30 | Domingo 1 Julho 2012 | 2

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COMER FORM
VIVAS NO MEL
RESTAURANT
30 | Domingo 1 Julho 2012 | 2
MIGAS
LHOR
TE DO MUNDO
Serão os insectos o futuro da alimentação? Alguns
cientistas defendem que formigas, gafanhotos e
outros são fontes muito ricas de proteína e uma
excelente alternativa à carne de vaca ou de porco.
Para os asiáticos, nada de novo, mas os ocidentais
mostram-se menos entusiasmados. No Noma,
o melhor restaurante do mundo, o chef René
Redzepki já serve formigas com crème fraiche
ALEXANDRA PRADO COELHO, EM COPENHAGA
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S
ubitamente, a equipa de Lars
Williams pára maravilhada. Seguimos-lhe os olhares e deparamos
com um gigantesco formigueiro.
“Era com isto que tínhamos sonhado”, diz Halaigh, sorrindo.
Era?
Os jornalistas ficam alguns passos atrás, sem saber o que pensar.
Mas os homens do Nordic Food
Lab, de Copenhaga — Lars, Halaigh WhelanMcManus e Mark Emil Hermansen — não hesitam e, armados com caixinhas redondas de
plástico, saltam para o meio do formigueiro,
sem terem tido tempo para pensar qual a melhor estratégia para apanhar as formigas.
Em poucos minutos todos temos formigas
a subir-nos pelas pernas acima, e iniciamos
uma espécie de estranha dança no meio da
floresta, tentando sacudi-las. Mas, refugiados
atrás dos nossos blocos de notas e máquinas
fotográficas, estamos mais ou menos a salvo
quando comparados com Lars, Mark e Halai-
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gh, que estão a ser picados nas mãos e nos
braços por dezenas de formigas negras e gordas. Nada que pareça, contudo, arrefecer-lhes
o entusiasmo.
Que, aliás, a certa altura aumenta, quando,
escavando no formigueiro, chegam aos pequenos ovos brancos. As caixas de plástico estão
por esta altura cheias de terra, formigas que
correm desorientadas para todos os lados, e
ovos. A nós, não nos resta muito mais do que
fotografar este quadro e perguntar: porquê
tanto entusiasmo?
Lars e a sua equipa estão por detrás da revolução gastronómica a que temos assistido
na Dinamarca, liderada pelo Noma, do chef
René Redzepki, considerado este ano pela terceira vez consecutiva o melhor restaurante do
mundo pela revista Restaurant. Um sucesso
que se baseia muito no trabalho desenvolvido no barco-laboratório estacionado ao lado
do Noma, onde Lars, cabelo sempre impecavelmente penteado e tatuagens pelos braços
acima, procura mostrar-nos que no mundo há
muitos sabores que ainda desconhecemos.
Foi com René e Lars que começou a moda
de os chefs irem para o campo, a floresta ou
o jardim dos fundos apanhar ervas selvagens
para usar nos seus pratos. E era isso que nós
pensávamos que íamos fazer naquele dia. Não
estávamos a contar com os insectos.
Na realidade, o projecto ligado aos insectos
é muito recente. Só há cerca de três meses é
que os investigadores do Nordic Food Lab se
lançaram nesta aventura — e até agora têm dependido de um fornecedor de formigas e de
outros insectos (trabalham também muito com
gafanhotos, por exemplo). Daí o entusiasmo
com que encaram a descoberta de hoje.
Um dos jornalistas coloca uma mão sobre o
formigueiro, a uma distância de alguns centímetros. Em baixo, os animais ziguezagueiam
totalmente desorientados. O jornalista retira
a mão e dá-nos a cheirar. O cheiro picante,
intensíssimo, sobe-nos pelas narinas. Não é
agradável. E no entanto é atrás disto que andam os investigadores ligados ao Noma.
Mark, que é antropólogo, está à frente do
projecto de estudo dos insectos no Nordic
Food Lab: “Quando as formigas se enrolam
assim estão a lançar ácido. É o seu método de
defesa, e o que queremos é tentar retirar essas componentes ácidas.” Um trabalho que é
feito em colaboração com etimologistas, entre
os quais o holandês Arnold van Huis, o mais
entusiasta defensor da ideia de que o futuro
da alimentação está nos insectos.
“Com o aumento da população e das necessidades alimentares, tanto as Nações Unidas
como a União Europeia estão a explorar fontes
alternativas de proteína, entre as quais os insectos”, explica Mark. E enumera, entusiasmado, as vantagens destes: “Têm um alto factor
de conversão da alimentação em comida [ou
seja, se comparados com uma vaca, precisam
de menos alimento para produzir a mesma
quantidade de comida que possa ser ingerida
pelos humanos], não atraem vírus, são fáceis
de criar, não necessitam de água.”
Lançamos um olhar pouco convencido para
CLAES BECH-POULSEN
CLAES BECH-POULSEN
CLAES BECH-POULSEN
as formigas na pequena caixa plástica. O futuro
da alimentação? Mark apressa-se a recentrar a
conversa. A equipa do Nordic Food Lab não se
está a propor salvar o mundo. O trabalho que
desenvolvem tem a ver essencialmente com
o gosto. “Os chefs aqui estão a olhar para a
paisagem à procura do gosto do Norte, estão a
tentar alargar o nosso vocabulário culinário.”
O que eles querem é perceber se o que têm
em mãos abre novos horizontes ao nosso paladar, e se isso pode ser aproveitado na nova
gastronomia nórdica.
Lars — nova-iorquino, chamam-lhe o “americano tranquilo” — agarra em tudo o que encontra à sua volta e trabalha-o no laboratório,
usando muitas vezes processos de fermentação e criando mapas de sabores. Quando olha
para uma árvore, por exemplo, vê nela “uma
área de sabor por explorar” — e, de facto, basta pensarmos na importância da madeira na
produção de vinho.
Um sabor que Lars vem perseguindo há
já algum tempo é o umami, o quinto sabor,
que é algo para lá do salgado, doce, azedo ou
amargo, e que só foi identificado no início do
século XX, quando um cientista japonês, Kikunae Ikeda, achou que as algas kumbu tinham
um sabor claramente distinto e, depois de as
analisar, concluiu que tinha a ver com a alta
concentração de glutamato.
A palavra de origem japonesa significa
simplesmente “gosto saboroso e agradável”,
o que, admitamos, não ajuda muito. Mas é
mais fácil de perceber quando se diz que é
um gosto que se encontra, por exemplo, no
parmesão, nas carnes curadas, nos cogumelos, nos espinafres, no molho de soja. Além
disso, afirma Mark, “há insectos que contêm
ácido glutâmico” ou glutamato, e é disso que
eles andam à procura. “Os insectos são um
novo mundo, que nos parece infinito.” Um
dos que têm maior potencial é o gafanhoto —
mas já lá vamos.
Com as caixas cheias de formigas, decidimos
regressar a Copenhaga e marcamos encontro no barco-laboratório a seguir ao almoço.
Lars Williams, o chef/
investigador do
Nordic Food Lab, tem
feito experiências
com carne, curando
porco, uma prática
pouco usada na
Dinamarca (foto
ao lado), e também
com peixe, que é
deixado a fermentar
(foto em cima), como
faziam os romanos na
Península Ibérica para
produzir o garum,
uma especialidade na
época
Quando chegamos, a equipa organizou um
prova cega para nós, e o aspecto da sala (que
oscila um pouco, como acontece a qualquer
barco) é o de um verdadeiro laboratório: sobre as mesas estão dispostas folhas brancas
no lugar destinado a cada um, uns seis copos
com pequenas pipetas e, no interior, líquidos
que se assemelham a chás, uns mais escuros,
outros mais claros.
A experiência está a ser conduzida por Arielle Johnson, uma investigadora americana que
estudou química dos sabores e a relação entre o gosto e a percepção na Universidade da
Califórnia, veio estagiar para o Nordic Food
Lab e está a trabalhar sobretudo com vinagres. “Vamos organizar sabores no espaço”,
resume Arielle.
Dos jornalistas, espera-se que provem cada
um dos líquidos — “é seguro”, garante Lars,
com um sorriso, perante os olhares ansiosos
que lançamos aos copinhos —, que os caracterizem com as palavras que lhes pareçam mais
apropriadas e que, no final, organizem os co-
pos sobre as folhas, agrupando-os de acordo
com as características de cada sabor. Parece
simples mas não é.
Fazemos uma primeira ronda de prova e escrevinhamos notas: “doce, salgado, muito mais
amargo, madeira seca, floral, ameixa, couro,
frutado”. Mas depois de uma segunda e uma
terceira rondas tudo parece menos evidente.
As posições relativas dos copos alteram-se na
folha de papel e as palavras já não parecem
descrever tão bem as sensações. No final, Arielle desvenda os sabores — o que provámos é o
resultado de fermentações de cogumelos, de
cevada com alho, de extracto de levedura e de
garum, o célebre molho de peixe fermentado
que os romanos faziam na Península Ibérica
(ainda há vestígios de tanques para produção
de garum em Portugal) e que exportavam para
todo o império. O resultado da fermentação,
ao sol, de vísceras e restos de peixes era, na
época, um produto gourmet.
A
gora, passados séculos, volta-se
a falar em garum. Lars Williams
tem trabalhado à volta do conceito
(muito ligado ao umami), fermentando restos de peixe, mas resolveu, também aqui, inovar e fazer
um garum com gafanhotos. Não
foi o que nos deram na prova cega, mas, com um sorriso, Lars vai
buscar um frasco com uma pasta
acastanhada e olha-nos como quem pergunta:
querem arriscar? Bem, já que aqui estamos, o
melhor será provar. De qualquer forma, não
há qualquer vestígio de patas ou asas, os gafanhotos foram totalmente triturados.
Lars introduz uma pipeta comprida e retira
um pouco do suco que se formou no fundo do
frasco. Provamos a medo, mas na realidade
não há uma diferença muito grande em relação aos outros produtos fermentados que acabámos de provar, o sabor é forte, um pouco
picante (da mesma forma que o parmesão pode ser picante) e não é desagradável. O investigador diz sentir “um leve sabor a chocolate”
— mas nós não conseguimos chegar lá.
A partir daí, a conversa sobre os insectos
evoluiu para domínios que não tínhamos imaginado. Vamos experimentar um prato que
servem no Noma? Não é a primeira vez que o
melhor restaurante do mundo serve animais
vivos — fazia-o já com pequenos camarões,
apresentados sobre gelo, e passados (pelo
próprio cliente) por um molho, antes de serem vigorosamente trincados. Mas nos últimos meses, René Redzepki introduziu outro
prato com animais vivos. Sim, adivinharam,
são as formigas.
Lars coloca uma colherada de crème fraiche num prato e, cuidadosamente, vai dispondo as formigas por cima. As primeiras ainda
tentam escapar, mas depois a mancha escura
aumenta sobre o creme, e as primeiras começam a afogar-se. Temos a opção de comer
imediatamente, enquanto os animais ainda
se movem, tentando escapar à armadilha, ou
esperar algum tempo, quando alguns deles já
parecem mortos no creme, e os restantes parecem ter perdido as forças e começam também
a afundar-se. Temos de reconhecer que esta
descrição não torna o prato irresistível, mas
aparentemente tem tido sucesso no Noma.
Em cima da mesa aparece mais uma caixa
de plástico redonda com larvas de besouro
passeando descontraidamente sobre pétalas
de rosa. “Estas sabem mesmo mal”, concede
Lars. “Mas os entomologistas acreditam que se
pode afectar o sabor através da alimentação,
por isso estamos a dar-lhes pétalas de rosa para
comerem. Mesmo assim, não estou convencido
de que sejam bons candidatos [a servir para
alimentação humana].”
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CLAES BECH-POULSEN
No Nordic Food
Lab, o laboratório
que colabora com
o Noma, trabalhase muito em torno
do chamado quinto
sabor, o umami.
Trata-se de um
sabor ligado ao
glutamato e que
foi identificado
por um cientista
japonês no
início do século
XX. A equipa
em Copenhaga
dedica-se à
fermentação de
vários produtos
e trabalha muito
com algas, que
existem em grande
quantidade
na região e
que são pouco
aproveitadas
na gastronomia
nórdica
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DR
Seguem-se larvas de abelha, brancas, pequeninas. Foram recentemente descongeladas,
por isso estão frias. Lars fala numa “gordura
luxuriosa”, mas a nós sabe-nos apenas a gordura fria e é, temos de admitir, profundamente desagradável — e dizerem-nos que na Ásia as
larvas de abelha são consideradas uma delícia
não nos convence.
Até porque, logo de seguida, Lars vai buscar uma embalagem escrita em khmer, com
um pó rosado — trata-se de comida para bebé
“enriquecida com aranhas”. Num primeiro
momento damos um passo atrás, mas depois a
curiosidade vence-nos e acabamos por provar
um pouco de pó na ponta de um dedo. Não é
tão mau como Lars tinha dito (descrevera-o
como sabendo “a cartão”). No entanto, a investigadora holandesa que desenvolveu para
o Camboja este produto — a ideia é incorporar
na comida zinco, que as aranhas têm — está a
ter algumas dificuldades em conseguir que o
mercado o aceite e está ainda a trabalhar para
melhorar o gosto.
A Holanda é o país que mais tem trabalhado
esta ideia de introduzirmos proteína na nossa alimentação através dos insectos. Marian
Peters criou uma empresa, a Bugs Originals,
baseada próximo de Amesterdão, e começou a
comercializar snacks de insectos. No laboratório do Noma há algumas caixas, com pequenos
bichos estaladiços. “As larvas de besouro são
as minhas favoritas de momento”, disse Peters
numa reportagem feita pela revista americana
The Atlantic no ano passado.
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Os animais são cozinhados com alho e molho de soja e, num comentário que se repete
muito quando o assunto é insectos comestíveis, o jornalista que assina a história diz que
eles têm um sabor próximo do da noz. Mas a
oferta de Peters (pelo menos em 2011, altura
em que vários produtos aguardavam ainda
licença de comercialização) era muito diversificada, incluindo por exemplo barras de
muesli, chicken nuggets ou almôndegas com
proteína de besouro.
Os grilos, argumenta Peters, conseguem
converter o que comem em massa corporal
de uma forma duas vezes mais eficaz do que
os porcos. É o mesmo que diz o entomologista
que tem colaborado com o Nordic Food Lab,
Arnold van Huis, investigador na Universidade
de Wageningen, uma pequena cidade holandesa numa zona conhecida como “food valley”
por ter a maior concentração de cientistas da
alimentação. Desde 1996 que Van Huis vem
defendendo o consumo de insectos, conta ainda a The Atlantic, que foi conhecê-lo. Mas já
antes disso tinha havido algumas tentativas,
sobretudo quando, nos anos 70, houve riscos
de fome a nível mundial.
A diferença agora é que Wageningen aderiu
entusiasticamente às ideias de Van Huis e já
organizou mesmo um festival, durante o qual
se autodenominou Cidade dos Insectos, e que
tinha como objectivo bater o recorde de consumo intencional e simultâneo de insectos.
Mas se parece haver já alguns convertidos,
a maior dificuldade do projecto de Van Huis
reside em convencer os consumidores ocidentais a comer os pequenos bichos. Claro que
é uma questão cultural, porque os asiáticos
não parecem ter qualquer problema com isso e são mesmo grandes apreciadores. O que
fazer, então?
I
mparável, Van Huis tem trabalhado com
uma escola de culinária em Wageningen
para tentar elaborar um livro de receitas.
Um dos chefs que aderiu ao projecto, conta
a BBC, foi Henk van Gurp, que criou uma
quiche de larvas de besouro e pralinés de
chocolate também com vermes, colocando
os animais no topo da comida, porque acha
importante que “as pessoas vejam o que
estão a comer”. E mostra-se convencido de
que a partir do momento em que os grandes
chefs internacionais começarem a preparar
este tipo de comida, as pessoas vão aderir.
Será? Um dos grandes problemas dos consumidores parece ser precisamente o de verem
o que estão a comer. Nos comentários ao texto
da BBC, as opiniões dividem-se. Phillip, que
escreve de Bruxelas, diz que os “escorpiões
fritos em Pequim são excelentes”, assim como
os “ovos de formiga vermelha com alho, no
México”. O holandês Arno Adelaars confessa
que quando tinha dez anos comia piolhos e
que estes “eram doces”. Mais tarde, experimentou gafanhotos secos no Norte do Níger
e “eram estaladiços”. Mas, conclui, “às vezes
é melhor não dizer às pessoas o que estão a
comer”.
A cadeia de cafés Starbucks já teve alguns
problemas com isso. Os vegan e outros grupos fizeram uma violenta campanha contra
a empresa depois de se saber que esta usava
cochonilha, um pequeno insecto originário do
México, como corante nos seus frappuccinos
de morango.
A cochonilha produz ácido carmínico como
mecanismo de defesa em relação aos outros
insectos e é este ácido que é extraído do seu
corpo e usado como corante alimentar, uma
prática que vem do tempo dos maias e dos
aztecas e que está hoje generalizada na indústria (é identificado como E120 nos rótulos dos
alimentos). Mas os clientes da Starbucks não
gostaram de saber que havia cochonilhas nos
seus frappuccinos, e os insectos tiveram de
desaparecer, dando lugar a um corante feito
de extracto de tomate.
Este é apenas um exemplo, mas revelador
de como a ideia de comer alguma coisa relacionada com insectos é veementemente rejeitada por muita gente. É por isso que um
grupo de estudantes universitários do Royal
College of Art and Imperial College de Londres
resolveu desenvolver um projecto que ajude
a ultrapassar esse problema. Chamaram-lhe
Ento, the Art of Eating Insects.
Partindo do pressuposto de que não vai ser
possível alimentar a população mundial a bife
de vaca em 2050, a equipa explica que o gado
consome hoje um terço de toda a produção
de cereais, mobilizando 70% das terras dedicadas à agricultura e sendo responsável por
DR
Da esquerda para
a direita: Halaigh a
apanhar formigas;
Lars Williams a
mostrar larvas de
besouro que estão
a ser alimentadas
com pétalas de rosa;
e larvas de abelha,
consideradas uma
especialidade na Ásia
20% das emissões de gás de efeito de estufa.
Daí que os insectos sejam “uma alternativa
excitante”.
A
primeira fase do trabalho centrase na criação de uma imagem que
possa ser atraente para os ocidentais. Os quatro estudantes começaram por ser eles próprio cobaias,
comendo gafanhotos fritos num
restaurante londrino. Conclusão?
São saborosos, estaladiços e com
uma textura de carne. Depois
alargaram a experiência a outras
pessoas, concebendo pratos que iam dos mais
abstractos aos mais gráficos — as pessoas, como
seria de esperar, optaram sempre pelos mais
abstractos, “mas só paravam naqueles em que
as partes dos insectos se tornavam visíveis”.
Inspirados na forma como o sushi foi introduzido na dieta ocidental, criaram uma imagem “natural, divertida e futurista”, para dar
uma sensação de “pureza e transparência”, e
chamaram-lhe Ento, porque vem da palavra
Entomos (insecto, em grego) mas remete também para a bentobox (caixa para transportar
comida) japonesa.
Um dos objectivos é reforçar a ideia de que,
ao contrário do que as pessoas geralmente pensam, os insectos são limpos e comê-los não
provoca problemas de saúde. Estudaram em
seguida uma série de combinações entre ingredientes vários e insectos, e o resultado foram
receitas para os cozinhar. Por fim, desenha-
DR
ram um modelo de “quintas” para a criação
dos animais — o aspecto é o de um vestiário,
com várias portas e gavetas, no interior das
quais estão encaixadas estruturas verticais
onde estão os insectos em diferentes fases de
desenvolvimento.
Há, portanto, cada vez mais gente a pensar
nos insectos como a comida do futuro. Mas regressemos ao laboratório do Noma, onde Lars
continua a falar sobre o trabalho em torno do
umami, e começou a fritar um bolo de cevada fermentada. “Depois de fazermos isto e de
pormos na Internet, um amigo no Momofuko
[o restaurante de David Chang] telefonou-me
e disse: ‘Hey, you, guys, como é que nós não
pensámos nisso antes’?”
É que em vários pontos do mundo, do Momofuko em Nova Iorque ao laboratório ligado ao Fat Duck, o restaurante de Heston Blumenthal em Londres (por onde Lars Williams
também já passou) há chefs e cientistas a fazer
experiências com tudo o que possa significar
novos sabores. E a colaborar uns com os outros. “Às vezes fazemos aqui uma fermentação e enviamos uma parte para os tipos do
Momofuko para ver como é que ela evolui em
Copenhaga e em Nova Iorque.” “A experiência
do gosto é uma experiência do sítio”, sublinha
Mark.
E assim, no meio dos frascos, pipetas e
material de laboratório do Nordic Food Lab,
Lars vai buscar uma perna de porco curada
(por estranho que pareça, não há tradição de
curar porco na Dinamarca e eles andam a fa-
zer experiências com isso também), cabeças
de peixe em putrefacção, algas com as quais
já fizeram, com grande sucesso, um gelado.
Surgem colheres em cima da mesa, e o gelado,
levemente rosado e muito cremoso (a espessura é dada pelas próprias algas), desaparece
num instante. Mark conta que ele e o irmão
adaptaram uma bicicleta, transformando-a
numa espécie de carrinho de gelados, e foram por Copenhaga dando a provar o gelado
de algas às pessoas — as reacções foram da
rejeição ao elogio, mas sempre com alguma
desconfiança inicial.
Mas se as experiências aqui feitas forem bem
sucedidas e se alguns dos sabores aqui descobertos passarem para a ementa do Noma,
ali do outro lado do cais, talvez se comecem
a banalizar e um dia sejam tão naturais para
nós como é hoje comer sushi e sashimi. Basta
ultrapassar alguns preconceitos. E, afinal, porque é que gostamos de camarões mas não de
gafanhotos? E porque é que rejeitamos larvas
de abelha mas somos loucos por caracóis?
Quando deixamos o Nordic Food Lab e nos
despedimos da equipa, Halaigh e Arielle estão
debruçados, com um ar fascinado, sobre um
saco de plástico. Espreitamos. Dentro do saco
estão formigas esmigalhadas e um pouco de
óleo. “Estamos a ver se lhes conseguimos extrair o ácido”, explica Arielle. Será que tivemos
mesmo um vislumbre da comida do futuro?
A jornalista viajou a convite do The Food
Project da Dinamarca
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