a defesa da ordem econômica constitucional como pressuposto

Transcrição

a defesa da ordem econômica constitucional como pressuposto
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA
CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO
PARA A VALORIZAÇÃO
DO TRABALHO HUMANO
“Os Comedores de Batata” (1885) - Vincent Van Gogh
COORDENADORES
Lourival José de Oliveira
Marcela Andresa Semeghini Pereira
ORGANIZADORES
Lourival José de Oliveira
Marcela Andresa Semeghini Pereira
AUTORES
Beatriz Vessoni de Mendonça
Flávia Francovig Menegazzo
Lourival José de Oliveira
Luitt Conceição Ortega
Marcela Andresa Semeghini Pereira
Margarete de Cássia Lopes
Rodolfo Menderico Costa Cruz
Sandro Dias
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA
CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO
PARA A VALORIZAÇÃO
DO TRABALHO HUMANO
2014 São Paulo
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
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L784
A defesa da ordem econômica constitucional como
pressuposto para a valorização do trabalho humano.
Beatriz Vessoni de Mendonça / Luitt Conceição Ortega
/Margarete de Cássia Lopes / Rodolfo Menderico Costa
Cruz /Sandro Dias / Flávia Flancovig Menegazzo .
Organizadores e coordenadores: Lourival José de Oliveira
/Marcela Andresa Semeghini Pereira.
Título independente – São Paulo – SP.
1ª ed. Clássica Editora, 2014.
ISBN 978-85-8433-027-5
1. Dignidade humana. 2. Reforma trabalhista. I. Título.
CDD 344-81
EDITORA CLÁSSICA
Conselho Editorial
Allessandra Neves Ferreira
Alexandre Walmott Borges
Daniel Ferreira
Elizabeth Accioly
Everton Gonçalves
Fernando Knoerr
Francisco Cardozo de Oliveira
Francisval Mendes
Ilton Garcia da Costa
Ivan Motta
Ivo Dantas
Jonathan Barros Vita
José Edmilson Lima
Juliana Cristina Busnardo de Araujo
Lafayete Pozzoli
Leonardo Rabelo
Lívia Gaigher Bósio Campello
Lucimeiry Galvão
Luiz Eduardo Gunther
Luisa Moura
Mara Darcanchy
Massako Shirai
Mateus Eduardo Nunes Bertoncini
Nilson Araújo de Souza
Norma Padilha
Paulo Ricardo Opuszka
Roberto Genofre
Salim Reis
Valesca Raizer Borges Moschen
Vanessa Caporlingua
Viviane Coelho de Séllos-Knoerr
Vladmir Silveira
Wagner Ginotti
Wagner Menezes
Willians Franklin Lira dos Santos
Equipe Editorial
Editora Responsável: Verônica Gottgtroy
Produção Editorial: Editora Clássica
Capa: Editora Clássica (Ilustração: “Os Comedores de Batata” - Vincent Van Gogh)
Apresentação
A coletânea de artigos que compõe esta obra tem como ponto central
a busca da dignidade humana através do trabalho. Ou, melhor explicando,
dentro da sociedade capitalista de consumo extremo, onde a grande maioria
da população encontra-se desprovida dos meios de produção, não existe outra
maneira de tentar atingir o resultado dignidade da pessoa humana, no sentido de
princípio e de resultado esculpido na constituição, a não ser que efetivamente
seja valorizado o trabalho humano.
Segundo dados do relatório anual da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), divulgado em 2013, de um total de 2,34 milhões de mortes
relacionadas ao trabalho a cada ano, somente 321 mil se devem a acidentes,
sendo que outras 2,02 milhões de mortes são causadas por diversos tipos de
enfermidades relacionadas ao trabalho, o que significa dizer que são mais de 5,5
mil mortes por dia, com tendência a aumentar, demonstrando uma espécie de
desconstrução das qualidades ou garantias mínimas para o trabalho.
Também, segundo levantamentos da mesma organização, agora em
parceria com a Oxfam (trata-se de uma confederação internacional que reúne mais
de 13 organizações internacionais, com aproximadamente 3000 parceiros que atuam
em mais de 100 países), com o colapso dos mercados internacionais por conta da
crise de 2008, mais de 202 milhões de pessoas estão desempregadas, fazendo com
que houvesse ainda mais uma concentração de renda nas mãos de poucos.
Esta concentração de renda, o acúmulo extraordinário do capital
também irá promover a desvalorização do trabalho humano, com sistemas
de controle que quantificam o valor do trabalho humano como uma simples
mercadoria, que a cada dia está sendo desprovida de valor.
Diante deste triste quadro, o grupo que elaborou os artigos aqui
colecionados, que faz parte de um dos projetos de pesquisa vinculado ao
Programa de Mestrado em Direito da Unimar (começou a ser desenvolvido no
ano de 2013, com término programado para o final do ano de 2014), intitulado
“A Função Econômica do Direito do Trabalho: análise das possíveis reformas
trabalhistas no Brasil”, passou pesquisar, participar de discussões e eventos
científicos, no sentido de, sob vários espectros, elaborar estudos tendo como
marco norteador a proteção ou valorização do trabalho humano, levando em
conta a ordem constitucional estabelecida constitucionalmente, sem perder de
vista a desmistificação da própria relação de trabalho hoje existente.
Observa-se que existe um elo entre todos os artigos, constituído pela
incessante busca do aperfeiçoamento das relações de trabalho, levando-se em
conta principalmente o processo de precarização que se abate sobre esta mesma
relação, de forma a propor alternativas e ou construir críticas que sejam levadas
em conta como premissas necessárias nas tentativas de flexibilizar as relações de
trabalho e ao mesmo tempo entender como estão se dando estas mesmas relações.
Espera-se que a presente obra se constitua em mais uma contribuição
para o debate e a construção de propostas para o resgate do valor trabalho
humano.
Lourival José de Oliveira
Marcela Andresa Semeghini Pereira
Sumário
REMUNERAÇÃO ESTRATÉGICA E O PRINCÍPIO DA VALORIZAÇÃO
DO TRABALHO HUMANO NO BRASIL
Beatriz Vessoni de Mendonça – Lourival José de Oliveira ......................
09
DA NECESSIDADE DA EFETIVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FRENTE À DESVALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO
SÉCULO XXI
Lourival José de Oliveira .........................................................................
30
VALORIZAÇÃO DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA NO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO: UM AVANÇO NECESSÁRIO OU RETROCESSO
INEVITÁVEL?
Lourival José de Oliveira – Luitt Conceição Ortega ...............................
52
A FLEXIBILIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA: OS LIMITES DO
TRABALHO AOS DOMINGOS E FERIADOS
Marcela Andresa Semeghini Pereira .......................................................
73
FORMAS DE PROTEÇÃO CONTRA A DISPENSA DISCRIMINATÓRIA NA
RELAÇÃO DE EMPREGO DE ACORDO COM A ORDEM ECONÔMICA
CONSTITUCIONAL
Margarete de Cássia Lopes - Lourival José de Oliveira .........................
96
ACESSO À JUSTIÇA ATRAVÉS DO EMPREGO DA ARBITRAGEM NA
SOLUÇÃO DOS CONFLITOS DO TRABALHO
Rodolfo Menderico Costa Cruz ............................................................. 117
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
A PARTICIPAÇÃO DA EMPRESA NA RESSOCIALIZAÇÃO DE
EX-PRESIDIÁRIOS ATRAVÉS DO TRABALHO PRODUTIVO: O PROJETO
“COMEÇAR DE NOVO”
Sandro Dias - Lourival José de Oliveira .................................................
139
NOVOS PARADIGMAS DE SUBORDINAÇÃO NA RELAÇÃO DE
EMPREGO
Flávia Francovig Menegazzo - Lourival José de Oliveira .....................
166
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
REMUNERAÇÃO ESTRATÉGICA E O PRINCÍPIO DA VALORIZAÇÃO DO
TRABALHO HUMANO NO BRASIL
STRATEGIC COMPENSATION AND THE PRINCIPLE OF VALUATION
OF HUMAN WORK IN BRAZIL
Beatriz Vessoni de Mendonça1
Lourival José de Oliveira2
RESUMO
O presente trabalho fez uma abordagem do tema remuneração
estratégica no desenvolvimento do trabalho na sociedade atual, de forma que,
para se chegar ao resultado pretendido, focou-se, primeiramente, no princípio
da valorização do trabalho humano. Constatou-se que os baixos valores pagos
aos trabalhadores no Brasil é um dos fatores de insatisfação no trabalho. Ao
mesmo tempo, também foi identificado que as empresas estão empregando
meios e ou procedimentos para estimular a produção e, por conta disso, os
trabalhadores, através de “estratégias” de pagamento, poderão demonstrar mais
eficiência no sentido de “estimulá-los” a obterem maior produtividade. Através
destes novos procedimentos remuneratórios, aqui chamados de “estratégias” de
remuneração, criou-se uma competição entre os trabalhadores dentro da própria
organização empresarial. O objeto principal do presente estudo foi saber, até
que ponto, procedimentos desta natureza efetivamente estão em harmonia com
a valorização do trabalho humano ou se estes procedimentos podem resultar em
mais um fator para a sua precariedade. A questão principal é buscar um meio
em que as variadas formas de remuneração estratégica possam também atender
o princípio da valorização do trabalho humano. Adotou-se o método dedutivo,
com pesquisas bibliográficas.
Palavras-chave: Precarização do trabalho; Remuneração estratégica;
Valorização do trabalho humano.
Bacharel em Direito, advogada em Assis/SP e Mestrando em Direito Empresarial pela UNIMAR.
e-mail: [email protected]
2
Doutor em Direito das Relações sociais (PUC-SP). Docente do Programa de Mestrado em
Direito da Universidade de Marília; Docente do Curso de Graduação da Universidade Estadual
de Londrina; Docente e Coordenador do Curso de Direito da Faculdade Paranaense; advogado
em Londrina.
1
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
ABSTRACT
This paper made a​​ strategic approach to the subject in the development
of labor remuneration in the current society, so that to reach the desired outcome
focused primarily on the principle of recovery of human labor. It was found that
low amounts paid to workers in Brazil is one of the factors of job dissatisfaction.
At the same time it was also identified that companies are employing means or
procedures and to stimulate production and because of that the workers, through
“strategies” for payment, may prove more efficient in order to “encourage” them
to achieve greater productivity. Through these new remuneration procedures,
here called ‘strategies’ compensation, it created a competition between workers
within the business organization. The main object of this study was to what
extent procedures of this nature are effectively in line with the valuation of
human work or if this can result in over a factor for their instability. The main
issue is to find a way in which the various forms of strategic compensation can
also meet the principle of recovery of human labor. We adopted the deductive
method with literature searches.
Kew-words: Precarious work; Strategic compensation; Valuation of
human work.
1 INTRODUÇÃO
A proposta desse trabalho foi de apresentar os produtos da remuneração
estratégica na formação e no desenvolvimento do trabalho na sociedade atual.
Para tanto, foram abordados os vários sistemas de remuneração estratégica
existentes até o momento e, ao mesmo tempo, buscou-se fazer um paralelo com
o princípio constitucional da valorização do trabalho humano e a função social
da empresa, que ao mesmo tempo se constituem em um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil, conforme se encontra esculpido no artigo 1º,
inciso IV, do mesmo texto.
Pagamentos feitos em decorrência da prestação de trabalho podem
gerar insatisfação para os trabalhadores e constituem um poderoso desestimulante
que coloca em risco a eficácia e a eficiência de uma organização empresarial.
Neste trabalho, pretende-se resgatar, por intermédio da combinação
escrita de diferentes autores e das experiências de organizações produtivas, a
importância da realização da valorização do trabalho humano, para que seja
atingido o princípio maior, que é a dignidade da pessoa humana, fazendo um
corte e realizando estudos especificamente na questão da remuneração, aqui
denominada de remuneração ou remunerações estratégicas.
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Antes de adentrar respectivamente no assunto, foi feita uma
retrospectiva do que seria trabalho, sua origem histórica e evolução, mostrando
a sua inexorável complexidade, além de suas diversas formas de remuneração,
sempre no intuito de contextualizar o objeto aqui em estudo, de forma a poder
apresentar proposições concretas através de um estudo paralelo entre os
resultados produzidos pelas variadas formas de remuneração estratégica e a
valorização do trabalho humano.
É possível constatar que as organizações se modernizam com
extrema rapidez e com elas, as formas de produzir produtos ou serviços. Esta
modernização é resultado daquilo que se passou a chamar de globalização, que
diga-se, possui um conceito multidisciplinar. Dentro deste contexto, é comum
também encontrar várias formas de estímulo à maior rapidez (velocidade) na
realização de tarefas que são realizadas pelos empregados, como forma de obterse o incremento da produção e, como resultado, uma maior competitividade
empresarial através, principalmente, da redução dos custos operacionais.
Acontece que, pensar-se na remuneração do trabalhador em grandes
organizações significa estabelecer a primeira premissa que deve nortear o
referido estudo. Ou seja, que a remuneração deva estar acompanhada com os
objetivos e necessidade da empresa e também deve proporcionar a valorização
do trabalho humano.
Não é possível que os meios ou métodos de remuneração estratégicos
possam priorizar o aumento da produção e de outra ordem produzir a
precarização do trabalho humano. Sem essa associação, pode resultar em formas
de remuneração estratégica inconstitucionais, considerando a sua contrariedade
aos princípios contidos, principalmente, no artigo 170, da Constituição Federal.
Outro ponto que necessita ser abordado para o presente estudo é a
função social da empresa, ou seja, a empresa produtora de bens e sua obrigação
de realização da chamada função social. Trata-se de promover os valores
contidos no ordenamento jurídico, os princípios constitucionais em relação ao
trabalho humano e a função social da propriedade, previsto no Art. 170, da
Constituição Federal.
O trabalho que ora se apresenta foi elaborado utilizando-se o método
dedutivo. Enquanto meios de pesquisa, foram utilizadas obras jurídicas das
áreas de Direito do Trabalho, Direito Administrativo e Direito Constitucional,
comportando também pesquisas em obras específicas da administração
empresarial e sociologia, principalmente, de forma a compor um estudo
multidisciplinar.
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
2 A HISTÓRIA DA REMUNERAÇÃO
Neste primeiro item, procurar-se-á demonstrar que a remuneração no
Brasil adotou vários critérios de valoração do trabalho do empregado, a ponto
de serem criadas várias espécies de remuneração, que, em muitas situações,
apresentam-se de forma compartimentadas, que ora buscam garantir ao
empregado uma retribuição pelo trabalho prestado no sentido de trabalho e,
muitas vezes, como uma espécie de “indenização” pelos malefícios causados a
ele, em razão do trabalho prestado.
A remuneração, ao lado de outras questões como a jornada de trabalho
e o próprio ambiente de trabalho, ocupou posição fundamental no estudo da
relação de emprego.
Na Roma antiga, era costume pagar aos domésticos com sal, sendo
também este o pagamento que se fazia às legiões romanas, para que os soldados
comprassem comida. A palavra salário deriva do latim salarium, e este de sal
(sal, salis; em grego, hals). Em grego, por sua vez, a palavra salário traduz-se
por merced, isto é, prêmio ao trabalho – míodos, composto de mísos (ódio) e
íodos (afastar, afugentar), pois que, por meio da merced recebida, os escravos,
dedicados ao trabalho material, reconciliavam-se com os seus senhores
(VIANA, 1997, p. 1. apud PORTO, 2009).
Antes de a humanidade inventar a moeda, a remuneração do trabalho
humano era feita com mercadorias, como carneiro, porco, sal e peles.
A palavra salário, aliás, surgiu a partir da porção de sal que era dada
como pagamento aos soldados na Roma antiga. Ao descobrir que o
sal, além de ajudar na cicatrização, servia para conservar e dar sabor
à comida, os romanos passaram a considerá-lo um alimento divino,
uma dádiva de Salus, a deusa da saúde.
A ideia de que o trabalho deveria ser remunerado era inexistente. Na
Idade Média, os servos, em busca de proteção, cultivavam a terra
dos nobres, recebendo em troca apenas a possibilidade de tirar dela
seu sustento. Mais tarde, com a criação das corporações de ofício,
trabalhadores livres vendiam no mercado os produtos que produziam.
O salário como remuneração que o trabalhador recebe pelo tempo e
esforço gastos na produção de bens e serviços surgiu só na segunda
metade do século 14, época marcada pelo declínio do poder feudal
e pelo desenvolvimento de fortes nações-estado. (SALÁRIO, 1987)
O vocábulo remuneração também é de origem latina: vem de
remuneratio, do verbo remuneror, composto do re (ligado à reciprocidade) e
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
de muneror (recompensar). Trata-se de verbo derivado do substantivo múnus,
muneris (atributo, presente). Rudolf von Jhering sustenta que a palavra
remuneratio foi usada pelos romanos em contraposição à merced, que retribuía
o trabalho exclusivamente manual (VIANA, 1997, p.1 apud PORTO, 2009).
A função primordial da remuneração é servir de contraprestação ao
empregado pelo trabalho prestado, ou seja, proporcionando a ele a dignidade
e fazendo com que trabalho, em contrapartida, receba a remuneração por seus
préstimos dados a um determinado trabalho exercido.
A respeito da história da remuneração, pode-se afirmar que ela
teve seu início nos modelos americanos e que, na década de 40, chegam ao
Brasil as primeiras técnicas a serem aplicadas nas empresas governamentais.
(SISTEMAS, 2008).
Ainda há que se ressaltar que, nos anos 60 e 70, no Brasil, o modelo
tido como de administração salarial passou a ser mais conhecida e utilizada nas
empresas multinacionais. (SISTEMAS, 2008).
Na doutrina, é possível identificar ao menos três conceitos básicos
de remuneração a respeito, os quais seriam: remuneração como sinônimo de
salário; remuneração como gênero das parcelas contraprestativas, sendo o
salário a espécie mais importante; remuneração como somatório do salário,
mais as gorjetas. Para essa terceira corrente, a CLT definiu o salário com base
na origem da parcela contributiva, sendo o conjunto de parcelas devidas e pagas
diretamente pelo empregador (arts. 29, §1º, 76 e 457, caput, CLT), ao passo que
as gorjetas são pagas por terceiros (PORTO, 2009).
Do terceiro conceito acima exposto, desenvolveram-se duas correntes.
Tendo sua primeira vertente, muito importante no passado, entendeu-se que
“remuneração” foi a fórmula utilizada pela CLT para incluir as gorjetas habituais
na base de cálculo do salário, para fazê-las incidir nas demais parcelas salariais
(13º salário, férias e respectiva gratificação de 1/3, adicionais calculados sobre
o salário contratual, horas-extras, repouso semanal remunerado, aviso-prévio,
FGTS e multa de 40%, etc.) (PORTO, 2009).
A segunda vertente defende que a CLT, em seus arts. 76 e 457, caput,
criou dois tipos legais distintos: o salário, pago diretamente pelo empregador, e
a remuneração, paga diretamente por terceiros.
Assim, as parcelas remuneratórias, como as gorjetas, não produzem
efeitos próprios às parcelas salariais (v.g., não compõem o salário mínimo legal),
nem integram o salário contratual do empregado, não produzindo, portanto,
reflexos em outras parcelas.
Nesse sentido é a Súmula n. 354 do TST, in verbis:
[...] as gorjetas, cobradas pelo empregador na nota de serviço ou
oferecidas espontaneamente pelos clientes, integram a remuneração
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
do empregado, não servindo de base de cálculo para as parcelas
de aviso prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal
remunerado (BRASIL, 2003).
Todavia, para alguns cálculos, deve-se levar em conta a média
das gorjetas habituais, como o recolhimento previdenciário (a estimativa
das gorjetas deve, inclusive, ser anotada na CTPS – art. 29, §1º, da CLT),
os depósitos do FGTS (o art. 15 da Lei n. 8036/90 fala em “remuneração” e
menciona expressamente o art. 457 da CLT, o qual, ao definir a remuneração,
inclui aí as gorjetas), 13º salário (as Leis n. 4090/62 e n. 4749/65 mencionam a
remuneração do mês de dezembro como base de cálculo dessa parcela salarial).
A segunda vertente, em contraponto à primeira, leva à diminuição
da contraprestação paga ao empregado que recebe gorjetas habituais, pois
estas produzem menos reflexos. Todavia, abre caminho para uma outra
interpretação: se a remuneração é o conjunto das parcelas pagas por terceiros,
ela incluiria, não somente as gorjetas, mas outras verbas (honorários
advocatícios do advogado empregado, participação em publicidade paga por
terceiro, habitualmente recebida por atleta ou artista), que teriam reflexos nos
depósitos FGTS, no 13º salário e no recolhimento previdenciário. A crítica
que é feita a essa interpretação tem a ver com o art. 457 da CLT, que, ao
definir a remuneração, menciona somente as gorjetas, não dando espaço para
a inclusão de outras verbas (PORTO, 2009).
Por outro lado, também é possível identificar, no sistema brasileiro de
pagamento das remunerações, outros indicativos que merecem estudo. Trata-se
dos valores pagos a título de adicionais, como por exemplo, os adicionais de
insalubridade e periculosidade, que prima face buscam coibir o empregador da
prática ou utilização de locais impróprios para o trabalho e, ao mesmo tempo,
buscam repor ao empregado os malefícios resultantes do trabalho em condições
insalubres ou perigosas, o que de fato nem um nem outro dos objetivos são
alcançados, considerando o valores que são pagos sob este título.
De outra sorte, tem-se também os valores pagos como contraprestação
do trabalho prestado que levam o nome de gratificações, adicionais de
produtividade, prêmios, que, de certa forma, querem estimular a produtividade,
assiduidade, as responsabilidades excedentes assumidas pelo empregado, no
contexto organizacional.
Conclui-se, assim, que o sistema brasileiro de remuneração apresenta,
há décadas, variadas formas de remuneração do empregado pelo seu trabalho
prestado, com “fatos geradores” distintos, a ponto de criar um verdadeiro
emaranhado de designações de valores pagos ao empregado, os quais irão
compor ao final o todo, que é frequentemente chamado de remuneração. Neste
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
diapasão, é possível afirmar que no Brasil, praticamente desde os primórdios
da Consolidação das Leis do Trabalho (1943), já vem sendo adotada de certa
forma aquilo que passou a ser denominado de “remuneração estratégica”.
Não obstante, no próximo item, buscar-se-á aprofundar os estudos
no conceito de “remuneração estratégica”, enquanto ponto de partida para o
desenvolvimento das proposições que aqui se pretende apresentar.
3 CONCEITO E OBJETO DA REMUNERAÇÃO ESTRATÉGICA
Neste segundo item, abordar-se-á a respeito do conceito de
remuneração estratégica e o seu objeto. Para tanto, a remuneração estratégica,
como foi dito, já vem sendo usada há muito tempo, mas foi recentemente que
tomou por conceito remuneração estratégica, uma vez que faz uma abordagem
de vários tipos de remuneração, que logo mais serão tratados.
De alguns anos para cá, diante da competição crescente, os empresários
têm tentado incessantemente modernizar suas empresas. Essa tentativa de
modernização tornou-se um desafio, no sentido de descobrir novos elementos
ou estratégias para aumentar o lucro da empresa e seus acionistas. Com isso, a
própria criação de valor tornou-se uma preocupação, não apenas para os altos
executivos, mas também a todos os demais membros da organização.
Sendo assim, a remuneração estratégica é um conjunto de diferentes
maneiras para remunerar os funcionários, representando um elo entre os
trabalhadores e a nova realidade das organizações. A remuneração estratégica
deve considerar todo o contexto em que a organização está inserida, levandose em conta as suas características e planejamentos atuais e futuros. Os
empregados sentem-se mais valorizados e melhor remunerados, maximizando
a sua contribuição individual para o sucesso da organização e cumprimento
das metas estabelecidas (WOOD, PICARELLI, 1999). Contudo, esta afirmativa
deve ser apresentada na condicional, uma vez que o resultado poderá ser inverso.
Para os estudiosos Wood e Picarelli (1999, p. 44), a definição de
remuneração estratégica é uma ponte entre os indivíduos e a nova realidade das
organizações, ou seja, primeiramente no sentido de considerar todo o contexto
organizacional, levando-se em conta as grandes categorias que dão forma e
conteúdo à empresa, a estratégia, a estrutura e o estilo gerencial.
O ideal principal a ser atingido através da remuneração estratégica
é remunerar os trabalhadores de acordo com a sua contribuição para a
organização empresarial, de forma a atingir os objetivos da mesma organização,
levando-se em conta o cargo ocupado pelo trabalhador, à forma de produzir e
outros elementos que fazem parte do próprio método de produzir. Além das
características acima citadas, um projeto de remuneração estratégica também
15
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
engloba os conhecimentos do trabalhador, as suas habilidades, as competências,
o desempenho e os resultados (WOOD, PICARELLI, 1999).
Ainda definindo a remuneração estratégica:
A remuneração estratégica é também um catalisador para a convergência
de energias na organização. À medida que o sistema de remuneração
é alinhado ao contexto e à estratégia da empresa, constitui fator de
harmonização de interesses, ajudando a gerar consensus e atuando
como alavanca de resultados (WOOD, PICARELLI, 1999, p. 45).
Segundo Marras (2012, p. 23) um plano de remuneração estratégica seria:
Denomina-se remuneração estratégica aquela que representa um
modelo de compensação que permite premiar aqueles empregados
da empresa que, por uma razão ou por outra, se destacaram dos
demais num determinado período. Essa afirmativa considera,
portanto, que a remuneração estratégica faz com que os empregados
passem a ser considerados em concordância a um conjunto de fatores
que possuem e que podem influenciar diretamente nos resultados
oferecidos à companhia.
Faz-se necessária a compreensão de que as bases da remuneração
estratégica servem para qualquer modelo que for aplicada. Passará pelo
desempenho do trabalhador e também por um conjunto de três fatores
indispensáveis para que a organização assim o implante.
Deve-se ter conhecimento, habilidade e atitude, ou seja, os resultados
desses fatores resultam no comportamento do trabalhador, traduzido em termos
de resultados esperados. Assim, o trabalhador será avaliado pela organização por
meio de um sistema de remuneração estratégica que lhe dará, como recompensa
pela sua contribuição produtiva, no caso, sendo positiva, um acréscimo em seus
ganhos econômicos (MARRAS J, MARRAS, 2012, p. 25).
Remuneração é sempre um assunto que normalmente é tratado pela
alta direção e um ponto de atenção para conselheiros e acionistas. Portanto, é
extremamente importante que esse assunto não esteja relegado a apenas um
grupo de especialistas que domina a metodologia de cargos e salários, mas sim,
ser pauta obrigatória da área de gestão de pessoas, que tenha como pretensão ser
tratada como área estratégica (TENDÊNCIA, 2013).
Nesta seara, as empresas precisam ter flexibilidade e pensar de
modo estratégico para administrar seu pacote de remuneração monetária e
de recompensas não monetárias neste tipo de ambiente, como flexibilizar
16
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
a administração salarial, manter os níveis de remuneração alinhados com a
inflação, enxergar além dos índices formais de inflação, observar o mercado,
tornar-se inovador, utilizando-se de ferramentas alternativas de retenção,
estudar reajustes salariais múltiplos anuais, considerar o aumento do custo de
benefícios, intensificar os programas de comunicação ao empregado, em linhas
gerais, esteja preparada para “o dia seguinte”, buscar a vantagem competitiva”.
(TENDÊNCIA, 2013 )
A partir desse conceito de remuneração estratégica, foi criado o sistema
de remuneração estratégica, que nada mais é que uma forma ou instrumento
para equilibrar as diferentes fontes de remuneração.
Desta forma, pode-se concluir que a remuneração estratégica é
o estudo, a construção de ferramentas que auxiliam as empresas a desenhar
e implementar um modelo de remuneração alinhado à geração de valor aos
negócios que motivam os colaboradores a atingirem os resultados desejados,
a partir de alguns pressupostos, como a definição do pacote de remuneração
de acordo com as necessidades da organização e de seus colaboradores,
a segmentação da solução para os diferentes tipos de colaboradores que a
organização necessita e a motivação dos colaboradores para atingir as metas e
objetivos da organização (WOOD, PICARELLI, 1999, p. 45).
Após apresentado o conceito de remuneração estratégica, no próximo
item, será feita uma abordagem dos vários sistemas que a compõem.
4 SISTEMAS DE REMUNERAÇÃO ESTRATÉGICA
Acompanhando as grandes e rápidas transformações que as empresas
vêm sofrendo, ou seja, mudanças significativas, tanto na automação, quanto
na multifuncionalidade, é correto afirmar que as formas de remunerar sofrem
diretamente as mesmas transformações.
Para que as empresas se tornem cada vez mais ágeis, competitivas e com
lucros cada vez maiores, há de se pensar no fundamental, o qual seja o trabalhador,
e para isso as diversas formas de remuneração estratégica estão presentes para
fazer com que o trabalhador possa se doar integralmente à empresa e assim a
empresa o remunerar de “forma justa”, obtendo-se como resultado, a satisfação
de ambas as partes. Pelo menos este é o objetivo que ideologicamente justifica a
remuneração estratégica, da forma como hoje ela está sendo empregada.
Para dar continuidade ao presente estudo, no intuito de localizar o
leitor de forma mais detalhada nas variadas formas de remuneração estratégica,
vale apreender algumas espécies.
A Remuneração Funcional é comumente conhecida popularmente
como Plano de Cargos e Salários (PCS), e trata-se de um dos sistemas mais
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
tradicionais e o mais praticado nas empresas. É conhecido nas grandes empresas
que a utilizam como o procedimento que tende ao conservadorismo e à inércia.
Já a remuneração por habilidade é mais empregada ao nível
operacional das empresas, como manufatura e atendimento a clientes e é
determinada pela formação e capacitação dos funcionários, onde desloca o foco
do cargo ou função para o trabalhador, de forma que as habilidades ou os blocos
de habilidades passam a determinar a base da remuneração.
Com a implantação da remuneração por habilidades, o sistema
tradicional, que visa avaliar e remunerar o cargo, deixa de ser considerado,
passando a ser avaliado o que o funcionário é capaz de desenvolver (WOOD,
PICARELLI, 1999, p. 45).
Outra forma ainda seria remuneração por competências, que é
determinada pela formação e qualificação do empregado, e difere, porém, da
remuneração por habilidades, por ser mais adequada ao nível gerencial. Assim,
desloca o foco da empresa para o trabalhador, incentivando o desenvolvimento
do empregado.
Vale aqui citar, também, que o salário indireto é conhecido como um
conjunto de benefícios e outras vantagens que são oferecidos pelas empresas
aos seus empregados, representando uma considerável parcela da remuneração
total. Na forma mais tradicional, os benefícios variam de acordo com o nível
hierárquico. Na forma flexibilizada, cada colaborador escolhe o “pacote”
de benefícios, de acordo com suas necessidades e preferências, a partir das
alternativas disponíveis.
A flexibilização maximiza o investimento da empresa em benefícios,
proporcionando uma alocação mais racional de recursos e um aumento do
valor percebido pelo colaborador. Os mais comuns são: automóveis, assistência
médica e odontológica, previdência privada, transportes, creches etc. (WOOD,
PICARELLI, 1999, p. 45).
Os planos privados de aposentadoria também contribuem para a
valorização do compromisso de longo prazo entre empresa e empregados,
em que o crescimento dos fundos de pensão relaciona-se diretamente à
disseminação dos sistemas de previdência privada. É uma forma complementar
de remuneração, que tem atraído a atenção de empresários e executivos
(WOOD, PICARELLI, 1999, p. 45).
No caso da participação acionária, muitas das vezes sendo usada
como alternativa à participação dos lucros da empresa é vinculada a objetivos
de lucratividade da empresa e utilizada para reforçar o compromisso de longo
prazo entre empresa e colaboradores.
As alternativas criativas são prêmios, gratificações e outras formas de
reconhecimento, homenagens em público e títulos honorários. Estas formas têm
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
sido utilizadas como apoio no esforço de construir um ambiente organizacional,
caracterizado pela convergência de esforços e energias voltados para o
atendimento de objetivos estratégicos da organização (WOOD, PICARELLI,
1999, p. 46).
Finalmente, tem-se a remuneração variável, que é o conjunto de
diferentes formas de recompensa oferecidas aos empregados, complementando
a remuneração fixa e atrelando fatores como atitudes, desempenho e outros,
com o valor percebido. Remuneração por resultados e participação acionária
são duas formas de remuneração variável e estão vinculadas ao desempenho.
O desempenho individual pode ser recompensado por incentivos
e prêmios e o desempenho da equipe pode ser reconhecido através de
remuneração por resultados. Os objetivos da remuneração variável são:
criação de vínculos entre o desempenho e a recompensa, compartilhamento
dos resultados da empresa e transformação do custo fixo em variável (WOOD,
PICARELLI, 1999, p. 46).
No conjunto, fica claro observar que, a cada uma das formas de
remuneração estratégica, tem-se um elemento específico para a sua formação ou
incidência que, de certa forma, acaba explicando o seu emprego ou utilização,
criando vários “modelos” de mensuração na retribuição do valor do trabalho
dispendido pelo empregado. Também é possível afirmar que, praticamente
todas as formas alinham-se na busca do resultado produtividade, que dentro de
um contexto organizacional, também pode ser explicado pelo fator redução do
custo da produção.
A questão que será abordada no item seguinte gira em torno de saber
se as formas de remuneração aqui estabelecidas harmonizam-se com o princípio
da valorização do trabalho humano, que se trata do ponto nuclear deste estudo.
5 REMUNERAÇÃO ESTRATÉGICA E O RESPEITO AO PRINCÍPIO DA
VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Cabe aqui tratar a respeito da remuneração estratégica e as suas
principais regras ou, no caso, em que ponto que ela e o princípio da valorização
do trabalho humano encontram-se e harmonizam-se. Para tanto, será feita uma
abordagem no presente artigo para, ao final, fazer a comparação.
A valorização do trabalho humano é tratada como um dos temas
basilares da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1, inciso IV, a respeito
da valorização do trabalho e a livre iniciativa. Adiante, o trabalho também
vem descrito no Art. 6º, e logo em seguida, como um dos direitos sociais. Por
sua vez, o Art. 7º apresenta os direitos dos trabalhadores constitucionalmente
previstos, com a finalidade de salvaguardá-los.
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Uma vez que se trata o trabalho como imposição para que se possa
atingir os meios necessários de subsistência, podendo, assim, satisfazer às
necessidades vitais para a dignidade humana em sociedade, o legislador
constituinte atribuiu tamanha relevância para a valorização do trabalho humano.
É no capítulo destinado aos princípios gerais da atividade econômica
que o trabalho humano ganha sua maior ênfase constitucional, justamente no
Art. 170, caput, em que a valorização do trabalho humano vem emparelhada
com a livre iniciativa. A liberdade dos agentes econômicos para atuarem no
mercado deverá ser exercida de forma que se valorize o trabalho humano.
A valorização do trabalho humano, segundo BARBOSA (2003, p. 205):
[...] aponta que o trabalho na Antiguidade não era considerado digno,
sendo desempenhado pelos menos favorecidos, já que os nobres não
deveriam se envolver em atividades consideradas tão baixas. Somente
no período Medieval esse conceito sofreu modificações, em face do
Cristianismo, passando a ser vislumbrado como um vetor contributivo
da dignidade.
Seguindo o princípio da valorização do trabalho humano, GRAU
(2012, p. 197), no entanto, conceitua da seguinte forma:
Valorização do trabalho humano e reconhecimento do valor social
do trabalho consubstanciam cláusulas principiológicas que, ao par de
firmarem compatibilização – conciliação e composição – a que acima
refere, portam em si evidentes potencialidades transformadoras,
em sua interação com os demais princípios contemplados no texto
constitucional.
O artigo 170, da Constituição Federal, ao tratar da ordem econômica,
estabeleceu que deve ser fundada na valorização do trabalho humano e na
livre-iniciativa. Pode-se notar que o valor do trabalho humano é consagrado
e deve ser extremamente valorizado; por conta disso, muitos doutrinadores
dizem que os valores do trabalho humano sobressaem-se, em consideração
aos valores econômicos.
A Constituição Federal de 1988 consagra da maneira mais natural e
excepcional o homem, no caso, o valor do trabalho humano. Ficou bem evidente
que o constituinte pretendeu valorizar a força de trabalho do trabalhador brasileiro,
como direito fundamental uma vez que veio de um passado escravista. E por ser a
Constituição Federal de 1988 democrática, respeita e valoriza acima de qualquer
outra norma, o ser humano e, nesse caso específico, o valor do trabalho humano.
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Nas palavras de SILVA (1999, p. 766):
[...] embora capitalista, a ordem econômica dá prioridade aos valores
do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de
mercado. Conquanto se trate de declaração de princípio, essa prioridade
tem o sentido de orientar a intervenção do Estado, na economia, a fim
de fazer valer os valores sociais do trabalho que, ao lado da iniciativa
privada, constituem o fundamento não só da ordem econômica, mas da
própria República Federativa do Brasil. (grifo nosso)
Com isso, ao passo que o Estado deve preocupar-se com a criação
de políticas econômicas, deverá, conjuntamente, preocupar-se com o trabalho
digno, através do cumprimento dos princípios elencados no mesmo artigo 170,
da Constituição Federal, destacando-se, dentre eles, o pleno emprego.
Nesse sentido, o Estado moderno deve regular a ordem econômica
e social, de maneira que sejam respeitados os princípios de justiça social,
conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho, como
condição da dignidade humana (SUSSEKIND, 2002, p. 200).
Com a industrialização e a grande tecnologia de ponta usada hoje, os
agentes econômicos sempre tentam reduzir as despesas ao máximo, buscando
um custo de produção cada vez menor. Com isso, acabam por reduzir não só as
despesas, mas também deixam à margem do vínculo de emprego, boa parte da
população em plena capacidade laboral.
Desta forma, faz-se mister a valorização do trabalho humano, que,
se por um lado, traz as benesses da justiça social, gerando mais e melhores
empregos, também fortalece a economia, ao passo que reinsere no mercado de
consumo os trabalhadores, que são consumidores em potencial.
A valorização do trabalho humano aborda duas situações.
Primeiramente, deve se entender como oferecimento de mais trabalho com
qualidade (digno), ou seja, mais postos de trabalho e em segundo, que seja
construído um conjunto de situações que proporcionem melhores condições de
trabalho, fazendo com que repercuta de forma positiva na vida do trabalhador,
resultando, principalmente, na redução das desigualdades sociais.
Para Oliveira (2011, p. 24), a valorização do trabalho é conceituada:
Como se valoriza o trabalho? Em um primeiro momento, através da
geração de mais postos de trabalho; havendo um melhor trabalho
com mais satisfação, com menos riscos, com mais criatividade, com
participação de quem trabalha no gerenciamento empresarial,
sem discriminação; por meio de uma melhor retribuição, com a
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
efetivação dos direitos sociais consubstanciados nos arts. 6 a 11 da
CF; e, uma efetiva política pública de qualificação da mão de obra,
capacitando criativamente o ser humano. (grifo nosso).
Partindo do mesmo conceito, ficou de forma bem clara e abrangente, a
possibilidade do respeito ao sistema de remuneração estratégica, de acordo com
a forma em que for empregado, vir a atender o objetivo constitucional sobre a
necessidade de valorização do trabalho humano.
Nota-se que a partir deste momento do estudo, procurar-se-á fazer
uma ponte entre o princípio da valorização do trabalho humano e a remuneração
estratégica.
A empresa precisa exercer, de forma necessária e obrigacional, o trato
com o trabalho humano, enquanto um valor social e não puramente econômico,
o que significa avançar no sentido e evoluir de um tratamento puramente
enquanto mercadoria, de fácil substituição ou descarte e apreendendo-o como
necessário para a atividade econômica, considerando-se, principalmente, as
várias formas de remunerá-lo.
Em outras palavras, é possível fazer uma leitura, a partir das variadas
formas de remuneração, sobre a condição em que o trabalho humano está sedo
concebido. Quer dizer, se ele está sendo tratado como simples mercadoria ou
como valor social.
Em relação à valorização do trabalho humano, esta tem como
finalidade proporcionar ao ser humano um trabalho que lhe resulte em orgulho
na sua realização. Que proporcione prazer, de forma que o trabalhador realmente
sinta-se bem ao iniciar o labor.
Desta forma, o trabalho transcende à condição de requisito necessário
à sobrevivência e passa a ser condição necessária à dignidade humana. Com
isso, a remuneração estratégica, compreendida dentro deste contexto, deverá
estar voltada a atender as necessidades do trabalhador, como forma de valorizálo, incentivá-lo e motivá-lo a exercer seu labor de forma gratificante, sem
desmerecer que, dentro do modo capitalista de produção, deverá também
contribuir positivamente para a geração do lucro empresarial.
Sob este ponto de vista, ambos saem vencedores, tanto a empresa,
reduzindo custos e obtendo lucros, quanto o trabalhador, trabalhando-se de
forma valorada socialmente, considerando que os resultados da atividade
empresarial estará atendendo os objetivos constitucionais consubstanciados em
especial no artigo 3º da Constituição Federal.
O ambiente organizacional, que guarda um sistema de remuneração
estratégica adequada com os objetivos constitucionais, estará voltado para
o investimento no desenvolvimento das potencialidades dos trabalhadores,
considerando que o investimento social empresarial é o fator diferenciador
22
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
entre as atividades puramente lucrativas e aquelas que atendem aos princípios
da ordem econômica.
Em se falando de valorização do trabalho humano, deve ser considerada
uma outra variável a complementar a remuneração dos trabalhadores, ou seja,
a variável volitiva.
Portanto, segundo Marras, a variável volitiva é aquela que permitirá
ao homem realmente realizar aquilo que se propõe a fazer. É o desejo interno
de fazer. É a vontade intrínseca de realizar um feito (MARRAS J., MARRA
P., 2012, p. 27).
Ainda segundo esse pensamento, para que algo seja feito, realizado,
é preciso que o trabalhador tenha o conhecimento suficiente para assim fazê-lo.
Apenas o conhecimento não basta, ou seja, ter o poder de saber para executar.
É necessário e fundamental que se tenha a vontade de fazer.
Melhor explicando, é essencial neste pensamento aqui demonstrado
de remuneração estratégica e valorização do trabalho humano, que exista a
vontade do trabalhador, no sentido que ele queira fazer. Trata-se da variável
volitiva, na qual o trabalhador deve desejar fazer o trabalho, tenha vontade
própria e não o dever. Com isso, fica bem evidente que o trabalhador, em seu
íntimo, terá o desejo de realizar determinado trabalho.
Que esse seja um desejo seu e não uma ordem do superior hierárquico,
ou melhor dizendo, que caminhe junto, como complemento, para obter-se a
valorização do trabalho humano.
O labor exercido pelo trabalhador é essencial para a efetivação da
justiça social e, sendo assim, faz-se necessária a intervenção do Estado na relação
entre trabalhadores e agentes econômicos, pois a parte mais fraca, embora em
maior número, vê-se submetida ao domínio do capital, o que significa que a
liberdade de mercado, sem a intervenção do Estado, pode produzir uma situação
em que o trabalho passe a ser entendido apenas como um fator de produção,
trazendo como consequência, a sua desumanização (MORAES, 2014, p. 56).
No item seguinte, será feita uma abordagem no tocante à remuneração
estratégica e a função social da empresa, no momento em que ambas devem
estar em sintonia, a fim de proporcionar o fim social para a empresa e o valor
agregado ao trabalhador.
6 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA E OS NOVOS SISTEMAS DE REMUNERAÇÃO ESTRATÉGICA
O objetivo deste item é estudar o papel desempenhado pelas empresas
na realização das atividades pelo trabalhador, relacionadas com a prestação dos
direitos sociais que, por fim, almejam realizar, de fato, a função social empresarial.
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Para tanto, será traçado um breve histórico do desenvolvimento
da empresa e da disciplina normativa de suas atividades e analisada a
relação remunerações estratégicas empreendidas e os valores e ou princípios
constitucionais dirigidos à valorização do trabalho humano.
Através de um breve relato histórico produzido pelo antigo Direito
Comercial, a empresa passou por quatro fases, sendo que a primeira delas foi
uma fase primitiva (escambo de mercadorias); na segunda fase, foi chamada
de corporativa (corporações de artesãos e feiras), e a terceira, chamada de
mercantil (direito comercial como antes conhecido). Atualmente, localiza-se a
fase empresarial (PEREIRA, 2014).
Hoje, com o advento do Novo Código Civil - Lei 10.406 de
10/01/2002, a essência mudou. O empresário de hoje não é mais concebido
como pessoa que explora a atividade econômica. Tornou-se agente social, ou
seja, deve realizar a atividade econômica norteado pelos princípios de valores
sociais e individuais, nesse caso, consciente da função social que deve margear
qualquer ação empreendedora.
Para tanto, conforme já foi defendido no item anterior, e agora
parafraseando Roberto Grau, é imprescindível a intervenção do Estado. Em
outras palavras, constitui em intervenção estatal na economia por direção, na
classificação de GRAU (2012, p. 162-163), que:
[…] consiste na edição de normas de comandos imperativos, de
observância obrigatória e necessária. […] é o Direito um nível de
realidade social. Mais não é preciso considerar para que se comprove
a insuficiência da ideologia estática da interpretação jurídica e do
pensamento voltados ao legislador. A realidade social é o presente;
o presente é a vida – e a vida é movimento. […] A constituição é um
dinamismo […] assim o significando válido dos princípios é variável
no tempo e no espaço, histórica e culturalmente. (grifo nosso).
Com relação ao princípio da função social da empresa, o mesmo deve
ser estendido à atividade econômica. Assim, faz-se necessário que a empresa, no
exercício de suas funções, exerça a liberdade de iniciativa e a livre concorrência
e que estes princípios estejam em contrapartida ligados com os valores
fundamentais da dignidade da pessoa humana, do trabalho e da solidariedade.
A Constituição Federal, ao assegurar a todos o livre exercício de
qualquer atividade econômica, garantindo assim o exercício da empresa, impõe
o dever de observar a função social da propriedade, e no caso aqui abordado,
inclui-se a remuneração estratégica.
Para as empresas que aderem à remuneração estratégica e atingem
de forma completa a função social da empresa, seu principal ganho é envolver
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
funcionários na atividade empresarial. O referido envolvimento pode ganhar
concretude, a partir do momento em que os trabalhadores participem diretamente
da organização empresarial, de forma a compor a organização.
A finalidade da remuneração estratégica, conjuntamente com o
princípio da função social da empresa, entrelaça-se no ponto em que o conjunto
composto pela remuneração fixa, somada a ganhos extras e benefícios, têm de
vir acompanhados também das metas econômicas estabelecidas pela empresa,
sem que o segundo se sobreponha ao primeiro.
Na relação organizacional da empresa é interessante que, quanto mais
as pessoas estiverem envolvidas nos processos de produção, melhores serão
os resultados. Além do ganho financeiro, os empregados sentem-se parte das
conquistas das organizações (SMITH, 2014).
A questão principal, dentro da análise que se encontra em
desenvolvimento e já apresentada neste estudo, é o fato das remunerações
estratégicas hoje implantadas no Brasil priorizarem o indivíduo, ou seja, a
pessoa do trabalhador, fazendo com que se formem processos de concorrência
entre trabalhadores atuando na mesma empresa.
A forma integrativa organizacional, que atenderia os princípios
constitucionais da função social da empresa, valorização do trabalho humano,
através da construção de um meio ambiente empresarial digno, não está acontecendo.
Os planos de metas individuais estabelecidos, com a forma de retribuição salarial
por produção, simplesmente espanam as possibilidades do alcance a qualquer um
dos resultados empresariais estabelecidos constitucionalmente.
Em outras palavras, trata-se de uma metodologia ou procedimento
que dissocia, desarticula, coloca fim a qualquer forma organizacional de
trabalhadores, restringindo-se assim o plano coletivo e por outro lado, compondo
uma premissa que está se formando de forma inversa às matrizes de valorização
do trabalho humano.
Sem se afastar da individualidade de cada trabalhador, quer seja
pela sua capacidade de produzir, quer seja pela sua qualificação ou perfeição
técnica, não é possível pensar a remuneração estratégica no campo individual,
afastando-se do tratamento coletivo, o que significa levar em consideração o
conjunto dos trabalhadores de determinada empresa.
Também, não é possível pensar em formas de remuneração estratégicas
sem que seja considerada a integração dos trabalhadores nas atividades
empresariais. Em descompasso com as duas premissas aqui apresentadas, com
certeza, o que será apresentado são formas individuais de remuneração que não
atenderá a função social da empresa, compondo uma base organizacional onde
o trabalho humano não se constituirá em um dos principais objetivos a serem
alcançados pela ordem econômica.
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
7 CONCLUSÃO
As organizações empresariais devem construir suas bases, restringindose aqui ao tema do presente estudo, que é a forma de remuneração do trabalho
humano, levando-se em conta as finalidades constitucionais estabelecidas para a
empresa, consubstanciadas na função social da propriedade, com vista a atingir
a valorização do trabalho humano, enquanto condição necessária para obter a
dignidade da pessoa humana.
As remunerações estratégicas atualmente existentes na legislação
infraconstitucional no Brasil, bem como em acordos coletivos e convenções
coletivas de trabalho, principalmente, estão edificadas, levando-se em conta o
trabalhador individualizado, considerando-se como formas de contraprestação
pelo trabalho individualmente prestado à organização empresarial.
Diante desta constatação, conclui-se que se faz necessária a mudança
das matrizes ou formas de remuneração. Ou seja, priorizar para a construção
dos procedimentos de remuneração estratégica a matriz coletiva, levando-se em
conta o conjunto dos trabalhadores e ainda, que estas mesmas formas possam
propiciar a participação efetiva dos trabalhadores nas atividades empresariais.
Não pode ser desprezada a necessidade do lucro empresarial,
considerando-se o modo de produção capitalista, que é onde se acham as
organizações empresariais. Acontece que, constitucionalmente, a empresa
passou a ser obrigada a realizar ou cumprir uma série de finalidades outras,
que não se resume apenas no lucro. Também, a ordem econômica está fundada
na valorização do trabalho humano (artigo 170 da C.F.), o que significa que
a matriz de remuneração dos empregados é um dos primeiros elementos ou
premissa a ser reconstruído, sob pena de não se tornar possível atingir os fins
constitucionais estabelecidos no artigo 3º da mesma carta.
Descortina-se, então, a remuneração estratégica, enquanto um
dos procedimentos ou forma, ou elemento que devem compor o contrato de
trabalho de maneira coerente com os princípios da ordem econômica, enquanto
requisito inarredável, para que, sobre ela, seja construída uma matriz empresarial
organizacional ou uma nova relação de trabalho que efetivamente prime pela
valorização do trabalho humano. A dignidade no trabalho deve ser iniciada a
partir da forma constitucionalmente correta de remuneração do trabalho prestado.
Não é possível tentar atender os objetivos constitucionais estabelecidos
para a atividade empresarial sem que se construam procedimentos ou formas
remuneratórias que levem em conta o coletivo, a participação direta dos
trabalhadores na organização empresarial, o trabalho enquanto valor social e
não apenas uma mercadoria. A partir da conclusão aqui formada, que ainda se
encontra em um plano genérico, é possível analisar cada uma das propostas de
remuneração e, de fato, propor mudanças em respeito aos ideários constitucionais
que devem ser perseguidos.
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
DA NECESSIDADE DA EFETIVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
FRENTE À DESVALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO SÉCULO XXI
THE NEED FOR CONSTITUTIONAL PRINCIPLES OF EFFECTIVE DUE TO THE
DEPRECIATION OF HUMAN LABOR CENTURY XXI
RESUMO
Lourival José de Oliveira3
Os avanços tecnológicos impuseram ao homem uma nova rotina
de trabalho, explicada pela maior intensidade, com maior produtividade e
competitividade, contribuindo para a redução em demasia da possibilidade
da existência de um tempo livre. A tendência moderna em relação às relações
de trabalho é a geração de um trabalho fragmentado, precário, voltado
somente à sobrevivência humana, encontrando-se em desacordo com os
princípios constitucionais e por sua vez com os direitos sociais que preveem
um trabalho que possa contribuir com a redução das desigualdades sociais,
com a emancipação do homem enquanto dando-lhe condições de expor sua
criatividade e de localizar-se no meio social como agente realizador. O objeto
do presente artigo foi estudar o significado da expressão trabalho livre em sua
dimensão constitucional, enquanto sendo aquele trabalho que contrariando a
lógica do mercado, é suficiente para proporcionar ao trabalhador não somente
a sobrevivência mas uma vida construtiva, de valorização efetiva da pessoa
humana. A crítica à lógica da produção deve ser capaz de criar mecanismos de
intervenções nas relações de trabalho capazes de restabelecer a dignidade no
trabalho. Esta crítica está incorporada aos princípios constitucionais, na medida
em que o desenvolvimento econômico só se justifica a partir do momento em
que o trabalho humano é valorizado, conforme ficou consignado no artigo
170 da Constituição Federal. Concluiu-se que a construção de formas de
apropriação do trabalho pelo trabalhador, como no caso dos núcleos de trabalho
e ou cooperativas de trabalho, onde aquele que trabalha consiga identificar o
seu trabalho no produto realizado, pode se constituir em uma das alternativas na
tentativa de resgatar a dignidade no trabalho, redesenhando uma nova estrutura
social a partir de novas formas de organizações produtivas. Adotou-se o método
dedutivo, com pesquisas bibliográficas em obras nacionais e estrangeiras.
Doutor em Direito das Relações Sociais (PUC-SP); Professor do Programa de Mestrado em
Direito da Universidade Marília; Integra o corpo docente das seguintes instituições: Universidade
Estadual de Londrina; Universidade de Marília; Coordenador de Curso e docente da Faculdade
Paranaense (FACCAR). Advogado em Londrina. Endereço eletrônico: lourival.oliveira40@
hotmail.com.
3
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Palavras chaves: avanço tecnológico; centralização do trabalho; dignidade no
trabalho; humanização no trabalho.
ABSTRACT
Technological advances have imposed to man a new work routine,
because of the greater intensity, with higher productivity and competitiveness,
helping to reduce too much the possibility of the existence of a free time.
The modern trend in relation to labor relations is generating a fragmented,
precarious work, directed only to human survival, finding himself at odds with
the constitutional principles, and turn to the social rights that provide a job
that can contribute reducing social inequalities, with the emancipation of man
while giving him conditions to expose their creativity and find yourself in the
social environment as a director agent. The object of this Article the meaning
of free labor in its constitutional dimension was studying, being the work that
contradicting the logic of the market, is sufficient to provide the worker not only
survival, but a constructive life, effectively valuing person human. The criticism
of the logic of production must be able to create mechanisms for intervention in
labor relations able to restore dignity at work. This criticism is incorporated into
the constitutional principles, to the extent that economic development is only
justified from the moment in which human labor is valued, as was enshrined in
Article 170 of the Federal Constitution. It was concluded that the construction
of forms of appropriation of work by the employee, as in the case of the working
groups and labor unions, or, where that working can identify their work done
on the product, can constitute an alternative in an attempt restore the dignity
of work, redesigning a new social structure based on new forms of productive
organizations. Adopted the deductive method, with bibliographical research in
domestic and foreign works.
Keywords: technological progress, centralization of employment, decent work,
human work.
1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO
O avanço do capitalismo através da descoberta de novas técnicas para
serem empregadas na produção deu origem à várias reflexões sobre o destino
a ser trilhado pela humanidade. Muitas vezes tudo parece natural, quando na
verdade trata-se de uma construção histórica. O mercado de trabalho assim
como o mercado econômico, não são entes imaginários formados naturalmente.
Trata-se de construções feitas pelo homem, muito embora, por vários momentos,
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
queira transparecer como algo imodificável, que se rege por leis naturais, como
se tudo já tivesse uma direção e um desenvolvimento previamente estabelecido.
Todas essas mudanças lançam cada dia mais um intenso debate sobre
o significado do trabalho no século XXI, considerando que é público e notório
que o seu início apresenta como característica a oferta de postos de trabalho em
sua maioria precários.
Dentro da teoria marxista, o trabalho é o que difere o homem do resto
dos animais. Por sua vez, otimismo tecnológico, que poderia geral mais tempo
livre para o trabalhador, é negado pelo desemprego, pelos baixos salários, pela
exclusão social que se produz em relação à própria tecnologia.
Tem-se no planeta os países desenvolvidos que se utilizam de
uma tecnologia bastante superior em relação à utilizada pelos países não
desenvolvidos, fazendo com que o mundo seja dividido em vários papéis.
Existe aquela parte do planeta que fornece a matéria prima, que absorve os
restos de uma produção industrial, produzindo nestes locais um modo de
vida que talvez não alcance a subsistência para aqueles que ali moram. E a
outra parte que industrializa ou simplesmente detém os lucros de processos de
industrialização que ocorrem em outros locais. E ainda uma terceira parte que
detém o conhecimento, onde os bens intangíveis sãos os únicos comerciáveis.
Portanto, a tecnologia espalhada pelo mundo não é homogênea. A
própria durabilidade das mercadorias que são produzidas atualmente, quer
seja pelo seu tempo de utilização, de funcionalidade, quer seja pelo modismo,
se apresenta com períodos cada vez mais curtos. Trata-se da intensificação
do consumo, enquanto elemento necessário para a sustentação do modo de
produção capitalista.
Desse modo, a sociedade se mantém como um sistema produtivo
manipulando até mesmo a aquisição dos chamados ‘bens de consumo
duráveis’ que necessariamente são lançados ao lixo (ou enviados a
gigantescos ferros-velhos, como os ‘cemitérios de automóveis’ etc.)
muito antes de esgotada a vida útil (MÉSZÁROS, 2002, p. 640).
O interesse privado é o que se sobrepõe, podendo traduzir aqui em
lucratividade. Muitas vezes tem-se até mesmo a criatividade humana sendo
freada pelos interesses de determinados oligopólios que dominam uma parte da
produção científica, que não é livre e nem democratizada.
A indústria bélica hoje consome grandes recursos mundiais.
Baron (2004, p.144) afirma que os Estados Unidos são responsáveis pela
metade dos gastos mundiais em armamentos, e mantém bases e missões de
treinamento militar em 121 países do planeta. Mészários (2004, p. 285)
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
aponta que o complexo militar-industrial controla 70% de toda a pesquisa
científica dos EUA. Ao mesmo tempo, na Grã-Bretanha os índices percentuais
correspondem a 50%.
Marx sustentou que a tecnologia demonstra a forma de ação do homem
sobre a natureza (como se produz a vida) e as suas condições sociais de vida,
ao ponto de Einstein, anos depois, afirmar: “por que a ciência aplicada, que é
tão magnífica, economiza trabalho e torna a vida mais fácil, nos proporciona
tão pouca felicidade? A resposta é simples: ainda não aprendemos a utilizá-la
adequadamente” (Apud, MÉSZÁROS, 2004, p. 288).
Dentro desta análise desponta-se a importância do estudo sobre
o trabalho, o seu significado na sociedade do século XXI, podendo apontar
aqui duas linhas teóricas. A primeira que apresenta o trabalho como ponto
de centralidade e a segunda que o coloca em um segundo plano, ou seja,
descentralizado.
Nos tópicos que seguem serão apresentadas estas duas vertentes e
mais a frente será traçado o lineamento constitucional sobre a valorização do
trabalho humano e os pontos de estrangulamento quando comparado com o
que ocorre na prática. O objetivo final é apresentar uma nova alternativa para
o resgate da valorização do trabalho humano ou para a quebra da ideologia do
trabalho, considerando as duas vertentes teóricas estudadas.
2 DA CENTRALIDADE A NÃO CENTRALIDADE DO TRABALHO E AS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS.
Robert Cantil (Apud, CASTEL, 1988) defende a ideia da necessidade
de um novo pacto social (ou contrato social), com a construção de um “capitalismo
mais humanizado”, objetivando uma maior distribuição de renda. Os excluídos
socialmente são aqueles que não tem emprego e condições de empregabilidade
ou que se encontram em condições de subemprego. O individualismo cresce
ao ponto de não ser sentido o coletivo. Desta feita, o que se tem é a crise do
trabalho, de integração dos menos favorecidos no mundo do trabalho. Neste
contexto, o trabalho passa a ser uma referência social e psicológica.
Mantendo-se o trabalho como centro, mas seguindo outra vertente,
existem aqueles que o concebem como a alienação do homem. Vale citar
Antunes Mészáros, Frigotto, Lucena, Gounet, Kuenser, Machado, Mello, Salm,
Bihr, Saviani, dentre outros.
Os homens exercem o papel mais importante na produção das
riquezas. O problema é que elas estão concentradas. O capitalismo produz as
riquezas mas não consegue de forma satisfatória distribuí-las. A construção do
ser social, de acordo com Marx, está centrado no trabalho. Os laços sociais, a
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
própria forma de existência humana está centrada no trabalho. A forma como se
realiza o trabalho determina o tipo de ser social. (GRESPAN, 2008).
Em um primeiro plano, o trabalho é a relação do homem com a
natureza. É a sua força natural confrontando-se com a natureza. Depois, ao
mesmo tempo em que ele (homem) modifica esta natureza, ele se modifica
também. Na primeira fase, o trabalho enquanto força natural não se encontra
desapropriado da pessoa humana. Na segunda fase ele se constitui como
mercadoria a ser vendida por aquele que naturalmente a possui, construindo
com isto a sua condição de vida.
No caso do homem, o trabalho nasce em um primeiro momento na sua
cabeça, no seu inconsciente e depois se materializa. Esta forma de produzir o
trabalho acaba por distinguir, dentro da teoria marxista, o homem dos animais,
tornando o trabalho um produto social e não um simples produto natural, algo
que acontece como força do acaso.
O trabalho, que deveria ser um meio voltado para a humanização,
com os avanços tecnológicos (invenção das máquinas), passou a ser a forma
de dominação, onde aqueles que detêm os modos de produção passaram a
controlar aqueles que não possuem esses meios. A máquina com suas variadas
e sucessivas revoluções tecnológicas foi para o marxismo o grande ponto de
transformação da sociedade, definindo inclusive a concentração de riquezas em
detrimento de uma maioria. Esta é a própria expressão maior da coisificação do
homem, tendo o trabalho ou a forma de prestação de trabalho como ingrediente
de grande importância.
O modo de se vestir, a forma de o homem viver, de sentir, de gostar,
são construídas a partir do trabalho. Neste sentido, o trabalho contribui para a
alienação humana. Seguindo Hegel, Marx escreve suas obras baseando-se no
citado autor, que acaba diferenciando o homem dos animais, por conta dos seus
anseios ilimitados. A alienação do homem é um processo histórico com sólidas
relações com o trabalho. O produto do trabalho produzido pelo trabalhador lhe
é estranho. Quando se tem a mercadoria, pronta e acabada, o valor do trabalho
que a produziu desaparece, razão pela qual ela pode ser trocada por um valor
determinado, valor este que foi construído através do mercado.
Sendo assim, pode ser afirmado que o modo de produção capitalista
provoca a alienação daquele que contribuiu com a sua força de trabalho. Não
possuindo os meios de produção, os trabalhadores são obrigados a venderem
suas forças de trabalho sem mesmo saber aquilo que estão produzindo e o valor
que este produto detém.
Desta maneira, os trabalhadores tornaram-se indiferentes em relação
àquilo que produzem, bastando apenas que consiga com a venda de sua força
de trabalho o necessário para a sua sobrevivência. Este talvez seja o significado
maior para a expressão alienação através do trabalho.
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
A questão que se coloca é: mesmo com as inovações tecnológicas,
o trabalhador continua necessário para a produção capitalista? Talvez seja o
caso de se questionar até que ponto a tecnologia poderá avançar, ao ponto de
não mais necessitar da mão-de-obra humana. Será isso possível? Será possível
viver em um mundo que a mão-de-obra humana seja dispensável ou utilizada
de forma mínima ao ponto de uma grande massa de trabalhadores, qualificados
ou não, serem dispensáveis?
Jeremy Rifikin (2007), se posiciona no sentido que a tendência do
emprego é chegar a um fim. Segundo o autor, os postos de trabalho que são
extintos em face do avanço tecnológico não serão mais recuperados, e, ainda
com a diversidade e a criação de novos postos de trabalho, com novas atividades
a serem desenvolvidas pelos seres humanos, não será suficiente para atender
toda a demanda por empregos.
A automação gera maior produção, que acaba fazendo com que os
preços dos produtos abaixem, tornando-os mais competitivos. Esta cadeia,
que de certa forma traz vantagens para o consumidor, acaba por produzir
também a redução do emprego ou empregos precários. Trata-se do aumento
da produtividade sem a geração de emprego ou com a redução dos custos
empregados na compra da força de trabalho.
Kurs (1992) afirma que a luta de classes não é o motor de transformação
da sociedade e sim o fetiche da mercadoria. Estes pensamentos ganharam valoração
para fins de estudo com a crise do capitalismo do final da década de 60 (século
XX). Ao mesmo tempo, Habermas (1998) aponta a dificuldade do homem em se
desvincular da racionalização crescente. Para este último autor, a linguagem e não
o trabalho apresenta-se como o centro das relações humanas. A linguagem é o que
possibilita dar nomes às coisas, tratando-se de um ato de consciência.
O trabalho não seria tão importante, ele só acontece a partir de uma
simbologia social, que se expressa através da linguagem. Continuando com
Habermans, trabalho tem como pressuposto a linguagem, que pressupõe a
interação entre pessoas.
Com o avanço do capitalismo, a ciência se transformou na principal
força produtiva. Para Habermans, que se contrapõe a Marx, a possibilidade de
superação não está no trabalho e sim nas mediações construídas a partir de um
agir entre das pessoas.
Surge desta visão descentralizada do trabalho a estruturação de novas
classes sociais, agora baseadas no tempo livre (GORZ, 1987), explicando assim
o conceito de socialismo pós-industrial, que seria uma sociedade baseada no
desperdício mínimo. Ou seja, viver mais com menos.
Trata-se de uma nova planificação daquilo que se é produzido.
Uma nova coordenação, reduzindo ao mínimo as atribuições dos homens e
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
estendendo-se as atribuições autônomas. O Estado passa a ter um papel decisivo
nesta emancipação humana. Deve haver uma superação do trabalho alienado,
crescendo-se os incentivos para o trabalho cooperado.
Esta linha de pensamento ganhou muita expressão no Brasil, a partir
de Ladislaw Dowbor, que lança luz em outras formas de prestação de serviços,
realização de trabalho, que não a assalariada (que seria o maior exemplo de trabalho
assalariado), como instrumento de superação da crise. Uma delas se apresenta
através da apropriação pela própria comunidade do processo de produção (Dowbor,
2009), conforme será desenvolvido no decorrer do presente estudo.
3 DIGNIDADE DO TRABALHADOR, O NOVO CENÁRIO GLOBALIZADO E OS
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS.
Primeiramente precisa-se tentar conceituar globalização, ainda que
sendo uma tarefa bastante difícil. Contudo, rapidamente conceituando, para
servir para o momento, globalização é um misto de realidade e ideologia.
Parece que o homem é globalizante em seu instinto (no sentido de uniformizar
comportamentos).
Através desta onda globalizante, o Estado se contrai e as políticas
púbicas se desfazem sob o mito de que o público não presta. Nesse sentido,
especialmente no Brasil, em meados da década de 90, criou-se um discurso que
o público, a coisa pública, deve ser vendida para que se construa a otimização
a partir de processos de privatização. O que ninguém esperava é que a crise
inaugurada de forma concreta a partir de setembro de 2008 tenha ocorrido pela
liberdade que se deu ao mercado financeiro de se auto organizar, chegando a ser
defendido atualmente que o mercado financeiro deva ser regulado.
A economia é privada e através dela monta-se o estudo de uma
competitividade sem precedentes que tende a concentrar capital a ponto de
eliminar os competidores e caminhar para a construção de um mundo estruturado
em monopólios.
São condições necessárias para atingir esta realidade monopolista:
1) desregulamentação e liberdade de mercado sem interferência do Estado,
salvo naquilo que interessa, como por exemplo, dificuldade de cumprir os
pressupostos legais para a realização da greve ou a liberação da exploração das
jazidas de petróleo desde que as empresas que se habilitem a explorá-las cumpra
certos requisitos só possíveis de serem cumpridos pelas líderes de mercado; 2)
liberdade de mercado com reservas de proteção alfandegárias; 3) destruição de
armamento nuclear com exceção dos Estados que estão ampliando seu arsenal
bélico (EUA e Inglaterra); e, 4) união de grandes empresas que atuam no mesmo
setor da produção, produzindo agora de forma descentralizada e multinacional.
36
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Neste último caso, com o referendo do Estado nacional, que apoia
as fusões de empresas como sendo o requisito necessário para constituir
grandes empresas a fim de enfrentar o mercado internacional. Ocorre que se
esquece na maioria das vezes a questão da liberdade de mercado, por conta
que as mesmas fusões acabam formando grandes monopólios em determinados
setores da produção, controlando preços e tornando praticamente indefeso os
consumidores, como também regulando o valor do trabalho.
E como se encontra a organização do trabalho (ou divisão do trabalho)
neste mundo globalizado? As empresas se redimensionaram, alterações são
feitas todos os dias, sempre em busca de melhorar a produtividade e aumentar
a competitividade. O trabalho imaterial e criativo ganha peso por conta de que
a máquina já está podendo fazer o resto.
Resta saber quantos trabalhadores criativos serão necessários para
atender as necessidades deste novo modo de produção. Isto porque, outro
processo que está ocorrendo é a concentração de atividades sobre a mesma
pessoa, o que torna possível afirmar que haverá desemprego também para os
chamados qualificados criativos.
A dignidade da pessoa humana é a base da República (artigo 1º da
C.F). O Estado Democrático de Direito está assentado na limitação do Estado
pelo Direito e na legitimação do poder político pelo povo. Os direitos sociais,
caso sejam fundamentais também são inalteráveis.
Para Ives Gandra Martins (1998), a Constituição apenas declara os
direitos fundamentais, ela não os constitui (preexistem à própria Constituição).
É possível afirmar que os direitos fundamentais e econômicos compõem o que
se convencionou chamar de cidadania social e econômica, que nada mais é
que uma nova concepção do conceito de cidadania. Depois, o mesmo autor
apresenta a chamada “teoria da justiça”, que nada mais é que o artigo 6º da
Constituição Federal complementado com o artigo 170 da mesma carta, com os
resultados que devem ser obtidos contidos no artigo 3º da mesma carta.
Para Bobbio (1992), os direitos individuais traduzem-se em liberdades,
exigindo-se obrigações negativas dos órgãos públicos, ao passo que os sociais
se constituem em poderes, somente sendo realizados por ações positivas. Desta
feita, seguindo as lições de Canotilho (2007), ainda que através de um poder
constituinte originário, não se pode construir uma Constituição num vácuo
histórico-cultural.
A construção de uma constituição está vinculada a valores e princípios
internacionais, que se contrapõe ao que era pregado quando da Revolução
Francesa, onde o poder de constituir tinha uma espécie de atributo divino (que
era a ideia da onipotência constituinte). Daí surge à necessidade da observância
dos princípios de justiça supra positivos ou supra legais como limitadores
37
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
da liberdade de constituir. Um poder constituinte não pode se dissociar da
observância dos direitos humano.
Segundo Oscar Vilhena Vieira (1999) só é possível pensar a
constituição levando-se em consideração o seu valor ético. Sendo assim, até
cláusulas “petreas” seriam modificáveis quando em desacordo com os princípios
da dignidade da pessoa humana.
Conforme já afirmado anteriormente, a economia baseia-se em fatores
privados, onde o que conta é a lógica do lucro e não a satisfação das necessidades
sociais. Segundo Keynes, o volume de emprego é que determina o nível dos
salários reais. Significa que o Estado deve coordenar os investimentos porque
os juízos privados estão exclusivamente voltados para o “lucro privado”.
E esse pensamento reinou na Europa até o início da década de 70.
Ou seja, se queria combater o desemprego e promover o emprego, bastava ter
inflação. Caso desejasse baixar a inflação, deveria sujeitar-se ao crescimento do
desemprego. (Apud, NUNES, 2003, p. 4 a 8)
Ocorre que a contar da década de 70 na Europa, teve-se uma subida
dos preços (elevação da inflação) com taxa de desemprego elevando-se também.
Daí em diante a inflação foi eleita o inimigo número um do emprego, que devia
ser combatida com vistas ao pleno emprego.
Essa nova teoria, chamada de monetarista, explicava o desemprego
enquanto sendo algo voluntário. Ou seja, o trabalhador está desempregado
por uma opção sua, ainda que diante da existência de empregos cujos salários
não atendam suas necessidades. Para a teoria monetarista, o trabalhador é visto
individualmente, o que explica o combate às organizações sindicais.
Para os monetaristas, os sindicatos são os responsáveis pela queda do
número de empregos. E o crescente desemprego, quando questionado, explicase pelo aumento natural do desemprego, resultado da evolução demográfica,
da derrota das economias, como se a pobreza fosse algo natural, podendo ser
combatida através da redução salarial, compatibilizando os custos de produção
a fim de viabilizar a continuação do empreendimento privado.
O que vale é a continuação do empreendimento privado, ainda com
desemprego, a fim de que ele se recupere, recuperando assim o fluxo de emprego.
Este raciocínio, com algumas variações, é o que está hoje sendo empregado no
Brasil e nas propostas econômicas internacionais, com investimentos públicos
para salvar empreendimentos privados.
Para alguns fisiocratas (Dupont de Nemours principalmente), o
aumento das riquezas trás necessariamente o aumento das desigualdades
sociais. A aquisição da propriedade exclusiva de uma coisa gera uma exclusão
em relação às demais pessoas (François Quesnay). A desigualdade econômica
é considerada uma característica inerente às sociedades burguesas, apesar de
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
terem vindo proclamar que todos os homens são livres e iguais perante a lei
(NUNES, 2003).
A economia política, surgida com o capitalismo justifica a miséria
como algo natural, legítimo, inerente às coisas, como que uma lei natural e
absoluta. Keynes se opunha ao fato de que a miséria deve ser encarada como
algo natural. As economias precisam ser equilibradas, devendo o Estado assumir
referida tarefa. Por esta razão, devem ser preservados os consumos de massas, o
subsídio às doenças e a previdência estatal, que se traduzem no chamado Estado
Providência (1930) (NUNES, 1988).
O próprio Adam Smith, em suas reflexões, afirma que o contrato de
trabalho não é um contrato com os outros porque ao trabalhador falta a liberdade
para contratar. O maior dos liberais pressupunha a diferença fática para contratar
quando o objeto era o trabalho, transcendendo assim a igualdade puramente jurídica.
Desta feita, o evoluir tecnologicamente não está fazendo com que na
mesma proporção seja diminuída a pobreza. É preciso uma reorganização social.
Torna-se necessária a construção da crítica ao desenvolvimento disforme, o
surgimento de novas formas de relações sociais de produção. Deve haver a
negação da ciência do progresso, a não ser que esteja ela voltada ao crescimento
do ser humano. O progresso econômico não significa necessariamente avanço
social, e, a partir desta premissa, reorientar as formas de prestação de trabalho.
Caso assim não faça, a lógica da produção atual imporá a cada dia
mais a redução de custos operacionais, trazendo grandes sacrifícios sociais para
aqueles que verdadeiramente produz, no caso, os trabalhadores. O processo
de automação extingue postos de trabalho, as representações sindicais são
esfaceladas pela crise, sobrando para o trabalhador o ônus de arcar com o
restante dos custos empresariais.
4 O SIGNIFICADO E O ALCANCE DO ARTIGO 170 DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL
É difícil não debater, em um primeiro momento, a aproximação entre
a economia e o Direito. Basta dizer da valoração normativa que o Direito atribui
a uma diversidade de fenômenos econômicos. Atualmente, grandes evoluções
tecnológicas, que possuem repercussões econômicas, são objetos de estudos e
tentativas de regulamentação pelo Direito, o que significa que a Economia e o
Direito são indissociáveis.
Basta dizer que qualquer agente econômico, como exemplo, uma
grande montadora, estará disposta a instalar sua fábrica neste ou naquele país,
levando-se em conta as condicionantes normativas (limites jurídicos impostos)
para aquela localidade, em especial no que se refere às proteções sociais.
39
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Caso em uma determinada localidade exista normas de ordem pública
que atribuem aos trabalhadores determinados direitos, a empresa que ali se
instalar saberá que terá um custo adicional para somar ao valor do seu produto
final. Efetivamente é desta maneira que economicamente se visualiza o valor
empresarial despendido com os trabalhadores que diretamente laboram naquela
determinada atividade empresarial.
Os argumentos econômicos se destacam dos argumentos normativos.
Os argumentos normativos dizem respeito ao que poderia ser. São impregnados
de valor, confrontando-se argumentos filosóficos, religiosos, culturais e etc. Os
argumentos econômicos dizem respeito ao que foi, ao que é e o que poderá vir
a ser. Pelo menos, caso abstenha a economia do seu dever ético.
Tudo parece indicar que atualmente na prática, o que está prevalecendo
é o posicionamento positivo, aqui empregado no sentido de econômico. Desta
feita, propõe-se a tentativa de libertar a economia de uma influência hegemônica
dos paradigmas mais apropriados às ciências físicas, partindo-se para uma
formulação do dever ser, à semelhança do Direito, na medida em que a ela
deve-se agregar o conteúdo ético.
Contudo, deve-se também tomar cuidado que o Direito não pode
assumir o papel de querer normatizar a economia, de tal maneira a desconsiderar a
realidade econômica existente (lembrar dos insucessos dos planos econômicos).
Da mesma forma, precisa ser levado em conta o equívoco cometido
pelos positivistas que viam o Direito com certa simplicidade, como uma
rede hierarquizada e formal de normas. As estruturas lógico-normativas do
positivismo de Kelsen desconsideraram a trajetória móvel do Direito no mundo
dos valores, podendo ter surgido daí o convencimento que a norma é capaz de
regular a economia.
Daí recai a preocupação maior do intérprete com o fim buscado
pela lei e não, com a sua vontade. Trata-se de hierarquizar os princípios na
sua interpretação. O Direito é um sistema aberto, razão pela qual ao intérprete
caberá a busca pelo maior significado no caso concreto, superando as antinomias
a partir das confrontações teleológicas, tendo em vista a solução de casos
concretos. Para Juarez Freitas, a norma não pode ser interpretada separada dos
fatos (2004).
Tem-se então a concepção defendida por Miguel Reale, para quem o
Direito não é só fato, ou só, valor ou só norma, más estes três elementos integrados
na experiência jurídica, estando todos dialeticamente correlacionados.
As normas jurídicas, longe de serem mera captação do que no fato já
se contém, envolve uma tomada de posição opcional e constitutiva
por parte do homem, à vista do fato e segundo critérios de valores
40
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
irredutíveis ao plano da facticidade [...]”. Mister é reconhecer que
a norma jurídica permanece sempre em uma situação tencional.
(REALE, 1978, p.79)
Voltando-se para o dilema Direito e Economia, aparece a questão do
desenvolvimento. O crescimento econômico é desenvolvimento? Alguns autores
apontam que crescimento econômico deve estar relacionado com melhoria
da qualidade de vida e com liberdade para que se tenha desenvolvimento.
Crescimento econômico é diferente de desenvolvimento econômico e a partir
desta constatação, começa-se a colocar no desenvolvimento econômico a
necessidade de se alcançar o desenvolvimento social, o que pode ser chamado
também de conteúdo ético.
Por esta razão principal é que indicadores como renda “per
capita”, produto nacional”, quantidade de exportação, não podem medir o
desenvolvimento econômico. Questões como verificação de níveis de pobreza,
do desemprego, da desigualdade social, da qualidade da moradia, da qualidade
da educação e atendimento público à saúde pode propiciar a aquilatação do
desenvolvimento econômico.
Na Constituição Federal, quando se examina o Capítulo II em
sua totalidade, a melhor interpretação que deve ser extraída é a seguinte:
na compreensão de desenvolvimento econômico devem estar contido os
elementos qualidade de vida, bem estar social, alcance efetivo da dignidade
da pessoa humana.
Esta é a interpretação constitucional que se deve fazer no que diz
respeito à leitura econômica, dentro de uma análise sistêmica, que se faz a partir
do artigo 170 da Constituição Federal, de tal forma a compreender a economia
não a partir de uma lógica exata e sim a partir de uma lógica humana.
Segundo a concepção constitucional, a ordem econômica deve
propiciar maior liberdade às pessoas, que se dá quando o desenvolvimento
econômico é usufruído da forma mais ampla possível pela sociedade, não
podendo significar um mero crescimento da renda “per capita” ou apropriar-se
de outros indicadores isolados.
É neste sentido que a economia deve ser entendida, para juntamente
com o Direito, estabelecer novos padrões para a produção, onde, o investimento
em qualidade de vida dos trabalhadores passa a ser algo importante, assim como
os produtos resultantes de um processo que teve como pontos fundamentais
ações que se prenderam a questões que contribuíram para a defesa dos valores
humanos e sociais. Trata-se da humanização do próprio mercado, a partir de
condutas econômicas éticas.
41
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
5 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, A NECESSIDADE DA PRESERVAÇÃO
DA LIBERDADE NO TRABALHO E O MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA
DO SÉCULO XXI
Discute-se na moderna relação de trabalho: a- de um lado o mundo
globalizado exigindo redução de custos e aumento da produtividade, fazendo
com que se busquem novas formas de relações laborais (que em regra são
mais fragilizadas em termos de direitos para os trabalhadores); b- também
se encontram as empresas menores, que se acham tão fragilizadas quanto se
acham os trabalhadores; c- o Direito Previdenciário, com os sistemas públicos
de previdência em situações que inspiram cuidados.
Dentro deste diálogo, muitas vezes contrapostos, surge a seguinte
indagação: Como se valoriza o trabalho humano? Para responder de forma
didática e com a maior objetividade, usou-se aqui apropriar dos seguintes
parâmetros: a- que o trabalho seja livre, liberdade aqui no sentido de o ser
humano ter várias oportunidades e possibilidades de trabalho; b- que o trabalho
seja de qualidade, entendendo-se como tal aquele em que o ser trabalhador possa
se expressar através dele. Trata-se de um trabalho que mostra a importância do
seu agente trabalhador perante a sociedade.
Esta concepção está voltada para a centralização do trabalho, que de
certa forma apropria-se de conceitos marxistas, porém, buscando ações que
possam revelar o trabalhador, a fim de que o mesmo se situe dentro do fluxo
da produção enquanto ser valorado. Trata-se do trabalho a partir de um novo
conceito de vida ou da vida a partir do trabalho valorado.
Ao mesmo tempo não se pode perder de vistas no plano normativo
o artigo 1º, IV e o artigo 193, ambos da Constituição Federal. Dentro desta
ótica conclui-se que: constitucionalmente não é possível apreender o conceito
de trabalho dentro de uma visão meramente patrimonialista. Também significa
que o trabalho não é somente um fator de produção.
Por essa razão é que o trabalho está estruturado sob a forma de
contrato, sem, contudo, ser um simples contrato, tendo por objeto a força de
trabalho, por conta que não se trata de um objeto descartável e medido apenas
patrimonialmente. Através do trabalho se expressa a vida e produz-se o homem.
Justificado assim fica, normativamente, a proteção dispensada pelo
sistema normativo ao trabalhador. De forma mais simples, o próprio princípio
protetivo do Direito do Trabalho em relação ao ser trabalhador e ao ser que
ainda não tem seu trabalho.
Voltando-se à mesma indagação. Como se valoriza o trabalho? Em um
primeiro momento, através da geração de mais postos de trabalho; que haja um
melhor trabalho com mais satisfação, com menos riscos, com mais criatividade,
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
com a participação de quem trabalha no gerenciamento empresarial, sem
discriminação; que seja melhor retribuído, com a efetivação dos direitos sociais
consubstanciados nos artigos 6º a 11º da C.F.; que haja uma efetiva política
pública de qualificação da mão de obra, capacitando criativamente o ser humano.
Outra questão que importa no estudo dos princípios e que se encontra
contido no artigo 170 da Constituição Federal trata-se do princípio da livre
iniciativa. A livre iniciativa se constitui em um dos fundamentos da ordem
econômica, como o direito que todos possuem de investirem no mercado de
produção de bens ou serviços por sua conta e risco.
Nesta esteira, novamente se faz necessária a presença do Estado para
garantir esta livre iniciativa? A livre iniciativa trata-se da principal marca do
Estado capitalista. Prende-se também ao direito de propriedade.
Para estudar a livre iniciativa não pode ser perdida a finalidade ou o
objetivo da ordem econômica, da forma como foi apreendida pela Constituição
Federal. Ou seja, a ordem econômica, constitucionalmente compreendida tem
por finalidade alcançar a existência digna do homem. Desta feita, cria-se uma
grande condicionante da autonomia privada, que é a de agir com respeito aos
valores substanciais ligados à pessoa humana.
Na parte final do artigo 170 da Constituição Federal tem-se: “conforme
os ditames da justiça social”. Em outras palavras, a justiça social como fim da
ordem econômica.
Sendo assim, não cabe qualquer assertiva sobre a eventual possibilidade
de confronto de princípios constitucionais, no caso a livre iniciativa e a
valorização do trabalho humano. A Constituição Federal consagra o princípio
básico da ordem capitalista, que é a iniciativa privada, e, ao mesmo tempo, a
prioridade de valores do trabalho humano sobre os demais valores. Conjugando
os dois princípios, a liberdade econômica só deve existir e ser exercida quando
no interesse da justiça social, o que implica necessariamente na presença do
Estado regulador e interventor.
Cabe citar neste momento do trabalho os ensinamentos de Eros Grau.
A Constituição Federal consagra um regime de Estado organizado, com a
defesa da livre iniciativa, admitindo-se a sua intervenção para: a - coibir abusos;
b-preservar a livre concorrência; c-evitar a formação de monopólios; d- evitar
o abuso do poder econômico. A Constituição Federal contempla a economia de
mercado e repudia o dirigismo estatal. A Constituição é capitalista, sendo que
a liberdade de mercado só é admitida enquanto exercida no interesse da justiça
social. (GRAU, 2005)
Em outras palavras, o que ocorre é a necessidade de serem
transplantados os princípios contidos nos artigos 1º, 3º, 5º, do 7º aos 11,
artigo 24, I, artigo 37, XIX, todos da Constituição Federal, para obter-se a
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
interpretação do conteúdo transcrito no artigo 170 também da Constituição
Federal, a fim de que se torne possível entender a ordem econômica segundo
a Constituição Federal.
Resta por último indagar sobre a incoerência do atual modo de
vida, criado a partir da exploração do trabalho humano em comparação com
os princípios que norteiam a Constituição Federal, passando pela crítica às
inovações tecnológicas, segundo o modelo imposto internacionalmente a partir
do final do século XX.
Em outras palavras, unir o que até aqui foi dito, de forma crítica e
construtiva, de forma a entender o que está acontecendo com o trabalho humano
no Brasil e no mundo.
O primeiro apontamento diz respeito às defesas que se fazia em que
a tecnologia poderia libertar o homem do trabalho, dando a ele condições de
ter um maior tempo para o laser, para a sua família acabou se perdendo em
face da dura realidade atualmente vivida. Em outras palavras e parafraseando a
historiadora Marilena Chauí, “o sonho acabou”. (CHAUÍ, 2000).
Com o progresso tecnológico, tornou-se mais distinto, principalmente
após a II Grande Guerra Mundial (1950), a diferença entre empregar a tecnologia
de forma criativa e emprega-la de forma destrutiva. Também, começou a
despontar o significado de avanço científico, tecnológico, aumento do consumo
e felicidade social ou desenvolvimento humano.
O consumo de determinado aparelho doméstico, por exemplo, em
um primeiro momento criou a utopia da felicidade ou da realização pessoal,
que aos poucos desaparecia, talvez pela facilidade que foi sendo construída
do acesso àquele mesmo aparelho, ou, pelas inovações que se apresentavam,
criando novas ansiedades e novos desejos.
Desta feita, a “manipulação” sofrida a partir do trabalho se estende para a
manipulação quanto ao que consumir, dando por assim dizer início a uma sociedade
de massa, criando por assim dizer uma espécie de tentativa de uniformização
contínua, vencendo diferenças culturais, históricas e expandindo-se sem limites de
fronteiras, no que se traduz na expressão “imposição de modo de vida”.
Tem-se uma construção que já vinha do século XIX, em torno do
trabalho assalariado, crescendo para uma paixão desmedida pelo trabalho, como
se o trabalho representasse a própria essência do ser humano, que não pode existir
sem que esteja trabalhando. Tal concepção contou em grande parte com doutrinas
religiosas, sem aqui entrar a fundo no estudo dessas variadas doutrinas.
Dessa paixão pelo trabalho, tiveram-se as seguintes situações
concretas: a necessidade da dupla jornada, que foi crescendo no mesmo
compasso em que os salários foram reduzidos; a participação da mulher de
forma maciça no mercado de trabalho, como que com isso houvesse a sua
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
libertação, inclusive de ordem sexual; a polivalência do trabalhador como
sinônimo de algo moderno e qualificado, sem falar aqui de outros exemplos
clássicos que se seguiram, a partir do momento que o trabalho passou a ser o
principal objetivo a ser alcançado.
Ocorre que dentro do trabalho, tem-se a sua própria classificação. Em
um primeiro plano vem o trabalho permanente, aquele trabalho estável, que
pode promover a tranquilidade de sobrevivência. E, o trabalho fragilizado, que
no caso se encontram aqueles que se sujeita a iniciativa privada no Brasil, na
maioria das vezes, onde incessantes processos de adaptação e de reengenharia
consomem ou modificam postos de trabalho, tornando-o fragmentado, de curta
duração e mal remunerado.
O homem do século XXI quer ter um trabalho de qualidade,
considerado como tal aquele trabalho cuja fonte é estável, exemplificado como
o trabalho advindo do setor público em determinadas carreiras para o caso
brasileiro.
Acontece que impregnado por todo este culto ao trabalho, hoje, muito
mais do que nos séculos XIX e XX, o ser trabalhador se aliena, se individualiza,
se consome e se torna ignorante do seu próprio ser social que representa.
Ao mesmo tempo em que a busca do trabalho de boa qualidade guarda
no seu interior a busca pela melhoria das condições de vida do trabalhador, não
percebe o próprio trabalhador que já se encontra na maioria das vezes exercendo
um trabalho que lhe rende a miséria, o sofrimento, não lhe produzindo qualquer
reconhecimento social ou bem-estar.
A expectativa de uma melhor condição de vida, para a grande massa
de trabalhadores acaba ficando só na expectativa, posto que através do trabalho,
cada vez mais se afere somente o necessário para uma subvida.
É a racionalização extrema do trabalho, que pode ser sentida quando se
abate as chamadas crises econômicas financeiras, onde os primeiros resultados
concretos foram a extinção de postos de trabalho ou a redução da qualidade no
trabalho, precarizando-se mais ainda aquilo que já se encontrava precário.
A teoria marxista, já citado neste estudo, compreende que o poder
libertador advirá do trabalho, na medida em que a classe trabalhadora é o sujeito
que detém o poder de transformar a sociedade. O proletariado seria por assim
dizer o sujeito para criar uma nova sociedade, uma nova forma de se prover a
vida. Agora, a questão que se coloca é: como alcançar este intento dentro das
condições que hoje se encontra o trabalho, em especial pela sua substituição do
trabalhador pelas máquinas?
As máquinas conseguem produzir por menores custos, contribuindo
assim fortemente para um crescimento quantitativo do número de mercadorias
e bens que são encontrados no mercado. A superprodução acaba por influenciar
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
ainda mais no mercado de trabalho, que de certa forma torna-se a viga mestra que
embala um novo sonho. O sonho no sentido que somente com muita produção
e acelerando-se o consumo se constrói uma sociedade menos desigual e mais
livre. Em outras palavras, que o crescimento econômico é o fator necessário
para a liberdade humana.
Ocorre que este crescimento econômico é acolhido e realizado através
de processos que estabelecem uma lógica despida de valor ético.
Na verdade, o que se desperta com essas afirmativas é a pura intenção
do lucro, da maior concentração de capital, das antigas recomendações feitas
por economistas, agora presos e transmudados para conceitos voltados à era da
modernidade.
Talvez possa ser afirmado, sem qualquer cientificidade, que se está para
atingir o maior nível de exploração nunca visto na história da humanidade. Até
que ponto a crise econômica atual (2008-2009) não foi construída como parte
dessa articulação de super-exploração do trabalho humano? O resultado maior
desta chamada crise financeira já ocorreu e afetou em demasia as condições em
que o trabalho humano é prestado, de forma que o trabalho que passou a ser
produzido perdeu ainda mais a sua condição de valorizar o trabalhador.
Este tipo de trabalho que se está produzindo atualmente vem em
descompasso com os principais princípios que nutrem a Constituição Federal,
em especial a respeito da organização econômica que valorize o trabalho (artigo
170 da C.F.). Referidos princípios são contrários à obsessão pelo trabalho.
O homem não vive para trabalhar. Da forma como o trabalho encontrase colocado de fato, não dá espaço para qualquer outra atividade humana a não
ser o trabalho em tempo integral, não restrito às 08 horas diárias, considerando
as duplas jornadas, o duplo emprego, as rotinas “free lance” e outros modos de
prestação de serviços.
Como então produzir a consciência social partindo-se dessa situação
de abnegação total ao trabalho? Como pensar, como criar, como interagir
socialmente de forma criativa, de acordo com os novos métodos ou padrões de
produzir que são colocados?
Parece que agora sim está se vivendo de fato a alienação humana
de forma completa. O trabalho pela sobrevivência e o medo do desemprego
castrando qualquer perspectiva do trabalhador promover os seus anseios
enquanto ser humano, se é que vai lhe sobrar algum outro anseio a não ser a sua
sobrevivência para continuar podendo vender a sua força de trabalho. Como
falar em humanização em um tempo em que o esforço pela sobrevivência é
cada vez mais cobrado?
Fala-se em como preservar a liberdade no trabalho ou a busca da
liberdade no trabalho dentro do modo de produção atual. Primeiramente, talvez
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
não deixar que todo o esforço do ser humano seja empreendido no trabalho para
sua sobrevivência. A ele seja reservado um tempo, o que implica na redução das
jornadas de trabalho. Sem que haja tempo, como produzir algo? Como refletir
socialmente?
Trata-se de estabelecer algo contrário daquilo que se está construindo
atualmente no mundo do trabalho. Primar pela valorização da arte, da música,
da filosofia, mudar o trato que se dá às informações que são recebidas. Estes são
os primeiros passos para a libertação do homem do julgo do trabalho.
Existem aqueles que ainda defendem a possibilidade de associar o
trabalho, só que não qualquer tipo de trabalho, a algo prazeroso e criativo, com
a consequente geração de um tempo livre, em face do incremento da tecnologia.
Porém, o tempo livre é a base para a geração deste trabalho criativo, que diante
da rotina empresarial empregada, está cada vez menor.
Ou, misturar o trabalho com o lazer, o estudo, de tal maneira que não
se soubesse quando começa um ou termina o outro (DE MASI, 2000). A grande
questão é que não é mais possível que a vida fique contida somente no trabalho.
Para tanto, deve-se buscar a reorganização do que hoje é apresentado, um novo
modelo de vida, que possui como premissa a existência de um tempo livre,
podendo ser chamado de um trabalho inteligente.
O trabalho constitucionalmente apreendido pressupõe este tempo livre
a partir do momento que através dele deve-se, por exemplo, prover o lazer, na
forma como se encontra no artigo 7º, IV da Constituição Federal. Ou ainda,
quando no artigo 226, estabelece a família como base da sociedade, sob a proteção
do Estado. Como manter laços familiares sem a existência de um tempo livre?
Como realizar a assistência à criança sem a existência de um tempo livre?
Tem-se nos dias atuais um verdadeiro culto ao trabalho, sendo tomado
como o único espaço existente na vida, impedindo outras manifestações
sociais e sendo desta forma inconstitucional. O trabalho somente como fator
de produção é inconstitucional, o que significa que deve haver uma mudança
urgente na atual lógica da produção.
6 CONCLUSÃO
O trabalho encontra-se erigido em uma das ferramentas ou meios
voltados à humanização, à realização do homem, talvez uma das poucas
possibilidades de se reduzir as desigualdades sociais, de forma a construir uma
sociedade solidária.
No entanto, da forma como ele está sendo realizado, partindo-se
da própria compreensão das estruturas empresariais atualmente existentes,
percebe-se que os principais objetivos buscados através do trabalho é a máxima
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
exploração do trabalhador, utilizando-se para tanto das novas tecnologias
existentes, que proporcionam controles nunca vistos sobre a forma de se realizar
o trabalho.
Podem ser citados como exemplos, o emprego de métodos que apontam
para a individualização do trabalhador, a não existência de laços de afetividade,
criando uma filosofia de vida a partir do trabalho para o aperfeiçoamento do
trabalho. Isto se explica por conta que a sobrevivência passou a ser a maior
meta criada e buscada através do trabalho.
Este processo de reducionismo do trabalho humano inverteu a ordem
valorativa da vida, uma vez que ela passou a ser pensada a partir do trabalho,
o que pode ser constatado na prática com o processo contínuo de redução do
tempo livre do trabalhador. Não se trata de trabalhar com causas e consequências
más sim de forma dialética, dentro de uma dinâmica que se aperfeiçoa e aliena
a cada vez mais aquele que trabalha.
A construção de formas de apropriação do trabalho pelo trabalhador,
através de núcleos de trabalho e ou cooperativas de trabalho, onde aquele
que trabalha consiga identificar o seu trabalho no produto realizado, pode se
constituir em uma das alternativas para esta segunda via, na tentativa de resgatar
a dignidade no trabalho, redesenhando uma nova estrutura social a partir de
novas formas de organizações produtivas.
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
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51
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
VALORIZAÇÃO DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA NO DIREITO DO TRABALHO
BRASILEIRO: UM AVANÇO NECESSÁRIO OU RETROCESSO INEVITÁVEL?
VALUATION OF COLLECTIVE BARGAINING IN BRAZILIAN LABOR LAW:
A BREAKTHROUGH NEEDED OR KICK INEVITABLE?
Lourival José de Oliveira4
Luitt Conceição Ortega5 5
RESUMO
O Brasil economicamente emergente, inserido na economia mundial
globalizada, buscando manter seu crescimento e desenvolvimento econômico
precisa desenvolver medicas criativas para competir. A legislação trabalhista
brasileira criada há 70 anos é protetiva e rigorosa. Para os empregadores, a
aplicação a rigor da CLT representa um entrave e prejuízos aos negócios. Eles
denominam essas normas de ultrapassadas. Afirmam que acordos celebrados
com seus empregados trazendo benefícios para ambos são questionados
judicialmente e isso, além de prejudicá-los, lesa também os trabalhadores
interessados nas negociações e causa insegurança jurídica. Tramitam nas casas
legislativas projetos de lei visando a flexibilização da legislação trabalhista e
projetos que valorizam a negociação coletiva sobrepondo inclusive ao que
está estatuído. A pesquisa evidenciou que o sistema jurídico laboral brasileiro
concorre para uma iminente transformação, seja para flexibilizar ou para
valorar a negociação coletiva. A investigação cientifica revelou que seria um
risco de retrocesso aos direitos sociais já alcançados, lançar ao trabalhador
brasileiro a decisão sobre dispor ou não de seus direitos e garantias em
negociações com os seus empregadores, diante do modelo sindical atualmente
adotado pelo sistema brasileiro que deve ser reformado urgentemente sob
pena do avanço necessário em matéria de reforma trabalhista resultar em um
retrocesso inevitável.
Palavras-chave: Reforma Sindical Brasileira; Reforma Trabalhista Brasileira;
Valorização da Negociação Coletiva.
Doutor em Direito das Relações Sociais (PUC-SP); docente da Universidade Estadual de
Londrina; Docente do Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília; docente
e coordenador do Curso de Graduação em Direito da Faculdade Paranaense; advogado em
Londrina - PR.
5
Mestranda em Direito pela Universidade de Marília; servidora pública estadual da carreira
dos profissionais técnicos da educação superior da Universidade do Estado de Mato Grosso;
advogada no MT.
4
52
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
ABSTRACT
The Brazil economically emerging inserted into the globalized world
economy, seeking to maintain its economic growth and development needs to
develop medical creative to compete. The Brazilian labor legislation created
70 years ago is protective and strict. For employers, the rigorous application of
the CLT is a hindrance and loss to business. They call these outdated standards.
Claim that agreements with their employees with benefits for both are challenged
in court and that, in addition to harm them, also harms workers interested in
negotiations and cause legal uncertainty. Proceed through the legislative houses
bills aimed at easing labor laws and projects that value the collective bargaining
including overlapping to what is laid. The research showed that the Brazilian
legal system work contributes to an impending transformation, either to relax or
to value collective bargaining. Scientific research has revealed that it would be
a risk of kickback social rights already achieved, release the Brazilian worker’s
decision on whether or not to have their rights and interests in negotiations
with their employers before the union model currently adopted by the Brazilian
system that must be reformed urgently needed lest the progress in reforming
labor result in a setback inevitable.
Kew-words: Union Reform Brazilian; Brazilian Labor Reform; Appreciation
of Collective Bargaining.
1 INTRODUÇÃO
Este estudo tem por objetivo identificar e, avaliar alguns dos aspectos
que envolvem a valorização da negociação coletiva do trabalho no Brasil,
principalmente quando se refere a ela poder sobrepor a própria legislação em
matéria de Direito do Trabalho.
Por reiteradas vezes tramitaram e ainda tramitam projetos nas casas legislativas
brasileiras, propondo alterações de normas trabalhistas, almejando flexibilizá-las ou
mesmo, permitindo que sejam afastadas mediante negociações coletivas.
Para alcançar o resultado pretendido, analisou-se o cenário empresarial
brasileiro atual, identificando alguns fatores que motivam a classe dos empregadores
a impulsionar a reforma trabalhista, com vista à flexibilização da legislação ou
mesmo alterá-la, mediante negociação coletiva pretende resolver as possíveis
contendas no próprio meio ambiente laboral, evitando as demandas judiciais.
Investigou-se ainda o que poderia ser pactuado nessas negociações
coletivas e ao observar os conteúdos dos anteprojetos de lei, revelou-se indispensável
a realização de uma análise critica a respeito do instituto sindical brasileiro atual.
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Para conhecer o sistema sindical brasileiro os autores buscaram a
opinião de autores do quilate de Arnaldo Lopes Sussekind que além de sua
história de vida acadêmica, participou da elaboração da Consolidação das Leis
Trabalhistas e já há muito, opinou ser contrário à manutenção da unicidade
sindical pelo sistema brasileiro.
Tornou-se inevitável questionar se esse sistema deve permanecer
como está, ou se melhor seria adotar outros modelos, como os que consagram
princípios como o da pluralidade e/ou unidade sindical. Qual seria o modelo que
melhor atenderia as demandas sociais decorrentes do processo de globalização
vivenciado nesta pós-modernidade?
A partir de então se revelou forçosa a perquirição à resposta ao
questionamento de que poderia representar um risco de retrocesso aos direitos
sociais já alcançados, lançar ao trabalhador brasileiro a decisão sobre dispor
ou não de seus direitos e garantias em negociações com os seus empregadores,
diante do modelo sindical atualmente adotado pelo sistema brasileiro?
As reformas que se pretendem seriam avanço necessário? poderiam
elas representar um retrocesso inevitável em matéria de direitos socialmente
já tutelados?
O que se espera é que o sistema jurídico trabalhista brasileiro, já que
inevitável, esteja caminhando para a flexibilização e jamais para o retrocesso de
direitos já normatizados, culminando com a precarização das condições de trabalho.
2 OS SETENTA ANOS DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS TRABALHISTAS
No Brasil, as normas de Direito do Trabalho estão compiladas na CLT
– Consolidação das Leis Trabalhistas. Foi o Decreto Lei nº 5.452, de 01 de maio
de 1943 que aprovou a CLT, que com mais de 900 artigos, passou a estabelecer
às regras que passaram a regular as relações individuais e coletivas de trabalho.
Em 70 (setenta) anos de existência, o compendio de leis trabalhistas
já sofreu quase 500 (quinhentas) alterações segundo Tadeu Rover (2013).
Entretanto, conforme levantamento realizado por Fabiano Costa (2013),
tramitam 437 projetos de lei na Câmara dos Deputados Federais, e 132 no
Senado Federal propondo modificações à CLT.
Considerando tanto o número de alterações que a legislação em estudo
já foi submetida, quanto o das que se pretendem, dado o expressivo número de
projetos de leis em tramite nas casas legislativas que somam 569, demonstram
que a necessidade de reforma trabalhista foi um assunto em evidencia, desde a
promulgação da CLT.
Além de outras tantas relevantes alterações no Direito do Trabalho,
importante mencionar a trazida pela Emenda Constitucional nº 45 de 30 de
54
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
dezembro de 2004, pois até a sua edição, que deu nova redação ao artigo 114
da Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988,
a competência da Justiça Especializada do Trabalho, salvo raras exceções,
restringia-se à apreciação das lides decorrentes das relações de emprego, ou seja,
entre empregados e empregadores, entretanto, a partir de então, a competência
antes prevista no caput do artigo 114 foi ampliada e passou a ser descrita em
nove incisos, sendo que agora está previsto que “compete à Justiça do Trabalho
processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho”.
Outras inovações também foram contempladas no artigo 114 com nova
redação trazida pela emenda Constitucional nº 45 de 30 de dezembro de 2004.
Dentre elas, refere-se à competência da Justiça Especializada para processar
e julgar as ações que envolvam o exercício do direito de greve. Também para
processar e julgar ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre
sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores.
Nessa mesma linha de inovações expressas na sobredita emenda
constitucional, está a competência para apreciação de mandados de segurança,
habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria
sujeita à sua jurisdição e o julgamento das ações de indenização por dano moral
ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho.
Em razão do objeto de investigação proposto neste estudo, focar-seão as propostas de alterações voltadas à valorização da negociação coletiva em
tramite e que já tramitaram nas casas legislativas brasileiras.
3 DAS PROPOSTAS DE VALORIZAÇÃO DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA PODENDO
SOBREPOR A LEGISLAÇÃO EM MATÉRIA DE DIREITO DO TRABALHO
Direcionando o presente estudo ao objeto investigativo que se propôs
desvendar, faz-se importante mencionar que a CLT prevê dois instrumentos
resultantes da negociação coletiva, sendo eles a convenção coletiva e o acordo
coletivo de trabalho.
A convenção coletiva é resultante das negociações entre entidades
sindicais de trabalhadores e de empresas, no âmbito das categorias, e dispõe
sobre questões gerais pertinentes às duas partes interessadas.
Já o acordo coletivo de trabalho igualmente como previsto na CLT,
é resultado de processo negocial entre sindicatos de trabalhadores com uma
ou mais empresas da correspondente categoria econômica, visando estipular
condições de trabalho aplicáveis no âmbito das respectivas empresas. Esse
acordo pode ser construído por empresa ou empresas, em âmbito mais limitado
do que a convenção coletiva e com efeitos somente aplicáveis aos envolvidos.
Na tutela de ambos os institutos, estabeleceu-se regras que visam coibir
que direitos e garantias do trabalhador sejam vilipendiados, no uso desses recursos.
55
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Em matéria trabalhista, muitos direitos são indisponíveis, uma vez
que estão garantidos constitucionalmente e outros, ainda que dispostos num
status legal infraconstitucional, reclamam certa cautela em sua flexibilização.
Entretanto, ainda assim, é corriqueira a divulgação pelos informativos
dos tribunais ou até pelos meios de comunicações televisivos e escritos de
noticias de mau uso desses instrumentos.
O procurador do Trabalho Rafael de Araújo Gomes (2012) relatou
que recentemente, em 2008, realizou em conjunto com a também procuradora
do trabalho, Larissa Lima, uma audiência pública visando alertar “dezenas de
sindicatos de trabalhadores e empregadores rurais da região abrangida pela
Procuradoria do Trabalho no Município de Patos de Minas”, onde predomina
dentre outras, a cultura de lavouras de café e feijão, a respeito de cláusulas que
poderiam ser objetos de deliberação em acordos ou convenções coletivas.
O procurador diz ter realizado a audiência após a:
[...] descoberta da proliferação, em toda a região, de acordos coletivos
firmados com grandes fazendeiros que previam, entre outras coisas,
que: a) o custo das ferramentas de trabalho (enxada e rastelo, por
exemplo) seria suportado pelos trabalhadores rurais; b) o empregador
era dispensado de fornecer na fazenda água potável e fresca; c) seria
considerado como falta o dia em que o empregado não apresentasse
a produtividade esperada pelo empregador, d) não haveria limitação
ao número de horas extras diárias durante a colheita; entre outros
absurdos. (GOMES, 2012)
Segundo relata o procurador, os endossantes de tais acordos e
convenções assinaram Termo de Ajuste de Condutas – TAC, comprometendose a não mais pactuar tais cláusulas, sob pena de multa. Entretanto, essa prática
não é realizada somente nos confins de Minas Gerais, veja:
Dou agora exemplos mais recentes, deste ano de 2012 e da rica região
do interior de São Paulo que engloba Araraquara e São Carlos, onde
me deparei com diversos acordos, celebrados por sindicatos de
trabalhadores de categorias tradicionalmente fortes (alguns
deles filiados à CUT), instituindo a possibilidade de supressão de
anotação da jornada de trabalho, o desconto salarial por horas
negativas lançadas no Banco de Horas, a redução do horário para
descanso e alimentação para apenas vinte minutos e a sonegação
de verbas rescisórias, entre outros problemas. (grifos nossos).
(GOMES, 2012)
56
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Na mesma esteira desses episódios reais mencionados neste estudo,
observa-se que por reiteradas vezes, projeto visando à flexibilização das normas
trabalhistas, especialmente, alguns com escopo de valorar a negociação coletiva
no Brasil, suportando que sobreponha inclusive, à própria legislação trabalhista
tramitaram e ainda tramitam nas casas legislativas brasileiras. Eis algumas delas.
2.1 A PRIMEIRA IMPORTANTE PROPOSTA: O NEGOCIADO SOBRE O
LEGISLADO
A primeira importante proposta que visava à valorização do
negociado pelos atores da relação de trabalho, face ao legislado foi apresentada
em outubro de 2001. Tramitou no Congresso Nacional através do Projeto de
Lei 5.483/2001, proposto no segundo mandato de governo do então presidente
Fernando Henrique Cardoso – FHC. Esse Projeto tinha como ementa alterar o
artigo 618 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT. A proposta de nova
redação era a seguinte:
Art. 618 As condições de trabalho ajustadas mediante acordo ou
convenção coletiva prevalecem sobre o disposto em lei, desde que não
contrariem a Constituição Federal; as Leis nº 6.321 , de 14 de abril de
1976, e nº 7.418, de 16 de dezembro de 1985; a legislação tributária, a
previdenciária e a relativa ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
– FGTS, bem como as normas de segurança e saúde do trabalho.
(Comissão de trabalho..., 2001)
Além de contar com a oposição expressa de vários sindicatos e da
Central Única dos Trabalhadores - CUT, o projeto foi repudiado por entidades
como a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho ANAMATRA, a Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas -ABRAT
e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho –ANPT que expediram
um documento conjunto manifestando tal posicionamento (Juízes trabalhistas
debatem ..., 2001).
Naquela época, a Central Única dos Trabalhadores - CUT era dirigida
por fundadores com histórico de participação em grandes movimentos, como
as greves das décadas de 1980, e que contribuíram para que o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva - o Lula fosse reconhecido como uma das maiores
lideranças sindicais do país.
Perseguindo essa linha coerente de raciocínio, a CUT opôs-se a
proposta que pretendia ver prevalecer nas matérias de ordem trabalhista, o
negociado sobre o legislado. Em 2003, por meio da mensagem nº 78/2003
57
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
(nº 132, de 2003, na Presidência da República), o então presidente solicitou
a retirada de tramitação do referido projeto de Lei. A solicitação foi apreciada
pelo Senado e aprovada em sessão de 30 de abril de 2003. O projeto de Lei nº
5483, de 2001 foi arquivado.
2.2 A SEGUNDA PROPOSTA: ACE – ACORDO COLETIVO ESPECIAL, APRESENTADO PELO SINDICATO DOS METALÚRGICOS DO ABC PAULISTA
Em setembro de 2011, os trabalhadores metalúrgicos das bases
dos sindicatos do ABC, Taubaté, Sorocaba e Salto apresentaram ao Governo
Federal, uma proposta denominada ACE – Acordo Coletivo Especial, que está
em tramite e é destinada “a modernização das relações de trabalho no Brasil”.
Segundo consta na cartilha coordenada por Santana (2011) elaborada
para esclarecimento, o projeto tem como objetivo criar condições jurídicas para
que com base na vontade de trabalhadores, e seus respectivos tomadores de
serviço, possam estabelecer normas sindicais e trabalhistas, visando elevar o
padrão e a qualidade das relações laborais no Brasil, observando o art. 7º da
Constituição e as regras democráticas.
O anteprojeto prevê como requisitos para que se possa pactuar o
ACE, a comprovação da representatividade pelo sindicato; e para a empresa,
a admissão da representação sindical fisicamente no local de trabalho e a
comprovação da não existência de praticas antissindicais de sua parte.
Já na exposição de motivos do projeto apresentado, o sindicato
proponente alega que a legislação trabalhista atual, apesar de já alterada
por vezes, ainda reclama mudanças capazes de atender as demandas atuais,
especialmente nos setores mais dinâmicos da economia.
Ainda na exposição de motivos consta que foram difundidas no
país, práticas sindicais em que ocorreram negociações coletivas, com soluções
voluntárias de conflitos que contribuíram para a redução significativa de
reclamações trabalhistas individuais e coletivas, e para a melhoria da gestão de
pessoas nas empresas.
Também foi apresentada a figura dos Comitês Sindicais de Empresa
que instalados nos locais de trabalho, visam contribuir para o dialogo social e
a celebração de Acordos e solução voluntária de conflitos no meio ambiente
onde as demandas se manifestaram, e segundo a proposta, como já mencionado,
comporão os requisitos para que o ACE tenha validade.
Às autoridades do Ministério do Trabalho quem aferirão o
cumprimento dos requisitos legais para a negociação coletiva e a celebração do
acordo coletivo especial. Elas fiscalizarão o seu cumprimento.
Na cartilha em comento consta que as negociações praticadas atualmente
entre os sindicatos brasileiros, “alcançam resultados acima do padrão nacional
de relações de trabalho”, e a submissão para a análise da regularidade jurídica
58
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
desses atos, geram frequentemente, “passivos trabalhistas que não interessavam
a nenhuma das partes” nessa relação, e inviabilizam o cumprimento de clausulas
de interesse dos trabalhadores e das empresas, mais adequadas à sua realidade.
O proponente afirma que as tentativas de promover reformas por
meio do diálogo social e da negociação sempre esbarraram na resistência
conservadora de parte dos representantes dos trabalhadores, empregadores e
operadores do direito, em certa medida, pelo temor de que essa valorização do
acordado reflita em precarização dos direitos trabalhistas e insegurança jurídica
para as empresas.
Entretanto, afirma-se que se aprovado, o projeto de lei Acordo Coletivo
Especial poderá se tornar um divisor de águas para o mundo do trabalho, pois será
um instrumento moderno para a solução dos conflitos relacionados às relações
trabalhistas, e à representação sindical na fábrica, revelando-se uma condição
fundamental à democratização das relações entre trabalhadores e empresas.
De qualquer forma, o ACE está em tramite e pretende alterar a
legislação trabalhista, criando o Acordo Coletivo Especial para autorizar
os sindicatos a negociar com as empresas, acordos coletivos cujas cláusulas
podem alterar, ou mesmo desconsiderar o que já está estatuído na Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT).
2.3 A TERCEIRA PROPOSTA DE VALORIZAÇÃO DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA:
APRESENTADA PELA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA - CNI
Em 2012, em documento coordenado por Emerson CASALI, (2012),
a Confederação Nacional das Indústrias – CNI apresentou 101 propostas de
alterações na legislação trabalhista brasileira.
Esse trabalho apresentado pela CNI indica necessidade de instauração
de sessenta e cinco projetos de lei, três projetos de lei complementar, cinco
projetos de emenda à Constituição, treze atos normativos, sete revisões de
sumulas do STJ, seis decretos, cinco portarias e duas normas de regulamentação
do Ministério do Trabalho na área de saúde e segurança do trabalho.
As proposições apresentam-se enumeradas, e para cada uma delas, são
apresentadas o que a CNI denomina ‘irracionalidades’ da legislação trabalhista.
Também as suas consequências para o sistema e a solução e forma legal para
adotá-la, enumerando supostos ganhos e as mudanças decorrentes da adoção
essas soluções.
A primeira das 101 propostas apresentadas foi denominada “a
Valorização da Negociação Coletiva”. A ementa propõe a valorização e o
fortalecimento da negociação coletiva.
59
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
No documento apresentando as 101 propostas, a CNI alega que
o problema que remete a essa alteração proposta, consiste no fato de que a
legislação trabalhista nacional foi embrionada no contexto social e produtivo do
inicio do século passado, e por essa razão, possui um caráter protetivo e rígido,
que já não se justifica mais na sociedade, economia e modos de produção atuais.
Para a CNI, mesmo essas normas tendo sofrido alterações, elas não
conseguiram acompanhar as modificações do mundo atual porque, segundo
consta no documento, essas premissas já não têm aplicabilidade no atual
contexto produtivo e de relações trabalhistas e sindicais.
Para o proponente, as instituições do trabalho, “especialmente os
sindicatos”, evoluíram. Os trabalhadores são menos hipossuficientes e a
velocidade com que ocorrem as transformações, nos modos de produção, não
tem precedente na história e a legislação é incapaz de dar soluções adequadas
aos desafios de produtividade e proteção necessários.
A CNI afirma no mencionado documento que a negociação coletiva
tem se revelado mais célere e adequada para que os atores sociais trabalhistas,
por meio de seus sindicatos, regulem suas relações de trabalho de acordo
com suas “realidades e necessidades”, e reclamam que ainda assim, a tutela
legal tem prevalecido sobre a sindical, limitando a efetividade dos acordos e
convenções, gerando problemas para as empresas e para os trabalhadores, e
causando insegurança jurídica nessas relações.
A CNI aponta como a seguir, as conseqüências do problema acima
diagnosticado, pelo estudo realizado: i. Custo – afirma que o cumprimento de
determinados dispositivos legais, pouco ajustados à sua realidade específica,
nos diferentes setores e regiões, aumenta os custos do trabalho; ii. Insegurança
Jurídica – alega que o risco de modificação ou anulação de negociações
coletivas pela Justiça traz insegurança jurídica; iii. Burocracia – diz que ao
ter que seguir toda a detalhada e burocrática legislação, obrigações que não
fazem sentido em certas situações são mantidas; iv. Restrição à Produtividade/
Inovação – alegando que diversos aspectos da legislação normatizam o
relacionamento entre empresas e trabalhadores de forma única, impondo aos
diferentes setores e regiões obrigações idênticas em aspectos que mereceriam
tratamento individualizado, restringindo à produtividade e à competitividade;
e, v. Outras – onde afirma que a conflituosidade das relações trabalhistas
atuais onera a sociedade.
Como solução para o problema identificado, a CNI propõe o
fortalecimento da negociação coletiva para que trabalhadores por meio de
sindicatos representativos, e empregadores regulem amplamente suas relações
de trabalho, “adequando as necessidades e os interesses a suas realidades,
mesmo que de forma diferente ao que estabelece a legislação”. Para isso, propõe
60
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
que seja “explicitamente previsto que a negociação coletiva feita por sindicatos
representativos tenha a mesma força da tutela legal”.
O documento aponta que haverá melhoria nas relações de trabalho
com redução da “conflituosidade, da judicialização, e maior segurança jurídica
para todos”. Afirma que a proposta permitirá que as empresas possam adequar
a “legislação à sua necessidade produtiva, trazendo maior competitividade”.
Para a CNI, “certamente essa possibilidade trará maiores ganhos para os
trabalhadores”.
A efetivação dessa solução proposta seria uma Emenda à Constituição
ou um projeto de Lei ordinária. Essa proposta está em tramite no legislativo.
3 APECTOS ATUAIS E HISTÓRICOS SOBRE O REGIME SINDICAL BRASILEIRO
Sobre o regime sindical, Nascimento lembra que:
[...] a Constituição Federal de 1934 dispunha em seu texto original,
explicitamente, a instituição do pluralismo sindical, ou seja, a
possibilidade de se criar mais de um sindicato da mesma categoria. No
entanto, esse dispositivo não demorou muito até que fosse substituído
pelo da unicidade sindical. (NASCIMENTO: 2000, p 163)
A Constituição de 1937 apresentou diversos dispositivos relacionados
a organização do trabalho. Nela também se optou pela submissão dos sindicatos
ao controle estatal e a proibição do direito greve, entretanto, a unicidade
sindical surgiu pela primeira vez no Decreto-lei n.º 1.402, em 5 de julho de
1939, que regulava a associação em sindicato. Foi nessa norma que surgiu,
expressamente, a opção pela unicidade sindical, com previsão em seu art. 6º,
que possuía a seguinte redação: “Não será reconhecido mais de um sindicato
para cada profissão”.
Foi a Constituição de 1988 que consagrou explicitamente o princípio
da liberdade sindical, pelo menos quanto à liberdade de associação sindical
e a autonomia sindical. Todavia, apesar dos avanços, ela trouxe também
dispositivos das legislações anteriores que segundo DELGADO, “contrariam
o princípio da liberdade sindical plena, como foi o caso da manutenção da
unicidade sindical”, veja:
Esses mecanismos autoritários preservados pela Carta de 1988 atuam
frontalmente sobre a estrutura e dinâmica sindicais, inviabilizando a
construção de um padrão democrático de gestão social e trabalhista no
Brasil. Na verdade, o acoplamento de figuras jurídicas corporativistas a
61
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
um universo de regras e princípios democráticos tem produzido efeitos
perversos no mundo sindical do país. (DELGADO: 2008, p. 118)
É justamente no âmbito desse principio da liberdade sindical que
muitos autores discordam sobre os sistemas de unicidade, pluralidade e unidade
sindicais.
Infere-se das declarações de Sergio Pinto Martins, uma opinião
contrária ao sistema da unicidade sindical, nos moldes adotados pela Carta
Constitucional de 1988, veja:
Está a estrutura sindical brasileira baseada ainda no regime corporativo
de Mussolini, em que só é possível o reconhecimento de um único
sindicato […]. Um único sindicato era mais fácil de ser controlado,
tornando-se obediente. (MARTINS: 2006, p. 699)
Apesar de Alice Monteiro de Barros (2009, p. 1235.) afirmar que a
unicidade sindical encontrou justificativa nos “primórdios de nosso Direito
Coletivo, inspirado no modelo fascista de Mussolini, na sociedade brasileira
contemporânea tornou-se intolerável”, implicando violação aos princípios
democráticos, cada vez que impede membros de determinada categoria a
escolher com liberdade, o sindicato para se filiarem.
A autora preocupou-se em apresentar o posicionamento divergente
na doutrina acerca dos dois sistemas, ou seja, os que defendem e os que dizem
não haver possibilidade de compatibilização entre o principio da liberdade
sindical e o sistema de unicidade sindical.
Segundo informa a autora, os defensores do monismo sustentam,
em geral, que o sindicato representa toda uma coletividade e não apenas
os seus associados, impondo a unidade de representação, uma vez que os
objetivos identificados são os mesmos.
Afirma ainda que os adeptos a esse entendimento contestam a
capacidade de reivindicar desses sindicatos múltiplos, pois acabam se
enfraquecendo e tornando vulnerável a ação destruidora dos Estados
totalitários. (BARROS: 2009, p. 1233-1234.)
Na sequencia, a autora expõe a tese defendida pelos contrários,
esclarecendo que os críticos a unicidade sindical vislumbram uma violação
aos princípios democráticos e mais especificamente, à liberdade sindical.
[...] sublinham a importância da saudável competição entre as
entidades, evitando a acomodação de lideranças sindicais, advindas da
exclusividade de representação classista. (BARROS: 2009, p. 1234)
62
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Diferentemente do Brasil que optou pela unicidade sindical, países
como França, Espanha e Itália adotaram o pluralismo sindical.
Como expõe Amauri Mascaro Nascimento (2000, p. 161-162): “A
pluralidade pode ser: a) total, quando atingidos todos os níveis da organização
sindical; b) restrita, quando coexistentes níveis de pluralidade e de unicidade”.
Exemplificando ainda:
Se os empregados de uma empresa têm o direito de votar para escolher
o sindicato que querem como representante, e sendo o sindicato eleito
o único, vedado outro na empresa, haverá unicidade sindical em
nível de empresa e pluralidade sindical em nível orgânico de sistema.
(NASCIMENTO: 2000, p. 161-162)
A doutrina contraria ao sistema do pluralismo sindical questiona se
ao instaurar esse sistema sindical não haveria um elevado numero de sindicatos
representantes das diversas categorias, o que poderia resultar em confusão
e consequentemente enfraquecimento desses entes. Sergio Pinto Martins
esclarece a esse respeito:
Com a pluralidade sindical, cada um poderia constituir o sindicato
que quisesse. Os sindicatos devem ser criados por profissão ou por
atividade do empregador, porém livremente. A tendência seria, num
primeiro momento, a criação de muitos sindicatos. Posteriormente, as
pessoas iriam perceber que muitos sindicatos não têm poder de pressão
e iriam começar a se agrupar, pois sozinhos não teriam condições de
reivindicar melhores condições de trabalho. (MARTINS: 2006, p. 700)
Oportuna a distinção de unicidade com unidade sindical lecionada por
Sergio Pinto Martins (2006, p. 699). Àquela existe a partir de uma imposição,
por parte do Estado, de somente se criar um único sindicato, em dada base
territorial, enquanto que “a unidade sindical é o sistema em que os próprios
interessados se unem para a formação de sindicatos”.
Por fim, defendendo a pluralidade sindical como modelo mais
adequado, bem como a unidade sindical, Arnaldo Süssekind citado por Amauri
Mascaro Nascimento, declara:
Também nós já defendemos o monopólio de representação sindical
e, até hoje, justificamos que Getúlio Vargas o tenha adotado
visando a evitar o fracionamento dos sindicatos e o conseqüente
enfraquecimento das respectivas representações, numa época em
63
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
que a falta de espírito sindical dificultava a formação de organismos
sindicais e a filiação de trabalhadores aos mesmos. Afinal, esse
espírito resulta das concentrações operárias, que dependem do
desenvolvimento industrial. Daí por que, hoje, defendemos a
liberdade de constituição de sindicatos, embora reconhecendo que o
ideal seja a unidade de representação decorrente da conscientização
dos grupos de trabalhadores ou de empresários interligados por uma
atividade comum. Outrossim, as centrais brasileiras, de diferentes
matizes filosóficos, criaram uma realidade, que não pode ser
desprezada, justificadora da pluralidade sindical. (SUSSEKIND,
Apud NASCIMENTO: 2000, p. 160).
Ainda que autores defendam a permanência do modelo sindical
brasileiro que optou pela unicidade, após o estudo realizado e a opinião balizada
de autores como Arnaldo Süssekind, revela que a discussão sobre a necessidade
de revê-lo não é recente, e a unicidade sindical já não atende aos anseios sociais.
A tendência ao fortalecimento das negociações coletivas, podendo
elas, inclusive sobrepor à legislação trabalhista, sem que se repense o modelo
sindical, poderá hipoteticamente, colocar em risco as condições de trabalho no
Brasil, podendo ocorrer retrocesso em direitos já alcançados, ou mesmo, uma
precarização das condições de trabalho, motivadas por sindicatos atrelados e
sem condições para se manter frente às negociações que devem ser acirradas.
Urge repensar esse modelo sindical brasileiro com vistas a fortalecê-lo para
melhor desempenho de sua função.
A pesquisadora filia-se a corrente que defende a pluralidade sindical,
ainda que com atuação restringida pela unidade sindical, ou seja, que haja
possibilidade de instituição de mais de um sindicato por categoria em uma
mesma base territorial, ainda que aquela categoria, através de um processo de
amadurecimento, tenha que escolher a que melhor lhe represente.
4 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA VALORIZAÇÃO DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA
PODENDO SOBREPOR A LEGISLAÇÃO TRABALHISTA
Antes de adentrar a essa temática, faz-se necessário observa-se que
a pressão econômica do capitalismo tem impulsionado o setor patronal a
avançar em busca de se posicionar no mercado, pois o mundo capitalista atual,
em que se observa uma economia mundial globalizada, com concentração de
uma espécie de estrutura produtiva internacional em incessante movimento,
visando maximizar os lucros de seus investidores pela conquista de novos
mercados, reclama mudanças sob pena de se suportar as duras consequências
64
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
desse mercado feroz a competir por preço e qualidade que fulmina empresas e
marginaliza trabalhadores com o desemprego estrutural.
É notória a busca de meios por parte de países com economias
emergentes para ingressar nessa ordem econômica, quase como uma condição
para seu desenvolvimento, até porque como diz Gilberto Dupas:
A não inserção nessa ordem mundial trás a ameaça de manterse o atraso tecnológico e de aprofundar-se o fosso entre países
desenvolvidos e periféricos. O papel do governo é propiciar a
abertura e fazer a regulamentação cuidadosa e apropriada, cabendo
ao setor privado, investir e operar. Essa é a lógica do mundo
moderno. (DUPAS: 1999, p 257-258)
O Brasil experimenta essa condição de mercado emergente buscando
manter-se nessa ordem econômica mundial. É o desafio atual manter o
crescimento econômico com vista ao desenvolvimento, e para isso é preciso
acompanhar as transformações sociais.
Manter-se nesse mercado reclama condições favoráveis ao
desenvolvimento das atividades produtivas. Não foi por outra razão que a CNI
ao apresentar as 101 propostas, em documento coordenado por CASALI (2012),
disse que o objetivo era inaugurar as discussões visando reduzir os altos custos
do emprego formal, que segundo o proponente, é um dos “mais graves gargalos
ao aumento da competitividade das empresas brasileiras”.
Assim, tem se observado ao longo dos anos que algumas propostas de
valorização da negociação coletiva podendo sobrepor a legislação foram submetidas
à apreciação do legislativo nacional. Nesse desiderato, também o foram diversas
propostas com vistas à flexibilização das leis trabalhistas sob os argumentos de
modernização das relações de trabalho, valorização do principio da boa fé que norteia
as relações negociais e principalmente a segurança jurídica aos juridisdicionados.
A exemplo disso, atualmente diversos projetos nesse sentido tramitam
nas casas legislativas, e na pretensão de demonstrar as evidencias de que, se por
um lado não houver a flexibilização legal de alguns direitos, há necessidade de
que elas ocorram pela via da negociação, faz-se necessário a menção de alguns
desses projetos.
Das 101 propostas apresentadas pela CNI, a de nº 2, por exemplo,
propõe a criação de um espaço de negociação individual, porque segundo a
ementa, alguns empregados deixaram de ser hipossuficientes e merecem um
maior espaço para a negociação individual das condições de trabalho.
Com proposta de nº 78, a ementa propõe que haja reconhecimento da
Rescisão consensual, por “culpa recíproca” fixada por negociação coletiva ou
65
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
definida individualmente. Com a proposta de nº 92 a revogação ou a suspensão
da obrigatoriedade de adoção do Registrador Eletrônico de Ponto (REP). O
Ponto eletrônico.
Ao contrário do objetivo para o qual foi criada a Certidão negativa
de débitos, a proposta nº 96 propõe a possibilidade de obtenção da Certidão
Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT) mesmo não atendendo a cláusulas do
Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
Também a proposta de regulamentação da Terceirização para permitila acontecer em qualquer atividade da empresa, inclusive as atividades fim,
mantendo a responsabilidade subsidiária do contratante da terceirizada em
relação às atividades trabalhistas.
E para arrematar, eis o Projeto de Lei nº 948/2011, em tramite e
que admite cláusula contratual que impede que o empregado demitido possa
reclamar na Justiça do Trabalho.
Com isso, é forçoso concluir que a aprovação dos projetos
mencionados podem causar danos aos direitos dos trabalhadores já estatuídos.
Imagine um empregado, seja ele que tipo de profissional for, negociando com
o patrão as condições de seu contrato de trabalho, podendo dispor livremente
de seus direitos garantidos. Some a isso a possibilidade dele negociar com
seu contratante se vai ou não acatar a clausula que lhe impede de reclamar
judicialmente lesão advinda da relação do trabalho. Quem seria a titulo de
exemplo esse trabalhador, hipossuficiente, capaz de deliberar livremente sobre
esses requisitos?
A obrigatoriedade do registro do ponto tem objetivo de evitar as
ações voltadas a fraudar o computo de horas trabalhadas e a certidão negativa
de débitos trabalhistas obrigar que se cumpra o acordado antes de se valer de
benefícios. É um instrumento de combate a fraude à execução. A pretensão de
colocar termo a essas obrigações não seria outra coisa a não ser retroceder.
Qual será a efetiva garantia de que a rescisão recíproca seja realmente
consensual? e a terceirização utilizada para realização de atividade fim com a
manutenção da responsabilidade subsidiária do contratante da terceirizada não
fragmentaria as categorias e ramos do trabalho, enfraquecendo a luta da classe
e aniquilando seu poder negocial, aumentando a precarização do trabalho que
essa categoria já enfrenta?
Na cartilha apresentada pelo sindicato dos metalúrgicos do ABC para
esclarecer a proposta de ACE consta o seguinte:
O Brasil caminha para ser o quinto PIB mundial e não pode continuar
convivendo com trabalho escravo em pleno século 21 nem transformar
em caso de polícia reivindicações trabalhistas [...]
66
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Isso é preocupante na medida em que em negociações coletivas,
empregadores poderão continuar cobrando de trabalhadores, o custo pela
aquisição de suas ferramentas. Eles poderão dispor das horas in itinere se
quiserem trabalhar e também ter as férias e outros direitos reduzidos para
manter o emprego. O patrão poderá não ter mais a obrigação de fornecer água
potável, banheiro e condições mínimas para mantença da dignidade da pessoa
humana. Ao final, não haverá mesmo mais o que se considerar trabalho escravo
porque tudo se resolverá no ambiente laboral e não mais na órbita judicial.
Os proponentes das alterações alegam na cartilha coordenada por
SANTANA (2011), que o direito será mais dinâmico, as possíveis contendas se
resolverão “de maneira ágil, socialmente eficaz e juridicamente segura, sem que
este processo resulte em qualquer possibilidade de precarização de direitos”.
Também não faltam alegações de que as relações trabalhistas
brasileiras estão sujeitas a uma extensa e detalhada legislação que nem sempre,
atendem a realidade dos trabalhadores e das empresas.
Vale mencionar que Ives Gandra Martins da Silva Filho (2006) na
defesa da tese de flexibilização da CLT e valorização da negociação coletiva,
utiliza-se do argumento de que a própria Constituição Federal, no artigo 7º
já permitiu nos incisos VI, XIII e XIV que dispõem sobre irredutibilidade de
salário e jornada de trabalho (que compõe o rol de direitos sociais e do trabalho
de maior relevância) a disposição por meio de acordo coletivo.
Continuando, observam que os direitos sociais, assim como os direitos
coletivos não foram elevados a categoria de clausulas pétreas, uma vez que o
artigo 60, § 4º, inciso IV da Constituição não os alcançam pois tão somente
os direitos e garantias individuais estariam contemplados. Assim, para Ives
Gandra Martins da Silva Filho, “aquilo que é possível de flexibilização pelas
partes, através de negociação coletiva, não pode ficar a margem de alteração
pelo legislador” (2006), podendo a reforma ocorrer não só por Emenda
constitucional, como também por lei ordinária.
Historicamente verificou-se que as conquistas sociais, principalmente
as de Direito do Trabalho, foram alcançadas em certo período de tempo em
que foram travadas verdadeiras batalhas da classe operária, através de grandes
movimentos e muita resistência com vistas a terem esses direitos almejados
estabelecidos em diploma jurídico.
Vale lembrar que outrora, alguns direitos foram conquistados em
negociações porque no computo final, a classe empresarial industrial sairia
lucrando, pois na contabilização do valor do custo de direitos como férias anuais
(quando não se tinha esse direito estatuído) em contraposição ao dos dias de
prejuízos, decorrentes de greves dos trabalhadores, o resultado seria lucrativo.
Certo o é que nas negociações entre patrão e empregado, o empregador jamais
dará o braço a torcer se a negociação onerar seus custos.
67
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Um emblemático exemplo desse interesse negociado foi verificado
quando Jorge Street (A transformação da indústria paulista...) posicionou-se
favorável ao diálogo entre patrão e empregado. Ele, um empresário visionário,
que posteriormente foi um dos fundadores do Centro das Indústrias do Estado
de São Paulo em 1928 e que futuramente foi transformado no sistema FIESP –
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.
Enfim, o estudo aponta que o sistema jurídico que regula as relações
de trabalho no Brasil concorre para uma iminente transformação, ou seja,
parece inevitável que ocorra a flexibilização da legislação laboral; seja pela
alteração do texto normativo ou pela autorização legal para transacionar ou
negociar direitos em sede de negociação coletiva entre patrões e empregados.
A economia mundial globalizada faz com que as nações que ai se
inserem, experimentem efeitos positivos e negativos. A produção acelerada e as
oportunidades comerciais podem levar o país ao desenvolvimento, mas também
pode marginalizar seus compatriotas como consequencia, por exemplo, do
desemprego estrutural.
Talvez um dos maiores e o mais certeiro efeito negativo desse
modelo de economia globalizada seja o desemprego estrutural, pois milhares
de trabalhadores serão desempregados e o mercado dificilmente conseguirá
absorvê-los. Como conseqüência, há a migração para o trabalho informal
além de diversas formas de degradação humana e perda do bem estar social,
obrigando o Estado, inclusive, a arcar com medidas sociais a fim de amenizar
esses efeitos.
DUPAS explica que:
O grande problema do vetor tecnológico que privilegia automação,
qualificação da mão de obra e maior produtividade, é que a quantidade
de empregos gerados pela estrutura produtiva moderna é insuficiente
para compensar o crescimento populacional, além de ser decrescente
a cada aumento marginal do investimento direto. Exige-se maior
qualificação da mão-de-obra e a oferta de emprego é menor. (DUPAS:
1999, p 252)
O desemprego estrutural já bate as portas do Brasil e os trabalhadores
lutam diariamente para isso não ocorra. Noticiários relatam casos de abusos,
opressão, precarizaçao de condições de trabalho, doenças laborais do trabalho
e assédio moral. As noticias demissão em massa ou negociação de direitos para
evitá-las também são correntes.
É por essa razão que a reforma sindical já discutida há décadas deve
ser posta em pratica, visando o fortalecimento da instituição sindical brasileira
68
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
tornando-a legitima, representativa, livre e verdadeiramente defensora da
vontade de seus representados a fim de se evitar que essas mudanças ao invés
de representarem um avanço necessário se alvitrem num retrocesso inevitável.
A flexibilização das leis trabalhistas que por suas razões guardam uma
maior proteção ao trabalhador, parte mais frágil da relação capital e trabalho,
evidentemente economicamente mais frágil, lançando sua sorte na restauração
do principio liberal da autonomia da vontade, determinará a sua sujeição aos
interesses do economicamente mais forte e isso poderá resultar num inevitável
retrocesso nas conquistas sociais alcançadas ao longo de décadas
Não seria medida mais acertada possibilitar renuncia de direitos pelos
trabalhadores, mediante negociação coletiva, quando ainda se consagra, em
nosso ordenamento, a unicidade sindical
CONCLUSÃO
1. o Brasil economicamente emergente, inserido na economia mundial
globalizada, buscando manter seu crescimento e desenvolvimento econômico
precisa desenvolver técnicas e medicas criativas para competir nesse voraz
mercado;
2. a legislação trabalhista brasileira é protetiva e rigorosa. Criada há
70 anos, seus operadores e guardiões ainda se esforçam para que sua aplicação
seja eficiente a coibir abusos dos patrões economicamente mais fortes em face
do trabalhador brasileiro que luta por uma vida minimamente digna.
3. para os empresários, a aplicação a rigor da CLT representa um
entrave e prejuízos aos negócios. Eles denominam essas normas de ultrapassadas
e dizem que pela sua genérica não são aplicadas em situações em que deveriam
ser consideradas suas especificidade. Dizem que acordos celebrados com seus
empregados trazendo benefícios para ambos são questionados judicialmente e
isso, além de prejudicá-los, lesa também os trabalhadores que tinham interesses
nas negociações e causa insegurança jurídica.
4. há décadas tramitam nas casas legislativas projetos de lei visando
a flexibilização da legislação trabalhista e projetos que valorizam a negociação
coletiva sobrepondo inclusive ao que está estatuído. A pesquisa evidenciou que
o sistema jurídico laboral brasileiro concorre para uma iminente transformação,
podendo contemplar as duas faces da reforma pleiteada ou uma delas.
5. a investigação cientifica que se propôs revelou que seria um risco
de retrocesso aos direitos sociais já alcançados, lançar ao trabalhador brasileiro
a decisão sobre dispor ou não de seus direitos e garantias em negociações com
os seus empregadores, diante do modelo sindical atualmente adotado pelo
sistema brasileiro.
69
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
6. as discussões sobre a necessidade de reforma do sistema sindical
adotado pelo Brasil são antigas e devem ser colocadas em práticas urgentemente
sob pena do avanço necessário em matéria de reforma trabalhista resultar em
um retrocesso inevitável.
7. o que se espera é que o sistema jurídico trabalhista brasileiro esteja
caminhando para a flexibilização e jamais para o retrocesso de direitos já
normatizados, levando a precarização das condições de trabalho.
70
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
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72
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
A FLEXIBILIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA: OS LIMITES DO
TRABALHO AOS DOMINGOS E FERIADOS
THE FLEXIBILITY OF LABOR LAW: THE LIMITS OF LABOR ON
SUNDAYS AND HOLIDAYS
Marcela Andresa Semeghini Pereira6
RESUMO
O presente artigo apresentou uma reflexão das modificações ocorridas
no mundo, culminando com o fenômeno da globalização. Tratou em especial
dos limites da flexibilização da legislação trabalhista que originou-se com o
argumento da necessidade do aumento da competitividade das empresas, no
intuito de alcançar melhores salários e maior empregabilidade, sendo considerada
fundamental na sociedade moderna. No entanto, estas modificações devem ser
efetuadas primando pela efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana
através da valorização do trabalho. Na pesquisa analisou a flexibilização da
jornada de trabalho considerando que esta deve ser exercida para realização
dos princípios da dignidade da pessoa humana através de ações que resultem na
valorização do trabalho. A delimitação do tempo de trabalho é uma das formas
de promoção do tempo de lazer, produzindo como consequência tempo livre
para descansar, refletir e participar em ações familiares. Uma das modificações
sugeridas pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI) é permitir a todas
as categorias profissionais o trabalho aos domingos e feriados, sem necessidade
de aprovação da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego local. As
práticas laborais exercidas aos domingos e feriados, caso aprovadas de acordo
com a proposta, resultará no descumprimento do direito ao lazer, produzindo
consequentemente resultados danosos aos trabalhadores, o que repercutirá no
próprio convívio social e em último caso na desvalorização do trabalho humano,
desconstituindo-se a construção de um trabalho digno.
Palavras-chave: Dignidade no Trabalho. Direito ao Lazer. Valoração do
Trabalho Humano.
Discente do Programa de Mestrado em Direito/Unimar. Bacharel e Licenciada em Ciências
Sociais pela Unesp - Marília e Bacharel em Direito – Univem, MBA em Desenvolvimento
Regional Sustentável, pela Universidade Federal do Mato Grosso. Bolsista CAPES/PROSUP.
Atualmente é bancária no Banco do Brasil. E-mail: [email protected].
6
73
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
ABSTRACT
This paper presented a reflection of changes in the world, culminating
with the phenomenon of globalization. Addressed in particular the limits of
flexibility of labor laws that originated with the argument for increasing the
competitiveness of enterprises, in order to achieve better wages and greater
employability, considered essential in modern society. However, these changes
must be made striving for realization of the principle of human dignity by
valuing work. In the research analyzed the flexibility of working hours whereas
this should be exerted to achieve the principles of human dignity through
actions that result in the value of labor. The definition of working time is a
form of promotion of leisure time, producing consequently free to relax, reflect
and participate in family time shares. One of the changes suggested by the
National Confederation of Industries (CNI) is to enable all professional groups
work on Sundays and holidays, without the approval of the Regional Labour
and Employment site. Labor practices performed on Sundays and holidays,
if approved in accordance with the proposal will result in breach of the right
to leisure, thus producing harmful results to employees , which will have
repercussions in social life itself and in the latter case the devaluation of human
work , taking from the construction of decent work .
Kew-words: Dignity at Work. Right to Leisure . Evaluation of Human Work
1 INTRODUÇÃO
Nesta pesquisa, apresentou uma reflexão sobre as influências da
globalização no trabalho e, em destaque, o posicionamento em defesa das
flexibilizações das legislações trabalhistas, que se em parte se encontra plasmado
na proposta feita pela Confederação Nacional das Indústrias, em específico, no
que diz respeito à desregulamentação da jornada de trabalho no Brasil.
No primeiro capítulo faz-se um breve histórico sobre o trabalho e sua
regulamentação. No segundo capítulo tratou-se dos princípios da dignidade da pessoa
humana e do trabalho humano, previstos na Constituição Federal de 1988, na condição
de fundamento da República e do Estado Democrático de Direito do Brasil.
Considera-se que a flexibilização da legislação trabalhista é necessária,
visto que a globalização exige modificação para que as empresas e os próprios
trabalhadores sejam competitivos e se mantenham no mercado. No entanto,
estas devem ser efetivadas à luz dos princípios da dignidade e da humanidade.
No terceiro capítulo cita-se um exemplo de flexibilização que é a
jornada de trabalho, fazendo um contraponto com os prejuízos que podem ser
74
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
causados a partir do momento que venha a ser admitida a proposta inovadora
apresentada pela Confederação Nacional da Indústria. Foi citada a legislação
vigente que delimita a jornada de trabalho e ampara o trabalhador para que este
possa programar a utilização de seu tempo livre com antecedência.
A Confederação Nacional das Indústrias propõe, sob o título de
modernização trabalhista, 101 ementas sendo que a 10ª ementa recomenda o
trabalho aos domingos e feriados a todas as categorias. Resta saber quais as
consequências possíveis que podem ser produzidas a partir dessa proposta,
como também, qual o impacto ou significado em relação à afetação do princípio
da valorização do trabalho humano.
Fica então delimitado o objeto do presente estudo, bem como
estabelecidos os objetivos pretendidos, adotando-se para a presente pesquisa
o método dedutivo, com pesquisas doutrinárias em especial, compartilhando o
presente estudo com outras áreas do conhecimento.
2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL
O homem, em relação ao trabalho, passou pelas fases de escravidão,
servidão e trabalho em corporações, sendo que a Revolução Industrial produziu
talvez uma das maiores transformações na Europa do século XVIII no que
diz respeito às mudanças nas estruturas políticas e na própria formação dos
agentes sociais, que antes estava baseada na atividade agrícola e a partir dessa
transformação, passou a ter como centro a atividade industrial. Somente nesta
última fase houve maior preocupação com os direitos trabalhistas, podendo ser
afirmado que o modo de produção capitalista, que de início produziu um grande
desequilíbrio na chamada infraestrutura humana, por outro lado, também gerou
o início daquilo que passou na sequência a ser traduzido como processo de
valorização do trabalho humano.
O proletário do século XVIII tinha uma jornada de trabalho de até 16
horas, quase que transformado em uma máquina, se levado em consideração
a sua não condição de pessoa humana, na maioria das vezes com pouco
desenvolvimento intelectual. Seu ambiente de trabalho e de habitação era
degradante, visto que pouco ganhava para viver em condições humanas. Nesta
época, em especial na Inglaterra, a exploração do trabalho humano atingiu um
grau extremo, se comparada à rotina de trabalho, levando-se em conta o tempo
da jornada e condições gerais de vida social (NASCIMENTO, 2002).
No século XVIII, ainda na Europa (França, Inglaterra, Alemanha), em
que pese às particularidades existentes em cada um dos Estados, o empregador
impunha as condições de trabalho, como: o tempo trabalhado, os horários do
trabalhador e as condições do meio ambiente de trabalho. O trabalhador, tendo
75
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
apenas a sua força de trabalho para sua manutenção e da sua família, sujeitavase se ao que era imposto pelo empregador (NASCIMENTO, 2002, p. 40).
Com o avanço da industrialização (Europa, século XIX), a
regulamentação do trabalho tornou-se necessidade, visto que este, até então,
foi marcado por grande exploração, excessos e desgastes, produzindo baixos
salários e condição humana desprezível (NASCIMENTO, 2002, p. 40).
Com o surgimento do capitalismo iniciaram as discussões em torno da
questão social, moral e ética, uma vez que o empobrecimento dos trabalhadores
em todos estes aspectos foi notória (NASCIMENTO, 2002, p. 40). A questão
aqui colocada não repousa somente no fato da preservação ou a geração de
melhores condições de trabalho, mas também na preocupação do empresariado
da época por conta do número abusivo de acidentes laborais, que estavam por
provocar um colapso no próprio oferecimento de mão-de-obra principalmente
para a indústria que se desenvolvia na época (NASCIMENTO, 2002, p. 40).
Em 15 de maio de 1891 a Encíclica Rerum Novarum, de autoria do
Papa Leão XIII trouxe por assim dizer o prelúdio daquilo que após passou
a ser chamado por dignidade no trabalho, pois considerava o trabalho não
como uma mercadoria, mas um modo de expressão direta da pessoa humana,
sendo que, para a maioria dos homens o trabalho é a única fonte de meios
de subsistência e de realização onde desenvolve suas habilidades. No entanto,
por outro viés, não pode ser esquecido que o referido documento serviu para
“abafar” principalmente os movimentos do leste europeu, que propugnavam a
conquista pelos trabalhadores dos meios de produção. Foi também um combate
às teorias socialistas e comunistas que estavam em franco desenvolvimento na
parte ocidental da Europa.
Consta na mesma Encíclica que o homem deve aceitar com paciência
sua condição, pois é impossível que na sociedade civil todos sejam elevados
ao mesmo nível e, portanto, as diversas classes devem entrar em acordo. Esta
divulga que (LEÃO XIII, 2013):
Toda a economia das verdades religiosas, de que a igreja é guarda e
intérprete, é de natureza a aproximar e reconciliar os ricos e os pobres,
lembrando às duas classes os seus deveres mútuos e, primeiro que
todos os outros, os que derivam da justiça. O que é vergonhoso e
desumano é usar os homens como de vis instrumentos de lucro, e não
os estimar senão na proporção do vigor dos seus braços.
O papa defendia o status quo e a resignação à situação social e
econômica de todo ser humano, propondo o cristianismo como o melhor dos
meios para garantir a paz social. No entanto, a regulamentação das relações
76
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
de trabalho era fundamental, visto que embora não fosse possível que todo ser
humano tenha a mesma condição social e econômica, era necessário garantir
sua dignidade.
O aparecimento do Direito do Trabalho se deu principalmente a
partir no século XVIII, com a Revolução Industrial, na Inglaterra, conforme
já apresentado nos parágrafos anteriores. Com a invenção da máquina e sua
utilização, ocorreram mudanças nos métodos de trabalho e nas relações entre
patrão e empregado. A máquina a vapor, o tear mecânico e a expansão do
comércio e da indústria acarretaram uma drástica redução da mão-de-obra
utilizada e a consequente substituição do trabalho escravo, servil e corporativo,
pelo trabalho assalariado.
No Brasil, aquilo que precariamente pode ser chamado de indústrias
começa a surgir em 1808, com a chegada da família real. Tem-se que o processo
de industrialização no Brasil foi lento, ganhando algum dinamismo a partir do
inicio do século XX, com o fim do tráfico negreiro e da escravidão, surgindo às
primeiras associações operárias e anticapitalistas, com o prelúdio de formas de
organização dos trabalhadores urbanos, incitando greves e manifestações dos
trabalhadores (CUNHA, 1997, p. 11).
O Brasil sofreu influências advindas de países Europeus como a
Inglaterra, Alemanha e Itália que exerceram, de certo modo, alguma pressão no
sentido de levar o Brasil a elaborar leis trabalhistas. Também, o compromisso
internacional assumido pelo Brasil ao ingressar na Organização Internacional
do Trabalho, criada pelo Tratado de Versalhes (1919), propondo-se a observar
normas trabalhistas foi fundamental para a elaboração de um sistema próprio
que passou a compor a chamada legislação trabalhista.
Contudo, somente após a Revolução de 1930 em especial com a
criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, que se iniciou a fase da
legislação trabalhista. Ainda que na década de 1910 já houvesse alguma forma
de organização anarco-sindicalista e que a fundação do Partido Comunista seja
de 1922, considera-se para fins desse estudo, que os principais diplomas legais
específicos de proteção ao trabalho humano advieram somente após 1932, embora
carecessem de uma ordem sistêmica, uma vez que se apresentava de forma
fragmentada e despossuída da condição de abranger todos os trabalhadores.
No ano de 1943 a Consolidação das Leis do Trabalho foi decretada,
e com ela apresentou-se a junção de várias leis trabalhistas já existentes
e a criação de outras que formou a estrutura primeira do sistema trabalhista
normativo nacional. Trata-se da era Vargas, com a formação de um complexo
unitário diante do trabalhador urbano, que no Brasil, apresentava-se como algo
novo. Nesta legislação os princípios e garantias constitucionais foram atestados
no Brasil (DELGADO, 2001, p. 44). 77
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Com a promulgação da Constituição Federal, em 1988, houve lugar
para se estabelecerem as condições das relações de trabalho, em especial visando
proteger o trabalhador e enaltecendo os valores mínimos do trabalho humano. Foi
estabelecido em seu artigo o art.7º, incisos XXX a XXXII e XXXIV, o equilíbrio
entre trabalho e descanso, nos incisos XII a XV e XVII a XIX, também foi
disposto sobre a duração da jornada de trabalho não superior a oito horas diárias
e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horário e a redução da
jornada, mediante acordo ou convenção coletiva. Tratou sobre o repouso semanal
remunerado preferencialmente aos domingos, férias e licenças.
O jurista José Afonso da Silva (1999, p. 292), preleciona:
O art. 6º define o trabalho como direito social, mas nem ele nem o
art. 7º, trazem norma expressa conferindo o direito ao trabalho. Este,
porém, ressai do conjunto de normas da Constituição sobre o trabalho.
Assim, no art. 1º, IV, se declara que a República Federativa do Brasil
tem como fundamento, entre outros, os valores sociais do trabalho;
o art. 170 estatui que a ordem econômica funda-se na valorização do
trabalho, e no art. 193 dispõe que a ordem social tem como base o
primado do trabalho. Tudo isso tem o sentido de reconhecer o direito
social ao trabalho, como condição da efetividade da existência digna
(fim da ordem econômica) e, pois, da dignidade da pessoa humana,
fundamento, também, da República Federativa do Brasil (art. 1º, III)
[...] As condições dignas de trabalho constituem objetivos dos direitos
dos trabalhadores. Por meio delas é que eles alcançam a melhoria de
sua condição social (art.7, caput), configurando, todo, o conteúdo das
relações de trabalho, que são de dois tipos: individuais ou coletivas.
Portanto, o objetivo maior dos direitos sociais é garantir uma vida digna e
humana aos trabalhadores, sendo que somente poderá ser alcançada com a melhoria
das condições de trabalho favorecendo, desta forma, a qualidade de vida.
A Constituição Federal de 1988 e antes a Consolidação das Leis do
Trabalho conferiram aos trabalhadores segurança jurídica e justiça social, que
são características essenciais em um Estado Democrático de Direito. Nestas
condições, a dignidade e a humanidade são características fundamentais para a
realização do contido nestas cartas.
3 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O TRABALHO HUMANO: PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA ORDEM ECONÔMICA
A Constituição Federal de 1988, ao referir-se a dignidade como
fundamento da República e do Estado Democrático de Direito reconheceu que é o
78
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Estado que existe em função da pessoa humana, e não o oposto, já que o ser humano
constitui finalidade e não meio da atividade estatal. Portanto, a principal função do
Estado é o bem estar das pessoas e proporcionar, a estas, uma vida digna.
Celso Ribeiro Bastos (1995, p. 149), a respeito do assunto nos ensina que:
A Constituição traz como fundamentos do Estado brasileiro a
soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a crença nos
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.
Estes fundamentos devem ser entendidos como o embasamento do
Estado; seus valores primordiais, imediatos, que em momento algum
podem ser colocados de lado.
O Estado deve fazer valer os princípios constitucionais, e quando
necessário, deve intervir de forma direta ou indireta para garantir o cumprimento
dos objetivos fundamentais da República e do Estado Democrático de Direito.
O princípio da dignidade da pessoa humana, fundamental no ambiente
de trabalho, é desrespeitado quando há exploração do homem através do
trabalho, onde o ambiente de trabalho é insalubre e onde o salário mínimo não
supre as necessidades básicas do trabalhador.
O valor dignidade da pessoa humana vincula-se à tradição do
pensamento cristão, ao colocar cada homem relacionado com um Deus que
também é pessoa. Dessa verdade teleológica que identifica o homem à imagem
e semelhança do Criador, derivam sua eminente dignidade e grandeza, bem
como seu lugar na história e na sociedade. Por isso, a dignidade da pessoa
humana não é, nem nunca foi, uma criação constitucional, mas um dado que
preexiste a toda experiência especulativa, razão por que, no âmbito do Direito,
só o ser humano é o centro de imputação jurídica, valor supremo da ordem
jurídica (GOMES, 2005, p. 21).
Todo ser humano deve ser respeitado, incluindo a efetividade do
princípio da dignidade da pessoa humana, no âmbito do Direito do Trabalho,
sendo conferidas condições justas, equitativas e satisfatórias de trabalho.
O princípio da dignidade é violado sempre que o indivíduo é tratado
como um objeto ou instrumento de geração de lucro, sendo desumanizado e não
possibilitando que este desenvolva suas potencialidades. Segundo Kant (2004,
p. 58), as pessoas devem ser referenciadas como seres humanos, e não como um
meio ou uma mercadoria para se obter lucro:
No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando
uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por
outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não
admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade.
79
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Portanto, o homem, como ser racional, é um fim em si mesmo e
não o uma mercadoria explorada por outrem. A liberdade de pensamento e
principalmente a liberdade no ambiente de trabalho é primordial para que o
homem se sinta humano e digno.
A dignidade da pessoa humana é fundamento do Estado Democrático
de Direito e constitui um valor que atrai a realização dos direitos fundamentais
do homem, em todas as suas dimensões considerada a democracia o único
regime político capaz de propiciar a efetividade desses direitos desrespeitados
no Estado autoritário, e que podem voltar a ser com as medidas flexibilizatórias.
Estas medidas visam alterar as condições de trabalho de acordo com
as modificações geradas, principalmente pela globalização, no entanto deve-se
certificar que estas flexibilizações não violarão os princípios da dignidade e do
trabalho humano, princípios estes preconizados na Magna Carta.
3.1 FLEXIBILIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA NO BRASIL E A
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Quando a Constituição Federal coloca o valor da pessoa humana
como um princípio fundamental no artigo 1º, inciso III, este deve ser realizado
sob o olhar de diferentes aspectos no cenário social, seja no tocante ao
próprio interesse individual da pessoa, seja no plano econômico ou social,
demonstrando os limites a serem respeitados pela flexibilização sob pena de
tornar-se inconstitucional e violar o Estado Democrático de Direito.
A Constituição Federal de 1988 abrange o princípio da dignidade da
pessoa humana, descrevendo diversas dimensões deste princípio. Em seu artigo
170 determina que a ordem econômica garanta a todos uma existência digna.
O processo de flexibilização, ou um ajuste das normas jurídicas
aplicáveis ao Direito do Trabalho, só é legítimo com a observação dos direitos
e garantias fundamentais aplicáveis a todo cidadão seja ele trabalhador ou não,
sob pena de estar ferindo norma de cunho legal e até mesmo podendo se tornar
uma medida inconstitucional. Portanto, a flexibilização da legislação trabalhista
não pode ferir nenhum princípio constitucional.
A flexibilização trabalhista é conhecida como meio de adequação
e redução das leis trabalhistas. Este processo pode ser realizado através de
negociações coletivas, sendo apresentadas como necessidade de mercado ou
com a menor intervenção do Estado na atividade econômica e redução das
normas de proteção aos trabalhadores.
Flexibilizar contratos trabalhistas como forma única de propiciar
um incremento na geração de empregos, na ânsia de combate ao crescente
desemprego, com vistas ao desenvolvimento econômico e social, apresentados
80
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
por muitos através do termo modernidade, pode ocasionar sérios riscos aos
trabalhadores, na medida em que retira do Estado o poder intervencionista.
De acordo com Karl Marx (1980), em sua obra O Capital, a indústria
moderna exige, por suas características, variação e fluidez do trabalho, ou seja,
este deve se adaptar e se adequar as modificações constantes típicas. Marx
também informa a respeito da elasticidade que as máquinas e a força humana
revelam, quando distendidas ao máximo pela diminuição compulsória da
jornada de trabalho. Para o autor, o trabalhador se desdobra para cumprir sua
função em um tempo de trabalho reduzido, faz em 1 (uma) hora o que deveria
ser feito em 2 (duas), gerando maior exploração e desgaste físico e mental.
Nesta mesma linha de pensamento, Giovanni Alves (2009, p. 43)
considera que a flexibilização do trabalho possui duas características marcantes:
“a precarização estrutural do estatuto salarial (o que implica perdas históricas
de empregos, vantagens salariais e direitos e da classe do proletariado) e a
constituição de uma nova precariedade salarial [...]”.
Para estes dois autores, as flexibilizações não gerarão emprego, melhores
salários, melhores condições de trabalho, e sim são postas em prática, na maioria
das vezes, para explorar ainda mais o trabalhador e causar o estranhamento deste
com a sua função e com ele mesmo. Para Alves (2009, p. 46):
Deste modo, a mundialização do capital, a ‘acumulação flexível’ e
o neoliberalismo constituíram nas últimas décadas de capitalismo
global, um novo (e precário) mundo do trabalho complexificado,
fragmentado e heterogeneizado. (grifo do autor).
Dinaura Godinho Pimentel Gomes (2005, p. 92) leciona que a
flexibilização, posta em prática na atualidade, afasta o Estado da proteção
ao trabalhador, desampara-o, ficando suscetível a violações do princípio da
dignidade e do trabalho humano, para ela:
[...] a flexibilização e a desregulamentação, nos moldes hoje
determinadas, têm por escopo justamente afastar o Estado desta
modalidade de relação contratual e, consequentemente, em detrimento
desses mesmos princípios e regras que resguardam aquele mínimo de
dignidade, duramente conquistado.
E complementa, afirmando que (GOMES, 2005, p. 93):
Na verdade, tais imposições advindas do neoliberalismo e da
globalização, trazem pois, como resultado, o amargo retorno à
81
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
pré-modernidade, o que evidencia a volta da barbárie; ou, mais
precisamente impõe uma nova forma de regulação feudal, a ignorar
completamente o longo percurso da conquista desses direitos.
De acordo com a autora, a flexibilização e a desregulamentação
das leis trabalhista são retrocesso e perda de direitos conquistados através de
muita luta. O processo de flexibilização de forma descuidada poderá redundar
na descaracterização do próprio Direito do Trabalho, a partir do momento que
o mesmo é apreendido como instrumento necessário à proteção do trabalho
humano.
Caso os processos flexibilizatórios venham a negar esse valor e
provoque a fragilização da proteção dos direitos sociais, ter-se-á a própria
inconstitucionalidade desta adequação da legislação.
Também, a própria justiça social, pode ser afetada pelas modificações
da legislação. Sobre justiça social escreve José Afonso da Silva (1999, p. 764):
Um regime de justiça social será aquele em que cada um deve dispor
dos meios materiais para viver confortavelmente segundo as exigências
de sua natureza física, espiritual e política. Não aceita as profundas
desigualdades, a pobreza absoluta e a miséria. O reconhecimento dos
direitos sociais, como instrumento de tutela dos menos favorecidos,
não teve, até aqui, a eficácia necessária para reequilibrar a posição
de inferioridade que lhes impede o efetivo exercício das liberdades
garantidas. Assim, no sistema anterior, a promessa constitucional de
realização da justiça social não se efetivará na prática. A Constituição
de 1988 é ainda mais incisiva no conceber a ordem econômica
sujeita aos ditames da justiça social para o fim de assegurar a todos
existência digna. Dá à justiça social um conteúdo preciso. Preordena
alguns princípios da ordem econômica - a defesa do consumidor, a
defesa do meio ambiente, a redução as desigualdades regionais e
pessoais e a busca do pleno emprego – que possibilita a compreensão
de que o capitalismo concebido há de humanizar-se (se é que isso
seja possível). Traz, por outro lado, mecanismos na ordem social
voltados à sua efetivação. Tudo depende da aplicação das normas
constitucionais que contêm essas determinantes, esses princípios e
esses mecanismos. (grifo do autor).
Buscando-se o equilíbrio social, frente à nova realidade, o processo
de flexibilização das normas trabalhistas não é uma imperiosa necessidade.
A urgência, pois, não está na modificação de normas jurídicas laborais, mas
82
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
na implementação de políticas públicas que propiciem o desenvolvimento
econômico do país, com justa distribuição de renda e medidas que inibam
o engessamento do mercado de trabalho. Todavia, qualquer alteração a ser
promovida deve respeitar o núcleo de normas constitucionais, que deverá
permanecer inatingível, pois a ordem jurídica tem o dever de assegurar a
dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, que são fundamentos
do Estado Democrático de Direito.
3.2 A GLOBALIZAÇÃO E NECESSIDADE DE ADEQUAÇÕES NAS RELAÇÕES DE
TRABALHO
O mundo vive o processo de globalização, ou mundialização, onde a
competitividade gera aceleração do desenvolvimento tecnológico, exigindo que
as empresas nacionais acompanhem esta evolução para conseguirem competir
no mercado nacional e internacional. No entanto, o desenvolvimento das
máquinas gera o desemprego e a extinção de postos de trabalho.
A globalização que o mundo está vivendo aumenta a competitividade,
o que acarreta aceleração da revolução tecnológica, sem o que as
empresas não conseguem competir no mercado. Isto vem causando
taxas de desemprego crescentes, que não se têm estabilizado,
pois mesmo que crie novos e especializados mercados, estes são
insuficientes para a absorção do número de postos extintos devido a
substituição do homem pela máquina, além do que a especialização
é algo que demanda tempo para ser alcançada.(CARLI, 2005, p. 50)
O Direito do Trabalho visa à proteção do trabalho digno e à busca
constante de uma igualdade substancial, que resulta em uma sociedade justa.
Historicamente, pois, o Estado passou a regulamentar detalhadamente as
condições de trabalho. De qualquer forma, com a globalização da economia
mundial, é necessário que o Estado atue na economia, a fim de possibilitar a
criação, manutenção e qualidade do emprego, conforme demonstra o professor
Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 06):
Com efeito, no âmbito da globalização econômica e da afirmação
do pensamento neoliberal, verifica-se que a redução do Estado,
caracterizada principalmente pela desnacionalização, desestatização,
desregulação e diminuição gradativa da intervenção estatal
na econômica e sociedade, tem ocasionado, paralelamente ao
enfraquecimento da soberania interna e externa dos Estados
83
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
nacionais (sem que se possa, contudo, falar em seu desaparecimento),
um fortalecimento do poder econômico, notadamente na esfera
supranacional.
Além de uma atuação segura por parte do Estado, cada dia mais
o empregado necessita de uma efetiva representatividade nas negociações
trabalhistas, e a atuação sindical revela-se um procedimento importante
e necessário, na medida em que defenda e não coloque em risco os direitos
fundamentais.
A globalização da economia produziu efeitos substanciais nas relações
individuais de trabalho. E é certo dizer que tais inovações, como a tecnológica,
juntamente com a competitividade entre as economias transnacionais produzem
um novo cenário jus-laboral. Tais alterações, consideradas isoladamente, não
maculam os princípios que norteiam o Direito do Trabalho. Todavia, estes
fatores, aliados a uma economia que não propicia o crescimento econômico,
produz distúrbios no mercado de trabalho, prejudicando tanto empregados
como também os próprios empregadores.
A crítica que se faz sobre a flexibilização, como posta pelo sistema
neoliberal, não é fundamental, pois não está atrelada à exigência de uma ética
de justiça social, inspirada em uma ordem democrática que conserve o exercício
de direitos fundamentais, assim como ensina Silvano Gomes (2002, p. 60):
A globalização da economia demonstra dois pontos fundamentais: a
necessidade de adaptação do trabalho à demanda imposta pelo fenômeno
econômico, social e tecnológico, e a capacidade de flexibilização do
trabalho encarado modernamente, matéria de competência do Direito
do Trabalho. No entanto, há que se compreender denominação e
conceituação do termo flexibilização, afim de que melhor se faça a
delimitação do problema.
Vilma Maria Inocêncio Carli (2005, p. 50), leciona que:
A flexibilização é um fenômeno irreversível e o direito do trabalho
deve aceitá-la para não obstar o desenvolvimento, com ela
conviver, apesar dela promover melhorias no mercado de trabalho.
Pela desregulamentação a taxa de desemprego pode ter aumento
significativo, pois, sabemos que os fatores para seu surgimento
são produzidos pela crise econômica, através das transformações
tecnológicas e de melhor qualidade de vida.
84
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Mesmo os flexibilistas admitem que o problema na geração de
empregos não é fato único e exclusivo das normas protecionistas que regram
o Direito do Trabalho. Pois a própria autora acima mencionada na posição de
flexibilista assumida, mais adiante traz à baila questões de ordem tributárias
bem como no sistema burocrático previdenciário e os custos com encargos
sociais, observa-se (CARLI, 2005, p. 50):
O papel do contrato de trabalho, tem na flexibilização das relações entre
empregados e empregadores, com a revolução tecnológica, os avanços
da microeletrônica e da telecomunicação no mundo que mudou, e as
empresas foram forçadas a enfrentar uma feroz competição e o inovar
tornou-se absolutamente essencial para ser vencido o desafio e gerar
empregos, realizando várias mudanças na contratação individual e
coletiva, todas orientadas pela flexibilização, simplificando o sistema
previdenciário, reduzindo os encargos sociais, descentralizando as
negociações, aumentando a produtividade do trabalho, subcontratando
e terceirizando a mão de obra, vencendo a competição, elevando o
nível do emprego, portanto, é a flexibilização que dará ao País as
condições de competir e manter seu povo empregado.
Portanto, vê-se que as causas estruturais do desemprego são mais
diversas e são consequências de outros fatores que não têm qualquer ligação
com a suposta rigidez da legislação.
A Constituição Federal de 1988 estabelece os permissivos de
flexibilização de salário bem como de jornada de trabalho segundo as normas
contidas no artigo 7º incisos VI e VIII, ao especificar que são os direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais além de outros que visem à melhoria de sua
condição social.
Observa-se que já existem regramentos que possibilitam flexibilização
do Direito do Trabalho, inclusive para questões primordiais como: salário,
jornada de trabalho, contrato de trabalho e outros. No entanto, estas modificações
não geraram novos postos de trabalho, ou não se verificou melhora na situação
econômica e social dos trabalhadores.
Após todas as considerações feitas, há necessidade de analisar a
flexibilização sob o enfoque da jornada de trabalho, no intuito de coadunar com
a proposta apresentada pela Confederação Nacional da Indústria, anteriormente
anunciada.
4 FLEXIBILIZAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO
A limitação da jornada de trabalho é necessária para efetividade dos
princípios da dignidade da pessoa humana e do trabalho humano para que desta
85
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
forma o trabalhador tenha delimitado o tempo de trabalho e o tempo de lazer,
podendo utilizar este para descansar, refletir, harmonizar com a família, pescar,
ir ao cinema, jantar fora, ler etc.
As novas demandas da sociedade moderna desafiam o Direito a
apresentar soluções para atender a empresa/empregador e o empregado. Desta
forma, surge à necessidade de adequar a jornada de trabalho.
A flexibilização da jornada de trabalho é apresentada como uma
situação em que o trabalhador escolhe o horário em que deve estar na empresa
para exercer sua função, neste caso possui o horário livre, no caso da flexibilização
em horário fixo o trabalhador deve estar presente “obrigatoriamente” no horário
determinado pelo empregador em um limite mínimo e máximo de trabalho
(MARTINS, 2002, p. 77).
O que se observa é que a flexibilização da jornada de trabalho não é
consequência do desemprego e do baixo salários, tratando-se de um meio de
adequação às constantes modificações da sociedade moderna. No entanto, devese destacar que estas adequações devem, necessariamente, estarem condizentes
com os princípios da Constituição Federal para que desta forma os direitos
indisponíveis dos trabalhadores não sejam lesados.
4.1 TRABALHO AOS DOMINGOS E FERIADOS: DISPOSIÇÕES NORMATIVAS
A Constituição Federal (BRASIL, 2003) dispõe no artigo 7º, inciso
XV, o “repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos”. O
repouso semanal remunerado é uma medida de proteção ao trabalhador, que
consiste no direito do empregado de não trabalhar durante pelo menos um dia,
pré-fixado em cada semana, sem prejuízo da remuneração correspondente.
O repouso semanal remunerado está disciplinado nos artigos. 67 e 68
da Consolidação das Leis do Trabalho, bem como nos artigos da Lei nº 605/49.
Os artigos da Consolidação das Leis do Trabalho proclamam:
Art. 67. Será assegurado a todo empregado um descanso semanal
de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas, o qual, salvo motivo de
conveniência pública ou necessidade imperiosa do serviço, deverá
coincidir com o domingo, no todo ou em parte.
Parágrafo único. Nos serviços que exijam trabalho aos domingos,
com exceção quanto aos elencos teatrais, será estabelecida escala de
revezamento, mensalmente organizada e constando de quadro sujeito
à fiscalização.
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Art. 68 O trabalho em domingo, seja total ou parcial, na forma do
art. 67, será sempre subordinado à permissão prévia da autoridade
competente em matéria de trabalho.
Parágrafo único. A permissão será concedida a título permanente nas
atividades que, por sua natureza ou pela conveniência pública, devem
ser exercidas aos domingos, cabendo ao Ministro do Trabalho expedir
instruções em que sejam especificadas tais atividades. Nos demais
casos, ela será dada sob forma transitória, com discriminação do período
autorizado, o qual, de cada vez, não excederá de 60 (sessenta) dias.
O artigo 1º da Lei nº 605/49 preleciona que: “Art. 1º. Todo empregado
tem direito ao repouso semanal remunerado de vinte e quatro horas consecutivas,
preferentemente aos domingos e, nos limites das exigências técnicas das
empresas, nos feridos civis e religiosos, de acordo com a tradição local”.
A legislação prevê que em virtude de exigências específicas das
empresas, poderá ser concedida autorização em caráter transitório ou permanente
para o trabalho aos domingos. Há regra inserta no art. 8º combinado com o art.
10 da Lei nº 605/49:
Art. 8º Excetuados os casos em que a execução do serviço for imposta
pelas exigências técnicas das empresas, é vedado o trabalho em dias
feriados civis e religiosos, garantida, entretanto, aos empregados a
remuneração respectiva, observados os dispositivos dos art. 6º e 7º.
Art. 10. Na verificação das exigências técnicas a que se referem
os artigos anteriores, ter-se-ão em vista as de ordem econômica,
permanentes ou ocasionais, bem como as peculiaridades locais.
Parágrafo único. O Poder Executivo, em decreto especial ou no
regulamento que expedir para fiel execução desta lei, definirá as
mesmas exigências e especificará, tanto quanto possível, as empresas
a elas sujeitas, ficando desde já incluídas entre elas as de serviços
públicos e de transportes.
O trabalho aos domingos nos estabelecimentos do comércio varejista
em geral foi autorizado pelo Decreto nº 99.467/90. A autorização ficava
condicionada à prévia de um acordo ou convenção coletiva de trabalho,
conforme o art. 1º do decreto:
87
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Art. 1º Fica facultado o funcionamento aos domingos do comércio
varejista em geral, desde que estabelecido em Acordo ou Convenção
Coletiva de Trabalho, respeitadas as normas de proteção ao trabalho e
o art. 30, inciso I, da Constituição Federal.
A Lei 10.101/2000 alterou o Decreto 99.467 autorizando o trabalho
aos domingos no comércio varejista em geral, independentemente da prévia
celebração de convenção ou acordo coletivo de trabalho.
Art. 6º. Fica autorizado, a partir de 9 de novembro de 1997, o trabalho
aos domingo no comércio varejista em geral, observado o art. 30,
inciso I, da Constituição.
Parágrafo Único. O repouso semanal remunerado deverá coincidir,
pelo menos uma vez no período máximo de quatro semanas, com o
domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e
outras previstas em acordo ou convenção coletiva.
Desta forma, através autorização legislativa federal, o trabalho aos
domingos no comércio varejista em todo o território nacional, em 1997, foi
plenamente autorizado. As empresas deveriam conceder o repouso semanal no
domingo pelo menos uma vez no período máximo de quatro semanas, respeitar
as demais normas de proteção ao trabalho e outras previstas em convenção
coletiva de trabalho.
De outra parte, em relação aos feriados, não havendo qualquer
autorização expressa, em princípio, ao comércio varejista em geral estava
vedado o direito de funcionar em tais datas.
As empresas legalmente autorizadas a funcionar aos domingos são
obrigadas a organizar escalas de revezamento, a fim de que cada empregado
usufrua de pelo menos um domingo de folga no mês, sendo os restantes em
outros dias da semana A escala de revezamento será efetuada por meio de livre
escolha do empregador (art. 6º do Decreto n. 27.048, de agosto de 1949, e alínea
“b” do art. 2º da Portaria n. 417, de 10 de junho de 1966).
No dia 24 de março de 2014, o Ministério do Trabalho e Emprego
publicou a Portaria 375 (BRASIL, 2014), que dispõe sobre pedidos para
autorização de trabalho em domingos e feriados, elencando no art. 2 e alíneas
os documentos necessários: laudo elaborado por instituição Federal, Estadual
ou Municipal, indicando as necessidades de ordem técnica e os setores que
exigem a continuidade do trabalho, com validade de quatro anos; acordo
coletivo de trabalho ou anuência expressa de seus empregados, manifestada
88
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
com a assistência da respectiva entidade sindical; e escala de revezamento. As
autorizações serão concedidas por até dois anos, renováveis por igual período.
Esta norma também declara que a empresa que tiver histórico de
reincidência em irregularidades no que se refere à jornada de trabalho ou norma
de segurança, terá o pedido negado.
Verifica-se que a legislação trata o trabalho aos domingos e feriados
como exceção, em regra estas datas devem ser de tempo livre e de lazer em que o
trabalhador utilize destes momentos para harmonizar com sua família, ler, descansar,
pescar, ir ao cinema, viajar, contemplar algo enfim, momento de liberdade.
4.2 PROPOSTAS DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA PARA
MODERNIZAÇÃO TRABALHISTA
No ano de 2012, a Confederação Nacional da Indústria, publicou 101
ementas propondo a modernização das leis trabalhistas (2013). O argumento para
a publicação e efetivação das demandas é que além da necessidade de adequação
às transformações decorrentes da globalização há a necessidade de garantia de
competitividade às empresas possibilitando a oferta de produtos e serviços a
preços acessíveis aos consumidores, e a geração de mais e melhores empregos.
Dentre as ementas há a que propõe o trabalho aos domingos e feriados
sem a obrigatoriedade de autorização do Ministério do Trabalho e do Emprego,
sendo permitido para todas as atividades laborais, e função do empregador a
verificação da necessidade desta jornada.
Faz-se análise quanto ao corolário da aprovação desta ementa,
principalmente com enfoque no núcleo familiar e na saúde mental e física do
trabalhador.
4.1.2 EMENTA 10 DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA:
TRABALHO AOS DOMINGOS E FERIADOS
O Repouso Semanal Remunerado aos domingos e feriados é um
costume religioso, sendo parte da cultura da sociedade. No entanto, em função
da globalização e da competitividade da economia os agentes produtivos tentam
“por todos os meios” incluir os domingos e feriados como dias úteis de trabalho.
A décima ementa da Confederação Nacional da Indústria propõe que
o trabalho aos domingos e feriados seja estendido para todas as categorias, sem
restrições, desde que se mantenha o direito a repouso semanal remunerado e às
formas de pagamento contido na legislação vigente.
A proposta visa permitir o trabalho em domingos e feriados, sem
necessidade da autorização pelo Ministério do Trabalho e do Emprego, para
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
todas as categorias, a partir de negociação coletiva ou de escala de revezamento
especial para tais dias, de forma que para cada domingo e para cada feriado
fosse escalado um grupo de funcionários diferentes.
A Constituição Federal de 1988 garante aos trabalhadores o direito a
um dia de repouso por semana, preferencialmente aos domingos, a Consolidação
das Leis do Trabalho em seu artigo 67 e seguintes proíbe o trabalho aos domingos
e feriados, salvo motivo de conveniência pública ou necessidade do serviço.
A lei 605/1949, estabelece que todo o empregado tem direito ao
repouso de 24 horas consecutivas, preferencialmente aos domingos e nos limites
das exigências das empresas. O Decreto 27.048/1949 definiu a relação de
algumas atividades consideradas “essenciais” e que independem de autorização
prévia para funcionamento.
Em 2007, com a edição da Lei 11.603/2007, houve a ampliação da
possibilidade do trabalho aos domingos. Este benefício foi exclusivo para as
atividades de comércio. O trabalho nos feriados ficou autorizado desde que
previsto em convenção coletiva de trabalho e nos limites da legislação local.
A lógica para a restrição do trabalho nesses dias é frágil e está em
sentido contrário à tendência de consolidação de um conjunto de atividades nos
domingos. O descanso semanal precisa ser mantido e esse direito está garantido
constitucionalmente.
Com a concessão deste benefício, há necessidade de fiscalização
do trabalho, podendo a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego
determinar o cancelamento da autorização a qualquer tempo.
O processo de autorização do trabalho aos domingos é burocrático,
iniciado com a solicitação de autorização da Superintendência Regional do
Trabalho e Emprego local. Esta deve estar acompanhada do laudo técnico
indicando a necessidade de ordem técnica e os setores que exigem a continuidade
do trabalho e o acordo coletivo de trabalho ou anuência expressa de seus
empregados, manifestada com a assistência da respectiva entidade sindical,
também deve constar a escala de revezamento organizada a fim de que, em um
período máximo de sete semanas de trabalho, cada empregado usufrua de um
domingo de folga.
A ementa propõe um projeto de lei ordinária alterando o artigo 67 e
seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho e alteração da Lei 605/1949
e Decreto 27.048/1949 para determinar a permissão do trabalho aos domingos
e feriados.
O ganho esperado com a efetividade desta modificação é o aumento da
produtividade e da competitividade das empresas brasileiras, além do número
de empregados e de salários pelos trabalhadores e aumento de arrecadação de
impostos pelo Estado.
90
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
4.3 TRABALHO AOS DOMINGOS E FERIADOS E A UNIDADE FAMILIAR
A família e sua unidade são elementos primordiais para a qualidade de
vida de todo ser humano, esta deve ser valorizada, destacada e protegida pelo
Estado que apesar da necessidade de flexibilizações nas leis trabalhistas, precisa
ser mantida sob pena de ir contra a efetividade do princípio da dignidade e da
humanidade.
A aprovação do trabalho aos domingos e feriados seria uma tragédia
às famílias brasileiras visto que os domingos e os feriados são tempo livre em
que todos passam juntos, é um dia em que utilizam para reunir-se, conversar,
trocar informações, enfim, é um dia em que estreitam os laços familiares e
mantêm a sua unidade.
Sem os domingos e feriados os membros de um núcleo familiar não
teriam essa união, esse dia de reunião e lazer, visto que cada um teria um
dia de descanso diferente do outro. Esta flexibilização não traria benefício
à família, nem ao trabalhador que teria de readequar-se ao seu tempo de
trabalho e ao seu tempo livre.
De acordo com Lourival José de Oliveira (2013):
As novas rotinas de trabalho, como por exemplo, naquelas atividades
que se exige o trabalho aos domingos e feriados com vistas a
compensar o horário gasto em forma de banco de horas, podem
traduzir a própria desagregação familiar ou a transformação dessa
estrutura para algo nutrido por outras necessidades que não mais a
afetiva e sim a racional, sintonizada de acordo com as necessidades
do modo de produção em que a família está envolvida.
Portanto, os membros do núcleo familiar trocam as relações de afeto e
espontaneidade por comportamentos racionais e de encontro com as exigências
do mundo do trabalho, retornando a Kant, o homem deixa de ser um fim em si
mesmo, deixa de ser ele mesmo para se tornar um instrumento de realização do
mundo capitalista.
Esta desagregação familiar, ligada à precariedade do trabalho, podem
gerar danos psicológicos devastadores aos membros da família como: sensação
de incapacidade, vergonha, desespero, depressão e outras doenças mentais que
podem resultar em doenças físicas, baixa auto-estima, uso de drogas e bebidas,
violência familiar e fora do núcleo familiar.
A própria Constituição Federal, conforme já citado neste artigo, estabelece
o repouso semanal remunerado preferencialmente aos domingos, ou seja, somente
em situações excepcionais o repouso pode ser em outro dia da semana. Tornando este
91
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
estabelecido como regra, todos os membros da família podem se reunir neste dia,
mesmo que todos exerçam alguma atividade laboral. No entanto, se a cada membro
for dada um dia da semana diferente, não será possível o exercício da intimidade
familiar e a vida de cada um será voltada, fundamentalmente, ao trabalho. Neste
sentido, ensina Lourival José de Oliveira (2013):
É possível, sem radicalização, afirmar que a família, na forma como
está se comportando diante do modo de produção atual (capitalismo
globalizado), com as alterações a ela impostas, não possui condições
de cumprir com seus deveres, constitucionalmente consagrados.
Diante disso, tem-se como desaguadouro o não cumprimento do
princípio da dignidade da pessoa humana.
O ser humano que não exerce as atividades familiares ou que pertence
a um núcleo familiar desagregado não possui qualidade de vida, não possui
referência e aspectos mínimos para se considerar digno, consequentemente,
verifica-se uma desestruturação social, ou seja, toda a sociedade sentirá os
efeitos devastadores de um mundo onde a família é deixada em segundo plano,
onde esta é desvalorizada e não praticada.
A prática desta ementa apresenta-se de forma totalmente inviável e
prejudicial não apenas ao trabalhador, mas a toda a sociedade e desta forma é
primordial a intervenção do Estado para fazer valer sua função de protetor e
garantidor dos princípios constitucionais.
5 CONCLUSÕES
As relações de trabalho sofrem os efeitos das transformações
produzidas pelo fenômeno da globalização e, como consequência, ocorre o
processo de reestruturação produtiva, sendo considerado como as modificações
no sistema de produção e prestação de bens, em que as empresas adequam-se
criando novos procedimentos de trabalho, modificando a rotina do trabalhador
e, consequentemente, a de sua família;
Dentre as transformações está flexibilização das leis trabalhistas que
deve ser efetuada em consonância com os princípios da Constituição Federal de
1988, com ênfase aos princípios da dignidade da pessoa humana e do trabalho
humano. No entanto há casos em que esses princípios não são observados como
no exercício do trabalho aos domingos e feriados, esta prática contribui com o
processo de desagregação familiar;
A jornada de trabalho deve ser delimitada para que o trabalhador
tenha organizado o seu tempo de trabalho e o seu tempo de lazer, podendo
92
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
utilizar este para descansar, refletir, conviver com a família, sair com amigos,
pescar, ir ao cinema, jantar fora, ler etc. As condições para a realização dessa
prática fazem parte do processo de valorização do trabalho humano, que em
último caso, constitui-se também na construção de um tempo livre, que pode
ser traduzida em parte no chamado direito ao lazer.
A aprovação da décima ementa da Confederação Nacional da Indústria
que considera o trabalho aos domingos e feriados contribuiria para o possível
distanciamento do trabalhador do seu núcleo familiar.
Desponta-se por fim a necessidade da intervenção estatal em
proteger a família e através desta proteção, também a proteção das relações
de trabalho ou vice-versa, por conta do comprometimento dos dois ambientes
citados. Compreender que o homem produz sua vida a partir da produção do
trabalho, cuja forma de realização expande-se alcançando o meio ambiente
familiar, estabelece novos limites que se encontram compreendido na própria
valorização do trabalho humano, tornando-se um propósito multifacetário. Por
esta razão e compreendendo a proteção constitucional dirigida à família (artigo
226) principalmente, conclui-se que a proposta já descrita, apresentada pela
Confederação Nacional da Indústria é inconstitucional, não comportando a
flexibilização pretendida.
93
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
FORMAS DE PROTEÇÃO CONTRA A DISPENSA DISCRIMINATÓRIA NA
RELAÇÃO DE EMPREGO DE ACORDO COM A ORDEM
ECONÔMICA CONSTITUCIONAL
FORMS OF PROTECTION AGAINST SUPPLY WITH THE EMPLOYMENT
DISCRIMINATION UNDER THE CONSTITUTIONAL ECONOMIC ORDER
Margarete de Cássia Lopes7
Lourival José de Oliveira8
RESUMO
O presente artigo tratou sobre a proteção dos empregados diante
da resilição do contrato de trabalho, quando ocorre de forma comprovada a
dispensa discriminatória. Buscou fazer a releitura do instituto da dispensa e
os instrumentos de proteção, levando-se em conta a prevalência dos Direitos
Humanos e os princípios da ordem econômica, tendo em vista a aplicação na
relação de direito privado, em especial na relação de emprego. Foram estudados
os meios de proteção previstos na legislação ordinária voltada ao tema, o instituto
da reintegração ao emprego, as formas de indenização compensatórias e a
criminalização do ato do empregador, levando-se em conta as tutelas específicas
para cada uma das situações expostas. Foi dado relevância a Ação Civil Pública,
enquanto um dos instrumentos de proteção, sob o enfoque da tutela coletiva, nas
formas preventiva e inibitória. Por último, foram considerados para as mesmas
defesas os atores Ministério Público do Trabalho e os Sindicatos, levando-se em
conta as suas potencialidades, atribuições e as vantagens existentes na atuação
enquanto representantes ou assistentes processuais. Adotou-se o método
dedutivo, com pesquisas bibliográficas e jurisprudenciais.
Palavras-chave: Dispensa discriminatória; proteção da relação de emprego;
tutela coletiva
ABSTRACT
This paper discussed about the protection of employees on the
termination of the employment contract, when it occurs so proven discriminatory
Mestranda do Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília; Docente da Rede
Gonzaga de Ensino Superior – Unidade de Dracena/SP Presidente da 49ª Subseção da Ordem dos
Advogados do Brasil, Dracena/SP; Advogada em Dracena-SP.
8
Doutor em Direito das Relações Sociais (PUC –SP), Docente do Programa de Mestrado
em Direito da Universidade de Marília; Docente do Curso de Graduação em Direito da
Universidade Estadual de Londrina-PR; Coordenador de Curso de Direito da FACAR;
Advogado em Londrina-Pr.
7
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
dismissal. Pursue to reread the Institute of layoff and hedging instruments, taking
into account the prevalence of human rights and the principles of economic
policy, with a view to application in respect of private law, in particular
in the employment relationship. The safeguards provided for in ordinary
legislation geared to the theme were studied, the institute’s reinstatement to
employment, forms of compensatory damages and the criminalization of the
act of the employer, taking into account the specific guardianships for each of
the situations described . Importance was given to Civil Action, as one of the
instruments of protection, with a focus on collective protection, the preventive
and inhibitory forms. Finally we considered the same defenses actors Ministry
of Labor and Unions, considering their potential and existing advantages in its
action as procedural representatives. We adopted the deductive method, with
bibliographical and jurisprudential research.
Kew-words: Fundamental human rights, discriminatory dismissal, Legal
Instruments of protection, Specific guardianships and Collective
1 INTRODUÇÃO
Buscou-se com o presente trabalho trazer uma releitura da dispensa
discriminatória e dos institutos de proteção do empregado levando-se em
conta a proteção dos Direitos Fundamentais que fundamentam de forma direta
e indireta os princípios do Direito do Trabalho, valendo citar em especial, a
proteção da relação de emprego sob o prisma da dignidade do trabalho humano
e sob a ótica dos princípios da ordem econômica.
Normas e entendimentos anteriormente consolidados passam a ser
objetos de releitura por parte do legislador, da jurisprudência, de acadêmicos e
demais operadores do direito, com vistas a coaduná-los com novos paradigmas
a partir do status de Direito Fundamental alcançado pelos direitos trabalhistas na
Constituição Federal, de forma a compatibilizá-los com as bases da República
Federativa do Brasil e por sua vez com o Estado Democrático de Direito.
Sob o imperativo maior de proteção à dignidade humana como
fundamento do Estado Democrático de Direito, visa este artigo trazer para
a discussão acadêmica os instrumentos jurídicos de proteção do trabalhador
quando se depara com situações de dispensa discriminatória. Com a busca da
concretização da doutrina constitucional dos Direitos Fundamentais, surgem
decisões emanadas dos tribunais superiores buscando expurgar a conduta
discriminatória praticada pelo empregador, não se permitindo que este ofenda
Direitos Fundamentais durante a relação de emprego.
O valor trabalho é fundamental para o desenvolvimento do ser
humano sob diversas óticas: física, psicológica, social e financeira, fazendo-se
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
indispensável para o crescimento pessoal. Os cidadãos inseridos no mercado de
trabalho dedicam grande parte do dia ao trabalho razão pela qual, no local da
prestação do serviço deva prevalecer a urbanidade e o respeito entre as pessoas
com constante busca da harmonia na convivência diária. O trabalho não é
somente um instrumento de concretização da dignidade humana, condição de
subsistência, é também meio de construção da vida digna do homem, tornando-o
principalmente em uma das formas de revelação da potencialidade humana.
A atividade econômica, empresarial, somente se justifica se resultar na
valorização do trabalho humano de forma a propiciar vida digna, contribuindo
para o bem-estar e distribuição de justiça social, com a prevalência os Direitos
Humanos e os princípios que norteiam a ordem econômica.
Dada à relevância e atualidade do tema, a questão que se pretende
examinar no presente trabalho reside na verificação da efetividade dos instrumentos
jurídicos de proteção contra a dispensa discriminatória, tutelas específicas
como reintegração, indenização e criminalização, bem como a utilização de
tutelas coletivas preventivas e inibitórias como concretização das garantias
constitucionais, no curso da relação de emprego e da atividade empresarial.
Por meio do método dedutivo, e com a utilização da pesquisa
bibliográfica, pretende-se elaborar um estudo interdisciplinar, levando em conta
a dispensa discriminatória sobre os mais diversos ângulos, estando os estudos
sempre pautados nos Direitos Fundamentais, no caso específico, sob o ângulo
da proteção do trabalho digno.
2 DA DISCRIMINAÇÃO NA RELAÇÃO DE EMPREGO
Arendt coloca que a atividade humana pode ser estudada em várias
concepções:“Labor é a atividade que atende às condições vitais do homem,
envolvendo o consumo para seu crescimento espontâneo, metabolismo e
declínio têm a ver com as necessidades de subsistência”. O trabalho já se
volta à produção de mundo artificial de coisas que o homem erige para si,
individualmente, diferente do mundo natural. Não se confunde com o Labor,
voltado para o consumo. Por fim, a ação é a atividade que diz respeito à
condição humana da pluralidade, diretamente entre os homens, sem relação
com bens materiais. É a relação dos homens entre homens, tão somente, para
partilha do mundo entre si, com caráter essencialmente político. (ARENDT,
1981, pp. 15-20)
Desta forma, os contratos de trabalho, como todos os outros,
extinguem-se em razão de um fato que lhes põe fim. No ordenamento jurídico
nacional localiza-se a resilição, a resolução, a revogação, a rescisão e a força
maior como causas de dissolução do contrato de trabalho.
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
A resilição do contrato de trabalho ocorre, em vias normais, por
acordo entre as partes em por fim ao contrato. No contrato de trabalho por prazo
indeterminado, a resilição espécie de dispensa própria dos contratos sucessivos
e sem prazo, reflete-se de forma diversa, onde a possibilidade de distrato vem
atribuída a ambas as partes por declaração unilateral.
Veja-se o conceito de dispensa extraído da obra de Amauri Mascaro
Nascimento: “dispensa é a ruptura do contrato de trabalho por ato unilateral
e imediato do empregador, independente da vontade do empregado”
(NASCIMENTO, 2012, p. 1169).
E ainda segundo a obra “Instituições de Direito do Trabalho”
defendida pelos autores Arnaldo Sussekind, Délio Maranhão, Segados Viana e
Lima Teixeira:
[...] a resilição unilateral configura um direito potestativo. A declaração
de vontade traduz o exercício desse direito tem caráter receptício e,
de regra não está subordinado a requisito de forma. Pela natureza
receptícia a declaração, ela se dirige ao destinatário determinado,
considerando-se o ato perfeito, independente de aceitação deste.
(SÜSSEKIND; MARANHÃO; VIANA; TEIXEIRA, 2005, p.
562/563)
Assim, a dispensa discriminatória se encontra dentre as espécies de
dispensas arbitrárias, classificada por Sérgio Pinto Martins, espécie de dispensa
quanto aos motivos:
[...] motivos: imotivadas ou arbitrária, em que não há motivo específico
para dispensa do trabalhador; motivada ou sem justa causa em que o
trabalhador é dispensado por motivos de capacidade, tecnológicos,
econômicos, financeiros; com justa causa, em razão de ato grave
praticado pelo empregado. Tem fundamento no art. 482 da CLT; e
discriminatória, conforme previsão da Lei nº 9.029/95; (MARTINS,
2008, p. 346)
No conceito semântico do vocábulo tem-se conforme dicionário
Houaiss da Língua Portuguesa:
s.f ação ou efeito de discriminar ou diferenciar; capacidade de distinguir
ou estabelecer diferenças; discernimento. Ação de afastar, segregar
ou apartar; designação da ação de marginalizar ou tratar de maneira
diferente ou parcial, devido a diferenças sexuais, raciais, religiosas.
99
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
O conceito jurídico diz-se como ato que quebra o princípio constitucional
da igualdade, como distinção, exclusão, restrição ou preferências, motivado por
raça, cor, sexo, idade, trabalho, credo religioso ou convicções políticas.
A Convenção 111 da OIT – Organização Internacional do Trabalho possui dispositivo que muito contribui para compreensão do conceito dentro da
relação de emprego:
artigo 1º: Para fins desta Convenção, o termo discriminação inclui: “
a) toda distinção, exclusão ou preferência, feita com base em raça, cor,
sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social,
que tenha efeito de anular ou impedir a igualdade de oportunidades
ou de tratamento no emprego ou na ocupação. B) qualquer outra
distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito anular ou
impedir a igualdade de oportunidades ou tratamento no emprego ou
na ocupação, conforme pode ser definido pelo Membro em questão,
após consultar organizações representativas de empregadores e de
trabalhadores, se as houver, e outros organismos convenientes.
Para Delgado dispensa discriminatória traduz-se:
[...] a conduta pela qual se nega à pessoa, em face de critério
injustamente desqualificante tratamento compatível com o
padrão jurídico assentado para a situação jurídica concreta por
ela vivenciada. Esclarece que a causa da discriminação reside,
muitas vezes, no cru preconceito, isto é, um juízo sedimentado
desqualificador de uma pessoa em virtude de uma característica,
determinada externamente, e identificadora de um grupo ou
seguimento mais amplo de indivíduos cor, raça, sexo, nacionalidade,
riqueza, etc). (DELGADO, 2002, p. 752)
Ressalta-se a conceituação proposta pelos juristas espanhóis, Manoel
Alonso Olea e Maria Emília Casas Baamonde, segundo a qual é aquela
caracterizada pela presença de “motivaciones determinantes de la volundad
de despedir opuestas a princípios esenciales del ordenamiento” (OLEA e
BAAMONDE, 2000, p. 456).
Discriminação, portanto, seria uma forma diferenciada de tratamento
dada a determinado indivíduo ou grupos de indivíduos, para situações iguais
podendo-se dizer que se trata de valorização de estereótipos, em regra negativos,
que ocorrem em relação à estética física, à doença mental ou incapacitante, à
opção sexual e à etnia.
100
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Segundo Olmos,
Conclui-se, portanto, que a discriminação está intimamente ligada à
diferenciação feita entre pessoas, em determinada situação, em razão
de determinada característica, que, por si só, não interfere no bom
andamento do trabalho, ou, ainda, que não possui qualquer relação
com a atividade desenvolvida. (OLMOS, 2008, p. 27)
A Constituição Federal de 1988 prestigiou o indivíduo e o interesse
social quando elegeu dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil
a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, e este último, o valor
do trabalho humano, como fundamento da Ordem Econômica, respectivamente
artigo 1º incisos e art. 170 da CF. Somados a estes dispositivos tem-se o
fundamento da proibição da discriminação no Estado Brasileiro, qual seja, o
princípio da igualdade, (art. 5º “caput”) o seu conteúdo quando empregado como
proteção, inibe, coíbe ou não permite nenhuma forma de discriminação pessoal.
O fato dos referidos valores serem fundamentos da República
Federativa do Brasil e esta constituir-se em Estado Democrático de Direito,
significa que o Estado atrai para si a tutela dos mesmos, tornando-se guardião
social impõe-se a imprescindibilidade de ações de proteção com a edição de
leis, ações afirmativas com a instituição de políticas públicas, buscando a não
ocorrência de qualquer dispensa discriminatória, e em ocorrendo a punição
exemplar ao empregador que mantém atividade econômica em desacordo
com os princípios constitucionais que norteiam todas as relações dos cidadãos
brasileiros que vivem sob a égide deste Estado.
Constata-se que o constituinte, objetivando concretização dos
fundamentos do Estado Brasileiro, inseriu no art.7º elementos essenciais
da proteção da relação de emprego contra qualquer forma de discriminação,
aplicando os princípios da igualdade, da liberdade e da isonomia, incisos XVIII,
XIX, XX, XXX, XXXI, XXXII, XXXIV, todos da Constituição Federal.
Tratando-se de princípios constitucionais que garantem Direitos
Fundamentais, os mesmos orientam toda a ordem jurídica infraconstitucional,
aplicando-se na atuação dos particulares ao firmarem os contratos, no
encaminhamento de espécies legislativas que possuam conteúdo discriminatório
de forma negativa. E mais, obrigando o Estado a desenvolver discriminações
positivas, quais sejam, regras ou leis que visam a proteger grupos socialmente
segregados, atribuindo determinadas proteções e direitos específicos aos grupos
que com frequência são vítimas de posturas discriminatórias.
Tem-se na relação de emprego que o empregador abusa de seu direito
de comando em razão da situação de maior poder diretivo e financeiro, agindo
com absoluto desrespeito em relação à dignidade da pessoa de seu empregado.
101
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
A obrigação de não discriminar equivale à restrição da liberdade do
empregador e à limitação de seu poder diretivo em favor do empregado. Tratase de limitação e se encontra em perfeita harmonia com o direito moderno,
uma vez que a ordem jurídica nacional privilegia a função social da empresa
e limita o poder do empregador, que não mais se admite absoluto, orientado a
não mais preocupar-se exclusivamente com os interesses da própria empresa,
mas ao desenvolver sua atividade econômica valorizar o trabalho humano,
respeitando-o em primeiro lugar.
Vale dizer que, mesmo tendo pleno poder de direção de seu negócio,
por ele respondendo em todos os aspectos (art. 2ª CLT), não pode o empregador
agir de maneira exacerbada ou abusiva no exercício desses direitos.
O empregador, como todo cidadão brasileiro, é obrigado a tratar todos,
principalmente seus empregados, com igualdade, quando em situação idêntica
e na contratação e na demissão, ou seja, no início e fim da relação de emprego.
Ainda, há que se respeitar o aspecto contratual da relação de emprego, sendo
que estes devem seguir sempre os mesmos critérios gerais aplicados a todo e
qualquer contrato, previstos no art. 422 do Código Civil, no que tange a boa-fé
que obrigatoriamente deve orientar todas as fases do contrato de trabalho – précontratual, contratual e pós-contratual.
Assim, ao firmar o contrato de trabalho muito cuidado deve existir,
pois neste se encontra a condição ideal à discriminação, o fato de que no
momento da contratação existe a sujeição de um homem pelo outro, decorrente
das necessidades do primeiro de trabalhar para garantir sua sobrevivência e
de sua família.
O empregador, por sua função de comando, pode agir em diversas
situações de forma discriminatória, onde coloca o empregado em situação
de humilhação e inferioridade. Quando a discriminação é direta, é de fácil
percepção e ocorre por uma ação do empregador, ignorando quaisquer
princípios ou dispositivos legais – sujeito ativo agredindo claramente o direito
à igualdade - e ocorre quando este adota medidas ou políticas de gerenciamento
em cuja finalidade se identifica atitudes discriminatórias contra uma pessoa ou
um grupo de pessoas.
Na forma direta, o ato discriminatório é explícito, pois plenamente
verificado a partir da simples análise de seu conteúdo, tais como exigência de
idade (art. 7º XXX da CF), crença religiosa (art. 5º, VIII), situação familiar
ou estado civil (existência de filhos como obstáculo à admissão de mulheres),
filiação ou parentesco, convicção filosófica ou política, opção sexual, procedência
e nacionalidade, estado de saúde, patrimônio genético, exercício de direitos.
A discriminação indireta, também advém de uma ação do empregador,
aparentemente neutra, mas que, por via oblíqua, tem efeitos proibidos,
102
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
discriminatórios e prejudiciais ao trabalhador ou a um determinado grupo de
trabalhadores. Tem-se que o ato ilícito acoberta-se pelo manto da legalidade,
mas na realidade, descumpre os direitos fundamentais do empregado, tornandose mais difícil sua identificação e punição. Tem uma aparência de igualdade,
mas na realidade consubstancia-se em uma situação de desigualdade.
Nas discriminações ocultas, o ato discricionário reveste-se de má-fé,
porém este se dá de forma velada, não declarada e de difícil identificação, sendo
disfarçado pelo emprego de instrumentos aparentemente neutros, ocultando a
real intenção efetivamente discriminatória.
Mas em todas as situações é necessário coibi-las e buscar a
responsabilização do empregador. No próximo tópico será estudada a dispensa
discriminatória e suas formas de proteção, tendo como âncora os princípios
constitucionais da ordem econômica.
3 DISPENSA DISCRIMINATÁRIA E A ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL
A proteção constitucional do emprego contra a dispensa arbitrária ou
sem justa causa prevista no inciso I do art.7º, não menciona expressamente
a dispensa discriminatória que está inserida nos referidos conceitos e vem
protegida por princípios e garantias fundamentais ligados à dignidade da pessoa
humana, mas também pelos princípios que informam a Ordem Econômica do
Estado Brasileiro, existindo inclusive proteção via legislação infraconstitucional
conforme se verifica, por exemplo, através da Lei nº 9.029/95.
A interpretação majoritária do conteúdo do Inciso I do art.7º, não pode
ser interpretado somente o sentido gramatical. Necessário alterar esta postura,
estendendo a eficácia do conteúdo da norma, também sob a ótica da legislação
internacional, como por exemplo, as convenções internacionais de Direito do
Trabalho, impondo-se avaliação, discussão da mesma sobre o abuso de direito
do empregador.
Quanto ao poder de contratar e dispensar, analisando-a sob a ótica
da constitucionalização do princípio da continuidade da relação empregatícia
e exigindo-se que a aplicação da mesma seja realizada considerando-se
a hermenêutica constitucional do máximo de efetividade das normas da
constituição, com a conseguinte ampliação da eficácia da norma prevista no
inciso I, do artigo 7º, da Constituição Federal de 1988, reconhecendo-a como
direito fundamental ao trabalho por ela tutelado.
O Direito Fundamental ao trabalho mediante a norma que protege a
relação de emprego contra a dispensa discriminatória, deve levar em conta a
intrínseca relação que o trabalho mantém com a dignidade humana.
103
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Robert Alexy, defende que:
[...] os direitos fundamentais, vistos sob a finalidade do livre
desenvolvimento da personalidade humana, ressaltando que o trabalho
além de ser instrumento de concretização da dignidade humana, é o
meio de construção da vida digna do homem. (ALEXY, 2008, p. 90).
O Direito ao Trabalho como essência do dispositivo constitucional
que proíbe dispensa imotivada do trabalhador, principalmente a discriminatória,
impõe ao Estado a implementação de instrumentos jurídicos para a concretização
da proteção, voltando-se para a defesa do emprego, protegendo o trabalhador
contra qualquer dispensa discriminatória, buscando a realização da dignidade
do trabalhador, por meio de tutelas específicas como a integração e reparação
de danos e tutelas coletivas por ação civil pública e outras ações afirmativas.
A dispensa discriminatória de trabalhadores, em um mundo marcado
por altas taxas de desemprego, que favorece o império da lei da oferta e da
procura, impõe aos trabalhadores condições subumanas de trabalho, portanto,
inadmissível a tolerância de atividade econômica desenvolvida sem a
observância dos princípios constitucionais que a orientam.
É certo que atividade econômica empresarial e a propriedade privada
são protegidas pela Constituição Federal, onde os proprietários ou sócios têm
direito exclusivo de usá-las, usufruí-las desde que respeitando a função social
da propriedade objetivando o bem estar da coletividade.
Levando-se em conta que a empresa é uma atividade econômica
organizada que gera empregos, tributos, movimenta o mercado de produção com
a compra e venda de produtos e prestação de serviços, a mesma, ao desenvolver
suas atividades, cumpre a sua função econômica, existindo para gerar riquezas,
garantir o trabalho, ou seja, para promover o desenvolvimento econômico.
Porém, de acordo com o previsto no art. 174 da CF, o Estado exercerá,
como agente normativo e regulador da atividade econômica, na forma da lei,
as funções de fiscalização, incentivo e planejamento. O Direito Econômico
organiza as relações existentes normatizando a produção, circulação de produtos
e serviços buscando o desenvolvimento econômico do país.
Segundo Toledo:
[...] a concreção ou eficácia das normas constitucionais de natureza
econômica deve guardar simetria com as possibilidades respectivas
e, sobretudo, com as necessidades reveladas pela dinâmica da
economia sem o que, a despeito da força normativa das mesmas,
não se alcançarão os objetivos propostos pela constituição formal,
104
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
especialmente aqueles postos no art. 3º da Carta Magna (objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil) e no art. 170 e
incisos. (TOLEDO, 1999, p. 257)
É certo que a Ordem Econômica definida na Constituição Federal faz
opção por um sistema na qual atribui um papel primordial à livre iniciativa o
que se deflui dos preceitos veiculados pelos artigos, 1º, 3º e 170 a CF enuncia
diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e para a sociedade. A
livre iniciativa é expressão da liberdade titulada não apenas pela empresa, mas
também pelo trabalho. Na composição, entre esses princípios e regras, há de ser
preservado o interesse da coletividade, ou seja, o interesse público primário.
A Ordem Econômica constitucional propõe-se em dois princípios
essenciais, quais sejam: a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa,
que se apresentam como condições que se impõem à atividade econômica
que deverá observá-los, consagrando uma economia de mercado com uma
ordem econômica que prioriza os valores do trabalho humano sobre todos os
demais. Essa importância objetiva fixar o caminho a ser seguido pelo Estado
quando promove intervenções na economia para a concretização dos valores
essenciais do trabalho. O direito à propriedade privada não pode ser exercido
egoisticamente, de forma improdutiva e em afronte à dignidade humana,
devendo cumprir sua função social.
A livre concorrência é princípio basilar, pois assegura a cada indivíduo
a oportunidade de participar da atividade econômica igualmente e colher os
frutos produzidos em razão de seus esforços.
Observa-se que os princípios gerais da atividade econômica são
direitos fundamentais (propriedade e liberdade), fundamentos da República
(soberania, dignidade, valorização do trabalho), objetivos da República (justiça
social, redução das desigualdades regionais) e diretrizes da atuação Estatal, de
maneira que a sua eficácia está sendo condicionada ao exercício da atividade
econômica nos termos da norma contida no art. 170, combinada de forma una e
sistemática a todos os demais princípios correlatos.
A Constituição Federal consagra uma economia de mercado de
natureza capitalista, pois a livre iniciativa revela a adoção de política da
forma de produção capitalista como o meio legítimo de que se podem valer
os agentes sociais no direito brasileiro, ou seja, os indivíduos que, por meio
da atividade social útil a que se dedicam livremente, devem procurar a
realização da justiça social e, portanto do bem-estar social. Somente através
da aproximação da economia ao Direito do Trabalho ter-se-á a humanização
das relações econômicas e, como ensinava John Maynard Keynes, na “Teoria
Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro” por Carlos Araújo (ARAÚJO, 1995,
105
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
p. 50.) “Histórias do Pensamento Econômico – Uma Abordagem Introdutória”:
“... o desenvolvimento econômico só se justifica se ao mesmo tempo tivermos
o desenvolvimento social”.
Segundo GRAU em sua obra “A Ordem na Constituição de 1988”:
[...] o empresário/empreendedor tem a liberdade de escolher a
combinação dos fatores produtivos, isto é, dose a quantificação
dos fatores segundo o próprio critério de conveniência, ampliando
ou restringindo a produção segundo esse mesmo critério, não
se pode pensar em restrições à despedida pura e simples de
trabalhadores, e muito menos a discriminatória, pois só se justifica
a atividade econômica respeitando a dignidade da pessoa humana.
(GRAU, 2011, p 262.)
Assim, os condicionamentos à liberdade de iniciativa na atividade
econômica surgem exatamente na proporção em que se verifica a necessidade
de garantir a realização da justiça social e do bem-estar coletivo. A liberdade
privada em dedicar-se a uma determinada atividade econômica significa tão
somente a liberdade de desenvolvimento dessa atividade nos moldes fixados
pelo Ordenamento Jurídico, dentro dos limites normalmente impostos a essa
liberdade.
Ocorre que, os maiores problemas do mercado de trabalho reside na
baixa qualidade dos empregos gerados e na grande instabilidade da relação
empregatícia, fazendo surgir facilmente situações de dispensa discriminatória.
Jorge Souto Maior destaca o seguinte ensinamento de Karl Larentz,
quando este autor analisa a relações jurídicas sob o aspecto da teoria geral
do direito:
[...] a vinculação em uma dada relação jurídica não retira da parte
seu direito subjetivo fundamental, que é direito da personalidade,
que se insere no contexto da proteção da dignidade humana, e que
pode ser exercido em face de qualquer pessoa, logo o exercício do
direito potestativo, nas relações jurídicas que o preveem, encontra,
naturalmente, seus limites na noção de abuso de direito e no princípio
da boa-fé. (KEYNES, 1983, p. 101)
Os direitos da personalidade são garantidos ao empregado na relação
jurídica trabalhista e estes direitos se exercem em face do empregador, sendo
agressões, ofensas claras a esses direitos, a cessação abrupta e imotivada da
relação jurídica, na medida em que se perde o meio de sua subsistência, em
106
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
razão de sua cor, opção sexual, portador de doença contagiosa, dentre inúmeras
outras situações de dispensa discriminatória.
Atualmente, é importante a compreensão que as atividades
econômicas devem ser realizadas em observância aos princípios constitucionais
que a informam e que, portanto a empresa possui função social, a qual deve ser
concretizada em todas as suas ações. Destaca-se a o conceito de compromisso
social publicado em recente obra de autoria de David Grayson e Adrian
Hodges, defendem os autores que uma empresa socialmente irresponsável é
economicamente inviável (GRAYSON e HODGES, 2002, p. 29).
A Constituição da Republica Federativa, com a adoção dos princípios
que orientam as atividades econômicas busca efetivação destes e impõem um
alcance social nas suas relações com os trabalhadores, consumidores e meio
ambiente, objetivando o fomento do desenvolvimento sustentável em todas as
suas acepções.
O direito, em sua função de regular a vida social, atua com regras
de caráter positivo e negativo. As regras positivas, que imputam vantagens
jurídicas em favor de seus titulares ou incentivam atos socialmente valorizados.
As regras negativas, que inviabilizam a prática de condutas agressoras sobre o
patrimônio moral e material dos indivíduos.
É necessário que a ordem jurídica nacional avance no combate
à discriminação, pois somente com a consolidação da democracia ter-se-á
campo fértil para a sua eliminação. Todos se tornam iguais no plano da
participação política. Como destaca Luigi Ferrajoli: “a igualdade, sob a forma
de universalismo dos direitos a todos é conferidos, é também constitutiva da
unidade política das pessoas entre as quais se manifesta”. Afinal, a sociedade
democrática distingue-se por ser uma sociedade suscetível a processos de
inclusão social. (GRAYSON e HODGES, 2002, p. 29).
Consequentemente tem-se que a não discriminação nas relações de
trabalho e a proteção ao emprego, o que significa a proibição de resilições
contratuais na forma desmotivada, por contrariar frontalmente os princípios
basilares da ordem econômica constitucional, o que por sua vez implica dizer que
a proteção ao trabalho humano acha-se mais potencializada na parte referente
à ordem econômica em comparação com os dispositivos constitucionais
específicos referentes aos Direitos Sociais.
4 MEDIDAS PROTETIVAS PREVISTAS NA LEI 9.029/1995 – TUTELAS ESPECÍFICAS:
INTEGRAÇÃO, REPARAÇÃO DE DANOS E CRIMINALIZAÇÃO
Para o ato ser considerado discriminatório em relação ao empregado,
o mesmo deve produzir algum tipo de prejuízo a ele, quer moral ou material. É
107
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
certo que o ato ilícito discriminatório sempre produzirá prejuízo moral que, por
sua natureza, fere a dignidade, a intimidade e muitas vezes a própria hombridade
do ser humano.
Assim, uma vez constatada a existência de prejuízo em razão do
ato ilícito provocado ou tolerado pelo empregado, que possua conteúdo
discriminatório, pode o trabalhador requerer a reparação moral e material dele
decorrente.
Nesse sentido, a Lei nº 9.029/95, constitui-se um progresso da nossa
legislação, uma vez que fixa penalidades que se referem tanto em pagamento
de multas pecuniárias, quanto em obrigação de fazer, destacando-se o art. 1º da
Lei referida:
Art.1º Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória
e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua
manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil,
situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses
de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da
Constituição Federal.
Conclui-se da analise do referido dispositivo legal que é vedado/
proibido ao empregador, quando da contratação, desde a fase pré-contratual,
emitir anúncios que determinem algum tipo de identificação, e também não
pode adotar quaisquer práticas que possuam natureza discriminatória durante a
relação de emprego ou após o término dela.
Ainda que alguns autores divirjam, a maioria entende ser necessário
considerar que as situações descritas na referida lei são exemplificativas, podendose aplicar as penalidades, por analogia, a qualquer situação discriminatória que
cause prejuízo ao indivíduo, nos termos do artigo. 4º, da Consolidação das Leis
Trabalho, como também do artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro.
A citada lei, objetivando ressaltar a proteção do bem jurídico
constitucionalmente garantido, a igualdade, no seu artigo 2º, criminaliza as
situações ali descritas, veja-se:
Art. 2º. Constituem crime as seguintes práticas discriminatórias:
I – a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração
ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou o estado
de gravidez;
II - a adoção de quaisquer medidas, de iniciativa do empregador, que configurem:
108
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
a) Indução ou instigamento à esterilização genética;
b)Promoção de controle de natalidade, assim não considerado o
oferecimento de serviços e de aconselhamento de planejamento
familiar, realizados através de instituições públicas ou privadas,
submetidas às normas do Sistema Único de Saúde (SUS).
Pena: detenção de um a dois anos e multa;
A criminalização objetiva a concretização dos valores fundamentais
do trabalho, pois a imputação de pena de detenção, além da pena administrativa
e pecuniária, comprova a relevância da proteção quanto ao direito à igualdade.
Porém na prática referida medida punitiva não trouxe o resultado pretendido,
não conseguindo assim impedir as práticas discriminatórias na relação de
emprego.
As previsões legislativas se encontram na seara individual do
trabalhador e ainda são propostas individualmente dentro da reclamação
trabalhista, após a rescisão do contrato de trabalho.
É necessário o fomento de instrumentos de proteção preventiva como
por exemplo, utilizando-se de tutelas coletivas, que produzirão resultados
de caráter geral buscando a eliminação da discriminação e não somente a
indenização dos danos após o ocorrido.
Constata-se que o legislador ordinário buscou regulamentar,
enunciando hipóteses em que se verifica a dispensa discriminatória, objetivando
assegurar a concretização dos princípios constitucionais da igualdade e da
proibição absoluta de qualquer forma de discriminação bem como a punição
de tais práticas.
Conforme vem sendo tratado no presente artigo, a Constituição
Brasileira dispõe sobre os direitos e garantias individuais no artigo 5º, sendo estes
auto-aplicáveis. A Carta Política brasileira está fundamentada na soberania, na
dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho, na livre iniciativa
e no pluralismo político, sob o Estado Democrático de Direito (art. 1º, I a V).
Destaca-se a considerações de Trindade quanto trata da “construção
da moderna cidadania se insere assim dentre outros direitos humanos, a
democracia e o desenvolvimento, com atuação especial ao atendimento das
necessidades básicas da população a começar pela superação da pobreza extrema
e a construção de uma nova cultura de observância dos direitos humanos”.
(TRINDADE, 1998, p. 88-89)
Assim, constata-se que os princípios constitucionais ampliam os
Direitos Fundamentais e conduzem as ações dos Poderes da República para a
109
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
garantia a esses direitos. Porém, uma das maiores preocupações dos estudiosos
se volta para a efetividade destas previsões constitucionais.
Observam-se no ordenamento jurídico nacional legislações
trabalhistas que protegem minimamente os Direitos Humanos, focando
referida proteção apenas e tão somente no momento posterior à ocorrência da
discriminação. Verifica-se ainda que existam legislações que, ao fomentar a
instalação de atividades econômicas e comercialização de seus produtos com
menor custo, buscando maior competitividade, produzem consequências sérias
de desrespeito aos Direitos Fundamentais do trabalhador.
No sistema de prestação jurisdicional brasileiro, predomina o acesso à
justiça individualmente, o que se traduz em grande dificuldade de concretização
dos Direitos Humanos, pois na ausência de uma prestação jurisdicional que
atenda às reclamações dos trabalhadores por tutelas coletivas pode resultar
na própria impunidade aos ilícitos praticados em face da preocupação do
trabalhador em se expor individualmente.
O modelo brasileiro de busca pelo efetivo cumprimento da legislação
trabalhista, concretização do direito do reclamante, na grande maioria das
vezes se realiza por tutela individual e, em regra, após a rescisão do contrato de
trabalho, ou seja, depois que o dano ocorreu.
Discute-se na atualidade novas formas de solução de conflitos, pois
embora o acesso a justiça seja garantia constitucional (art. 5º), para que se
realize as partes devem ser atendidas em suas expectativas e necessidades, o
que não vem sendo realizado, em especial na forma preventiva.
Sabe-se que a máquina estatal se revela incapaz e estafada na prestação
de serviços ao cidadão. Os Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo estão
cada vez mais desacreditados pela morosidade, aumento de gastos, falta de
planejamento que não atendem às demandas atuais.
Desta maneira faz-se imprescindível a mudança na legislação para
tornar o sistema processual brasileiro efetivo para que atenda às necessidades
dos cidadãos. Nesse sentido surgem a busca de direitos por tutelas coletivas
efetivas, objetivando o impedimento do ato ilícito, no caso, da prática de
qualquer discriminação na relação de emprego.
Para Dinamarco:“A ação coletiva possui grande relevo no que atina ao
aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, diante da vocação inata de proteger
um número elevado de pessoas mediante um único processo.” (DINAMARCO,
2001, p. 268/273)
A Consolidação das Leis do Trabalho traz dispositivos com conteúdos
coletivos, como por exemplo, quando trata da ação de dissídios coletivos.
Somente em 1990, com a Lei 8.078 de 11 de setembro, que instituiu o Código
de Defesa do Consumidor, e que nos incisos do art. 81 define os conceitos
110
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
de interesses ou direitos difusos, interesses ou direitos coletivos e interesses
ou direitos individuais homogêneos, têm-se um contorno da abrangência das
tutelas coletivas.
No Direito do Trabalho, verifica-se grande inovação quanto à
tutela coletiva no âmbito da Justiça do Trabalho, com a promulgação da Lei
Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, que introduziu o artigo 83, inciso
III, à Lei Orgânica do Ministério Público da União.
Em síntese, seguindo os ensinamentos de Leite. “Código de Processo
Coletivo” está constituído por: “aplicação direta e simultânea das normas da
CF (art.129, III e IX, 8, III e 114) da LOMPU (Lei Complementar n. 75/93,
art.83, iii, 84, caput) da LACP (Lei 73/47/85) e pelo Título III do CDC (Lei n.
8.078/90), restando à CLT e ao CPC o papel de diploma legais subsidiários”.
(LEITE, 2009, p. 137).
Necessário destacar algumas das vantagens na busca pela concretização
de Direitos Humanos do trabalhador por instrumentos de proteção de tutela
coletiva: a) o pedido sendo coletivo, o risco de retaliação do empregador fica
muito reduzido; b) a decisão alcança a todos que se encontram na mesma
situação, produzindo a eliminação do fator discriminatório dentro da relação
de emprego, na categoria; c) a verdadeira prestação jurisdicional, pois efetiva e
útil, concretizando o acesso à justiça; d) a busca por tutela jurisdicional no curso
da relação de emprego, pois, ao final do contrato, a pretensão do trabalhador,
muitas vezes, tem sido atingida pela prescrição, dentre outras.
Da análise das legislações pertinentes, consta-se que, atualmente, são
legitimados para promover por tutela coletiva a defesa dos trabalhadores, o
Ministério Público e os Sindicatos.
O Ministério Público, por força de destinação institucional, deve
voltar atenção para a tutela coletiva contra todas as formas de discriminação
(BRASIL 2009, p. 69-87). E ainda, segundo ensina Mazzilli:
[...] já deve o Ministério Público zelar pelo respeito dos Poderes
Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos dos
idosos assegurados na CF; dessa forma, deve cobrar, até em juízo,
a observância de normas constitucionais e ordinárias que dispõem
sobre a proteção à pessoa idosa incluindo a fiscalização de asilos,
casas e clínicas de repouso e ajuizamento de ações que exijam o
cumprimento de garantias e direitos constitucionais da categoria.
(MAZZILLI, 2001, p. 471)
Referidos ensinamentos se aplicam analogicamente aos interesses
coletivos de natureza trabalhista, a quaisquer lesões genéricas e potenciais,
111
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
a toda coletividade de empregados de uma determinada empresa, em relação
a qualquer dos direitos constitucionalmente garantidos pela CF, art.º 7º, LC
75/93, art. 83, inciso III.
A Ação Civil Pública no Direito do Trabalho, a Lei 7347/85,
confere legitimidade aos entes públicos: 1) Ministério Público do Trabalho,
para defender a ordem jurídica protetiva, a atuação do órgão ministerial
está relacionada à matéria tratada, já que o ajuizamento objetiva a defesa de
interesse público através de interesses “ que não sejam meramente coletivos,
mas que transcendam os limites de uma categoria para se tornar pretensão de
toda sociedade”; 2) Sindicatos, para defender os trabalhadores protegidos pelo
ordenamento jurídico laboral; Normalmente, a Ação Civil Pública é precedida
de inquérito civil com a finalidade de tentativa de composição administrativas
de litígios – termo de ajuste de condutas - evitando a propositura de ação e
também para colheita de provas. As decisões obtidas nas Ações Civis Públicas
possuem natureza cominatória (art. 3º, a imposição de obrigação de fazer ou
não fazer, com cominação de multa) ou condenatória genérica (art. 13º - Fundo
Genérico de Reparação) l; ressalte-se que a legitimidade é concorrente para
propor ação civil pública trabalhista, ou seja, tanto é do Ministério Público do
Trabalho (CF, art. 129, III) quanto dos Sindicatos (art.129, §1º, art.8, III da CF);
(NASCIMENTO, 2002, p. 475)
Além disso, por proteger os direitos metaindividuais de ordem
trabalhista, o Ministério Público do Trabalho realiza papel fundamental na
sociedade atual, em que as lesões aos direitos e interesses, na grande maioria
das vezes, possuem conotação coletiva ou transindividual.
O Ministério Público do Trabalho é a instituição permanente, essencial
à Justiça, promovendo a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e
dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput, da CF/1988),
a atuação do Parquet do trabalho apresenta relevância diferenciada para o
bem comum, justamente por defender os Direitos Humanos Fundamentais de
ordem social, pertinentes às relações de trabalho, concretizando o fundamento
constitucional do Estado Brasileiro de dignidade da pessoa humana (arts. 1º, II,
III e IV; 3º, I, III w IV; 5º; 6º; 7º; 8º; e 9º; da CF/1988).
Desta forma, a Ação Civil Pública surge como instrumento adequado
e efetivo para proteger interesses metaindividuais, como a ofensa aos direitos
de classes de trabalhadores, minorias discriminadas na relação de emprego, de
grupos ou categorias com problemas intrínsecos, protegendo inclusive o dano
moral coletivo, que vem definido por Xisto:
Em síntese, o dano moral ou extrapatrimonial consiste na lesão injusta
imprimida a determinados interesses não materiais, sem equipotência
112
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
econômica, porém concebidos como bens jurídicos protegidos,
integrantes do leque de projeção interna (por exemplo o bem-estar,
a intimidade, a liberdade, a privacidade, o equilíbrio psíquico e a
paz) ou externa (como o nome, a reputação e a consideração social)
inerente à personalidade do ser humano(abrangendo todas as áreas
de extensão de sua dignidade) podendo também alcançar os valores
extrapatrimoniais reconhecidos pelo sistema legal à pessoa jurídica
ou a uma coletividade de pessoas (XISTO, 2004, p. 54/55).
Trata-se a Ação Civil Pública de instrumento jurídico eficiente na
proteção do empregado preventivamente contra atos discriminatórios, em
especial no momento da extinção do contrato de trabalho, não podendo suprimir
o seu emprego antes ou durante o contrato de trabalho.
Na verdade, o que se pretende é ver demonstrada a mudança de
paradigmas, se comparado ao modelo atual. Em síntese, deixar em parte a
proteção individual, primando pela coletiva e adotar o modelo da prevenção do
dano em lugar da sua reparação.
5 CONCLUSÃO
Buscou-se no presente artigo analisar a dispensa discriminatória e os
meios de proteção existentes no ordenamento jurídico nacional sob a ótica dos
princípios da ordem econômica, que se encontram contidos em especial no artigo
170 da Constituição Federal. De acordo com os princípios da ordem econômica,
todas as formas de relação de trabalho, em especial a relação de emprego, devem
resultar na valorização do trabalho humano de forma a propiciar condições de
vida digna, contribuindo para o bem-estar e distribuição de justiça social (art.193
da Constituição Federal), reconhecendo-se também que deve prevalecer nas
relações privadas a observância dos Direitos Fundamentais, especialmente no
contrato de trabalho, exatamente pela diferença de forças entre os sujeitos - o
empregador, mais forte, impor sua vontade sobre o empregado, mais fraco e em razão do objeto estar diretamente ligado à sobrevivência digna e pela
enorme relevância do valor dos Direitos Humanos no atual universo jurídico
Verificou-se que as medidas de proteção previstas na Lei nº 9.029/95
não conseguem ser efetivas na forma de prevenção, pois dispõem sobre situações
ocorridas, ou seja, após a efetivação da dispensa, contendo instrumentos de proteção
com previsão de tutelas específicas de reparação integral, como a reintegração,
indenização, ou seja, tudo se resolve em perdas e danos e ainda quanto a previsão
de criminalização sequer foi encontrada aplicação às situações concretas.
Quanto ao instrumento de proteção preventivo coletivo, realizado
através da Ação Civil Pública, tendo como legitimados o Ministério Público
113
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
do Trabalho e os Sindicatos em defesa dos Direitos Fundamentais dos
trabalhadores conclui-se ser o instrumento de proteção mais efetivo, com
as seguintes vantagens: 1) da promoção de defesa dos trabalhadores sem a
necessidade de nominá-los, identificá-los, trazendo pedido coletivo reduz-se o
risco de retaliação; 2) trabalha com a tutela preventiva ou inibitória impedindo
a ocorrência de danos que, na maioria das vezes, são irreversíveis, sendo a
prevenção a verdadeira forma de eliminação dos conflitos e ofensas aos Direitos
Fundamentais e 3) a sentença na Ação Civil Pública tem efeito “erga omnes”,
evitando multiplicidades de ações que seriam propostas nas Varas do Trabalho,
ou seja, contribuem para o acesso à Justiça.
Concluindo, a dispensa discriminatória de trabalhadores, no cenário
atual de elevados índices de desemprego, favorece ainda mais a prevalência da
lei oferta e da procura, impondo aos trabalhadores condições de trabalho com
redução de salários e demais vantagens, ferindo textualmente a dignidade do
trabalhador, o que justifica cada vez mais a adoção de medidas de proteção,
políticas públicas, ações afirmativas, objetivando a eliminação de práticas
discriminatórias da relação de emprego.
Ficou demonstrado que a prestação jurisdicional na forma de tutela
individual para a reparação de danos já ocorridos não é a melhor maneira de
efetivação dos Direitos Fundamentais. Também, restou demonstrada que a
tutela coletiva é atualmente a maneira mais adequada, juridicamente falando,
de alcançar a melhor proteção.
Não é possível permanecer indiferente a estas situações tão injustas,
em pleno Século XXI. Devem ser aperfeiçoados os instrumentos de proteção
sociais, até porque uma sociedade somente pode se construída com base em uma
normatividade jurídica caso esta forneça a efetiva segurança jurídica, através da
adoção de medidas de proteção eficazes para que as injustiças não se legitimem.
114
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
REFERÊNCIAS
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116
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
ACESSO À JUSTIÇA ATRAVÉS DO EMPREGO DA ARBITRAGEM NA SOLUÇÃO
DOS CONFLITOS DO TRABALHO
ACCESS TO JUSTICE THROUGH THE USE OF ARBITRATION TO RESOLVE
LABOR CONFLICTS
Rodolfo Menderico Costa Cruz9
RESUMO
O acesso à justiça no Brasil se realiza, fundamentalmente,
através do judiciário. Resulta desse fato um grande número de processos e,
consequentemente, morosidade na prestação jurisdicional, causando sérios
prejuízos à efetividade do acesso à justiça no Brasil. Nesse contexto, a
arbitragem, por ser meio extrajudicial de solução de conflitos, pode contribuir
para desafogar o poder judiciário e ampliar a efetividade do acesso à justiça.
Entretanto, há grande discussão sobre a abrangência de aplicação da arbitragem
na resolução dos conflitos do trabalho. Analisando a Constituição Federal
em conjunto com o Código de Defesa do Consumidor poder-se-ia estender
a aplicação da arbitragem para além dos conflitos coletivos do trabalho
abrangendo também certos conflitos individuais trabalhistas.
Palavras-chave: Direito do Trabalho. Arbitragem. Tutela Coletiva.
ABSTRACT
Access to justice in Brazil takes place primarily through the judiciary.
Results of this fact a large number of processes and, consequently, delay of
judgment, causing serious damage to the effectiveness of access to justice in
Brazil. In this context, arbitration, an extrajudicial way to resolve conflicts, can
help to relieve the judiciary and increase the effectiveness of access to justice.
However, there is a lot of discussion about the scope of application of arbitration
to resolve labor disputes. Analyzing the Brazilian Federal Constitution and the
Consumer Code the application of arbitration could be extended beyond the
collective labor disputes also covering some individual labor conflicts.
Mestrando em Direito pela Universidade de Marília - UNIMAR. Possui graduação em Direito
pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília (2010) e graduação em Administração Pública
pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP - FCL Araraquara (2005).
Fez MBA em Gestão Empresarial na FGV (2009). Atualmente trabalha no Banco do Brasil S/A.
9
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Kew-words: Labour Law. Arbitration. Collective protection.
1 INTRODUÇÃO
O acesso à justiça no Brasil se realiza, prioritariamente, através
de demandas judiciais individuais. Resulta desse fato um grande número de
processos judiciais e, consequentemente, morosidade na prestação jurisdicional.
Dessa forma, cabe discutir meios de se quebrar esse paradigma de individualismo
através do incentivo as tutelas coletivas.
Outra discussão pertinente é a importância da arbitragem nesse
contexto das tutelas coletivas, uma vez que por ser meio extrajudicial de
solução de conflitos, poderia contribuir para desafogar o poder judiciário.
Sendo assim, a discussão não se finaliza na análise dos problemas enfrentados
internamente pelo judiciário. É necessário ir mais além e questionar certas
tradições socioculturais e buscar soluções inclusive em formas extrajudiciais
de solução de conflitos.
Esta pesquisa tem por objetivo analisar os principais entraves ao
acesso à justiça para a solução dos conflitos originários das relações de trabalho
e apresentar propostas para o seu aperfeiçoamento, considerando a tutela
coletiva e utilizando-se da arbitragem como meio constitucional preconizado.
Para alcançar os objetivos do trabalho foi realizado levantamento
bibliográfico para, após análise da questão, apresentar de forma estruturada um
plano para solucionar os conflitos das relações de trabalho de forma a maximizar
o direito de acesso à justiça dos cidadãos. As fontes consultadas foram: livros,
artigos, periódicos e publicações on-line, com a finalidade de identificar os
posicionamentos mais relevantes para a análise proposta, possibilitando a
realização de um estudo aprofundado sobre o tema.
2 ACESSO À JUSTIÇA
O acesso à justiça não fica reduzido, como no senso comum, a simples
ideia de acesso de todos ao judiciário e suas instituições. Não é o acesso a
Fóruns e Tribunais que faz com que os cidadãos tenham ou não acesso à Justiça.
Apesar desse conceito advindo do senso comum, sem dúvida alguma, fazer
parte do que é verdadeiramente o acesso à justiça, é necessário analisá-lo de
maneira um pouco mais abrangente.
118
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Assim também é o entendimento de Kazuo Watanabe (1988, p. 128):
A problemática do acesso à Justiça não pode ser estudada nos
acanhados limites dos órgãos judiciais já existentes. Não se trata
apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e
sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa.
Sob essa ótica, Alexandre Cesar (2002, p. 40-50) entende que leis
justas e que não discriminem ou privilegiem determinadas pessoas ou grupos
e que sejam capazes de assegurar determinados direitos e garantias tidos como
fundamentais também fazem parte desse conceito mais amplo.
Entretanto, quando se tem um descumprimento desse ordenamento
jurídico justo necessita-se de meios aptos a garantir seu devido cumprimento a fim
de que se possa concretizar o direito de acesso à justiça. Sem dúvida, um desses
meios, e o mais utilizado hodiernamente, é o judiciário, entretanto, ele não é o único.
O acesso à justiça se dá na medida em que os mecanismos de resolução
de conflitos estejam aptos a produzir resultados que sejam individualmente e
socialmente justos. Sob essa perspectiva uma justiça funcional, mas morosa,
não é capaz de atender ao conceito mais amplo de acesso à justiça.
A globalização e a revolução tecnológica trouxeram relações sociais
cada vez mais complexas e sujeitas a uma infinidade de litígios, gerando
aumento considerável na demanda pelo judiciário já que este, especialmente no
Brasil, é considerado como o principal meio de resolução dos conflitos.
Ocorre que, mesmo que investimentos materiais e humanos fossem
realizados no judiciário, ele dificilmente atenderia aos anseios sociais, pois sua
estrutura é pautada na segurança e na cautela e, portanto, morosa demais para
atender a dinâmica sociedade atual como única forma de resolução de conflitos.
É por isso que, há muito tempo, o judiciário brasileiro enfrenta
verdadeira crise de confiança e legitimidade motivada por sua excessiva
morosidade que, em alguns casos, faz com que o cidadão busque formas de
solução de litígios ilícitas como, por exemplo, a justiça pelas próprias mãos.
A resolução dessa crise não passa apenas pelo investimento no
judiciário e sim pela redução na quantidade exagerada de processos. Mas
como reduzir a quantidade de processos sem prejudicar o acesso à justiça?
Talvez a resposta para essa questão esteja além da remodelação do judiciário,
passando também pela adoção de formas extrajudiciais de resolução dos
conflitos (mediação, conciliação e arbitragem) como formas prioritárias, sendo
o judiciário acionado apenas em último caso, e não o inverso como ocorre hoje.
Até mesmo na China do século VII o imperador Hangs Hsi já
identificava esse mesmo problema, levando a edição do decreto a seguir:
119
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Ordeno que todos aqueles que se dirigirem aos Tribunais sejam tratados
sem nenhuma piedade, sem nenhuma consideração, de tal forma que
se desgostem tanto da ideia do Direito quanto se apavorem com a
perspectiva de comparecerem perante um magistrado. Assim o desejo
para evitar que os processos não se multipliquem assombrosamente,
o que ocorreria se não existisse o temor de se ir aos Tribunais; o que
ocorreria se os homens concebessem a falsa ideia de que teriam a sua
disposição uma justiça acessível e ágil; o que ocorreria se pensassem
que os juízes são sérios e competentes. Se essa falsa ideia se formar,
os litígios ocorrerão em número infinito e a metade da população será
insuficiente para julgar os litígios da outra metade.
É claro que tal pensamento é, evidentemente, radical e extemporâneo,
mas dele pode-se extrair que a crise na prestação jurisdicional pelo Estado se
arrasta há vários séculos e que novas formas de resolução dos litígios são cada
vez mais necessárias e bem-vindas.
2.1 ENTRAVES DO JUDICIÁRIO QUE AFETAM O ACESSO À JUSTIÇA
Os direitos só se tornarão mais efetivos na medida em que os cidadãos
passem a ter maior acesso à justiça. Infelizmente, são muitos os entraves
existentes no judiciário e, consequentemente, na efetividade do acesso à justiça
no Brasil que se dá, quase que exclusivamente, pelo judiciário. Pode-se agrupálos da seguinte forma a fim de facilitar o estudo: restrições econômicas, restrições
socioculturais, restrições psicológicas e restrições jurídicas/ judiciárias.
2.1.1 RESTRIÇÕES ECONÔMICAS
O custo processual, tanto no Brasil como nos demais países, é
muito alto: honorários advocatícios, custas de distribuição, produção de
provas, preparo de recursos eventualmente interpostos e, por fim, o ônus da
sucumbência para aquele que teve suas alegações improvidas, arcando com as
despesas da parte vencedora. Soma-se a isso, ainda, no caso do Brasil, uma das
piores distribuições de renda do globo e elevado grau de miserabilidade e temse um grande entrave à efetividade do acesso à justiça.
Por essa razão é que Cândido Rangel Dinamarco (apud CESAR,
2002, p. 94-95) afirma que:
O custo do processo e a miserabilidade das pessoas ocupam, apesar
de não preencherem todo o espaço, lugar de muito destaque nas
120
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
preocupações acerca da universalidade da tutela jurisdicional. A
justiça é cara e da brasileira pode-se dizer o que com sarcástico humor
britânico fora dito: is open to all, like the Ritz Hotel.
Agravando ainda mais o cenário exposto, pesquisas coordenadas por
Mauro Cappelletti (1988, p.19) demonstram que as ações de menor valor são as
que possuem os custos proporcionalmente mais elevados em relação ao valor
da ação. Dessa forma, pode-se constatar que a justiça é cara de forma geral, mas
é proporcionalmente mais cara aos cidadãos mais pobres que são, geralmente,
os autores das ações de menor valor.
Outro fator limitante do efetivo acesso à justiça é a longa duração
dos processos. Quanto mais moroso, maiores são os custos. Além do mais,
outra vez, aqueles que possuem pior renda são os mais afetados pela demora,
por não terem recursos suficientes para arcar com a espera, e se veem
pressionados a aceitarem acordos desfavoráveis ou, até mesmo, abandonarem
a causa (CESAR, 2002, p. 95).
2.1.2 RESTRIÇÕES SOCIOCULTURAIS
Esse tipo de entrave é decorrente da desigualdade social, porém, vai
mais além, adentrando em questões de cunho cultural. Em regra, quanto menor
o nível econômico de um cidadão, menor seu grau de instrução e, portanto,
menor a capacidade de identificar um direito violado e passível de reparação
judicial. Essa situação ainda é agravada com o péssimo ensino público a que a
população brasileira mais carente tem acesso.
Entretanto, essas barreiras que obstam o acesso à justiça não atingem
somente as camadas mais pobres da população. Como bem explicita Cappelletti
e Garth (1988, p. 23), mesmo:
[...] consumidores bem informados, por exemplo, só raramente se
dão conta de que sua assinatura em um contrato não significa que
precisem, obrigatoriamente, sujeitar-se a seus termos, em quaisquer
circunstâncias. Falta-lhes conhecimento jurídico básico não apenas
para fazer objeção a esses contratos, mas até mesmo para perceber
que sejam passíveis de objeção.
Dessa forma, a falta de conhecimento jurídico, principalmente, mas não
exclusivamente, da parcela mais pobre da população, afeta consideravelmente a
afetividade do acesso à justiça.
121
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
2.1.3 RESTRIÇÕES PSICOLÓGICAS
O receio de estar em juízo é uma restrição psicológica que parece, em
um primeiro momento, estar ligada somente ao íntimo da pessoa, não havendo
nenhuma medida cabível ao Estado para amenizá-la. Entretanto, uma breve
análise das causas de tal receio aponta que o Estado está diretamente ligado a ele.
No sentido comum do brasileiro, o Poder Judiciário, assim como a
maioria das instituições, é inacessível, não é confiável e não faz justiça;
o magistrado é visto como um ser superior, diferente do restante dos
mortais, e os advogados são vistos como ‘pessoas em quem se deve
confiar, desconfiando’ (CESAR, 2002, p. 99).
Além do mais, o excesso de formalismo, a linguagem e vestimentas
rebuscadas, entre outros, são capazes de intimidar, principalmente os mais
pobres, e contribuir, sobremaneira, para o surgimento de certo receio de se estar
em juízo.
Observa-se, portanto, que as causas de tal receio são, em sua maioria,
oriundas da forma como a atividade jurisdicional é organizada pelo Estado e,
também, decorrência da própria ineficiência das instituições judiciárias. Como
se não bastasse, até a falta de segurança pública ameaça a efetividade do acesso
à justiça uma vez que muitos temem sofrer represálias se entrarem com ação,
fato que o Estado deveria coibir.
2.1.4 RESTRIÇÕES JURÍDICAS E JUDICIÁRIAS
O judiciário brasileiro apresenta algumas particularidades que
acabam por desmotivar, dificultar ou, até mesmo, restringir o acesso à justiça
para alguns cidadãos. Entre elas, pode-se destacar: o elevado tempo de duração
dos feitos; o discurso jurídico de difícil compreensão e a abundância de normas.
As excessivas espécies de recursos existentes acabam
fornecendo meios para que uma das partes procrastine a resolução da lide
demasiadamente. Necessita-se, portanto, de uma urgente reforma processual
no judiciário brasileiro com vistas a tornar os processos efetivamente mais
céleres tendo, como uma das medidas, a diminuição da enorme quantidade
de recursos existentes.
Outro fator que contribui para a longa duração dos processos é o
excesso de burocracia, o apego excessivo à forma. Estes não podem ser mais
relevantes do que a premência da decisão. Inúmeras vezes o judiciário acaba
por se perder no excessivo número de regras e rituais esquecendo-se que o mais
122
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
importante é entregar aos envolvidos uma solução concreta para a lide. O meio,
que deveria ser apenas um processo no qual se deve passar para obter o resultado
pretendido, acaba por se tornar mais importante do que o fim almejado.
Por fim, o discurso jurídico de difícil compreensão e linguagem
excessivamente rebuscada e técnica, aliada a constante proliferação de normas,
acaba por dificultar ou inibir a participação, principalmente da parcela menos
instruída da população, tornando o judiciário e os ordenamentos cada vez mais
distantes da realidade do cidadão comum.
Como facilmente se nota, muitas dessas restrições jurídicas e
judiciárias elencadas têm reflexos nos outros tipos de restrições anteriormente
abordados. A linguagem rebuscada pode causar uma restrição psicológica no
cidadão, ou seja, um medo de estar em juízo. Já a longa duração dos processos
no Brasil é uma das causas, por sua vez, de restrições econômicas uma vez que
quanto mais longo o processo maior é o custo que as partes devem suportar.
3 ARBITRAGEM COMO FORMA DE ACESSO À JUSTIÇA
O judiciário é a principal forma de acesso à justiça no Brasil. Sendo
assim, toda vez que ele se encontra parcialmente obstruído pelos inúmeros
entraves citados anteriormente, a efetividade do acesso à justiça como um todo
também acaba sendo prejudicada.
É nesse cenário que surge a arbitragem, a mediação e a conciliação
como alternativas ao judiciário e seus problemas, apresentando uma nova
fórmula para resolução dos conflitos, trazendo em si a possibilidade de desafogar
o judiciário e de maximizar o acesso à justiça no seu sentido mais amplo.
3.1 CONCEITO DE ARBITRAGEM
Inicialmente, cabe diferenciar mediação, conciliação e arbitragem.
Ambas são formas de resolução de conflitos que contam com a participação de
um terceiro não interessado, porém na mediação (somente extrajudicial) e na
conciliação (pode ser tanto judicial como extrajudicial) esse terceiro não toma
decisão alguma, ele apenas promove o entendimento das partes conduzindo o
processo e apresentando sugestões para que ao final as próprias partes cheguem
a um entendimento. Na arbitragem é justamente o oposto, um terceiro eleito
pelas partes terá o mesmo papel de um juiz, ou seja, ouvirá as partes e ao fim
tomará sua decisão com relação ao conflito.
Nas palavras de Sérgio Pinto Martins (2009, p. 290):
Na arbitragem, uma terceira pessoa ou órgão, escolhido pelas partes,
vem a decidir a controvérsia, impondo a solução aos litigantes. É uma
123
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
forma voluntária de terminar o conflito, o que importa dizer que não
é obrigatória. A pessoa designada chama-se árbitro. A sua decisão
denomina-se laudo arbitral.
As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao
juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendidos a
cláusula compromissória e o compromisso arbitral (art. 3º da Lei nº
9.307/96). Cláusula compromissória é a convenção por meio da qual
as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem
os litígios que possam vir a surgir relativamente a tal contrato (art. 4º
da Lei 9.307). Compromisso arbitral é a convenção por meio da qual
as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas,
podendo ser judicial ou extrajudicial (art. 9º da Lei nº 9.307).
Entretanto, no que concerne ao enquadramento jurídico da arbitragem
pode-se constatar certa controvérsia. Os meios de solução de conflitos podem
ser divididos em autotutela, autocomposição e heterocomposição, sendo que
na autotutela e na autocomposição a controvérsia é resolvida pelas partes (por
uma das partes no caso da autotutela) e sem interferência de terceiros; já na
heterocomposição há a intervenção de um agente externo alheio as partes.
Consoante grande parte dos autores a conciliação e a mediação são
meios autocompositivos já que o conflito é resolvido pelas próprias partes,
apenas com o auxilio de um terceiro que apesar de conduzir o processo não tem
poderes para impor decisões. Caberia, então, a arbitragem a classificação de
meio heterocompositivo, uma vez que um terceiro escolhido pelas partes agirá
como um juiz, analisando os argumentos das partes e impondo uma decisão.
Ocorre que alguns autores entendem que a arbitragem consensual,
em que o árbitro é escolhido pelas partes, deveria ser enquadrada como
autocomposição, pois o terceiro responsável pela sentença foi escolhido de
comum acordo pelas partes.
Há outros autores, como Mauricio Godinho Delgado, que entendem
que, assim como a jurisdição é meio heterocompositivo; a arbitragem, a
conciliação e a mediação também o são. Assim é explicado tal entendimento
por Mauricio Godinho Delgado (2013, p. 1477-1478):
É que a diferenciação essencial entre os métodos de solução dos
conflitos encontra-se, como visto, nos sujeitos envolvidos e na
sistemática operacional do processo utilizado. Na autocomposição,
apenas os sujeitos originais em confronto é que se relacionam na
busca da extinção do conflito, conferindo origem a uma sistemática
124
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
de análise e solução da controvérsia autogerida pelas próprias partes.
Já na heterocomposição, ao contrário, dá-se a intervenção de um
agente exterior aos sujeitos originais na dinâmica de solução do
conflito, transferindo, como já exposto, em maior ou menor grau,
para este agente exterior a direção dessa própria dinâmica. Isso
significa que a sistemática de análise e solução da controvérsia deixa
de ser exclusivamente gerida pelas partes, transferindo-se em alguma
extensão para a entidade interveniente.
3.2 TIPOS DE ARBITRAGEM
A arbitragem pode ser classificada levando-se em consideração
diversos parâmetros. Os mais relevantes são: arbitragem obrigatória e voluntária;
arbitragem por oferta final e livre; arbitragem de direito e de equidade.
A arbitragem obrigatória é aquela que é imposta às partes, seja pela
lei, seja por convenção estipulada pelas partes anteriormente ao surgimento da
lide (cláusula compromissória). Já na arbitragem voluntária ou facultativa as
partes decidem, após o surgimento da lide, submetê-la ao procedimento arbitral
por meio do denominado compromisso arbitral.
Outra distinção interessante é a arbitragem por oferta final. Nessa
modalidade a decisão do árbitro deve ser a proposta de uma das duas partes
sem alterá-la. Essa sistemática “[...] tem a finalidade de fazer com que as
propostas que as partes apresentarem para que o árbitro venha a decidir sejam
próximas da realidade e não se distanciem muito uma da outra para evitar
riscos” (NASCIMENTO, 2008, p.20). Quando o árbitro não possui tal limitação
denomina-se a arbitragem de livre.
Por fim, a arbitragem de direito tem como objeto da lide leis ou
princípios jurídicos, enquanto que a arbitragem de equidade tem por objeto
interesses de cunho meramente econômico.
3.3 PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DA ARBITRAGEM
A arbitragem possui vantagens significativas, a saber: celeridade;
informalidade; confiabilidade; flexibilidade e sigilo.
Trata-se de um procedimento célere, que busca uma solução rápida
para a divergência, até porque é dotada também de certa informalidade, ou seja,
não possui apego excessivo a certas formalidades e burocracias que acabam por
retardar a rápida solução da lide.
Pode-se dizer, também, que a arbitragem é uma forma confiável de
resolução dos conflitos, uma vez que os árbitros são escolhidos de comum
125
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
acordo pelas partes. Outro fator de segurança para as partes é que a sentença
arbitral tem a eficácia de título executivo judicial (art. 584, VI, do CPC),
podendo ser executada, caso a sentença não seja cumprida.
Outro ponto positivo que nos cabe ressaltar é seu caráter flexível. Por
não se prender necessariamente às leis e ordenamentos, o árbitro possui elevado
grau de liberdade em suas decisões. Aliás, a arbitragem é muito utilizada para
dirimir meras “divergências de interesse” entre empresas, já que decisões desse
tipo não encontram amparo legal. A flexibilidade também pode ser analisada
sob o ponto de vista do procedimento arbitral que, mais uma vez, também
não se prende a regras rígidas, podendo, a qualquer momento, ser alterado de
comum acordo pelas partes.
Por fim, no procedimento arbitral, ao contrário do judiciário, não há o
que se falar em publicidade dos atos, portanto, a arbitragem é revestida pelo sigilo.
Todavia, a arbitragem também possui pontos negativos que merecem
ser observados. Um deles é o alto custo, uma vez que para atuar na função
de árbitro geralmente é contratado indivíduo de renomado saber na área do
conflito e, como se pode supor, o valor cobrado por tal indivíduo, na maioria
das vezes, é bastante elevado.
Além do mais, sendo o trabalhador a parte mais fraca financeiramente,
pode o processo arbitral ser tendencioso em prol do empregador que se
aproveitaria de seu poderio econômico para influenciar na decisão do árbitro
ou para intimidar o empregado a fim de obter um acordo que lhe seja mais
favorável. Dessa forma, a arbitragem poderia ser usada como forma de fugir
do judiciário buscando decisões mais rápidas e mais aprazíveis aos olhos do
empregador.
3.4 APLICABILIDADE NO BRASIL
A arbitragem está devidamente regulamentada nos dias atuais pela Lei
nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, mas no que tange sua aplicação no Direito
do Trabalho ainda gera grandes discussões. A utilização da arbitragem no âmbito
dos conflitos coletivos do trabalho é amplamente aceita até porque se encontra
embasada em disposição constitucional constante no art. 114, § 1º a seguir:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (...)
§ 1º - Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger
árbitros.
Ocorre que para os conflitos individuais trabalhistas a análise não é
tão simples assim. Aqueles que se opõe a sua utilização na esfera individual
126
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
evocam o próprio artigo 114 da CF onde consta apenas a possibilidade da
arbitragem nas negociações trabalhistas coletivas como o art. 643 da CLT, a
seguir, que dispõe que os litígios entre empregados e empregadores devem ser
levados à Justiça do Trabalho.
Art. 643 - Os dissídios, oriundos das relações entre empregados e
empregadores bem como de trabalhadores avulsos e seus tomadores
de serviços, em atividades reguladas na legislação social, serão
dirimidos pela Justiça do Trabalho, de acordo com o presente Título e
na forma estabelecida pelo processo judiciário do trabalho.
Há ainda os que alegam que a arbitragem nos dissídios individuais do
trabalho estaria fora do campo de ação da Lei de Arbitragem (lei 9.307/96), uma
vez que a arbitragem deve ser aplicada para direitos disponíveis e os direitos
individuais trabalhistas são, em regra, indisponíveis. O art. 1º da lei 9.307/96
estabelece o seguinte:
Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem
para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Outro argumento recorrente daqueles que se posicionam de forma
contrária a aplicação da arbitragem nos conflitos individuais do trabalho é
de que, por ser o trabalhador a parte hipossuficiente, a arbitragem o deixaria
vulnerável a decisões que beneficiem os empregadores.
Os que são favoráveis à arbitragem nos dissídios individuais
trabalhistas ressaltam que se o artigo 114 da CF (anteriormente citado) não
contempla a arbitragem nesses casos, ele também não veta sua aplicação. Além
do mais, ponderam que não é tão simples dizer que os direitos trabalhistas
individuais, por serem públicos, são indisponíveis e que por isso não foram
contemplados pela Lei de Arbitragem. Tanto isso é verdade que o próprio artigo
764 da CLT dispõe que tanto os dissídios individuais como os coletivos estão
sujeitos à conciliação pela Justiça do trabalho:
Art. 764 - Os dissídios individuais ou coletivos submetidos à
apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação.
§ 1º - Para os efeitos deste artigo, os juízes e Tribunais do Trabalho
empregarão sempre os seus bons ofícios e persuasão no sentido de
uma solução conciliatória dos conflitos.
Ora, se é admitida a conciliação para direitos individuais é porque
esses seriam disponíveis e, portanto, também estariam sujeitos a arbitragem.
127
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
De forma intermediária, alguns autores alegam que há que se falar
em indisponibilidade dos direitos individuais trabalhistas apenas na vigência
do contrato de trabalho, que é quando o empregado é parte hipossuficiente e
vulnerável e, portanto, necessita ser protegido contra arbitrariedades inclusive
as que possam ser advindas da arbitragem. Após a dissolução do contrato de
trabalho ou no caso de executivos, especialistas e outros profissionais de alto
nível hierárquico e remuneratório, é impróprio afirmar que são hipossuficientes
e, portanto, a arbitragem nesses casos seria meio adequado para “desafogar”
o judiciário brasileiro e dar mais celeridade e, portanto, eficiência e eficácia
àqueles que buscam seus direitos trabalhistas na Justiça.
Aplicável ou não nos conflitos individuais trabalhistas, o que é
indiscutível é sua aplicação nos dissídios coletivos e, portanto, o Brasil deveria
fortalecer o ingresso das ações trabalhistas coletivas (nas quais o Ministério
Público e sindicatos são parte legítima) a fim de reduzir o volume de ações
individuais que torna moroso o nosso judiciário e ampliando a aplicação da
arbitragem na resolução dos conflitos já que para os dissídios coletivos sua
aplicação é incontestável.
3.4.1 PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DO PODER JUDICIÁRIO
A ampla adoção de meios extrajudiciais para solução de controvérsias
esbarra, muitas vezes, no denominado princípio da inafastabilidade do poder
judiciário, expresso no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal do Brasil, que
dispõe o seguinte: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão
ou ameaça a direito”.
Entretanto, ao analisar esse princípio deve-se fazê-lo conjugado
ao princípio da autonomia da vontade. Não se pode coibir alguém, de forma
alguma, de ter sua lide analisada e julgada pelo poder judiciário. Todavia, se as
partes decidem de comum acordo pelo julgamento da lide através da arbitragem
ao invés do judiciário, não há que se falar em descumprimento do princípio
da inafastabilidade do poder judiciário, uma vez que não houve impedimento
para que a questão alcançasse o judiciário e, sim, uma mera decisão das partes
oriunda da autonomia de vontade que possuem e que lhes é assegurada pela lei.
A arbitragem não ofende os princípios constitucionais da
inafastabilidade do controle jurisdicional, nem do juiz natural.
A Lei de Arbitragem deixa a cargo das partes a escolha, isto é, se
querem ver sua lide julgada por juiz estatal ou por juiz privado.
Seria inconstitucional a Lei de Arbitragem se estipulasse arbitragem
compulsória, excluindo do exame, pelo poder Judiciário, a ameaça ou
128
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
lesão a direito. Não fere o juiz natural, pois as partes já estabelecem,
previamente, como será julgada eventual lide existente entre elas.
O requisito da pré-constituição na forma da lei, caracterizador
do princípio do juiz natural, está presente no juízo arbitral (NERY
JÚNIOR; NERY, 2006, p. 1164).
Dessa forma, o princípio da inafastabilidade do poder judiciário não
pode constituir óbice no fortalecimento da arbitragem como forma de resolução
de conflitos no Brasil.
4 O ACESSO À JUSTIÇA ATRAVÉS DAS TUTELAS COLETIVAS
4.1 A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E O AUMENTO DOS CONFLITOS
COLETIVOS
A globalização intensificou a busca das empresas pelo corte nos custos
de produção, seja para garantir a viabilidade das mercadorias frente a um cenário
concorrencial mundial, seja para que possa haver uma elevação do lucro.
Esse corte de custos vem se dando, dentre outras formas, pela
precarização do trabalho humano. Muitas empresas instalam suas fábricas em
países onde os direitos trabalhistas não são fortalecidos, com o intuído de elevar
sua vantagem competitiva e/ou ampliar seus lucros.
Já em 1776, até mesmo Adam Smith, um dos maiores ícones do
denominado liberalismo econômico, reconhecia a existência de um intenso
conflito entre classes. Anteriormente ao capitalismo os indivíduos possuíam
os meios de produção e a força de trabalho, agora, eles possuem somente a
força de trabalho, sendo que os meios de produção ficam concentrados nas
mãos de poucos homens. Estes poucos ganham dinheiro empregando pessoas;
ficam com uma parte do valor que é produzido por esses trabalhadores e a
outra parte retorna aos trabalhadores como salário. Smith reconhecia que os
empregadores querem sempre pagar o menor salário possível aos empregados
a fim de ter maior lucro e, por sua vez, os empregados querem salários maiores.
Nessa luta, ainda segundo Smith, os empregadores levam vantagem pela sua
riqueza, capacidade de influenciar a opinião pública e de controlar o governo
(HUNT, 2005, p.45-46).
Fala-se muito, hodiernamente, sobre a importância da flexibilização
das normas trabalhistas a fim de adequar o país ao mundo globalizado. Isso
decorre do fato de que a vantagem competitiva proporcionada às empresas que
precarizaram as condições de trabalho forçam as outras empresas do globo a
fazerem o mesmo a fim de se manterem competitivas.
129
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Boaventura de Sousa Santos (2001, p. 40) expôs de forma precisa os
reflexos do atual pensamento neoliberal no campo social:
No domínio da globalização social, o consenso neoliberal é o de que
o crescimento e a estabilidade econômicos assentam na redução dos
custos salariais, para o que é necessário liberalizar o mercado de
trabalho, reduzindo os direitos laborais, proibindo a indexação dos
salários aos ganhos de produtividade e os ajustamentos em relação ao
custo de vida e eliminando a prazo a legislação sobre salário mínimo.
O objetivo é impedir “o impacto inflacionário dos aumentos salariais”.
A contração do poder de compra interno que resulta desta política deve
ser suprida pela busca de mercados externos. A economia é, assim,
dessocializada, o conceito de consumidor substitui o de cidadão e o
critério de inclusão deixa de ser o direito para passar a ser a solvência.
Entretanto, em que pese o consenso neoliberal, não se pode esquecer que
as legislações trabalhistas foram criadas no intuito de proteger os trabalhadores,
parte mais fraca da relação de emprego, frente à busca desenfreada pelo lucro
que é o objeto norteador do sistema capitalista de produção.
De acordo com os artigos 1º, inciso III e IV e 170, caput, ambos da
Constituição Federal, são fundamentos da República Federativa do Brasil e fins
da ordem econômica, a dignidade da pessoal humana e a valorização do trabalho.
Ou seja, se a atividade produtiva capitalista objetiva o lucro, é dever do Estado
garantir que esse interesse seja compatibilizado com a valorização do trabalho
e dignidade da pessoa humana. De nada adianta crescimento econômico por si
só se ele não está fundado no desenvolvimento social.
Conforme bem salienta Dinaura Godinho Pimentel Gomes (2013, p. 128):
Por isso, incumbe a toda empresa, no pleno exercício de sua livre
iniciativa, exercer sua função social, a fim de assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, nos termos
do art. 170 da Constituição Federal Vigente. Assim, ao satisfazer a
exigência de assegurar a todos, sem distinção (seja na condição de
empregados, de fornecedores, de trabalhadores terceirizados, entre
outros) existência digna, conforme os ditames da justiça social, os
agentes econômicos assumem o perfil de verdadeiros partícipes dos
objetivos e finalidades próprios do Estado Democrático de Direito
(CF, art. 3º).
Nessa sociedade globalizada, a busca por lucro tem levado as
empresas, cada vez mais, a descumprirem os fundamentos da dignidade da
130
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
pessoa humana e da valorização do trabalho, atingindo, com isso, um grupo
cada vez mais abrangente de pessoas, levando a um aumento considerável
no número de conflitos de natureza coletiva em detrimento dos de natureza
individual.
Apesar dessa coletivização dos conflitos estar em curso há décadas, o
Direito do Trabalho brasileiro ainda mantêm uma forte tradição individualista.
Prova disso é que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não possui
normas voltadas especificamente para o atendimento dos interesses coletivos.
Um passo muito importante para possibilitar uma transição da tradição
individualista para a coletiva foi dado primeiramente pela Constituição Federal
de 1988 e, recentemente, pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).
A Norma Maior, em seu art. 129, inciso III, diz que são funções
institucionais do Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil
pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e
de outros interesses difusos e coletivos” (grifo nosso). Entretanto, somente em
1990, com o Código de Defesa do Consumidor, ficou estabelecido os conceitos
que integram a noção de interesses difusos e coletivos com aplicação em
qualquer ramo do direito que necessite de tal conceituação:
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das
vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título
coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste
código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam
titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos
deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja
titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a
parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos
os decorrentes de origem comum.
Dessa forma, apesar da CLT não regulamentar especificamente os
conflitos coletivos, a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor
assim o fazem, possibilitando o avanço na área da tutela coletiva e a ampliação
do acesso à justiça no país.
131
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
4.2 O PAPEL DA TUTELA COLETIVA NA AMPLIAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA
O acesso à justiça não se resume tão somente a possibilidade de
ingressar com ação. Na área trabalhista, especificamente, observa-se que ações
individuais trazem uma série de malefícios que em nada combinam com o
conceito de “justiça”.
Hodiernamente, os empregados veem-se compelidos a buscar seus
direitos na justiça apenas após o término da relação de trabalho já que o ingresso
de ação individual na constância do contrato de trabalho poderia resultar na
demissão do trabalhador como forma de represália. Ocorre que a espera do
empregado pelo término do contrato de trabalho leva muitos dos seus direitos
a serem alcançados pela prescrição de 5 (anos) estabelecida no art. 7º, inciso
XXIX, da Constituição Federal (GOMES, 2013, p. 134).
Além do mais, se esses funcionários estiverem trabalhando, por
exemplo, sem equipamentos de proteção, essa espera pelo término do contrato
de trabalho para ingresso da ação trabalhista pode resultar em prejuízos
irreversíveis a saúde do empregado.
Sendo assim, as ações individuais trabalhistas muitas vezes não se
mostram eficazes para resolver os conflitos de forma justa. Não se pode ignorar
que ser forçado pelas circunstâncias a ingressar com ação trabalhista apenas
após o término da relação de trabalho agride o conceito universal da palavra
“justiça” e, portanto, é uma agressão a efetividade do acesso à justiça no país.
Dessa forma, torna-se necessário criar meios que possibilitem aos
empregados ingressarem com suas ações mesmo na constância do contrato
de trabalho a fim de que possam ter seus direitos imediatamente reparados e
que não venham a sofrer com a prescrição. Entretanto, esse novo meio deve
dificultar ou impossibilitar as represálias por parte do empregador, ou seja, o
empregado não pode ser identificado na ação para que não venha a ser demitido
pelo empregador.
Uma solução imediata para derrubar esse verdadeiro entrave ao
acesso à justiça é o fortalecimento das denominadas ações coletivas que podem
ser movidas pelo Ministério Público do Trabalho, conforme estabelecido no
art. 129, inciso III, da Constituição Federal e art.83, III da Lei Complementar
n. 75/93, ou subsidiariamente pelos sindicatos, conforme art. 129, § 1º e art. 8º,
III, ambos da CF e art. 5º, V, da Lei 7.347/85.
As ações coletivas, uma vez que são promovidas pelo Ministério
Público ou sindicato, geram a despersonalização dos trabalhadores em face dos
empregadores permitindo o ingresso de ações no curso da relação de trabalho e
o reparo imediato de lesões a direitos.
132
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Apesar da CLT não normatizar a tutela coletiva de direitos, o
Brasil conta com verdadeiro conjunto de normas, algumas delas já citadas
anteriormente, que tornaria possível esse fortalecimento das ações coletivas.
Fala-se, aqui, da Constituição Federal (arts. 129, III e IX, 8º, III, e 114), da
LOMPU (Lei Complementar nº 75/93, arts. 83, III, 84, caput), da LACP (Lei nº
7.347/85) e do Título III do CDC (LEITE, 2009, p.137).
Além do mais, a tutela coletiva também auxilia na resolução de outro
grande entrave ao acesso à justiça que é a morosidade. Ela traz maior celeridade
para a prestação jurisdicional na medida em que reduz consideravelmente o
número de processos uma vez que ações individuais diversas podem ser
substituídas por uma única ação coletiva já que os interesses são os mesmos.
Tem-se, dessa forma, maior efetividade dos direitos trabalhistas e, portanto,
maior efetividade do acesso à justiça.
4.3 A PRIMAZIA LEGAL DA ARBITRAGEM NAS TUTELAS COLETIVAS E DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS
Conforme abordado neste estudo, o judiciário, através das tutelas
individuais, é o principal meio utilizado hodiernamente para alcançar o acesso
à justiça no Direito do Trabalho brasileiro. Ocorre que diversos são os entraves
que impedem muitos cidadãos de verem suas demandas judiciais atendidas.
Dessa forma, torna-se necessário encontrar outros meios para resolução de
conflitos trabalhistas no Brasil.
O artigo 114, §1º da Constituição Federal dispõe que, na
impossibilidade de negociação coletiva o conflito coletivo pode ser dirimido
por meio da arbitragem. Sendo assim, muitos autores entendem que não está
autorizado o uso da arbitragem nos conflitos que envolvem direitos individuais
trabalhistas, até porque a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), em seu art. 1º, veda
seu uso para litígios relativos a direitos indisponíveis e grande parte da doutrina
entende que os direitos individuais trabalhistas são direitos indisponíveis.
Em que pese essa discussão do cabimento ou não da arbitragem aos
direitos individuais trabalhistas, cabe nesse momento lembrar que a tutela
coletiva dos direitos vem ganhando cada vez mais importância atualmente, uma
vez que a globalização intensifica a concorrência entre as organizações e gera,
dentre outras consequências, uma busca pela redução dos custos de produção
através da precarização do trabalho humano e desrespeito reiterado às normas
trabalhistas. Dessa forma, o descumprimento de certas normas trabalhistas
deixa de ser fato isolado para se tornar algo frequentemente compartilhado por
todos os trabalhadores de uma mesma empresa ou setor.
A tutela coletiva, quando comparada com a individual, possui as
vantagens de possibilitar uma despersonalização do empregado em relação
133
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
ao empregador além da reparação imediata dos direitos atingidos, entre
outras. Ela começou a ganhar importância apenas recentemente e, portanto,
não está devidamente amparada na CLT que teve sua vigência iniciada
70 (setenta) anos atrás. A base legal para esse tipo de tutela é encontrada,
pormenorizadamente, no Código de Defesa do Consumidor que clarifica em
seu art. 81 quais interesses e direitos são abrangidos pela tutela coletiva, e
pode ter seus conceitos aplicados, por certo, em todos os ramos do direito que
deles necessitarem, inclusive o trabalhista.
Sendo assim, conforme o CDC, a defesa coletiva de direitos pode ser
utilizada toda vez que forem violados interesses ou direitos difusos, interesses
ou direitos coletivos e interesses ou direitos individuais homogênios. Este
último item é o mais importante para este estudo, pois os direitos individuais
homogêneos são àqueles que apesar de serem individuais, decorrem de uma
origem comum e, portanto, são classificados como coletivos. Como exemplo,
pode-se lembrar daqueles vários trabalhadores de uma mesma empresa que tem
seus direitos desrespeitados pelo empregador.
Se os direitos individuais homogêneos são abarcados pela tutela
coletiva segundo o Código de Defesa do Consumidor, então o artigo 114, §
1º da Constituição Federal deve ser interpretado à luz desse conhecimento, ou
seja, se o texto constitucional dispõe que a arbitragem é aplicável na resolução
dos conflitos coletivos do trabalho, então se pode deduzir que a arbitragem
também pode ser aplicada aos conflitos individuais homogêneos do trabalho.
Esse entendimento é de fundamental importância na medida em que o
citado processo de globalização e decorrente precarização do trabalho humano
levaram a um notável aumento no número de direitos individuais homogêneos
infringidos. Dessa forma, pode-se sugerir, com as devidas bases legais, que
os conflitos coletivos do trabalho, incluindo aqui os direitos individuais
homogêneos, devem ser resolvidos prioritariamente por meio da arbitragem,
conforme disposição do texto constitucional e Código de Defesa do Consumidor.
Não sendo possível a solução arbitral, a solução mais indicada é a tutela
coletiva judicial e, em último lugar, a tutela individual judicial. Ou seja, propõese aqui uma total inversão nas formas comumente utilizadas para resolução
dos conflitos trabalhistas no Brasil. Dessa forma, tem-se um procedimento que
se efetivado poderá dar cabo a milhares de demandas e desafogar de forma
considerável o judiciário nacional.
5 CONCLUSÃO
O acesso à justiça não se faz, tão somente, através do judiciário. Existem
outras formas de se garantir o acesso dos cidadãos a uma ordem jurídica justa.
134
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
A arbitragem é um meio extrajudicial de resolução de conflitos que também é
capaz de proporcionar acesso à justiça para os que dela se utilizam.
Tradicionalmente, o judiciário é a principal forma de resolução
dos conflitos no Brasil, incluindo aqueles relativos ao Direito do Trabalho.
Entretanto, ele contém verdadeiras barreiras que impedem os cidadãos de
terem seu direito de acesso à justiça efetivado. Cite-se, por exemplo, os altos
custos de um processo judicial que é verdadeiro obstáculo aos cidadãos de
menor poder aquisitivo, o ambiente excessivamente formal em termos de
vestes e linguajar que gera certo receio em acionar o judiciário, a excessiva
demora na obtenção da prestação jurisdicional que desestimula a busca pela
justiça, o baixo grau de instrução da população brasileira que muitas vezes
desconhece quando tem um direito seu violado, entre outras.
Dessa forma, apesar do judiciário ser, em tese, acessível a todos, na
prática sua utilização como principal forma de resolução de conflitos acaba
por minar o direito de acesso à justiça dos cidadãos. É exatamente nesse
contexto que ganha importância o estudo da arbitragem. Nesta, a escolha de
um terceiro de comum acordo entre as partes para atuar como arbitro em
determinado conflito proporciona inúmeras vantagens em comparação com
a tutela jurisdicional, a saber: celeridade; informalidade; confiabilidade;
flexibilidade e sigilo, além de evitar as barreiras existentes na prestação
jurisdicional estatal.
No que tange os conflitos trabalhistas, alvo principal deste estudo,
a possibilidade de aplicação da arbitragem aos conflitos coletivos é unânime
entre os doutrinadores por se tratar de disposição constitucional (art. 114, §1º
da CF), todavia sua aplicabilidade aos conflitos individuais trabalhistas ainda
é muito questionada. Entretanto, para melhor compreender essa questão cabe,
previamente, um levantamento do contexto histórico recente na área trabalhista.
Nas últimas décadas, os direitos coletivos ganharam importância e
passaram a ser mais bem analisados e compreendidos, inclusive sob o ponto de
vista legal. Isso porque com o advento da globalização e, consequentemente, a
busca por redução de custos e aumentos dos lucros, muitas empresas passaram a
desrespeitar de forma reiterada o disposto nas legislações trabalhistas ocasionando
um aumento considerável do número de conflitos trabalhistas de natureza coletiva.
Entretanto, nesse novo contexto, vai ficando claro que o uso
da tutela judicial individual na área trabalhista começa a causar inúmeros
prejuízos aos trabalhadores. Grande parte deles se vê obrigado a continuar
trabalhando em condições abusivas e/ou inseguras e ingressar com sua ação
trabalhista apenas após o término do contrato de trabalho por temer perder sua
fonte de renda caso ingresse com a ação ainda na constância do contrato de
trabalho, correndo, como isso, o risco de ser atingido pela prescrição. Sendo
135
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
assim, ganhou importância o estudo das ações coletivas no âmbito judicial
promovidas pelo Ministério Público ou, subsidiariamente, pelos sindicatos,
por gerarem a despersonalização dos trabalhadores em face dos empregadores,
permitindo o ingresso das ações ainda na constância do contrato de trabalho e
a reparação imediata dos danos.
Fazendo jus a essa tendência de crescimento dos conflitos coletivos
trabalhistas, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) trouxe para o direito
brasileiro a definição do termo “tutelas coletivas”. Segundo o CDC, a tutela
coletiva de direitos abrange os direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos. Sendo assim, voltando à questão da possibilidade de aplicação
da arbitragem aos conflitos individuais trabalhistas, quando a Constituição
afirma que a arbitragem é aplicável aos conflitos coletivos do trabalho deve-se
interpretar o termo “coletivos” em conjunto com a definição de tutela coletiva
trazida pelo CDC. Assim fazendo, não restam dúvidas sobre a legalidade da
aplicação da arbitragem também aos conflitos que envolvem direitos individuais
homogêneos a despeito do que pensam alguns doutrinadores. Dessa forma, a
arbitragem somente não abarcaria os direitos individuais absolutos.
Portanto, o que se propõe neste estudo é uma total inversão de
prioridade das formas de resolução dos conflitos trabalhistas com base no
disposto pela Constituição Federal do Brasil (art. 114, §1º) que adota a
arbitragem como forma prioritária de resolução dos conflitos coletivos do
trabalho, incluindo-se, aqui, os conflitos que envolvem direitos individuais
homogêneos, já que eles integram o conceito de conflitos coletivos segundo
o art. 81 do Código de Defesa do Consumidor. Não sendo possível a solução
por via arbitral, caberia a tutela coletiva judicial na resolução dessas lides e,
apenas na impossibilidade de ter a pretensão atendida das formas anterior.
136
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
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138
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
A PARTICIPAÇÃO DA EMPRESA NA RESSOCIALIZAÇÃO DE EX-PRESIDIÁRIOS
ATRAVÉS DO TRABALHO PRODUTIVO: O PROJETO “COMEÇAR DE NOVO”
COMPANY PARTICIPATION IN RESOCIALIZATION OF EX-CONVICT THROUGHT
THE PRODUCTIVE WORK: PROJECT “COMEÇAR DE NOVO”
RESUMO
Sandro Dias10
Lourival José de Oliveira11
Dados do Ministério da Justiça (MJ) relatam que entre janeiro de 1992
e junho de 2013, a massa carcerária brasileira aumentou 403,5%, enquanto a
população cresceu 36%. Atualmente, são aproximadamente 574 mil pessoas
presas no Brasil, homens e mulheres que enfrentam obstáculos ao voltarem
para suas comunidades, pois devido ao estigma negativo do passado criminal,
não encontram trabalho facilmente. Ademais, a negligência estatal frente às
obrigações estipuladas pela lei de execuções penais de preparar o preso para
sua inclusão no mercado de trabalho e a resistência das empresas em contratar
a mão de obra de ex-detentos, contribuem para a taxa de reincidência brasileira
que alcança o índice de 70%, isto é, em cada dez presos libertados, sete retornam
para a prisão. Por outro lado, observou se nesse estudo que a participação das
empresas na viabilização de oportunidades de trabalho para ex-condenados
é uma alternativa para construção de uma sociedade mais igualitária, justa e
fraterna. Focado nessa problemática nacional procurou-se através do presente
artigo científico, traçar uma visão das possibilidades e viabilidades de criação
de um sistema voltado à efetiva reintegração do ex-apenado no mercado de
trabalho, por meio da participação empresarial. A partir desse estudo obteve – se
os seguintes resultados: que o trabalho produtivo é uma das medidas que mais
contribui para que os excluídos possam reconstruir suas vidas; também, sobre
a necessidade de edição de uma legislação nacional que estimule as empresas
a contratarem egressos do sistema prisional. Quanto à metodologia adotada,
utilizou se o método dedutivo, apoiando-se na pesquisa bibliográfica nacional e
estrangeira, compondo um estudo interdisciplinar.
Estudante do Curso de Mestrado da Universidade de Marília – UNIMAR. Delegado de
Polícia Civil do Estado do Tocantins e docente da Faculdade Católica Dom Orione de Araguaína.
[email protected].
11
Docente do Curso de Graduação e do Curso de Mestrado em Direito Negocial da Universidade
Estadual de Londrina; docente do Curso de Mestrado da Universidade de Marília; docente e
coordenador de Curso da Faculdade Paranaense; advogado em Londrina. lourival.oliveira40@
hotmail.com.
10
139
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Palavras-Chave: Empresa; Ressocialização; Egressos
ABSTRACT
The Ministry of Justice (MJ) has reported that between January
1992 and June 2013, the Brazilian prison mass increased 403.5 %, while the
population grew by 36 %. Currently, there are approximately 574 000 people
arrested in Brazil, men and women who face a lot of obstacles to return to their
communities due to the negative stigma of a criminal past. They don’t find work
easily after prison. Moreover, the state has neglected the obligations stipulated
by the law of criminal executions to prepare the prisoner for their inclusion in
the job market and also the resistance of the companies to hire manpower for
ex -offenders have contributed for Brazilian recurrence rate that reaches an
index around 70% , by the way, every ten prisoners released, seven of them
went back to prison . Furthermore , this study observed that the participation
of companies in enabling job opportunities for ex -convicts is an alternative
to building a more equal , fair and fraternal society . Focused on this national
problem this scientific article aims to outline a study of possibilities and
feasibility of creating an effective reintegration system of ex - convicts in the
job market through companies’ participation. From this study it was obtained
the following results: the productive work is one of the alternatives to help the
excluded people to rebuild their lives and it is necessary to create a national law
that could encourage Brazilian companies to hire ex-convicts. Regarding the
methodology, it was used the deductive method based on national and foreign
literature, set up an interdisciplinary study.
Kew-words: Company; Resocialization; Convict
1 INTRODUÇÃO
A Empresa ganhou nova roupagem a contar da última década do
século XX, muito embora esta necessidade de transformação venha sendo
debatida desde a primeira metade do mesmo século, conforme o conteúdo
presente na Declaração dos Direitos Humanos (1948), a qual serviu de base para
a construção que se seguiu décadas após, em especial sobre responsabilidade
social empresarial.
Todavia, observa se que no Brasil, em pleno século XXI, o ideal de
responsabilidade social empresarial, ainda não faz parte do cotidiano da maioria
das empresas, quando a questão é viabilizar uma oportunidade de trabalho para
um ex-detento.
140
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Ademais, a sociedade em geral, principalmente os empresários têm
uma grande resistência em reabsorver a mão de obra daquele que acabara de
sair da prisão, pois presidiários geralmente são definidos como pessoas más,
perigosas, que devem ser evitadas.
Nesse contexto, os apenados sofrem a exclusão social, uma “pena
invisível”, que não foi imposta na sentença criminal, mas que repercute pelo
resto da vida. A exclusão e o preconceito da sociedade levam ao desemprego
prolongado, fator de impacto na pobreza, na desorganização familiar e na
delinquência.
Nesse sentido:
Prisão é de fato uma monstruosa opção. O cativeiro das cadeias perpetua
– se ante a insensibilidade da maioria, como uma forma ancestral de
castigo. Para recuperar, para ressocializar, como sonharam os nossos
antepassados? Positivamente, jamais se viu alguém sair de um cárcere
melhor do que quando entrou. E o estigma da prisão? Quem dá
trabalho ao indivíduo que cumpriu pena por crime considerado grave?
Os egressos do cárcere estão sujeitos a uma outra terrível condenação.
Legalmente, dentro dos padrões convencionais não podem viver ou
sobreviver. A sociedade que os enclausurou, sob o pretexto hipócrita
de reinseri – los depois em seus seios, repudia – os, repele – os, rejeita
– os (DE BECCARIA, 1991, pp17-43).
É fato que nem todo ex-infrator que deixa a prisão, aceita trabalhar e
mudar seu comportamento criminoso. Alguns jamais se arrependem do delito
praticado. Outros fazem do crime um estilo de vida.
Entretanto, alguns presos utilizam – se do tempo na prisão de
forma produtiva, participando de programas educacionais, profissionais e
de desenvolvimento pessoal, na expectativa de sair da prisão e arrumar um
emprego digno e sair da criminalidade.
Todavia, a omissão estatal frente às obrigações estipuladas pela Lei de
Execuções Penais de oferecer condições para que o preso se reintegre no mercado
de trabalho e a resistência das empresas em contratar um ex-preso, dificultam a
ressocialização daqueles que querem uma oportunidade de emprego.
Dados do Ministério da Justiça (MJ) mostram o ritmo crescente da
população carcerária no Brasil. Entre janeiro de 1992 e junho de 2013, o número
de pessoas presas aumentou 403%. É a quarta maior população carcerária do
mundo, atrás apenas dos Estados Unidos (2,2 milhões), da China (1,6 milhões)
e Rússia (740 mil) (BRANDÃO, 2014).
Além disso, o déficit de vagas nas cadeias é da ordem de 180
mil. Todos os anos, as prisões recebem aproximadamente 25 mil presos
141
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
e libertam 20 mil. Se fossem cumpridos os 150 mil mandados de prisões
pendentes na Justiça, o Brasil precisaria de quase 500 mil vagas no sistema
prisional (MJ, 2009).
Essa realidade de “encarceramento em massa” é preocupante e
demonstra necessita se de políticas públicas de integração entre Estado, sistema
prisional e empresa, no escopo de promover a reintegração social daqueles que
querem trabalhar após cumprir a pena.
Some-se a isso que o crime e a violência geram prejuízos econômicos
para o país, pois um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)
revelou que em 2005, o Brasil gastou cerca de 92 bilhões de reais para lidar com
o crime e a violência, o que representou cerca de 4% do Produto Interno Bruto
do país (CEQUEIRA, 2003, p18).
Nessa ótica de falta de oportunidade de trabalho enfrentada pela massa
carcerária quando em liberdade, surgiu a proposta número 49 da Confederação
Nacional da Indústria (CNI), a qual relata que os ex presidiários têm dificuldades
de reinserção no mercado e que a não reinserção produtiva de ex apenados gera
a reincidência no crime, a qual tem elevado o ônus para a sociedade, haja vista
os custos mensais do sistema com cada preso, além dos gastos com segurança
pública e com o próprio sistema Judiciário.
Na prática, Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão do governo
federal, está desenvolvendo um programa voltado à empregabilidade de
ex presidiários, denominado “Começar de Novo”, o qual tem como um dos
objetivos buscar parcerias entre governo e empresas no objetivo de oferecer
trabalho para ex presos, visando também o resgate da dignidade do egresso,
a erradicação da marginalização e a promoção do bem estar de ex detentos,
fundamentos constitucionais da República.
Em termos legislativos, há no Congresso Nacional Brasileiro projetos
de lei que ao mesmo tempo em que obrigam, motivam instituições empresariais
a contratar egressos.
Focado nessa problemática nacional, o presente trabalho pretende
estimular o debate a cerca da temática: Quais são as políticas públicas que o
Estado está desenvolvendo para os egressos que saem diariamente da prisão e
que efetivamente desejam reintegrar à sociedade por meio do trabalho?
Ademais, é possível por meio de benefícios às empresas, estimular à
contratação de ex presidiários, tendo como resultado final, a efetiva reintegração
social e resgate da dignidade humana do apenado?
Adotou-se o método dedutivo, com pesquisas bibliográficas sobre
o tema, de forma multidisciplinar. Também, a pesquisa não faz distinção
entre função social da empresa e responsabilidade social, apesar da doutrina
clássica estabelecer diferenças, para fins desse estudo, compreende-se as duas
denominações enquanto fazendo parte do mesmo conceito.
142
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
2 O ATO DE TRABALHAR COMO INSTRUMENTO DE RESGATE DA DIGNIDADE
HUMANA
A população carcerária cresce de forma assustadora, aproximadamente
7,31% ao ano. Entre 1995 e 2009, o número de presos triplicou. Em 2010,
cerca de 500 mil presos faziam parte do sistema penitenciário, sendo que todos,
exceto os enclausurados que falecem durante a custódia penal, um dia voltarão
para o convívio social. E ao retornar para o convívio social, o egresso vai buscar
no trabalho seu sustento e pelo trabalho inicia se um processo de reintegração
social (MENDES, 2010).
Todavia, não existe no país uma política explícita focada para o “ato
de trabalhar” como forma de reintegração social dessa massa de egressos do
sistema prisional de desempregados, apesar dos vários dispositivos legais, tais
como a Constituição Federal de 1988 e a Lei 7.210 de 1984 (Lei de Execução
Penal), que orientam o Estado a sistematizar políticas públicas voltadas para a
classe de ex presidiários que querem realmente trabalhar, devendo ajudá-los a
reintegrar à vida em liberdade, em especial, contribuindo para a sua colocação
no mercado de trabalho.
Sob a ótica constitucional tem se o princípio da dignidade da pessoa
humana, o qual é orientador de todo ordenamento jurídico brasileiro, servindo
como critério e parâmetro de valoração de sistema normativo e deve ter
aplicação imediata por parte do Estado, quando a questão é oferecer uma vida
digna para aquele que deseja voltar à sociedade.
Significa dizer que, também ex apenados, quando submetidos à tutela
do Estado ou após terem cumprido sua pena, são merece­dores da atenção
constitucional, notadamente quando buscam serem reinseridos no convívio
social, por meio do trabalho, o qual vai proporcionar meios de sobreviver,
deixando a vida pretérita de crimes e desacertos.
Desse modo, o Estado e a sociedade organizada devem criar e
fomentar políticas públicas sólidas que permitam meios para essa reintegração
social e, paralelamente, buscar a conscientização daquele que errou, fazendo
com que o ex apenado entenda qual sua função, seus deveres e direitos diante
da coletividade na qual passará, novamente, a conviver e que o Estado e a
sociedade estão lhe proporcionando efetivamente uma oportunidade para sair
da criminalidade.
2.1 O ATO DE TRABALHAR E SUA VALORIZAÇÃO SOCIAL
Ao abordar a temática do “ato de trabalhar e sua valorização social”,
é necessário a priori, descrever um pouco a respeito da evolução histórica do
conceito de trabalho.
143
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
O termo trabalho é de difícil compreensão, haja vista, não é universal
e nem tão pouco imutável, perceptível somente do ponto de vista semântico.
Ademais, a palavra trabalho é polissêmica, com várias noções e significados
conforme os diferentes períodos históricos.
Durante a evolução histórica da Grécia, o ato de trabalhar era desprovido
de qualquer valorização social ou dignidade humana, sendo destinado somente
aos escravos e mulheres. Para os gregos, a verdadeira dignidade estava no fato
de poder viver no ócio e para poder participar na gestão de negócios das “polis”.
O historiador e antropólogo Funari descreve de forma clara esse
período da humanidade. “Apenas os espartanos e seus descendentes pertenciam
ao grupo dos chamados iguais; proibidos de trabalhar, eram sustentados pelo
trabalho dos hilotas. Por outro lado, deviam dedicar-se aos assuntos da cidade”
(FUNARI, 2002, p. 22).
Durante esse período, o conceito de trabalho estava relacionado a algo
penoso, duro e como forma de castigo, considerado como principal indicativo
do estatuto social do indivíduo, não sendo sinônimo de realização pessoal, nem
tão pouco de inclusão social.
Entretanto, mesmo entre os gregos, não havia um consenso em
relação ao ato de trabalhar e sua valorização, pois Hesíodo, poeta do século
VII a.c., chegou a afirmar que “não há vergonha no trabalho, a vergonha está na
ociosidade” (FUNARI, 2002, p. 31).
A Idade Média caracterizava se pela economia ruralista e supremacia
da igreja católica, a qual pregava que o trabalho era uma atividade essencial
para vida do homem.
A socióloga Christine Afriat, no trabalho “La place du travai dans la
société” relata: “A valorização do trabalho anda de mãos dadas com a crença
que é uma atividade do homem e uma fonte vital de coesão social. Ele aparece
muito mais tarde e somente em alguns países”. (Tradução livre) (AFRIAT,
1997, p. 61).
Nos séculos XVII e XVIII, as grandes descobertas científicas
proporcionaram o desenvolvimento das grandes navegações, contribuindo para a
expansão do capitalismo mercantil. Surge então uma nova ideologia com relação
ao conceito de trabalho, representada principalmente nas obras de Smith:
Assim como essa exportação extraordinária de ouro e prata não
aumentaria a riqueza e a renda reais das pessoas ociosas, da mesma
forma não faria aumentar muito seu consumo. Provavelmente, essas
mercadorias importadas, ao menos a maior parte delas — e com
certeza, uma parte delas — consistiriam em materiais, instrumentos
de trabalho e provisões para dar emprego e sustento a pessoas
144
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
trabalhadoras, as quais reproduziriam, com lucro, o valor total de seu
consumo (SMITH, vol II, 1983, p. 20).
Tais concepções de trabalho trouxeram profundas transformações na
economia do século XIX, quando a mão de obra humana passou a ter um papel
fundamental no crescimento da produção industrial.
O trabalho indústrial passa a ser fundamental para o desenvolvimento
da economia, passando a ser valorizado pelo Estado do ponto de vista da
produção de bens e como fator de inclusão social.
Dentro desse contexto histórico, Bocorny tecendo comentários à
respeito da importância do trabalho na economia, posiciona – se com a seguinte
assertativa:
O grande avanço do significado do conceito que se deu no último
século foi no sentido de se admitir o trabalho (e o trabalhador) como
principal agente de transformação da economia e meio de inserção
social, por isso, não pode ser excluído do debate relativo às mudanças
das estruturas de uma sociedade. Assim, o capital deixa de ser o centro
dos estudos econômicos, devendo voltar-se para o aspecto, talvez
subjetivo, da força produtiva humana (BOCORNY, 2003, pp. 42-43).
Com a evolução histórica, o ato de trabalhar passa a ter maior
relevância nas lentes dos doutrinadores, enquanto agente de transformação da
economia e importante meio de inserção social.
Busca se valorizar o trabalho e o trabalhador frente ao modelo
capitalista estabelecido, dentro de uma concepção multidisciplinar de trabalho
e não somente economicista, estabelecida nas ideias de Adam Smith.
Com esse raciocínio, segue os ensinamentos de Marques, a qual
descreve o trabalho como instrumento de valorização social, nos moldes do
princípio da dignidade humana:
Observa-se, portanto, que a valorização do trabalho consequentemente
irá proporcionar uma vida digna ao trabalhador, evitando que ele se
sinta mera engrenagem, ou apenas mais um número naquela empresa
ou folha de pagamento. [...] É inquestionável, portanto, que o trabalho
é elemento essencial à vida. Logo, se a vida é o bem jurídico mais
importante do ser humano e o trabalho é vital à pessoa humana, devese respeitar a integridade do trabalhador em seu cotidiano, pois atos
adversos vão, por consequência, atingir a dignidade da pessoa humana
(MARQUES, 2007, p. 21).
145
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
No Brasil, os primeiros regramentos legislativos voltados para
assegurar direitos e garantias aos trabalhadores iniciam se com a Constituição
de 1934. Entretanto, somente após a segunda guerra, com o crescimento nas
atividades econômicas, que a valorização do trabalho humana passa a ser um
princípio da ordem econômica e social, estabelecido na Carta Magna maior.
Nesse contexto de inserção de direitos, surgem os primeiros
regramentos de proteção ao trabalho e trabalhador, sendo que Vasconcelos
apresenta o seguinte comentário a respeito da temática:
A intervenção estatal com vistas à proteção do trabalhador dá início
no país com o advento da Constituição de 1934, mas observa-se que
é a partir da edição da Constituição de 1946 que a valorização do
trabalho humano se equipara à liberdade de iniciativa como princípio
da ordem econômica e social (VASCONCELOS, 2012, p.17).
Entretanto, o trabalho humano e sua valorização somente se
concretizaram no país, após a Constituição Federal de 1988, na vigência do
estado democrático de direito, quando afirma se no cenário jurídico nacional
uma ideologia liberal voltada para a produção de bens nos moldes capitalista,
mas sem deixar de atender uma série de direitos objetivando a proteção ao
trabalho humano e do trabalhador.
Considerando a assertiva supra, oportuno transcrever, o comentário
de Borcony acerca do assunto:
Dessa maneira, o trabalho ganha importância (social, econômica,
política) e, por isso, precisa das garantias jurídicas necessárias. Nas
sociedades democráticas, é possível a existência de tais garantias, na
medida em que se elejam princípios os quais os cidadãos entendem
como importantes para o seu desenvolvimento. [...]. O princípio
da valorização do trabalho, agora elevado a status constitucional,
determina que o desenvolvimento seja orientado nas duas perspectivas
já explicadas: social e econômica (BOCORNY, 2003, p. 71-72).
Do ponto de vista legislativo, resta plenamente satisfeita à proteção e
garantia ao ato de trabalhar e sua valorização social, no que concerne à previsão
textual de tais direitos e garantias (aspecto formal).
O Estado brasileiro, por meio de sua Carta Política maior, reconhece
e prescreve vários direitos e garantias, o que significa dizer que a questão não
é mais de ordem existencial, ou quanto aos efeitos (amplitude) destes direitos
e garantias, mas sim de concretização e plena realização no seio do sistema já
formalmente estabelecido.
146
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Há, todavia, enorme distância entre a legislação e a realidade do
sistema prisional atual. É notório que o tratamento dado aos presos nas prisões
brasileiras está longe de propor a recuperação prevista no Código Penal e na Lei
de Execução Penal.
Por isso, faz-se mister que ocorra a valorização do trabalho humano
por parte do Estado e empresa, enquanto atividade que coloca o cidadão em
contato com a sociedade de forma a realizar se como ser social, principalmente
aqueles que se encontram fora do mercado de trabalho, em especial as pessoas
que tiveram uma passagem pelo sistema prisional.
Assim, é o pensamento de Oliveira:
Como se valoriza o trabalho? Em primeiro momento, através da
geração de mais postos de trabalho: que haja um melhor trabalho
com mais satisfação, com menos riscos, com mais criatividade, com
a participação de quem trabalha no gerenciamento empresarial, sem
discriminação; que seja melhor retribuído, com a efetivação dos
direitos sociais consubstanciados nos artigos 6º a 11 da C.F.; que
haja uma efetiva política pública de qualificação da mão de obra,
capacitando criativamente o ser humano (OLIVEIRA, 2009, p. 86).
Conclui-se que o ato de trabalhar no decorrer da história, revelou se
como um dos fatores mais efetivos para reconstruir a dignidade da pessoa e para
sua reintegração na sociedade.
3 O ATO DE TRABALHAR ENQUANTO PROCESSO DE RESSOCIALIZAÇÃO
É importante para a sociedade em geral, dar uma oportunidade de
trabalho para aqueles que deixam as cadeias brasileiras diariamente, e sem
nenhuma perspectiva de vida, buscam voltar ao mercado de trabalho e ganhar
um salario digno.
O ato de trabalhar enquanto processo de ressocialização deve ser
contínuo, e digno para poder mudar a vida daqueles que desejam deixar as
condutas criminosas. O contrato por prazo determinado leva à precariedade do
trabalho, o que prejudica na ressocialização devido a alguns lapsos de tempo
em que o ex-preso fica aguardando ser contratado novamente, e sem emprego.
Por sua vez, no Brasil não existem estatísticas que comprovem quantos
ex-apenados são reintegrados no mercado de trabalho e quantos efetivamente
retornam para o cárcere.
Deve se observar que dentro do sistema prisional existem aqueles
presos que querem uma oportunidade para poder voltar ao mercado de trabalho,
147
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
e que demonstram esse interesse de reintegrar à sociedade, já dentro da prisão,
pois estudam, participam de programas e cursos de profissionalização quando
oferecidos e desenvolvem bom comportamento prisional.
Nesse contexto, é o relatório da Segundo a Secretaria do Trabalho do
Estado de São Paulo:
Os cursos implantados, com 230 horas para habilitação em várias
profissões, foram muito bem recebidos pelos presos, que, além de
terem o interesse despertado pela profissão, recebem uma bolsa de
estudos no valor de 310 reais mensais. Ademais, eles têm nesses
cursos uma oportunidade para sair da cela (PASTORE, 2011, p.134).
Outros infratores não abandonam o mundo do crime, mesmo dentro
da prisão, pelo contrário saem da cadeia com mais experiência no crime devido
o contato com novos criminosos.
Referindo á aqueles presos que querem trabalhar e outros que desejam
continuar na vida criminosa, assim é o entendimento de Petersilia:
Igualmente, um aspecto para entender quem está retornando para
casa relaciona – se as experiências dentro da prisão. É notório, que
alguns ex-dententos usarão o tempo na prisão de forma produtiva,
participando na educação, indústria, aconselhamento, e outros
programas aprimoramento pessoal. Mas certamente, outros tornam
se piores e mais violentos devido às experiências vividas na prisão
(Tradução Livre) (PETERSILIA, 2005, p. 16).
Para os presos que querem se integrar novamente à sociedade, o
ato de trabalhar enquanto processo de ressocialização deve ser desenvolvido
no início do cumprimento da pena, dentro dos presídios, principalmente por
meio da qualificação profissional que permitirá que o detendo se adapte mais
facilmente ao ambiente de trabalho quando sair da prisão.
Com o mesmo entendimento se expressa Desrosiers:
Muitos especialistas em estabelecimentos correcionais acreditam que
quando um delinquente participa de programas de emprego durante o
seu encarceramento, há boas chances de se adaptar a vida na prisão e
em seguida, uma reintegração social bem sucedida (DESROSIERS,
2013, p. 9).
Some se a isso, que na Noruega, uma pesquisa desenvolvida pelo
Departamento de pesquisa de Oslo, demonstrou que os egressos que buscam por
148
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
meio do trabalho fora da prisão construir uma vida digna, têm 63% probabilidade
de não reincidir quando comparados com os presos que não trabalham quando
saem da prisão (SKARDHAMAR, 2009, p 1).
No Brasil, dados estatísticos demonstram que 70% dos ex infratores
voltam para o sistema prisional por falta de uma oportunidade de emprego, logo
após deixar a prisão e que a reincidência cai para 48% quando encontram uma
oportunidade de trabalho efetivo (MENDES, 2013).
É de fundamental importância, desenvolver ações para que ao
deixar à penitenciária, o preso tenha uma oportunidade de trabalho digno,
moldando seus valores, atitudes e comportamentos, sendo o ato de trabalhar um
instrumento que proporcione sua integração no mercado de trabalho, na família
e na comunidade onde vive.
Acompanhando o raciocínio da efetividade do processo de
ressocialização pelo ato de trabalho, faz se presente o pensamento de Lukács:
[...] Somente o trabalho tem na sua natureza ontológica um caráter
claramente transitório. Ele é em sua natureza uma inter-relação entre
homem (sociedade) e natureza, tanto com a natureza inorgânica
[...], quanto com a orgânica, inter-relação [...] que se caracteriza
acima de tudo pela passagem do homem que trabalha, partindo do
ser puramente biológico ao ser social. Todas as determinações que,
conforme veremos, estão presentes na essência do que é novo no ser
social estão contidas in nuce no trabalho (LUKÁCS, 1980, IV-V).
O trabalho é um dos melhores caminhos para facilitar a integração
dos egressos na sociedade, sendo que as redes de relacionamento desenvolvidas
dentro das empresas ajudam a construir um ambiente que evitar a reincidência.
Logo, Estado, empresa e sociedade devem buscar por meio de
políticas público-privadas alternativas de oferecer vagas de trabalho para a
grande massa de ex presidiários, tendo por meio do trabalho, um processo que
simultaneamente altera a natureza e auto transforma o próprio ser que trabalha,
proporcionando uma vida com sentido e um reencontro com a dignidade.
Nesse diapasão segue o ensinamento de Antunes:
[...] Na busca de uma vida cheia de sentido, a arte, a poesia, a
pintura, a literatura, a música, o momento de criação, o tempo de
liberdade, têm um significado muito especial. Se o trabalho se torna
autodeterminado, autônomo e livre, e por isso dotado de sentido, será
também (e decisivamente) por meio da arte, da poesia, da pintura, da
literatura, da música, do uso autônomo do tempo livre e da liberdade
149
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
que o ser social poderá se humanizar e se emancipar em seu sentido
mais profundo (ANTUNES, 2001, p. 20).
Por fim, por meio do ato de trabalhar é possível que ex preso obtenha
certa estabilidade financeira, sinta se independente e produtivo, comportando
conforme as normas sociais e legais.
4 A PARTICIPAÇÃO DA EMPRESA NA RESSOCIALIZAÇÃO DE EX-PRESIDIÁRIOS
A omissão estatal na busca de políticas pública efetivas de soluções para
os problemas sociais que afligem a sociedade brasileira, faz surgir a “cidadania
empresarial”, a qual compreende que o papel da empresa não é apenas pagar
impostos e criar empregos, mas desenvolver ações para a implementação de
uma sociedade mais justa, solidária e igualitária.
Assim é a visão de Comparato, [...] a atuação mais marcante exercida pela
empresa atualmente diz respeito á sua influência na determinação do comportamento
de outras instituições e grupos sociais, há pouco tempo, permaneciam alheios ao
alcança da órbita empresarial (COMPARATO, 1985, p. 9).
Desse modo, a partir do envolvimento das empresas com os problemas
sociais, surge o termo “responsabilidade empresarial”, a qual corresponde a
uma recente etapa de maior conscientização do empresário no que diz respeito
as desigualdades sociais e ao seu potencial papel na resolução das mesmas,
principalmente em virtude da crescente falta de capacidade e de credibilidade
do Estado na busca da eliminação daqueles.
Assim, compartilha da mesma ideologia Arnoldi e Ribeiro:
[...] Até recentemente, o empresário brasileiro entendia que o
seu papel era apenas pagar impostos e criar empregos, e que seria
responsabilidade do Estado resolver os problemas sociais. Atualmente,
o empresário sabe que o Poder Público, em todas as esferas, mal
tem recursos para financiar sua pesada máquina administrativa
(ARNOLDI, 2002, p.217).
Desse modo, um dos traços mais evidentes do mundo do trabalho
é a crescente vocalização dos direitos das minorias. Nesse diapasão, a
responsabilidade social da empresa na reintegração social do ex presidiário no
mercado de trabalho, consiste num gesto voluntário do empresário em admitir
dentro do seu quadro de funcionários, aqueles que tiveram passagem pelo
sistema prisional.
Assim, dar oportunidade de trabalho para um ex presidiário, trata se
de uma forma da empresa contemporânea colaborar com o Estado na busca da
justiça social, ao invés de ficar esperando somente pelo poder público.
150
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Todavia, o processo de reintegração social de um ex presidiário não é
tão simples, como o ingresso de qualquer trabalhador no mercado de trabalho.
Além dos fatores de baixa escolaridade, falta de qualificação profissional, o
apenado tem em seu desfavor um estima social negativo de preconceito devido
ao passado criminoso.
Eros Grau, em sua lapidar construção a respeito do significado do
fundamento constitucional de “uma sociedade livre, justa e solidária”, acaba
por extrair a necessidade da participação da sociedade na reintegração social do
apenado. “[...] Solidária, a sociedade que não inimiza os homens entre si, que se
realiza no retorno, tanto quanto historicamente viável, à Geselschaft – a energia
que vem da densidade populacional fraternizando e não afastando os homens
uns dos outros (GRAU, 2011, p. 212).
O ex presidiário não é autossuficiente e depende do setor empresarial
para retornar ao mercado de trabalho e dando oportunidade de emprego
ao apenado, a empresa contemporânea estaria realizando a função social
empresarial.
Acolha-se os escritos de Canotilho:
[...] O empresariado brasileiro aparece nesses contextos como mais
um ator ativo em combate das desigualdades sociais no país. Assim
desenvolve seus negócios em meio às responsabilidades sociais. Criase uma consciência de cidadania, entre o empresariado e também
na população. Cabe salientar que essa filantropia é adaptada com
as vantagens e formas de lucro empresarial, ecoando um discurso
neoliberal que prioriza o individual contra a ineficiência do Estado
em solucionar os conflitos sociais. Cresce dessa maneira o elogio
e inserção ao terceiro setor. Os empresários juntamente com outras
organizações, contribuem para as políticas públicas, auxiliando uma
carente parcela da população (CANOTILHO, 1993, p. 82).
Ademais, o artigo 170 da constituição federal carrega em seu bojo
valores sociais às atividades empresariais. Sendo que a união entre Estado e
empresas tem como escopo auxiliar no processo de reintegração social do apenado
por meio do “ato de trabalhar”, possibilitando ao mesmo uma vida digna.
Assim, a empresa pode atuar na operacionalização da ressocialização
do apenado, mudando sua realidade extramuro com relação a oportunidade de
trabalho. Por sua vez, o ex-preso pretende vender sua força de trabalho em prol
de uma vida mais digna.
Conforme ensina Oliveira: “[...] Aquele que trabalha, trabalha porque
precisa trabalhar para prover o seu sustento e de seus dependentes. Trabalha por
151
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
conta de que o único bem a ser ‘vendido’ é a sua força de trabalho” (OLIVEIRA,
2011, p.15).
Do ponto de vista normativo, a Resolução n.º 08 de 12 de julho de
1994 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária nos conduz
a seguinte garantia legal: “Artigo 58. Os órgãos oficiais ou não, de apoio ao
egresso devem: II – ajudá-lo a reintegrar à vida em liberdade, em especial,
contribuindo para sua colocação no mercado de trabalho.”
Sobre o processo de reintegração social do ex presidiário temos
na legislação brasileira a Lei 7.210 de 1984 (Lei de Execução Penal) traz no
seu artigo primeiro o seguinte: “Execução penal tem por objetivo efetivar as
disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a
harmônica integração social do condenado e do internado”.
Entende-se por integração social, os sinônimos recuperação,
ressocialização, readaptação, reinserção, reeducação social e reabilitação,
fenômenos sociais que permitem aos apenados tornar-se útil a si mesmo, à
sua família e a sociedade. Desse modo, a Lei de Execução Penal garante aos
egressos, apoio e orientação para reintegrá-lo à vida em liberdade, conforme
reza o dispositivo legal abaixo:
Artigo 25: A assistência ao egresso consiste:
I - na orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade;
Il - na concessão, se necessário, de alojamento e alimentação, em
estabelecimento adequado, pelo prazo de 2 (dois) meses. (BRASIL.
Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984)
Todavia, apesar desse amplo rol legislativo de obrigação estatal na
reinserção social do apenado, a ineficácia é notória, haja vista, a alta taxa de
reincidência criminal dos egressos da prisão. Desse modo, deveria haver por
meio de políticas públicas, uma interação entre o Estado e empresa, com escopo
de promover a inclusão social do ex presidiário.
Nesse sentido aponta o jurista Mirabete:
[...] A ressocialização não pode ser conseguida numa instituição como
a prisão. Os centros de execução penal, as penitenciárias, tendem a
converter-se num microcosmo no qual se reproduzem e se agravam
as grandes contradições que existem no sistema social exterior [...]. A
pena privativa de liberdade não ressocializa, ao contrário, estigmatiza
o recluso, impedindo sua plena reincorporação ao meio social. A prisão
152
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
não cumpre a sua função ressocializadora. Serve como instrumento
para a manutenção da estrutura social de dominação. Sozinha a pena
não consegue reintegrar o indivíduo apenado, se faz pertinente a
junção de outros meio (MIRABETE, 2002, p. 73).
Nesse contexto, os presídios não fazem a recuperação dos presos,
estes costumam sair da prisão com deficiências no campo profissional e na área
comportamental.
Para resolver essa omissão estatal, o Estado vem oferecendo
benefícios fiscais às empresas contratantes de egresso do sistema prisional,
como alternativa de reaproximar a sociedade civil do ex apenado.
5 BENEFÍCIOS FISCAIS ÁS EMPRESAS NA CONTRATAÇÃO DE EGRESSOS DO
SISTEMA PRISIONAL
Tendo em vista que, cedo ou tarde, os presos são libertados e segundo
José Pastore, no livro “Trabalho Para Ex Infratores”, mensalmente saem dos
presídios cerca de dois mil infratores que cumpriram suas penas. Trata-se de ex
infratores que cumpriram suas penas e que voltam para o convívio da sociedade.
Todavia, existe o problema da reinserção desses ex presidiários no
mundo do trabalho, pois de modo geral, as empresas resistem em contratar um
ex detento, e não existe uma lei nacional que verse a respeito da temática. E
segundo Pastore:
[...] A resistência para oferecer trabalho ao ex detento decorre de
muitos fatores. As pessoas com passado criminal são tidas como
não confiáveis. São raras as mulheres, por exemplo, que se dispõem
a contratar uma ex presidiária como empregada doméstica ou como
babá (PASTORE, 2011, p.63).
Ademais, traçando um perfil dos ex presidiários, cerca de 96% são
homens; 95% são muito pobres; 65% são negros ou mulatos; 60% têm entre 18
e 30 anos; e apenas 26% trabalham nas prisões (JULIÃO, 2006).
Com relação aos presos que tiveram acesso a educação tem-se os
seguintes dados:
[...] Do ponto de vista educacional, 8% são analfabetos; 57% têm o
ensino fundamental incompleto; 12% completaram o fundamental;
10% têm o ensino médio incompleto; 7% completaram esse nível;
5% cursou a universidade sem chegar ao diploma; e 1% completou o
curso superior. (MJ, 2009)
153
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Desse modo pode se construir o seguinte gráfico do perfil educacional
dos infratores:
Gráfico - Perfil educacional dos infratores.
Fonte: Sistema Integrado de Informações Penitenciárias do Departamento
Nacional Penitenciário (2009)
Assim, com baixa escolaridade e sem qualificação profissional,
associado ao preconceito e medo dos empresários em contratar um ex-preso, os
desafios de reinserir ex-apenados tornam se mais difícil.
Focado nessa problemática nacional, desde o ano de 2010 tramita
no Congresso Nacional o projeto de lei n.º 70, de autoria da senadora Marisa
Serrano, o qual traz benefícios à empresa que contrate ex-apenados do sistema
prisional, tal como, dedução de encargos sociais. Assim, para melhor elucidar o
escopo do projeto de lei, segue a Ementa abaixo:
[...] Estabelece que a pessoa jurídica tributada com base no lucro real
poderá deduzir do imposto devido, em cada período de apuração, os
encargos sociais incidentes sobre a remuneração dos empregados
egressos do sistema prisional, durante os primeiros dois anos de
contratação, devidos à Previdência Social, ao Fundo de Garantia
do Tempo de Serviço (FGTS), ao salário-educação, às entidades
privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao
sistema sindical, ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma
154
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Agrária (INCRA) e ao seguro contra os riscos de acidente de trabalho
(BRASIL. Senado Federal. Projeto de lei nº 70/10).
Na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, o relator
do projeto senador Pedro Simon opinou a favor da proposta:
[...] Assim, justifica-se plenamente que o Poder Público subsidie
a empresa que colabore para possibilitar a reinserção do egresso
ao mercado de trabalho e contribua para diminuir os índices de
reincidência. Certamente o custo desse subsídio trará benefícios mais
que proporcionais – não apenas em termos puramente financeiros,
comparativamente à despesa que o estado tem com o prisioneiro – mas,
principalmente, em termos de pacificação social e de reconstrução de
famílias (SIMON, 2010).
Dentro dessa perspectiva de reintegração social por meio do trabalho,
faz se presente na Câmara dos Deputados o projeto de lei n. 7815 de 2010, de
autoria do Deputado Inocêncio Oliveira, que dispõe sobre incentivos fiscais para
as empresas que cooperarem na recuperação de presos e as reservas de vagas
para egressos nas obras licitadas em contratos com a administração pública. A
exposição de motivo do projeto de lei está fundamentada nos valores sociais do
trabalho e na livre iniciativa, conforme se segue abaixo:
[...] Ao estabelecer os valores sociais do trabalho como um dos pilares
do sistema constitucional brasileiro resta claro que a garantia do
exercício profissional, por um lado, é um acontecimento importante
para o desenvolvimento social e, de outro, se apresenta como bem
jurídico inerente à condição humana. O respeito aos valores sociais do
trabalho e à livre iniciativa como um dos fundamentos da democracia
brasileira, em sua repercussão para o âmbito do Direito Processual
Penal, garante ao acusado, e mesmo ao condenado, o direito de
exercer, dentro do possível, atividade profissional que lhe propicie
cooperar com o sustento de sua família ou mesmo a formação de
um pequeno fundo monetário a ser utilizado para satisfazer suas
necessidades futuras, principalmente para uso após a saída da prisão,
em razão do cumprimento da pena ou da concessão de livramento
condicional (BRASIL. Câmara. Projeto de lei nº 7.815/10).
Por outro lado, com relação aos projetos de lei acima, observa se que
o Projeto de Lei n. 7815/2010 de autoria do Deputado Inocêncio Oliveira foi
155
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
arquivado em 05/03/2012, conforme memorando n.º 8/12 da Coordenação de
Comissões Permanentes da Câmara dos Deputados. O Projeto de Lei n.º 70
de autoria da Senadora Marisa Serrano encontra se na Comissão de Assuntos
Econômicos do Senado desde 18/05/2011.
Enquanto isso, quando se consideram o custo de oportunidade e as
perdas de investimento, o crime consome cerca de 7,5% do PIB do Brasil.
(Apud SILVA FILHO, 2006)
A diminuição da criminalidade no Brasil é possível com a participação
das empresas na inserção de ex presidiários no mercado de trabalho, através
da contratação de sua mão de obra. Assim, para solucionar o problema social
da inclusão do apenado no mercado de trabalho, o Estado precisa promover
incentivos fiscais para as empresas, no objetivo de desenvolver parcerias na
contratação de ex presidiários.
Desse modo, preocupado com a modernização das leis trabalhistas, a
Confederação Nacional da Indústria – CNI desenvolveu as “101 Propostas para
Modernização Trabalhista”, onde consta a proposta de número 49, voltada para
os “Incentivos à contratação de egressos do sistema penitenciário”, conforme
descrição abaixo:
[...] Criação de um sistema de incentivos para que as empresas
contratem ex presidiários e presos em regimes abertos e semiabertos.
Os incentivos devem incluir pagamento pelo Estado, diretamente via
INSS, de parte do salário (50%, por exemplo, até o limite do teto da
Previdência), dos principais encargos sociais e dos gastos com sua
qualificação. A partir do segundo ano, as vantagens seriam reduzidas
de forma gradual (CASALI, 2012, p. 79).
Por outro lado, dentro da ótica responsabilidade social empresarial,
a contratação de empregado (ex presidiário) como forma de contribuição para
uma sociedade mais justa e solitária, é um ato voluntário do empresário, não
havendo uma obrigação estatal para que isso ocorra.
Logo, para incentivar tais contratações, cabe ao Estado estabelecer
políticas fiscais no escopo de incentivar as empresas a contratar ex apenados
do sistema prisional, fazendo com que o mesmo não retorne à vida do crime,
devido ao fato de não encontrar emprego após o cumprimento da pena.
A intervenção da empresa na reintegração do ex apenado, visa contribuir
de forma efetiva para diminuição da violência. Segundo o Instituto Ethos:
[...] Mais de 85% de todos os crimes praticados no Brasil são contra o
patrimônio — furtos e roubos — e, destes, outros 85% são praticados
contra pessoas jurídicas, e não contra pessoas físicas. Crimes de
156
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
sequestro — exceto os chamados sequestros-relâmpagos —, ainda
que vitimem pessoas físicas, na maior parte das vezes têm como alvo
as empresas a que estão ligadas as vítimas. As razões pelas quais as
empresas podem e devem investir em política criminal e penitenciária
não são mais de natureza filantrópica. São, fundamentalmente, razões
de sobrevivência a longo prazo. Os sonhos, projetos e ambições
realizáveis por meio do trabalho e da ascensão gradativa na carreira
profissional estão hoje comprometidos em função da violência e da
criminalidade (SILVA, 2001).
Para estabelecer uma parceira entre poder público e empresa, com o
escopo de promover a inclusão do ex apenado no mercado de trabalho, o governo
federal por meio do Conselho Nacional de Justiça e o Supremo Tribunal Federal
desenvolveram o Projeto “Começar de Novo” lançado em 2009, tendo como
objetivo a reinserção de ex presos no mercado de trabalho, implementando uma
série de medidas para dar mais efetividade às Leis de Execução Penal e mudar
a realidade da situação prisional no país.
O programa visa à sensibilização de órgãos públicos e da sociedade
civil para que forneçam postos de trabalho e cursos de capacitação profissional
para presos e egressos do sistema carcerário. O objetivo do programa é
promover a cidadania e conse­quentemente diminuir a reincidência de crimes. A
Integração é a pedra angular do programa. A articulação de parcerias no se­tor
público e na iniciativa privada é a principal ferramenta de trabalho.
Para tanto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou o Portal de
Oportunidades. Trata-se de página na internet que reúne as vagas de trabalho e
cursos de capaci­tação oferecidos para presos e egressos do sistema carcerário.
As oportunidades são oferecidas tanto por instituições públicas quanto por
entidades privadas, que são responsáveis por atualizar o Portal. A “Cartilha do
Empregador” desenvolvida pelo CNJ explica o funcionamento do programa:
[...] O Programa funciona com as empresas e instituições disponibilizando
vagas no Portal de Oportunidades existente no site do CNJ. Os
Tribunais de Justiça indicam ao CNJ algum responsável (magistrado,
servidor ou outro) que fará a interme­diação entre o candidato e a vaga.
Esse responsável é o contato, que realizará a seleção de candidatos
e encaminhará às empresas e instituições empregadoras. O preso ou
egresso interessado em uma oferta de emprego ou curso acessa o Portal
e consulta se há uma vaga na qual se enquadra. Em caso positivo, entrará
em contato direto com o responsável indicado pelo Tribunal. Jamais o
interessado irá diretamente à instituição empregadora (CNJ, 2009).
157
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Os convênios assinados estabelecem compromissos às empresas e
as instituições descritas acima, de contratar os egressos do sistema prisional
encaminhados pelo Tribunal.
6 A CONTRATAÇÃO DE EX-PRESIDIÁRIOS PELO SETOR DE CONSTRUÇÃO CIVIL
COMO AÇÃO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL – COPA DO
MUNDO DE 2014
A construção civil e a indústria são os setores que mais absorvem
trabalhadores egressos do sistema penal. A quantidade de prédios, casas
e estradas em construção no Brasil favorece o emprego de ex detentos pela
construção civil. Nesse sentido, devido à realização da copa do mundo de 2014
no país, há necessidade de ampliar aeroportos e estágios de futebol para que
reúnam condições de sediar a competição.
Desse modo, com fulcro no projeto “Começar de Novo” do CNJ, foi
desenvolvido um programa em que as empresas vencedoras das licitações das
obras de infraestrutura e serviços são obrigadas a disponibilizar um percentual de
5% (cinco por cento) das vagas àqueles participantes do projeto que trabalharão
nos canteiros de obras das construções.
Segundo o Termo de Acordo de Cooperação Técnica n. 1, realizado
entre o CNJ e a FIFA, os presidiários que integrarem o programa receberão
uma Bolsa Ressocialização, cujo valor aproximado corresponde a um salário
mínimo, além de auxílios para alimentação e transporte.
Por exemplo, no Estado do Ceará, para construção do estádio Arena
Castelão, em Fortaleza, local que vai sediar a Copa do Mundo de 2014, teve a
participação de ex-presos. Devido essa iniciativa, o governo do estado do Ceará
planeja incluir egressos do sistema prisional nas obras do Centro Olímpico do
Ceará e na construção de unidades habitacionais em curso na capital (CNJ, 2013).
Por isso, nos editais de licitação das obras e serviços, e respectivos
contratos, a exigência estará prevista. Os editais de reforma e ampliação de
estádios já con­templam cláusula com a obrigatoriedade.
De acordo com a Lei de Execução Penal Brasileira (artigo 7º), a
classificação para o trabalho atenderá às capacidades física e intelectual e à aptidão
profissional do sentenciado. Somente serão admitidos ao trabalho externo os
assistidos que forem considerados aptos pela Comissão Técnica de Classificação,
segundo critérios de personalidade, antecedentes e grau de recuperação, sem
prejuízo do processo seletivo a cargo de cada empresa con­tratante.
O fundamento do programa não está somente na redução da
reincidência penal, mas na erradicação da marginalização e a promoção do bem
de ex detentos, fundamentos constitucionais da República.
158
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Assim, enfatiza Reale Júnior: “[...] A maneira de a sociedade se
defender da reincidência é acolher o condenado, não mais como autor de um
delito, mas na sua condição inafastável de pessoa humana” (REALE JÚNIOR,
1983, p.88).
Portanto, é possível por meio do futebol, sensibilizar os empresários
quanto a importância de reintegrar ex presidiários na sociedade e no mundo
do trabalho. Ademais, a eficácia do programa do CNJ é devidamente
comprovada pelas 688 contratações de ex detentos até o momento nas obras
da Copa do Mundo.
Seguindo o exemplo de contratação de ex presidiários na construção
de obras ligadas à Copa do Mundo de 2014, alguns clubes de futebol passaram a
abrir vagas para ex infratores nos trabalhos de zeladoria, limpeza e conservação
e manutenção dos prédios de sua sede social, - sendo que os primeiros casos
foram do Santos Futebol Clube e do Sport Club Corinthians Paulista.
Além dessas, outras iniciativas começaram a se multiplicar depois de
lançado o “Projeto Começar de Novo”, no objetivo de viabilizar a reintegração
social do preso e promover uma aproximação entre ele e a sociedade.
É o caso das cooperativas de trabalho. Elas mantêm vínculos com a
prefeitura local e com órgão governamentais que encaminha os presos para as
cooperativas.
No Estado de São Paulo tem se a Fundação Prof. Dr. Manoel
Pedro Pimentel – FUNAP, subordinada á Secretaria de Administração
Penitenciária do Governo do Estado de São Paulo, a qual dedica – se
fundamentalmente à educação e treinamento profissional dos presos. A
FUNAP faz a seleção e encaminha presos para as cooperativas de trabalho.
A cooperativa focaliza as profissões que melhor se ajustam ao nível
educacional dos egressos: pedreiro, costureira, cabeleireira, conservação
e limpeza, jardinagem, manejo de materiais.
Pastore descreve o papel da FUNAP:
[...] Dentre os 165 mil presos existentes no Estado de São Paulo em
2010, a entidade atendeu a cerca de 40 mil. O principal trabalho
é a preparação dos presos para sair dos presídios. As empresas
parceiras assinam com a Fundação um Termo de Contrato Coletivo,
no qual se estabelecem o número de presos atendidos, as atividades
e as responsabilidades de cada parceiro. As empresas pagam os
custos da parceria, a saber, um salário mínimo para cada preso e as
despesas com alimentação, seguro de vida, transporte e mais uma
taxa de administração para a FUNAP – sem nenhum encargo social
(PASTORE, 2011, p. 130).
159
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Apesar de todos esses esforços de reintegrar o preso à sociedade, não
existe no Brasil uma estatística de quantos presos realmente se reabilitaram
após sair do cárcere. Todavia, a FUNAP realiza pesquisas sobre os detentos,
que visam melhorar o conhecimento a respeito de sua problemática. Segundo a
FUNAP os presos se classificam da seguinte maneira:
[...] cerca de 35% abandonaram a idéia do crime e estão convencidos
de que irão se recuperar por meio do trabalho produtivo; cerca de 33%
ainda se prendem ao mundo do crime, sonhando com as gratificações
rápidas que vêm no furto, roubo e outros delitos; em torno de 13%
estão os que desenvolveram boa sociabilidade, fazendo muitos
amigos, mas continuam mentalmente ligados aos ilícitos, não tendo
muito interesse em sair dessa situação, 13% são presos astutos que
exercem posição de liderança no grupo e continuam muito ligados
ao mundo do crime; finalmente 6% dos presos são dominados pelas
drogas (PASTORE, 2011, p. 131).
Todavia, é possível aumentar as chances de recuperação e reintegração
social do preso por meio do trabalho, a partir de medidas adequadas dotadas
dentro e fora dos presídios, as quais incluem aconselhamento, treinamento e
apoio familiar. Expõe Alvino Augusto de Sá:
[...] a reintegração social do preso só será viável mediante a
participação efetiva, tecnicamente planejada e assistida, da sociedade,
da comunidade. Existem, sem dúvida, os casos que estariam a
demandar um atendimento propriamente clínico, sob forma de do que
comumente se chama de tratamento (SÁ, 1998, p. 118).
7 CONCLUSÃO
As empresas brasileiras e as multinacionais instaladas no
Brasil devem seguir o modelo econômico constitucional nacional que é
fundamentado dentre outros, no princípio da livre iniciativa, valorização do
trabalho e dignidade humana.
Nesse contexto, as empresas não devem somente buscar aferir lucros,
dentro de um capitalismo sem precedentes, pelo contrário, as organizações
empresariais devem participar nas soluções dos problemas sociais.
A efetivação da ideologia responsabilidade empresarial, pode ser
construída pela oferta de trabalho digno ao ex presidiário, restabelecendo um
ambiente de inclusão social.
160
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Por outro lado, não existe no país um controle para saber quantos ex
apenados são reintegrados no mercado de trabalho pela participação empresarial
e quantos efetivamente retornam para o cárcere.
O certo é que a omissão estatal em não cumprir com a lei de execução
penal em relação aos direitos do preso de ser reintegrado socialmente pelo
trabalho e o preconceito da sociedade em não dar uma oportunidade de
emprego para um ex preso, contribuem para o aumento da reincidência, pois
sem trabalho, o ex preso é excluído, o que aumenta suas chances de voltar para
o mundo do crime.
Observa se que o trabalho é um instrumento que ajuda o ex - preso a
recuperar sua autoestima e sua valorização enquanto ser humano, dentro de sua
comunidade.
No entanto, oferecer trabalho ao ex presidiário não é colocá-lo para
fazer serviços que ninguém queira executar, ou fazê-lo praticar serviços em
condições inadequadas e desumanas.
Algumas iniciativas estão sendo tomadas de forma a aproximar
empresas e Estado, em prol da contratação de egressos do sistema prisional, cite
se como exemplo o Conselho Nacional de Justiça que desenvolveu o projeto
“Começar de Novo”, que tem como fulcro a reinserção de ex apenados no
mercado de trabalho por meio da participação empresarial.
No Brasil não existe uma legislação federal voltada para a viabilização
de oportunidades de emprego para aqueles que passaram pelo sistema prisional.
Todavia, alguns parlamentares vêm apresentando no Congresso
Nacional Brasileiro projetos que ao mesmo tempo em que obrigam, motivam
instituições empresariais a contratar egressos. Cite como exemplo, o projeto
de lei n.º 70/10 e o projeto de n.º 7815 de 2010, que estabelecem reduções de
encargos sociais e vantagem fiscais as empresas contratantes de egressos do
sistema penal. Todos estes projetos obrigam as empresas que realizam parcerias
com a União a contratarem egressos do sistema penitenciário.
Um resultado que está dando certo, é a parceira União e Empresa,
no que se refere à construção e reformas de estágios para a Copa do Mundo
de 2014, onde a mão de obra de ex presidiários está sendo empregada, como
requisito para a participação nas licitações.
Tais parcerias publico-privado é uma alternativa para aqueles que
deixam os presídios diariamente, e querem mudar de estilo de vida, mantendo
a distância das influências negativas e das oportunidades para comportamentos
criminosos.
161
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
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165
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
NOVOS PARADIGMAS DE SUBORDINAÇÃO NA RELAÇÃO DE EMPREGO
NEW PARADIGMS SUBORDINATION IN THE EMPLOYMENT
RELATIONSHIP
Flávia Francovig Menegazzo12
Lourival José de Oliveira13
RESUMO
A sociedade pós-industrial inseriu novos parâmetros no modo de
produção e a subordinação, como principal elemento ensejador do vínculo
empregatício, não se quedou imune a tão evidente mudança. O critério clássico,
tal qual fora concebido, passou a mostrar-se insuficiente à consecução dos
princípios protetivos basilares do Direito do Trabalho. Criou-se entãocaminhos
paralelos à subordinação, terceiros gêneros, tal qual a parassubordinação ou
novas nuances da subordinação, como por exemplo, a subordinação objetiva
ou estrutural e a subordinação integrativa. O presente estudo demonstrou que a
releitura do conceito de subordinação pode ser realizada pela via interpretativojurisprudencial. É o que se tem feito através da aplicação da teoria da
subordinação estrutural, que parte do princípio que é a atividade do obreiro
que é passível da subordinação. Contatou-se que a aplicação da subordinação
estrutural não é pacífica na doutrina e na jurisprudência, vez que não é prevista
por lei. Como conclusão final, a aplicação da subordinação estrutural representa
a essência da valorização do trabalho humano, considerando as mudanças na
forma de produção e nas relações empresariais. Utilizou-se o método dedutivo,
com pesquisas bibliográficas e jurisprudenciais.
Palavras-Chave: Direito do trabalho. Subordinação. Relação de emprego.
ABSTRACT
New production mode parameters as well as subordination methods
were included in the modern society, since this aspect, as traditional as it was
developed, has turned out to be to be insufficient to the labor law principles to
Bacharel em Direito; endereço: [email protected]
Doutor em Direito das Relações Sociais. Docente do Curso de Graduação em Direito
da Universidade Estadual de Londrina; Docente do Programa de Mestrado em Direito da
Universidade de Marília; Coordenador de Curso e Docente do Curso de Graduação em Direito da
FACCAR; advogado; endereço: [email protected]
12
13
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
work out successfully on the daily basis employee and employer relationship.
Therefore, new subordination types were constructed, such as the parasubordination, the structural subordination and the integrative subordination. The
research has demonstrated that the rereading of the concept of subordination
can be performed by interpretive - judicial means. It is what has been done
by applying the theory of structural. Although, such new teories application
still not peaceful. Finally, the development of such interesting and challenging
theories represents the essence of exploitation of human labor considering the
changes in production and in business relationships . The research was taken
regarding the deductive method.
Key words: Employment. Subordination. Employment relationship.
1 INTRODUÇÃO
A ótica capitalista alterou o sentido do trabalho humano. A
modernização tecnológica alterou os paradigmas de produção, possibilitando
novos parâmetros de competividade entre as empresas e as relações de trabalho
não se quedaram imunes a tais transformações.
Pari passu às mutações no gênero “relação laboral”, a subordinação,
como elemento principal caracterizador de tal relação, vem enfrentando novas
fronteiras uma vez que seus critérios, se observados através da tradicional
contraposição com o elemento da autonomia, não são mais suficientes à proteção
de todas as formas de relação de trabalho.
No cenário atual brasileiro, visto que a Consolidação das Leis do
Trabalho, datada de 1943, foi gerada tendo como parâmetro a realidade do
trabalho à época, podendo afirmar que atualmente existe uma carência de
normatização das novas tipologias de relação de emprego. Logo, ao analisar
o caso in concreto resultante de uma relação de trabalho, o magistrado se
depara com uma legislação obsoleta, a qual faz “vistas grossas” à situação dos
trabalhadores que não mais se encaixam na rigidez classificatória da legislação
a respeito do trabalho subordinado ou autônomo.
Dessa forma, além da tutela jurídica não se amoldar de forma
adequada ao caso prático, fenômenos até então legitimados pela prática e
pelo ordenamento jurídico, tais quais a terceirização, o trabalho à distância
e os grandes conglomerados empresariais, passam a se tornar evidentes
oportunidades de subterfúgio à proteção justrabalhista, vez que as relação
empregatícias que reúnem se dão através de uma subordinação mitigada, tênue
e algumas vezes quase imprevisível, totalmente oposta à subordinação clássica,
fundada na relação de sujeição do empregado ao empregador mediante o
exercício do poder diretivo presencial e constante.
167
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
A doutrina italiana criou um terceiro gênero entre o trabalho
subordinado e o trabalho autônomo, qual seja o trabalho parassubordinado a
fim de ao menos estender uma tutela mínima de direitos, podendo ser afirmado
que se trata de um exemplo clássico de precarização das relações de trabalho.
Diante desse contexto pós-moderno, a teoria da subordinação
estrutural ainda que recente e sem previsão legal, busca complementar a ideia
clássica de subordinação, analisando se a subordinação incide sobre a pessoa
do trabalhador ou sobre a atividade laboral e será subordinado aquele que presta
atividade imprescindível à existência do empreendimento.
Assim, situações de fraude à relação de emprego disseminadas hoje
via terceirização, via “pejotização” poderão ser evitadas? Como é possível a
subordinação no teletrabalho, enquanto fazendo parte de um conglomerado
empresarial, sem uma relação direta com determinada empresa, se este é prestado
fora do ambiente físico da empresa ou até fora do espaço territorial nacional? A
subordinação estrutural alcança os trabalhadores das empresas-rede?
Para poder responder aos questionamentos apresentados e outros que
se desenvolverão no decorrer deste trabalho. Partiu-se do estudo dos princípios
basilares ao Direito do Trabalho e dos princípios da livre iniciativa e do valor
social do trabalho, analisando-se a dialética entre trabalho e economia e a
função protetiva do ramo jurídico juslaboral por meio dos princípios.
Após, foi abordada a evolução histórica do trabalho subordinado,
desde a sociedade pré-industrial até a sociedade pós-industrial para, em seguida,
analisar os pressupostos da relação de emprego, dentre eles a subordinação,
onde se discorreu sobre a dependência e a alteridade na formação do critério da
subordinação, bem como se analisou a sua concepção clássica.
Na sequência, abordou-se a aplicabilidade do critério clássico de
subordinação jurídica nas formas de labor pós-modernas e em decorrência
disso, as formas paralelas ao trabalho subordinado e ao autônomo.
Por fim, foram estudadas as propostas de novas nuances da
subordinação jurídica, dentre elas a subordinação estrutural, oportunidade em
que foi abordada sua aplicabilidade em relação à terceirização, ao teletrabalho,
em sua maior amplitude, e às empresas-rede.
Quanto à metodologia, fez-se necessário recorrer-se ao método
dedutivo, com pesquisas bibliográficas e jurisprudenciais.
2 OS NOVOS PARADIGMAS DE SUBORDINAÇÃO
2.1 A VISÃO TRADICIONAL E AS NOVAS FORMAS DE CONTRATAÇÃO
Ainda que os processos de produção tenham evoluído e juntamente
a eles o modelo de organização empresarial, a concepção tradicional de
subordinação não foi substituída. Persiste e se faz eficaz nos casos em que
168
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
a detenção dos meios de produção bem como a superioridade técnica para
a execução do trabalho remanescem nas mãos do empregador, tornando a
submissão do trabalhador ao poder empregatício algo inerente à exploração da
atividade econômica.
Basta analisar os trabalhadores manuais ou aqueles que laboram
em uma cadeia produtiva fragmentada, como uma montadora de automóveis.
Em tais situações, o empregado apenas segue as orientações do seu superior
hierárquico, uma vez que não possui know how suficiente para o desempenho
da atividade.
No trabalho intelectual, ao contrário, frequentemente, nem sempre,
a dependência técnica é mitigada – prevalece a dependência técnica invertida
(apud FRAGA, 2013, p11.) – caso em que a inserção do trabalhador na
organização empresarial é suficiente à caracterização da subordinação objetiva
ou estrutural.
Embora as formas de trabalho subordinado clássico persistam hoje
– não havendo que se falar em crise do conceito, portanto – deixaram de ser
dominantes, revelando-se como apenas mais uma entre as várias situações
juslaborais, quais sejam, trabalho a domicílio, a distância ou teletrabalho, além
de formas de trabalho atípico juridicamente autônomas. Dessa forma, o desafio
não reside em quantificar novas formas laborais, mas sim em fazer com que o
ordenamento jurídico seja extensível à elas.
Segundo Barros o conteúdo diversificado de determinadas relações
laborais leva à dificuldade de se enxergar a subordinação, o que resulta nas
perigosas zonas cinzentas ou “grises”, “habitadas por trabalhadores que
tanto poderão ser enquadrados como empregados quanto como autônomos”
e, portanto alheios à proteção juslaboral. “Tem-se um sistema inócuo que,
apesar de provido de extensa legislação e direitos consagrados inclusive na
Constituição Federal, não tutela o sujeito do trabalhador”. (BARROS apud
Fraga, 2013, p.11)
Como visto, a dicotomia entre trabalho autônomo e trabalho
subordinado é de fato cada vez mais estreita e nebulosa, o que incentiva a
doutrina a buscar adaptações, ou seja, a criar novos modelos para disciplinar as
transformações operadas nas modalidades de trabalho. Assim é que é sugerido
um modelo intermediário entre o trabalha subordinado e o trabalho autônomo,
qual seja o trabalho parassubordinado ou coordenado.
Na realidade brasileira a doutrina é incipiente na matéria. Os
magistrados – a fim de evitarem a precarização da relação de trabalho – se
valem de princípios tal qual o da primazia da realidade, para reconhecerem o
vínculo de emprego no caso em concreto, pouco importando o nome conferido
pelas partes à relação contratual.
169
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Com este entendimento é que comunga Lorena Vasconcellos Porto
(2010, p. 219.), ao defender a não necessidade da intervenção do legislador para a
ampliação do conceito de subordinação. Para ela, a melhor alternativa se dá através
da via interpretativo-jurisprudencial, a qual possibilita uma constante adaptação
do conceito às mudanças ocorridas na realidade, “Mesmo sem alteração do texto
legal, pode ser conferida uma nova interpretação às suas normas pelos juízes, aos
quais cabe qualificar as relações de trabalho nos casos concretos”.
Ainda que a ampliação via interpretação jurisprudencial seja possível
e desejável, autores como Nelson Mannrich (2010, p. 219.) defendem a urgente
reforma da Consolidação da Legislação Trabalhista (1943) – criada com base
na realidade à época – a fim de que se possa se enxergar o vínculo de emprego
em relações que vão além da dicotomia do trabalho “autônomo x subordinado”,
para somente assim evitar o tratamento desigual pela jurisprudência a casos
idênticos, “enquanto não houver uma legislação regulando as novas formas de
trabalho é natural que haja resistência de alguns operadores do direito, como
juízes e auditores fiscais do trabalho, que permanecerão aplicando regras
antigas a novos cenários”.
Tal situação de restrição legislativa além de ser um grande desafio a
ser enfrentado pelos magistrados quando da subsunção dos fatos às normas,
oportuniza as subcontratações, a flexibilização dos direitos trabalhistas, a
“pejotização” e a terceirização, fenômenos e fatores cada vez mais valiosos
às empresas na busca interminável da redução de custos e sobrevivência no
mercado competitivo.
Segundo a autora, a jurisprudência acerca da terceirização lícita descrita
na Súmula n. 331, III do TST ao assegurar a não formação de vínculo de emprego
com o tomador de serviços em atividade-meio também oportuniza a precarização
do trabalho, devendo o fenômeno ser enxergado pela ótica da subordinação
estrutural a fim de incluir tal categoria no âmbito da proteção juslaboral.
Para não abandonar os trabalhadores pós-modernos à sua própria sorte
na espera de uma legislação adequada, é que se busca a releitura da subordinação
jurídica. A doutrina italiana criou como uma nova nuance a parassubordinação.
No Brasil ainda que a atuação doutrinária seja incipiente, doutrinadores como
Mauricio Godinho Delgado e Paulo Emilio Ribeiro Vilhena buscaram a
readequação do conceito e criaram teorias da qual a jurisprudência já vem se
valendo para enfrentar a problemática. É do que tratará o estudo adiante.
3 NOVAS NUANCES DA SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
3.1 SUBORDINAÇÃO OBJETIVA
Que o modelo toyotista de produção, herança da terceira revolução
industrial trouxe outra tônica ao trabalho é indiscutível. Calcadas na fragmentação
170
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
do modo de produção e na especialização da mão-de-obra, empresas passaram
a confiar à horizontalidade– terceirização e subcontratação de seus setores de
produção – a sobrevivência no mercado competitivo e globalizado.
Neste rumo, as inovações tecnológicas e a multiplicação de formas
laborais afetaram de modo incisivo a estrutura do comando interno empresarial
fazendo com que a prestação de mão-de-obra, mais qualificada e versátil,
tornasse a administração centralizada e piramidal, dos tempos do fordismotaylorismo, desnecessária e ultrapassada.
O nascimento de uma nova modalidade de empregado “de alto
padrão intelectual e com amplo ‘know how’ (PORTO, 2010, p. 227.), tornou
a supervisão de um superior hierárquico dispensável. Se antes o sinalagma no
contrato de trabalho correspondia ao binômio ordem-subordinação, no contexto
contemporâneo se traduz em colaboração-dependência, reflexo da conjugação
de esforços entre empregado e empregador para se atingir um fim comum, qual
seja, segundo Rodrigues, a sobrevivência da empresa no mercado globalizado.
Uma vez que tais mudanças se tornaram demasiado evidentes,
a doutrina lançou mão de novas teorias na tentativa de adaptar o critério da
subordinação – insuficiente (SAYÃO, 1979, p. 79.) – à realidade do contexto
pós-moderno de organização empresarial.
Verificou-se segundo Porto (PORTO, op. cit., p. 214.), uma tendência
em substituir a noção única de subordinação – clássica – por subordinações
diferenciadas, de modo a “não mais incidir em relação à intensidade da
subordinação, pois esta muitas vezes é imperceptível, mas sim na debilidade
contratual do trabalhador [...] mesmo que este não esteja sob às ordens diretas
de quem o contratou”.
Sendo assim, foi criada a noção de subordinação objetiva, através
da qual se propôs encarar a subordinação não pelo critério de intensidade dos
comandos empresariais sob a pessoa do trabalhador, mas sim pela integração da
atividade laborativa aos fins da empresa por intermédio do vínculo contratual.
Paulo Ribeiro Vilhena (VILHENA, 1999 apud PORTO, 2010, p. 217) introdutor
de tal conceito na doutrina brasileira expõe com propriedade a definição:
[...] uma relação de coordenação ou de participação integrativa ou
colaborativa, através da qual a atividade do trabalhador como que
segue, em linhas harmônicas, a atividade da empresa, dela recebendo
o influxo próprio ou remoto de seus movimentos.
Assevera Cadidé (2010, p.572) que a inclusão de obreiros
marginalizados pela subcontratação e pela terceirização e por outras formas
informais e precárias de labor, se faz possível via constatação da subordinação
objetiva no caso concreto:
171
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Ela (subordinação objetiva) se revela pela circunstância do
trabalhador se inserir nos fins do empreendimento, mesmo não sendo
atividade-fim (...), não recebendo necessariamente ordens, mas pela
circunstância social diária esse trabalhador de ingressar na estrutura
e funcionamento empresarial, ao comando implícito das ordens da
empresa diuturnamente.
De acordo com Godinho (DELGADO, 2006, p. 667.) os conceitos
de subordinação jurídica clássico, de subordinação objetiva e de subordinação
integrativa ou estrutural não se excluem, mas se completam com harmonia.
Como construtor da teoria da subordinação estrutural, o doutrinador observa
que a noção de subordinação objetiva, embora louvável, é por demais ampla,
pois engloba sem distinção todos os colaboradores que, de forma contínua
e autônoma, estão incorporados ao cumprimento da atividade econômica
explorada pela empresa:
Tal noção, de fato, mostrava-se incapaz de diferenciar, em distintas
situações práticas, entre o real trabalho autônomo e o labor subordinado,
principalmente quando a prestação de serviços realizava-se fora da
planta empresarial, mesmo que relevante para a dinâmica e fins da
empresa.
Para evitar tal falha da noção de subordinação objetiva, Porto (2010,
p. 238), assim como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), propõe a
análise conjunta do critério em tela com os critérios que excluem a autonomia,
os quais, uma vez presentes e conjugados com a noção de subordinação objetiva,
dão azo à configuração da subordinação integrativa ou estrutural.
Considerando a realidade do ordenamento jurídico brasileiro, Godinho
propõe, portanto, a conjugação das três dimensões da subordinação – clássica,
objetiva e estrutural – e destaca o papel da doutrina, da jurisprudência e do
legislador para uma leitura moderna e renovada do fenômeno da subordinação.
Para ele, a Lei n.12.551 de 15.12.2011 que conferiu nova redação ao
caput do artigo 6° da CLT e lhe agregou um novo parágrafo único, é exemplo
de tal conjugação, pois incorporou ainda que implicitamente, os conceitos de
subordinação objetiva e subordinação estrutural, permitindo a inclusão do
teletrabalho, exemplo das novas faces da subordinação.
Enfim, o método mais racional de se verificar a subordinação segundo
Porto (2010, p.238) é verificar se subordinação em sua dimensão tradicional
se faz presente no caso concreto. Se não, parte-se à análise de sua dimensão
integrativa. Presente uma das duas dimensões estará configurada a subordinação.
172
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Dessa forma, não é cabível afirmar que o critério da subordinação
encontra-se em crise ante as novas tipologias de trabalho – teletrabalho e
terceirização, por exemplo – como vem sido afirmado por parte da doutrina.
Ela sempre estará presente, já que inerente ao contrato de trabalho. São os seus
critérios que adquiriram nova roupagem, gerando novas “subordinações”.
3.2 SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL
Conforme elucida Cadidé (2010, p. 572.), vive-se hoje o sistema
ohnista – modelo toyotista – em que empresas horizontalizadas terceirizam
a maior parte da produção. Em tal contexto permeado pela gestão flexível,
predominam as relações de trabalho embasadas no binômio colaboraçãodependência, mais compatíveis com a concepção estruturalista de subordinação,
“Na verdade, através da subordinação estrutural cria-se um novo tipo de tempo
que confere poder e riqueza a alguns, é um direito protetivo que trouxe a marca
democrática da sociedade humana e da inclusão social”.
Como Valdete Souto Severo (apud FRAGA, 2013, p. 14) justifica,
o indivíduo ao prestar o trabalho expende horas de vida, gasta neurônios,
envelhece e vive. Por conta disso, sua condição humana na terra se subordina
a uma finalidade menor – em termos de objetivo de existência humana – a
diretamente ligada ao lucro:
Se enquanto trabalha, o homem – em sua condição de ser humano –
está submetido a uma estrutura de organização empresarial destinada a
um objetivo, do qual o trabalho por ele prestado faz parte, juntamente
com todos os outros elementos da empresa, está-se diante de uma
relação de trabalho subordinado.
Partindo do estudo sobre a ampliação do campo de incidência do
Direito do Trabalho, “via mais eficiente e factível para o avanço dos direitos
fundamentais” – a teoria da subordinação estrutural, que tem como principal
defensor Maurício Godinho Delgado, busca o enquadramento dos trabalhadores
marginalizados pelo conceito clássico de subordinação para assim combater a
fraude à relação de emprego o movimento de redução progressista de direitos
trabalhistas.
Como analisado em tópico anterior, a visão estruturalista desenvolvida
por Godinho busca a readequação não somente da noção clássica de subordinação,
mas também a do conceito de subordinação objetiva, a qual, como defende o
juslaboralista, não se consolidou na área jurídica vez que, em que pese a linha ser
por demais tênue, abrangeria trabalhadores tipicamente autônomos.
173
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Como leciona Maurício Godinho Delgado (2013, p. 667.), a
subordinação estrutural consiste naquela “subordinação que se manifesta pela
inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de serviços, independentemente
de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente sua
dinâmica de organização e funcionamento”.
Há que se fazer uma breve correção do conceito, pois não é a pessoa
do obreiro que é inserida na organização empresarial e sim a atividade por
ela desempenhada, aí abrangidos o trabalho a domicilio e do teletrabalho. A
subordinação atua, como elucida o próprio autor, sobre o modo de realização
da prestação e não sobre a pessoa do trabalhador. Neste sentido, destaca Arion
Sayão Romita (1979, p. 81.) a objetividade da concepção:
A subordinação gravita em torno da atividade. Exercita-se, porém,
sobre os comportamentos de recíproca expressão, que se definem pela
integração da atividade do empregado na organização empresarial. É
certo que a própria pessoa do trabalhador está envolvida na relação de
trabalho, mas é a atividade do empregado que se insere na organização
da empresa. A relação de trabalho, caracterizada pela subordinação,
é uma relação intersubjetiva (por isso não isenta de conotações
pessoais), mas o vínculo de subordinação é de ordem objetiva, pois
visa à atividade do empregado.
Sendo assim, a teoria da subordinação estrutural parte do mesmo
patamar conceitual que a teoria da subordinação objetiva desenvolvida por
Arion Sayão Romita e Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena. Na exegese de Delgado
(2013, p. 667) a diferenciação consistiria na inserção da atividade nos fins do
empreendimento:
A subordinação objetiva, ao invés de se manifestar pela intensidade
de comandos empresariais sobre o trabalhador (conceito clássico),
despontaria da simples integração da atividade laborativa obreira nos
fins da empresa. Com isso reduzia-se a relevância da intensidade de
ordens, substituindo o critério pela ideia de integração aos objetivos
empresariais.
Contudo, defende Arion Sayão Romita (1979, p.88) que a configuração
da subordinação objetiva não está necessariamente relacionada a essa inserção
da atividade do obreiro nos objetivos da empresa. Ao conceitua-la, o autor
deixa expresso que se trata de uma integração da atividade na organização da
empresa pactuada contratualmente, em virtude do qual o empregado aceita as
determinações do empregador sobre as modalidades de prestação de trabalho.
174
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Sendo assim, por mais que a integração da atividade do obreiro na
estrutura empresarial se dê para a consecução dos fins da empresa e seja, portanto,
interessante para a organização técnica e funcional do empreendimento, tal
inserção pode se dar por mera vontade do empregador e não por exigência
para a consecução dos fins empresariais. Daí porque a subordinação objetiva
comungar dos mesmos fundamentos da subordinação estrutural: a integração
da atividade do trabalhador na estrutura da empresa.
Embora o reconhecimento da relação empregatícia via constatação
da subordinação estrutural nos casos concretos seja a postura adotada por um
número já considerável de decisões judiciais tal nuance da subordinação parece
ser vista, ainda, pela maioria dos julgadores, como um tentativa de flexibilização
um tanto frágil, “os clássicos requisitos do artigo 3° da CLT continuam sendo
basilares na grande maioria das decisões (RODRIGUES, p.17, 2004).
Alice Monteiro de Barros (2010, p. 285.) explica a fragilidade da
noção de subordinação estrutural. Segundo ela, a integração do trabalhador
na organização empresarial não é suficiente para determinar a existência de
um contrato de emprego, justamente porque isso poderia determinar também o
trabalho autônomo. Por isso, “o juiz deverá recorrer a critérios complementares
para aferir os elementos essenciais da subordinação”.
Cumpre, pois, ao julgador após constada a subordinação estrutural
no caso concreto, proceder a uma análise excludente dos requisitos do
trabalho autônomo. A “base desse procedimento está na doutrina espanhola,
a qual traz a noção do termo alienação” já abordado em tópico particular
(RODRIGUES, 2004).
A subordinação consistiria então a partir do fato de a produção do
empregado, seja esta derivada de atividade manual ou intelectual, pertencer
originariamente, desde a celebração do contrato de trabalho, ao empregador.
Coaduna com tal procedimento de exclusão, a teoria do professor
alemão Rolf Wank, citada por Lorena Vasconcelos Porto, para o qual a noção
de subordinação deve ser necessariamente teleológica, ou seja, apta a propiciar
que o Direito do Trabalho cumpra a sua elevada missão de proteção e tutela.
Neste sentido, propõe a diferenciação a partir e critérios negativos, que
excluem a subordinação e apontam para a existência de autonomia: a liberdade
empresarial para adotar decisões, a participação nos riscos com a imputação
econômica do resultado e a possibilidade de obter lucro e realizar ganhos.
Muda-se o foco: “ao invés de se definir diretamente a subordinação
[...], como se faz tradicionalmente, cuida-se de se definir a autonomia, deixando
subordinação como figura residual e, por isso mesmo, mais ampla.” (WANK
2007 apud PORTO, 2010, p. 230) Eis a noção de subordinação integrativa:
175
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
A subordinação, em sua dimensão integrativa, faz-se presente quando a
prestação de trabalho integra as atividades exercidas pelo empregador
e o trabalhador não possui uma organização empresarial própria, não
assume riscos de ganhos ou perdas e não é proprietário dos frutos do
seu trabalho, que pertencem, originariamente, à organização produtiva
alheia para qual presta a sua atividade. (PORTO, 2010, p. 239).
Para a autora então, subordinação estrutural e a subordinação
integrativa não são sinônimas. “Tem-se de se diferenciar a integração do
trabalhador à empresa, e a integração entre trabalhador e empresa”. No primeiro
caso, tem-se a subordinação estrutural, no segundo a integrativa. (RODRIGUES,
2004, p.18). Para a autora o fator estrutural é uma consequência e não uma
característica da subordinação, como para a subordinação estrutural.
Visto que a subordinação integrativa é reconhecível a partir da
conjugação da subordinação objetiva com os critérios que excluem a autonomia,
Porto sugere que primeiro seja analisada a presença da subordinação clássica
para depois, caso esta não seja passível de configuração no caso sub judice,
proceder-se com a análise da subordinação integrativa. Para a autora, a noção
de subordinação integrativa é hábil para a distinção entre trabalhadores
verdadeiramente autônomos e subordinados.
Enfim, essas novas nuances da subordinação refletem a árdua tarefa
doutrinária e jurisprudencial de adaptação do conceito à relação de trabalho
pós-moderna e por isso, não se excluem mas se completam com harmonia
(DELGADO, 2006, p. 296).
Assim é que a releitura da subordinação, meio hábil a universalizar a
proteção juslaboral e o arcabouço dos direitos fundamentais aos trabalhadores
marginalizados pela subordinação clássica, se faz relevante. Trata-se de uma
flexibilização necessária (RODRIGUES, 2004, p.18).
À luz da Constituição Federal e dos princípios da proteção, da
primazia da realidade e da norma mais favorável, bem como também da noção
de inclusão social, alguns magistrados têm condenado os beneficiários diretos
ou indiretamente da energia do trabalho em responsabilidade solidária, com
fulcro no Código Civil Brasileiro de 2002, com base no arcabouço jurídico dos
arts. 923, 927, 933 e 942:
É neste sentido que surgiu uma nova interpretação desta questão por
meio da socialização dos riscos, ou seja, o risco deve ser repartido
com todos aqueles quer sejam o prestador de serviço empresário, o
tomador, a administração pública e todos da sociedade, que direta ou
indiretamente se beneficiaram do produto que o obreiro gerou (grifo
nosso). (CADIDÉ, 2010, p. 573.).
176
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Nesse sentido, resta claro que enquanto o instituto da subordinação
estrutural é includente, o da parassubordinação é excludente. Esta encontra
sustentáculo na autonomia do trabalhador, o que afasta o reconhecimento da
relação de emprego.
O conceito em tela caminha em direção oposta, pois trata de inserir
no âmbito de proteção juslaboral aquele trabalhador que teve seus direitos e
garantias renegados pelo fenômeno da terceirização e outras formas de trabalho
precarizado.
Dessa forma, cumpre-se analisar como se dá o reconhecimento da
subordinação estrutural nessas formas de trabalho.
3.2.1 A SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL E A TERCEIRIZAÇÃO
Para o reconhecimento da subordinação estrutural, não é importante
a legalidade ou não da terceirização. Como defende Cadidé (2010, p. 573.), a
jurisprudência acerca da terceirização descrita na Súmula 331, III, do C.TST,
quando assegura que não se forma vínculo de emprego com o tomador de serviços
em atividade-meio, já não serve mais para explicar ausência de subordinação.
Para o ordenamento pátrio, a utilização de mão-de-obra por meio
de empresa interposta é ilegal. Contudo, o inciso III da Súmula 331 do TST
chancela algumas exceções pertinentes à realização de atividade-meio:
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de
serviços de vigilância e de conservação e limpeza, bem como a de
serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde
que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
Nesse diapasão, mesmo o tomador de serviços se beneficiando
da energia de trabalho despendida pelo trabalhador, se provar a ausência de
subordinação direta, não responde em nada pelos direitos do obreiro.
Desse entendimento do TST sumulado depreende-se que somente
a terceirização de atividade-fim é ilícita. Por isso que surge o conflito com a
aplicação da subordinação estrutural, que se vale do termo atividade essencial.
A partir da definição de subordinação estrutural, atividade essencial
é aquela essencial às atividades básicas da empresa tomadora de serviços.
Resta saber se compreende a atividade-fim ou atividade-meio. Cristiano Fraga
(2013, p. 25) leciona a diferença entre os termos:
Atividade-meio pode ser compreendida coma aquela útil para a
realização do objeto social, enquanto atividade-fim será fundamental,
177
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
sendo que sem ela o resultado social da empresa não seria alcançado.
A atividade essencial é tanto útil quanto fundamental e, por conta
disso, o trabalhador que presta atividade essencial sob a análise da
subordinação estrutural, pode tanto prestar atividade-fim quanto
atividade-meio (grifo nosso).
Assim, como mencionado acima, para a teoria da subordinação
estrutural, sendo a atividade-fim e atividade-meio essenciais à realização dos
fins da empresa, não se faz relevante a licitude ou ilicitude da terceirização, mas
sim distinguir quais as atividades não essenciais. Aí reside a dificuldade e as
críticas doutrinárias sobre a subordinação estrutural: é muito abrangente.
Severo leciona que, para se averiguar a essencialidade da atividade se
faz necessário imaginar a subsistência da empresa sem sua realização. Se não se
puder imaginar a empresa sem a realização da atividade analisada então restará
configurada a subordinação objetiva:
Poderia ter-se como exemplo de uma atividade não essencial o
serviço de jardinagem contratado por uma instituição educacional
privada (...). Nesse caso, seria lícita a contratação de um jardineiro
terceirizado, uma vez que a atividade contratada mesmo não sendo
realizada, em nada afetará a existência da instituição. O mesmo
poderia não ocorrer, por exemplo, com o serviço de vigilância. A não
contratação desta atividade poderia inviabilizar o funcionamento da
instituição. (SEVERO apud RODRIGUES, 2004, p. 25.)
Assim é que se valendo de uma interpretação de inclusão social, uma
vez que o tomador de serviços usufruiu da energia de trabalho para auferir lucro
e essa energia explorada não é retornável, ele deverá ser responsabilizado pelos
direitos e garantias do trabalhador. Portanto, a empresa tomadora de serviços,
antes responsável subsidiária, passa a ser a devedora principal, “obrigando-se
a proporcionar aos empregados terceirizados os mesmos direitos trabalhistas
conferidos aos empregados diretos.” (RODRIGUES, 2004.).
Assim, sempre que os obreiros de uma empresa tiverem suas atividades
organizadas de forma a integrar a dinâmica geral da empresa contratante, o
vínculo empregatício se estabelecerá com esta e não com aquela. Sob esse
aspecto, o reconhecimento da subordinação estrutural é de suma importância no
combate à fraude à relação de emprego praticada sob a forma de intermediação
de mão-de-obra.
Cumpre analisar alguns julgados paradigmáticos para elucidar a
aplicação da subordinação estrutural aos casos de terceirização, nos quais os
178
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
trabalhadores tiveram seus vínculos reconhecidos diretamente com o tomador
de serviços.
Como elucida Cadidé (CADIDÉ, 2010, p. 571), essa concepção vem
impactar todo um setor empresarial o qual já estava ambientado a licitude da
terceirização protegida pela Justiça do Trabalho, “os empresários tomadores de
serviço que tinham construído um dogma clássico de subordinação jurídica e
através dela conseguiram, muitas vezes, reduzir seus custos e aumentar seu lucro”.
É a inclusão social fazendo com que a função social da empresa e
o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana – e todos os direitos
fundamentais que lhe são ínsitos – se tornem mais próximos do alcance do
trabalhador terceirizado.
3.2.2 SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL E O TELETRABALHO
A teoria da subordinação estrutural também busca a ampliação
do conceito de subordinação para definir e reconhecer a subordinação no
teletrabalho. Diante das diversas modalidades de contratação abarcadas por este
gênero e à ausência de uma legislação brasileira nítida a respeito, cria-se uma
multiplicidade de interpretações jurisprudenciais divergentes: ora o teletrabalho
é tido como trabalho subordinado ora como trabalho autônomo.
Até mesmo o conceito de teletrabalho é objeto de controvérsias
na doutrina. Existem muitas definições. Otávio Pinto e Silva (2004, p. 124.)
leciona que é “toda forma de trabalho à distância, desenvolvido por meio do uso
das tecnologias de informática e telemática”.
Dessa forma, nem todo o trabalho à distância será tido como
teletrabalho, somente aquele que se utilizar da tecnologia da comunicação para
sua prestação.
Ademais, o teletrabalho não se reduz meramente ao trabalho realizado
em domicílio. Como explica Daniela Rodrigues Lettermann (2014, p.11),
o teletrabalho pode ser em domicílio, em telecentros e centros satélites, em
telecottages e ainda nômade ou móvel. Segundo Nelson Mannrich:
O teletrabalhador geralmente desenvolve atividade intelectual,
desvinculada do centro de trabalho de sue tomador. Executa, com
autonomia ou subordinação, dependendo de caso (...). Por sua vez,
o empregado em domicílio em geral desenvolve atividades braçais,
mantendo pouco contato com o empregador. (MANNRICH, 2013, p. 10.)
Logo, o elemento peculiar do teletrabalho não é o local onde é
prestado, mas sim a conexão via tecnologia entre e empregado e a empresa,
179
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
que determina como a produção se estrutura e como se dá o poder diretivo,
não definindo por sí só a existência ou não da relação de emprego. Cabe à
interpretação do caso concreto definir se há ou não os requisitos caracterizadores
do vínculo empregatício, dentre eles, a subordinação jurídica. Destaca-se que
a subordinação clássica também pode ser configurada no teletrabalho se o
controle por parte do empregador se der de maneira intensa: telessubordinação.
Como o próprio dispositivo legal aduz, o trabalho fora do
estabelecimento do empregador, seja ele em domicílio ou simplesmente à
distância, não exclui a subordinação, mas prevê as mudanças dos seus critérios
a fim de possibilitar o seu reconhecimento no mundo dos fatos.
A noção de subordinação estrutural tenta adaptar o conceito, vez que
ela em si surge como uma necessidade imposta pelas inovações tecnológicas e
a complexidade do trabalho à distância:
Desta forma, a subordinação que decorre do poder de direção do
empregado continua sendo aplicada, porém, quando esta for de difícil
verificação, ter-se-á a inserção do teletrabalhador na estrutura orgânica
da empresa como elemento fundamental para a caracterização da
subordinação na modalidade estrutural (FRAGA, 2013, p. 33.).
A partir da inserção do teletrabalhador na estrutura empresarial sob
o comando do empresador e para se atingir os objetivos do empreendimento,
resta configurada a subordinação estrutural:
A subordinação estrutural deixaria de exigir o controle do empregador
no teletrabalho, abrigando todo e qualquer teletrabalhador como empregado,
desde que sua atividade integre os objetivos sociais da organização. (FRAGA,
2013, p. 36.).
Destaca mais uma vez a doutrina a análise cuidadosa do caso
concreto, para que não se generaliza por demasiado o conceito, a fim de evitar
que profissionais liberais e autônomos adquiram o status de empregado, ainda
que a linha divisória entre eles no âmbito do teletrabalho seja tênue.
Como destaca Fraga (FRAGA, op. cit., p. 34), o fato de o
teletrabalhador estar distante da vigia de seu chefe em nada altera a caracterização
da subordinação. “Fosse assim, uma empresa que contratasse à distância
estaria livre de qualquer responsabilidade pelos créditos trabalhistas de seus
colaboradores, uma vez que seriam todos estes considerados autônomos”.
Existe uma telessubordinação.
Não há como confundir o a subordinação presente no teletrabalho
com o trabalho parassubordinado. Neste há coordenação, no teletrabalho
há a subordinação, que é avaliada por critérios distintos dos utilizados pela
subordinação clássica.
180
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Como elucida Daniela Rodrigues Lettermann (2014, p. 11.), embora
o teletrabalhador possua um certo grau de autonomia, não deixa de ser
subordinado. “Ao denominar o teletrabalho como um parassubordinado, perdese a proteção jurídica, pois, pela falta de regulamentação, não há uniformidade
de quais direitos pertencem ao trabalhador parassubordinado”.
Enfim, compete-se ao jurista enquadrar o novo tipo social, pressuposto
da regulamentação normativa. É possível aplicar aos teletrabalhadores o regime
próprio dos autônomos, ou, se for o caso, o estatuto típico dos empregados,
quando presente a autonomia ou subordinação, respectivamente. (MANNRICH,
2013, p. 11.).
Assim, através da ótica da subordinação estrutural, seria a melhor
forma de ampliar a tutela trabalhista aos teletrabalhadores e assim proteger a
relação empregatícia (CF, artigo 7°, I) como pressuposto necessário para efetivar
os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da valorização
social do trabalho (CF, artigos 1°, III e IV, e 170, caput), assim como os demais
direitos fundamentais que lhes são consequentes.
3.2.3 SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL-RETICULAR
A subordinação estrutural também é analisada sobre o grupo
econômico (artigo 2°, §2°). Segundo Cadidé (2010, p. 573):
A rede econômica formada pelas empresas em coalizão, coordenação
ou de hierarquia, solidariedade passiva ou ativa é uma realidade e
somente através da ressignificação do conceito de subordinação, é
que se pode reenquadrar a atividade econômica da rede desenvolvida
pelo terceirizado, imputando aos empregadores dela integrante a
responsabilidade e o vínculo por todos os direitos trabalhistas ali
explorados. (grifo nosso).
Dessa forma, uma vez reconhecida a atividade econômica em rede,
é necessário imputar a todos os seus integrantes a condição de empregador,
estendendo assim a incidência do princípio da proteção e seus aspectos
consequentes, entre eles a aplicação da norma mais benéfica.
Para Jorge Souto Maior então, a subordinação estrutural-reticular é
uma espécie de fórmula para se evitar o movimento reducionista dos direitos
trabalhistas, pois ela liga o capital ao trabalho:
[...] basta lembrar que o artigo 2° da CLT considera empregador a
empresa que assume os riscos da atividade econômica. Ou seja, (...)
181
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
é empregador o capital e não a pessoa física ou jurídica que pura e
simplesmente emite ordens ao trabalhador” (MAIOR, 2008, p. 93).
Ademais, ideia de subordinação estrutural-reticular busca inibir
a prática do dumping social pelos grandes conglomerados empresariais na
medida em que traz aos empregadores coalizados a responsabilidade solidária
pelos direitos trabalhistas das diversas categorias profissionais abrangidas
pela atividade econômica explorada. Ou seja, múltiplas atividades exploradas,
múltiplos instrumentos coletivos a serem observados e respeitados.
Como se vê, a ideia de rede empresa à subordinação jurídica um efeito
reticular, portador da ideia de proteção e promoção do trabalho e da
dignidade da pessoa humana, e ao mesmo tempo chancelador da ideia
de fair trade, sancionando a concorrência desleal fundada numa das
espécies de dumping. (MENDES, 2007, p. 215.)
Essa abordagem estrutural e reticular pela subordinação jurídica
como vem sendo abordada pela jurisprudência, dota o trabalho de uma
força ressolidarizadora visto que propaga a isonomia entre os trabalhadores
pertencentes a uma mesma rede de empresas, sejam estes subordinados clássicos
ou ditos “autônomos-dependentes”.
Neste sentido elucida a ementa do decisium pela Oitava Turma do
Tribunal Regional da 1ª Região, relatado pelo Desembargador Leonardo
Dias Borges:
PRODUÇÃO E PROTEÇÃO EM REDE. CONVERGÊNCIA DOS
FLUXOS DA ESPECIALIZAÇÃO DO TRABALHO. O EMPREGADO POR INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL-. SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL.
I - O conceito de -empregado por interpretação constitucionalpermite reduzir a -zona gris- de aplicação do Direito do Trabalho,
sem interditar a legítima atividade de especialização do trabalho
e terceirização das atividades econômicas e, ao mesmo tempo,
ressolidarizar o trabalho (quando a rede de empresas se configurar em
verdadeira rede de empregadores).
II - Ora, se há semelhança entre o trabalhador dito -autônomodependente- e o empregado clássico, manda a boa regra de
hermenêutica não reduzir o potencial expansivo e protetivo do
182
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Direito do Trabalho. A isonomia dos trabalhadores decorre da própria
dicção constitucional, tanto dirigida aos trabalhadores habituais
(caput do art. 7º) como aos avulsos (inciso XXXIV), não submetidos
ao trato sucessivo. Trata-se, pois, de ressignificar ou plurissignificar
o conceito de subordinação jurídica, para compreendê-lo de modo
dinâmico. A subordinação jurídica emerge não apenas do uso da voz
do empregador, do supervisor, ou do capataz. Ela pode se formar na
retina dos múltiplos agentes econômicos coordenados pela unidade
central, de modo silencioso e aparentemente incolor e até indolor.
A subordinação jurídica pode ser então -reticular-, também
nesse sentido e através de instrumentos jurídicos de associação
empresária, onde nenhuma atividade econômica especializada
é desenvolvida pelo suposto empregador, que se envolve na
produção de um determinado resultado pactuado com a unidade
central. Suposto, não porque em verdade não o seja, mas por não ser
o único empregador14.
À guisa de tal decisão, representativa de uma tendência doutrinária e
jurisprudencial (FRAGA, 2013), é possível concluir que a noção de subordinação
estrutural enxerga as relações pós-modernas através do reconhecimento do
“empregado por interpretação constitucional” ( MENDES, 2007, p. 215.), uma
vez que busca o tratamento equitativo dos trabalhadores legalmente autônomos
que ingressam na estrutura da empresa ou da rede de empresas.
Tais considerações a respeito da interpretação inclusiva proposta pelo
critério da subordinação estrutural somente se faz possível se, de fato, fosse
levada a cabo através de uma visão expansionista pelos operadores do Direito.
De acordo com Cadidé (CADIDÉ, 2010, p. 573.), em diversos países – no Brasil
é incipiente – os magistrados se valem de técnicas denominadas de “conjunto
de indícios qualificadores” ou mixed text para, a partir de uma valoração global
do caso concreto, constatar ou não a subordinação estrutural:
O juiz ao analisar o caso concreto na ação trabalhista, deve proceder
de uma valoração global da relação a ser qualificada para enquadrar
na subordinação estrutural: por exemplo, a remuneração, os meios
RIO DE JANEIRO. Tribunal Regional do Trabalho. Processo: 0000732-61.2012.5.01.0016 RO. Apelante: TNT PCS S/A (Henrique Claudio Maes), Contax S.A. (Gilda Elena Brandao de
Andrade D Oliveira). Apelado: Maria do Rosário Teixeira de Lima (Antonia de Maria Ximenes
Oliveira). Relator: Leonardo Dias Borges, 16 ago. 2013. Disponível em: < http://www.jusbrasil.
com.br/diarios/58325743/doerj-justica-do-trabalho-27-08-2013-pg-12>. Acesso em: 14 mar.
2014. p. 1.
14
183
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
de produção, os equipamentos utilizados, bens materiais e imateriais,
a origem do capital social, organização de horário de trabalho, tipo
e intensidade do controle exercido, quem se beneficia do labor, a
vinculação do prestador do serviço ao tomador do serviço à estrutura
da empresa, dentre outros, para concluir se este trabalhador ao exercer
sua atividade está integrado na organização empresarial.
Como já exposto pelo presente estudo, Lorena Vasconcelos Porto
defende que a intervenção do legislador para a releitura da subordinação é
prescindível. Aliás, segundo ela elucida, até meados da década de 70, quem
dava conta da atualização das normas jurídicas por meio da interpretação era a
jurisprudência:
A jurisprudência pode e deve cumprir o papel de atualizar as normas
jurídicas por meio da interpretação adaptando o seu sentido aos novos
tempos, sem a necessidade de intervenção do legislador. É exatamente
o que se propõe em relação ao conceito de subordinação (PORTO,
2010, p. 136).
Se a expansão do critério de subordinação jurídica é desejável para a
efetividade não somente dos direitos e garantias trabalhistas, mas dos direitos
humanos individuais, tido como fundamentais, não é a inércia do legislador e ou
a obsolescência da CLT, que obstará a extensão da tutela jurisdicional adequada.
Como defende Porto basta sua reinterpretação ampliativa e universalizante
pelos juízes.
CONCLUSÃO
A concepção de subordinação é de extrema importância para o Direito
do Trabalho, vez que constitui o elemento qualificador por excelência da relação
de emprego, a qual, por sua vez, é a base fundamental de tal ramo especializado.
Ela constituiu a verdadeira “chave de acesso” ao arcabouço protetivo juslaboral.
Frente às alterações ocorridas na realidade socioeconômica e no
mundo do trabalho nas últimas décadas, o conceito de subordinação deve passar
por uma ressignificação interpretativa, uma vez que desta depende a própria
finalidade e missão essencial do Direito do Trabalho, qual seja, a proteção do
trabalhador.
Nesse contexto, não se deve perder de vista o equilíbrio
constitucionalmente tutelado entre livre iniciativa e o trabalho, ambos inclusive
erigidos pelo Texto Maior à condição de valores sociais, fundamentos do Estado
184
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
brasileiro. Por isso, a releitura universalizante se faz condição sine qua non para
que esse ramo jurídico possa cumprir a nobre missão de assegurar o equilíbrio
entre capital e trabalho, em prol da verdadeira justiça social.
À luz de tais considerações, para que tal releitura possa ser realizada,
a intervenção do legislador é prescindível, pois, com efeito, não são as normas
legais atinentes à subordinação, tais quais os artigos 2° e 3° da CLT, que carecem
de alteração, mas sim o modo de observá-los quando da análise de cada caso em
concreto por parte dos operadores jurídicos.
Destarte, uma vez que tal necessidade se mostrou uma problemática
comum e pertinente à doutrina de outros países, o estudo partiu da análise
de propostas desenvolvidas pela doutrina alienígena até chegar na teoria da
subordinação estrutural, muito embora ainda se apresente desprovida de maior
aprofundamento teórico. Todavia, esta teoria já se faz aplicada pelo Tribunal
Superior do Trabalho.
É bom que se afirme que a teoria da subordinação estrutural ainda é
apresentada por alguns estudiosos como carecedora de respaldo legal. Ela não
pode ser apreendida como a solução, mas sim como uma alternativa preciosa,
vez que abarca situações que o conceito clássico de subordinação não se propõe
a realizar, sendo mais benéfica ao trabalhador. Cumpre destacar, que não se
trata de abandonar o critério clássico, já sedimentado, porque este ainda se faz
aplicável.
Atuando sobre a atividade laboral prestada e não sobre a pessoa do
trabalhador, a subordinação estrutural ou objetiva se faz mais abrangente vez
que ao contrário do critério clássico que se pautava na subjetividade, adota se
faz presente uma concepção objetiva: a integração da atividade do trabalhador
na estrutura da empresa. Protegendo-se a atividade, resguarda-se o ser humano
que a executa, visto que indissociáveis.
De acordo com a teoria da subordinação estrutural, toda a atividade
integrada dentro da estrutura empresarial é insubstituível para a existência e
funcionamento regular do empreendimento, ou seja, uma atividade essencial.
Portanto, na seara da terceirização, tal concepção é valiosa na inibição da fraude
à relação de emprego, vez que ultrapassa a noção de atividade-fim e atividademeio contido na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho para, através
de uma interpretação de inclusão social, responsabilizar o tomador de serviços
como devedor principal na responsabilização pelos direitos trabalhistas.
No teletrabalho, a aplicação da subordinação estrutural é o meio de
excelência para a ampliação da tutela trabalhista
A subordinação estrutural, portanto, é também um instrumento que de
forma real irá demonstrar a caracterização do vínculo trabalhista, por comportar
a nova dinâmica da atividade empresarial.
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A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
Ademais, tratando-se da ideia de subordinação estrutural-reticular, é
possível concluir que ela também poderá inibir a prática do dumping social pelos
grandes conglomerados empresariais, na medida em que traz aos empregadores
coalizados a responsabilidade solidária pelos direitos trabalhistas das diversas
categorias profissionais abrangidas pela atividade econômica explorada. Ou
seja, múltiplas atividades exploradas, múltiplos instrumentos coletivos a serem
observados e respeitados.
Enfim, em que pese ainda sua tímida apresentação pela doutrina,
a corrente da subordinação estrutural mostra-se não somente como meio de
revitalização do conceito de subordinação em si, mas também como forma de se
resgatar o valor do trabalho tão vilipendiado nos últimos tempos pela primazia da
ordem econômica neoliberal, visto que parte da análise da atividade laboral pela sua
imprescindibilidade para a existência da estrutura empresarial, independentemente
do status de quem a desempenhou. Protege-se o trabalho per si.
Se a expansão do critério de subordinação jurídica é desejável para a
efetividade não somente dos direitos e garantias trabalhistas, mas dos direitos
humanos individuais, tido como fundamentais, não é a inércia do legislador
e ou a obsolescência da CLT, que obstará a extensão da tutela jurisdicional
adequada. Basta sua reinterpretação ampliativa e universalizante pelos juízes,
sendo a subordinação estrutural uma valiosa diretiva.
Dessa forma, à luz dos princípios constitucionais do valor social
do trabalho e da livre iniciativa, bem como dos princípios basilares do ramo
juslaboral, dentre eles o princípio protetor, é que a subordinação estrutural se
faz essencial à extensão do Direito do Trabalho a concretização da dignidade
da pessoa humana.
186
A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL COMO PRESSUPOSTO PARA A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO
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