A cultura e o espaço urbano no Japão-13nov12
Transcrição
A cultura e o espaço urbano no Japão-13nov12
Resenha e comentários sobre o artigo A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO de Simone Loures Gonçalves Neiva e Roberto Righi Editado em: Vitruvius, Arquitextos 099.04, ano 09, ago 2008, 8 páginas. Disponível em: www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.099/119 Claudete Gebara José Callegaro (arquiteta) Este trabalho foi elaborado como exercício da disciplina de pós-graduação Metodologia de Pesquisa Aplicada em Arquitetura e Urbanismo, liderada pelos professores doutores Roberto Righi e Célia Regina Moretti Meirelles, no programa de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo oferecido pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. A apresentação em classe ocorreu em 12.11.2012, em parceria com a também mestranda Elaine C. Costa. São Paulo, 13 novembro de 2012 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA Malgrado os trinta raios que há numa roda, é o vão entre eles que a faz útil; malgrado ser de barro o vaso, é seu vazio interno que o faz útil; malgrado a casa ter porta e janela, é o espaço de dentro que a faz útil; faz-se útil o existente devido ao que inexiste. LAO TSE1 1 O verso não comparece no artigo, mas resume o sentido do mesmo. LAO TSE. Livro da Vida e da Virtude. Trecho do poema 11 traduzido por Nelson Ascher, publicado no caderno “Mais!” do jornal Folha de S. Paulo, de 16/02/2003. Lao Tse (570-490 a.C.) – filósofo chinês fundador do Taoísmo e autor do Tao Te King (O Livro da Vida e da Virtude). Última intervenção em 13nov2012 2 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA OS AUTORES Simone Loures Gonçalves Neiva - arquiteta e urbanista pela Universidade Federal do Espírito Santo, pós-graduada em História da Arte e História da Arquitetura pela PUC/Rio, mestre em Arquitetura pela Universidade de Tóquio, ex-fellow da Fundação Japão (Kokusai Koryu Kikin). Na época do artigo era doutoranda pela FAUUSP. Roberto Righi - arquiteto e urbanista pela Universidade de São Paulo, mestre em planejamento urbano e regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Doutor em arquitetura e urbanismo pela FAUUSP. Participa do ensino e pesquisa, como professor titular na graduação e pós-graduação em arquitetura e urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie e também da FAUUSP. ESTRUTURA DO ARTIGO Os autores visam mostrar que não existe um referencial único para qualificação de um ambiente quanto à sua “boa forma”. Para tanto, tecem uma comparação entre a lógica de ordenamento urbano ocidental e oriental2. Tomam como referência experiências vividas no Japão por vários estudiosos de tendência modernista, de maneira a desvendar aparentes paradoxos das cidades e construções japonesas ao olhar ocidental moderno. Nessas vivências de Tokyo, p. ex., é recorrente, para o ocidental, a sensação de se estar perdido, a falta de orientação, de ortogonalidade, de amplas perspectivas, de referenciais costumeiros. Para explicar essa espacialidade japonesa aparentemente caótica, que contrasta com a alta tecnologia impregnada na atual imagem do país, organizam os principais conceitos nos tópicos a seguir e fecham com Considerações Finais e Notas: O Ku O Oku O Ma Fragmentação Ordem aberta O movimento Contudo, para analisarmos esse artigo, precisamos buscar informações extra-texto, de maneira a melhor interpretar assuntos tão pouco estudados em nosso meio. Várias dessas informações foram incluídas sob forma de Notas, outras traduzidas em Figuras (mapas, fotos, comentários sobre obras paralelas); aquelas muito extensas foram transformadas em Apêndices, que sugerimos sejam lidos antes do texto: 1. 2. 3. 4. Aspectos da história do Japão Aspectos da filosofia O Castelo de Edo O Centro de Tokyo 2 Cabe uma observação em relação à generalização de termos como “ocidental” e “oriental”, que não é de todo correta, uma vez que não foi feita uma pesquisa mais ampla nem territorial, nem temporal. Há uma série de observações no texto como típicas da cultura oriental, ou mais especificamente do Japão e em especial de Tokyo, mas que poderiam ser transplantadas para lugares e tempos no ocidente. O texto e o presente documento não pretendem, portanto, ser científicos, tendo apenas a intenção de nos fazer refletir sobre as pretensas verdades que nos circundam e sobre a flexibilidade que devemos ter ao encarar outras culturas. Última intervenção em 13nov2012 3 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA QUESTÃO CENTRAL DO ARTIGO Comparando o centro de Tokyo com o centro de cidades genéricas ocidentais, percebe-se que esse estranhamento decorre do conceito de centralidade. Enquanto no ocidente o centro corresponde ao lugar de concentração de serviços - mercado, igreja, poder, bancos, praças -, em geral com edifícios altos, em Tokyo o centro da cidade é um “vazio” e sem marcos verticais. Cabe aqui um complemento ao que o artigo apenas se refere, mas que para nós se torna necessário para a compreensão dos tópicos seguintes. Na verdade, esse “vazio” corresponde ao maior santuário do Japão, o Castelo de Edo, atual Palácio Imperial; ou seja, embora sem marcos materializados e evidentes, carrega uma carga simbólica memorável, que abrange séculos da história japonesa. (Ver Apêndices 3 e 4 sobre o Castelo de Edo e Tokyo atual) Outra grande diferença é a ortogonalidade. No ocidente, a estrutura ordenadora visual do território é a linha reta: Le Corbusier – utopias modernistas Cullen – visão serial Lynch – linha como elemento organizador da visão Venturi e Brown – padrão linear de exploração da forma física de Las Vegas. No oriente, no caso o artigo se refere especialmente ao Japão, além de a linha reta ser considerada um caso de linha curva3, ela não faz parte do repertório obrigatório de qualquer organização de território. Linha e território são entes diversos e relacionados segundo outra lógica, desde muito tempo. Por volta do ano 700, tentou-se a introdução da ortogonalidade nas cidades de Nara e Kyoto, no Japão, mas isso só perdurou no período sob domínio chinês, retornando-se então à lógica original. Mesmo assim, tal ortogonalidade tinha a ver com razões religiosas e não apenas com a racionalidade de origem greco-romana que trazemos até nossos dias no ocidente. Outras tentativas de introdução da linha reta ocorreram em épocas posteriores, então sob influência do ocidente moderno, sem grande sucesso. (Ver Apêndices 1 e 2 sobre história e filosofia) A definição da espacialidade no Japão envolve os conceitos de: convívio com vazios que levem à introspecção (ku), múltiplos focos inatingíveis ( oku), variação no ritmo entre vazios e cheios (ma), experiências multi-direcionais (ordem aberta, torção, movimento, fragmentação), descobertas (organicidade, não-ortogonalidade). A legibilidade das cidades orientais depende, pois, da compreensão do território, das relações entre interior e exterior, e não da linha. Essa característica se estende para outras áreas da cultura e define questões de ordens diversas. P. ex., na escrita (Figura 1) e na localização urbana (Figura 2): 3 Em nossa geometria também se considera que a linha reta seja um caso de linhas em geral, assim como o ângulo reto um caso especial de ângulos. Última intervenção em 13nov2012 4 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA ocidente sucessão linear de letras que compõem palavras >> unidirecional >> pena risca o papel x oriente ideogramas têm significado por si e podem ainda ser agrupados de maneiras diversas ^ < multidirecional > v pincel dá liberdade de movimento Figura 1 – Exemplo de escrita kanji, a mais erudita, de caráter ideográfico e abstrato. Fonte: NEIVA e RIGHI, 2008. ocidente nome ou número da rua número, em geral tendo como referência a distância do local até o início da rua numeração sequencial tendo como referência o centro da cidade (pares e ímpares x oriente (Japão) nome da rua – não há chome – unidade de área (~quadra, mas não tão precisa) machi – unidade de área que abrange vários chomes numeração – data de construção, subdivisão de lotes (não é serial) Figura 2 – Identificação de endereço. Fonte: NEIVA e RIGHI, 2008. Última intervenção em 13nov2012 5 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA KU (vazio) A denominação do conceito de espaço arquitetônico – kukan - ocorreu no Japão na era Meiji, entre os séculos XIX e XX, quando as relações com o ocidente se intensificaram. (Apêndice 1) ku (céu, universo, infinito, vazio) + kan (intervalo, delimitação) = kukan (espaço, lugar vazio) O conceito de espaço, porém, já existia na arte e indicava situações em que o vazio era dominante. Ainda hoje, mesmo em cidades altamente tecnológicas como Tokyo, antes de se iniciar uma edificação, o território é delimitado por sacerdotes xintoístas com uma cerca de corda adornada (shimenawa4), os deuses são invocados e a purificação do terreno vazio é conduzida. (Figura 3) Figura 3 – Shimenawa. Fonte: NEIVA e RIGHI, 2008. OKU (profundidade) Na era Yayoi (200 a.C a 250 d.C.), a população do Japão abandonou a montanha e desceu para as planícies, dedicando-se ao cultivo do arroz. A montanha, assim, se afastou do cotidiano e tornou-se local sagrado xintoísta, sendo ali construídos santuários, imprimindo o conceito de que o sagrado existia, mas não era visível e nem acessível para as pessoas comuns. (Figura 4) (Apêndice 1) 4 A shimenawa é formada de cordas e guirlandas de papel e adorna pedras e árvores tidas pelos sacerdotes xintoístas como sagradas. Elas definem um espaço vazio central e sinalizam que as pessoas não se aproximem. Última intervenção em 13nov2012 6 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA Figura 4 – Templo oculto. Fonte: NEIVA e RIGHI, 2008. Ou seja, diferentemente da cidade ocidental em que a igreja é exatamente o marco central, para a qual todos afluem, no oriente o santuário está distante do cotidiano, criando uma centralidade, um foco de atenção, na profundidade. Esse princípio também regeu a formação da trama urbana. Os caminhos levavam da periferia ao interior das quadras onde se localizavam as residências dos samurais, os templos, os santuários. Com o tempo, a materialização dessas centralidades desapareceu, mas permaneceu o traçado, o sentido, o significado encoberto, circundado, escondido na profundidade, mantendo esse vazio vivo e com um manto de mistério. Aos olhos do ocidental, a visita a um centro urbano chega ao fim quando se encontra o climax das relações e atividades, o auge do movimento, das luzes. No Japão, porém, na visita ao centro ocorre o oposto do espetáculo; no centro oriental, encontra-se a intimidade, o céu, o oku, o vazio... E o ocidental não sentindo o fim, vê-se perdido. De fato, para o oriental não importa o chegar, mas sim percorrer o caminho: as dobras, as curvas, as descobertas do que está oculto. MA (intervalo, ritmo) O conceito de ma surgiu na idade média japonesa, quando a busca era atingir a perfeição da pintura zen, ou a “harmonia do ma”, ou seja, ter habilidade com as formas pintadas, dominando também a relação destas com o vazio circundante (p. ex. sob a forma de céu ou de nuvens). (Apêndice 2) A planta dos antigos mestres construtores japoneses apresentava os edifícios apenas por seus elementos estruturais principais (colunas e vigas), indicados como pontos. O ma era dado pelo espaço entre esses pontos. Última intervenção em 13nov2012 7 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA Para os orientais, portanto, o que interessava não era a construção em si, mas o ritmo do vazio que ela continha; algo invisível, mas perceptível. Na arquitetura, o termo “ma” comparece em algumas situações, evidenciando que se trata de um ato de criação de uma ambiência especial, p. ex. em: ma-dori (entender o ma) – em design; cha no ma (procedimentos que excedem a sala de estar, envolvendo o ato de tomar o chá de forma relaxada); ma no torikata – leitura espacial de rolos de pintura (emakimono5), em que muitas histórias menores acontecem e são expostas segundo uma lógica não linear e somente a fusão das sequências de imagens se constituem na experiência completa. (Figura 5) Figura 5 – Emakimono da exposição Storytelling In Japanese Art, no Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque, em maio de 2011. Imagem obtida em http://blog.wfmu.org/freeform/2011/12/storytelling-in-japanese-artat-the-met.html, acessada em 03/11/2012. 5 Emakimono (pintura em rolo), ou simplesmente emaki, é uma forma de narração que combina texto, desenhos e pintura, sobre temas diversos, como batalhas, romances, lendas, histórias do sobrenatural. Última intervenção em 13nov2012 8 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA A cidade japonesa se assemelha a um emakimono, de tal maneira que Barthes6, em visita ao Japão, comenta: Você deve orientar-se... não por livros, ou por endereço, mas caminhando, pela visão, pelo hábito, pela experiência; aqui cada descoberta é intensa e frágil. Ela pode ser repetida ou recordada apenas pela memória do rastro que foi deixado por ela em você. Barthes sugere, assim, que pela memória e a repetição cada um crie seu panorama particular. Ou seja, é a imaginação, e não a linha reta, que ordena os elementos no espaço. FRAGMENTAÇÃO O espaço urbano japonês de certa maneira mantém a estrutura de divisão rural que o antecede. (Ver Apêndice 1, sobre pequenos estados, clãs) Nas zonas rurais, as culturas ainda hoje são todas separadas por divisas, sobre ou ao lado das quais se possa andar; os lotes raramente são regulares (ortogonais); essas subdivisões resultam em terrenos relativamente pequenos. Mesmo campos cuidados pelo mesmo cultivador apresentam essas divisões, compondo um imenso mosaico; muros de retenção/contenção isolam os lotes e definem as vias que os interligam. Nas plantações de arroz essa divisão em pequenas glebas se explica, pois a técnica de cultivo demanda solo encharcado e a formação de pequenas piscinas (Figura 6), mas isso também ocorre com outras culturas, como legumes, frutas, chá, flores. Quanto ao formato irregular (não ortogonal e nem uniforme) dos lotes, talvez pudesse ser explicado pela acidentada topografia do Japão, com poucas áreas planas (em geral as alagadiças); contudo, mesmo regiões relativamente planas muitas vezes são divididas de maneira irregular. 6 Refere-se ao semiólogo francês Roland Gérard Barthes. BARTHES, Roland. Empire of signs. New York: Hill and Qang, 1982, p. 36. A obra foi publicada pela primeira vez como L'Empire des signes, Skira: Paris, 1970. Última intervenção em 13nov2012 9 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA Figura 6 – Plantação de arroz em Katsuragi-cho, Japão. Fonte: Fotografia de Paco Alcantara, obtida em http://myguide.iol.pt/m/blogpost?id=4971388%3ABlogPost%3A247420, em 03/11/2012. Esse mosaico que desenha o território, ao se urbanizar, cria uma tal distribuição randômica de hospitais, postos de gasolina, escolas e casas, que cada área mantém sua autonomia. Construções são feitas em áreas aplainadas e a passagem entre o terreno e sua entrada em geral é feita por uma plataforma externa (engawa), semelhante a uma varanda, antes de se alcançar o piso interior (tatami). (Figuras 8 e 9)7 Figuras 7 e 8 – Engawa e Tatami. Fontes: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Youkoukan06n4592.jpg http://www.yoshidayaryokan.com/ryokan_rooms.htm ORDEM ABERTA 7 O espaço de amortecimento entre interior e exterior é considerado como um “espaço cinza”, definido em si, formado pelo engawa e pelo beiral do telhado, conforme: TEIJI, Itoh. A arquitetura do Japão. The Japan Foundation: 1983. Última intervenção em 13nov2012 10 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA Essa ordem aparentemente randômica de ocupação do solo tem como princípio a era anterior ao domínio chinês sobre o Japão. Então, no alto da montanha ficava o oku, lugar distante (profundidade) dos santuários, e as vilas se desenvolviam nas encostas e planícies, numa ordem natural como a das folhas de outono dispersas pelo chão (arare) ou das conchas espalhadas na areia da praia (iso-gai). Sob a influência chinesa, o equilíbrio entre elementos naturais e religião passou a reger as implantações, buscando-se compatibilizar o lugar e os espíritos dos quatro pontos cardeais: leste – rio > dragão azul, sul – lago > fenix, oeste – via principal > tigre branco, norte – montanha > tartaruga. Em Nara (710) e Kyoto (794), antigas capitais japonesas, embora o traçado seja ortogonal, o princípio ordenador das ruas é dado pelos pontos cardeais. Mesmo sob essa influência chinesa e, posteriormente, a de países europeus e E.U.A., ainda hoje para os japoneses é importante que a cidade envolva o cidadão com seus vários oku (profundidade, distância), a experiência do ma (ritmo, mistério) e do ku (vazio, invisível), focando não necessariamente o conforto corporal, mas a segurança de sintonia entre céu e terra. MOVIMENTO Findo o domínio chinês sobre o Japão medieval, retorna-se à forma orgânica de ocupação do território e do projeto da edificação. Nas cidades e nos jardins japoneses não há uma perspectiva única, central, que devasse o conjunto, como um espetáculo. Esse movimento de idas e vindas tem seu paralelo nos conceitos budistas de mutabilidade e transmigração da alma, que prescindem de regularidade no tempo e de fixação no espaço. As descobertas ocorrem ao se caminhar, no tempo, experienciando as mudanças, os movimentos, na escala humana, como no desenrolar de um novelo. (Figura 9) Última intervenção em 13nov2012 11 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA Figura 9 – Paisagem zen, preparada para experiências sensitivas e espirituais. Fonte: NEIVA e RIGHI, 2008. Segundo Nitschke 8 , Nara e Kyoto assemelham-se a mandalas, do Hinduísmo ou do Budismo Isotérico, onde o micro-cosmo simboliza o macro. O Palácio Honmaru (1640), que faz parte do Castelo de Edo, atual Palácio Imperial em Tokyo, é um exemplo típico. (Figuras 10 e 11) 8 Refere-se a NITSCHKE, Gunter. Ma: the Japanese sense of place in old and new architecture and planning. Architectural Design, March, 1996. Última intervenção em 13nov2012 12 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA Figura 10 – Palácio Honmaru, centro do Castelo de Edo, em Tokyo. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Edo_Castle Figura 11 – Centro do Castelo de Edo, Tokyo. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Edo_P_detail.jpg Última intervenção em 13nov2012 13 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA O complexo arquitetônico de Kiyomizu-dera (Templo da Água Clara - 1633), em Kyoto, relaciona-se intimamente com sua vizinhança através da articulação de espaços movimentados, que ilustram esse pensamento. (Figuras de 12 a 17) Figura 10 – Plano geral de Kiyomizu-dera. Fonte: http://whereisfatboy.blogspot.com.br/2012/06/kyoto-kiyomizudera-temple-of-clear.html) Figuras 11, 12, 13 e 14 – Várias perpectivas de Kiyomizu-dera. Observar a falta de uma perspectiva única que descortine todo o complexo, a visão dos palácios encoberta por vegetação, o distanciamento dos marcos. Fonte: http://whereisfatboy.blogspot.com.br/2012/06/kyoto-kiyomizu-dera-temple-of-clear.html) Última intervenção em 13nov2012 14 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA Figura 15 – Implantação geral de Kiyomisu-dera, mostrando sua relação como oku de Kyoto. Fonte: http://www.diariodelviajero.com/asia/kiyomizu-dera-el-templo-del-agua-pura-de-kyoto, acessado em 03/11/2011. Concluindo, frente às várias influências culturais que o Japão sofreu e vem sofrendo, o que se pode elogiar é sua capacidade de aprender com os outros, mantendo suas próprias tradições. E, para os ocidentais, é importante perceber que a linha reta não é o único meio de ordenação do território e do raciocínio. Última intervenção em 13nov2012 15 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA CONSIDERAÇÕES DAS ALUNAS QUANTO À FINALIDADE DA LEITURA A indicação de um texto dessa natureza para nós iniciantes do Mestrado é valiosa, especialmente para nos mostrar a importância de se analisar o contexto em que se desenvolve o trabalho. Não convém pré-conceber ideias e padrões e querer aplicá-los a qualquer meio, sob o risco de se distorcer as observações e conclusões da pesquisa. Há elementos do quadro de princípios que devem ser extraídos do ambiente específico em estudo, seja quanto a aspectos físicos (geografia, p.ex.), seja quanto a aspectos culturais. Em consequência, as generalizações devem ser evitadas. QUANTO AO SIGNIFICADO DA CULTURA JAPONESA PARA O OCIDENTE A compreensão dessa maneira oriental de enxergar a realidade é relativamente nova para o mundo ocidental, e é ela que, de certa forma, nos tem orientado na mudança de paradigma de desenvolvimento. Tal mudança se iniciou no final do século XIX, com a aproximação econômica dos dois universos, e foi bastante sentida nas artes. As ciências oficiais ampliaram seu olhar os fenômenos naturais e reforçaram a necessidade de mudança de nossos paradigmas. Einstein e Infeld, em The Evolution of Physics, anotando que fora necessária “uma corajosa imaginação científica para reconhecer que o fundamental para a ordenação e a compreensão dos acontecimentos podia não ser o comportamento dos corpos; mas o comportamento de alguma coisa que se interpõe entre eles, isto é, o campo”, indicam de forma clara os problemas que a física moderna trazia para a pretensão da física clássica de realizar a descrição do curso dos fenômenos através da representação visual das partículas em movimento. [...] Já não se trata mais nem de descrever, pela ambição da totalidade das representações, nem de explicar, pelo finalismo causal do movimento, a arquitetura da natureza, mas sim de prever os eventos observáveis consubstanciando-se a tarefa da física moderna, que nasce com a mecânica quântica, na famosa observação de Heisenberg,quando escreve, em 1955, que a Física contemporânea não busca mais oferecer “uma imagem da natureza, mas uma imagem das nossas relações com a natureza”. A introdução do observador como elemento integrante, integrado e integrador da observação e do fenômeno observado relativiza o racionalismo objetivista e desenvolve, de um lado, uma dualidade na ciência que a manterá em contínua tensão com a busca obsessiva de sua unificação e da construção da teoria unificada capaz de fornecer ao homem 9 a Resposta definitiva sobre a origem de tudo. (VOGH, 2003:207) 9 VOGH, Carlos. Fronteiras e desafios do conhecimento. REVISTA USP, São Paulo, n.59, p. 204-223, setembro/novembro 2003. httpwww.usp.brrevistausp5919-carlos.pdf Última intervenção em 13nov2012 16 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA O turismo e a antropologia colocaram em cheque algumas questões que pareciam engessadas, como no caso da arquitetura. 10 [...] Alguns poucos casos compilados por Hall confirmam amplamente esses contrastes culturais que devem necessariamente ser levados em conta: basta pensar, por exemplo, que na casa ocidental em geral a disposição interna das paredes é fixa, enquanto que na morada japonesa (pelo menos na tradicional) as divisões são sempre semi-fixas. Ou que normalmente não se ocupa o centro de um aposento interno no ocidente (salvo simbolicamente, com um pequeno objeto, preferindo-se dispor os móveis sobretudo ao longo das paredes), enquanto no Japão a ocupação de um espaço interno começa justamente pelo centro – razão pela qual a um japonês uma sala ocidental parecerá essencialmente vazia por mais 11 atulhada que esteja. COELHO NETTO, 1999:36 Também a relação do ser humano com a natureza vem passando por uma revisão. [...] antes de ser construção de um espaço, a arquitetura é uma disposição, organização de um espaço, que pode tanto ser um espaço por ela criado como um espaço que a ela se oferece como dado inicial e já pronto. [p.ex. Fallingwaters, de Frank Lloyd Wright] [...] é inadequado o conceito que o homem ocidental faz da natureza e do espaço natural: para ele, só é realmente natural aquilo que permanece quase intocado pela mão do homem, algo assim como uma floresta virgem onde o que prevalece é o desordenado, o livre. Esta concepção pode constituir-se efetivamente numa espécie de ideal do espaço natural, de noção perfeita de natureza – mas como tal, ela se reveste de um caráter de inoperabilidade que a torna totalmente inútil para o homem, que nesse caso ou renuncia a esse espaço natural ou tenta submetê-lo a si mesmo de tal modo que o desnaturaliza inteiramente (que se pense nos chamados “jardins franceses”), sendo igual o resultado nas duas operações, isto é, inexistência de espaço natural para o homem. A esse respeito, o oriental, e o japonês em particular, tem uma visão ao mesmo tempo mais prática e mais adequada à operação arquitetural. Antes de mais nada, para ele aquele punhado de cascalho, as duas ou três pedras em seu jardim e uma ou outra planta não são “amostras” da natureza (reduções do natural) com as quais ele tenta de alguma forma se consolar mas, sim, são a própria natureza, a proporcionar-lhe todas as sensações de que tem necessidade em relação ao espaço natural. Para o ocidental, pelo contrário, as plantas e outros elementos do natural só estão presentes em seu jardim na qualidade de “lembranças”, ou seja, não enquanto coisas reais, mas justamente (por perderem sua função própria) enquanto engenhos artificiais, exatamente aquilo a ser evitado quando ele construiu seu jardim. COELHO NETTO, 1999:57 (grifo nosso) Quanto à ortogonalidade, A Teoria da Informação pode respondê-lo de imediato: resumindo, toda forma regular (as figuras geométricas, mas também a reta, paralelas, ângulos, etc.) são facilmente previsíveis, por conseguinte contêm menos informação, não mudam comportamentos. Nada modificam, não 10 Refere-se ao antropólogo norte-americano E. T. Hall e sua obra La dimension cachée. Paris: 1971, com original publicado em 1966 intitulado The Hidden Dimension. 11 COELHO NETTO, J. Teixeira. A construção do sentido na arquitetura. 4ª edição. São Paulo: 1999. Última intervenção em 13nov2012 17 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA instauram mudanças, servem para manter apenas, para segurar – como informação, valem pouco e mesmo nada. É o que diz Zevi 12 com outras palavras, que merecem ser citadas: “Por centenas de milênios, a comunidade paleolítica ignora a geometria. Mas assim que se estabilizam as bases do neolítico, e os caçadorescriadores são sujeitados a um chefe de tribo, surge o tabuleiro de xadrez. Todos os absolutismos políticos geometrizam, organizam o cenário urbano com eixos e depois outros eixos paralelos e ortogonais. Todas as casernas, as prisões, as instalações militares são rigidamente geométricas. Não é permitido a um cidadão virar à direita ou à esquerda com um movimento orgânico, segundo uma curva: deve girar a 90 graus, como um marionete.” [...] Le Corbusier, por outro lado, considerava que o ângulo reto ao invés de aprisionar libertava. “Este signo +, isto é, uma reta cortando outra reta formando quatro ângulos retos, este signo que é o próprio gesto da consciência humana, este signo que traçamos instintivamente, gráfico 13 simbólico do espírito humano: um ordenador.” COELHO NETTO, 1999:84 (grifo nosso) SOBRE A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO Para Coelho Neto (1999), os eixos organizadores do sentido do espaço partem da busca de proteção, na dimensão humana individual, não apenas física, mas espiritual e do mundo das sensações, e daí se expandem para o grupo e o território: interior –exterior >> interior=imobilidade/refúgio >> canto=germe do quarto privado- comum >> quarto=germe da casa construído- não construído >> proteção do interior artificial x natural >> inoperabilidade da natureza X desnaturalização amplo x restrito >> aberto x fechado (mistério) vertical x horizontal geométrico x não geométrico >> marionete x vida >> “+” = consciência humana/ ordenação De certa forma, há nessas relações o mesmo sentido dado pelos orientais, de harmonização do mundo espiritual (intimidade, céu) e do mundo material (segurança, conforto), uma vez que, embora as culturas sejam diversas, a natureza humana é a mesma. Cabe-nos, como profissionais, trazer à tona essas questões, evitando simplesmente normatizar a relação com o meio, ou simplesmente transformá-lo em mercadoria de exploração. Por outro lado, essa permanência do quadro cultural japonês nos traz uma dúvida quanto à capacidade de mudança de seus paradigmas. Veja-se que vários dos princípios elencados também eram respeitados no passado pelos ocidentais, e ainda são seguidos nos dias atuais em locais mais primitivos, por uma questão de técnica e de segurança. Em Ouro Preto, p. ex., a experienciação do espaço ocorre no caminhar; muitas das ruas levam a 12 Refere-se ao arquiteto italiano Bruno Zevi. Coelho Netto inclui duas de suas obras na bibliografia, mas não esclarece de onde extraiu a citação aqui transcrita: Arquitectura e storiografia. Torino: Einaudi, 1974. 13 Le Corbusier era suíço, ou seja, de origem cultural diversa de Zevi. Coelho Netto extraiu esse trecho do texto: CORBUSIER, Le. Quand les cathédrales étaint blanches. Paris: Médiations, 1971, p.61. Última intervenção em 13nov2012 18 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA centralidades sagradas; das calçadas, poucas são as perspectivas abertas que permitam a identificação de referenciais ao longe (torres, montanhas, árvores). O mesmo ocorre em muitas cidades medievais... e nas favelas atuais. Teóricos de percepção ambiental e da comunicação visual, como Kevin Lynch, Gordon Cullen, Amos Rapoport, Mauricio Cerasi, Issao Minami, Maria Elaine Kholsdorf, alguns mencionados no texto, tratam dessa questão da legibilidade da cidade por meio dos órgãos dos sentidos, associada à imaginabilidade, onde já entram elementos interpretativos cujos referenciais são individuais, baseados na identidade do lugar e na identificação do observador com o lugar. Miossi (2005) 14, tendo estudado todos esses teóricos para sua dissertação de Mestrado relativa a São Paulo, elaborou algumas suposições que corroboram com as observações dos autores: Os usuários normalmente não reparam nos elementos que configuram fisicamente os lugares pelos quais transitam; Os mapas mentais são organizados de forma mais simples através de sequencias de lugares em itinerários do que em algo global, como uma imagem aérea; Elementos e características físicas, usos e atividades desenvolvidas funcionam como identificadores do lugar; Alguns elementos funcionam como marcos na paisagem; Pessoas que têm vínculo afetivo com o lugar reconhecem mais elementos e se orientam mais facilmente; A área central difere do restante da cidade, inclusive com relação à orientação, porém mecanismos que auxiliem nessa orientação nos deslocamentos são bem vindos. Nossa cultura (ou nossas múltiplas e heterogêneas culturas) em São Paulo e no Brasil é muito recente, em mudança perpétua e rápida, sob influência constante de elementos estrangeiros e de crescentes descobertas nativas, que resultam numa mistura de lógicas diferentes. O exemplo japonês é mais um a ser considerado não para ser imitado, transformado em modismo, mas para nos fazer refletir sobre nossas posturas e ações frente ao que se vê com os olhos e ao que está oculto. 14 MIOSSI, Emilene. Percepção e identidade visual: uma proposta para o Centro de São Paulo. Dissertação de Mestrado apresentada em 2005 junto à FAUUSP. Última intervenção em 13nov2012 19 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA APÊNDICE 1 – ASPECTOS DA HISTÓRIA DO JAPÃO O Japão é um arquipélago no extremo oriente do continente asiático, tendo sido parte do mesmo na pré-história. Sempre foi alvo de estrangeiros por sua posição estratégica entre grandes potências, acabando por se transformar numa delas. Adiante apresentamos resumo histórico, enaltecendo aspectos que explicam o artigo aqui em análise, sendo que mais informações podem ser obtidas em http://www.culturajaponesa.com.br/htm/historiadojapao.html. Período pré-Jomon: de 20mil a.C. a 8mil a.C. – paleolítico: pedra lascada, caça e pesca, refúgio nas montanhas. Período Jomon: de 8mil a.C. a 200 a.C. – neolítico: pedra polida, arco e flecha, cerâmica (jomon = “marcas de corda”, utilizadas para adornar os utensílios), tribos, casas em valas cobertas de palha. Período Yayoi: de 200 a.C. a 300 d.C.– metal: cultivo do arroz, divisão do trabalho, hierarquia social, clãs (que levaram à formação de pequenos estados), imigração do continente, técnicas de tecelagem, armas, estratégias. Muitas guerras internas, junção e separação de reinos. Um dos grandes países formados de muitos reinos foi Yamato, que em pleno esplendor mandou chamar do continente (China e Coréia) artesãos para ensinar os japoneses, sendo assim introduzidos o budismo e a escrita em forma de ideogramas, o kanji. Período Assuka: de 300 a 644– unificação do estado, mudança da forma administrativa e definição do trabalho e dos poderes dos funcionários públicos, constituição, consolidação do budismo como prática das classes mais altas, ensinamentos de Confúcio. Reforma Taika / Regime Ritsuryô (chines): 645 a 700– fim das propriedades particulares e os participantes das classes mais altas se tornam funcionários do estado. Período Nara: 710 a 783 – Nara se torna capital (construção conforme modelo de Chang'an (atual Xian, China), governo centralizador e burocrático, expansão do Budismo, desenvolvimento da arquitetura, da escultura e de grandes obras literárias; imigração de chineses, coreanos, indianos, persas. Grandes disputas internas novamente. Rompimento com o sistema chinês. Período Heian: de 784 a 1192 – Heian (Kyoto) se torna capital, retorno a uma forma nativa que atendesse aos anseios da nação, com sofisticação da cultura ao estilo japonês. O rompimento com o sistema chinês faz com que as terras do estado entrem em colapso; aproveitando-se disso as terras privadas (shôen) aumentam nas mãos das famílias poderosas, dos monges budistas e de fazendeiros influentes. Tendo aumentado o ataque das tribos vindas do norte do país, os novos poderosos contratam soldados profissionais (recrutados dentro dos clãs ou de grupos de partidários e seguidores desses) para combatê-las, formando-se, assim, guardas particulares, que deram origem aos samurais. Poderosos dos clãs se mesclam com a realeza por meio de casamentos e assumem o poder central. Última intervenção em 13nov2012 20 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA Era dos Xoguns 15 (vários períodos): de 1192 até 1603 – mudança da capital para Kamakura, época em que coexistiram dois governos independentes, o do xogun e o do imperador, o que fazia com que este último se enfraquecesse. No século XIII acontece invasão dos mongóis (Kublai Khan), frustrada por um tufão 16 , e outras se sucedem criando grande instabilidade. O poder dos samurais se consolida, distribuídos em feudos, que se tornam autosuficientes, afastando-se do poder central. Enquanto a classe guerreira se fortalece, são criados códigos que regulamentam as relações entre os seus membros - o código moral dos samurais. A luta pelo poder interno prossegue, tendo como contraponto a arte: poesia "waka", teatro "nô" e cerimônia do chá. O gosto pela estética invade os paladares mais finos. A partir da segunda metade do século XVI chegam os primeiros ocidentais vindos de Portugal e Espanha, e com eles os jesuítas e as armas de fogo. Com isso, caem os monges guerreiros e os samurais. Período Edo (último xogunato): de 1603 a 1868 – Ascensão do clã Tokugawa e mudança da capital para a vila de Edo (atual Tokyo), distante dos centros aristocráticos, na região de Kantô. Para evitar que os feudos voltassem a se fortalecer, levando às guerras civis que marcaram os períodos anteriores, fortalece o xogunato com um governo centralizador, vigia a ação dos aliados e dos antigos inimigos, expulsa os estrangeiros, o cristianismo é proscrito e os cristãos são perseguidos pelo governo, mantém os portos abertos apenas para os navios chineses e holandeses com restrições. As classes sociais são bem definidas hierarquicamente: samurais, lavradores, artesãos e comerciantes. Inicia a reconstrução do país. A classe dos comerciantes prospera e passa a emprestar dinheiro para os samurais; as cidades se desenvolvem, a fartura e a cultura saem dos palácios e expandem para a população em geral; a escola deixa de ser privilégio dos nobres e todos aprendem a ler e escrever. A arte popular tendia para as poesias "haikai" e "senryu", para o teatro "kabuki" e "Jôruri", para as xilogravuras ukiyoe. Tais mudanças dilapidaram a imagem dos samurais e a paz fez com que sua função se perdesse. O xogun entrou em crise, enquanto o comerciante (chõnin) ascendia. Era Meiji: de 1868 a 1926 - ou regime iluminado, iniciou em 1867 com a queda do xogunato Tokugawa e a restauração do regime imperial; Mutsuhito, então com dezesseis anos de idade, sucedeu seu pai, o Imperador Komei, terminando, assim, com o sistema feudal. O fim do domínio dos xoguns acontece no momento em que o mundo ocidental acabava de experimentar as principais revoluções civis, como a americana e a francesa. A pressão da economia capitalista para abertura de novos mercados levou à abertura dos portos também do Japão. As potências internacionais foram asseguradas de que o novo imperador respeitaria os tratados negociados pelo regime anterior e as leis internacionais. Em 1890 foi instituído um governo constitucional, tendo como modelo a constituição alemã. Ocorreu o fortalecimento interno, com a modernização rápida dos setores 15 Xogun (shogun) era o título outorgado pelo imperador ao guerreiro de sua confiança, tornando-o assim, no generalíssimo. 16 Kamikaze, ou seja, "o vento divino". Última intervenção em 13nov2012 21 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA industriais, políticos e sociais; efervescência intelectual com a tradução e leitura dos clássicos ocidentais. O excessivo êxodo rural para as cidades leva à saturação das mesmas e a maneira que o governo encontrou para resolver a situação dramática que se estabelecia foi incentivar a emigração para outros continentes (Havaí, Peru, Brasil a partir de 1908). As guerras prosseguiram (China e Rússia), sagrando-se o Japão como vencedor e se constituindo como força asiática reconhecida internacionalmente. O imperador Meiji morre em 1912, tendo como sucessor o príncipe Yoshihito, o imperador Taishô, que não manteve o governo centralizador. Ideias democráticas de cunho operário unem-se às ideias socialistas e sindicais, desaprovadas pela aristocracia japonesa, levando a novas mudanças de poder. A partir de então o Japão acompanha a história global. Última intervenção em 13nov2012 22 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA APÊNDICE 2 – ASPECTOS DA FILOSOFIA XINTOÍSMO (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Xinto%C3%ADsmo) Xintoísmo é o nome dado à espiritualidade tradicional do considerado também uma religião pelos estudiosos ocidentais. Japão e dos japoneses, Shinto ("Caminho dos Deuses") do chinês = "shin" (ou “shen” do chinês, "deuses" ou "espíritos") + "tō" (ou "do" ou “tao” do chines, "estudo" ou "caminho filosófico") O xintoísmo incorpora práticas espirituais derivadas de diversas tradições pré-históricas japonesas, locais e regionais, sendo que alguns de seus elementos se incorporaram a outras religiões, como budismo, confucionismo e daoísmo. Em função disso, do século VI em diante o xintoísmo começou a ser registrado por escrito, especialmente nos aspectos ligados aos eventos naturais (p. ex., estações do ano, colheitas, cosmologia). Caracteriza-se pelo culto à natureza, aos ancestrais, e pelo seu politeísmo , com uma forte ênfase na pureza espiritual, e que tem como uma de suas práticas honrar e celebrar a existência de Kami que pode ser definido como "espírito", "essência" ou "divindades", e é associado com múltiplos formatos compreendidos pelos fieis; em alguns casos apresentam uma forma humana, em outros animística, e em outros é associado com forças mais abstratas, "naturais", do mundo (montanhas, rios, relâmpago, vento, ondas,árvores, rochas). Considerado como consistindo de energias e elementos "sagrados", o Kami e as pessoas não são separados, mas existem num mesmo mundo e partilham de sua complexidade inter-relacionada. BUDISMO (Fontes: http://pt.wikipedia.org/wiki/Budismo http://pt.wikipedia.org/wiki/Budismo#Coreia_e_Jap.C3.A3o) Budismo é uma religião e filosofia não-teísta, que abrange uma variedade de tradições, crenças e práticas, baseadas nos ensinamentos atribuídos a Siddhartha Gautama, mais conhecido como Buda (páli/sânscrito: "O Iluminado"). Buda viveu e desenvolveu seus ensinamentos no nordeste do subcontinente indiano, entre os séculos VI e IV a. C, visando ajudar os seres sencientes a alcançar o fim do sofrimento ( Dukkha), alcançando o Nirvana e escapando do que é visto como um ciclo de sofrimento do renascimento. O Budismo foi introduzido no Japão em meados do século VI, a partir da Coreia e da China. Em 593, o príncipe Shotoku declarou-o como religião do Estado, mas o budismo permaneceu até a Idade Média como um movimento ligado à corte e à aristocracia, sem larga adesão popular. Durante a era Kamakura (1185-1333), o budismo popularizou-se finalmente com as escolas Terra Pura, Nichiren e Zen (Chan). Última intervenção em 13nov2012 23 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA ZEN (Fonte: http://es.wikipedia.org/wiki/Arte_de_Jap%C3%B3n) Zen deriva de Chan, do chinês. Durante a Idade Média japonesa (entre séculos V e XV), paralelamente ao militarismo da sociedade feudal, difundiu-se o conceito de “dō” («caminho») pelas várias vertentes criativas. Segundo esse conceito, não importa o resultado, mas sim o processo evolutivo, o esforço em bem executar os procedimentos, a busca pela perfeição. Uma variante desse conceito que muito se expandiu foi a conhecida como “zen” (“meditação”), através da qual a pessoa perde a consciência de si mesma. Assim, qualquer tarefa cotidiana transcende sua essência material e passa a significar uma manifestação espiritual refletida no movimento e na cadência do tempo desse processo. O zen se baseia em 7 princípios estéticos: 1. fukinsei - assimetria: negação da perfeição para alcançar o equilíbrio presente na natureza; 2. kanso – austeridade: eliminação do desnecessário e supérfluo para descobrir a simplicidade da natureza; 3. kokō - dignidade solitária: qualidade que as pessoas e os objetos adquirem com o passar do tempo e que lhes proporciona purificação de sua essência; 4. shizen – naturalidade: relacionada à sinceridade; o natural é autêntico e incorruptível; 5. yūgen – profundidade: essência verdadeira das coisas, que transcende sua mera materialidade, seu aspecto superficial; 6. datsuzoku - desapego: liberdade na prática das artes, com a missão de liberar o espírito, não controlá-lo, de maneira a que a arte possa dispensar todo tipo de normas e regras; 7. seiyaku - serenidade interior: estado de quietude, de sossego, necessário para que os seis princípios anteriores fluam. Última intervenção em 13nov2012 24 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA APÊNDICE 3 - O CASTELO DE EDO (Fonte: en.wikipedia.org/wiki/Edo_Castle) O Castelo de Edo, também conhecido como Castelo Chiyoda, foi construído em 1457 por Ōta Dōkan Sukenaga, samurai e poeta épico, estrategista militar, monge budista, para o clã Edo. O castelo é térreo e plano (flatland) e se instala num platô no alto de uma colina protegida pelo Rio Sumida, nas proximidades da Baía Edo. Instalado sobre rochas, cercado de pinheiros, assentado à beira do mar azul, de seus beirais se podia “comandar o Fuji que se eleva. (poema da época) Com o declínio da família Edo, instalou-se o Xogum Tokugawa e o local se tornou sede do xogunato de mesmo nome e capital militar do Japão, por todo o Período Edo (1603-1868). Com a queda do sistema militar e recuperação do governo imperial, Era Meiji (1868-1912), transformou-se no Palácio Imperial, assim permanecendo. Em 1971, passou também a abrigar o governo da região metropolitana de Tokyo. Figura 18 – Tókio com o Castelo de Edo no centro da colina, o Monte Fuji ao fundo e a Baía de Edo à esquerda. Fonte: NEIVA e RIGHI, 2008. Última intervenção em 13nov2012 25 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA Figura 19 – Mapa de Edo. Fonte: NEIVA E RIGHI, 2008. O complexo do castelo de Edo compunha-se de vários enceintes, ou cidadelas, separados por fossos e muralhas de pedra de grande porte. Cada enceinte podia ser alcançado através de pontes de madeira, fechadas por portas de cada lado. Honmaru - centro, Ninomaru – segunda, Sannomaru - terceira (a leste), Nishinomaru – (a oeste), Nishinomarushita – que ladeia Nishinomaru pelo exterior, Fukiage - aceiro (contenção de incêndio) Kitanomaru - (ao norte). Figura 16 – Mapa do Castelo de Edo. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Edo_Castle Última intervenção em 13nov2012 26 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA Figura 170 – Codiano dentro do Castelo de Edo. Fonte: NEIVA e RIGHI, 2005. Muitos nomes de lugar em Tóquio derivam do Castelo de Edo, o que alimenta o valor simbólico do lugar e o mantém vivo no cotidiano das pessoas. P. ex.: Otemachi = cidade em frente ao grande portão Takebashi = ponte de bambu Toranomon = porta do tigre Uchibori Dori = rua aquém do fosso Sotobori Dori = rua além do fosso Marunouchi = dentro do limite Embora o céu não seja mais tão azul e o Monte Fuji só possa ser avistado em raros dias claros, os pinheiros continuam. Construído em madeira, o complexo passou por vários incêndios, guerras, reconstruções, adaptações de seu entorno à malha urbana em crescimento; mas restam muralhas de pedra originais, fossos e o desenho antigo. O Castelo de Edo ainda se mantém como “centro” de Tokyo. Na celebração dos 500 anos do castelo, parte da história do arquiteto Ōta Dōkan foi relembrada e ele é reconhecido na cultura popular moderna do Japão como grande personalidade. Última intervenção em 13nov2012 27 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA APÊNDICE 4 – O CENTRO DE TOKYO (Fonte: www.maps.google.com) O incrível para nós talvez seja que, com toda a pujança de Tokyo como representante da acelerada economia japonesa, o Castelo de Edo permanece intocado. Figuras 21 e 22 – Localização do centro de Tokyo. Fonte: https://maps.google.com.br. Busca por Edo Castle. Panorama of the Imperial Palace in Tokoy, including the east garden as seen from the top floor of the marunouchi Building. The tall buildings in the back are in Shinjuku. The Parlament is also faintly visible on the left. Photo taken on 21.12.2005 {{Use You can use this image freely for any purpose, including commercial use, provided that you license it under one of the above licenses. My suggestion is to use the following text: This Wikipedia and Wikimedia Commons image is from the user Chris 73 and is freely available at //commons.wikimedia.org/wiki/File:Imperial_Palace_Tokyo_Panorama.jpg under thecreative commons cc-by-sa 3.0 license. For privacy reasons please use only "Chris 73" as author. If necessary, please translate the text in your language. For electronic use please include the links in the text as shown, for printed use please print the text as shown. If you use the image I would appreciate it if you would let me know on my talk page, but this is not required as long as you follow one of the above licenses. Figura 23 – Panorâmica do centro de Tokyo, com vias circundando o Castelo de Edo, fossos e cidadelas se mantêm. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Imperial_Palace_Tokyo_Panorama.jpg Última intervenção em 13nov2012 28 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA É fato que o Castelo de Edo participa da trama urbana atual, mas alguns protocolos são respeitados. P. ex., segundo os autores, o Palácio Imperial permanece sem possibilidade de contemplação direta, sempre encoberto por vegetação, tanto quando visto do térreo, quanto por ponto mais elevado. Figuras 184 e 2519 – Centro de Tokyo. Palácio de Edo circundado (e cortado ) de vias, rio, fossos e remanescentes das construções; Palácio Imperial atual. Fonte: https://maps.google.com.br. Busca por Edo Castle. Os veículos fluem, aparentemente indiferentes ao que se passa interinamente aos muros, atrás das árvores que circundam a área, mas o significado daquela centralidade está ali, o tempo todo presente, embora invisível, nas profundezas daquele vazio. Última intervenção em 13nov2012 29 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA Figuras 26, 20, 21 – Vias ao redor do centro de Tokyo e cortando o parque do Castelo de Edo. Fonte: Fonte: https://maps.google.com.br. A modernidade e a tecnologia, ao invés de eclipsarem, abafarem, exterminarem o antigo, são usadas para garantir perspectivas, envoltórios, proteções que o mantém místico e presente. Figuras 29 e 30 – Arterial subterrânea entre o rio e a avenida, preservando o jardim externo ao redor do Castelo de Edo. Fonte: https://maps.google.com.br. Última intervenção em 13nov2012 30 / 31 A CULTURA E O ESPAÇO URBANO NO JAPÃO – resenha e comentários CLAUDETE GEBARA J. CALLEGARO e ELAINE C. COSTA REFERÊNCIAS ASCHER, Nelson. Caderno Mais! Jornal Folha de S. Paulo, 16/02/2003. COELHO NETTO, J. Teixeira. A construção do sentido na arquitetura. 4ª edição. São Paulo: 1999. NEIVA, Simone Loures Gonçalves; RIGHI, Roberto. A cultura e o espaço urbano no Japão.Vitruvius, Arquitextos 099.04, ano 09, ago 2008, 8 páginas. Disponível em: www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.099/119 MIOSSI, Emilene. Percepção e identidade visual: uma proposta para o Centro de São Paulo. Dissertação de Mestrado apresentada em 2005 junto à FAUUSP. TEIJI, Itoh. A arquitetura do Japão. The Japan Foundation: 1983. VOGH, Carlos. Fronteiras e desafios do conhecimento. REVISTA USP, São Paulo, n.59, p. 204-223, setembro/novembro 2003. httpwww.usp.brrevistausp5919-carlos.pdf http://blog.wfmu.org/freeform/2011/12/storytelling-in-japanese-art-at-the-met.html http://en.wikipedia.org/wiki/ (buscas diversas entre outubro e novembro de 2012) https://maps.google.com.br http://myguide.iol.pt/m/blogpost?id=4971388%3ABlogPost%3A247420 http://whereisfatboy.blogspot.com.br/2012/06/kyoto-kiyomizu-dera-temple-of-clear.html http://www.culturajaponesa.com.br/htm/historiadojapao.html http://www.diariodelviajero.com/asia/kiyomizu-dera-el-templo-del-agua-pura-de-kyoto http://www.yoshidayaryokan.com/ryokan_rooms.htm Última intervenção em 13nov2012 31 / 31