Juca Brasileiro na Amazônia

Transcrição

Juca Brasileiro na Amazônia
Juca Brasileiro na Amazônia
Patrícia Engel Secco
Ilustrações
Edu A. Engel
Juca Brasileiro na Amazônia
Patrícia Engel Secco
Ilustrações
Edu A. Engel
Juca Brasileiro na Amazônia
Projeto Gráfico & Editoração
Lili Tedde
Revisão
Frank de Oliveira
Coordenação Editorial
Secco Assessoria Empresarial
Patrícia Engel Secco
Concepção e Realização
Patrícia Engel Secco
20.000 exemplares
Editora Boa Companhia
www.projetofeliz.com.br
Ilustrações
Edu A. Engel
O Diário de Lica Recicla
Oi, galera!
Eu sou a Lica, a melhor e mais querida amiga do Juca Brasileiro... E a mais modesta
também, como você já deve ter percebido! Mas você sabe quem é o Juca?
Bem, ele é um menino completamente maluco pelo Brasil, e eu sou completamente
maluca por ele (o que é um segredo de estado, pois o Juca nem sonha com isso!). Eu
sou a menina mais apaixonada pelo meio ambiente que existe e, se você pensou que
eu também me preocupo com reciclagem, acertou! Gosto tanto de descobrir
maneiras e mais maneiras de reutilizar e reciclar tudo o que as
pessoas normalmente jogam fora que meus amigos até
arranjaram um apelido muito maneiro para mim:
Lica Recicla.
E já que eu estou falando dos meus
amigos, acho legal dizer que eles são
todos pra lá de especiais – cada
um com seus interesses,
mas todos ligados em
natureza, leitura, cultura e muitas outras
coisas bacanas. Isso
só mostra que a
nossa trupe é
engajada,
informada e descolada (ainda bem que avisei sobre a modéstia logo
no começo!!!).
Pois é... Sempre que a galera arranja um tempo livre rola uma
aventura legal: nós já viajamos até a nascente do rio Tietê, um
rio muito sujo que cruza a cidade de São Paulo, mas que nasce
limpinho da silva xavier lá na cidade de Salesópolis; já fizemos uma
caminhada pela serra do Mar e acabamos descobrindo uma aldeia
de pescadores muito especial, bem no meio da Mata Atlântica; já
passeamos pelo canyon do Itaimbezinho, lá em Santa Catarina,
um lugar lindo e cheio de histórias para contar; e até fizemos uma
viagem pela Amazônia, a região mais bonita do planeta (na minha
opinião).
Tá certo que a viagem pela Amazônia foi um pouquinho cansativa, mas, com a ajuda do Marco Mateiro, nosso graaaaaande guia e
amigo querido, conhecemos lugares tão interessantes e bonitos que até
parecem um sonho. Mas eles são a mais pura realidade do nosso Brasil,
uma terra pra lá de colorida e com uma diversidade sem igual!
Nossa! Tô até falando como o Juca!
Bom, mas eu contei tudo isso porque essa nossa aventura foi tão
irada que só mesmo deixando você ler o meu diário para entender
melhor...
Mas olha lá, hein! Se alguém ousar contar para o Juca os meus
comentários mais pessoais, eu vou virar bicho! Aliás, eu vou é virar
onça, onça-pintada, igualzinha à que nós encontramos pertinho do
rio Negro...
Só que essa é outra história que você vai conhecer daqui a
pouco. Por enquanto, é só dar uma lidinha no meu livro secreto
e... manter o bico calado, tá?
Sexta-feira, 8 horas da noite, depois do jantar
Oba! Hoje foi o último dia de aula e amanhã começam as FÉRIAS!
Ah! Como eu adoro quando chegam as férias!
Nem dá pra acreditar que amanhã eu vou poder acordar na hora que eu quiser...
e o melhor de tudo: decidir se vou passar o dia inteirinho sem fazer nadica de nada
ou se vou jogar vôlei com a galera, tomar um sorvete na padoca do Seu Joaquim ou,
ainda, fazer uma visita surpresa para o Juca.
Bom, como amanhã não vai me faltar tempo para decidir, o melhor a fazer agora
é deixar a caneta bem aqui em cima desse diário novinho que eu acabei de ganhar da
minha mãe e atender a campainha que não pára de tocar e já está me deixando louca!
Sexta-feira, 10 horas da noite, após um longo e animado papo com o meu
herói
Caramba!
Nunquinha que eu iria adivinhar que era o Juca Brasileiro, bem aqui, na porta
da minha casa!!! Ainda bem que fui atender logo a campainha – imagine só, deixar
o meu herói esperando!
E sabe o que ele queria?
Queria me convidar para uma viagem que a galera vai fazer para a Amazônia!
Imagine só! Amazônia!
Eu disse que ele podia contar comigo... Afinal, sempre sonhei em conhecer a mais
linda, exuberante e famosa floresta tropical do mundo!!!
Poxa, não vejo a hora de viajarmos! Mas quando a gente vai partir? Ih! Fiquei tão
emocionada que esqueci de perguntar!
Não faz mal, nada que eu não possa resolver amanhã. Vou até regular o despertador para me acordar bem cedo... Aí eu vou correndo conversar com o Juca!
Boa noite, diário.
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Sábado, 1 da madrugada, depois
de me virar mais de mil vezes na
cama
Não tem jeito! Eu me sinto tão
ansiosa por causa dessa viagem que
não consigo dormir... Estou com os
olhos arregalados, olhando para o
teto o tempo todo! Quer dizer, estava!
Acabei de decidir que vou levantar e
começar, agorinha mesmo, uma bela
pesquisa sobre tudo que existe na
Amazônia. Assim, amanhã, quando for
me encontrar com a turma, já vou ter
muita coisa para contar!
Sábado, 3 da madrugada, sentada na
minha escrivaninha
Inacreditável! Incrível! Inimaginável!
Eu nunca poderia imaginar que na Amazônia
vivem cerca de ¼ de todas as espécies de seres vivos
do planeta Terra! Isso é simplesmente fantástico!!! E sabe
do que mais?
Acho até que essa viagem vai ser muito mais do que interessante, pois, se existem mesmo tantos animais por lá, tenho
quase certeza de que vou descobrir algum bem interessante.
Talvez uma formiga que coma borracha de pneu de caminhão,
um besouro descobridor de latas de alumínio em lixões ou até
mesmo uma minhoca capaz de desintegrar plástico...
Bem, mas já é muito tarde, e por hoje chega de pesquisa. O melhor a fazer é
dormir e sonhar com as
minhas futuras descobertas... E com o Juca...
Sábado, 7:30 da manhã, antes mesmo de levantar
Ai, ai, ai...
Eu me esqueci de desligar o despertador!
Bem feito! Também, quem mandou eu ficar acordada feito
coruja quase a noite toda!
Agora o negócio é lavar o rosto e abrir a janela... Sei muito bem
que hoje o dia vai ser cheio, pois precisamos começar a preparar
a viagem!
Eu fiquei sem dormir, mas bem que a minha pesquisa valeu a
pena. Sabe, até sonhei com o tal inseto comedor de borracha!
Eu sei que foi apenas um sonho. Porém, como daqui a pouco
eu vou até a casa do Juca, acho que vou é aproveitar e pedir para
que ele me fale um pouco sobre a borracha na Amazônia.
Ainda outro dia ele estava dizendo que no final do século
XIX as seringueiras daquela região chamavam a atenção de
todo o mundo. Ele me contou que delas era extraído o látex,
justamente para fabricação da borracha... E como a reciclagem da borracha é um assunto pelo qual me interesso
muito, vou ver o que ele pode me dizer a respeito!
Pois é, então, já que o dia promete...
– S’imbora, Lica! Levanta!
Sábado, 8:30 da noite, sentada na cama, muito,
muito animada
Nossa, que dia!
Assim que eu cheguei à casa do Juca, pedi a ele que
me contasse um pouquinho mais sobre a borracha na
Amazônia. Bem, ele é tão gracinha que na mesma hora
pegou um livro gigante na prateleira e me mostrou muitas
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coisas interessantes... O livro, bem antigo, contava detalhadamente muitos fatos
do ciclo da borracha. Dessa forma, fiquei sabendo que, por volta de 1890, Manaus,
capital do estado do Amazonas, era o porto mais rico de todo o Brasil!
Outra coisa muito legal que eu e o Juca descobrimos foi que a exploração da
borracha não utilizava trabalho escravo. Dessa maneira, trabalhadores de outras
regiões do país e até mesmo de muitas outras nacionalidades, principalmente
europeus, vieram para a Amazônia. Pelo que vimos nas fotografias, até mesmo
os prédios construídos na época tinham ares de outro país.
Bem quando estávamos no meio da nossa viagem no tempo e no espaço,
chegaram os outros meninos. Pelo que pude perceber, diário querido, eles
também estavam superansiosos, talvez até mais do que eu.
O Zé Golfinho não parava de falar nem sequer por um instante que
ele iria para o santuário mundial da água doce, enquanto o Edu
Guará ficava o tempo todo dizendo que estava a um dia
de viajar para uma região onde uma única
árvore pode abrigar até 2 mil espécies de animais diferentes! O Marco
Mateiro também não parou quieto
por um só minuto, mas, como ele
é o nosso guia, achamos melhor
ouvir direitinho tudo o que ele
tinha para falar...
Bem, diário, você já
deve ter percebido que a
viagem é amanhã. E,
como eu ainda não
arrumei nada, é
melhor me despedir de você.
Até mais!
Domingo, 10 da noite, em Manaus, no meu quarto
na casa da Dona Aparecida
Diário querido, é inacreditável, mas nós chegamos!
Estamos hospedados na casa de uma tia do
Marco Mateiro, a Dona Aparecida. Ela é uma
senhora muito simpática e, assim que soube da
nossa viagem, fez questão de oferecer sua casa
aqui em Manaus... Muito bom, bom demais, não é?
Mas preciso lhe contar uma coisa, diário:
estou tão cansada que vou dormir como um
anjo! Essa viagem me deixou moída... Como já
é meio tarde, vou me deitar. Afinal, o dia amanhã
vai começar cedo e nós vamos fazer um belo
passeio de barco...
Só que, antes, é melhor dar um pulinho na
sala para dizer boa noite!
Domingo, 11:45 da noite, novamente no meu
quarto
Nossa, que pulinho mais demorado! Já são quase
meia-noite e eu estou aqui, de olhos bem abertos!
Acontece que fui dizer boa-noite para a
galera da família do Marco e, quando cheguei à sala, não encontrei
ninguém. Estavam todos conversando na varanda, apreciando a
noite e olhando para o rio... A Lua, muito linda, se refletia nas
águas do rio Negro, e a noite estava especial para contar histórias. Foi por essa razão que a Dona Aparecida começou a falar
do boto.
Só para que você entenda melhor, diário, o boto é um tipo de golfinho que vive aqui na Amazônia. Entretanto, nas noites de Lua cheia,
exatamente como a noite de hoje, ele sai das águas transformado em
moço namorador e vai procurar as meninas solteiras da cidade. Resultado, o
boto acaba fazendo com que muita gente se apaixone por ele. Dizem que é
muito difícil descobrir quando o moço é um boto, mas, se ele estiver usando
chapéu, devemos desconfiar! A Dona Aparecida explicou que o chapéu dele serve
para esconder o furinho na cabeça que ele usa para respirar quando está na
água.
Pois é, o papo estava tão bom que nós ficamos por ali, sentados nas redes, olhando o rio... Acho que estávamos todos querendo ver se o tal boto aparecia, mas, no
final, só vimos mesmo o primo dele, o Zé Golfinho!
O tio do Marco, Seu Olegário, olhou muito preocupado para mim e disse para
eu tomar cuidado enquanto estivesse viajando por aqueles lados. Porém,
pensando bem, eu nem preciso, não é, diário? Você e eu sabemos que o
meu coração já tem dono...
Boa noite!
Segunda-feira, 7 da manhã, prontinha para sair
Ai! Que emoção... Daqui a pouco vamos pegar um barco e seguir pelo
rio Negro até o lugar onde ele encontra o rio Solimões.
Não sei se você sabe, diário, mas as águas do rio Solimões, que vêm
lá dos Andes, são esbranquiçadas, e as do rio Negro são muito, muito
escuras (até o nome já diz, não é?). Os dois rios se encontram aqui bem
pertinho de Manaus e, juntos, formam o rio Amazonas. É justamente
nessa hora que acontece uma coisa incrível: os dois rios se unem, mas
as águas não se misturam imediatamente, e nós podemos ver a divisão
das águas, uma clara e a outra escura, por quase 12 quilômetros! Não
é demais?
Ah! Tenho certeza de que esse passeio vai ser superinteressante
e de que o Zé Golfinho e o Juca vão pirar, adorar! O Zé Golfinho vai
explicar que as águas não se misturam porque um rio é muito mais
rápido, frio e profundo do que o outro. Ele também vai dizer que o rio
Solimões é mais denso e que no final o que acontece é que o rio Negro
acaba correndo por cima dele, assim como se um rio fosse de vinagre
e o outro de azeite. E tem mais: sei que ele também vai contar que as
águas dos rios só vão se misturar completamente 100 quilômetros
depois do encontro!
Pois é, mas eu preciso esclarecer que só sei tudo isso porque o
Zé Golfinho já contou, recontou e repetiu a mesma história, explicando tudo nos mínimos detalhes, pelo menos umas 20 vezes
durante o café da manhã. E como eu conheço muito bem
o Zé, tenho certeza de que ele vai contar tudo de novo, e
de novo, e de novo!
Agora, o Juca... Esse, sim, é que vai ficar perdidaço
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da silva em meio a tantas riquezas nacionais! Sabe, diário, eu acho
que é justamente aqui, na Amazônia, o lugar do Brasil onde se pode
encontrar mais e mais riquezas... O que você acha?
Segunda-feira, 8 da noite, prontinha para dormir
Diário querido, o dia hoje foi simplesmente inacreditável!
Como eu já tinha adivinhado, o Zé Golfinho não ficou
quieto nem por um só segundo e passou o tempo inteiro
falando da importância da água para a existência da vida.
Ele disse que, apesar de todo mundo pensar que
o planeta Terra tem tanta água que deveria se chamar
planeta Água, a história não é bem essa: de toda água
existente no mundo apenas 3% é água doce, e desse total
somente 1/3 não está congelada. Como é exatamente de
água doce que as plantas, animais e seres humanos precisam
para viver, eu diria que todos nós deveríamos ser como o Zé
Golfinho e cuidar muito bem da água do planeta!
Bem, mas o mais maneiro de tudo foi que ele contou isso
enquanto nós navegávamos pelo rio Amazonas, o maior rio em
volume de água do planeta! Não é realmente uma das coisas
mais malucas para se pensar?
Pois é! Mas agora eu acho que preciso descansar.
Afinal de contas, desde que comecei a pensar nessa
viagem, não durmo direito... E meus olhinhos já estão
fechando!
Boa noite.
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Terça-feira, 8 da noite, encantada
Que maravilha! Depois de dormir como um anjo, acordei bem cedo
e fomos direto visitar alguns parques aqui mesmo na cidade de Manaus. É
incrível como uma única região pode abrigar tamanha diversidade!
Nesse parque conhecemos um macaquinho ameaçado de extinção
muito engraçado, chamado sauim-de-coleira. Ele é tão bonitinho que
dá até vontade de levar para casa!
Só que, assim que eu fiz esse comentário (que era só um
comentário, não uma intenção), levei uma enorme bronca do Edu
Guará. Ele disse que o lugar dos animais silvestres era na mata e
que, além de tudo, o sauim-de-colera só existe por aqui, na região
de Manaus!
Além do macaquinho lindo e fofo, eu pude observar de perto
uma samaumeira, a maior árvore que eu já vi. Pois é, nem preciso
dizer que fiquei simplesmente encantada com ela, que me pareceu a
árvore ideal para ser morada dos meus insetos recicladores!
Sabe, diário, apesar de ter procurado, não encontrei nenhum
inseto que parecesse se alimentar de borracha, mas aprendi com o Juca uma lenda linda sobre a samaumeira, tão
linda que eu vou contar para você:
“Era uma época em que não havia dia e a escuridão
tomava conta do mundo. Dois meninos índios, cansados
de viver sem luz, decidiram subir na árvore mais alta
da região para ver o que havia lá em cima e, para sua
surpresa, descobriram que era justamente a árvore que
tapava o sol. Espalharam a descoberta por todo o seu
povo e, trabalhando juntos e sem descansar, derrubaram
a frondosa árvore. Entretanto, como a árvore só estava
ali para proteger os índios, decidiu se transformar em rio
assim que tocou o chão: seus troncos viraram o rio Amazonas
e seus galhos passaram a ser seus afluentes, que continuam
até hoje a fornecer água, alimento e proteção aos índios”.
Ai, esse Juca...
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Quarta-feira, 6 da manhã. Vamos viajar de voadeira, oba!!!
Querido diário, hoje o dia vai ser maravilhoso, pois nós vamos passear de canoa...
Canoa não, voadeira, que são aquelas canoas de alumínio bem compridas, com um
motor bem rápido e barulhento atrás!
Vai ser muito divertido, mas, como estão todos na sala me chamando, acho melhor
eu dizer tchau, tchau.
Quarta-feira, quase noite, na varanda da Dona Aparecida,
vendo o pôr-do-sol mais lindo do mundo
Não dá nem para acreditar no pôr-do-sol que eu estou vendo
daqui: o céu está todinho pintado das cores mais incríveis que
você pode imaginar: laranja, azul, amarelo, vermelho... É uma
imagem tão linda que só mesmo uma boa fotografia para
mostrar o que eu não estou conseguindo expressar... Então,
não se preocupe, eu já tirei um montão de fotos e prometo
que vou colar uma bem bonita aqui nas suas páginas, juntinho com a foto da onça-pintada que nós vimos hoje!
Aliás, deixa eu contar logo sobre a onça...
Nós estávamos passeando de voadeira (com o motor
desligado, claro) por um igarapé, que é um caminho de
rio formado por entre as florestas inundadas, quando o
Tonico, nosso barqueiro, ficou quieto, apreensivo. Acho
que o Marco também percebeu algo, pois pediu silêncio na
mesma hora. Ficamos bem quietinhos, e acho que até os
outros animais também resolveram colaborar, pois, durante
uns poucos minutos, tive a sensação de que a mata estava
completamente em silêncio.
Ninguém sabia ao certo o que estava acontecendo
até que o Tonico cutucou o Marco e disse baixinho que
“ela” estava bem ali, do lado esquerdo do igarapé. Todos
nós viramos a cabeça ao mesmo tempo e demos de cara
com o animal mais lindo que eu já vi na minha vida,
uma onça-pintada. Tá certo que ela desapareceu na mesma hora, mas eu até consegui pegar a máquina fotográfica e tirar duas fotos... Não sei se saíram boas,
mas pelo menos a cauda, lá longe, eu consegui fotografar!
O Edu Guará, que sabe tudo sobre os bichos, ficou encantado. Disse que
tivemos a maior sorte do mundo, pois é muito difícil encontrar uma onça durante
passeios na floresta. O Tonico concordou com ele e disse que era muito mais fácil
encontrar uma sucuri, a maior cobra do mundo, do que uma onça... Eu, hein!
Pra falar a verdade, eu bem que fiquei um pouco assustada com essa conversa toda de bichos enormes e perigosos... E acho até que o Juca percebeu, pois
na mesma hora começou a falar sobre o uirapuru, um pássaro cujo canto é tão
bonito que, enquanto está cantando, todos os outros ficam quietos. Ele disse que
o canto do uirapuru pode se prolongar por até 15 minutos e que é justamente
durante o amanhecer e o entardecer que ele mais gosta de cantar.
E como eu estou aqui na rede, assistindo a um lindo entardecer, o que
poderia ser melhor agora do que ouvir o canto do uirapuru?
Quarta-feira, 7 e meia da noite, no quarto, saltitante
Diário, só vou escrever umas poucas frases:
Melhor do que o canto do uirapuru ao entardecer é ouvir o canto do uirapuru na companhia do Juca. E foi justamente o que aconteceu hoje à
tarde! O Juca apareceu na varanda, só para assistir ao pôr-do-sol ao
meu lado. E logo em seguida nós ouvimos um canto longo, melodioso,
muito bonito, como se fosse uma sinfonia...
É, diário, acho que sou a garota mais sortuda do
mundo!
Quinta-feira, 4 da tarde, após uma visita à cidade
Depois de ler tanto sobre as construções maravilhosas de Manaus, eu
finalmente pude vê-las de perto, e fiquei encantada.
O Teatro Amazonas não podia ser mais bonito! O Juca amou seu telhado verde-amarelo e chegou a dizer que todas as casas deviam ter telhas
dessas cores, pode?
Conhecemos também a Alfândega Municipal e o Largo da Matriz,
com seu famoso relógio. Puxa, é até estranho pensar em como a vida
por aqui mudou depois do ciclo da borracha...
Não sei se eu cheguei a comentar, diário, mas por volta de
1910 a borracha produzida na Malásia começou a fazer forte
concorrência à brasileira, pondo fim a um exuberante ciclo de
riqueza na região... O que não diminui, de forma alguma, a
minha vontade de descobrir, exatamente por aqui, os insetos
devoradores de borracha!
Pois é, parece brincadeira, mas a reciclagem da
borracha, principalmente dos pneus de borracha, tem
sido objeto de pesquisa de muita gente. Hoje em dia os
pneus usados podem ser transformados em tapetes
para automóveis, cones de trânsito, protetores de
estacionamento. Eles podem ainda ser utilizados como combustível na indústria
de cimento ou, ainda, moídos e misturados ao asfalto de estradas. Mas, assim
como todas as pessoas ligadas à reciclagem, eu acho que muita coisa pode ser
descoberta e, por essa razão, estou procurando os insetos.
O Edu Guará, o Marco e até mesmo o Juca já disseram que isso é loucura e que eu não vou encontrar nadica de nada, nem mesmo uma única
formiguinha que come borracha. Será?
Sexta-feira. Despedida
Hoje, nós vamos embora de Manaus e só de pensar eu já
fico muito triste. Vamos tomar um barco até Parintins, onde
acontece o maior festival folclórico do país. O Juca não fala
em outra coisa e já contou a história do boi Caprichoso e do boi Garantido muitas vezes, parece até o Zé
Golfinho falando da água!
Bem, mas depois eu conto mais sobre Parintins e
sobre os bois, pois agora nós vamos todos nos despedir da Dona Aparecida e do Seu Olegário, que foram
tão bacanas nos recebendo aqui em Manaus.
Sábado, 10 da manhã, em Parintins, na
casa da família do Tonico
Diário, não pude escrever antes, pois a
viagem para Parintins foi tão bonita que eu
não consegui desgrudar os olhos da paisagem.
Chegamos aqui ontem à noite e
fomos direto para a casa dos parentes
do Tonico, o barqueiro lá de Manaus. Ele
conhece o Seu Olegário há muitos anos
e, quando ouviu contar que nós viríamos
até Parintins, ofereceu na mesma hora
um lugar para ficarmos.
A Dona Aparecida adorou a idéia,
pois, segundo ela, “é sempre bom
ter gente conhecida por perto para
tomar conta das crianças”. Tá certo
que ninguém por aqui é criancinha,
mas todos nós gostamos muito do
convite... Principalmente quando soubemos que a Dona Graça é a melhor
quituteira da cidade!
Olha, diário, não vá pensando que
somos todos interesseiros, mas a comida
da Dona Graça é realmente sensacional!
Ontem mesmo já pudemos experimentar
suas delícias: comemos um peixe muito
gostoso, o pirarucu, assado com todo o
carinho e temperado com alguns ingredientes especiais. E, de sobremesa, doce
de cupuaçu, uma fruta com um gosto
muito especial.
Sábado, 9 da noite. Contação de história na cozinha
Por aqui todo mundo diz que o melhor lugar da casa é a cozinha, e não há como
duvidar disso. Agora mesmo estamos todos sentados aqui na cozinha da Dona Graça,
ouvindo o Juca contar a história do boi pela milésima vez. Mas como hoje nós visitamos a cidade e pudemos ver que metade da população se veste de azul e torce para
o boi Caprichoso enquanto a outra metade se veste de vermelho e torce para o boi
Garantido, estamos todos prestando muita atenção no que o Juca diz... Quer conhecer
a história?
“A mãe Catirina estava esperando um bebê e, como toda mulher grávida tem uns
desejos diferentes, ela resolveu comer língua de boi. O pai Francisco, com medo de
que seu bebê nascesse com cara de boca de vaca de língua melada, matou o melhor
boi do rebanho do seu patrão. Entretanto, quando o patrão do pai Francisco soube da
morte do seu boi favorito, ficou muito bravo, tão furioso que mandou prender o coitado
(também, quem mandou matar o boi do patrão, não é?).
A mãe Catirina, muito chateada, procurou o pajé de uma tribo indígena. Ela estava
arrependida e queria fazer qualquer coisa para ressuscitar o boi. O pajé, com muita
pena dela e de seu barrigão, fez uma reza tão bem feita que o boi voltou a viver. Com
o boi vivo, o patrão soltou o pai Francisco e tudo terminou em festa, a festa do BoiBumbá.”
E por falar em festa, pena que a gente não vai estar aqui para o festival de Parintins. É que ele só acontece uma vez por ano, em junho. E como junho não é tempo de
férias, acho que vamos ter de nos contentar em conhecer a cidade e suas tradições, o
que já é muito bacana!
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Domingo, 10 da noite. Outra varanda
Como é gostoso sentar na varanda e apreciar a noite! Aos
poucos nossos olhos se acostumam com a escuridão e a gente
começa a ver um monte de coisas bonitas ao redor...
Ainda mais depois de um dia gostoso como o de hoje. Estou
tão bem aqui que acho que ficaria nessa rede até amanhã de
manhã... Tchau, diário.
Segunda-feira, 9 da manhã. A caminho de Belém
Aqui estamos nós, viajando novamente... Vou sentir
muita falta da Dona Graça e de Parintins, e acho que os
meninos também. Cada um de nós ficou mais encantado
do que o outro com o lugar, e no último dia até compramos camisetas dos bois.
Bem, nem preciso falar que o Zé Golfinho e o Juca
compraram camisetas do boi Caprichoso, camisetas azuis.
Afinal, não tem vermelho na bandeira do Brasil, e azul é
a cor da água! Já o Edu Guará e o Marco Mateiro compraram camisetas do boi Garantido, vermelhas. Eu, que
adoro tanto o azul quanto o vermelho, acabei ficando
com as duas.
Além do mais, como o estado do Pará é uma das
mais ricas províncias minerais do planeta, e eu uma das
meninas mais preocupadas com reciclagem do país,
decidi vestir hoje a camiseta vermelha, justamente a cor
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escolhida para a reciclagem dos metais... Só que
não precisa contar isso para ninguém, tá? Deixa
todo mundo pensar que estou de vermelho por
causa do boi Garantido!
Segunda-feira, meio-dia, em Belém
Diário, não sei se o Juca leu por cima dos
meus ombros, ou leu dentro dos meus olhos,
mas o fato é que ele descobriu! Descobriu que
eu estou vestindo vermelho só por causa da reciclagem dos metais... E mais, não só descobriu tudo
como também foi supergracinha me contando que o
Pará é uma das mais ricas províncias minerais do planeta!
Ah! Não pense você que eu já sabia de tudo o que ele
me disse, porque eu não sabia, mesmo! Sabia apenas
que aqui havia muito metal, mas não tinha nem idéia de
que o Pará possuía reservas de ouro, alumínio, cobre,
estanho, manganês, zinco, ferro, caulim, granito e muitos
tipos de gemas! Isso mesmo, gemas, pedras preciosas!
Não é sensacional?
Pelo que o Juca me contou, é exatamente aqui no Pará,
na região de Belém, que se encontra a maior fábrica de alumínio do Brasil... Ai! Será que eu ainda consigo descobrir
alguma coisa sobre os meus insetos recicladores? Quem sabe
eu não os levo até lá? Quem sabe eles não se interessam por eles?
Quem sabe...
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Segunda-feira, meio-dia e meia, ainda em Belém
Diário, só vou escrever um pouquinho... É que eu
estou meio triste! Falei seriamente sobre os insetos
com o Juca e com o Edu Guará, achando que eles iriam
me ajudar, mas, em vez disso, riram da minha cara.
Riram não, o Edu riu muito! O Juca até que disfarçou!
Mas o resultado final é que os dois me convenceram
de que essa minha busca é inútil e que esses insetos
não existem: nem as formigas comedoras de borracha, nem os besouros que procuram alumínio, nem
as minhocas que desintegram plástico.
Então, pronto! Acabou! Acabou o meu sonho de
bióloga em busca de insetos recicladores! Deixo essa
missão para os biólogos do futuro, e, por enquanto,
vou continuar aproveitando a viagem...
Terça-feira, 10 da noite, olhando o rio
Belém é linda e, assim como Manaus, tem muitas
construções imponentes do começo do século. Sabe,
é que a cidade também foi muito beneficiada pelo
ciclo da borracha...
Mas, pensando bem, o que eu mais gostei de
conhecer foi o Mercado do Ver-o-Peso, um mercado pra
lá de antigo, construído por volta de mil seiscentos e oitenta
e pouco, quando os portugueses resolveram cobrar impostos
de tudo que entrava e de tudo que saía da Amazônia... Hoje
em dia é um lugar muito especial, no qual os comerciantes
vendem os produtos trazidos pelos barcos do rio e da floresta. Lá a gente pode encontrar de tudo, de peixes frescos até
um colar de sementes, de uma cesta de palha até plantas
medicinais. Eu mesma comprei muita castanha-do-pará e
me fartei de tanto comer açaí! Hum, que delícia!
Olha, diário, estou adorando Belém e mal posso esperar
até conhecer a ilha de Marajó... Vamos para lá amanhã!
Até mais!
Quarta-feira, 9 da noite, na ilha de Marajó
Hoje o dia foi glorioso. Aliás, como eu estou muito poeta, eu diria que foi esplendoroso... Não só porque chegamos à maior ilha fluvial do planeta, mas porque o Juca
segurou na minha mão, não é demais!? Mas como não aconteceu nada além disso e
como talvez ele só estivesse mesmo me ajudando a subir em um búfalo, acho mais
interessante contar sobre eles, os búfalos...
Pois bem, na ilha de Marajó, os búfalos são muito comuns. Eu até ouvi dizer que
a quantidade desses animais por aqui é maior do que a população de seres humanos.
Dá pra acreditar? Enfim, eles estão mesmo por toda parte, e o mais interessante é que
são utilizados como meio de transporte! Foi por isso que resolvi subir em um, para dar
uma voltinha!
Também fiquei muito surpresa ao saber que aqui na ilha de Marajó os índios desenvolviam, há mais de 1.500 anos, um artesanato tão peculiar e interessante que passou
a ser estudado no mundo inteiro, a cerâmica marajoara. As peças eram tão bonitas
que continuam sendo feitas até hoje por artesãos preocupados em preservar e mesmo
renovar a cultura marajoara, o que é muito bom.
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Quinta-feira, 5 da manhã. Pororoca
Diário, eu ainda não tinha contado nada para você, mas nós vamos
ver a pororoca!
Não sei se você sabe, mas pororoca, uma palavra que vem do tupi
e significa “grande estrondo”, é exatamente o nome de uma grande
onda, formada quando as águas do mar se encontram com a foz de
um rio. Como eu estou falando do rio Amazonas, a pororoca aqui é
realmente sensacional!
Conto mais quando eu voltar!
Quinta-feira, 10 da noite, da última noite
A pororoca é o que há! É muito, muito legal! Não sei
nem se eu consigo explicar, mas vamos lá: as águas do rio
Amazonas se encontram com as águas do oceano Atlântico,
cada uma correndo na direção contrária da outra e a toda velocidade. O resultado é uma onda enorme, com mais ou menos
3 metros de altura, correndo rio abaixo a uma velocidade incrível por
quase 40 minutos. É um espetáculo que, além de lindo, é o sonho de
qualquer surfista!
O Zé Golfinho quase não conseguiu resistir, mas, para surfar na pororoca, é preciso treinar muito. Bem, ele disse que da próxima vez não
deixa passar, não!
Próxima vez... Isso me faz lembrar que hoje é o nosso último dia por
aqui. Amanhã, voltamos para Belém e de lá vamos para casa. Foram
dias deliciosos, nos quais, além de nos divertirmos muito, aprendemos
coisas inimagináveis sobre nosso país!
Então, diário, acho que o melhor a fazer é parar de escrever e
arrumar as malas. Tchau!
P. S.: Para o Zé não ficar muito triste, fiz um desenho com ele
surfando na pororoca.
Sábado, 8 da manhã. Lar, doce lar
Diário, ontem o dia foi tão corrido que nem consegui escrever. Mas, aqui estou eu,
de volta a minha casa querida, deitada na minha caminha aconchegante e com uma
preguicinha muito gostosa...
Acho que eu vou é guardar a minha caneta, virar para o lado e aproveitar para
fechar os olhinhos e dormir mais um pouco, pois eu ainda estou de férias... Quem sabe
eu não sonho com a Amazônia ou, melhor ainda, com o Juca?
Até mais, diário!
Pois é, acabou assim o relato da nossa viagem pela Amazônia. Eu espero sinceramente que você tenha gostado e que, lendo meu diário, tenha conseguido captar um
pouquinho da emoção que sentimos ao conhecer aquela região.
Eu continuei de férias por mais duas semanas. Nesse período aconteceu tanta coisa
legal e interessante que só mesmo se você continuasse lendo meu diário. Mas como eu
acho que já sabe segredos demais a meu respeito, não pretendo deixar você ler nem
mais uma única página..
Bem, só para matar a sua curiosidade, é bom deixar claro que... sobre aquele assunto... É, aquele assunto, nada aconteceu! Em outras palavras, eu e o Juca Brasileiro não
estamos namorando. Ainda não!
Mas como eu acredito piamente que tudo na vida é uma questão de tempo e
que quem espera sempre alcança, continuo por aqui.
Com carinho,
Lica Recicla
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