a escola no mundo moderno - Associação Educacional Labor

Transcrição

a escola no mundo moderno - Associação Educacional Labor
Proposta Pedagógica Labor
fascículo 4
a escola no mundo moderno
São Paulo
2001
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© Associação Educacional Labor
Direitos de publicação reservados pela
- Rua Ministro Godói, 1213, São Paulo, SP, CEP 05015-001
A escola no mundo moderno / Associação Educacional Labor ; resp.
Margarida M. P. Gioielli ... et al. – São Paulo : EDUC, 2001.
42 p. ; il. ; 24 cm. – (Proposta pedagógica Labor ; 4)
ISBN 85-283-0246-6
1. Ensino. I. Gioielli, Margarida M. P. II. Associação Educacional Labor. III. Série.
CDD 371
Direção da Educ
Maria Eliza Mazzilli Pereira
Produção editorial
Maria do Carmo Guedes
Preparação e revisão
Sonia Rangel
Finalização e acabamento
Waldir Antonio Alves
Equipe responsável
Margarida M. P. Gioielli
Sílvia Pompéia
Daniella Michel
Equipe de redação
Margarida M. P. Gioielli
Sílvia Pompéia
Criação dos personagens
Francisco S. Villela Pinto
Revisão pedagógica
Vanda Noventa Fonseca
Edição de texto e imagens, projeto
Lia Zatz e Guida Amaral
Distribuição e vendas:
E-mail: [email protected] – Fax: (11) 3873-6133
As ilustrações deste fascículo foram elaboradas a partir das publicações de direito autoral livre,
a seguir: Graphic Source, Silhouette Spot Illustrations, More Silhouettes, Sillhouettes of Children,
Reading and Writing Silhouettes, Old-Time Silhouettes e Clip Art do Programa Corel Draw.
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Apresentação
Apoiar o ensino fundamental exige, hoje, ter respostas
concretas a problemas, entre outros, como o desajuste entre
a escola e seus alunos e a situação de desamparo do professor
em sala de aula. Idéias como essa aproximaram a PUC-SP
e as autoras da “Proposta Pedagógica Labor” –
que a testaram, com apoio da FAPESP e da VITAE,
em quatro escolas públicas de São Paulo.
Originalmente elaborada por equipe de educadores com
larga experiência junto a crianças com histórico de fracasso
escolar, a “Proposta Pedagógica Labor” se consolida na forma
de um conjunto de textos. Com apoio da ASSOCIAÇÃO
EDUCACIONAL LABOR – entidade sem fins lucrativos, que tem
como objetivo apoiar a “Proposta” em escolas públicas –,
a EDUC publicou uma edição experimental liberada, então,
para avaliação pela comunidade.
Agora, com a avaliação positiva de professores,
coordenadores pedagógicos, diretores e a aprovação do
COMPED – Comitê dos Produtores de Informação em
Educação – para integrar sua linha de publicações de apoio
à formação inicial e continuada do professor, a EDUC lança,
para um público mais amplo, a versão dos fascículos que
compõem, hoje, a “Proposta Pedagógica”: 1. Relação
escola-comunidade. 2. Teoria e prática. 3. Pequeno projeto
didático. 4. A escola no mundo moderno. 5. Atividades
da vida diária. 6. Avaliação. 7. Auto-estima.
Trata-se, no entanto, de proposta aberta a revisão
constante, já que apoiada na idéia de lidar com alunos e
professores concretos. Sugestões serão bem-vindas:
Associação Educacional Labor – [email protected] ou
EDUC – Editora da PUC-SP – [email protected].
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Era uma vez
Os personagens dessas histórias são pura
ficção. Qualquer semelhança com a realidade terá sido
mera coincidência.
Quando parece que as coisas estão indo melhor para Marina, a
reação de colegas e problemas de disciplina com as crianças
ameaçam sua paz. Que mundo complexo e difícil é este? Como
lidar com ele? Veja como Marina acaba fazendo, por si mesma,
uma descoberta interessante.
O
UM DIA QUE COMEÇOU MAL
dia começou com uma rápida reunião dos professores
das quartas séries, no horário da primeira aula.
A diretora pedira que os alunos fossem dispensados
da primeira aula; queria trazer algumas questões
apresentadas pelos professores das quintas séries.
Todo ano, mais cedo ou mais tarde, acontecia isso:
os professores especialistas se queixavam do nível
dos alunos da quinta série e eram as professoras
da quarta que levavam a culpa.
Desta vez, até as aulas de ciências de Marina
foram questionadas.
— Veja bem, Marina, sei que seus alunos
aprenderam muita coisa e aprenderam bem:
a classe toda teve um aproveitamento
bem acima do habitual. O que me
preocupa é o tempo que foi gasto
com um único ponto do programa.
Um mês inteiro com um assunto só.
Será que nesse ritmo você vai
conseguir vencer todo o programa de
ciências para a quarta série?
Marina não gostava de ser criticada e
logo se defendia com unhas e dentes.
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— E de que serve a gente correr com o programa,
entulhar a cabeça das crianças com um monte de
informações que elas não conseguem assimilar? No fim do
ano, a gente pode dizer que passou o programa todo. Mas
pode dizer que os alunos aprenderam mesmo?
— Eu dei esse ponto numa semana. E meus alunos
não foram tão mal assim na prova — comentou
uma professora.
— Pois eu não ensinei só o conteúdo que estava no
programa: meus alunos aprenderam a observar, a pensar, a
verificar suas hipóteses, concatenar as idéias; eles
aprenderam a fazer textos informativos e a usar seus
conhecimentos no seu dia-a-dia. Isso é que é importante!
— Até uma lamparina a óleo você inventou de
fazer com os alunos — comentou a outra, irônica.
— De que serve uma lamparina? Para ensinar o quê?
A diretora, conciliadora, não deixou se prolongar
aquela discussão e a reunião terminou sem muitas
conclusões, já que o tempo era curto. Marina, magoada e
irritada, foi direto para a sua classe.
Os alunos não ajudaram. Estavam especialmente
irrequietos nesse dia; era sempre assim quando as aulas
começavam um pouco mais tarde. Foi um custo segurá-los
até o recreio. Por mais que a gente faça, essas crianças de hoje são
difíceis: são muito dispersivas, desorganizadas. Não param quietas
na carteira, não prestam atenção. Parece que têm ouvidos e olhos para
tudo, menos para a lição. Na verdade, estão sempre alertas mas
enxergam e ouvem as coisas pela metade, logo se distraem, a coisa
mais difícil é se concentrarem.
Na hora do recreio, a coisa piorou. Uma correria,
uma agitação desenfreada,
um barulho que deixava a
todos enervados. Alguém
fechou a porta da sala de
professores, procurando
amenizar o desconforto.
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— A cada ano as crianças parecem piores e essa piora é
visível a olho nu! — falou uma professora mais velha. — Estão
cada vez mais agitadas, mais barulhentas, parecem um bando
de selvagens. A hora do recreio, que deveria ser de descanso,
fica insuportável com essa gritaria e essa
molecada desembestada.
— Estão espairecendo, coitados — defendeu a
Dora. — Já ficaram tanto tempo quietos, parados,
apertados na sala de aula...
— Não sei não. No meu tempo, a gente também
ficava quieto e apertado na classe, mas era diferente na hora do
recreio. A gente brincava, ria, conversava. Hoje, não. Se você
olhar bem, vai ver que as crianças nem sabem brincar: só
correm, esbarram umas nas outras, um pandemônio!
Parece que o maior interesse que elas têm é fazer balbúrdia,
bagunçar tudo.
Marina acenou com a cabeça, concordando com
a velha professora. Estava tensa e o recreio acabou sem que ela
tivesse tempo de relaxar um pouquinho.
A BRIGA
Os alunos voltaram à classe suados e
alvoroçados. Para cortar aquele clima de bagunça, Marina logo
começou as atividades. Estava trabalhando a fixação da
tabuada com um campeonato. Os alunos participavam com
muito entusiasmo: primeiro, fazia todos lerem alto as tabuadas
que tinha num quadro grande; depois, escondia o quadro e ia
perguntando para um aluno por vez. Se o aluno acertava, sua
fileira ganhava um ponto. Se ele errava, ela chamava qualquer
aluno de outra fileira que levantasse a mão. Quando
completava a rodada de todos os alunos, dava o jogo por
terminado naquele dia e contava os pontos. Gostava de fazer
essa atividade todo dia, de preferência depois do recreio,
que era uma forma de prender a atenção dos alunos
e quebrar o clima mais agitado que sempre acontecia
quando eles voltavam.
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Mas, naquele dia, nem isso deu certo: um dos
primeiros que ela chamou, o Fábio, não respondeu.
Estava amuado, empacado que nem uma mula. Otávio,
que era do mesmo “time”, não se conformou de perderem
um ponto assim.
— Deixa eu responder, psora, que a gente não pode
perder só porque ele está nervosinho!
Marina não deu ouvidos. Não gostava quando um
menino emburrava assim e era bom o Fábio ver que só
tinha a perder com isso.
Otávio ficou muito bravo. Pulou da carteira, correu
até o colega, deu um cutucão e fez alguma provocação.
Fábio se descontrolou: avançou em cima do outro com
tudo. Foi uma luta rápida, mas violenta. Marina teve que
segurar os dois e usar de toda a sua energia para apartá-los.
Furiosa, levou, ela mesma, os dois brigões para a diretoria.
Quando voltou, viu os alunos se sentarem correndo,
fazendo pose de comportados. O clima era de alarme.
Ela também ainda estava tremendo de raiva. Em silêncio,
apagou a lousa e decretou:
— Acabou o jogo. Vocês não merecem que a gente
se esforce pra dar uma aula interessante, agradável.
— É que o Fábio estava nervoso, professora —
arriscou uma menina, baixinho. — No recreio, uma turma
da sexta tava zoando com ele...
— E isso é motivo pra ele sair despejando em todo
mundo? — respondeu Marina, enervada. — Não sei o que
há com vocês. Estão cada vez mais agressivos, brigam e
lutam por qualquer motivo, brigam até mesmo dentro da
classe e não estão nem aí quando a gente manda parar.
São mimados demais, cheios de “não me toques”, qualquer
coisinha já fazem um barulhão. Mas para avançar nos
outros, bater, xingar, não fazem cerimônia. Tudo dá em
briga. Será que não receberam educação em casa?
Os alunos ouviam o sermão de cabeça baixa, cara
fechada. Amaralina tinha os olhos cheios de lágrimas.
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Robson, lá no fundo da classe, resmungou:
— É sempre assim, os outros aprontam e quem não
fez nada leva a culpa. Só sabem dizer: vocês isso,
vocês aquilo. Que saco!
Marina sentiu o sangue ferver. Tinha vontade de
bater naquele menino. Cortou a ousadia do garoto com
palavras tão ríspidas que todos se encolheram nas carteiras.
Aproveitou a calma aparente dos alunos para passar um
exercício demorado o suficiente para mantê-los ocupados
até o fim da aula. Uma lição daquelas que os professores gostam, um
monte de conteúdos para estudar em pouco tempo.
Os alunos ficaram em silêncio, mas o clima era
tenso, de tanto mau humor, que ela ficou o tempo todo de
prontidão. A maioria da classe fingia que estava trabalhando.
No fim da aula, ela comprovou: mais da metade nem
completara a primeira parte do exercício. Não tem a menor
dúvida: esses meninos de hoje são pre-gui-ço-sos. São comodistas e
qualquer esforço, pra eles, é um enorme sacrifício. Querem aprender
sem fazer força, querem conseguir as coisas sem qualquer trabalho. Às
vezes, até se interessam por alguma coisa mas se cansam logo, perdem o
interesse antes de chegar ao fim; na primeira dificuldade já querem
desistir. Têm grandes sonhos, acham que vão conseguir tudo, mas
perseverança é uma palavra que não existe pra eles. Parece que
imaginam que o mundo é mágico, prontinho para a sua satisfação e
quando se deparam com tarefas a cumprir, consideram um grande
desaforo. E como resmungam,
como se queixam de tudo!
O sinal da saída soou, para alívio de todos;
foi um custo para conter a impaciência dos alunos e garantir
que a classe não debandasse numa correria pela porta afora.
JOANA, A MERENDEIRA
Quando passaram pela cantina, viram Fábio que,
pacificado, lavava alguma coisa na pia.
— O Fábio é que se deu bem! — cochichou uma menina.
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Aquele comentário e o ar de satisfação do garoto
mexeram com Marina. Entrou na cantina e Fábio se
encostou na merendeira, como que pedindo proteção.
— O que você está fazendo aqui? —
perguntou, agressiva.
— Ele estava muito nervoso lá na
diretoria — falou D. Joana. — Então, a
diretora me deixou trazer ele aqui para
tomar uma água. E ele estava me
ajudando, não é, Fábio? — O tom
calmo e carinhoso da merendeira
aumentou a indignação da professora.
— Mas agora já está na hora
da saída. Vai pegar suas coisas e chispa daqui, que eu nem
quero mais ver você hoje.
Fábio saiu apressado e silencioso.
— É sempre assim! A gente manda um aluno
malcriado, insuportável para a diretoria e ninguém faz nada:
ficam agradando, consolando, como se a professora é que
fosse a culpada. Por isso é que eles nunca se emendam!
— Não é isso, D. Marina — respondeu D. Joana,
conciliadora. — É que ele estava mesmo muito nervoso, só
queria bater no Otávio. Não dava pra deixar os dois juntos,
nem na classe, nem na diretoria. Enquanto ele não se
aquietasse, ninguém podia fazer nada.
— Pois é, esses alunos já não precisam se controlar:
quanto mais agitados e agressivos eles ficam, mais a gente
agrada. Para acalmar. E eles estão sempre piorando.
— É este mundo que a gente vive, D. Marina. Tem
barulho demais, movimento demais, deixa a gente
atordoada. Os meninos estão excitados por demais com
toda essa agitação. Parece que eles precisam de fazer mais
barulho ainda, pra se escutar... Quanto mais tumulto em
volta deles, mais tumulto eles fazem. Cidade grande não é
bom pra menino crescer, não tem sossego. Menino também
sofre com isso. Ninguém percebe, mas eles andam nervosos.
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Que nem os adultos. É muita excitação.
D. Joana tinha uma fala mansa, carregada naquela
música do sotaque mineiro. Sem saber por que, Marina
também se sentiu um pouco consolada com aquela conversa.
Como Fábio. Mas não podia continuar ali; tinha pressa.
— Só a senhora não perde nunca a sua
tranqüilidade, né, D. Joana? Parece que tem um estoque pra
distribuir... — falou, despedindo-se.
O resto do dia foi desgastante, na correria de
sempre. Marina arrastava um peso pesado no coração. Era
uma mágoa enorme, um desânimo por não ser
compreendida pelos colegas, pelos alunos, por todos.
Ninguém dá valor para o que a gente faz...
A MÚSICA DE CHOPIN
Marina chegou em casa cansada e com os
nervos à flor da pele. Sentiu até um alívio quando encontrou
a casa vazia. Seu marido estava viajando e os filhos jantariam
fora, na casa do primo.
Nem acendeu a luz. Sentou no sofá da sala e se
deixou ficar, tentando acalmar o tumulto da sua cabeça.
Podia aproveitar o tempo pra fazer tanta coisa atrasada, mas
não tinha vontade de fazer nada. Sentia-se machucada,
nervosa; este dia tão espinhoso a deixara assim. Havia ainda
um espinho que doía mais: o olhar de ódio do Robson.
O pior aluno da classe: agressivo, desobediente, resmungão. Insuportável.
E nem adianta chamar a mãe para conversar, uma pobre coitada, só
fica se lamentando, que em casa o filho é assim também,
bate nos irmãos, não respeita ninguém.
Marina se levantou da cadeira, tentando fugir
desses tristes pensamentos. Acendeu a luz, foi beber água,
pensou em ligar a TV pra se distrair. Em cima do aparelho,
encontrou a fita que ganhara da filha no dia das mães e
sorriu. Era uma boa gravação de Chopin. Meus filhos caçoam
do meu gosto por música clássica, romântica, mas quando é pra me dar
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um presente, escolhem o que eu gosto. Resolveu escutar a música,
seu passatempo predileto.
O piano começou baixinho, ela pensou em
pegar uma costura ou o tricô, como era seu costume.
Mas não fez nada: sentou-se e fechou os olhos, era
uma música tão linda... foi escorrendo por
dentro dela, mansa, macia, como um banho
de água morna. Parou de pensar. Só ouvia.
E sentia. Ficou ali um bom tempo. As
notas doces e harmoniosas do piano
eram um reconforto, devolviam-lhe
a tranqüilidade. Como gostava
daquilo! O corpo relaxou e os
pensamentos ficaram leves.
Lembrou-se de Ângela, sua
ex-aluna. Ela, pelo menos, me deu valor.
Sorriu. O encontro com
Ângela fora, na verdade, um marco na sua vida. Nas
lembranças da ex-aluna reconhecera uma outra Marina, mais
feliz e mais criativa. E aquela Marina que andava meio
adormecida, escondida pelos cantos da sua alma, voltara
trazendo uma porção de coisas novas. Mas, hoje, a amargura
tomara conta de tudo. Eram outros tempos. As crianças eram
mais fáceis, mais tranqüilas. Por que essas crianças de hoje estão
assim? Afinal, os biólogos dizem que elas nascem iguaizinhas às
crianças de mil anos atrás. Se não nasceram diferentes, então foi a vida
que as tornou diferentes. Que mundo é esse, que as deixa desse jeito?
A fala da merendeira lhe veio à cabeça. Barulho
demais, movimento demais, tumulto... D. Joana sempre
vivera no interior de Minas; depois de viúva, viera ficar com
os filhos, todos já morando na cidade. Quando começara a
trabalhar na escola, já tinha a cabeça toda branca e era avó
de muitos netos. Devia ser difícil para ela, viver no ambiente
agitado da cidade grande. Mas nunca se queixava. Estava o
tempo todo trabalhando quietinha, sempre calma, gentil.
Humilde, mas cheia de inteligência, sensibilidade.
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Marina gostava de ouvir suas observações, sempre
surpreendentes: “Eles andam nervosos que nem os adultos.
É muita excitação”.
Marina sorriu. D. Joana, às vezes, usava uns
termos antigos, sofisticados até... excitação... Levantou-se para
pegar o dicionário. Queria ver bem o que significava essa
palavra. Encontrou:
• excitação: grande agitação; exaltação; irritação, exacerbação
e...
• excitar: estimular.
Sorriu. Não é que faz sentido? Sábia velhinha, aquela...
A gente pensa que as crianças gostam do barulho e do movimento, que
elas é que fazem isso. Mas pode ser como D. Joana disse... Isso também
faz mal a elas, não só aos adultos. A minha classe, por exemplo: voltou
enervada do recreio, tal como eu. O Otávio, a Adriana tentaram me
dizer que o Fábio estava sofrendo com o que lhe acontecera no recreio, por
isso estava nervoso. Mas eu, nervosa também, nem quis ouvir. Culpei a
todos pelo meu desconforto, acusando meus alunos quando pode ser que
eles fossem, de fato, as maiores vítimas.
Que será que aconteceu com o Fábio no recreio? Ele estava
mesmo bem atormentado... Coitada da diretora: talvez, se eu estivesse no
lugar dela, faria a mesma coisa, mandaria o Fábio ir se acalmar com
D. Joana. É incrível como ela consegue dar conta dos alunos mais
terríveis... A próxima vez que eu notar um menino muito agitado, nem
vou mandar pra diretoria, já mando direto para ela.
Marina já estava animada outra vez. Já retomara
sua esperança. Esta música me faz bem...
Devolveu minha tranqüilidade!
A SURPRESA
No dia seguinte, Marina chegou na escola
carregando um pequeno gravador. Começou a aula
com uma conversa incomum:
— Ontem, eu acho que fiz uma coisa muito
errada e quero me desculpar com vocês. Principalmente com o
Robson, porque ele tentou me avisar e eu não entendi.
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A classe estava muda de espanto. Todos olhavam para o
Robson, que se remexeu na carteira, desconfortável, a cara
emburrada, olhando para a parede.
— O problema do Fábio no recreio, aquela briga,
aquele alvoroço todo, foi muito chato pra mim, mas foi mais
chato ainda pra vocês. Eu fiquei muito nervosa e vocês
também ficaram nervosos. Só que eu fiquei me queixando de
vocês, acusando todo mundo, sem ver que vocês não tinham
culpa, tiveram que aguentar tudo, tanto quanto eu. Não foi isso
que você quis me dizer, Robson?
Robson quieto, encolhido.
— Você tinha razão, Robson. Eu devia acalmar a classe,
em vez de ficar brigando e acusando vocês pelo que estava
acontecendo. Quem acha, como eu, que o Robson tinha razão?
Bernardo levantou o braço, devagar. Os outros
olhavam, ainda sem coragem. Depois, Karen também. E os
braços foram se levantando, um a um. Robson, ainda
desconfiado. Olhando para a parede, a cara fechada.
— Pois é. Acho que eu não fui justa com vocês.
Professor também erra de vez em quando. Mas o importante é
perceber que errou pra poder consertar. O Robson quis me
avisar, mas eu estava tão brava que nem entendi. Fiquei mais
brava ainda. É verdade que o Robson falou de um jeito
malcriado, mas ele também estava nervoso, não é, Robson?
O menino abanou a cabeça, quase sem se mexer.
— Então, quando cheguei em casa, ontem, eu estava
superaborrecida, cansada. Aí, comecei a ouvir uma música de
que gosto muito, pra ver se me sentia melhor. É uma música
muito linda, mansinha, doce, que faz bem à gente. Quando eu
me acalmei, consegui entender o que o Robson tentou me falar.
Aí, eu tive vontade de trazer essa música pra vocês ouvirem
também. Porque ela é meio mágica. Acalma a gente e deixa os
sentimentos bons aparecerem.
Quem quer ouvir?
Muitos braços se levantaram.
— Vou pedir pro Robson vir aqui, ligar o gravador.
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O menino hesitou. Queria continuar emburrado
no seu canto, mas a vontade de mexer no gravador,
ligar o aparelho, foi maior.
Marina recomendou que todos ficassem bem
quietos para ouvir a música, pois ela era baixinha; que
tentassem ouvir também seus sentimentos.
O som macio do piano se espalhou pela classe, a
meninada debruçada na carteira, ouvindo. Quando Marina
desligou o gravador, cinco minutos depois, houve murmúrios
de protesto. Marina recomendou que todos respirassem fundo,
deixando o ar sair devagarinho. E prometeu um pouco
mais de música depois do recreio. Para descansar.
Foi um dia tão tranquilo que
Marina decidiu repetir muitas vezes a
experiência. Sempre justa, quis dividir seu
sucesso com D. Joana.
— A senhora é quem tinha razão:
as crianças de hoje sofrem com toda essa
agitação. É preciso inventar algumas
atividades só pra relaxar, pois isso faz
muito bem a elas. E foi tão gostoso trazer
uma coisa de que eu mesma gosto,
pra partilhar com elas...
— Quando a gente traz uma coisa de que
a gente gosta muito, sempre as crianças se agradam
também. Parece que o gosto da gente pega. Que nem gripe.
— É isso! Contagia — riu Marina.
— A senhora, D. Joana, entende muito de criança. É uma
educadora nata. Devia ajudar a gente, dar suas idéias
na reunião de professores.
— Qual! Uma matuta da roça, que nem eu...
— E a senhora não criou seus filhos? Não está
aí, o tempo todo observando os alunos, lidando com eles,
acalmando, dando conselhos? Todo mundo que trabalha
numa escola está sempre educando. Todos devem fazer
parte da equipe pedagógica da escola.
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— Qual! — repetiu a merendeira, teimosa.
— A gente nem tem estudo! Como é que vai ficar lá com
os professores. Só se for pra fazer feio!
— Pra fazer bonito, D. Joana, pra fazer bonito! A coisa
anda tão preta que os professores nem sabem bem o que fazer:
precisam da ajuda de todos, todos. A senhora fala assim
porque, às vezes, os professores parecem meio convencidos,
não dão a devida atenção. Eu, por exemplo, quando estou
atacada, não escuto ninguém, vou logo respondendo na lata!
— Que é isso, D. Marina? A senhora sempre ouve.
E sempre dá uma resposta boa. É só dar um tempinho...
Marina riu com gosto. E deu um beijo na
sábia merendeira.
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Você pode ajudar na
busca do entendimento mais amplo dessas
questões e na descoberta de estratégias que
ajudem a resolvê-las.
Nossa conversa
Vamos conversar, aqui, sobre algumas hipóteses que permitirão refletir
sobre o que está acontecendo com nossas crianças, tão inquietas, dispersivas,
agitadas e todas essas coisas, que tanto dificultam o trabalho dos professores.
Onde estarão as causas dessa agitação? Na situação das famílias? Acontece
somente em algumas escolas? Como será em outras cidades, em outros países?
O
mundo moderno não tem sido muito favorável para
o ofício dos educadores. Apesar de uma tecnologia
avançada, das facilidades – como poder contar com
as copiadoras, os vídeos e os jogos educativos,
e mesmo os computadores –, nosso mundo complicou
bastante o trabalho dos pais e professores, da família e da
escola, por vários motivos.
Sabemos pouco a respeito da influência e das
conseqüências da vida moderna na formação das nossas
crianças e adolescentes; mas podemos perceber alguns
problemas que vêm exigindo profundas mudanças na
escola. E imaginar soluções.
Escolhemos apresentar
aqui, para discussão, quatro problemas
ou “complicadores” que parecem
dificultar o trabalho da escola e dos
professores. Como não temos verdades
conclusivas nem soluções
experimentadas, expomos com
simplicidade algumas constatações,
alguns diagnósticos e algumas hipóteses
de soluções para esses problemas,
esperando que você, professor, ajude-nos a
verificar a justeza dessas observações.
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PRIMEIRO COMPLICADOR: A ESCOLA P ERDE P RESTÍGIO
Constatando:
O mundo moderno, com suas rápidas
transformações, suas numerosas conquistas, descobertas,
seu montante inesgotável de informações, tem invadido e
desorganizado a instituição escola, exigindo dela mudanças
profundas, para as quais não estava preparada.
Se, por um lado, o avanço tecnológico oferece
recursos preciosos para o ensino, põe também em xeque as
estratégias e os métodos tradicionais, exige espaço físico,
aparato instrumental e preparo para o seu aproveitamento,
condições difíceis para nossos recursos.
Os meios de comunicação de massa, sobretudo o
rádio e a televisão, desbancaram a escrita como principal
forma de armazenar e comunicar informações a distância e
desbancaram a escola da sua posição de principal centro
dinâmico de informações.
O mundo moderno, portanto, parece atacar o papel
do professor, invadir seu espaço, enquanto exige da escola
que ela seja cada vez mais abrangente, eficiente e inovadora.
Tentando diagnosticar:
Não há como negar, a tecnologia trouxe mudanças
importantes no comportamento e no nível de exigência dos
homens. Quem, hoje, na cidade, se dispõe a matar um
frango e depená-lo para depois cozinhar? Enquanto nossas
avós faziam isso com naturalidade, nós, mulheres de hoje,
só conseguimos pensar na compra do frango limpo,
ensacado e quase pronto.
Da mesma forma, qual o professor que se prestará a
elaborar um texto ou uma prova e copiá-lo à mão para
cada um dos seus alunos, quando já conheceu o estêncil ou
uma copiadora xerox?
Assim, também, os alunos protestam ao ter que ficar
assistindo uma aula expositiva, recebendo as informações
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passivamente, quando fazem isso diante de uma TV de
forma muito mais completa e com muito mais graça.
Será que o tempo da cátedra, por mais que
insistamos, não estará condenado?
A TV, a mídia em geral, habituaram as nossas
crianças a uma outra forma de receber informações,
que supera em qualidade e eficiência a simples aula
tradicional de um professor – a exposição oral com escrita
ou desenho na lousa.
Não adianta o professor ficar revoltado ou
deprimido com o comportamento dos alunos dentro da sala
de aula: eles estão tão intolerantes ao ensino tradicional quanto
nós estaríamos se quisessem nos obrigar a matar e depenar
frangos, tal como faziam pacificamente nossas avós.
Não adianta o professor clamar contra os
defeitos e limites, a superficialidade e os perigos da TV. Comer
um frango recém-abatido é mais gostoso e mais nutritivo, mas
nem por isso nos conformamos em usar esses procedimentos.
·
Buscando soluções:
O que a aprendizagem necessita, realmente, é de
algo mais, que está fora do alcance da TV: a interação, a
possibilidade de perguntar, corrigir, exercitar, manusear ou
lidar com a realidade concreta, não-virtual.
É esse o espaço do professor.
A educação necessita da presença, do diálogo,
do olho no olho, da atenção, do reconhecimento, da emoção e
da confiança daquele que educa. Esse é o trabalho
insubstituível do educador. Quem poderá, melhor do que ele,
conhecer individualmente cada criança ou jovem, ajudá-lo a se
descobrir, a encontrar um caminho próprio, sua presença
fundamental na comunidade?
O mundo mudou e vem exigindo também
mudanças na função do professor: seu papel de transmissor de
informações, de expositor, tende a diminuir, enquanto cresce
seu papel de interlocutor, de fonte de estímulo, de condutor
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da aprendizagem. O professor deixa de ser um simples
“ensinador” e passa a ser um “mestre”, um planejador de
situações de aprendizagem.
Uma vez que a escola e os professores tomarem
consciência desse seu papel mais importante, mais nobre e
conseguirem adotar esse novo ponto de vista, então, as
conquistas tecnológicas deixarão de ser um complicador e
poderão se tornar um precioso apoio, instrumento para
aqueles que quiserem e souberem usar.
SEGUNDO COMPLICADOR: A ESCOLA É MAIS SOLICITADA
Constatando:
Há, hoje em dia, uma expectativa muito grande em
torno da formação e da habilitação das crianças e dos
jovens. Todo mundo quer que eles estejam solidamente
preparados para enfrentar desafios e especialidades cada
vez mais complexas.
A família, principalmente a família-por-fora,
de que temos tratado aqui mais especialmente, já não
consegue assumir uma boa parte da formação dos seus
filhos para o trabalho e a vida, por estar, ela mesma,
incapacitada de assimilar e dominar todas essas mudanças.
Assim, cada vez mais se considera que a escola é
responsável pela formação desses jovens e é dela que se
exige todo o esforço e toda a realização. E é a ela que se
dirigem as críticas, quando o resultado não responde às
expectativas. A escola e os professores vêm sendo “mal
vistos” e mal atendidos por nossa sociedade. Professores e
alunos se vêem mergulhados num mar de exigências e se
sentem incapazes de corresponder a todas elas. Muitas
vezes são “atropelados” pelas novas descobertas, novas
teorias e métodos que são substituídos rapidamente,
quando apenas começam a ser assimilados.
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Tentando diagnosticar:
Já acumulamos na nossa cultura uma quantidade
infinita de informações. E estamos vivendo uma época em
que o conhecimento da humanidade vem se ampliando numa
velocidade vertiginosa. As inovações, as descobertas são
constantes em todas as áreas da ciência e da tecnologia e as
transformações se sucedem.
Com as máquinas, o homem consegue fazer em
poucos dias o que levaria anos para fazer sem elas.
Essa experiência empolgante leva a nossa sociedade a
acreditar que tudo pode acontecer dessa forma:
rapidamente, conseguir grandes transformações.
A nossa sociedade tem pressa.
É voraz e competitiva. É volúvel e sem limites
nas suas possibilidades.
No entanto, há áreas em que o ritmo dos
acontecimentos continua atrelado à lenta transformação da
natureza: é o caso da agricultura e da educação. Não há
máquina que consiga fazer uma semente de milho germinar e
crescer em três dias; nem que consiga abreviar o tempo de
gestação da mulher ou fazer um bebê começar a falar aos
dois meses de idade. Assim como o agricultor, o educador
tem que esperar o tempo da natureza, tem que enfrentar as
intempéries, lidar com os imprevistos e
com as particularidades de cada menino ou
menina com quem trabalha.
Da mesma forma que é impossível acumular numa só
cabeça todas as informações de que já dispomos na nossa
cultura, também é impossível desenvolver, em um mesmo
aluno, todas as competências que se espera de um adulto
“completo”. Por isso, muitas vezes o trabalho do educador é
pouco valorizado, considerado de pouca eficiência. Se a
escola se preocupa demais em estar atualizada, em seguir
todas as correntes, as modas, em colocar tudo o que existe à
disposição dos alunos, corre o risco de se perder num
emaranhado de caminhos, numa instabilidade que,
fatalmente, vai confundir alunos e professores.
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Buscando soluções:
Uma forma de levar os alunos a aproveitar a enorme
riqueza de conhecimentos que a humanidade acumulou e está
conquistando, é reduzir nossa preocupação de informá-los e
dar maior importância a habilitá-los a buscar e usar as
informações. Estimular suas próprias capacidades e talentos,
desenvolver habilidades, formar atitudes, esta nos parece a
função principal da escola de hoje.
Um dos princípios da Labor é o de que:
A função primordial da escola não é informar, mas, sim,
formar aprendizes: oferecer instrumentos eficazes para que
os alunos possam buscar informações, compreendê-las e
utilizá-las, possibilitando-lhes que aprendam sempre.
Assim, acreditamos que o mundo moderno pede uma
radical mudança de postura ao professor. Antes, ele tentava
desenvolver nos alunos habilidades cognitivas e atitudes que
pudessem servir como instrumentos para adquirir informações
sobre um tema. Hoje, ele deverá, sobretudo, usar um tema e as
informações que estão disponíveis como instrumentos para
desenvolver as habilidades e atitudes necessárias para o aluno
se tornar apto para aprender sempre.
Outro aspecto importante para formar os alunos com
solidez e coerência é fazer escolhas e seguir essas escolhas com
alguma estabilidade. Diferentes caminhos podem nos levar ao
mesmo lugar. Mas muitos caminhos, juntos, não nos
levam a lugar algum.
A escola precisa ter um caminho básico, uma linha
mestra, uma postura coerente para oferecer um ambiente de
educação verdadeiro.
TERCEIRO COMPLICADOR: A ESCOLA LIDA
COM UMA CRIANÇA MAIS COMPLICADA
Constatando:
A mudança no perfil dos alunos que freqüentam a
escola nessas últimas décadas é um consenso, pelo menos
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entre os educadores no mundo ocidental.
Fala-se muito do aumento da agitação, da
desordem, da dispersão e falta de limites dentro da sala de
aula; das dificuldades de atenção, concentração, interesse e
esforço nos estudos; da postura menos respeitosa e mais
exigente em relação à autoridade; da agressividade,
da indisciplina, do aparente excesso de
autoconfiança da criança moderna.
Evidentemente, com esse novo perfil dos
alunos, o trabalho do professor se torna muito
mais difícil, vulnerável, penoso.
A descrição dos alunos em escolas da cidade
grande é a mesma, sejam eles ricos ou pobres, com pais
severos ou liberais, de tal ou qual cidade ou país. As
explicações podem ser diferentes, mas, se o fenômeno é o
mesmo, as causas não seriam mais universais?
Tentando diagnosticar:
Na década de 60, o educador belga Louis Évely
levantou algumas hipóteses mais abrangentes sobre as
causas dessa maneira de ser das crianças de hoje.
A vida moderna, marcada por uma tecnologia avançada,
pela dispersão da família, pelo excesso de estimulação
dos sentidos, pela pressa e pelas constantes mudanças
seria responsável pelo quadro de agitação,
falta de concentração, irritabilidade e comodismo
da criança moderna.
Há um excesso de estímulos que atingem
as crianças no seu dia-a-dia, na hora de comer, de
dormir, de brincar, etc. Os sons do rádio, dos carros e
das máquinas em funcionamento; as imagens que
passam velozmente na TV, nas janelas dos carros, nos
outdoors, etc.; a constante mudança de ambientes, tudo
isso desnorteia a criança, provoca excitação, anestesia a
percepção e dirige o tempo todo sua atenção para fora, não
lhe dando tempo para “digerir” as sensações.
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Veja o que este
educador escreveu, no livro
Éduquer en s’éduquant:
A criança precisa de tempo para descobrir o seu mundo,
precisa repetir muitas vezes suas experiências para compreendê-lo.
Quando é pequena precisa de ordem, de rotina e de constância para
construir suas previsões, sua personalidade e seu conhecimento. Se a
estimulação é importante para que a criança se desenvolva, possa
exercitar suas capacidades e despertar para o mundo, o excesso de
estimulação dificulta a verdadeira assimilação do conhecimento,
agita e provoca irritação. A interação com o ambiente, que é
fundamental para o desenvolvimento da criança, fica prejudicada
tanto pela ausência de estímulos como pelo seu excesso.
A criança moderna tem poucas chances de desenvolver sua
capacidade de observação, de análise, de pousar demoradamente o
olhar sobre as coisas que a rodeiam. Habituou-se ao olhar apressado,
a passar pelas coisas sem ver e a ver sem enxergar; a ouvir sem
escutar, a assistir sem interferir, sem deixar sua marca, sem
experimentar. O exercício de concentrar atenção, de experimentar,
de ver com as mãos, de modificar o que vê, que sempre foi o
passatempo predileto da criança pequena, pelo menos até os 7, 8
anos, tornou-se muito menos freqüente pela concorrência de outras
distrações, prejudicando o desenvolvimento de algumas capacidades
essenciais.
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Outra conseqüência do mundo moderno,
pautado por uma avançada tecnologia, é a dificuldade de
avaliar e conhecer a realidade. O mundo das máquinas é
mágico, fantástico, artificial. Nunca o homem se sentiu tão
poderoso e tão impotente como no nosso tempo. Sente-se
poderoso porque, com suas máquinas, é capaz de realizar
grandes prodígios, vencer distâncias, encurtar o tempo,
multiplicar a produção. Sente-se impotente porque se
habituou com as máquinas, planejou sua vida a partir delas e
sabe que depende delas para tudo; sem elas, fica
desorientado, não sabe o que fazer, percebe-se incapaz
para resolver suas necessidades.
Além disso, uma meta das mais importantes
na nossa sociedade é a de facilitar as coisas, de realizar cada
vez mais com menos esforço; para diminuir a ação do
homem, os cientistas e inventores dedicam toda a sua
energia. Valorizamos tudo que é automático, rápido, fácil. Se
temos que rodar uma manivela para abaixar o vidro de uma
janela, inventamos o vidro que desce automaticamente,
diminuindo a nossa ação para um simples apertar de botão;
se temos que nos levantar para mudar o canal da TV,
inventamos o controle remoto, etc. A máxima do menor
esforço está presente nas propagandas, nas novidades, nas
nossas atitudes mais básicas. As crianças aprendem isso
desde pequeninas. Não será por isso que rejeitam o esforço,
esperam que tudo seja fácil e imediato, são comodistas?
Finalmente, o que mais se pede à criança, hoje, é que
ela fique quieta: com o espaço reduzido das moradias e os
perigos das ruas nas cidades, a criança já não pode dar vazão
à sua natural necessidade de movimento, de mexer nas
coisas, de experimentar. No mundo moderno urbano,
adultos e crianças dividem o mesmo espaço e ambos se
atrapalham constantemente. À criança se pede que fique
quieta, que se distraia e aprenda sem atuar, que seja inativa;
ela aprende a restringir seus movimentos e sua curiosidade,
a economizar trabalho e esforço e não compreende
quando exigem dela o oposto.
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Veja o que Louis Évely escreve:
A vida moderna tenta substituir por toda parte o trabalho do
homem pela ação de uma máquina. A máquina exerce um fascínio no
homem justamente pela capacidade de realizar rápida e eficientemente
uma quantidade incrível de trabalho. No entanto, as máquinas
impedem nossas crianças de amadurecer. Muito cedo, elas se
habituaram à mágica da tecnologia e ao conforto que ela proporciona.
Seu mundo é “pré-fabricado”, o que está à sua volta está pronto ou
quase pronto, o esforço para se conseguir grandes transformações é
mínimo, freqüentemente se resume em apertar um botão. Ela acredita,
naturalmente, que o esforço, o tempo para se conseguir a satisfação de
um desejo, são sempre muito pequenos e custa a compreender que isto é
necessário para desenvolver suas capacidades.
No entanto, quando se trata de educação, aprendizagem e
desenvolvimento das suas próprias capacidades, a máquina pouco pode
fazer: o homem é um ser que se constrói. Uma criança só se torna um
adulto com muito tempo e muito esforço. Por isso, a natureza a
dotou de tanta curiosidade, tanto gosto pela atividade,
pelas aventuras e as novidades.
Éduquer
en
s’éduquant
Louis Évely
Pois é. Assim escreveu Louis Évely, quando muitos
dos atuais professores nem sequer haviam nascido!
De fato, os problemas que ele apresentou só
aumentaram: nossos alunos parecem cada vez mais nervosos,
distraídos, passivos. Marina os descreve assim e a maioria
dos professores concorda com ela. Nosso mundo vem se
tornando cada vez mais barulhento, movimentado, instável,
sobrecarregado de estímulos cada vez mais variados e mais
intensos. E nossos alunos têm um comportamento muito
parecido com aquele descrito no dicionário como excitação:
agitados, birrentos, agressivos, exaltados e exacerbados.
Os problemas de comportamento e disciplina vêm
ocupando o primeiro lugar nas preocupações de pais e
professores; tomam um enorme espaço no tempo das aulas,
nas reuniões pedagógicas, nas reuniões de pais e mestres,
enfim, no cotidiano da família e da escola. Nos grandes
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centros urbanos, têm adquirido uma dimensão
de real gravidade.
E, o que é mais doloroso, crescem e se
agravam sem que os educadores consigam enfrentá-los, nem
amenizá-los: pais, professores, diretores começam a
se sentir perdidos, angustiados e impotentes.
Buscando soluções:
Como já dissemos, não temos soluções
prontas nem suficientemente testadas; precisamos da
colaboração e da criatividade de todos os professores
que se preocupam com esta nossa criança moderna
que precisa tanto de ajuda.
Temos apenas algumas idéias e estratégias já
usadas por professores que trouxeram alguns
bons resultados.
Ao sugerir soluções, Louis Évely faz
importantes colocações:
Inútil imaginar uma educação como em outros
tempos, sem perceber as mudanças fundamentais que caracterizam os
nossos tempos. Mais inútil ainda é tentar afastar a criança das
conquistas tecnológicas imaginando que assim ela será preservada
daqueles efeitos colaterais que lhe são prejudiciais.
Nós acreditamos necessário renovar os métodos de
educação. E renová-los constantemente. O educador deve sempre
seguir a criança, observá-la, auscultá-la, adaptar-se a ela para poder
adaptá-la mais eficazmente e mais vigorosamente a ele e às suas
tarefas de amanhã (...).
Acreditamos que nos encontramos diante de uma
geração muito passiva e muito agitada. Na idade em que os recebemos,
a melhor maneira de tratá-los, nos parece, é estimular sua atividade
por cursos muito vivos, bastante iniciativa e responsabilidade, esportes
e interesses variados, e uma disciplina firme mas consentida e mesmo
desejada pela maioria dos alunos (...).
A reserva de vida, interesse, atividade, natural nessa idade,
pode ser o trunfo dos professores para responder ao comodismo da
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vida moderna. A criança moderna sofre com a vida inativa e passiva a
que está condenada e não sabe como dar vazão à sua necessidade de
movimento, ação, criação. Cabe aos educadores despertar e encaminhar
o desejo latente que os alunos só conseguem expressar através da
turbulência e da pura agitação.
A sociedade, ainda orientada para as questões
filosóficas quando se fala de educação, continua discutindo o
tema dentro da dicotomia: autoritarismo x liberalismo. Mas
talvez a questão esteja exigindo respostas que nada têm de
filosóficas ou que pouco têm a ver com o modo de ser dos
educadores. Por exemplo: se o problema é realmente o
excesso de estimulação, de excitação das crianças e
adolescentes, não seria mais eficiente acalmá-los, inventar
formas de amenizar a excitação, através de atividades de
relaxamento, do que ficar o tempo todo exigindo silêncio ou
punindo os desordeiros?
Ao ouvir a música de que tanto gosta e ao se
tranqüilizar, Marina entendeu o que D. Joana dissera: que seus
alunos também sofriam. Ao levar até eles aquilo que a
apaziguara, intuiu uma forma de conseguir o mesmo com
seus alunos: com toda a simplicidade, partilhou com eles
aquilo que a emocionava e lhe dava satisfação. Os
resultados foram bons.
Acreditamos que é necessário buscar
formas de oferecer na escola um ambiente mais
tranqüilo, mais relaxante para as nossas
crianças agitadas.
O próprio ambiente físico pode
sofrer pequenas modificações que reduzam
o barulho e a reverberação dos sons dentro
da escola; os espaços ao ar livre poderiam
incluir um pedaço de chão de terra e plantas
para as crianças freqüentarem e onde possam
desenvolver algumas atividades; o uso de voz
baixa pelos adultos, procurando chegar perto dos
alunos quando querem falar especificamente com
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Alguns professores desenvolveram atividades que
tiveram bom efeito para
tranqüilizar os alunos:
=atividades ao ar livre
= atividades envolvendo
mexer diretamente com
terra (plantar, cavar,
construir)
=atividades com música em
surdina
=exercícios de respiração e
relaxamento
=atividades que mostrem o
bom efeito da harmonia em
um grupo (coral, coreografias, etc.)
= atividades de artes
envolvendo argila, massa de
papel, pintura com pincel
=atividades que permitam
a expressão e elaboração dos
sentimentos de cada um
(criação dos alunos em artes
plásticas, poesia, redação,
música, dança, etc.)
algum deles, em geral tem um grande efeito
pacificador entre as crianças.
Observamos também que quando se
consegue tranqüilizar os alunos, sua
capacidade de concentração e aprendizagem
aumenta. Não seria então o caso de
preparar um pouco os alunos para aquelas
atividades que vão exigir mais concentração,
mais exercício mental? Ao perceber o
quanto seus alunos gostaram e relaxaram
com a música que trouxera, Marina lhes
prometeu repetir a dose logo depois do
recreio. Sábia medida: após o alvoroço e a
agitação do recreio, faria uma pequena
pausa, permitindo que os alunos se
acalmassem antes de voltar à aula e aos
exercícios planejados. Alternar as atividades
que acalmam com as que necessitam de
esforço intelectual pode ser uma estratégia
tão rica quanto alternar atividades mais
práticas com aquelas mais teóricas, como
sugerimos anteriormente. Talvez nessa
alternância esteja um dos segredos mais
importantes do sucesso de um professor.
QUARTO COMPLICADOR: A ESCOLA SE
ENCONTRA NUM MUNDO COMPLEXO E
INSTÁVEL
Constatando:
Vivemos num mundo rico, dinâmico,
plural. Os avanços das ciências, as
constantes descobertas e invenções, a
convivência muito estreita dos
vários povos e das muitas culturas que
se espalham no planeta tornaram
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nossa sociedade muito pluralista e mutável. Há uma enorme
diversidade de costumes, de crenças e opiniões num mesmo
espaço social e nem sempre há boa harmonia entre eles; todo
dia surgem novas teorias, novos valores que muitas vezes se
contrapõem aos antigos.
Este mundo complexo e em constante transformação
pode ser muito difícil de compreender e, por vezes, deixa as
pessoas desorientadas, instáveis, sem referências. A diversidade
e a mudança de valores podem acabar esvaziando pessoas e
instituições, podem mesmo deixá-las sem valores e sem
parâmetros.
Nosso mundo moderno é cheio de promessas e de
oportunidades. Oferece um grande espaço para as pessoas
crescerem e se aperfeiçoarem. Mas exige um grande esforço
de reflexão, muita consciência, muita criatividade e intuição
para que se possa fazer
escolhas, tomar
decisões, traçar
caminhos
individuais e
coletivos.
Tentando diagnosticar:
A criança moderna,
dispersiva e sem muita
noção das suas
potencialidades e dos seus
limites, tende a se perder
neste contexto tão complexo
e muitas vezes contraditório.
Nossos adolescentes e
jovens, pouco acostumados a
refletir, tendem a assimilar,
mais ou menos, as idéias
novas, sem muito critério, sem
perceber suas contradições;
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muitas vezes tendo dificuldade de discriminar
o que é bom do que lhes pode ser prejudicial.
A juventude moderna está profundamente
marcada pela falta de valores, pela falta de perspectivas, pelo
conformismo com um mundo que critica, despreza, mas não
se sente capaz de mudar. Nosso mundo tem se preocupado
muito em desenvolver a inteligência das suas crianças, mas tem
sido imprudente e omisso no trato da sua sensibilidade.
Louis Évely ainda vai mais longe: para ele,
a falta de valores e de perspectivas é uma
doença do nosso tempo:
Acredito que não são os pais, nem as famílias, os
maiores culpados. Não são as crianças, nem são seus pais que estão
doentes. Nosso tempo é que está doente: não há fé, a dúvida tornou-se a
opinião geral; não há segurança, vivemos sempre com medo do que nos
pode acontecer amanhã; não há otimismo: o mau humor, a amargura, as
profecias de desgraças parecem ter-se generalizado. Ora, para crescer, as
crianças têm necessidade, antes de tudo, de fé, de segurança, de confiança.
Cada família pode lutar o quanto quiser que não vai conseguir se proteger
das correntes de opinião que estão em voga, da moda ou das ondas que
afetam a sensibilidade contemporânea.
Acreditamos que muitos dos problemas de
comportamento e disciplina que tanto penalizam a escola e a
família, são conseqüência da desorientação e falta de
referências dos nossos alunos.
Sem valores, sem crenças, eles ficam à mercê dos
seus instintos mais primitivos, dos seus desejos do momento;
para cada atitude que tomam, buscam uma justificativa no
amplo repertório de opiniões que a nossa sociedade oferece; e,
perdidos nesta diversidade de costumes, valores, crenças,
acabam concluindo que tudo é possível e tudo é tolerável. São
contraditórios, irrefletidos, não sabem bem o que querem e se
deixam levar pela primeira idéia que
aparece. Defendem a liberdade mas não sabem exercitá-la;
querem que tudo seja permitido, estão cheios de desejos, mas
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sem vontade. E isto, por mais contraditório que possa
parecer, deixa-os muito vulneráveis a qualquer tipo
de dominação.
Mas o nosso mundo em transformação não atinge
só os nossos alunos: também nós, professores e educadores,
nos encontramos meio perdidos, sem saber com muita
clareza o que podemos, o que devemos e o que não seria
conveniente fazer: vivemos com medo de sermos taxados
de autoritários ou de permissivos demais, de castradores
ou de ausentes, de incompetentes ou de injustos, de
retrógrados ou de irresponsáveis.
Somos assaltados por uma infinidade
de pontos de vista, teorias, metodologias que
mudam e são substituídas justo quando começavam
a ser assimiladas.
E quando nos defrontamos com a criança ou
com o adolescente que não nos atende, que se comporta
mal, que nos decepciona, muitas vezes nos sentimos
inseguros, sem saber o quanto devemos nos impor e o
quanto devemos atender àquela vontade que se opõe à nossa
vontade. Para cada conflito, para cada comportamento
inadequado das nossas crianças e adolescentes, há sempre
uma dúvida pesando sobre nossos ombros de educadores,
uma pergunta pairando sobre nossas cabeças: não
poderíamos ter evitado?
Nossa grande esperança é encontrar uma forma ou
um método que resolva os nossos problemas, que facilite o
nosso trabalho e garanta um bom entendimento com nossos
alunos. Porém, estaríamos enganando a nós mesmos e aos
nossos alunos se acreditássemos que o processo de educação
pode ou deve ocorrer sem conflitos, manso e indolor,
natural e não-diretivo. Educar não é nadar num mar de
rosas, não é uma tarefa fácil. Educar significa promover
crescimento, conduzir, fazer escolhas, muitas vezes remar
contra a corrente; provocar desequilíbrios, abrir novos
caminhos, propor desafios, assumir compromissos,
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trabalhar com incertezas, correr riscos e.... quantas vezes!
ter que encarar insucessos e erros de percurso.
Buscando soluções:
Nos três fascículos anteriores, tratamos de
como o professor deve se aproximar dos seus alunos, buscar
conhecê-los e compreendê-los para planejar um ensino que
lhes seja mais adequado, despertando o seu interesse e
possibilitando-lhes experimentar o prazer de aprender.
Isto pode levar a crer que imaginamos que a
tarefa principal do professor é agradar o aluno, fazer só o
que ele gosta; ou que oferecemos um remédio infalível para
se conseguir sempre um clima muito harmonioso e rico de
aprendizagem na classe.
Seria muita ingenuidade da nossa parte.
E seria negar aos alunos sua condição de sujeitos que agem e
interagem, que tomam iniciativas, inventam, decidem,
querem e não querem.
Acreditamos que muitos conflitos e muitas
dificuldades de aprendizagem podem ser solucionados
quando o professor consegue tornar o ensino significativo,
interessante e útil para o aluno. Mas isso é só meio caminho
andado; será ainda necessário desfazer preconceitos,
enfrentar resistências, mudar hábitos, vencer a indolência, a
desconfiança ou a falta de confiança em si, lidar com a
provocação, a insubordinação.
Não há respostas prontas e não há soluções
milagrosas. É preciso inventar, criar, experimentar
estratégias, ir construindo caminhos, acertando o passo.
Então, precisamos da ajuda de todos, precisamos de muitas
cabeças pensando, precisamos da criatividade, da intuição e
do saber de todos.
Marina, com a fala de D. Joana, de repente
percebeu seus alunos de uma forma diferente: pela primeira
vez, se perguntou se eles também não sentiam o mesmo
desconforto que ela. Na sua simplicidade, D. Joana levou a
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segura professora a perceber que todos estão no mesmo
barco, todos partilham os problemas e todos podem desejar
soluções: a merendeira, a diretora, os professores, os
próprios alunos. Marina, com seu senso de justiça,
reconheceu a importância da fala da humilde companheira,
quis partilhar com ela seu pequeno sucesso e a satisfação que
sentiu com ele. E disse uma coisa importante: todo mundo
que trabalha numa escola está sempre educando. Todos
devem fazer parte da equipe pedagógica da escola.
É fundamental que, numa escola, todos participem
do processo educativo. Ensino e educação são
responsabilidades humanas e não só de uma categoria de
pessoas; existiam muito antes de se pensar em escolas e,
certamente, existirão sempre. A responsabilidade de educar
cabe a todos: professores, diretores, funcionários, pais, até
mesmo colegas. E quanto mais gente estiver disposta a
pensar e a colaborar na tarefa de encontrar soluções novas
para problemas novos, mais probabilidade haverá de se
atingir este objetivo.
Também é um princípio da Labor que:
Qualquer pessoa detém um saber que pode transmitir
aos outros: assim, numa escola, a equipe pedagógica se
constitui de todas as pessoas que trabalham nela e não
só dos professores; a escola pode ter a colaboração de
pais de alunos, de pessoas da comunidade, de alunos,
etc., quando for interessante para o crescimento
dos alunos.
Neste mundo moderno, instável e contraditório, para
que a escola consiga exercer plenamente sua missão, precisa
construir uma identidade própria. É fundamentada no
conjunto dos seus educadores que a escola vai poder
encontrar essa identidade. E é na reflexão conjunta desses
educadores que pode definir metas, buscar caminhos,
elaborar sua própria forma de lidar com situações
envolvendo comportamentos e atitudes que considera
importantes de desenvolver nos seus alunos.
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A escola, como uma pequena comunidade onde
diversas pessoas trabalham juntas, exercendo papéis diferentes,
certamente tem suas normas, suas expectativas, exigências e
proibições. Porém, acontece muitas vezes que essas normas
não são conhecidas ou não são compreendidas e
compartilhadas pelas pessoas que compõem a comunidade
escolar, dando espaço para atitudes heterogêneas,
discórdias, arbitrariedades.
Marina, ao mandar para a diretoria seus alunos
que brigavam, passou à diretora a responsabilidade de lidar
com aquele problema. Porém, zangou-se ao constatar que a
atitude da diretora não era aquela que ela esperava.
Muitas vezes, a falta de confiança entre os
adultos e sua insegurança quanto ao papel que devem exercer
diante dos alunos, confundem mais do que educam.
Mais do que nunca, a criança e o jovem de hoje
necessitam de um ambiente organizado, estável e seguro para
poder evoluir. Precisam de referências, de normas claras e do
apoio firme dos adultos para que tenham condições de ver a si
mesmos e ao seu mundo com mais nitidez e menos confusão.
E, mais do que nunca, a escola deve reservar um
tempo para que toda a comunidade escolar (inclusive alunos)
reflita e decida sobre as normas essenciais que devem nortear
o comportamento de educadores e educandos, pesando bem
as medidas que serão tomadas, avaliando o quanto
elas vão custar para serem concretizadas e
mantidas. E, uma vez estabelecidas,
respeitá-las com firmeza,
persistência e serenidade.
Para terminar esta
já longa conversa,
trazemos mais um trecho
de Louis Évely, quando ele
fala a respeito do dilema
entre educação mais liberal
ou mais autoritária:
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O que falta ao nosso mundo é, talvez, uma concepção
justa da obediência, uma conciliação entre o ideal de independência
pessoal e aquele de solidariedade social.
Não há entre autoridade e liberdade o conflito insolúvel
que se imagina.
Não há, pois, dois métodos de educação, um de
autoridade, outro de liberdade entre os quais seríamos forçados a
escolher. Toda educação começa pela autoridade com muito pouca
iniciativa e termina pela iniciativa e responsabilidade com muito
pouca autoridade.
Autoridade e liberdade, disciplina e iniciativa devem ser
as forças que compõem, de forma flexível e alternada, uma
educação bem compreendida.
O educador foi definido como uma vontade que se põe a
serviço. Deixada a si mesma, a criança é dominada por seus
instintos e seus caprichos. A intervenção da vontade forte do
educador a libera.
O problema, de fato, é regular essa intervenção do
educador de acordo com as necessidades exatas do educando.
Excessiva, a autoridade oprime, paralisa ou revolta.
Insuficiente, a disciplina não apóia, mas transfere à criança um
excesso de responsabilidade que a enerva e desencoraja.
É por isso que a educação é uma arte: nada exige
tanto cuidado e tato.
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No seu caso como é?
Responda e depois confira a interpretação que
foi dada às suas respostas. Se quiser, confira
como foi com seus
colegas. Divirta-se!
Como você vem lidando com a inquietação da classe, as brigas, os
desmandos e desrespeitos? Confira, respondendo às questões deste “teste”.
Lembre-se, é só um jogo, que vale principalmente pela oportunidade de
agitar algumas idéias.
Complete as frases A, B e C com as alternativas
com as quais você concorda.
A. Quando a classe está muito irrequieta e
barulhenta, pode ser uma boa solução:
( ) 1. dar uma provinha relâmpago
( ) 2. colocar uma música alta e ir abaixando aos poucos
( ) 3. expulsar da sala dois ou três dos mais barulhentos
( ) 4. chamar a direção
( ) 5. gritar mais alto com os alunos, mandando todo o
mundo calar a boca
( ) 6. fazer algo bem inusitado que prenda a atenção de
todos e depois conduzi-los para uma nova atividade
( ) 7. convidar todos para irem para fora e
propor uma atividade agitada que gaste sua
energia, por uns 15 minutos, e depois retomar
o assunto anterior
( ) 8. dar uma lição bem difícil
e demorada
( ) 9. começar a contar uma história
que prenda a atenção
( ) 10. propor uma atividade de relaxamento
( ) 11. interromper tudo e ficar quieto, olhando, até que
eles percebam e se aquietem
( ) 12. avisar que vai dar um ponto negativo para quem
não se comportar
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( ) 13. outras sugestões:
a)_________________________________
b)___________________________________
c)_____________________________________
B. Na minha escola, muitos problemas de disciplina
são resolvidos porque:
( ) 1. o(a) diretor(a) é muito respeitado(a) por
professores e alunos
( ) 2. as regras da escola são bem conhecidas por todos
( ) 3. a equipe pedagógica é unida e toma decisões
em conjunto
( ) 4. os professores têm uma relação amigável
com os alunos
( ) 5. os atos de indisciplina nunca são desconsiderados,
mesmo que não sejam graves
( ) 6. há uma boa confiança entre professores e outros
educadores responsáveis pela disciplina
( ) 7. os pais conhecem e apóiam as normas e a forma
como a escola lida quando elas são desrespeitadas
( ) 8. os educadores são exemplo de responsabilidade e
respeito às normas
( ) 9. as regras e as sanções da escola são apresentadas e
explicadas para os alunos
( ) 10. o ambiente é democrático, os alunos
também são ouvidos
( ) 11. as normas da escola e a forma de lidar com os
alunos são estáveis, não mudam de um dia para o outro
( ) 12. os educadores não se preocupam só em ensinar as
matérias para os alunos; ocupam-se bastante em atividades para
formar atitudes que levam a um bom convívio social
C. Você considera que a televisão:
( ) 1. é mesmo muito útil, uma grande invenção
( ) 2. não deveria ser assistida pelas crianças
( ) 3. não deveria ser assistida por ninguém
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( ) 4. pode ajudar, mas só com os seus programas
educativos (tipo TV Cultura)
( ) 5. não se pode contar com ela como fonte de
aprendizado pois nunca se sabe o que vai passar nem a
qualidade dos programas
( ) 6. é um fato de nossos tempos com o qual temos que
nos conformar e, já que ela está aí, o melhor é aproveitar
( ) 7. deve ser assistida criticamente, e para isso devemos
educar nossos alunos
( ) 8. é uma fonte de informações erradas, de maus
exemplos, incentiva a violência
( ) 9. poderia ser alvo de alguma regulamentação por
parte da sociedade
( ) 10. deveria sofrer censura do poder público
RESPOSTAS AO TESTE
Frase A:
Se você assinalou mais de 3 dentre as alternativas 1,3,4,5,8
ou 12, pode ser que até consiga ter algum sucesso, mas poderá ser
muito desgastante, especialmente por permitir um clima meio de
“guerra” entre você e seus alunos!
Se você assinalou mais de 3 dentre as alternativas
2,6,7,9,10 ou 11, significa que gosta de inovar, de ser criativo(a),
de surpresas e, provavelmente, de se divertir com os alunos.
Se você assinalou quase todas as alternativas, olha lá!
Talvez seus alunos achem você meio volúvel, meio “de lua”: ora os
surpreende com inovações, ora briga mesmo com eles!
Se você não escreveu nada na alternativa 13 (outras), pode
indicar pressa, uma certa preguiça na hora de preencher o Teste, ou
um pouco de falta de imaginação... quem sabe falta de experiência?!
Se você preencheu as 3 alternativas sugeridas pelos 3
espaços em branco, parabéns! Você tem bastante imaginação
(ou será que é mais experiência?) e esteve levando este Teste
bastante a sério! Neste caso, que tal mandar essas alternativas
para a gente aumentar o repertório de sugestões e espalhar
para os outros colegas?
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Frase B:
Se você assinalou menos que 3 alternativas: sua escola
deve ser bastante vulnerável aos problemas de disciplina. Ou,
talvez, eles ainda não sejam um problema mais sério. Que tal
discutir com os seus colegas algumas das alternativas que você
acharia interessantes para serem desenvolvidas?
Se você assinalou de 3 a 6 alternativas: sua escola já tem
uma base sólida para realizar um bom trabalho com os alunos e
conseguir um ambiente harmonioso e saudável.
Se você assinalou mais de 6 alternativas: se há problemas
de disciplina na sua escola (isto pode ser inevitável em alguns
períodos), ela conta com uma porção de recursos para enfrentálos. Parabéns!
Frase C:
Se você selecionou 3 ou 4 dentre as alternativas 2, 3, 8 e
10, cuidado: será que não há um certo exagero em considerar a
TV como mãe de todos os vícios modernos?
Se você selecionou tanto a alternativa 1 como a 6,
cuidado: não se deixe levar pelo canto da sereia sem se perguntar
até onde ela pode nos arrastar!
Se você assinalou tanto a alternativa 4 quanto a 5, pense
se não dá para aproveitar programas comuns que as crianças
assistem e, através deles, discutir assuntos, valores,
comportamentos, localizações geográficas, episódios históricos,
costumes, etc.
Se você assinalou, dentre outras, as alternativas 7 e 9, é
sinal de que pensa em termos de direitos e deveres de cidadania
também em relação aos meios de comunicação de massa. Que tal
falar disso e atuar nesse sentido em sua escola?
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Agora é a sua vez
Leia e faça as duas
partes. Você estará
avançando na montagem do seu Pequeno Projeto Didático.
O “exercício”, daqui para a frente, visa ajudar na montagem do seu Pequeno
Projeto Didático (PPD). Neste fascículo 4, você terá o desafio de inventar
dois tipos de atividades, descrevendo-as rapidamente.
V
ocê já deve estar começando a encaminhar o seu PPD,
se se dispôs a seguir as sugestões do último fascículo.
Deve ter feito uma opção inicial pelo tema ou assunto, identificado o objeto significativo e alguns objetivos
pedagógicos que serão tratados através do PPD. Além disso,
escolheu um nome para ele, não é?
Agora, vamos caminhar mais um
pouco com o seu PPD.
Neste fascículo 4, tratamos de como se pode
lidar com a educação nos tempos modernos, que
nos parecem difíceis. Uma das formas de se
lidar com isso é identificando assuntos ou
atividades que tenham grande interesse para
os alunos, ou com os quais você mesmo(a)
se identifica muito, sente-se confortável,
tem facilidade e gosta de ensinar.
Você já pensou nisso?
Pois bem. Agora vamos propor
duas questões para você descobrir algumas
pistas para dar o passo seguinte do PPD,
que é a escolha das atividades.
Primeira: Pense no tema escolhido para
ser o seu PPD e tente identificar pelo menos três
assuntos ou atividades direta ou indiretamente
relacionados a ele que, parece-lhe, INTERESSARIAM
MUITO SEUS ALUNOS.
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Segunda: Pensando no mesmo tema, tente agora
identificar pelo menos três assuntos ou atividades direta ou
indiretamente relacionados a ele que VOCÊ IRIA GOSTAR
muito de desenvolver com seus alunos.
Assim, você já terá algumas idéias de atividades
relacionadas com o objeto significativo e/ou com os
conteúdos que você escolheu: é o passo 4 no planejamento do
PPD. Ao pensar um conjunto de atividades para desenvolver
com os seus alunos, você já pode imaginar em que ordem elas
irão sendo feitas, como alternar atividades práticas com
atividades de sistematização, etc.
Outras idéias para que você possa planejar atividades
virão no próximo fascículo. Ele tratará de um assunto meio
diferente do usual: os conteúdos de “Atividades da Vida
Diária”, que ganha o apelido de AVD, dentro da
Proposta Labor.
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