Enfim, o melhor de Renato Teixeira

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Enfim, o melhor de Renato Teixeira
Enfim, o melhor de Renato Teixeira
Sex, 22 de Janeiro de 2016 00:00
Bela caixa reúne os cinco álbuns do artista na RCA.
A música brasileira é uma coisa tão absolutamente rica, multifacetada, diversificada,
extraordinária, maravilhosa (sempre achei que é nosso absoluto melhor produto, nossa marca
especial, nossa maior expertise), que às vezes, quando pensamos no que é o topo do topo, o
primeiríssimo time, o AAA, nos esquecemos de Renato Teixeira.
Seria algo mais ou menos semelhante a, ao pensarmos nos maiores craques do futebol,
aquela outra arte que o país um dia soube dominar melhor que todos, nos esquecêssemos de
Dorval do Santos da linha Dorval-Pelé-e-Pepe, ou se não nos lembrássemos de Ademir da
Guia, ou de Didi.
Renato Teixeira é craque. É grande. É maior – embora nem sempre a gente se dê conta
completamente disso.
Um pequeno objeto – um suporte físico, como gosto de definir essas mídias que já vão
ficando antigas, muita gente diz que ultrapassadas, desnecessárias – me deixou
absolutamente emocionado, me fez me maldizer por estar ouvindo menos Renato Teixeira do
que deveria, me deixou mais uma vez tonto de admiração pela obra excepcional desse músico.
É uma pérola de objeto, de suporte físico – a caixa Renato Teixeira – Obra Completa na RCA
de 1978 a 1982, lançada no segundo semestre de 2015 pela Sony Music.
Um biscoito fino, e nem sequer peço perdão pelo jogo de palavras com o selo que, mais do
que as grandes gravadoras multinacionais todas, andou nos brindando com belos discos de
alguns dos maiores artistas da MPB nos últimos 15 anos.
Um biscoito finíssimo.
São os cinco álbuns de Renato Teixeira para a RCA, remasterizados com carinho, cuidado e
técnica, reunidos numa caixa em capinhas que reproduzem fielmente as artes dos LPs
originais, acompanhados de um generoso encarte com texto sobre o cantautor e mais as
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capas, contracapas e encartes dos LPs. E ainda, como brinde, como extra, uma música inédita,
“Murro n’água”, e duas definidas como raras, “Minha triste casa grande” e “Terumi” – três faixas
que eu, renato-teixeirista de primeira hora, simplesmente desconhecia.
Os cinco disquinhos, os cinco CDzinhos feitos com design idêntico ao dos antigos LPs me
fizeram lembrar a caixa que a mesma Sony Music lançou, em 2001, com os cinco únicos
álbuns de estúdio gravados por Simon & Garfunkel, entre 1964 e 1970. Se pusermos lado a
lado aqueles CDs de Simon & Garfunkel e os de agora, de Renato Teixeira, veremos que
seguem o mesmo tipo de design, a reprodução exata, em menor escala, dos antigos LPs.
É algo em que a Sony Music parece ter se especializado: são exatamente assim os CDs
remixados
dos antigos LPs de Roberto Carlos, lançados em caixas, cada uma referente a uma década.
A indústria fonográfica é especialmente globalizada, e, ao mesmo tempo, especialmente
dinossáurica, ou capitalistamente selvagem, no sentido de que as empresas vão crescendo,
crescendo, virando ciclópicas corporações envolvendo diversos tipos de negócios, e têm um
apetite tiranossaúrico para irem se comendo umas às outras.
Às vezes parece que a indústria fonográfica, ao contrário dos dinossauros, não precisa de um
meteorito, um elemento externo para se condenar à extinção: seu próprio apetite que faz um
conglomerado engolir outro poderá definir sua extinção.
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Lá pelos não tão distantes assim anos 1980, havia várias grandes empresas na indústria
fonográfica: Philips/PolyGram, EMI, Columbia (no Brasil, CBS), BMG, Warner. A RCA, uma das
marcas mais tradicionais, tão tradicional que havia dado o nome de victrola, vitrola, aos
toca-discos, acabaria sendo engolida pela gigantesca corporação japonesa Sony, que também
engoliu o complexo CBS, que incluía a Columbia, a gravadora em que Bob Dylan fez todos os
seus discos, com exceção de dois nos anos 70.
Quis falar sobre essa coisa da indústria porque achei extraordinário que a Sony Music Brasil
tenha botado no título da caixa que ela inclui a “obra completa na RCA”. É bem raro uma
empresa dar crédito tão bem dado a uma outra.
O período de 1978 a 1982, exatamente aquele em que ele gravou pela RCA, foi o mais
brilhante desse músico brilhante que é Renato Teixeira.
Os dois primeiros disco de Renato Teixeira não foram lançado por uma gravadora, uma das
empresas da indústria fonográfica, e sim por uma agência de publicidade. A Marcus Pereira
Publicidade, uma pequena, audaz, inventiva agência paulista, teve, nos anos 60, a idéia de dar
de brinde de Natal para os clientes um disco, gravado especialmente para a ocasião. Foi assim
que surgiu, em outubro de 1967, o primeiro álbum só com canções compostas pelo grande
Paulo Vanzolini – Onze Sambas e uma Capoeira, com arranjos de Toquinho e Portinho,
interpretadas por, entre outros, Chico Buarque, Cristina, Adauto Santos e Luiz Carlos Paraná.
Em 1969, o brinde da Marcus Pereira foi um LP que tinha, de um lado, músicas de Chico
Maranhão, e, do outro, seis canções de Renato Teixeira, cantadas por ele. Renato estava,
então, com 24 anos – ele é de 1945.
O brinde de Natal de 1971 da Marcus Pereira Publicidade foi o LP Álbum de Família – uma
dúzia de composições de Renato, 11 cantadas por ele e uma por Cristina Buarque de
Hollanda. Esta se chama “Meu amor, meu namorado”, em que a narradora, como se vê, é
mulher; a presença de Cristina, o tom da letra, a melodia – tudo indicava a influência de Chico
Buarque.
Naquele início dos anos 70, o publicitário Marcus Pereira, com a ajuda de seu braço direito,
Aluizio Falcão, resolveu abraçar de vez a aventura fonográfica, e criou a Discos Marcus
Pereira. Um de seus primeiros lançamentos em 1974 foi o LP Álbum de Família – basicamente
aquele disco de 1971, mais duas faixas do disco de 1969 e duas outras gravadas por Renato
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para a série de quatro discos Música Popular do Centro-Oeste Sudeste.
Essas faixas, “Moreninha, se eu te pedisse” e “Tristeza do Jeca/Casa de Caboclo”, já
indicavam o gosto de Renato pela temática e pelas melodias da música caipira. Caipira – a
música nobríssima, da tradição de João Pacífico, Tonico e Tinoco, Cascatinha e Inhana, Pena
Branca e Xavantinho. Favor não confundir com sertanejo, muito menos com sertanejo
universitário, rótulo que tenta esconder o que na verdade é – o sertanejo brega.
Em 1973, a então Phonogram (ex-Philips, que mais tarde seria PolyGram, que mais tarde
seria Universal Music) havia lançado, através de seu selo Sinter, o LP Paisagem – o primeiro
disco de Renato Teixeira distribuído comercialmente, hoje uma absoluta raridade. Nem
Paisagem nem Álbum de Família aconteceram, e Renato Teixeira continuou compondo nas
horas vagas – para ganhar a vida, trabalhava em publicidade, fazia jingles.
Até que, em seu disco de 1977, Elis Regina gravou “Romaria”.
E então, para a felicidade de todos os que gostam de música, Renato Teixeira assinou um
contrato com a RCA.
Como escrevi no Jornal da Tarde, em março de 1984, quando Renato estava lançando Azul,
gravado para o Estúdio Eldorado, seu primeiro disco após o fim do contrato com a RCA.
Não são discos homogêneos, claro. Mas neles transparece, com límpida clareza, a influência
da cultura do interior paulista.(Renato nasceu em Santos, viveu a infância em Ubatuba e a
adolescência e início da idade adulta em Taubaté.)
– A música caipira, a música paulista – diz ele – sempre foi discriminada, marginalizada,
sinônimo de mau gosto. E, no entanto, o interior de São Paulo tem tradições riquíssimas. As
festas populares do interior, as manifestações folclóricas, os violeiros – existe um campo
incrivelmente rico aí, uma nação inteira para se manifestar, um povo dentro de um povo.
Renato Teixeira colocou nesses seus discos a influência disso tudo. Eram modas, rancheiras,
guarânias, calcadas em um acompanhamento basicamente acústico – violas, violões de seis e
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12 cordas, flautas, percussão, tocadas por seu grupo Água (ele e mais Carlão de Souza,
Sérgio Mineiro, Márcio Werneck). No LP Amora, de 1979, uma orquestra, com cordas e sopros
recobriu a base acústica do grupo Água. Em Uma Doce Canção, de 1981 (com direção de
estúdio, arranjos e regência do mesmo Tavito do novo LP), já havia guitarras, bateria. Em Um
Brasileiro Errante, de 1982, com arranjos do seu velho amigo César Camargo Mariano, havia
tudo isso e mais muitos teclados eletrônicos. Mas é em Garapa, de 1980, que Renato Teixeira
encontrou o que ele acha que é o seu som mais bonito: só os instrumentos acústicos, mais
nada.
– Eu sou apaixonado pelo acústico – diz ele. – Pela minha concepção ideal, o Garapa é o
meu som mais bonito, é o disco de que eu mais gosto. É só o som do Água. Também, foi o
ponto final de um ciclo de dez anos de trabalho, foi a hora em que o grupo conseguiu acertar
mesmo em cheio. Ali o trabalho ficou pronto. Mas a gente tá ligado a concepções, códigos pra
poder tocar. A gente fica numa opção assim: ou eu faço do jeito que eu acho que é mais
bonito, do jeito que tem mais a ver, e não gravo mais, ou eu entro no código, para viabilizar a
minha carreira. Senão eu já não mostro a minha música. Esse é um problema sério para o
artista que está na minha faixa, na minha situação.
Eu estou numa faixa intermediária, não sou nem um cara absolutamente desconhecido, nem
um cara absolutamente conhecido. E também essa definição sonora não é tão importante para
mim neste momento. O importante é a liberdade na hora de compor.
Azul, o disco de 1984, foi o único que o músico gravou para o Estúdio Eldorado. Nos anos
seguintes, passou por várias gravadoras: Terra Tão Querida, de 1985, saiu pela
CBS-Columbia. O de 1986, com título apenas Renato Teixeira, era um disco da 3M Brasil.
Entre 1992 e 2005, lançou cinco discos pela Kuarup, e, em 2007, fez, pela SomLivre, das
Organizações Globo, o CD Renato Teixeira no Auditório Ibirapuera, com vários convidados
especiais.
Mas seu auge, sua fase áurea foi de fato aquele período na RCA.
No início dos anos 90, a RCA foi comprada pela BMG Ariola. A BMG lançou, entre 1993 e
1997, três CDs coletâneas de faixas dos cinco discos originais de Renato Teixeira. Uma era de
uma coleção chamada Acervo Especial. Outra, de uma Série Aplauso, e a última, O melhor de
Renato Teixeira. Comprei as três coletâneas, já que os discos originais não estavam
disponíveis em CD.
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Jamais compreendi por que a empresa – seja lá o nome que tivesse, BMG, BMG Ariola, BMG
Ariola RCA – não lançava em CD os cinco discos originais.
Agora, finalmente, depois de tantos anos fora de catálogo, os cinco discos estão de volta às
lojas. E numa edição preciosa, muitíssimo bem cuidada.
O sujeito da Sony Music que resolveu criar essa caixa merece todos os parabéns possíveis.
Na contracapa do excelente encarte está o nome dele: “Projeto e pesquisa Marketing
Estratégico Hugo Pereira Nunes”.
Parabéns, Hugo Pereira Nunes.
Muito obrigado, Renato Teixeira.
Sérgio Vaz
*Sérgio Vaz é jornalista e edita os sites 50 Anos de Filmes e 50 Anos de Textos
www.50anosdetextos.com.br
[email protected]
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