SARA AUGUSTO - Associação Internacional de Lusitanistas
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SARA AUGUSTO - Associação Internacional de Lusitanistas
VEREDAS Revista da Associação Internacional de Lusitanistas VOLUME 19 SANTIAGO DE COMPOSTELA 2013 A AIL – Associação Internacional de Lusitanistas tem por finalidade o fomento dos estudos de língua, literatura e cultura dos países de língua portuguesa. Organiza congressos trienais dos sócios e participantes interessados, bem como co-patrocina eventos científicos em escala local. Publica a revista Veredas e colabora com instituições nacionais e internacionais vinculadas à lusofonia. A sua sede localiza-se na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, em Portugal, e seus órgãos directivos são a Assembleia Geral dos sócios, um Conselho Directivo e um Conselho Fiscal, com mandato de três anos. O seu patrimônio é formado pelas quotas dos associados e subsídios, doações e patrocínios de entidades nacionais ou estrangeiras, públicas, privadas ou cooperativas. Podem ser membros da AIL docentes universitários, pesquisadores e estudiosos aceitos polo Conselho Directivo e cuja admissão seja ratificada pela Assembleia Geral. Conselho Directivo Presidente: Elias Torres Feijó, Univ. de Santiago de Compostela [email protected] 1.º Vice-Presidente: Cristina Robalo Cordeiro, Univ. de Coimbra [email protected] 2.ª Vice-Presidente: Regina Zilberman, UFRGS [email protected] Secretário-Geral: Roberto López-Iglésias Samartim, Univ. da Corunha, [email protected] Vogais: Benjamin Abdala Junior (Univ. São Paulo); Ettore Finazzi-Agrò (Univ. de Roma «La Sapienza»); Helena Rebelo (Univ. da Madeira); Laura Cavalcante Padilha (Univ. Fed. Fluminense); Manuel Brito Semedo (Univ. de Cabo Verde); Onésimo Teotónio de Almeida (Univ. Brown); Pál Ferenc (Univ. ELTE de Budapeste); Petar Petrov (Univ. Algarve); Raquel Bello Vázquez (Univ. Santiago de Compostela); Teresa Cristina Cerdeira da Silva (Univ. Fed. do Rio de Janeiro); Thomas Earle (Univ. Oxford). Conselho Fiscal Carmen Villarino Pardo (Univ. Santiago de Compostela); Isabel Pires de Lima (Univ. Porto); Roberto Vecchi (Univ. Bolonha). Associe-se pela homepage da AIL: www.lusitanistasail.org Informações pelos e-mails: [email protected] Veredas Revista de publicação semestral Volume 19 – Junho de 2013 Diretor: Elias J. Torres Feijó Editora: Raquel Bello Vázquez Conselho Redatorial: Andrés José Pociña Lopez, Anna Maria Kalewska, Axel Schönberger, Clara Rowland, Cleonice Berardinelli, Helder Macedo, Maria Luísa Malato Borralho, Sebastião Tavares Pinho, Sérgio Nazar David, Ulisses Infante, Vera Lucia de Oliveira. Por inerência: Benjamin Abdala Junior, Cristina Robalo Cordeiro, Ettore Finazzi-Agrò, Helena Rebelo, Laura Cavalcante Padilha, Manuel Brito Semedo, Onésimo Teotónio de Almeida, Pál Ferenc, Petar Petrov, Regina Zilberman, Roberto López-Iglésias Samartim, Teresa Cristina Cerdeira da Silva, Thomas Earle. Redação: VEREDAS: Revista da Associação Internacional de Lusitanistas Endereços eletrônicos: [email protected]; [email protected] Desenho da Capa: Atelier Henrique Cayatte – Lisboa, Portugal Impressão e acabamento: Campus na nube, Santiago de Compostela, Galiza ISSN 0874-5102 AS ATIVIDADES DA ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE LUSITANISTAS TÊM O APOIO REGULAR DO INSTITUTO CAMÕES SUMÁRIO Nota introdutória.....................................................................................................7 BARBARA GORI Antero de Quental e o (des)encanto com o naturalismo metafísico alemão...........9 CLAUDETE DAFLON Uma proposta de reflexão: literatura e ciência entre luso-brasileiros setecentistas...........................................................................................................25 FILIPA MEDEIROS «Cantando espalharei por toda a parte» Estratégias de marketing político no Barroco: os emblemas fúnebres em honra da rainha D. Maria Sofia Isabel.........49 MARIA APARECIDA RIBEIRO Moema, um episódio romântico no Barroco brasileiro e suas projeções até os nossos dias............................................................................................................71 MARIA DA GRAÇA GOMES DE PINA D. Francisco Manuel de Melo, autor e ator da «comédia do tempo»...................93 MARIA TERESA NASCIMENTO A devoção mariana no diálogo português do Barroco........................................137 REGINA ZILBERMAN O Resumo de História Literária, de Ferdinand Denis: história da literatura enquanto campo de investigação........................................................................149 ROLF KEMMLER Para uma melhor compreensão da história da gramática em Portugal: a gramaticografia portuguesa à luz da gramaticografia latino-portuguesa nos séculos XV a XIX............................................................................................................173 SARA AUGUSTO Ut pictura fictio. Ficção romanesca do maneirismo e do barroco......................205 SOCORRO DE FÁTIMA P. BARBOSA A introdução às Cartas Chilenas ou Epístola a Critilo e a murmuração da corte no primeiro reinado....................................................................................229 Nota introdutória O presente número da revista Veredas é um monográfico dedicado aos estudos devotados a um dos períodos menos atendidos dentro dos estudos lusófonos, o que decorre entre a morte de Luís de Camões e o início do Romantismo. Em 2012, a Associação Internacional de Lusitanistas, ciente da lacuna que afetava ao referido período, convocou especialistas em diferentes áreas da produção cultural dos séculos XVII e XVIII a participarem num colóquio em Budapeste. Pedia-se a apresentação de trabalhos arriscados, pesquisas em andamento, hipóteses ainda em fase de comprovação. Após o colóquio, com interessantes e intensos debates. foi oferecido às pessoas participantes elaborarem as suas comunicações como artigos e submetê-los a publicação na revista Veredas. Os textos foram submetidos à revista e avaliados pelo sistema convencional de duplo cego. Parte deles são agora aqui recolhidos, outros serão publicados em próximos números da revista. Todos eles beneficiaram de um elevado grau de elaboração, e a prova disto é que frente a um índice de aprovação média que não alcança 50% dos originais submetidos à Veredas, nesta ocasião a percentagem de aprovação de trabalhos superou 70%. O resultado, é um volume em que aspectos pouco tratados nos estudos lusófonos são estudados com uma elevada qualidade científica, oferecendo não apenas resultados novos e inovadores, mas também novos trilhos pelos quais a pesquisa poderá ser desenvolvida nos próximos anos. Raquel Bello Vázquez Editora VEREDAS 19 (Santiago de Compostela, 2013), pp. 177-200 Ut pictura fictio. Ficção romanesca do maneirismo e do barroco SARA AUGUSTO Centro de Literatura Portuguesa Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra RESUMO A produção ficcional barroca levanta questões pertinentes no que diz respeito à representação alegórica. Com efeito, a alegoria constitui um dos seus elementos constantes, mas tem raízes profundas tanto na tradição clássica como na tradição medieval, de que o barroco representa uma síntese complexa. Desta tradição conjunta vem o conceito de alegoria como tropo retórico, que se manteve nos manuais até ao século XVII. Este fundamenta a alegoria na translatio, facto potenciado sobretudo pela analogia entre dois universos, o da ficção e o da leitura. Mas essa tradição levantou outros aspetos nucleares: a relação entre fictio e alegoria, a fuga ao discurso mimético, a extrema capacidade visual e plástica, e a função didático-moral. Tendo em conta estes aspetos, a alegoria permitiu a arrumação cronológica e genológica da ficção romanesca produzida em Portugal entre 1600 e 1750, definindo a estrutura narrativa e a sua funcionalidade no contexto literário. Permitiu ainda considerar a visualidade como característica essencial, pelo recurso aos emblemas, à descrição, à ecfrasis e à metáfora, que proporcionam a varietas e o ornatus, determinantes para conseguir o duplo objectivo do prodesse ac delectare. Palavras-chave: Literatura Barroca; Alegoria; Ficção; Ut Pictura Poesis; Prodesse ac Delectare; Paratexto. SARA AUGUSTO 178 ABSTRACT Baroque fictional production raises pertinent questions concerning alegoric representation. Allegory is indeed one of its constant elements, being deeply rooted both in the classical and medieval traditions, of which the baroque is a complex synthesis. From this joint tradition arises the concept of allegory as a rhetorical trope, which was maintained in grammar compendiums until the 17th century. The concept bases allegory in translatio, and this process is strengthened mainly by the analogy between two universes, the universe of fiction and the universe of reading. This tradition also raises other important issues: the relation between fictio and allegory, the allegory’s refusal of mimetic discourse, its the extreme visual and plastic capacities and its moral and didactic functions. Bearing these aspects in mind, I have ordered the fiction produced in Portugal between 1600 and 1750 chronologically and in terms of genre. The study of allegory has allowed me to define the texts’ narrative structure and their functionality in the Baroque literary context. It also allowed me to consider visuality as an essential feature of allegory –due to the use of emblems, description, ekphrasis and metaphors- which allows strategies such as varietas and ornatus, vital to achieve the double objective of prodesse ac delectare. Keywords: Baroque Literature; Allegory; Fiction; Ut Pictura Poesis; Prodesse ac Delectare; Paratext. 1. A forma como a literatura se aproximou das artes visuais na época barroca, retomando procedimentos antigos, condicionou e deixou uma herança poderosa na literatura posterior. Nunca como na época contemporânea, explorando campos artísticos que vão além das artes visuais e alcançando outros âmbitos de representação artística, a relação entre arte e literatura se revelou de forma tão estreita. Nesta relação, que assume contornos de complexa teorização, não tem menor importância o índice de ficcionalidade assumido pelas diversas artes, que se torna evidente na capacidade de «contar histórias», ou seja, na construção de uma narrativa, na representação simbólica e na figuração de uma mundividência. Mas os pressupostos da relação literatura e pictura não são definitivamente os de hoje, muito menos as motivações dessa relação. Ut pictura fictio. Ficção romanesca do maneirismo e do barroco 179 Houve uma altura que a motivação da associação entre arte e literatura era ética, uma altura em que a extrema visualidade do enunciado, capaz de seduzir espírito, se tornava antes de tudo conveniente e útil. Foi sobre esse tempo, um longo período que cobriu a produção ficcional pastoril e as novelas alegóricas da primeira metade do século XVIII, que trabalhei em A Alegoria na Ficção Romanesca do Maneirismo e do Barroco, publicada em 2010. Tratou-se de um projeto de doutoramento de amplitude teórica significativa e com um corpus de trabalho considerável, que atingiu a leitura e o comentário de três dezenas de títulos de ficção distribuídas por uma extensão temporal de um século e meio. Foi esta amplitude que permitiu mostrar como a alegoria, que implica uma específica relação entre literatura e pictura, se impôs como procedimento preferido, pela sua capacidade plástica, pela versatilidade de representação, mas também pela capacidade de concretização de pontos de doutrina e exemplo. São alguns dos aspetos desse trabalho que aqui recupero, enfatizando algumas linhas que me parecem hoje fundamentais: os fundamentos da ficção e da alegoria; a ordenação da ficção alegórica; a dupla orientação da ficção barroca como argumento essencial no processo da sua legitimação. Tendo em conta a relação clássica entre as duas funções complementares da literatura, retomo o título deste trabalho, ut pictura fictio, que estabelece uma correspondência evidente e propositada com a decisiva afirmação horaciana, ut pictura poesis, declarada no verso 361 da Epistola ad Pisones. Trata-se de uma afirmação essencial no contexto desta Ars Poetica, tendo em conta as virtudes da poesia, entendida no sentido mais geral de «literatura», enquanto «arte» discursiva capaz de invocar e «dar a ver» realidades e conceitos, mas também pela correspondência com o contexto em que foi produzida, fazendo com que a leitura fosse determinada pelas valências decorrentes desse facto. É neste sentido, aliás, que a teoria horaciana se tornou particularmente bem recebida pelo pensamento crítico do Renascimento (Augusto, 2010: 2125). Mas esta capacidade de representação tem o seu principal fundamento na teoria poética aristotélica. Se bem que Aristóteles não aborde especificamente a relação privilegiada entre poesia e pintura, tal inter- 180 SARA AUGUSTO ligação atravessa não só a Retórica mas também a Poética, a partir da noção de poesia como imitação ou a partir do desenho coerente dos caracteres das personagens. Na Parte III da Retórica, discorrendo sobre a expressão enunciativa, Aristóteles distingue claramente os processos que diferenciam o discurso poético, mais solene e elegante, do discurso em prosa. Da utilização da metáfora proviria grande parte da elegância das expressões, mas a sua eficácia dependeria do cumprimento de um critério considerado essencial: que fizesse com que o objeto saltasse para «diante dos olhos», colocando-o em evidência, produzindo a sua visualização (Aristóteles, 1998: 196-200). Esta capacidade de «dispor o objeto diante dos olhos» dependeria, contudo, da representação de uma ação, tendo mais impacto neste processo as metáforas que utilizavam o inanimado como animado, atribuindo-lhe vida, movimento e ação. A visualização implicaria então a representação de uma ação, facto que nos coloca eficazmente no campo da ficção e da alegoria, as duas matérias que neste trabalho me interessa ter em conta. O procedimento descrito, de «dispor o objeto diante dos olhos», no sentido da concretização e da representação de conceitos abstratos, implica a consideração da alegoria não só enquanto recurso estilístico, mas sobretudo como forma preferencial da estrutura narrativa ficcional. Determinadas constantes desta estrutura, como a construção disjuntiva de personagens, figurantes da dicotomia Bem e Mal, o desenvolvimento da ação fora dos limites da mimese, e a ênfase num discurso moralizador, constituem elementos alegóricos que, de forma evidente, orientam a leitura e obrigam o leitor a um exercício de interpretação, de acordo com preceitos impostos pelo contexto de produção ficcional. Trata-se de um recurso tão antigo como a literatura e nem sempre de utilização pacífica. Relembro que Platão reagiu veementemente ao excesso de alegoria e de interpretação alegórica, não só de Homero mas também de outros mitólogos (Augusto, 2010: 22). A crítica literária a que procede em A República, se bem que não atinja a essência da poesia, ainda assim condena severamente as intenções, a ignorância e a imoralidade das fábulas, considerando que «quem é novo não é capaz de distinguir o que é alegórico do que não é» (Platão, 1987: 87). A recusa da validade dos mitos assenta na sua consideração como ficção gratuita Ut pictura fictio. Ficção romanesca do maneirismo e do barroco 181 e incapaz de oferecer qualquer espécie de verdade. Contudo, enquanto narrativa simbólica, plena de significação, neste sentido utilizada nos Livros VI e VII, onde apresenta a conhecida «alegoria da caverna», já se aproxima da verdadeira opinião e procura o melhor modo de expressar o verosímil e a probabilidade, capaz de conter e de transmitir conteúdos e ensinamentos. Esta reflexão apresentada em A República, e em outros tratados de Platão, levanta duas possibilidades interessantes para este trabalho: a utilidade de que a poesia (enquanto atividade literária) se deve revestir, e a responsabilidade que as formas poéticas devem assumir na vida humana e social; em segundo lugar, a possibilidade e a necessidade de interpretar alegoricamente os mitos, tornando-os aceitáveis em termos de moralidade e de conhecimento. Assim, a expressão alegórica passa a configurar uma narrativa de carácter simbólico, investida de responsabilidade por ser capaz de conter e de transmitir conteúdos e ensinamentos (Laborderie, 1978: 71-89; Pépin, 1976: 112-120). Da realização alegórica viveu toda a Idade Média, transfigurando universos humanos e terrenos em repositórios e virtudes e vícios em guerra, de aves simbólicas, cortes imperiais, castelos perigosos, jardins e hortos do paraíso (Augusto, 2010: 368-375). Em Literatura europea y Edad Media latina, E. R. Curtius (1989) mostrou como a representação alegórica, viva e exuberante, ganhou contornos ricos e poderosos, desenhando alegorias que perduraram pelo tempo. A sensibilidade estética e os processos mentais resultaram numa visão simbólico-alegórica do universo (Augusto, 2010: 34), em que a estilização e a convenção rodeavam cada gesto e cada momento da vida. Mas foi sobretudo o pensamento religioso que, devido ao alto grau de abstração que o carateriza, tendeu a cristalizar-se em imagens, tornando o mistério sensível logo que revestido de uma forma representável. Com esta aliança entre as potencialidades imaginativas e didascálicas, a função pedagógica viu o seu efeito reforçado. Deste modo, a construção e a leitura de alegorias seriam fonte de deleite, mesmo que implicassem um certo esforço interpretativo (Augusto, 2010: 34-42). 182 SARA AUGUSTO A literatura do século XVII, por entre páginas de parenética, tratados espirituais, ficção e poesia, retomou a topica, as metáforas e os exempla medievais, relendo-os à luz da mundividência barroca. Contudo, para além dessa visão do mundo, baseada nos efeitos criativos da coincidência de pares opositivos (Silva, 1983: 444-449), a literatura barroca assentou numa considerável autonomia dos procedimentos estilísticos. Assim, as matérias mais antigas assumiram novas formas, de maior exuberância e refinamento, ampliando os enunciados, prolongando o procedimento metafórico. Enquanto compêndio indispensável da codificação do barroco, a Nova Arte de Conceitos, publicada por Francisco Leitão Ferreira em duas partes, respetivamente em 1718 e 1721, proporcionou reflexões de fundo sobre a teoria da metáfora. Tendo como referência o Il Cannochiale Aristotelico, de Emanuel Tesauro, primeiramente editado em 1654, Leitão Ferreira estabelece regras para definir a legitimidade das analogias que serviam de base à metáfora, submetendo-as ao decoro, segundo regras de proporção e clareza. A consideração da alegoria, apresentada como «tropo de oração», implicando que a «comutação engenhosa» fosse aplicada numa estrutura mais complexa, é feita no contexto da definição da verdade e da falsidade dos conceitos e dos argumentos (Ferreira, 1721: 183). Ponderando o valor da verdade, que dependeria da conformidade entre os objetos e o entendimento, Leitão Ferreira encontra igual legitimidade na verosimilhança, que implicaria uma analogia ou proporção dos objetos metafóricos com a mesma potência intelectiva. Assim, para além da verdade, como oposto de falsidade, seria perfeitamente aceitável uma verdade indireta que, segundo a Nova Arte de Conceitos, se encontraria presente em qualquer alegoria, e que, apesar de poder ter como finalidade «enganar» alguém, serviria igualmente objetivos mais dignos como ensinar e persuadir (Ferreira, 1721: 184). Sem dúvida que esta aproximação de Francisco Leitão Ferreira reitera o princípio pedagógico da alegoria, mas não chega à complexa teorização de Baltazar Gracián, de que o teorizador português discordou em determinadas circunstâncias (Augusto, 2010: 50-64). Contudo, no tratado Agudeza y arte de ingenio, publicado pela primeira vez em Madrid em 1642, Gracián estabeleceu uma relação fundamental entre Ut pictura fictio. Ficção romanesca do maneirismo e do barroco 183 ficção e alegoria. Partiu do conceito básico de «agudeza» para explicar a «agudeza composta» (Gracián, 1944: 243), sendo que o segundo género que a compunha era constituído pela «ficção», onde se incluiriam as «alegorias continuadas». A ficção constituía, neste caso, uma das possibilidades de unificação da estrutura composta por um conjunto de metáforas. Assim, quando no Discurso LV se tratou da agudeza composta «fingida», ou seja, por ficção, logo se destacou no início do apólogo transcrito a presença de uma estrutura narrativa, ordenadora das analogias e de outras agudezas que o compunham (Gracián, 1944: 255). Esta «invenção fingida» assentava predominantemente na semelhança, tornando-se a sua agudeza evidente nessa translação entre o «mentido» e o verdadeiro. E como esta construção ficcional se tornava fácil e doce ao intelecto, compreendia-se que grandes autores se tivessem servido deste género de agudeza composta, conduzindo à «la sagacidad y la enseñanza prudente» (264). Não se tratava só de literatura edificativa, moral ou exemplar, mas contemplava «diferentes rumbos de la invención y agudeza», uma varietas que lembrarei a propósito da estratégia de legitimação da ficção narrativa levada a cabo nos paratextos das edições portuguesas (Gracián, 1944: 257): Homero con sus epopeyas, Esopo con sus fábulas, Séneca con sus sentencias, Ovidio con sus metamorfosis, Juvenal con sus sátiras, Pitágoras con sus enigmas, Luciano con sus diálogos, Alciato con sus emblemas, Erasmo con sus refranes, el Bocalino con sus alegorías y el príncipe don Manuel con sus cuentos. Gracián manifestou uma posição diferente em relação aos estudos retóricos do seu tempo no sentido de uma maior fruição estética do texto. Assim, a agudeza por ficção, sendo sobretudo «viveza e espíritu», enquadramento correto para a alegoria, não encontrou a sua essência nas preocupações formais da composição poética, mas realizou-se de forma mais plena no texto em prosa, livre de cânones mais rígidos. Por outro lado, para o vasto campo de aplicação da construção alegórica muito deve ter contribuído o facto de esta se constituir como uma es- 184 SARA AUGUSTO pécie de macro construção, uma vez que todo o artifício conceptual por ficção, tendo em conta a definição de conceito artificioso apresentada por Gracián, dela participa. Tal participação torna-se mais visível com o apólogo, com a parábola e com a fábula, consideradas «espécies» da alegoria, por se fundarem num processo de analogia e veicularem preferencialmente conteúdos de carácter moralizante. Sobre este assunto, o autor deixa bem claro que, para além do cuidado a ter com o artifício da traça e do artifício da ficção, «siempre há de atender el arte al fruto de la moralidad, que es el fin de lo dulce y entretenido» (Gracián, 1944: 259; Batllori, 1958: 247-250). Interessa-me considerar ainda, na legitimação do meu ut pictura fictio, que o carácter visual da ficção discursiva, bem evidente na expressão de Gracián, «las cosas espirituales se pintan en figura de cosas materiales y visibles» (260), está presente em outras espécies da «agudeza fingida» (265-266), como as empresas, os hieróglifos e os emblemas. Também nesta invenção, a que Gracián chama figurada, é preponderante a analogia do figurado com o figurante. Contudo, apesar de muitas vezes a palavra utilizar os instrumentos da pintura para exprimir os seus conceitos, deve considerar-se que «el mote es alma de la pintura, siempre há de incluir agudeza» (266). E se a alegoria não estiver no mote, pois a significação da pintura pode ser tão clara que não precise de letra, assim mesmo a alegoria estará na sua leitura e na sua interpretação. Esta teorização de Gracián distancia-se completamente da redução da alegoria a tropo de oração ou a metáfora continuada, formulação constante dos compêndios de retórica. Continuando centrada na analogia, segundo a definição de conceito, a alegoria impõe-se todavia pela sua estrutura ficcional, pelas suas invenções artificiosas, pela sua visualidade, tornando-se mais ampla e mais livre na sua aplicação, ou seja, tornando-se um instrumento preferencial no estudo da narrativa ficcional barroca. Tendo em conta esta presença inequívoca da alegoria na ficção narrativa dos séculos XVII e XVIII, é possível perceber, contudo, os movimentos de metamorfose no sentido de uma utilização mais intensiva. Com efeito, o exercício da alegoria mudou, acentuando-se claramen- Ut pictura fictio. Ficção romanesca do maneirismo e do barroco 185 te no correr do século XVII: passou da alegoria temática, segundo os termos definidos por Northrop Frye, ou seja, da possibilidade da leitura alegórica, da alegorese, para o domínio da alegoria «real» ou «contínua», construindo universos alegóricos amplos e complexos (Augusto, 2010: 94-97). A consideração destes dois passos, da interpretação alegórica à alegoria, potenciou mesmo uma classificação da ficção narrativa romanesca produzida entre 1600 e 1750. Se a convenção pastoril, que codificou a produção ficcional entre 1600 e 1630, permitiu uma leitura temática, com base em sequências e episódios alegóricos mas sobretudo numa interpretação do desengano amoroso, também a novela de entretenimento e aventura, produzida a partir de 1625, vê intensificado o seu sentido moral, mostrando como as personagens e a ação que desempenham se tornam espelho de comportamentos negativos ou positivos. Quanto às novelas morais, produzida na primeira metade do século XVIII, não são alegóricas, mas acentuam a sua intenção alegórica, na forma como conjugam o entretenimento e a exemplificação de grandes verdades morais, adquirindo o discurso um sentido mais persuasor, diretivo e sentencioso. Em contraste, a novela alegórica, produzida em ambiente conventual e religioso a partir de 1680, distingue-se claramente, pela sua coerência interna muito específica, da ficção mimética. O procedimento era facilmente reconhecido: a dupla estrutura, que oferecia a agradabilidade do enredo ao mesmo tempo que cumpria um sério propósito doutrinário e moral, e o conteúdo religioso, matéria sobre a qual se fundava a analogia. Todas estas narrativas obedecem a um percurso comum, que facilmente permite a representação esquemática, passível de representação visual diagramática. Num tempo imaginário, as personagens evoluem num espaço onde o Bem o Mal se digladiam, num processo de recuo e de aperfeiçoamento até alcançarem um estádio final. Entre modelos de ação bem determinados (a psicomaquia e a peregrinatio), balanceados entre momentos de avanço e de recuo, a narrativa alegórica deveria manifestar uma segunda leitura, de sentido moral e espiritual, que não deixasse qualquer dúvida no espírito do leitor quanto à verdade proclamada (Fletcher, 1964: 307-308). 186 SARA AUGUSTO Se esta técnica contrapontística é uma característica fundamental, outra não menos importante, e em grande parte por ela determinada, é o carácter visual e diagramático da alegoria, que já referi e confirmei. Utilizada preferencialmente para a eficaz concretização de conceitos e de abstrações variadas, devem ser tidos em conta diversos aspetos. Em primeiro lugar, é necessário considerar a tradição de representação conjunta da imagem e da letra. A emblemática, desenvolvida a partir do século XVI, sobretudo com Alciato, e depois fortemente enriquecida pelos séculos XVII e XVIII, ofereceu aos artistas, e também à literatura, uma fonte inesgotável de configurações, capazes de representarem figuras e conceitos, dos mais simples aos mais complexos. Pela descrição de personagens e de ações e pela ecfrasis, capaz de contar histórias de quadros e imagens, a narrativa alegórica encheu-se de formas, de cores, de movimentos, em constante mutação e confronto. Na verdade, alcançou requintes de fantasia e imaginação, sem nunca deixar de ensaiar e de apresentar ao leitor a reinterpretação das alegorias fundamentais da espiritualidade humana, ou seja, a vida como peregrinação; a vida como luta interior, e a vida como procura da perfeição. Ut pictura fictio. Ficção romanesca do maneirismo e do barroco 187 2. A partir do último quartel do século XVII, a ficção romanesca assumiu uma definitiva forma alegórica. Para além da História do Predestinado Peregrino e seu Irmão Precito (1682), do Padre Alexandre de Gusmão, e do Compêndio Narrativo do Peregrino da América (1728 e 1733), de Nuno Marques Pereira, ganharam especial relevância as novelas alegóricas, prefigurações da alma na sua peregrinação terrena em direção, produzidas em ambiente conventual por Soror Maria do Céu e Soror Madalena da Glória. Para além dos apólogos de Maria do Céu (Escarmentos de Flores, 1681; Aves Ilustradas, 1734; Metáforas das Flores, 1735; Apólogos das Pedras Preciosas, 1735), as longas novelas implicam um desenvolvimento do enredo, desdobrado em sucessivas analogias integradas no fio narrativo. É a ficção que as unifica e lhe dá um macro sentido, tal como observou Baltazar Gracián, prefigurando as etapas, em lentos passos de engano e desengano, do homo viator em roupagens de pastoras e peregrinas. De Soror Madalena da Glória é a segunda parte dos Brados do Desengano, de 1739, e o Reino da Babilónia, de 1749. Quanto à primeira obra, cuja primeira parte foi publicada em 1736, constitui um dos modelos da novela exemplar e moral da época barroca; mas a segunda parte representa a opção definitiva da autora pela expressão alegórica, entendida como a mais adequada à matéria moral e ao seu estado religioso, contrastando com o primeiro enredo profano da história de Alexandre, protagonista das duas partes da novela. No que diz respeito a Soror Maria do Céu, A Preciosa, impressa em 1731, cuja edição foi levada a cabo por Ana Hatherly, em 1990, continua a ser a configuração mais perfeita das novelas alegóricas da literatura barroca portuguesa. Toda a leitura é orientada no sentido de a interpretação dos diversos passos da vida da «pastora do vale» ser adequada aos conteúdos doutrinários relacionados com as alegorias mais significativas da espiritualidade. À margem do texto foram colocadas indicações do significado literal de cada um dos espaços e de cada uma das personagens, tal como logo no início da narrativa foi incluída uma «Declaraçam desta moral allegoria». A associação das personagens à 188 SARA AUGUSTO ilustração de um conceito moral, através da simbologia dos nomes, obriga desde logo o leitor a fazer uma constante remissão para o conteúdo moral da narrativa (Augusto, 2010: 419-433). Contudo, vou exemplificar o procedimento recorrendo a outra novela da mesma autora, os Enganos do Bosque, Desenganos do Rio, de 1736, cujas duas partes foram reunidas na edição de António Isidoro da Fonseca, em 1741, e de que retirei as citações deste trabalho (Augusto, 2012: 289-300). A bipartição do título desde logo denuncia a dualidade dos espaços entre os quais de move a Peregrina, evidente prefiguração da alma humana na sua vida terrena e da sua capacidade de opção. Com efeito, como se afirma no «Prólogo», na edição de 1736, paratexto fundamental para o estudo da alegoria desenvolvida e para a sua legitimação, «a todos os que nascem, se lhes mostram dous caminhos, um dos vícios, outro das virtudes, assim o representa esta Peregrina». Trata-se de um percurso balanceado entre o Vergel do Pastor e o Bosque do Caçador, um caminho feito de erros e de enganos que permitem um crescimento sofrido em direção à verdade e ao desengano. A descrição antagónica, entre «horror» e «alegria» encerra em si uma segunda oposição que se revelará no final da novela, o contraste entre a aparência e a realidade, uma construção quiasmática que atravessa, como trave mestra, toda a estrutura da novela (2): [...] um parecia Corte de Primavera, o outro esquecimento de Abril, este todo espinhos, todo silvas, todo abrolhos, aquele todo flores, todo rosas, todo gala, um era capela de aves músicas, ao outro se arrojavam voos tristes, em um se ouvia o canto, de outro se podia fazer o lamento, de um só se viam verdes mansões, de outro se avistavam ásperas subidas, este oferecia tudo tropeços, aquele mostrava tudo seguros, um convidava a fadigas, o outro chamava a lisonjas, um era horror à planta delicada, o outro alegria aos olhos descuidados; tais os caminhos, neles vacilava a Peregrina duvidosa [...]. Ut pictura fictio. Ficção romanesca do maneirismo e do barroco 189 Contudo, esta metamorfose foi-se revelando ainda ao longo da novela, quando no capítulo III (26-29), se descreveu o Bosque e o Caçador. Foi sob o domínio do engano que a Peregrina percorreu as moradas dos deuses do bosque, entregue às artimanhas das ninfas e das caçadoras. Durante seis capítulos (III-VIII) visitou os seis ídolos adorados no Bosque. A construção de cada episódio é paralela e contempla a descrição de cada ídolo, recorrendo a uma representação visual, emblemática, de que se vai descodificar o sentido e que resulta sempre numa lição que acentua o desengano. Assim, a «nobreza» identificava-se por uma «coroa de flores», que «vista era coroa, palpada era ar»; a «fermosura», com uma rosa, «gala murcha, sua beleza afeiada»; a «Discrição humana», com uma pena, que «voou ligeira»; a «esperança do mundo», com uma «tesoura» na «mão vazia»; a «riqueza» com uma maçã de ouro que se desfez em terra; e o «amor-próprio», com um ramo de flores de onde saltou «venenoso aspid». A descrição da Riqueza associa os adereços típicos a uma leitura moral, procedimento que se repete com cada um dos outros ídolos (82): Era uma mulher de luzidos olhos, prateada tez, dourados cabelos, vestia de tela de prata, e assim manto como roupa bordava de botões de ouro, gala que estudar-se-lhe o ser, fora injuria, a cabeça era um tesouro de joias, e quanto mais leve na consideração, mais capaz de fazia para o peso. No final de cada episódio inscreve-se o respetivo desengano, num processo de enumeração e recolha, de interrogação sequencial e devida confirmação, que acentuam a pretendida moralização final (84-85): Que vales riqueza? Vales uma alma? Não, que a condenas. Vales uma vida? Não, que a arriscas. Vales um sossego? Não, que o destróis. Vales um alívio? Não, que és peso. Vales um descanso? Não, que és cuidado. Vales uma respiração? Não, que és afogo. Arriscas a vida de quem te busca; condenas a alma de quem te guarda; destróis o sossego de 190 SARA AUGUSTO quem te conserva; fazes do sono cuidado, do alívio carga, da respiração receio, e és tesouro? Adonde pois está o teu valor, que se o achou a estimação, eu não o descubro na realidade; contigo poderá o homem comprar mais mundo; porém não poderá o homem comprar mais vida. Depois de confrontada com a vanidade dos seis ídolos do bosque, a Peregrina decidiu-se a abandonar aquele «labirinto de enganos». O caminho para o Vergel, que constitui a segunda parte da obra, implica um percurso de profundo despojamento e luta interior, de combate ao amor-próprio e aos rumores do mundo. Nesta condução da Peregrina, vão ser fundamentais as figuras dos pastores, prefiguração de mulheres e homens santos, que surgem no enredo como lição e incentivo. A Peregrina foi-se despojando das galas, mortificando os sentidos, cultivando as virtudes, e terminou a peregrinação quando chegou ao termo da sua vida. Tendo alcançado a excelência interior, capaz de ver para além da aparência, o que era «horror» transformou-se em exuberante «paraíso», cumprindo-se o quiasmo que anteriormente referi. A descrição atinge o seu maior efeito não só pela visualidade reforçada, pelo pormenor descritivo, em regime de acumulação, mas também pela construção sinestésica. Apesar da longa citação, transcrevo a tentativa de descrição deste «éden», retomando as palavras finais e prudentes de Soror Maria do Céu, «e não continue minha ignorância esta pintura, porque já ouço que nela todo o homem mente» (162-163): [...] se achou em um delicioso Vergel, reverdeceu o celeste Paraíso, nova esfera de luzes, raro labirinto de flores, lugar de que só era digna a admiração. Ali toda a vista era graça, toda a flor maravilha, toda a planta esmeralda; as fontes eram pérolas líquidas, os ares flores sem cor pela fragância, as respirações alentos divinos e nada parecia do ser humano, os cravos brotavam incêndios, as rosas não padeciam desmaios, os jacintos padeciam ciúmes, as murtas não significavam dor, a beleza das flores correspondia à fermosura das árvores de pomos, de nenhuma parecia mãe a terra, de todas sim creador o Sol, e as maçãs, Ut pictura fictio. Ficção romanesca do maneirismo e do barroco 191 que no primeiro jardim foram discórdias, aqui eram amores. As aves vestiam de pena e cantavam de glória; estavam paradas porque não tinham adonde levantar o voo; o cristal que a pedaços se via, brilhava ouro, o ouro nos pomos transparente como o cristal. As ruas deste paraíso calçavam pedras preciosas; as portas adornavam pérolas finas, os muros alabrastos superiores. No meio se via uma fonte de vida; a cujas águas corriam as almas sendo seu ruído mais suave que de doce cítara a branda voz. Nas «ruas deste paraíso», a Peregrina recebeu «o prémio de seus trabalhos», encontrou «o fim de seu caminho, o porto de sua navegação, o achado de seu amor, e quem seguir a mesma via para a virtude, descobrirá o mesmo Vergel para a eternidade» (168). A moralização final, afirmando a infinita misericórdia divina, fecha o universo narrativo. Sem grandes arroubos de fantasia, pelo menos ao nível extremo d’A Preciosa, esta história da Peregrina segue as regras da alegoria moral: mantém a estrutura alegórica contínua, apresentando dois sentidos em paralelo; segue os modelos esperados da progressão e do combate interior, incluindo a alegoria dos desposórios, na última parte. A figura do Pastor e o motivo da «água viva», presente também no rio dos desenganos, de águas claras, contrastando com a sombra do bosque, símbolo do mundo e dos seus enganos, são outros aspetos que ganham maior relevo no título dual e bipartido de Enganos do Bosque, Desenganos do Rio. 3. O comentário e a transcrição de passos mais longos da novela de Soror Maria do Céu permitiu esclarecer a forma como a alegoria se tornou um dos procedimentos mais valorizados exatamente pela sua «capacidade de representação», de «dar a ver», prefigurando conceitos. E foi capaz de fazê-lo ao nível imediato da metáfora, na composição de personagens e de cenários, mas sobretudo teve o alcance de organizar toda a estrutura narrativa em função da demonstração ou do cumprimento de um princípio ou de um conjunto de princípios morais. 192 SARA AUGUSTO Mas este «modo alegórico», enquanto processo de codificação do discurso segundo a teoria de Angus Fletcher, apresentada em 1964 com a publicação de Allegory: the Theory of a Simbolic Mode, serviu muito mais que o gosto pela metáfora e o prazer lúdico da literatura barroca. Tornou-se também decisivo na consideração entre esse gosto e as suas potencialidades pedagógicas. Retomo assim a dicotomia horaciana do prodesse ac delectare, que se manteve válida durante a Idade Média, se viu acentuada no século XVI (Weinberg, 1963: I, 71), e reforçada na época barroca. A noção de que a literatura tinha como duplo objetivo ensinar e deleitar tornou-se decisiva entre os comentadores de Horácio, aqueles que constituíam a «Horatian-rhetorical tradition», no Renascimento italiano, entre 1546 e 1560 (Weinberg, 1963: I, 150), sem contudo perder de vista que a tarefa essencial era o ensinamento, fosse de carácter moral ou político, facilitado através de processos que o tornam mais agradável. Ainda assim, não foi um equilíbrio fácil: a focalização na utilidade, no proveito e no exemplo, permitiram uma medida que se tornou o necessário contraponto ao furor aristotélico barroco, como tão bem explicou Aníbal Pinto de Castro num dos seus mais importantes estudos, «Os códigos poéticos em Portugal do Renascimento ao Barroco», de 1985. Com razão, e proveito, a produção ficcional invocou esta submissão do deleite ao desígnio moral, no longo caminho que teve de percorrer para atingir uma «autonomização» que ainda assim a época barroca não lhe reconheceu devidamente. Este facto, o do não reconhecimento, definiu o caminho da ficção barroca, da novela de aventuras até à novela alegórica, como de seguida explicarei. Antes de referir a «luta» da ficção narrativa pela conquista de um espaço legítimo de produção e leitura, é necessário ter em conta como o contexto social, moral e religioso, que incorporara os princípios pós-tridentinos de uma regularização da espiritualidade, condicionou a produção literária. As aprovações do Santo Ofício, que resultaram em longos textos que delineavam princípios de produção e leitura, acentuando o valor moral e doutrinário, são um exemplo desse facto, tal como também o são os Prólogos do Autor, cujas protestações «sentidas» Ut pictura fictio. Ficção romanesca do maneirismo e do barroco 193 de «moralidade» devem ter valido a publicação de muitas obras de cariz profano. Tendo em conta o estudo que eu própria levei a cabo em alguns capítulos de A Alegoria na Ficção Romanesca do Maneirismo e do Barroco, publicado em 2010, mas sobretudo o trabalho sistemático de Maria Inês Nemésio (2010), «Exemplares Novelas» e Novelas Exemplares: os Paratextos da Ficção em Prosa no Século XVII, tese defendida nesse mesmo ano, não se torna difícil concluir como pelos prólogos, dedicatórias e censuras da Inquisição e do Paço, correu uma parte significativa da teorização sobre a legitimação da novela, no ciclo completo de produção e leitura. Na base deste processo de validação esteve presente a invocação dos dois princípios referidos, o prodesse e o delectare, sendo que em qualquer dos casos a analogia entre poesia e pintura se torna pertinente, proporcionando a sedução dos sentidos e facilitando o ensino. Um dos símiles mais significativos dos paratextos é o «símile» da abelha, lido no «Prólogo ao Leitor» da Constante Florinda, na edição de 1672, com as suas duas partes publicadas respetivamente em 1625 e 1633, e recolhido por Gaspar Pires Rebelo em Plínio, onde se afirma que «as abelhas (…) não só de uma flor fazem o favo, mas de muitas e várias que colhem, dispostas pela ordem que a natureza lhes ensina, fazem e aperfeiçoam seu doce mel». A vantagem desta varietas torna-se evidente na explicação («Prólogo ao Leitor»): [...] pois nem só os livros e lições espirituais e divinas a nosso entendimento aproveitam se não aqueles que em humanidades e lições várias se fundam: e estes também mereçam ser estimados, pois em seu género ajudam a perfeição, ou ao menos fazem com que a bondade dos outros mais resplandeça, para que de todos possa ser mais estimada. Esta justificação da leitura de obras profanas conjuga-se com a defesa da sua produção ou da inclusão de profanidades. Neste sentido 194 SARA AUGUSTO a «Protestação do Autor», datada de 1672, na edição dos Cristais da Alma, de Gerardo de Escobar, equaciona a «liberdade poética», colocando formulações menos ortodoxas no domínio do exercício ficcional: «Uso de deidades, adorações, sacrifícios, entregues da alma e outros hipérboles introduzidos como licenças poéticas, frases amorosas e não em verdadeiro sentir, enquanto são gala do dizer e não desvios do sentir católico». Sintomáticos, e mais estruturados, são os paratextos da longa novela do Padre Mateus Ribeiro, o Alívio de Tristes e Consolação de Queixosos, nas edições de 1648, 1672 e 1688 (Augusto, 2010: 300-305). Aos seus leitores, tomando os exemplos de Séneca, Cícero, Plutarco, Pitágoras, Ovídio, S. Gregório Papa e Santo Ambrósio, no sentido de que «a consolação para ser bem recebida há-de incluir suavidade que divirta, e não severidade, ou aspereza, que magoe», diz Mateus Ribeiro, na edição de 1688 («Prólogo ao Leitor»): Meu intento é aproveitar com este piqueno volume a todos os que no mar deste mundo navegam derrotados de sentimentos, molestados de tristezas, queixando-se continuamente das que se chamam erradamente desgraças e infortúnios. O maior prémio para mi deste trabalho será que todos com ele suas aflições aliviem, e suas queixas consolem, advertindo juntamente aos descuidados para que não se fiem das bonanças, encaminhando aos queixosos, para que não desanimem com as tormentas desta peregrinação, em quanto não chegamos à tranquilidade, e consolação verdadeira das alegrias da glória, a que Deus nos leve, por sua infinita bondade. Amen. Vale. «Aliviar aflições e consolar as queixas»: este sentido edificante justificava que o Padre Mateus Ribeiro se dedicasse às novelas de amor e de entretenimento. E como o sucesso foi significativo, apesar das vozes adversas a estratégia foi repetida nas novelas seguintes. Os dois prólogos que constam na edição de 1754, em dois tomos, da qual retirei as citações, são muito significativos em termos de legitimação da novela de entretenimento cortês. Como afirma Luis de Moraes e Castro, Ut pictura fictio. Ficção romanesca do maneirismo e do barroco 195 que custeou a edição e pode ter sido o autor dos longos prólogos, «falta só uma breve Apologia do assunto que ele escolheu, para a maior parte dela, pois não faltam censores presumidos de austeros que condenem a um Eclesiástico compor Novelas». Entre os argumentos da defesa de Mateus Ribeiro constou a indicação do sucesso que as obras do autor tinham mas sobretudo a indicação de outros homens da igreja, bispos e santos que «nos poemas trataram em verso as mesmas matérias que os autores das novelas escreveram em prosa». Mas há dois argumentos que apresentam fundamentações teóricas de grande significado. O primeiro diz respeito ao opúsculo sobre a origem da novela romanesca, com o título Liber de origine Fabularum Romanensium, lido na edição de 1757, da autoria de Pedro (Pierre) Daniel Huet. Na sua definição de «novela» e dos procedimentos típicos a ela associados, Pedro Huet contempla desde logo a descrição da estrutura (carácter ficcional e escolha da prosa) e do conteúdo preferenciais (de carácter amoroso), correspondendo a uma longa tradição que desdobra no seu opúsculo. Essa mesma tradição considerava a utilização da alegoria, adequada ad voluptatem et utilitatem legentium. Com efeito, os escritores teriam de ter em conta que o enredo deveria apelar ao comportamento virtuoso, mostrando claramente o prémio merecido pela virtude, tal como também manifestos seriam os efeitos de atitudes viciosas. Já que o homem dificilmente se prendia por textos doutrinários, a novela teria como função conduzir e orientar suavemente a vontade pela escolha de exemplos oportunos, ut doceat animos moresque corrigat. Como afirma o editor (Prólogo I): O eruditíssimo Pedro Daniel Huet, Bispo de Abranches, e segundo Mestre do Delfim, escreveu em Latim e em Francês um doutíssimo tratado da origem e bom uso das novelas, e quando estas são como devem ser exemplares, pouco importa que um Eclesiástico debaixo de uma ficção engenhosa mostre o prémio e estimação da virtude, o castigo e abominação do vício. SARA AUGUSTO 196 O segundo argumento tem em conta o conceito da eutrapélia, valorizada por Aristóteles, na Ética a Nicómano: dizia respeito à capacidade e à necessidade demonstrada por certos homens de se entregarem, nos momentos de repouso e de tempo livre, quando o corpo precisa de descansar das fadigas e a alma precisa do alívio e da descontração, a um divertimento sem excessos, ocupando-se em conversação engenhosa e divertida, para voltarem ao trabalho com as forças renovadas (Aristóteles, 1981: 164-166). A eutrapélia, «virtud reguladora de las recreaciones á veces necessarias para el reposo del ánimo», foi integrada por São Tomás de Aquino na doutrina cristã (1882: 984), e a sua abordagem permite uma adaptação da teoria aristotélica ao campo da produção literária de entretenimento de matérias profanas. Na questão CLXVIII da Suma Teológica, São Tomás trata do ornato e da eutrapélia, virtudes consideradas no campo da modéstia, controlando as atitudes pelo decoro, pela compostura e pela moderação. A eutrapélia, a alegria sã e lícita, torna-se uma virtude social, convocando para o jogo, para a diversão, para o gracejo e para a festa, mas sempre condenando o exagero e a corrupção do carácter. Assim se justifica o comentário do editor: «(...) que a virtude da Eutrapélia, que o Doutor Angélico louva e a Filosofia aprova, é precisa para que os tristes tenham algum alívio, os cuidados algum retiro, e a desigualdade da roda da fortuna, alguma consolação de que tanto necessitam os beneméritos e felizes». 4. Voltamos ao título deste trabalho: ut pictura fictio. A relação entre imagem e ficção foi-se desenhando ao longo desta apresentação, levantando considerações fundamentais para qualquer estudo na área da narrativa ficcional maneirista e barroca. Em primeiro lugar, os procedimentos que têm a ver com a extrema visualidade da literatura desta época não são específicos da narrativa, sendo partilhados largamente com a poesia e outros géneros. Mas adquirem na narrativa ficcional uma amplitude que os torna mais visíveis e mais significativos, sobretudo Ut pictura fictio. Ficção romanesca do maneirismo e do barroco 197 quando conjugam o recurso insistente à metáfora e à descrição. E tornam-se mais expressivos ainda quando falamos de alegoria. Mas este comprazimento na figuração, na representação visual, embora possa ser visto como consequência lógica do exercício da imaginação barroca, deve ser considerado a um nível mais elevado, enquanto fator decisivo na dimensão exemplar que percorreu toda a ficção barroca. Com efeito, a figuração dos conceitos, através da ação e das personagens que lhe dão forma, ordenando as analogias em relações de causa-efeito, deleitando os sentidos e alimentando o espírito, são os fundamentos do título deste trabalho, ut pictura fictio. Terminada esta etapa do estudo da ficção romanesca do maneirismo e do barroco, outras se têm cumprido e ainda outras se anunciam, potenciando uma imagem mais completa da literatura barroca. O certo é que um dos caminhos mais significativos terá de passar por um estudo sistemático das estruturas emblemáticas e a relação que estabelecem com a narrativa ficcional. Com efeito, a literatura barroca, nas suas mais diversas manifestações, da poesia à prosa, da literatura religiosa à literatura profana, deverá forçosamente ser considerada como um dos repositórios mais significativos das estruturas visuais e da emblemática na sua época. REFERÊNCIAS Fontes CÉU, Soror Maria do. 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