Chinkon Kishin: os elementos Shinto no Aikido | Mitsugi Saotome

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Chinkon Kishin: os elementos Shinto no Aikido | Mitsugi Saotome
Chinkon Kishin: os elementos Shinto no Aikido
Por Mitsugi Saotome
“‘Chin Kon Ki Shin’ é uma prática cuja intenção é auxiliar uma pessoa a unir-se com o
espírito universal, ajudá-la a entender sua missão divina, sua meta de vida a ser
cumprida.” (Do glossário de The Principles of Aikido, por Mitsugi Saotome).
Se define Chinkon como “o sossegar e o acalmar do espírito”; e Kishin como “o retorno ao
divino, ou ao kami”, que refere-se à condição em que se atinge um estado contemplativo
profundo, de se encontrar ancorado ao universo divino. Chinkon e Kishin são geralmente
praticados juntos, onde a primeira parte, o Chinkon, envolve a revitalização dos sentidos e
a unificação do espírito, enquanto a segunda parte, o Kishin, envolve um estado de alerta
meditativo. Diz-se que juntos, o Chinkon e o Kishin, formam um método para se atingir a
unidade com o divino, embora cada qual tenha sua própria função. Alguns dizem que o
Chinkon reúne no Tanden (centro abdominal) os espíritos ou almas que vagueiam pelo
éter, enquanto o Kishin ativa esses espíritos.
O Chinkon-Kishin possui raízes muito antigas, com referências em velhos textos Shinto
como o Kojiki. A prática xamânica da respiração mística e da meditação para unir os
espíritos divinos e humanos, era com freqüência utilizada nos tempos remotos na
preparação para o Misogi na cachoeira, uma prática ascética, em que se permanece sob
uma cachoeira gelada por longos períodos de meditação com o objetivo de limpar a
mente, o corpo e o espírito. O-Sensei praticava com freqüência esse tipo de Misogi
(limpeza espiritual), contudo, para O-Sensei, era o Aikido a sua prática diária de Misogi.
Foi por essa razão que o Fundador elaborou para o Misogi no seu treinamento de Aikido,
o aquecimento com a execução de técnicas Chinkon-Kishin.
Historicamente, a antiga tradição do Chinkon-Kishin, havia caído em desuso na maior
parte da tradição Shinto, até que Onisaburo Deguchi resgatou a prática na seita religiosa
Shinto, Oomoto-kyo, no início dos anos 1900. Quando O-Sensei encontrou Deguchi e
abraçou a religião Oomoto, também adotou a prática do Chinkon-Kishin tal como ela era
ensinada e praticada pelos sacerdotes xamãs. Desde sua infância, O-Sensei já se
encontrava envolvido com a rica cultura tradicional Shinto e sua mitologia. A Oomoto-kyo
era uma nova forma da antiga religião, e seu carismático líder, Onisaburo, exercia um
profundo impacto sobre o caminho espiritual de O-Sensei.
De acordo com Yasuaki Deguchi, neto de Onisaburo Deguchi, Onisaburo recebeu os
conhecimentos sobre o Chinkon-Kishin através de uma revelação que teve quando
realizava práticas ascéticas no Monte Takakuma. Ele também se referia a um método de
Kishin mencionado na sessão do Kojiki à respeito do Imperador Chuai, e no Nihon Shoki
no registro sobre a Imperatriz Jinko. O Chinkon-Kishin foi praticado por muitos anos na
Oomoto-kyo, e atraía um grande número de novos seguidores que tinham ouvido os
relatos sobre os benefícios do Chinkon-Kishin para cultivar e canalizar a energia.
Contudo, nos últimos anos a prática do Chinkon-Kishin foi abandonada pela Oomoto-kyo
devido aos profundos e, muitas vezes, supreendentes efeitos que tinha sobre seus
praticantes. A prática nunca foi abandonada por O-Sensei, e hoje em vários Dojo de toda
parte ela se encontra combinada ao aquecimento do Aikido.
Existem várias formas de Chinkon-Kishin que O-Sensei integrou ao treinamento de Aikido.
Esses exercícios, apesar de geralmente não serem bem compreendidos (nem mesmo por
muitos dos Uchideshi de O-Sensei) ainda são praticados em muitos dojo ao redor do
mundo. São praticados devido aos
benefícios físicos óbvios, como também
pela sua importância histórica. Mas,
geralmente, os exercícios são praticados
por serem considerados parte integrante e
inseparável do Aikido. Em geral, os alunos
do Fundador que mantiveram a prática
divergem significativamente tanto nos
detalhes como no nível de importância que
dão a essa prática, e muitos declaram que
não a entendem. Um aluno de O-Sensei
disse: "Nós as praticamos porque é muito
importante... Sensei disse que
descobriríamos o significado dessas
técnicas por nós mesmos."
Na foto ao lado, o Fundador e um outro seguidor da
Oomoto são mostrados praticando a meditação
Kishin, suas mãos estão unidas num Mudra
esotérico, ou Kuji-in (posturas meditativas das
mãos).
Furitama: "balanço da alma", "estabilização do Ki", ou "vibração do espírito”
O Furitama é praticado de pé com as pernas separadas na
largura dos ombros. As mãos ficam posicionadas juntas,
com a mão esquerda sobre a direita. Um pequeno espaço é
mantido entre as mãos. As mãos são posicionadas em
frente ao abdômen e balançadas vigorosamente para cima
e para baixo. Inale levantando naturalmente o topo da
cabeça. Exale como se direcionasse para a sola dos seus
pés enquanto continua balançando suas mãos para cima e
para baixo. O exercício termina num silencioso e calmo
Kishin meditativo.
Esse exercício Chinkon tem por fim reunir os espíritos do
divino no centro da pessoa, acalmar o espírito e vibrar a
alma. É uma forma eficaz para unificar seus pensamentos,
centrar sua mente e focar em sua intenção. Um movimento relacionado que se denominava Otakebi,
era uma variação da "vibração do espírito". No Otakebi o
praticante levanta suas mãos acima da cabeça, balança-as
vigorosamente com os dedos esticados e termina lançando
as mãos na direção do chão. Na prática original deviam gritar "eee-aaaaii!" enquanto
exalavam e lançavam as mãos para baixo. Daí o nome Otakebi, que significa “grito de
guerra” ou “rugido”. Hoje, na maioria das vezes a exalação é silenciosa. O Fundador
quando se referia a esse exercício para soltar os punhos, falava em sacudir a poeira das
juntas. Para Ueshiba esse era um movimento revigorante que sacudia as impurezas do
corpo, uma forma de Misogi para se preparar para a prática do Aikido.
Torifune: "remar o barco" ou "vôo do pássaro”
Torifune, também conhecido no Aikido como Kogifune ou
Funakogi, é mais conhecido como “exercício do remo”.
Envolve o movimento dos braços e do corpo como se
estivesse a remar um barco. De acordo com um importante
texto do Xintoísmo cujo título é Kami no Michi, os punhos
ficam cerrados com os polegares por dentro e o movimento
das mãos é bastante linear. Fotos de O-Sensei mostram as
mãos dele cerradas de forma tradicional, com os polegares
para fora. Em antigas filmagens ele pode ser visto
praticando o Torifune com movimentos de remar tanto de
forma linear como em varredura. Contudo, hoje o Torifune
que aparece como o mais praticado é executado com as
mãos abertas, os dedos apontando para baixo, os punhos
impulsionados para frente e em seguida recuados para os
quadris. Deve-se ficar bem apoiado no chão quando praticar o
Torifune. O objetivo é movimentar-se à partir dos quadris,
deslocando o peso do corpo, do pé dianteiro para o pé
traseiro, e novamente para o dianteiro. As mãos atuam como se fossem cordas ou hastes
conduzidas pelo movimento dos quadris.
Ao praticar, primeiro posiciona-se o pé esquerdo na frente. Enquanto as mãos ou punhos
são lançados para frente você vocaliza o som "eh". Ao recuar as mãos para trás você
vocaliza "ho". Esse empurra-e-puxa é executado ritmadamente vinte vezes, em seguida o
pé direito é colocado à frente. Agora enquanto se impulsiona para frente você vocaliza
"ee". Enquanto recua você vocaliza "sa". Em algumas escolas uma terceira série é
executada sobre o pé esquerdo. O "eh" é entoado tanto ao empurrar como ao puxar.
Essas vocalizações têm suas raízes no Kotodama, uma prática mística antiga que
combina o espírito e o som, e que se repopularizou com a Oomoto-kyo.
Ibuki Kokyu: "respiração profxunda”
Ten-no-Kokyu: respiração do céu
A respiração do céu consiste em uma profunda inalação, as
duas mãos ficam juntas à nossa frente e são levantadas na
postura Ten-no-Kokyu (respiração do céu), mãos unidas e
sobre a cabeça. Depois prosseguimos com a respiração da
terra.
Chi-no-Kokyu: respiração da terra
A respiração da terra consiste em uma lenta exalação
trazendo as mãos para baixo na postura Chi-no-Kokyu
(respiração da terra). As mãos abaixam para as laterais do
nosso corpo como se empurrassem para baixo o universo,
até retornarem juntas para frente de nosso abdômen para
completar o ciclo.
Geralmente, o ciclo Ten-no-Kokyu e Chi-no-Kokyu é repetido três vezes sucessivamente. Quando somente esse exercício é praticado, usualmente há uma quieta pausa de Kishin
ao final do ciclo da respiração. Quando combinado com os outros exercícios, as
transições mudam e o Kishin pode passar para o final das combinações.
Furitama, Torifune, e Ibuki Kokyu são frequentemente praticados juntos em várias
combinações. Algumas vezes o Furitama é intercalado com o Ibuki Kokyu. Outras vezes o
Furitama é intercalado com o Torifune. Essas práticas variam bastante de uma
organização de Aikido para outra, assim como de um Dojo a outro dentro de uma mesma
organização. Raramente a origem e os motivos dessas técnicas são ensinadas ou discutidas num Dojo.
Devido a isso, os alunos muitas vezes ficam a se perguntar o que estão a fazer ou como
conduzir corretamente os movimentos que seguem fazendo. O entendimento básico da
fonte e da história desses misteriosos movimentos ajuda a formar uma base, com a qual
nossa própria prática pode ser desenvolvida e enriquecida. Que sua prática seja bem
embasada e frutífera.

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