MIRANDA, Tanisa. AS MORTES E O TRIUNFO DE ROSALINDA, DE

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MIRANDA, Tanisa. AS MORTES E O TRIUNFO DE ROSALINDA, DE
AS MORTES E O TRIUNFO DE ROSALINDA, DE JORGE
AMADO: UMA LEITURA DO REALISMO FANTÁSTICO Tanisa Burchert Miranda* Professor responsável: Rita Lenira Bittencourt RESUMO O trabalho apresenta uma leitura do conto As mortes e o triunfo de Rosalinda, de Jorge Amado, o qual está
escrito de forma confusa, pois está estruturado de forma diferente daquelas que estamos acostumas a ler em
suas obras. Observo algumas teorias sobre conto, para melhor auxiliar na interpretação e na compreensão do
gênero literário utilizado no texto. Exponho como os argumentos do realismo fantástico estão presentes na
construção da narrativa, além de aduzir aos gêneros do realismo mágico e do realismo maravilhoso, os quais
têm a intenção de retratar a realidade de maneira rebuscada para acionar a historicidade dos fatos. PALAVRAS-CHAVES: As mortes e o triunfo de Rosalinda, conto, realismo fantástico. ABSTRACT This paper presents a reading of the short story "The deaths and the triumph of Rosalinda", by Jorge Amado,
which is written in a confused manner, as it is structured differently from those that we are used to read in his
works. I observe a few theories about short story, to better assist in the interpretation and understanding of
the literary genre used in the text. I explain how the arguments of fantastic realism are present in the
construction of the narrative, besides adducing the genre of magical realism and marvelous realism, which
are intended to portray the reality in an over-elaborated way to trigger the historicity of the facts. KEYWORDS: As mortes e o triunfo de Rosalinda, short story, fantastic realism. “Difícil de contar Mas fácil de entender A razão e a hora De quem vive um ideal” (Nei Lisboa) 1 Introdução Jorge Amado popularizou-se pelos seus romances e pelas adaptações desses para
novelas e filmes, também contribuiu na arte de escrever contos, foram poucos ao longo de
sua carreira, contudo é perceptível uma relação com as teorias de Edgar Allan Poe e de
Julio Cortázar. Amado soube utilizar as formas modernas que a literatura ofereceu para
descrever suas opiniões e o seu modo de ver e compreender o mundo. Pois, além dos
romances e dos poucos contos, ele também escreveu novelas e crônicas. _________________________________________________________________
_____ *Graduanda em Letras – Língua portuguesa, literatura brasileira e portuguesa pela Universidade Federal do
rio Grande do Sul. E-mail: [email protected] Neste artigo proponho uma análise do conto As mortes e triunfo de Rosalinda, o
qual é explorado por fatos fictícios, contudo a obra é resultado de uma literatura realista.
Essa percepção é possível a partir de sua realidade mágica, ou maravilhosa, e fantástica;
teorizadas, respectivamente, por Irlemar Chiampi e Tzvetan Todorov. Para abordar as
interpretações, também, utilizo textos dos contistas Poe e Cortázar, que teorizam e
atribuem funções para gênero conto. A obra em questão foi publicada em 1965, época de grandes confrontos,
consequência da repressão militar e do poder de censura. 2 Apresentação da obra - As mortes e o triunfo de Rosalinda A estrutura é apresentada em forma de um recorte, ou seja, lemos somente a fala do
personagem/narrador. Este assume ter matado Rosalinda diversas vezes. As confissões são
sempre dirigidas para alguma autoridade especifica, a qual é alterada conforme o decorrer
do texto. Seu discurso é enfatizado por uma linguagem grosseira e vulgar, geralmente, se
impondo para humilhar a quem ele se dirige. Ao considerar que o texto apresenta apenas as falas de Marinho da Cunha, nome do
personagem/narrador, é possível compreender que se trata de um depoimento e não de um
simples relato. Pois, ele está respondendo perguntas e, ao mesmo tempo, justificando suas
atitudes para determinadas autoridades, estas vão sendo alteradas, por: uma madre
superior, um conselheiro, um comendador, um desembargador, um fidalgo, um chanceler,
um promotor, um acadêmico, um meritíssimo, entre outros. Cabe ressaltar que as falas
desses personagens não são descritas no texto, mas estão presente no discurso através das
respostas do narrador, ou seja, é pelas respostas que se chega às perguntas do
interrogatório, no qual o narrador assume, entre outros crimes, ter matado Rosalinda
diversas vezes. Já no início do texto sua fala corresponde a uma exaltação: “Basta de gritos,
cavalheiro! Não me interessa se o distinto é autoridade ou não” (2010, p.7). Logo, assume
que não tem o que esconder e que o “fato é publico e notório” (2010.p.7,8) demonstra,
também que não sente remorsos. No decorrer da narrativa surgem críticas à igreja, as
mulheres que a frequentam e aos seus sagrados mandamentos; não só os cristãos são
provocados, mas também os judeus, pois a mulher judia é vulgarizada. Confessa que depois de ter matado Rosalinda pela segunda vez; também matou o
seu amante, depois dele tê-la engravidado. Ao final, não sabemos o que vai ser feito com Marinho da Cunha, se será preso,
exilado ou morto. Mas, ele está gravido de Rosalinda. Ela nasce. Agora ele lhe dá a vida. 3 O conto O gênero conto é composto, geralmente, por ficção. Com a utilização de recursos
narrativos é possível se referir a fatos reais por meio de uma abordagem fantasiosa da
realidade. Esse gênero conta com seus escritores para definir suas primeiras teorias. Edgar
Allan Poe, precursor do conto moderno, apresenta sua experiência com a escrita de O
Corvo, em A filosofia da composição. Nesta obra, Poe condensa os elementos
fundamentais para se formar um conto. Entre eles, o mais importante é a teoria da unidade
do efeito, que tem a intenção de despertar algo no leitor. Esse efeito é resultado da
compreensão do texto, assim, o conto deve ter um tamanho que permita a leitura sem
interrupções ou quebra de tempo, caso contrário esse efeito pode se perder. Assim, o conto
deve decorre em uma narrativa curta e com apenas um personagem principal. Dessa forma,
consegue-se alcançar outro efeito importante, a unidade de impressão. Outro contista que transforma sua técnica em teoria é o argentino Julio Cortázar,
que considera as funções específicas formadoras do conto. Ele define o seu tipo de
narração conforme a sua “especial maneira de entender o mundo” (2006.p.148), e isso faz
compreender o motivo pelo qual, grande parte das suas obras estão classificadas no gênero
fantástico; também, ajuda a entender esse estilo/gênero, que permite fatos fantasiosos para
que se possa descrever uma realidade ou um fato. Em Alguns aspectos do conto, Cortázar define seu entendimento de conto, ao
mesmo tempo em que explica sua função. Ele consegue ser mais detalhista em sua
explicação do que Poe, o qual usa poucas palavras para explicar muito. Cortázar é mais
lírico em sua definição: para ele o conto tem uma missão de provocar no leitor um estado
de alcance de entendimento de ideias, as quais o autor objetivou. Comporta-se como: Uma síntese viva ao mesmo tempo em que uma vida sintetizada, algo assim
como um tremor de águas dentro de um cristal, uma fugacidade numa
permanência (2006.p.150/1). Ele faz uma comparação muito interessante para definir o gênero conto e, também, para
diferenciá-lo do romance, determinando que o conto está para o romance, assim como a
fotografia está para o cinema. Nesta equivalência, fica claro, não só a diferença de
tamanho, mas também esclarece que o conto possui uma função própria, da qual se
distingue do romance. Também considera importante a temática que rodeia toda a história
e o oficio do escritor. Assim explica: Criar no leitor essa comoção que levou a ele próprio a escrever o conto, é
necessário um oficio de escritor, e que esse oficio consiste entre muitas outras
coisas em conseguir esse clima próprio de todo grande conto, que obriga a
continuar lendo, que prende a atenção, que isola o leitor de tudo o que rodeia,
para depois, terminado conto, voltar a pô-lo em contato com o ambiente de uma
maneira nova, enriquecedora, mais profunda e mais bela. E o único modo de se
poder conseguir esse sequestro momentâneo do leitor é mediante um estilo
baseado na intensidade e na tensão um estilo no qual os elementos formais e
expressivos se ajustem sem a menor concessão, á índole do tema, lhe dêem a
forma visual a auditiva mais penetrante e original, o tornem único, inesquecível,
o fixem para sempre no seu tempo, no seu ambiente e no seu sentido primordial
(2006.p.157). 3 O mágico, o maravilhoso e o fantástico São tipos de gêneros que surgiram a partir dos anos 40 na América Latina, com o
intuito de sugerir novas soluções técnicas e definir os acontecimentos deste momento
histórico. O gênero realismo mágico, transposto na literatura, especificamente, passa
absorver uma realidade perturbada por constantes mudanças e repressões. Irlemar Chiampi
em sua tese de doutorado, que deu origem ao livro Realismo Maravilhoso, procura definir
“Realismo Mágico” e “Realismo Maravilhoso”. Aquele é apresentado por duas definições:
a primeira de ordem fenomenológica que está relacionada com a atitude do narrador, a
naturalização do irreal; a segunda de ordem continuísta que possui a magia como temática,
a sobrenaturalização do real. A adoção do termo realismo mágico revela a preocupação elementar de
constatar uma ‘nova atitude’ do narrador diante do real. Sem penetrar nos
mecanismos de construção de um outro verossímil [...] a criação não pode ir
além do “modo de ver” a realidade. (1980.p.21). O Realismo Maravilhoso tem o seu conceito aceito pela crítica literária em geral, outro
fator que o diferencia do realismo mágico, e por isso Chiampi acopla os conceitos do
‘Mágico’ no ‘Maravilhoso’. Este que também é apresentado por duas definições: a
primeira concentra-se na percepção da realidade pelo sujeito; a segunda está entre a obra
literal e os elementos maravilhosos da realidade americana. Utiliza-se a imaginação, que o
maravilho permite, para abordar fatos da realidade, a qual não pertence à fantasia. A terceira forma de realismo que abordo é o fantástico, que também vai exigir do
leitor uma leitura que pretende uma interpretação mais minuciosa dos fatos expostos.
Tzvetan Todorov, em Introdução à literatura fantástica, salienta o aspecto semântico ou
temático da obra, exigido pela fantasia para percepção dos acontecimentos estranhos.
Também aborda a construção do fantástico, segundo as três propriedades que compõem a
unidade estrutural. O primeiro traço se refere ao discurso figurado, para a compreensão do
sobrenatural, conduzido pelo exagero, pois a “relação das figuras retóricas com o fantástico
a que realiza então o sentido próprio de uma expressão figurada” (2010. p.87). A utilização
das figuras retóricas é importante pela sua fonte/origem do elemento sobrenatural, por sua
funcionalidade. Assim, o autor explica que “se o fantástico utilizou continuamente figuras
retóricas, é porque nelas encontrou sua origem” (2010. p.90). A forma de interpretar a
realidade diante da fantasia se faz necessária devido a uma demanda de assuntos que não
podem ser expostos claramente, assim a diversidades de temas que o fantástico quer
questionar é transmitida pelo autor quando se refere aos temas mais trabalhados com este
gênero: “tem-se a impressão de ler uma lista de temas proibidos, estabelecida por alguma
censura” (2010. p.167). O segundo traço é a forma de enunciação para analisar a propriedade estrutural que
compõe a narrativa fantástica – para esse entendimento observa-se o narrador. Geralmente
o gênero é narrado em primeira pessoa, assim as palavras do personagem podem ser
questionadas, se são verdeias ou não, como em um relato qualquer. Pois sabemos que o
narrador em primeira pessoa é questionável. E o fantástico exige dúvida. A utilização o
“eu”, também, pode servir para o leitor identificar-se, ou não, com o personagem. Mas
Todorov considera que “não duvidemos do testemunho do narrador; antes procuremos,
com ele, uma explicação racional para estes fatos bizarros” (2010.p.93). O terceiro traço da estrutura está direcionado ao aspecto sintático da composição, o
qual deve atingir o ponto culminante, que é a intenção de abalar o leitor, não
necessariamente ao final da narrativa, pois pode apresentar diversas organizações. Os fatos
dependem um do outro para fazer sentido, na ordem em que estão dados, assim como em
um romance policial. A intenção é surpreender, e para esse fim se monta a armadilha.
Segundo Todorov: A surpresa não é senão um caso particular da temporalidade irreversível: assim, a
análise abstrata das formas verbais nos faz descobrir parentescos onde a primeira
impressão nem sequer os suspeitava (2010. p. 98). 4 Contextualização histórica São comuns os temas que abordam problemáticas sociais nas obras de Jorge
Amado. Em As mortes e o triunfo de Rosalinda, não é diferente, pois o autor quer mais que
narrar um simples fato literal; considerando, que esse conto faz refletir diversos assuntos
polêmicos. Assim, Todorov explica: “A literatura é sempre mais do que literatura, e há
certamente casos em que a biografia do escritor acha-se em relação pertinente com a sua
obra” (2010. p. 160). Em entrevista à revista Abril Educação Jorge Amado declara que: Na década de 60, o Brasil é abalado pela revolução de 31 de março, como
endurecimento do regime, volta-se aos tempos do Estado Novo, com a
instauração da censura, a radicalização dos partidos de direita de esquerda, e a
intensificação das diferenças sociais, provocadoras de flagrante
descontentamento. Como não poderia deixar de ser, o panorama literário da
década não chega a oferecer a exuberância da década de 30. Só a partir de 1970,
com a explosão do gênero do conto, é que surgem grandes nomes, os quais
sistematicamente passam a denunciar o vazio político e cultural. (1981 p. 115). No conto a ser analisado, Amado aborda diversos temas em um só enredo. A história que
nos conta é como um cobertor que cobre assuntos que não podem estar em lugar algum, a
não ser na literatura, e mesmo assim, de forma “fantasiada”, pois estão censurados pela
ditadura militar. Está é a atmosfera da sua história: um narrador que está revoltado com os
fatos e tende a dar explicações às autoridades. Ao mesmo tempo desmoraliza os
governantes, por ficarem recebendo ordens de quem deveriam ditar as regra. Assim,
insinua, desrespeitosamente, que o governo recebe ordens dos militares. Ou seja, o estado
estava curvando-se diante dos militares, com quem estava o poder, o qual foi tomado à
violência. Esta intenção é representada na fala do personagem principal: “não admito gritos
seja de quem for, não sou moço de recado de nenhum patrão nem governador de estado
tremendo ante qualquer patente militar, não suporto gritos”. (2010, p.7). Além das autoridades que estão assistindo ao julgamento, também, há senhoras
religiosas, as quais ele dirige-se para ridicularizá-las. Primeiramente, referre-se a uma delas
dizendo: “não lhe digo respeitável carlota o que penso de tal Moises e de seus
mandamentos”(2010.p.8,9), logo ele se dirige as outras “carlotas”: Porque as senhoras não estão suficientemente próximas. Já notou com as
senhoras gostam de ouvir palavrões? Quanto mais moralistas e devotas, mais
estimam elas as palavras feias, os nomes sujos [...] uma barata de sacristia,
cheirando a breviário (ou fedendo ao dito, como o senhor prefira, de acordo com
os seus respectivos princípios religiosos), pois bem: a piedosa adorava um
palavrão e seu preferido era ‘prepúcio’, já viu vossa senhoria palavrão mais
horrível? (2010.p.9). Para argumentar o que já havia dito, o narrador mais uma vez inferiorizar as religiosas e as
doutrinas da igreja, assim retoma: Quanto à velha rata de igreja, era avó e virgem, sim, senhor, meu caro Esculápio.
Ora, como podia ser... Ou bem por obra e graça do Espirito Santo, divindade
dada a esses truques, ou bem de tanto levar nas coxas, pegou filho, gravidez
tubária... (2010.p.10). Segue-se o depoimento, agora, criticando o governo dos paraguaios, possivelmente a
pessoa de Alfredo Stroessner Matiauda, militar que toma o poder com golpe ao estado em
1954, e permanece no poder por 35 anos. Considerando-o um assassino, e ironizando ao
compará-lo a um nativo, o qual mata para se defender. Com isso utiliza, mais uma vez, a
posição religiosa. E porque é pertinente refletir sobre a posição da igreja diante do governo
dos militares. Não precisa o caro colega insistir: ‘Não matarás, não matarás’, como se falasse a
um gentio, ao ditador do Paraguai ou a um índio perdido na selva [...] Porque um
judeu do Egito gravou na pedra uns quantos mandamento? (2010. p. 8). E, como não poderia faltar, em anos de guerra, uma zombaria com os alemães,
possivelmente para se referir ao nazismo, aqui adjetivados de amadores e assassinos:
“tenho horror a amadores, prefiro o pior profissional ao melhor amador [...] Por isso
mesmo sempre preferi Rosalinda nos dias de mulata e profissional, pois quando ariana e
amadora tinha certo olor de vela de cera, de cadáver recente” (2010. p.16-17). Enquanto confessa ter matado um amante de Rosalinda, insinua que aquele a quem
ele se dirige, possivelmente a um juiz, sente medo: “liquidei também o cabaretier portenho
do qual ela engravidara ilegitimamente. Com ele iniciei minha próspera carreira de
assassino. Não trema, meu chapa, nada mais feio do que um homem a tremer” (2010.p.24). Confessa ter matado Rosalinda porque tinha de calar-lhe a boca, passagem que
permite refletir a década dos anos 60 e os anos posteriores à ditadura militar, pois era
muito comum a morte por tal motivo. Em abril 1964 entra em vigor o primeiro Ato
Institucional, o qual dá inicio a uma série de repressões, inclusive a perda dos direitos
políticos. Neste contexto histórico estão implícitas as diversas mortes daqueles que falaram
demais. Porém, nosso personagem “humildemente” justifica-se: “que jeito tive eu senão
assassinar mais uma vez Rosalinda, para silenciar-lhe a boca de praga?”(2010. p.34). Dessa
forma, Marinho da Cunha divaga não temer lei alguma, e faz referência às leis impostas
pelas revoluções e critica mais um a vez os alemães, no seguinte parágrafo. Liberto, no entanto, do medo da lei, seja ela a dos mandamentos, seja a ditada
pela revolução mais recente, a de uns dias passados, não sei bem se a penúltima
ou se a antepenúltima, pois desde que isto aqui virou novamente republica latinoamericano, deixei de interessar-me pela técnica do poder absoluto ou mesmo
pela monarquia constitucional. Não temo nenhuma lei, de Moises ou de um
fascista qualquer, seja ele alemão ou mineiro (2010. p. 34-5). 5 O conto e o Realismo Poe e Todorov descrevem sobre a intenção de desencadear um sentido para a
leitura, o primeiro para o efeito e o segundo para uma leitura mais minuciosa dos fatos.
Mesmo se tratando de dois gêneros distintos eles se complementam, objetivando um final
impactante. A unidade de efeito depende, entre outros fatores, da extensão do texto, o
conto de Amado é curto, mesmo assim consegue resgatar diferentes ideias e relacioná-las;
utilizando apenas um personagem para atingir o leitor, o qual é (ao final) interrogado pela
leitura, por ter que supor qual será o destino do réu e que mensagem há por trás de suas
denúncias. Poe explica que para escrever ele procura “aquelas combinações de tom e
acontecimento que melhor me auxiliem na construção do efeito”. Assim, entendo que não
é em vão a escolha de Jorge Amado ao utilizar um “assassino” para tratar de questões
desumanas. Os assuntos polêmicos, os quais prendem a atenção do leitor, questionam sobre a
posição de cada uma desses. Contrapondo o discurso do narrador com o que conhecemos
da realidade: os mandamentos da igreja católica e a sua posição diante da morte,
considerando que esta apoiou os primeiros anos da ditadura no Brasil; os alemães
interpretados como amadores na arte de fazer guerra e a humilhação dos judeus. A forma encontrada de centralizar diversos assuntos em um só enredo está
adequada no conto, por ter um tamanho curto e relatar apenas o necessário. Assim,
podemos tentar compreender o que Cortázar explica ao comparar uma fotografia com o
conto. O efeito surge quando as temáticas estão de acordo com a sua abordagem. Assim,
uma fotografia nos permite refletir sobre aquilo que vemos, no conto podemos refletir
aquilo que lemos, enquanto no romance e no cinema muitas explicações e fatos são postos
e, geralmente, seguem de uma explicação. O conto tem como objetivo nos tirar da
realidade para conseguimos captá-la. No conto analisado, o personagem vai expondo sua
revolta com os acontecimentos ao seu redor, fotografando uma época. Assim, segue a
linearidade que Todorov diz ser necessária para se chegar a um final impactante. Outro questionamento que texto propõe é referente ao papel da personagem
Rosalinda. Ela quem é assassinada muitas vezes, violentada, mal tratada, e que não possui
diretos, nem de falar. Sua imagem representa um todo, um coletivo. Pois essa sucessão de
morte se dá na forma do realismo mágico – sabemos que ninguém pode morrer diversas
vezes, mas essa realidade foi absorvida no enredo; ou seja, o que é sobrenatural foi
naturalizado na história. Esse fato não está sendo questionável, como gostaria o realismo
fantástico. O qual nos ajuda a entender a formulação do conto, a escolha de representar
diversas mortes de uma só pessoa. A construção do conto se faz presente os traços apontados por Todorov para o
entendimento da obra. A construção dos fatos irreais acontece na própria leitura, pois lendo
se aceita o irreal como real; assim interpretamos os fatos da realidade, a qual não pertence
à fantasia. Então, o primeiro traço que está em questão aborda a necessidade de se criar um
discurso figurado, fantasioso e inimaginável por sua funcionalidade, o qual é trabalhado
nas posições sociais de uma época, no caso da década de 60. O segundo traço faz entender
a escolha/composição do narrador. Alguém que não tem medo de ser julgado e ironiza
todos os presentes em seu julgamento. O aspecto sintático é responsável pelo terceiro e
último traço. É a escolha que tornou a leitura confusa, mas nem por isso menos
interessante. Na primeira leitura, a fala transcrita, do personagem, parece não ter sentido,
mas é através dessa oralidade que o autor busca outra dimensão da realidade sem resgatar
fatos históricos e concretos. Nesta construção, Jorge Amado quer provocar a imaginação
dos leitores, pois é necessário entender a cena para compreender os fatos. A fim de auxiliar
na descrição do ambiente, conseguimos montar o quebra-cabeça que é este conto. 6 Considerações finais A obra As mortes e o triunfo de Rosalinda utiliza fatos narrados para questionar a
posição dos estereótipos da sociedade, como: os religiosos, o governo ditatorial dos
militares e o nazismo alemão, os quais o personagem/narrador tem a intenção de
inferiorizar com comentários irônicos.
Apresentar o personagem principal como um
“bandido” em seu julgamento é um artifício para trazer à tona assuntos polêmicos, pois
esse está sendo escutadas por autoridades as quais ele desrespeita, assim como as suas leis. A elaboração do texto apropria-se de três gêneros, primeiramente do realismo
mágico e fantástico, um completando o outro; essa união transposta na forma do gênero
conto. Assim, as duas formas de realismo e o conto se somam para fazer surgir um efeito, o
impacto no leitor, fundamentado por Poe. O texto propõe refletir uma época de repressão,
para isso a história a ser desenvolvida conta com fatos irreais para descrever fatos da
realidade. REFERÊNCIAS AMADO, J. As mortes e o triunfo de Rosalinda. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
p. 69 AMADO, J. Jorge Amado: Literatura Comentada: 1.ed. São Paulo: Revista Abril
Educação, 1981. p. 122 TODOROV, T. Introdução à literatura fantástica. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2010. p. 188 CHIAMPI, I. O realismo maravilhoso: Forma e ideologia no Romance HispanoAmericano. São Paulo: Perspectiva, 1980. p. 180. CORTÁZAR, J. Alguns aspectos do conto. In:
Paulo, Perspectiva, 2006. p.147-163. ______ Valise de cronópio. (Org.). São
POE, E. A. A filosofia da Composição. Disponível em:
<http://www.ufrgs.br/proin/versao_2/textos/filosofia.doc>. Acesso em: 13 de nov. 2011.