeitada pelo Congresso Nacional, impedindo-se assim, que se converta em lei, caso em que este órgão legislativo estará exercendo verdadeiro controle de constitucionalidade.
Registre-se ainda que, embora o sistema brasileiro de constitucionalidade seja classificado como judicial no que tange ao órgão de controle, é também
qualificado como misto, agora no que se refere ao exercício deste controle, pois pode se dar de forma concentrada ou difusa.
O controle concentrado, também conhecido como abstrato ou via de
ação, tem inspiração na Constituição Austríaca de 1920, que pela primeira vez previu um Tribunal Constitucional, com a missão específica de exercer o controle de
constitucionalidade. No Brasil, foi introduzido pela Emenda Constitucional n°16/1965,
sendo que a atual Constituição contempla as seguintes espécies de controle concentrado: ação direta de inconstitucionalidade genérica (art. 102, I, a); ação direta de
inconstitucionalidade interventiva (art. 36, III); ação direta de constitucionalidade por
omissão (art. 103, §2), ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, I, a) e ação
de descumprimento de preceito fundamental (art. 102 §1).
Esta modalidade de controle é conceituada como “concentrado” porque
apenas o STF ou os Tribunais de Justiça dos Estados estão autorizados a realizálos, cada um nas hipóteses previstas constitucionalmente. Nestes casos, a suposta
inconstitucionalidade do ato normativo é a principal questão discutida no processo,
representando, portanto, o pedido da ação. Cumpre ainda registrar, por oportuno,
48
49
que a legitimidade para a propositura das ações do controle abstrato acima enumeradas é atribuída apenas a algumas pessoas, elencadas no art. 103, CF.
Ocorre que o controle de constitucionalidade, em nosso país, pode também ocorrer na modalidade difusa, também chamada de concreta ou por via de exceção. Tal modalidade teve inspiração no célebre caso Marbury versus Madson
(1803), em que o juiz Marshall, da Suprema Corte Americana, pela primeira vez proferiu decisão expressa no sentido de que seria próprio da atividade jurisdicional fazer
prevalecer, em caso de contradição, a Constituição, por ser esta superior às leis ordinárias editadas pelo Poder Legislativo.
É denominada “difusa” porque qualquer juiz ou tribunal pode exercê-lo.
Diferentemente do controle abstrato, no concreto a questão da inconstitucionalidade
da norma é apenas prejudicial para o deslinde da questão principal, configurando-se
como verdadeira exceção. Outra distinção a ser apontada é a de que tal alegação de
inconstitucionalidade pode ser feita incidentalmente por qualquer pessoa, quando for
necessária à defesa do direito subjetivo suscitado judicialmente.
4.1.3 Espécies de Inconstitucionalidade
Inicialmente, cumpre ressaltar que a inconstitucionalidade de leis ou atos
normativos pode derivar de uma ação (inconstitucionalidade por ação, positiva ou
por atuação) ou de uma omissão (inconstitucionalidade por omissão). Em outras palavras, a violação às normas constitucionais pode ocorrer em virtude de uma atuação positiva do legislador ordinário ou do Poder Público, mas também pode derivar
da inércia do Estado em legislar, nos casos de normas constitucionais de eficácia
limitada, cuja aplicabilidade condiciona-se à regulamentação posterior.
Feita esta observação, registre-se que a inconstitucionalidade por ação divide-se em inconstitucionalidade formal ou nomodinâmica e material ou nomoestáica,
conceitos estes de grande importância.
Acerca do tema, preleciona Pedro Lenza:
49
50
“Como o próprio nome diz, a inconstitucionalidade formal, também conhecida como nomodinâmica, verifica-se quando a lei ou ato normativo infraconstitucional contiver algum vício em sua forma, ou seja, em seu processo de
formação, vale dizer, no processo legislativo de sua elaboração, ou, ainda,
em razão de sua elaboração por autoridade competente”. (2008, p. 161).
E continua o doutrinador, agora comentando sobre a inconstitucionalidade
nomodinâmica:
“Por seu turno, o vício material ( de conteúdo, substancial ou doutrinário) diz
respeito à “matéria”, ao conteúdo do ato normativo. Assim, aquele ato normativo que afrontar qualquer preceito ou princípio da Lei Maior deverá ser
declarado inconstitucional, por possuir um vício material. Não nos interessa
saber aqui o procedimento de elaboração da espécie normativa, mas, de fato, o seu conteúdo. Por exemplo, lei discriminatória que afronta o Princípio
da Igualdade”. (2008, p. 164).
Desse modo, a doutrina (majoritária) que defende a inconstitucionalidade da
imposição legal aos maiores de setenta anos do regime de separação de
bens,entende que a incompatibilidade do art. 1641, II, CC com a Constituição é de
ordem material, mais especificamente por violar diversos princípios constitucionais,
que serão apontados a seguir. Isto porque, diante dos esclarecimentos acima feitos,
não há mais duvidas acerca da possibilidade de se declarar inconstitucional um dispositivo com base unicamente na violação de princípios, cuja força normativa tornouse inquestionável
Vejamos o entendimento de Luís Roberto Barroso, também no mesmo sentido:
“A inconstitucionalidade material expressa uma incompatibilidade de conteúdo, substantiva entre a lei ou ato normativo e a Constituição. Pode traduzirse no confronto com uma regra constitucional – e.g., a fixação da remuneração de uma categoria de servidores públicos acima do limite constitucional (art. 37, XI) – ou com um princípio constitucional, como no caso de lei
que restringe ilegitimamente a participação de candidatos em concurso público, em razão do sexo ou da idade (art. 5º, caput e 3º, IV), em desarmonia
com o mandamento da isonomia. O controle material de constitucionalidade
pode ter como parâmetro todas as categorias de normas constitucionais: de
organização, definidoras de direito e programáticas”. (BARROSO apud
LENZA, 2008, p. 164).
50
51
4.2. Histórico da norma que impõe o regime de separação obrigatória para os maiores de setenta anos
4.2.1 Código Civil de 1916
Mesmo no Direito Romano, já tínhamos referências de normas que proibiam o matrimônio de pessoas que atingissem certa idade, como ocorria com a Lei
Papia Poppaea. Contudo, considerando a severa limitação que impunha à liberdade
dos cidadãos, foi revogada por Constantino e seus sucessores.
No Brasil, a imposição de restrições ao casamento de pessoas que ultrapassam certa idade não é novidade introduzida pelo legislador do Código Civil de
2002, pois já estava presente na Lei Civil de 1916.
A diferença fundamental entre os dois códigos reside no fato de que a Lei
1916, por ter sido editada em tempo pretérito à Constituição atual, não considerou a
igualdade plena entre homens e mulheres, consubstanciada no art. 5º, inciso I, da
Constituição Federal de 1988.
Por esta razão, o mencionado código impunha o regime de separação
obrigatória de bens para as mulheres, quando estas tivessem mais de 50 anos e,
diferentemente, para os homens, quando estes ultrapassassem os 60 anos de idade.
A justificativa para o tratamento desigual é que naquela época a mulher
tinha sua importância resumida apenas aos seus atributos físicos, de modo que ao
completarem 50 anos,considerava -se que sua beleza teria se esvaído, não sendo
mais capaz de despertar um amor verdadeiro. Assim, não sendo mais atraente à
vista da sociedade, qualquer um que dela se aproximasse com o intuito de com ela
51
52
se casar, estaria presumidamente interessado apenas nos proveitos econômicos a
serem auferidos em virtude da realização do matrimônio.
Estando tal pensamento completamente ultrapassado, em virtude da ascensão da mulher na sociedade e, principalmente no mercado de trabalho, fez-se
necessária a adaptação e consequente reforma da mencionada norma, estabelecendo-se a mesma idade limite para homens e mulheres.
4.2.2 Redação original do art. 1641 no Código Civil de 2002
Quando da entrada em vigor da Lei 10.406/02 (Código Civil de 2002), consoante já exposto, em obediência ao princípio da isonomia consagrado constitucionalmente em 1988, houve a equiparação da idade para homens e mulheres a partir da
qual lhes seriam necessariamente imposto o regime de separação absoluta de bens.
Assim, o inciso II do art. 1641, em sua redação originária, previa que seria
obrigatório o regime de bens no casamento “da pessoa maior de 60 (sessenta)
anos”.
Desse modo, o novo Código Civil, respeitando a necessária paridade entre os
cônjuges, aboliu a previsão de que a idade limitativa para a livre estipulação do regime de bens seria definida dependendo do sexo da pessoa. Afinal, há muito as razões elencadas pelo legislador de 1916 não mais encontram respaldo nos valores
da sociedade contemporânea, que enxerga com bons olhos a autonomia conquistada pela mulher e repudia qualquer tentativa discriminatória ou tratamento igualitário.
Desse modo, fixou-se a idade de sessenta anos para ambos os sexos, idade
limite para que homens e mulheres possa livremente estipular o regime de bens a
ser adotado. Sem dúvidas o Estatuto do Idoso (Lei 10741/03) teve grande relevância
para a fixação desta idade, pois em seu art. 1º prevê que são idosos aqueles que
completem sessenta anos.
52
53
Já nessa época, parcela considerável da doutrina condenava tal previsão
normativa, defendendo a tese de que seria ela inconstitucional. Em virtude de seu
grande valor acadêmico e por ser tema central desta obra, as diversas posições
doutrinárias acerca da separação obrigatória de bens elencada no inciso II do art.
1641, CC, serão abordadas em tópico próprio.
4.2.3 Lei 12344/10 e a nova redação do Código Civil
A Lei 12344/10 alterou o inciso II do art. 1641 do CC, passando o mencionado
dispositivo a estabelecer que seria obrigatório o regime da separação de bens para
os “maiores de setenta anos”. O projeto de lei foi de autoria da deputada Solange
Amaral (DEM-RJ) e visou, nas palavras da parlamentar, “acompanhar os avanços da
medicina, que aumentou a expectativa de vida do brasileiro, com manutenção da
higidez física e mental, mesmo com idade superior a sessenta anos".
Durante a discussão da proposta no Senado, a senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE), justificou ainda a alteração legislativa, aduzindo que os bens da pessoa idosa não só podem como devem ser partilhados da forma que ela entender ser
a melhor, "ainda que o futuro casamento não persista por muito tempo".
Desse modo, a inovação legislativa ocorreu com vistas a acompanhar o aumento da expectativa de vida dos brasileiros, objetivando que a limitação da liberdade destes de repartir seu patrimônio ocorresse em momento posterior em suas vidas.
Ocorre que a mencionada lei, e, consequentemente, a alteração que promovera no inciso II do art. 1641, CC, dividiu opiniões entre os doutrinadores. Há aqueles que entendem ser tal alteração um avanço no respeito aos direitos fundamentais
dos idosos, mas há também quem pense que a nova norma continua tão discriminatória quanto a anterior. Para estes últimos, não haveria justificativa plausível para se
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tolher a autodeterminação daqueles que, embora tenham alcançado certa idade,
continuam maiores e plenamente capazes.
Em verdade, havia forte expectativa doutrinária de que a referida Lei abrogasse o dispositivo anterior e não apenas atualizasse o limite etário. Vale dizer,
muitos juristas esperavam que, diante das Ações Diretas de Inconstitucionalidade
(ADI´s) impetradas perante o STF pretendendo a declaração de inconstitucionalidade do art. 1641, II do CC em sua redação originária, houvesse uma atuação mais
drástica do Poder Legislativo no sentido de revogar completamente o dispositivo
mencionado.
No entanto, os parlamentares, ao invés de abolir tal disposição discriminatória, optaram por mantê-la, apenas tentando atenuar a restrição imposta, que atualmente abrange parcela menor da sociedade, qual seja, os maiores de setenta anos.
Em comentário sobre o tema, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald trazem a
preciosa constatação:
“Também de nada adiantou o advento da Lei nº 12.34410, aumentando a
limitação de escolha do regime de bens de sessenta para setenta anos de
idade, pois a violação à dignidade humana continua presente. A única solução cabível, em interpretação civil-constitucional, por certo, é desatrelar a
idade das limitações impostas à escolha do regime de bens. Afinal, não se
esqueça de que uma pessoa com setenta anos pode (e isso acontece com
frequência) chefiar o Poder Executivo e escolher os destinos econômicos de
toda a nação, malgrado não possa, estranhamente, escolher seu próprio regime de bens”. (2011, p. 280).
4.3 Doutrina
4.3.1. Doutrina pela Inconstitucionalidade
A maior parte dos doutrinadores brasileiros seja diante da antiga redação do
art. 1641, II, CC (que previa a idade de sessenta anos para a obrigatoriedade da se54
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paração de bens), seja a partir da alteração promovida pela mencionada Lei
12344/10 (que aumentou o limite de idade para setenta anos), sempre se posicionou
contrariamente às mencionadas disposições, por vários motivos, a seguir explicitados.
Exemplo disso é a o Enunciado 125, elaborado na I Jornada de Direito Civil
que, tomando por base a antiga redação do art. 1641, II, CC, já defendia a revogação deste dispositivo. Eis o teor do enunciado:
A norma que torna obrigatório o regime da separação absoluta de bens em
razão da idade dos nubentes não leva em consideração a alteração da expectativa de vida com qualidade, que se tem alterado drasticamente nos últimos anos. Também mantém um preconceito quanto às pessoas idosas
que, somente pelo fato de ultrapassarem determinado patamar etário, passam a gozar da presunção absoluta de incapacidade para alguns atos, como contrair matrimônio pelo regime de bens que melhor consultar seus interesses.
Da mesma forma, a jurisprudência pátria, mesmo quando da vigência da antiga redação, também já vinha entendendo ser inconstitucional a mencionada norma,
por ser incompatível com Princípios como da Liberdade, Intimidade, Dignidade e
Não discriminação, todos de envergadura constitucional.
Entendem estes doutrinadores que tal restrição evidencia uma intervenção
excessiva e descabida do Estado nas relações privadas travadas entre indivíduos
maiores e capazes, o que se torna ainda mais absurdo quando se percebe que os
interesses em discussão são meramente patrimoniais.
Assim, tal postura do Poder Legislativo conflitaria também com um dos princípios basilares do Direito de Família, qual seja, o Princípio da Intervenção Mínima
do Estado. Com razão Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves ao ensinarem:
“Acresça-se, por igual, que a norma se põe em rota de colisão com o movimento de intervenção mínima do Estado nas relações de família, afrontando
a autonomia privada”. (2011, p. 279).
Lembra ainda a doutrina que os artigos 3º e 4º do Código Civil, que tratam
exaustivamente das incapacidades relativa e absoluta, não elencam a mera senili55
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dade como fator desencadeador da incapacidade civil. Em outras palavras, o simples envelhecimento de uma pessoa não seria suficiente para considerá-lo incapaz
de dispor de seu próprio patrimônio e determinar-se de acordo com seu próprio entendimento, não havendo óbice algum para que elegessem o regime de bens.
O tratamento conferido pelo Código Civil à matéria, pelo art. 1641, II, ensejaria, assim, o reconhecimento de verdadeira cláusula de “presunção absoluta de incapacidade decorrente da senilidade”, tendo efeitos de uma “interdição compulsória
parcial, para fins nupciais”, expressões estas utilizadas por Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, em sua obra (2011, p.280).
A doutrinadora Maria Berenice Dias, em seu artigo “Amor não tem idade”
lembra-nos de que:
“Ainda que aparentemente busque a lei preservar os interesses da família e
garantir direitos sucessórios à prole, a regra não admite exceções, não condicionando o interdito patrimonial à existência de filhos. Ou seja, mesmo
que o cônjuge “idoso” não tenha parentes sucessíveis, persiste o regime da
separação. De qualquer forma, ainda que essa fosse a intenção da lei, a
tentativa de preservar a herança dos descendentes esbarra na vedação do
art. 426, que reproduz a mesma restrição do art. 1.916 do Código Civil revogado, o qual inadmite o pacto sucessório.”
E arremata a eminente jurista, aduzindo:
“Não adianta fazer críticas e não apontar caminhos.
A conclusão que se afigura óbvia não é somente a necessidade de ser revogado o inc. II do art. 1.641, mas de todo o art. 1.641, que se reveste de
inconstitucionalidade gritante.
Não se trata somente de injustificável restrição que infringe o princípio
constitucional da liberdade. Igualmente há desrespeito ao princípio da
igualdade ao se conceder tratamento desigualitário entre o casamento
e a união estável. Persistir tal dispositivo no panorama legal codificado
atinge direito cravado na porta de entrada da Carta Política de 1988, cuja
nova tábua de valores coloca em linha de prioridade o princípio da dignidade da pessoa humana.
Mister atentar no aconselhamento de Paulo Lins e Silva, para que num futuro breve e próximo sejam revistos tais critérios legislativos, pois afastam o
direito natural de afeto, carinho e elevada sensibilidade que o ser humano
contém no seu interior, muitas vezes quando rebrota nessa terceira idade, o
amor para ser vivido na fase mais experiente da vida. Tornam-se semiincapazes, dependentes de normas arcaicas, discriminatórias e protetivas
daqueles que nada fizeram para a construção numa vida, de um patrimônio
simples ou representativo, cerceando um livre direito de se exercer sem
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condições a realização formal e completa de um matrimônio digno e volitivo.
Assim, impositivo é que, entre os projetos de reforma que já se avolumam,
conste mais um: a revogação do art. 1.641.
Enquanto a reforma não vem, imperioso que a jurisprudência, como
sempre e mais uma vez, desempenhe seu papel de não só fazer cumprir a lei, mas, antes e acima de tudo, velar pela efetividade da Constituição Federal. A Justiça não é cega nem surda. Precisa ter os olhos abertos para ver a realidade social e os ouvidos atentos para ouvir o clamor dos
que por ela esperam. Mister que os juízes deixem de fazer suas togas de
escudos para não enxergar a realidade, pois os que buscam a Justiça merecem ser julgados, e não punidos.
Por isso, devem os juízes deixar cair como letra morta dispositivo legal
que não tem vida, por não estar ao abrigo do manto da juridicidade.”
(grifos acrescidos).
Em nosso país temos vários exemplos de artistas, políticos e profissionais das
mais variadas áreas com mais de setenta anos, que permanecem ativos e lúcidos,
ou seja, plenamente capazes. O Código Civil, ao impor a esta parcela de idosos a
separação absoluta de bens, demonstra nítida postura patrimonialista, preocupada
apenas em salvaguardar o patrimônio do idoso e de sua família, deixando que o interesse sobre os bens prevaleça sobre a pessoa humana do idoso, o que seria uma
verdadeira inversão de valores.
Outrossim, como aponta a doutrina majoritária, o argumento de que a imposição do regime de separação leal seria uma defesa do nubente idoso e de sua família
contra eventuais “golpes do baú” e jovens oportunistas, não tem razão de ser. Alegam estes juristas que se fosse essa a intenção do legislador, teria ele excepcionado os casos de casamento entre idosos, o que não o fez. Vale dizer, basta que um
dos nubentes supere a idade de setenta anos para que esteja tolhido em sua liberdade de estipular o regime de bens, não importando a idade do outro nubente: poderia ele ser muito jovem ou até mesmo mais velho do que seu cônjuge.
Além disso, cumpre mencionar que o caput do art. 1641, CC diz expressamente ser obrigatório o regime da separação de bens no “casamento”, ou seja, numa interpretação literal do dispositivo, defendida por parte da doutrina, não teria o
legislador civilista incluído a união estável nestas condições. Em outras palavras,
estaria o legislador atribuindo à união estável tratamento mais benéfico do que ao
casamento, o que desrespeita o disposto no art. 226, §3, da Constituição Federal,
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que determina que o Estado facilite a conversão da união estável em casamento.
Ora, a lei civil, ao supostamente livrar os conviventes da restrição elencada no art.
1641, II, tem o efeito de estimulá-los neste regime de união, surtindo, pois, efeito
contrário ao pretendido pelo legislador constituinte.
Por essa razão, válido registrar a opinião de Maria Berenice Dias, em seu artigo “Amor não tem idade” sobre o tema acima exposto:
“Assim, injustificável e desigualitário o tratamento dispensado ao casamento
frente a união estável. As limitações impostas à vontade dos noivos torna
mais vantajosa a união informal. Diante da vedação à livre eleição do regime de bens, a solução mais lógica é simplesmente abandonar a idéia de
sacramentar a união pelo casamento. Mas, como persiste o desejo de constituição de família, para afastar as restrições legais, o jeito é viver em união
estável, sede em que não vigoram quaisquer impedimentos. Pelos precisos
termos do art. 1.725, na união estável o regime é o da comunhão parcial. Ao
depois, por meio de contrato é possível fazer qualquer estipulação sobre
questões patrimoniais. Assim não há maneira mais fácil para afastar a intervenção estatal e adotar o regime que melhor atende à realidade da vida e à
vontade do par, do que escolher a união estável como modalidade de convívio.”
Ademais, no que se refere a um possível estímulo nas uniões estáveis em
virtude do que fora comentado, imprescindível registrar o Enuciado 261 da III Jornada de Direito Civil, elaborado quando da antiga redação do art. 1641, II, CC, que
diz: “A obrigatoriedade do regime de separação de bens não se aplica à pessoa
maior de sessenta anos, quando o casamento for precedido de união estável iniciada antes dessa idade”.
Por certo o mencionado enunciado visava abrandar os rigorismos da lei, na
tentativa de ser justo nos casos em que a existência de convivência anterior ao matrimônio, em idade inferior àquela estipulada como limite, reforçava a ideia de que a
união tinha realmente sido estabelecida por laços amorosos e não com fins menos
nobres.
Sílvio Rodrigues afirma ser a norma esculpida no art. 1641, II do Código Civil,
”atentatória da liberdade individual” por entender que a tutela excessiva do Estado
sobre a pessoa maior e capaz seria descabida e injustificável. Referindo-se à redação anterior do mencionado dispositivo, lembra-nos de que:
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“Talvez se possa dizer que uma das vantagens da fortuna consiste em aumentar os atrativos matrimoniais de quem a detém. Não há inconveniente
social de qualquer espécie em permitir que um sexagenário ou uma sexagenária ricos se casem pelo regime da comunhão, se assim lhes aprouver”.
(RODRIGUES apud CONÇALVES, 2012, p. 466).
No mesmo sentido, Caio Mário da Silva Pereira ensina que a restrição Capitulada no art. 1641, II, CC:
“não encontra justificativa econômica ou moral, pois que a desconfiança
contra o casamento dessas pessoas não tem razão para subsistir. Se é certo que podem ocorrer matrimônios por interesse nessas faixas etárias, certo
também que em todas as idades o mesmo pode existir.” (PEREIRA apud
GONÇALVES, 2012, p. 466)
Digno de nota também é o posicionamento da jurista Maria Berenice Dias,
que, comentando a antiga redação do art. 1641, II, CC (que previa a idade limite de
sessenta anos), faz o seguinte comentário:
“Das várias previsões que visam a suspender a realização do casamento,
nenhuma delas justifica o risco de gerar enriquecimento sem causa. Porém,
das hipóteses em que a lei determina o regime de separação obrigatória de
bens, a mais desarrazoada é a que impõe tal sanção aos nubentes maiores
de 60 anos (CC 1.641 II), em flagrante afronta ao Estatuto do Idoso. A limitação da vontade, em razão da idade, longe de se constituir em uma
precaução (norma protetiva), se constituiu em verdadeira sanção. Somente quando o casamento é antecedido de união estável não vigora a
odiosa restrição, podendo os noivos optarem pelo regime de bens que
desejarem.
Para todas as outras previsões legais que impõem a mesma sanção, ao
menos existem justificativa de ordem patrimonial. Consegue-se identificar a
tentativa de proteger o interesse de alguém. Mas, com relação aos idosos,
há presunção jus et de jure de total incapacidade mental. De forma aleatória
e sem buscar sequer algum subsídio probatório, o legislador limita a capacidade de alguém exclusivamente para um único fim: subtrair a liberdade de
escolher o regime de bens quando do casamento. A imposição da incomunicabilidade é absoluta, não estando prevista nenhuma hipótese de ser
afastada a condenação legal”. (2010, p. 246-247)
Pelos motivos acima expostos e por outros que ainda serão citados, autores
de renome, como os acima referidos, e ainda Euclides Benedito de Oliveira e Paulo
Luiz Neto Lôbo também criticam a imposição legal do regime de separação obrigató59
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ria para os maiores de setenta anos, sustentando, inclusive, a inconstitucionalidade
do art. 1641, II, CC. Entendem que tal dispositivo, sem nenhuma razão plausível,
atenta contra a dignidade humana, por restringir a autonomia do idoso e tolher-lhe a
liberdade de contrair novas núpcias.
Ora, com o avanço tecnológico e o consequente avanço da medicina, a expectativa de vida tende a aumentar cada vez mais e o acesso à informação também
cresce no mesmo ritmo, o que permite que todas as pessoas, e não há razão para
excepcionar os maiores de setenta anos desta regra, estejam sempre bem informadas e atualizadas, contrariando a presunção de alienação e vulnerabilidade conferida pela lei civil a essa parcela da população.
Para a defesa da inconstitucionalidade do artigo que trata do regime de separação obrigatória para os maiores de setenta anos, a doutrina enumera uma série de
dispositivos constitucionais, além de princípios e valores dotados de normatividade,
que supostamente estariam sendo violados. Trata-se, portanto, de inconstitucionalidade por vício material, pois a norma em comento (art. 1641, II, CC) violaria a Constituição, em suas normas e princípios, por ser incompatível com o conteúdo destes.
O primeiro dos dispositivos constitucionais supostamente violado seria o art.
5º, I, CF, que, consagrando o Princípio da Igualdade, ensina que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”.
Comentando a violação ao mencionado princípio, no artigo multicitado, Maria
Berenice Dias argumenta:
“A limitação, além de odiosa, é inconstitucional, pois, ao se falar no
estado da pessoa,toda cautela é pouca. A plena capacidade é adquirida quando do implemento da maioridade e só pode ser afastada em situações extremas e por meio do processo judicial de interdição, que
dispõe de rito especial (arts. 1.177 a 1.186 do CPC). É indispensável não só
a realização de perícia, mas também é obrigatória audiência onde o interditando é interrogado pelo magistrado. Raros processos são revestidos de
tantos requisitos formais, sendo imperiosa a publicação da sentença na imprensa por três vezes. Tal rigorismo denota o extremo cuidado do legislador
quando trata da capacidade da pessoa (grifos acrescidos).”
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O Princípio da Dignidade Humana é também argumento comumente utilizado
pelos juristas para defender a inconstitucionalidade do art. 1641, II, CC. Senão, vejamos o posicionamento dos professores Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald:
“A melhor orientação, portanto, é reconhecer que a norma que torna
obrigatório o regime da separação absoluta de bens em razão da idade
dos nubentes (qualquer que seja ela) é manifestamente inconstitucional, malferindo o princípio da dignidade da pessoa humana, um dos
fundamentos das República, inscrito no pórtico da Carta Magna ( art.
1º, III, CF). Isto porque introduz um preceito quanto às pessoas idosas que,
somente pelo fato de ultrapassarem um patamar etário, passam a gozar da
presunção absoluta de incapacidade para alguns atos, como contrair matrimônio pelo regime de bens que melhor consultar aos seus interesses, como
consta do Enunciado 125 da Jornada de Direito Civil (grifos acrescidos).”
(2011, p. 280-281).
Mais uma vez, prelecionam os autores supracitados:
“Efetivamente, trata-se de dispositivo legal inconstitucional, às escâncaras,
ferindo frontalmente o fundamental principio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), por reduzir a sua autonomia como pessoa e constrangêlo pessoal e socialmente, impondo uma restrição que a norma constitucional
não previu”. (FARIAS e ROSENVALD, 2011, v.6, p. 278).
Registre-se ainda, por oportuno, as discussões surgidas da III Jornada de Direito Civil acerca do tema, com ênfase nas palavras do Desembargador do Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul, Luiz Felipe Brasil Santos, que assim se procunciou:
"A obrigatoriedade do regime da separação de bens para as pessoas
que celebrarem matrimônio a partir de determinada faixa etária (seja
ela qual for), atenta contra o princípio maior da dignidade da pessoa
humana, fundamento da República. Nos dias que correm não mais se justifica essa odiosa regra restritiva, fruto de um superado Código marcadamente patrimonialista, como o de 1916, e incompatível com o espírito da legislação codificada hoje vigente, que sobreleva a dignidade da pessoa humana.Nessa perspectiva, havendo incapacidade do idoso para casar, a situação resolve-se pela interdição. Porém, sendo plenamente capaz, deve
sê-lo para a prática de todos os atos da vida civil, inclusive para suportar as
conseqüências patrimoniais do casamento, nenhuma razão existindo para
essa capitis diminutio, resultante de uma inconsistente presunção de incapacidade, que, para esses efeitos, torna-se até absoluta (grifos acrescidos)".
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(Jornada de Direito Civil 3/Organização Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Brasília: CJF. 2005. p. 372).
Também o art. 226, §7, CF, no entender da doutrina majoritária, estaria sendo
violado pelo art. 1641, II, CC. Isto porque o mencionado dispositivo constitucional
consagra que “o planejamento familiar é de livre decisão do casal”, o que englobaria
também a estipulação do regime de bens, que deveria ser livremente estipulado pelos cônjuges, como expressão da autonomia que possui qualquer unidade familiar.
O art. 230, CF, ao prever que “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de
amparar as pessoas idosas”, parece também não querer que exatamente esta camada da população seja alvo de dispositivos infraconstitucionais discriminatórios. O
protecionismo não pode ser exacerbado ao ponto de reduzir de sobremaneira a autodeterminação dos maiores de setenta anos sem nenhuma razão justificável.
Acrescentam ainda Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald que “a norma se
põe em rota de colisão com o movimento de intervenção mínima do Estado nas relações de família, afrontando a autonomia privada”. E continuam:
“É caso, certamente, de controle de constitucionalidade difuso, impondo-se aos juízes, no julgamento das mais variadas causas e na homologação das habilitações para o casamento, reconhecerem a inconstitucionalidade do dispositivo codificado. E, por que não dizer, é caso
também de atuação do controle de constitucionalidade concentrado,
provocado pelos legitimados constitucionalmente, pois o atentado aos
valores constitucionais é evidente ao se presumir, de forma absoluta,
uma incapacidade inexistente (grifos acrescidos)”. (2011, p. 280).
4.3.2 Doutrina Intermediária
Há ainda uma corrente doutrinária que, embora defenda a inconstitucionalidade de tal restrição, recomenda que haja ponderações no caso concreto. Não admitem tais estudiosos a imposição genérica e indiscriminada (a todos os maiores de
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setenta anos) do regime de separação obrigatória, pois seria flagrantemente discriminatória, já que tal desprovida de qualquer justificativa científica.
Defendem, pois, que tal limitação restrinja-se àqueles idosos que de fato, por
alguma razão, como problemas psíquicos ou distúrbios mentais, não sejam capazes
de decidir seu regime de bens com clareza e segurança e, o mais, importante, haja o
risco de causar prejuízos para si mesmo.
Filiando-se a esta corrente mais moderada, Silmara Juny Chinelato aduz:
“A plena capacidade mental deve ser aferida em cada caso concreto,
não podendo a lei presumi-la, por mero capricho do legislador que simplesmente reproduziu razões de política legislativa, fundadas no Brasil no
início do século passado (grifos acrescidos).” (CHINELATO apud GONÇALVES, 2012, p. 468).
Parece ser esse também o entendimento de Maria Helena Diniz, que apenas
entende que se justificaria tal restrição caso o idoso estivesse sob interdição em decorrência da sua incapacidade, mesmo que parcial, para os atos da vida civil. Seria
pertinente, a seu ver, “não olvidar que o nubente, que sofre tal capitis diminutio imposta pelo Estado, tem maturidade suficiente para tomar uma decisão relativamente
aos seus bens”. (2009, p. 193).
4.3.3 Doutrina pela Constitucionalidade
Conforme já explicitado acima, a doutrina majoritária entende ser inconstitucional a imposição, aos maiores de setenta anos, do regime de separação obrigatória.
Entretanto, há parcela doutrinária, embora claramente minoritária, mas não
sem menos prestígio, que defende a constitucionalidade de tal restrição. Alegam
esses doutrinadores que em muitos casos nosso ordenamento jurídico impõe a restrição do exercício de determinados direitos, para que outros, de maior relevância,
sejam protegidos.
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Entendem que o art. 1641, II, CC contém cláusula limitadora da liberdade das
pessoas acima de 70 anos para que o instituto da família, tão caro ao Direito Civil,
seja protegido dos meros interesses financeiros de oportunistas. Assim, tal dispositivo objetiva impedir que o instituto da família, célula mater da sociedade, seja formado por outras razões que não o amor e a vontade de estabelecer uma vida em comum.
Comungando desse pensamento, Regina Beatriz Tavares da Silva, atualizadora da obra de Washington de Barros Monteiro, talvez o grande expoente da doutrina defensora do art. 1641, II, CC, destaca que:
“Com o devido respeito pelas posições contrárias ao regime da separação de bens e sua aplicabilidade obrigatória aos casamentos daqueles que contam mais de setenta anos de idade, é preciso lembrar que o
direito à liberdade, tutelado pela Lei Maior, em vários incisos de seu
art. 5º, é o poder de fazer tudo o que se quer, nos limites resultantes do
ordenamento jurídico. Portanto, os limites à liberdade individual existem em várias regras desse ordenamento, especialmente no direito de
família, que vão dos impedimentos matrimoniais (art. 1521, I a VII), que vedam o casamento de certas pessoas, até a fidelidade, que limita a liberdade
sexual fora do casamento (art. 1566, I). É ainda de salientar que não pode o
direito de família aceitar que, se reconhecidos os maiores atrativos de quem
tem fortuna, um casamento seja realizado por meros interesses financeiros,
em prejuízo dos cônjuges idosos e de seus herdeiros.
Como bem justificou o senador Josaphat Marinho na manutenção do
art. 1641, II, do atual Código Civil, trata-se de prudência legislativa em
favor de das pessoas e de suas famílias, considerando a idade dos nubentes. Conforme os anos passam, a idade avançada acarreta maiores
carências afetivas e, portanto, maiores riscos corre aquele que tem
mais de setenta anos de sujeitar-se a um casamento em que o outro
nubente tenha em vista somente vantagens financeiras, ou seja, em
que os atrativos matrimoniais sejam pautados em fortuna e não no afeto. Possibilitar, por exemplo, a adoção do regime de comunhão universal de bens, num casamento assim celebrado, pode acarretar consequências desastrosas ao cônjuge idoso, numa dissolução inter vivos
de sua sociedade conjugal, ou mesmo a seus filhos, numa dissolução
causa mortis do casamento (grifos acrescidos)”. (2011, p. 302).
Desse modo, para esta parcela doutrinária, o protecionismo em face dos idosos maiores de setenta anos não pode ser confundido com preconceito ou mesmo
discriminação. Tratam-se, no entender destes, de medidas protecionistas, estando
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em total consonância com o art. 230, CF, que prevê que “a família, a sociedade e o
Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas”.
Mesmo para estes doutrinadores que entendem ser constitucional a norma do
art. 1641, II, CC, defendem eles que é preciso observar o Enunciado 261, já mencionado, que livra os maiores de sessenta anos da imposição do regime de separação
obrigatória, caso o casamento tenha sido precedido de união estável. Ora, tal conclusão baseia-se na constatação de que, nesses casos, o matrimônio é mera continuação da entidade familiar que já estava formada com a união estável, razão pela
qual descabe a aplicação da imposição legal do aludido regime.
Outrossim, válido registrar que há jurisprudência também nesse sentido, qual
seja, de reconhecer a plena validade da norma esculpida no art. 1641, II, CC, para a
qual foi reservada o tópico seguinte.
4.4 Jurisprudência
Conforme já ressaltado, a jurisprudência pátria não é uníssona no que se refere às implicações advindas da imposição do regime de separação legal aos maiores de setenta anos. Isto porque as discussões não giram apenas em torno da constitucionalidade ou não do art. 1641, II, CC, surgindo outros temas igualmente controvertidos, tais quais a aplicabilidade desta imposição às uniões estáveis, por exemplo.
Registre-se o acórdão relatado pelo hoje ministro do STF, Cézar Peluso,
quando desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no qual já
se manifestava pela inconstitucionalidade da imposição do regime de separação
obrigatória aos idosos (na época sexagenários), esculpida no § único, inciso II, do
art. 258 do CC/1916 (correspondente ao art. 1641, II, CC/2002).
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Doador já sexagenário.Validez. Atos não ajustados em pacto antenupcial,
nem condicionados à realização do casamento. Inocorrência de fraude à lei.
Inaplicabilidade do art. 312 combinado com 258, §2 do Código Civil. É válida, embora feita por doador sexagenário à companheira com quem veio a
casar-se depois, doação não ajustada em pacto antenupcial, nem condicionada doutro modo à realização do casamento. 2. Regime de Bens. Separação Legal Obrigatória. Nubente sexagenário. Doação ao consorte.
Validez. Inaplicabilidade do § 2 do art. 258 do Código Civil, que não foi
recepcionado pela ordem jurídica da Constituição Federal em vigor.
Improcedência da ação anulatória. Improvimento dos recursos. É válida toda doação feita ao outro que se casou sexagenário, porque, sendo incompatível com as cláusulas constitucionais de tutela da dignidade da pessoa humana, da igualdade jurídica e da intimidade,bem
como com a garantia do justo processo da lei, tomado na acepção
substantiva (substantive due process of law), já não vige a restrição
cominada no art. 258, § único, II do Código Civil (grifos acrescidos)”
(TJSP; Apelação Cível nº 007.512-4/- 00, 2ª Câmara Cível de Direito Privado; Relator: Desembargador Cézar Peluso; Julgamento em: 18.08.1998.
RT 758-106)
E continua o ministro:
"Deduzir, com pretensão de valor irrefutável e aplicação geral, homens e
mulheres, considerados no ápice teórico do ciclo biológico e na plenitude
das energias interiores, à condição de adolescentes desvairados, ou de
neuróticos obsessivos, que não sabem guiar-se senão pelos critérios irracionais das emoções primárias, sem dúvida constitui juízo que afronta e
amesquinha a realidade humana, sobretudo quando a evolução das condições materiais e espirituais da sociedade, repercutindo no grau de expectativa e qualidade de vida, garante que a idade madura não tende a corromper, mas a atualizar as virtualidades da pessoa, as quais constituem o substrato sociológico da noção da capacidade jurídica. [...] Não é tudo. A eficácia
restritiva da norma estaria, ainda, a legitimar e perpetuar verdadeira degradação, a qual, retirando-lhe o poder de dispor do patrimônio nos limites do
casamento, atinge o cerne mesmo da dignidade da pessoa humana, que é
um dos fundamentos da República (art. 1º, inc. III, da Constituição Federal),
não só porque a decepa e castra no seu núcleo constitutivo de razão e vontade, na sua capacidade de entender e querer, a qual, numa perspectiva
transcendente, é vista como expressão substantiva do próprio Ser, como
porque não disfarça, sob as vestes grosseiras de paternalismo insultuoso,
todo o peso de uma intromissão estatal indevida em matéria que respeita,
fundamentalmente, à consciência, intimidade e autonomia do cônjuge"
(TJSP. Apelação Cível nº 007512-4/2-00; , 2ª Câmara Cível de Direito Privado; Relator: Desembargador Cezar Peluso, São José do Rio Preto, Julgamento:18/08/1998)
Há diversos julgados nos quais, os juízes e desembargadores, exercendo
controle de constitucionalidade difuso, afastam a aplicabilidade do art. 1641, II, CC,
por considerá-lo inconstitucional.
66
67
Neste contexto, vejamos as decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça do
Estado de Sergipe, que também defendeu a inconstitucionalidade do inciso II do art.
1641, CC, ainda em sua redação originária. Eis as ementas do julgado:
INCIDENTE DE INCOSNTITUCIONALIDADE - REGIME DE BENS - SEPARAÇÃO LEGAL OBRIGATÓRIA - NUBENTE SEXAGENÁRIO - INCISO
II, DO ART. 1.641, DO CÓDIGO CIVIL - DISPOSITIVO QUE FERE O DIREITO FUNDAMENTAL DO CÔNJUGE DE DECIDIR QUANTO À SORTE
DE SEU PATRIMÔNIO DISPONÍVEL - PRESUNÇÃO DE INCAPACIDADE
POR
IMPLEMENTO
DE
IDADE
INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA. - O disposto no inciso II, do art. 1.641, do CC exprime
exigência legal que irradia afronta à dignidade humana abarcando sem
critérios válidos cidadãos plenamente capazes e com extrema carga de
experiência de vida, igualando-os às pessoas sem capacidade civil
(grifos acrescidos). (TJ/SE; Acordão nº 201011738; Processo nº
2010107802; Incidente de Inconstitucionalidade nº 0003/2010; Juiz convocado:Jose dos Anjos; Julgamento em: 17/11/2010).
APELAÇÃO CÍVEL - REGIME DE BENS -SEPARAÇÃO LEGAL OBRIGATÓRIA - NUBENTE SEXAGENÁRIO - LEI QUE FERE O DIREITO FUNDAMENTAL DO CÔNJUGE DE DECIDIR QUANTO À SORTE DE SEU
PATRIMÔNIO DISPONÍVEL - PRESUNÇÃO DE INCAPACIDADE POR
IMPLEMENTO DE IDADE - DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 1641, II, DO NCC E 258, P.U. INCISO II DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO, MAS PARA
NEGAR-LHE PROVIMENTO. DECISÃO UNÂNIME. (TJ/SE; Apelação Cível
nº 8626/2009, 2ª Vara Cível de Aracaju, Relator: Des. Osório de Araujo Ramos Filho; Julgado em 02/05/2011).
Ainda acerca da inconstitucionalidade do art. 1641, II, CC, registre-se ainda
os seguintes acórdãos, extraídos de outros tribunais:
ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS. NUBENTE MAIOR DE 60 ANOS.
PRINCÍPIO DA ISONOMIA. NÃO RECEPÇÃO DO ART. 258, § ÚNICO, II,
DO CC DE 1916 PELA CR/88. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART.
1.641, II, DO CC. CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. INTELIGÊNCIA DO ART. 97 DA CR/88. 1. É necessário que a Corte Superior se
pronuncie sobre a não recepção do art. 258, parágrafo único, inciso II,
do Código Civil de 1916 pela CR/88, bem como sobre a inconstitucionalidade do art. 1.641, II, do CC, de forma que somente após este precedente o órgão fracionário possa declará-la, diante da cláusula de reserva de
plenário prevista no art. 97 da Constituição da República. 2. Suscitar relevância da questão (grifos acrescidos). (TJ/MG, Apelação Cível
1.0702.09.649733-5/001; Rel. Des.(a) Vieira de Brito, 8ª CÂMARA CÍVEL,
Julgamento em 12/08/2010; Publicação da súmula em 18/11/2010).
ANULAÇÃO DE DOAÇÃO. REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE
BENS. Descabe a anulação de doação entre cônjuges casados pelo regime
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68
da separação obrigatória de bens, quando o casamento tenha sido precedido de união estável. Outrossim, o art. 312, CC veda tão somente as doações realizadas por pacto antenupcial. A restrição imposta pelo inciso II
do art. 1641 do Código vigente, correspondente do inciso II do art. 1641
do Código vigente, correspondente do inciso II do art. 258 do CC/1916
é inconstitucional, ante o atual sistema jurídico que tutela a dignidade
da pessoa humana como cânone maior da Constituição Federal, revelando-se de todo descabida a presunção de incapacidade por implemento de idade (grifos acrescidos). (TJRS; Apelação Cível 70004348769,
Sétima Câmara Cível; Relatora Das. Maria Berenice Dias, j. 27/08/2003).
CASAMENTO – Regime de separação de bens imposto pelo art. 258,
par. ún., II, do CC – Norma incompatível com os arts. 1º, III, e 5º, I, X e
LIV, da CF – Inadmissibilidade de se conferir à cônjuge sobrevivente direito
em menor extensão que o previsto pela convivente – Aplicação analogia legis do art. 226, § 3º, da CF e do art. 7º, par. ún., da Lei 9.278/96. A norma
estampada no art. 258, par. ún., II, do CC, não foi recepcionada pela ordem jurídica atual por ser incompatível com os arts. 1º, III, e 5º, I, X e
LIV, da CF. Afastado, portanto, o regime obrigatório de separação de
bens, não se justifica a aplicação do disposto no art. §1º do art. 1.611
do CC. Aplicando-se a analogia legis, não se pode conferir à cônjuge sobrevivente direito em menor extensão que o previsto em lei para a simples
convivente, consoante art. 226, §3º, da Constituição da República e o que
dispõe o art. 7º, par. ún., da Lei 9.278/96, que, com base na regra constitucional, confere ao convivente sobrevivo o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência familiar (grifos acrescidos) .” (TJSP;
AC nº 74.788-4/6 – 10ª CCTJSP – rel. Des. Paulo Menezes – j. em
13.04.1999 – in RT 767/224).
“ANULAÇÃO DE DOAÇÃO. PRELIMINARES. REJEIÇÃO. CASAMENTO
REALIZADO PELO REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA. CÔNJUGE
SEXAGENÁRIO. VALIDADE DA DOAÇÃO FEITA À ESPOSA DESDE QUE
OBSERVADA A LEGÍTIMA. PRINCÍPIO DA LIVRE DISPOSIÇÃO DOS
BENS. Alargar o sentido da norma prevista no artigo 1641, II do CC para proibir o sexagenário, maior e capaz, de dispor de seu patrimônio da
maneira que melhor lhe aprouver, é um atentado contra a sua liberdade
individual. A aplicação da proibição do cônjuge, já de tenra idade, fazer
doação ao seu consorte jovem, deve ser aplicada com rigor naquelas hipóteses onde se evidencia no caso concreto que o nubente mais velho já não
dispõe de condições para contrair matrimônio, deixando claro que este casamento tem o único objetivo de obtenção de vantagem material”. (TJMG;
AC 1.0491.04.911594-3/001; Pedralva; Primeira Câmara Cível; Relª Desª
Vanessa Verdolim Hudson Andrade; Julg. 29/03/2005; DJMG 29/04/2005).
Entretanto, embora seja minoritária, há também jurisprudência no sentido contrário. Vale dizer, há ainda decisões atreladas à frieza da lei, que, revelando postura
nitidamente patrimonialista, entende ser perfeitamente compatível com a ordem
constitucional o art. 1641, II, CC:
68
69
APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. VARÃO SEXAGENÁRIO AO TEMPO DO INÍCIO DO RELACIONAMENTO. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE
BENS. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 377 DO STF. INTERPRETAÇÃO
RESTRITIVA DESSE ENUNCIADO. PARTILHA MEDIANTE PROVA DE
CONTRIBUIÇÃO DOS BENS HAVIDOS NA VIGÊNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL. 1. Não há vício material na norma do inciso II do art. 1.641 do
CCB, uma vez que a própria Constituição Federal - e, destacadamente,
a Lei nº 10.741/03 - estabelece necessidade de proteção especial e diferenciada às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos- em consonância com o intuito da regra do Código Civil (na redação anterior à
atual, que torna obrigatório o regime de separação de bens somente a
partir dos 70 anos). 2. Aplica-se às uniões estáveis a regra de separação obrigatória/legal de bens, sob pena de tratamento privilegiado
dessa entidade familiar. Precedente do STJ. 3. Incidente, também, por
decorrência, a Súmula nº 377 do STF, em sua interpretação restritiva,
que exige prova de contribuição, aos moldes de uma sociedade de fato. Entender em sentido diverso significa descaracterizar o próprio regime
de separação de bens, porquanto, ao fim e ao cabo, a presunção de contribuição seria uma forma de burlar a regra, transformando esse regime em
uma verdadeira comunhão parcial. 4. Não há nos autos mínima comprovação de que a autora tenha efetivamente contribuído na aquisição dos bens
que pretende partilhar, o que leva à improcedência do pleito. POR MAIORIA, NEGARAM PROVIMENTO (grifos acrescidos). (TJ/RS; Apelação Cível
Nº 70043554161; Oitava Câmara Cível; Relator: Luiz Felipe Brasil Santos,
Julgado em 04/08/2011)
Merecem destaque também outras ementas que tratam especificamente
acerca da aplicabilidade da Súmula 277 do STF, que prevê que “no regime da separação legal de bens comunicam-se aos adquiridos na constância do casamento”.
Isto porque há juristas que exigem prova de que a aquisição de bens se deu
pelos esforços de ambos os cônjuges e há aqueles que não façam tal exigência,
bastando que o acúmulo desses bens tenha ocorrido na constância da sociedade
conjugal. Vejamos:
Vejamos alguns arrestos jurisprudenciais sobre o tema:
“SEPARAÇAO LITIGIOSA. PARTILHA E ALIMENTOS. REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. SÚMULA Nº 377 DO STF. PARTILHA
DOS BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. Recurso
do marido, provido em parte, tão somente para reduzir os alimentos devidos
ao filho comum.” (TJSP; AC 584.519.4/3; Ac. 3327460; São José do Rio
Preto; Quarta Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Teixeira Leite; Julg.
16/10/2008; DJESP 04/02/2009);
“CASAMENTO. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA. SÚMULA Nº 377, DO STF.
PRECEDENTES DO STJ. Recurso provido para admitir a comunhão de
69
70
aqüestos, mesmo em regime de separação obrigatória, pelo simples fato de
terem sido adquiridos na constância do casamento, não importando que hajam resultado ou não do esforço comum”.(TJSP; APL-Rev 176.318.4/6; Ac.
3362670; Décima Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Octavio Helena;
Julg. 04/11/2008; DJESP 12/01/2009);
CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO
LIMITADO. DISSÍDIO NÃO APRESENTADO. INVENTÁRIO. CASAMENTO
CONTRAÍDO NA ÁUSTRIA. REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS, CONSOANTE A LEI DAQUELE PAÍS, POR FALTA DE PACTO ANTENUPCIAL
EM SENTIDO CONTRÁRIO. VINDA PARA O BRASIL. AQUISIÇÃO DE PATRIMÔNIO AO LONGO DA VIDA EM COMUM. FALECIMENTO DO CÔNJUGE VARÃO. DECLARAÇÃO DE BENS, CONSTANDO APENAS AQUELES EM NOME DO DE CUJUS. IMPUGNAÇÃO PELA FILHA DO PRIMEIRO CASAMENTO. AQÜESTOS. COMUNICAÇÃO. RESSALVA QUANTO
AOS HAVIDOS PELO ESFORÇO EXCLUSIVO/DOAÇÃO/HERANÇA DA
CÔNJUGE MULHER. LICC, ART. 7º, § 4º CC, ART.259. SÚMULA N. 377STF. I. Apesar de o casamento haver sido contraído pelo regime da separação de bens no exterior, os bens adquiridos na constância da vida comum,
quase à totalidade transcorrida no Brasil, devem se comunicar, desde que
resultantes do esforço comum. II. Exclusão, portanto, do patrimônio existente em nome da viúva, obtido pelo labor individual, doação ou herança, incorporando-se os demais ao espólio do cônjuge varão, para partilha e meação, a serem apurados em ação própria. III. Recurso especial conhecido em
parte e parcialmente provido. (STJ, Processo: REsp 123633 SP
1997/0018091-3, Relator(a): Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Julgamento:17/03/2009, Órgão Julgador: T4 - QUARTA TURMA, Publicação:
DJe 30/03/2009).
No que se refere à aplicabilidade do art. 1641, II, CC às uniões estáveis parece que a jurisprudência também diverge:
APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO ADESIVO. UNIÃO ESTÁVEL. 1) REGIME
DE BENS. ART. 1.641, II, CC/02. INAPLICABILIDADE. Não se aplica à união estável o art. 1.641, II, CC/02, por afronta ao princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana, e pelo descabimento de aplicação analógica
para restringir direitos. O regime de bens na união estável é o da comunhão
parcial, ainda que um dos companheiros tivesse mais de sessenta anos. 2)
DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. Ainda que a autora não tenha requerido o
direito real de habitação, ele pode ser concedido de ofício. 3) MEAÇÃO.
SUB-ROGAÇÃO NÃO DEMONSTRADA. A sub-rogação, para ser reconhecida, deve restar inequivocamente demonstrada. Inexistindo tal prova nos
autos, concede-se o direito de meação à autora sobre o imóvel adquirido na
vigência da união estável. Apelação da sucessão/ré desprovida. Recurso
adesivo da autora provido. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (TJ/RS; Apelação Cível Nº 70023452725, Oitava Câmara Cível, Relator: José Ataídes Siqueira
Trindade, Julgado em 08/05/2008)
RECURSO ESPECIAL - UNIÃO ESTÁVEL - APLICAÇÃO DO REGIME DA
SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS, EM RAZÃO DA SENILIDADE DE
70
71
UM DOS CONSORTES,
CONSTANTE
DO
ARTIGO
1641, II,
DO CÓDIGO CIVIL, À UNIÃO ESTÁVEL -NECESSIDADE - COMPANHEIRO SUPÉRSTITE - PARTICIPAÇÃO NA SUCESSÃO DO COMPANHEIRO
FALECIDO QUANTO AOS BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DA
UNIÃO ESTÁVEL - OBSERVÂNCIA - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 1790, CC - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I - O artigo 1725 do Código Civil preconiza que, na união estável, o regime de bens
vigente é o da comunhão parcial. Contudo, referido
receito legal não encerra um comando absoluto, já que, além de conter inequívoca cláusula restritiva ("no que couber"), permite aos companheiros que contratarem, por
escrito,
de
forma
diversa;
II - A não extensão do regime da separação obrigatória de bens, em razão
da senilidade do de cujus, constante do artigo 1641, II, do Código Civil, à
união estável equivaleria, em tais situações, ao desestímulo ao casamento,
o
que,
certamente,
discrepa
da
finalidade
arraigada no ordenamento jurídico nacional, o qual se propõe a facilitar a
convolação da união estável em casamento, e não o contrário; IV - Ressalte-se, contudo, que a aplicação de tal regime deve inequivocamente sofrer a
contemporização do Enunciado n. 377/STF, pois os bens adquiridos na
constância, no caso, da união estável,devem comunicar-se, independente
da prova de que tais bens são provenientes do esforço comum, já que a solidariedade, inerente à vida comum do casal, por si só, é fator contributivo
para a aquisição dos frutos na constância de tal convivência; V - Excluída a
meação, nos termos postos na presente decisão, a companheira supérstite
participará da sucessão do companheiro falecido em relação aos bens adquiridos onerosamente na constância da convivência (período que não se
inicia com a declaração judicial que reconhece a união estável, mas, sim,
com a efetiva convivência), em concorrência com os outros parentes sucessíveis (inciso III, do artigo 1790, CC).VI - Recurso parcialmente provido.
(STJ, REsp 1090722/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA
TURMA, julgado em 02/03/2010, DJe 30/08/2010).
Por fim, interessante observar a repercussão do Enunciado 261 da III Jornada
de Direito Civil, que, inspirado na redação anterior do Código Civil, exime os maiores
de sessenta anos da imposição do regime de separação obrigatória de bens, desde
que tenham os nubentes estabelecido união estável anteriormente. Vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL - PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA MODIFICAÇÃO DO REGIME MATRIMONIAL DE BENS - SENTENÇA QUE
DECLAROU EXTINTO O PROCESSO POR AUSÊNCIA DAS CONDIÇÕES
DA AÇÃO - LEGITIMIDADE E INTERESSE PARA PLEITEAR A RESPECTIVA ALTERAÇÃO, QUE ENCONTRARIA RESPALDO NO ART. 1.639,§ 2º,
DO CC - MATRIMÔNIO CONTRAÍDO QUANDO OS INSURGENTES POSSUÍAM MAIS DE 60 (SESSENTA) ANOS DE IDADE - SEPARAÇÃO
OBRIGATÓRIA DE BENS - PRETENDIDA MODIFICAÇÃO PARA O RE-
71
72
GIME DE COMUNHÃO UNIVERSAL - INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA
DO CÓDIGO CIVIL E DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - CONCLUSÃO DE
QUE A IMPOSIÇÃO DE REGIME DE BENS AOS IDOSOS SE REVELA
INCONSTITUCIONAL - AFRONTA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA - LEGISLAÇÃO QUE, CONQUANTO REVESTIDA DE
ALEGADO CARÁTER PROTECIONISTA, MOSTRA-SE DISCRIMINATÓRIA - TRATAMENTO DIFERENCIADO EM RAZÃO DE IDADE - MATURIDADE QUE, PER SE , NÃO ACARRETA PRESUNÇÃO DA AUSÊNCIA DE
DISCERNIMENTO PARA A PRÁTICA DOS ATOS DA VIDA CIVIL - NUBENTES PLENAMENTE CAPAZES PARA DISPOR DE SEU PATRIMÔNIO
COMUM E PARTICULAR, ASSIM COMO PARA ELEGER O REGIME DE
BENS QUE MELHOR ATENDER AOS INTERESSES POSTOS - NECESSIDADE DE INTERPRETAR A LEI DE MODO MAIS JUSTO E HUMANO,
DE ACORDO COM OS ANSEIOS DA MODERNA SOCIEDADE, QUE NÃO
MAIS SE IDENTIFICA COM O ARCAICO RIGORISMO QUE PREVALECIA
POR OCASIÃO DA VIGÊNCIA DOCC/1916, QUE AUTOMATICAMENTE
LIMITAVA A VONTADE DOS NUBENTES SEXAGENÁRIOS E DAS NOIVAS QUINQUAGENÁRIAS - ENUNCIADO Nº 261, APROVADO NA III
JORNADA DE DIREITO CIVIL, QUE ESTABELECE QUE A OBRIGATORIEDADE DO REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS NÃO SE APLICA
QUANDO O CASAMENTO É PRECEDIDO DE UNIÃO ESTÁVEL INICIADA ANTES DE OS CÔNJUGES COMPLETAREM 60 (SESSENTA) ANOS
DE IDADE - HIPÓTESE DOS AUTOS - APELANTES QUE CONVIVERAM
COMO SE CASADOS FOSSEM NO PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE
1964 E 2006, QUANDO CONTRAÍRAM MATRIMÔNIO - CONSORTES
MENTALMENTE SADIOS - PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DE
JUSTIÇA NO SENTIDO DE SE ADMITIR A PRETENDIDA ALTERAÇÃO SENTENÇA OBJURGADA QUE, ALÉM DE DENEGAR INDEVIDAMENTE A
PRESTAÇÃO JURISDICIONAL, REVELA-SE IMPEDITIVA DO DIREITO DE
ACESSO À JUSTIÇA - DECISUM CASSADO - REGIME DE BENS MODIFICADO PARA O DE COMUNHÃO UNIVERSAL - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO (grifos acrescidos) (TJSC, Processo: Apelação Cível nº
575350
SC
2011.057535-0,
Relator:
Luiz
Fernando
Boller,
Data:
18/01/2012).
72
73
73
74
5
CONCLUSÃO
Diante do exposto, mormente dos excertos doutrinários e arestos jurispru-
denciais colacionados, infere-se que, a despeito de ainda haver parcela de doutrinadores e juristas simplistas, presos à letra da lei, há também e vem ganhando cada
vez mais força, a doutrina que enxerga a flagrante incompatibilidade do multicitado
art,1641, II, CC com a Constituição.
Cientes da necessidade de se interpretar o ordenamento jurídico como um
todo, não poderíamos permitir que as normas tivessem interpretações colidentes
entre si e, com muito mais razão, não poderíamos tolerar que o legislador ordinário
elaborasse leis em conflito com a Constituição, Lei Maior do ordenamento.
Aliás, é exatamente essa constatação que fez surgir o chamado “Direito
Civil- Constitucional”, pois há muito a Carta Magna deixou de ser uma mera “carta de
intenções”, passando a ter sua força normativa reconhecida e passando, assim, a
ocupar o topo do escalonamento normativo, servindo de fundamento de validade
para as normas que com ela fossem compatíveis.
Diante disso e por tudo que foi explicitado nesta obra, não poderíamos
chegar a outra constatação que não a da inconstitucionalidade do dispositivo que
impõe, sem nenhuma justificativa plausível, a separação obrigatória para os maiores
de setenta anos.
Podemos basear a inconstitucionalidade do art. 1641, II, CC na violação
flagrante e amplamente reconhecida de diversas normas constitucionais, as quais se
apresentam sob a forma de princípios (comandos dotados de maior abstração) e
normas (preceitos definidores de conduta).
O Princípio da Igualdade (art.5º, I, CF) é claramente desrespeitado pelo
dispositivo em comento, pois, sem nenhuma razão justificável, os maiores de setenta anos são alijados do seu direito de livremente estipular o regime de bens. Em
consequência, não é difícil perceber que o Princípio da Dignidade Humana, grande
74
75
pilar valorativo do nosso ordenamento e eleito como fundamento da República Brasileira (art. 1º, III, CF), também sofre grave ofensa.
O caráter nitidamente discriminatório de tal imposição legal gera, por conseguinte, também a violação frontal do Princípio da Não Discriminação (art.3º, IV,
CF).
Além dos princípios constitucionais expressos, o cerceamento dos septuagenários na livre disposição dos seus bens colide com o teor dos Princípios da Liberdade e Intimidade, princípios estes implícitos, mas de suma importância, posto
que decorrentes dos valores adotados pelo nosso ordenamento.
Em relação às regras violadas, podemos lembrar o art. 226, §7, CF, que
diz ser o “planejamento familiar de livre decisão do casal, competindo ao Estado
propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada
qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas”. Ora, o art.
1641,II, CC demonstra postura estatal diametralmente oposta à pretendida pelo legislador constituinte, pois interfere de forma desnecessária no âmago familiar, que
precisa de autonomia para desenvolver com naturalidade as relações entre seus
integrantes.
Da mesma forma, parece também colidir com a intenção protecionista do
constituinte (art. 230, CF), bem como de outras normas infraconstitucionais ( art. 4º e
art. 10º do Estatuto do Idoso), pois todas elas objetivam a proteção das pessoas idosas e não a discriminação das mesmas através de imposições que tragam em seu
bojo restrições descabidas.
Desse modo, é clara a necessidade de os juristas terem uma postura mais
crítica acerca das disposições legais, realizando sempre uma leitura civil- constitucional das mesmas.
Já se foi o tempo em que os juízes eram apenas a “boca da lei”. Hoje são
e precisam ser, na realidade, verdadeiras mentes pensantes, com senso crítico aguçado. Só assim realmente serão concretizados os direitos fundamentais, tão abordados no direito legislado, mas pouco respeitados na dinamicidade da vida, princi75
76
palmente quando se referem às minorias, como no caso dos idosos, cuja situação
merece sempre um maior cuidado.
76
77
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOBBIO, Noberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10 ªed. Brasília: UnB, 1999.
BRASIL. Código Civil: Lei nº 3.971 de 1 de janeiro de 1916. DF: Congresso Nacional, 1916. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071.htm>.
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______. Código civil: lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. DF: Congresso Nacional,
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Disponível
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77
78
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GLOSSÁRIO
apud – citado por, conforme, segundo, de acordo
ibidem (ibid.) – na mesma obra
idem (id.) – mesmo autor
ipsis litteris – nos exatos termos
verbi gratia – por exemplo
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