demarcação do domínio privado: o interior da casa

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demarcação do domínio privado: o interior da casa
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DEMARCAÇÃO DO DOMÍNIO PRIVADO: O INTERIOR DA CASA
Ana Clara Fernandes Peixoto
Discente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Universidade Federal de Uberlândia
[email protected]
Izabela Ilka Medeiros Dalla Libera
Discente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Universidade Federal de Uberlândia
[email protected]
Karen Carrer Ruman de Bortoli
Discente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Universidade Federal de Uberlândia
[email protected]
Michelle Cristina de Pádua Pedrosa
Discente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Universidade Federal de Uberlândia
[email protected]
Resumo:
Desde os primórdios, é o comportamento do homem que define o seu modo de morar e,
consequentemente, a sua casa. As necessidades e os hábitos de cada sociedade definem a tipologia
de habitação oferecida. É nesse contexto que o presente trabalho procura estudar o que levou ao
surgimento das habitações contemporâneas, por meio dos Estudos de Comportamento Ambiental,
propostos por Gary T. Moore, avaliando desde os casarões da Idade Média, passando pelas casas
burguesas do século XVII até três estudos de caso de tipologias habitacionais contemporâneas.
Usando também as relações de proxêmica definidas por Edward Hall, será discutida a razão que
levou à falha da tradicional tipologia arquitetônica Tripartida (área social, íntima e de serviços)
quando aplicado a dimensões excessivamente reduzidas, como é o caso das Habitações de Interesse
Social brasileiras. Verifica-se, afinal, que é de grande importância para o arquiteto desenvolver o
hábito de se apoiar em referenciais teóricos para desenvolver seus projetos, uma vez que um melhor
estudo implicará em projetos melhor sucedidos.
Palavras-chave: Tipologias habitacionais; Comportamento ambiental; Estudos de proxêmica.
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DEMARCATION OF THE PRIVATE DOMAIN: INSIDE THE HOUSE
Ana Clara Fernandes Peixoto
Student at Faculty of Architecture and Urbanism
Federal University of Uberlândia
[email protected]
Izabela Ilka Medeiros Dalla Libera
Student at Faculty of Architecture and Urbanism
Federal University of Uberlândia
[email protected]
Karen Carrer Ruman de Bortoli
Student at Faculty of Architecture and Urbanism
Federal University of Uberlândia
[email protected]
Michelle Cristina de Pádua Pedrosa
Student at Faculty of Architecture and Urbanism
Federal University of Uberlândia
[email protected]
Abstract:
Since the beginning, it is human behavior that defines their way of living and therefore his house.
The needs and habits of each society defines the type of housing offered. It is in this context that
this paper seeks to study what led to the emergence of contemporary dwellings, through the
Environmental Behavior Studies, proposed by Gary T. Moore, evaluating since houses from the
Middle Ages through the XVII century bourgeois houses up to three case studies of contemporary
housing typologies. Using the relationships of proxemic defined by Edward Hall, will be discussed
the reason that led to the failure of the traditional model when applied to tripartite excessively
reduced imensions, as is the case of Brazilian social housing. It appears that it is important for the
architect that he rests on theoretical frameworks to develop his projects: a better study will result in
projects most successful.
Keywords: Housing types; Environmental behavior; Proxemic studies.
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1 - INTRODUÇÃO
Para compreender de que forma os conceitos de Privacidade e Intimidade se aplicam na
produção de habitação, é necessário, primeiramente, conhecer os Estudos de Comportamento
Ambiental empreendidos com essa finalidade. Tais estudos explicam e delimitam a influência
desses fenômenos sobre o usuário final dos espaços de morar. A relação homem x espaço é
subjetiva e respeita às peculiaridades de cada povo ou região, tendo fatores comportamentais,
culturais e religiosos como condicionantes. Dessa forma, através de pesquisas empreendidas ao
longo da história e em vários lugares do mundo, foram observados alguns padrões de
comportamento em relação a determinados ambientes e situações, criando assim um vasto
arcabouço teórico orientador do arquiteto em seu trabalho. Além desses pontos é interessante
também conhecer a maneira como as pessoas viviam antes do conceito de Conforto como o
conhecemos (bem-estar doméstico), ter sido criado século XVIII1, com a finalidade de compreender
como se deu a construção histórica desse fenômeno. A partir dessas informações será possível
analisar criticamente as condições sob as quais a arquitetura e o modo de vida das pessoas se
desenvolvem atualmente.
Como estudo de caso, três projetos serão abordados e comparados. O primeiro: Parque
Guinle - um complexo residencial multi familiar de classe média, no Rio de Janeiro, projetado por
Lúcio Costa nos anos 40-50. O segundo - Bairro Jardim Holanda, um complexo residencial multi
familiar de habitação social, em Uberlândia, projetado e executado em associação ao Programa de
Arrendamento Residencial (PAR), no ano de 2008. E o terceiro vem como uma síntese do que foi
abordado, suscitando reflexões acerca do tema "flexibilidade" e questionamentos sobre o conceito
de “arquitetura universal”, com o trabalho de conclusão de curso de Ana Paula Rocha no ano de
2003, intitulado Lab Hab.
2 - REFERENCIAL TEÓRICO E CONCEITUAL - O QUE É PRIVACIDADE?
2.1) OS PRIMÓRDIOS
Na Idade Média, a maior parte da população era composta pelos mais pobres, que moravam
em condições precárias. Não contavam com água ou saneamento nem tinham móveis e objetos
pessoais, uma vez que seus casebres mal comportavam aqueles que ali moravam. Apenas as
crianças mais novas permaneciam nas casas, e assim que cresciam um pouco mais eram levadas
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RYBCZYNSKI, Witold; CASA: Pequena História de uma Ideia. 1996, p. 34.
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como aprendizes ou criados. Sendo assim, não existia entre essas pessoas um conceito de “lar” e
muito menos de “família” como temos nos dias atuais, o conceito que predominava era o de
sobrevivência.
O que difere o casebre da classe de servos da casa burguesa é basicamente uma questão de
espaço, uma vez que a típica casa burguesa acontecia geralmente em terrenos estreitos porém
melhor aproveitados em dois pavimentos. O primeiro pavimento geralmente funcionava como uma
loja ou oficina e o segundo, como local de morar, onde todas as atividades (alimentação, sono e
higiene) aconteciam em um único grande cômodo, o salão.
Essas casas viviam sempre cheias, e essas pessoas se apropriavam dos móveis com grande
versatilidade - as camas e baús serviam como assentos, assim como uma mesa de jantar poderia se
transformar em uma cama. Dessa forma, as casas supriam ainda a necessidade de confraternização
dessas pessoas, que não poderia ocorrer em outros lugares, uma vez que não existiam ainda espaços
de compartilhamento público, como bares e restaurantes.
Nessa burguesia emergente era comum que várias famílias compartilhassem um mesmo
ambiente, dessa forma não se conhecia a privacidade ou a intimidade, o que existia era um
relacionamento de comunidade.
Não se deve porém ignorar o fato de que havia riqueza e tentativas de melhorias na Idade
Média, apesar de não haver conforto algum nas residências. Porém, não há como sentir necessidade
de algo que não se conhece, então o conforto não era necessário, uma vez que ninguém ainda o
havia experimentado. A prioridade das habitações residia, no entanto, sobre a expressão pública de
seus moradores, de acordo com as formalidades definidas pela sociedade da época, conferindo um
papel secundário. Assim afirma Rybczynski (1943, p. 48), “a vida era uma questão pública, e
assim como as pessoas não tinham uma forte consciência de si, elas também não tinham um quarto
próprio”. Tais características correspondiam a uma sociedade composta por dois níveis de
civilização, sobrepostos e conflitantes: um primitivo e pré-cristão e outro, mais recente, cortês e
religioso.
2.2) MUDANÇA DE PARADIGMA
“Enquanto as pessoas na Idade Média tinham pouca autoconsciência, o interior das casas
era vazio. Os móveis das casas surgiram junto com os móveis da mente”
Lukacs, 1970
Não é possível descrever com precisão em que momento da história o conceito de
privacidade veio à tona. Apesar disso, existem uma série de registros de acontecimentos que
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apontam para o despertar de uma nova consciência sociocultural, associada às transformações
econômicas vivenciadas pela burguesia em ascensão no século XVII.
A ausência total de intimidade, representada pela multifuncionalidade dos casarões
medievais, assim como de seu mobiliário, aleatoriamente disposto e flexivelmente utilizado, era
popularmente aceita e difundida, uma vez que a cultura medieval era ainda incapaz de pensar
funções específicas para cada cômodo. Dessa forma, famílias inteiras realizavam suas atividades no
mesmo cômodo. Era comum, por exemplo, que um casal realizasse sua intimidade no mesmo
ambiente em que as crianças brincavam e os empregados cozinhavam, como mostram algumas
gravuras da época, como a Figura 1 apresentada abaixo.
Figura 1 - Família, visitantes e empregados utilizando o mesmo cômodo. Fonte: acervo das autoras. 2012.
As primeiras transformações espaciais vieram em favor de uma valorização da vida familiar
derivada do pensamento protestante. Ainda que a princípio pouco enraizadas no senso comum,
essas transformações foram decisivas para a construção histórica daquilo que hoje se conhece como
vida doméstica, melhor expressa e compreendida no conceito de Lar. Nas palavras de Mario Praz, é
definida como “Stimmung – o senso de intimidade que é provocado por um aposento e sua
decoração. (…) é uma característica de interiores menos relacionada à funcionalidade do que à
maneira como o aposento comunica a personalidade de seu dono – o modo como reflete a sua
alma.”
Novas configurações espaciais foram surgindo junto a uma série de medidas que foram
tomadas pelas autoridades da época, como a extinção dos banhos públicos e inauguração de
medidas higienistas que regravam a disposição e organização dos edifícios residenciais. Nesse
contexto, viria a difundir-se entre a média e alta burguesia uma nova tipologia habitacional,
composta por 4 ou 5 pavimentos e disposta ao redor de um átrio central do terreno. É notável a
preocupação que começa a existir com relação ao agenciamento dos cômodos, no que esses são
redistribuídos de forma a isolar a cozinha, considerada malcheirosa, dos demais ambientes. A salle
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(semelhante ao salão) não desempenhava mais as funções de dormir e se higienizar, sendo estas
atividades transferidas para as chambres, cômodos semelhantes aos quartos, demonstrando uma
procura por maior privacidade e especialização dos cômodos por parte dessas pessoas. Mas a
principal transformação diz respeito ao desejo demonstrado pelos senhores em se separarem de seus
criados, que passariam a ficar alojados no pavimento térreo, junto à área comercial e estábulos da
casa. Tal divisão é representada pela Figura 2 abaixo, em que pode-se ver separação entre espaço
social, íntimo e de serviços. Nascia ali o tradicional modelo Tripartido.
Figura 2 - Tripartição dos espaços da casa burguesa. Fonte: acervo das autoras. 2012.
Na Figura 2 acima pode-se perceber que, apesar de existir uma preocupação com a
compartimentação dos espaços, o desejo por privacidade ainda não estava inteiramente delineado
nessas casas. O eixo principal de circulação atravessava todos os cômodos da casa, criando
situações em que não era possível a efetivação do conceito de privacidade, definido por Moore
(1984, p. 69), como “um mecanismo de controle interpessoal que movimenta e regula a interação
com os outros. Os fatores físicos do projeto afetam o grau com que se pode controlar a interação
pessoal e manter o equilíbrio entre a privacidade e a comunidade”, de forma que o estabelecimento
de uma situação de privacidade depende do perfeito acordo entre as condicionantes físicas e
funcionais do projeto em questão.
Ainda assim, é clara a mudança de paradigma que começa a ocorrer, as classes médias
passam a dar mais valor para o conforto e o recolhimento da vida familiar. O conceito por detrás
da palavra “conforto” foi então experienciado pela primeira vez na Europa do século XVIII, sendo
que a concepção de uma nova palavra para designar esse atributo demonstrava claramente a
ascensão de um novo pensamento. Para Rybczynski, “a introdução de palavras na língua marca a
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introdução simultânea de ideias na consciência”, e junto a isso, a introdução de mobiliários com
função específica nas casas (como escabelos, grandes camas e armários, feitos em ébano),
marcaram a consolidação de um novo padrão de comportamento no imaginário popular, que viria a
se desenvolver e disseminar ao longo dos anos subsequentes.
Desse ponto derivaram-se grande parte dos padrões observados no comportamento das
populações das mais diversas culturas, cujos hábitos de morar giram sempre em torno dos mesmos
parâmetros de configuração espacial - repetindo-se predominantemente o modelo Tripartido. O que
muda é a maneira como foi sendo alterado o agenciamento dos espaços, divididos sempre em área
social, íntima e de serviços de acordo com o costumes de cada região, lançando mão de diferentes
elementos e recursos, como muxarabis, vegetação, mobiliário, entre outros, na delimitação dos
cômodos.
Nesse sentido, procurando minimizar as consequências negativas advindas da inapropriação
dos edifícios a seus usuários, frequentemente observadas na história da arquitetura, foram criados os
conceitos de Comportamento Ambiental. Através deles, busca-se auxiliar o arquiteto na produção
de habitação adequada aos seus usuários finais, no que diz respeito à sua capacidade de comportar
física e emocionalmente suas expectativas e necessidades.
2.3) ESTUDOS DE COMPORTAMENTO AMBIENTAL
“As melhores construções dos tempos históricos sempre corresponderam as
necessidades e aos sentimentos humanos, não apenas de seu tempo mas também a
proporção que o estilo de vida social evolui.”
Moore, 1985
O termo ‘estudos de comportamento ambiental’ designa um campo multidisciplinar e
multiprofissional, que abrange desde arquitetura, geografia, psicologia, até a antropologia. No
entanto, aqui, a ênfase é a visão arquitetônica, mesmo que esta apareça entrelaçada aos demais
temas. Dessa forma, são importantes questões como: qual o tipo de relação entre as pessoas e o
meio construído? Quais os fatores que potencializam e influenciam nas necessidades dessas
pessoas? Assim, para responder perguntas como essas, surgem os estudos de comportamento
ambiental, que representam mais do que uma análise da funcionalidade da obra, realizando um
estudo complexo que aborda as singularidades dos seres humanos, como, por exemplo, a estética,
que está diretamente ligada ao prazer do usuário.
“Assim como a funcionalidade está ligada com as necessidades e o
comportamento das pessoas, a estética esta relacionada com suas
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preferências, suas experiências, e naturalmente, com a percepção que elas
tem do mundo. Assim a estética formal é suplementada por uma estética
experimental baseada no usuário”
Desse modo, o arquiteto deve ser sensível para captar tais sinais e convergi-los em um
projeto satisfatório ao usuário. Com isso, um grande número de informações emergiram do campo
dos estudos comportamentais, de forma a minimizar o descompasso existente entre a visão
acadêmica do arquiteto e as reais necessidades dos usuários finais do projeto. O chamado psicólogo
dos arquitetos, Irwin Altman, criou então três fatores a serem levados em consideração no processo
de concepção do projeto: Fenômenos de Comportamento Ambiental, Grupos de Usuários e
Ambientes.
Os fenômenos de Comportamento Ambiental se referem a aspectos do comportamento
humano em relação ao ambiente físico, orientado através das relações de proxêmica e privacidade
inerentes a cada projeto. Proxêmica corresponde às diferentes distâncias entre as pessoas que são
consideradas confortáveis para a integração social. Privacidade é um mecanismo de controle
interpessoal que movimenta e regula a relação com os outros. Outro aspecto que deve ser percebido
é o Significado e o Simbolismo, que são a reação que as pessoas tem perante o ambiente de acordo
com o que este representa para sua cultura, tendo a organização do espaço fundamental importância
na comunicação entre as mesmas. Estas, por sua vez, estão conscientes das mensagens que o
ambiente as transmite, podendo essa ser encorajadora ou repressora. Assim, por exemplo, uma
pessoa não se mudaria para um bairro ou para uma casa que transmita uma mensagem diferente da
que esta queira receber, e caso seja obrigada a isso, não teria prazer em habitar esse ambiente.
O conceito Grupos de Usuários defende que grupos distintos tem necessidades e padrões de
uso diferentes e são afetados de modo diferente pela qualidade do meio ambiente. Desse modo esse
conceito está ligado a aspectos culturais, hábitos, grau de escolaridade, faixa etária e religião, que
definem cada grupo em sua peculiaridade. Além desses aspectos, deve-se considerar também a
Antropometria, que determina proporções e dimensões do corpo da maioria da população, definindo
a forma como, por exemplo, cada povo se relaciona com o mobiliário de sua casa.
Já o último fator a ser levado em consideração é o Ambiente, que define a importância de se
adequar toda categoria de ambientes, desde cômodos a regiões inteiras, a seus respectivos usuários.
A grande vantagem dessa orientação no sentido de considerações de comportamento na arquitetura
é o grande enfoque em todos os fatores sociais, culturais e comportamentais que devem ser
considerados no projeto de diferentes tipos de edifícios.
A teoria de Robert Sommer completa esses conceitos, realizando um estudo sobre
Proxêmica de forma a estabelecer distâncias confortáveis entre os indivíduos em diferentes
situações. O método utilizado para aferimento dessas informações foi a realização de questionários
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em diferentes grupos de pessoas em locais distintos, como hospitais, bares e manicômios. Assim,
ele chegou a conclusão de que a melhor distância, de nariz a nariz, durante uma conversa é de
1,65m; ao analisar mesas de diversos tamanhos e formatos concluiu-se que quando as pessoas se
dispõem em ângulos retos ocorrem conversas de modo mais agradável; no caso de tarefas
cooperativas é melhor que se sentem lado a lado; quando ocorrem situações de competitividade,
estas se colocam em lado opostos; e ao realizar refeições, normalmente, preferem cantos ou
extremidades.
Outro estudioso, cuja teoria é de grande valia, é Edward Hall, em cujo trabalho 2 estabelece
4 distâncias importantes: íntima, pessoal, social-consultiva e pública, definindo o comportamento
característico que acontece em cada uma. Para arquitetura esse estudo ainda permanece inicial, mas
as generalidades de Hall sobre as distâncias já auxiliam muito no estabelecimento de dimensões
para espaços, levando em consideração a proximidade e integração de ambientes, entre outros
fatores. As distâncias definidas por Hall podem ser vistas, aproximadamente, na Figura 3 abaixo.
Figura 3 - Níveis de privacidade. Fonte: http://www.linguaggiodelcorpo.it/2011/10/22/proxemic/. 2012.
Com base no exposto, fica claro o fato de que o arquiteto conta com uma série de
informações que o orientam na concepção de projetos para habitação. Apesar disso, até hoje é
recorrente a reprodução de tipologias arquitetônicas que decididamente não comportam as
necessidades de seus usuários. Isso pode ocorrer por uma série de motivos, como a ignorância por
parte do projetista com relação às reais necessidades das pessoas para as quais seu projeto será
voltado. Outras vezes, como no caso da produção de habitação social, são outras as regras que
determinam a forma como os recursos financeiros, espaciais e temporais são dispensados, sempre
em busca da maior economia possível. No entanto, este problema se deve também à incapacidade
2
HALL, Edward. A Dimensão Oculta. 2005, 258 p.
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das pessoas de aceitarem uma tipologia de morar que fuja ao tradicional modelo Tripartido,
profundamente cristalizado no imaginário popular como o mais aceitável para se morar.
Nesse sentido se insere a relevância desse trabalho, que busca apontar, a partir de estudos de
casos, diferentes tipologias de morar que fogem ao recorrente modelo compartimentado e em que
aspectos deram certo ou não, através da análise de questões de Proxêmica inerentes a cada um
deles.
3 - METODOLOGIA
Este trabalho faz parte das atividades propostas pela disciplina Análise da Forma, oferecida
no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Uberlândia, no primeiro semestre
do ano de 2012. O objetivo da disciplina é discutir as diretrizes projetuais, aprofundando-se nos
“sentidos conceituais vinculados à forma arquitetônica e a seus componentes [...]. Tal
aprofundamento é propiciado não somente pelas metodologias de análise da forma arquitetônica
(diagramas, referências estéticas, processo criativo, etc.) quanto pela abordagem dos sentidos dados
pelas distâncias interpessoais (Proxêmica), essenciais para a definição da estrutura do espaço.”3
Assim como afirma Moore (1984, p. 68): “Felizmente a educação arquitetônica está muito mais
aberta, e tem novamente a chance de falar às profundezas das necessidades humanas no meio
ambiente construído”, esta disciplina busca trabalhar a percepção sensorial dos alunos quanto à
forma arquitetônica e quanto às questões humanas que devem ser envolvidas no processo projetual.
A disciplina visa ainda a integração com outra disciplina, cursada concomitantemente a esta,
denominada Atelier de Projeto Integrado V (API - V), na qual os alunos estão desenvolvendo o
projeto de uma habitação de interesse social (HIS). Nessa disciplina, foi realizada uma avaliação
pós-ocupação (APO) no Bairro Jardim Holanda, localizado na cidade de Uberlândia - MG.
O processo metodológico fundamentou-se na leitura de bibliografia básica selecionada pelo
professor Dr. Luis Eduardo dos Santos Borda, que ministra a referida disciplina, seguida de
complementação bibliográfica selecionada pelas autoras deste trabalho. Além disso, foram
elencados três projetos de habitações para estudos de casos, sendo eles: o Residencial Parque
Guinle, no Rio de Janeiro/RJ, o Bairro Jardim Holanda, em Uberlândia/MG e o Lab Hab, trabalho
final de graduação da aluna Ana Paula Rocha - UFU. Posteriormente, foi feita a apresentação das
conclusões das leituras e análises para o restante dos alunos matriculados na disciplina. Isso foi
importante na medida em que possibilitou novas discussões acerca do tema, por parte do professor e
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Blog da disciplina. Disponível em: http://www.espacosigno.blogspot.com.br/p/analise-da-forma_9460.html
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dos alunos. A partir das referidas leituras e discussões, foi proposta a produção deste artigo, como
forma de expor o conhecimento adquirido dentro da disciplina.
3.1 - O BAIRRO JARDIM HOLANDA
O bairro Jardim Holanda é resultado de um empreendimento do PAR - Programa de
Arrendamento Residencial da Caixa Econômica Federal, cujas casas foram entregues em 2008.
Trata-se de habitação de interesse social que segue a tipologia tripartida que, como é sabido, não se
comporta bem em ambientes de dimensões reduzidas, como é o caso das moradias entregues neste
programa, que possuem apenas 53,32 m² de área construída, sendo compostas por 3 quartos,
cozinha, sala, banheiro e espaço externo destinado à área de serviços (como mostrado na Figura 4
abaixo), que também mostra a divisão da casa em áreas social, íntima e de serviços.
Figura 4 – Tripartição da unidade em área social, íntima e de serviços.
Fonte: acervo das autoras. 2012.
Dos estudos feitos na disciplina de API V pôde-se concluir que, neste caso, não houve uma
insuficiência com relação à diversidade de usuários destas habitações, o que de fato levou os
moradores à insatisfação com a moradia foi o mal agenciamento dos espaços, o que acabou
prejudicando o desempenho funcional do espaço. Em entrevista realizada em um total de 30% das
casas, concluiu-se que os usuários em geral estão insatisfeitos com a capacidade de mobiliar a casa,
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uma vez que esta não está apta para receber o tipo de mobiliário que as pessoas da faixa de renda à
qual pertencem a maior parte dos moradores (de R$1201,00 a R$ 1920,00) podem comprar. Essa
situação fez com que a disposição dos móveis ocorresse de forma inadequada, por exemplo, foram
encontradas camas abaixo de janelas e mesmo uma casa cuja geladeira ficava na sala.
A redução dos espaços também levou a uma grande sobreposição de usos, fazendo com que
atividades consideradas íntimas, fossem realizadas em espaços inadequados para tal fim, como a
sala. A sala é, aliás, o cômodo que abriga o maior número de funções, e supõe-se que seja porque é
também o cômodo mais espaçoso da casa. Abaixo, a Figura 5 indica a sobreposição de usos das
habitações, segundo visitas e entrevistas realizadas:
Figura 5 – Sobreposição de Usos. Fonte: acervo das autoras. 2012.
Segundo o trabalho de Edward Hall, foi feito um mapa indicando as distâncias pessoal,
íntima e social. A conclusão obtida foi a de que há, em toda a casa a distância íntima, em alguns
cômodos a pessoal e, em nenhum deles há a distância social. Dentre as soluções que poderiam ser
adotadas para suprir o problema, sugere-se a flexibilização do espaço, que poderia alterar a
disposição das paredes da casa por meio de divisórias móveis, fazendo com que as pessoas
mudassem o seu ambiente assim como desejassem, podendo, por exemplo, receber visitas, mesmo
que fossem visitas a negócios, no caso daqueles que exercem trabalho remunerado em casa. Abaixo,
o mapa mostrando as distâncias citadas por Edward Hall:
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Figura 6 – Distâncias social, íntima e pessoal. Fonte: acervo das autoras. 2012.
A conclusão predominante entre os que estudaram a situação foi de que não se deu a devida
atenção às necessidades, preferências e padrões de vida da classe média baixíssima urbana que iria
viver no projeto, uma vez que o principal conceito para a análise do comportamento humano na
arquitetura é o meio em que este se desenvolve.
3.2 - RESIDENCIAL PARQUE GUINLE
Projetado por Lúcio Costa entre as décadas de 40 e 50, o Parque Eduardo Guinle, conhecido
popularmente por Parque Guinle, se encontra na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, junto ao
Palácio das Laranjeiras e é um complexo residencial voltado para a elite carioca. Os quatro edifícios
que formam o complexo – Edifício Caledônia, Edifício Bristol, Edifício Nova Cintra, e o escritório
MMM Roberto – estão distribuídos de forma radial em uma via de aclive, e numa área (o parque
propriamente dito) onde todo o paisagismo foi elaborado por Burle Marx, sem perder a essência do
verde original.
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Figura 7: Croqui do projeto original de Lucio Costa (Costa, 1995).
Fonte: http://www.jobim.org/lucio/handle/2010.3/4166
Considerado um dos maiores exemplos da arquitetura moderna brasileira – devido o formato
prismático dos edifícios, nos pilotis vazados, na estrutura livre e nas linhas racionais da fachada - o
Parque Guinle tem visivelmente uma forte influência dos arquétipos arquitetônicos de Le Corbusier,
e do urbanismo instituído pela Carta de Atenas e pelo CIAM. Arquitetadas no estilo Dom-ino, de
Corbusier, as edificações desse conjunto são todas de estrutura independente, com lajes planas e
paralelas, que se prolongam em balanço sobre suportes enfileirados e também paralelos. Sendo
assim, os apartamentos por serem de planta livre, dão aos proprietários uma flexibilidade para
dispor os ambientes, para que assim cada qual estabeleça seus próprios vazios e internos do
apartamento.
Figura 8: Esquema Dom-ino, de Le Corbusier. Fonte: http://www.plataformaarquitectura.cl/2006/12/17/look-croquis/
acessado em 11/09/2012.
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Figura 9: Planta do Parque Guinle. Fonte: Dissertação de Mestrado de Denise de Alcântara. 2002.
O loteamento como um todo, é disposto como que em um anfiteatro, havendo na parte baixa
um lago margeado por árvores de grande porte e palmeiras, sendo local de encontro tanto de
moradores dos edifícios, tanto da comunidade – uma vez que a área externa é aberta ao público.
Nos edifícios Nova Cintra, Bristol e Caledônia, tem-se plantas tradicionais, com divisões
articuladas e bem definidos entre si, e sua distribuição parte de dois corpos de circulação vertical
dos prédios. Através de uma redução na circulação horizontal, e dos duplex intercalados nas seções
intermediárias dos blocos (criando vestíbulos quase privativos para cada unidade), houve um
favorecimento em relação a privacidade dos apartamentos entre si.
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Figura 10: Planta do Térreo - Edifício Cintra. Fonte: Fonte: Dissertação de Mestrado de Denise de Alcântara. 2002.
Figura 11: Planta dos Pavimentos 1, 3 e 5. Edifício Cintra.
Fonte: Dissertação de Mestrado de Denise de Alcântara. 2002.
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Figura 12: Planta dos Pavimentos 2, 4 e 6. Edifício Cintra.
Fonte: Dissertação de Mestrado de Denise de Alcântara. 2002.
Figura 13: Planta Baixa dos apartamentos tipo dos Edifícios Bristol e Caledônia.
Fonte: Dissertação de Mestrado de Denise de Alcântara. 2002.
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A presença de duas tipologias de plantas nos apartamentos remete, em relação às de somente
um pavimento, às casas tradicionais rurais brasileiras – plantas longitudinais, de grandes espaços;
enquanto às de dois pavimentos já remete aos sobrados do período colonial. Para solucionar alguns
problemas de privacidade que viria a ocorrer com as fachadas voltadas para o parque (Edifício
Cintra), Lucio Costa utilizou elementos vazados, mais conhecidos popularmente por cobogós, que
serviram para preservar o interior dos apartamentos, tanto nas áreas de serviços tanto nas áreas
íntimas, uma vez que quem está dentro do apartamento pode facilmente ter conhecimento do que
está ocorrendo do lado de fora, enquanto quem se encontra no parque não consegue enxergar o
interior dos mesmos.
Assim sendo, as circulações verticais e de serviços apresentam um forte impacto visual,
pelos cilindros envidraçados sobressaindo do prisma. Em se tratando dos problemas de insolação e
ventilação das fachadas voltadas para o poente (nos edifícios Caledônia e Bristol) , Costa utilizou
treliças e brises para realizar a proteção, sem afetar a visão que se tem do Parque.
Como mencionado anteriormente, os apartamentos são de planta livre. Sendo assim, essa
flexibilidade em dispor os ambientes dá aos proprietários a capacidade de dividir os ambientes da
forma que melhor lhes convier. Pode-se notar nas plantas tipo do Edifício Cintra que os
apartamentos simples deixaram a sacada voltada para a fachada Sul, oposta ao Parque, escolha um
tanto curiosa, pois este é um dos locais onde há maior interação entre as pessoas – distância social sendo que ali seria possível haver uma singela interação com os que estão na área externa, enquanto
que há um quarto voltado para essa fachada, sendo então necessário ter uma maior atenção para
resguardar a privacidade do usuário do mesmo, por ser tratar de um cômodo íntimo. Nas plantas
tipo dos Edifícios Caledônia e Bristol, é possível visualizar melhor as várias possibilidades de
disposições dos ambientes, configurações que se tornam possíveis devido às diversas disposições do
mobiliário possíveis, gerando níveis de privacidade pertinentes à ocorrência simultânea de uma
série de ações.
Figura 14: Edifício nova Cintra, plano de fachada voltado para a Rua Gago Coutinho.
Fonte: Dissertação de Mestrado de Denise de Alcântara. 2002.
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Figura 15 e 16: Edifício Caledônia e Edifício nova Cintra – fachada voltada para o parque.
Fonte: Dissertação de Mestrado de Denise de Alcântara. 2002.
Figura 17: Fachadas dos edifícios Bristol e Caledônia. Fonte: Dissertação de Mestrado de Denise de Alcântara. 2002.
3.3. LAB HAB
O projeto para habitação flexível intitulado Lab Hab é fruto do Trabalho Final de Graduação
da estudante Ana Paula Rocha, da Universidade Federal de Uberlândia, no ano de 2003. A proposta
consiste na elaboração de um espaço de morar cuja composição espacial e estrutural permitam as
mais diversas configurações, de forma a atender exatamente às necessidades de cada perfil e
problemática familiar existentes. A casa é composta por um um pequeno galpão, nas dimensões de
9 m x 9 m, estruturado em módulos de 3 m, como pode-se ver na Figura 18 abaixo.
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Figura 18 - Divisão do galpão em módulos. Fonte: TFG Lab Hab Ana Paula Rocha - UFU. 2003.
Na intersecção de cada módulo gerado existe uma espécie de pilar, que comporta instalações
de água, esgoto e eletricidade. O mobiliário por sua vez, consiste em painéis móveis que funcionam
como cozinha, banheiro, área de serviços e estocagem, que podem ser encaixados em qualquer um
dos pilares para que funcionem a critério do morador. Todos os pilares são equipados com essas
estruturas de saneamento e eletricidade, de forma a permitir que, a partir da organização do
mobiliário, seja gerada qualquer configuração espacial que o usuário desejar. Alguns exemplos de
configurações serão mostrados a seguir.
Figuras 19 e 20 - Possibilidades de Configuração. Fonte: TFG Lab Hab Ana Paula Rocha - UFU. 2003.
Nas Figuras 19 e 20 acima, podem-se ver duas diferentes configurações espaciais que tem
em comum o fato de possibilitarem a existência de um grande espaço livre na casa. Tal espaço pode
comportar atividades de lazer, exercícios físicos e trabalho, assim como, no caso da Figura 2, pode
funcionar como espaço dormitório para seus usuários. Essas configurações são capazes de atender
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às necessidades de famílias nucleares, tal como DINKS 4, sem problemas, bastando que se
reorganizem os painéis móveis caso exista alguma modificação na estrutura da família que torne
necessária a existência de mais ambientes. Configurações mais completas podem ser vistas nas
Figuras 21 e 22 abaixo.
Figuras 21 e 22 - Possibilidades de Configuração. Fonte: TFG Lab Hab Ana Paula Rocha - UFU. 2003.
Por se tratar de um ambiente flexível e completamente mutável, torna-se difícil realizar
estudos de proxêmica com relação a essa habitação. Apesar disso, é possível afirmar que as
dimensões do “galpão” possibilitam a existência de diferentes níveis de privacidade e distâncias de
relacionamento dentro da casa (íntima, social, pessoal e pública), o que não significa
necessariamente que existirá uma solução espacial que atenda exatamente às aspirações do usuário,
no que diz respeito aos seus costumes e especialmente aos conceitos de intimidade e
territorialidade5 peculiares a cada cultura e sociedade.
A proposta do Lab Hab pode ser compreendida como uma solução para os problemas
habitacionais enfrentados no país e no mundo hoje em dia, na medida em que consiste em uma
alternativa rápida e de custo reduzido (em relação à construção tradicional) para o provimento de
habitação para os mais diversos perfis e classes sociais existentes. No entanto, de acordo com a
teoria de Hertzberger (1999, p.146), os conceitos de flexibilidade e polivalência, presentes nesse
projeto, podem ser compreendidos de outra maneira:
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Sigla inglesa que significa “Dual Income, No Kids” (Duplo Investimento Sem Crianças).
Territorialidade refere-se a um grupo de ambientes de comportamento fixos dos quais as pessoas se apropriarão. Este
possui 5 características que o definem: “área especial; são possuídos ou controlados por alguma pessoa ou grupo;
satisfazem alguns motivos ou necessidades, como status ou união; sã marcados, quer simbólica quer concretamente; e
as pessoas os defenderão ou pelo menos se sentirão desconfortáveis se forem eles violados de alguma forma por
estranhos.”
5
22
Flexibilidade significa - já que não há uma solução única que seja preferível a
todas as outras - a negação absoluta de um ponto de vista fixo, definido. O plano
flexível tem seu ponto de partida na certeza de que a solução correta não existe, já
que o problema que requer solução está num estado permanente de fluxo, i.e., é
sempre temporário. (...) Embora uma formulação flexível adapte-se a cada
mudança que surja, não pode ser nunca a melhor e mais adequada solução para
nenhum problema. (...) A flexibilidade representa, portanto, o conjunto de todas as
soluções inadequadas. Dado isto, um sistema que se mantém flexível por causa da
mudança dos objetos que devem ser acomodados dentro dele produziria a mais
neutra das soluções para problemas específicos, mas nunca a solução melhor, a
mais adequada...
Dado isso, pode-se concluir que soluções flexíveis para problemas variados podem gerar em
seus usuários um certo descontentamento com relação à dificuldade encontrada para se identificar
com aquele espaço, que em sua multiplicidade de possibilidades não é capaz de ter, realmente, a
“cara” de quem mora ali. Por outro lado, pode-se compreender também, que justamente por
comportar tantas possibilidades de organização, a casa flexível seja o modelo ideal de moradia para
o homem contemporâneo, em constante transformação e desenvolvimento. No entanto, não pode-se
desprezar o fato de que elementos flexíveis representam, a longo prazo, mais um custo relacionado
à manutenção de seus mecanismos, e que nem sempre o trabalho dispensado na configuração dos
ambientes é conveniente para seus usuários, em sua maioria, habituados à tradicional tipologia
habitacional Tripartida. Em todo caso, existem diversas situações em que o uso de elementos
flexíveis pode ser ou não adequado para a resolução e otimização de questões funcionais em
habitações.
4 - DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
O conceito de flexibilidade, manipulado com destreza no projeto Lab Hab, não deve ser
ignorado, uma vez que representa uma alternativa viável na resolução de problemas funcionais
frequentemente observados em habitações pelo mundo. No caso da Unidade Habitacional do Bairro
Jardim Holanda, destinada a populações de baixa renda, o uso de elementos flexíveis, como portas
de correr e camas escamoteáveis, viria a resolver uma série de problemas identificados na casa. O
uso de mobiliário flexível viria minimizar a sobreposição de usos identificada na sala e a
dificuldade encontrada para mobiliar os ambientes da casa, através da melhor articulação entre
cômodos gerada por um menor desperdício de espaço. Dessa forma, seria preservada a privacidade
nos cômodos de interesse (quartos) durante a noite, por exemplo, enquanto durante o dia os espaços
destinados a essas funções poderiam ter suas portas abertas e móveis embutidos para o
desenvolvimento de outras atividades não relacionadas ao sono, otimizando dessa forma os recursos
espaciais da casa.
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Já no caso do Residencial Parque Guinle, destinado à populações de renda mais alta, o
conceito de flexibilidade pode ser compreendido de outra forma. Construído sob estrutura de vão
livre, sustentada por pilares igualmente espaçados, podem-se empreender reformas e modificações
estruturais naqueles apartamentos sem problemas, uma vez essas não comprometerão a integridade
física do edifício. Dessa forma, a casa pode ser praticamente toda re-compartimentada de acordo
com o desejo do usuário após aquisição da residência. A articulação dos níveis de privacidade fica a
encargo da organização do mobiliário e das relações proxêmica observadas na transição entre os
cômodos, como explicado anteriormente. Tais características revelam, de forma alternativa, o
caráter flexível e polivalente inerente a essa casa.
5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do exposto, e das considerações realizadas acerca da oposição entre o tradicional
modelo Tripartido e a flexibilização de ambientes nos estudos de caso, fica comprovado que a
produção de habitação adequada depende inteiramente do público a que ela se destina. Seja a casa
tradicional ou completamente flexível, o grau de satisfação com relação a sua organização depende
das necessidades e hábitos característicos às pessoas que ali habitam e à comunidade que os cerca.
Dessa forma, é essencial que exista por parte do arquiteto uma consciência a respeito das
características socioculturais de cada público de maneira a produzir espaços adequados às
necessidades de cada um. Levando ainda em consideração o fato de que as relações de proxêmica,
anteriormente referidas nesse trabalho, variam de acordo com uma série de condicionantes
características de cada povo, torna-se ainda mais importante a existência de conhecimento prévio
sobre Estudos de Comportamento Ambiental por parte do arquiteto, com a finalidade de orientar
suas pesquisas e esboços na concepção de projetos de habitação.
Além disso, o arquiteto dispõe de uma série de ferramentas e possibilidades que o auxiliam
nesse sentido. A consulta a referencial teórico deixado por experiências anteriores em projetos da
mesma categoria consiste em uma poderosa arma no combate à replicação de soluções que
decididamente não deram certo. Da mesma forma são vastos os estudos que apontam as tipologias
de morar adequadas para as diferentes classes e necessidades sociais existentes. O método
usualmente adotado para aferição de tais informações consiste na Avaliação Pós-Ocupacional
(APO) dos projetos em questão. A APO é uma ferramenta pela qual busca-se avaliar o ambiente
construído após certo tempo de uso, apontando quais foram os principais problemas encontrados, de
forma a evitar futuros erros em novas construções de mesma tipologia, orientando no tempo e no
espaço o trabalho do arquiteto. Para Moore (1984, p. 67), “as melhores construções dos tempos
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históricos sempre corresponderam às necessidades e aos sentimentos humanos, não apenas do seu
tempo, mas também à proporção que o estilo de vida social foi evoluindo.”
Somente de posse desses conhecimentos é possível que se faça habitação de maneira
satisfatória, visando acima de tudo à produção de um Lar como produto final do processo
construtivo. Nas palavras de Hertzberger (1999, p. 28):
“Um ‘ninho seguro’, um espaço seguro à nossa volta, onde sabemos que
nossas coisas estão seguras e onde podemos nos concentrar sem sermos
perturbados pelos outros – é algo que cada indivíduo precisa tanto quanto o
grupo. Sem isso não pode haver colaboração com os outros. Se você não
tem um lugar que possa chamar de seu você não sabe onde está! Não pode
haver aventura sem uma base para retornar: todo mundo precisa de alguma
espécie de ninho para voltar.”
6 - REFERÊNCIAS
HALL, Edward T. A Dimensão Oculta. 1ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
HERTZBERGER, Herman. Lições de Arquitetura. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1999. 272
p.
MOORE, Gary T. Estudos de Comportamento Ambiental. In: SNYDERS & CATANESE.
Introdução à Arquitetura. Rio de Janeiro: Campus, 1984. p. 65-86.
ROCHA, Ana Paula. Lab Hab - Laboratório Habitacional o Tempo e o Comportamento na
Arquitetura. 2003. Trabalho Final de Graduação (Graduação em Arquitetura e Urbanismo).
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia.
RYBKZYNSKI, Witold. Casa: pequena história de uma ideia. Rio de Janeiro: Record, 1996. 266 p.
ALCÂNTARA, Denise. Projeto, Desempenho Urbano e Construção do Lugar - Avaliação da
Qualidade Ambiental do Parque Guinle. 2002. Dissertação (Mestrado em Arquitetura). Área de
concentração: Teoria e Projeto - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

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