MAIS DADOS EDIÇÃO 2015 x - Narrativa da Imaginação

Transcrição

MAIS DADOS EDIÇÃO 2015 x - Narrativa da Imaginação
Revista cientifica da ONG Narrativa da Imaginação voltada à análise de
experiências e pesquisas sobre Role Playing Game
EDITOR-CHEFE RESPONSÁVEL
Ms. Rafael Correia Rocha – Universidad de la Empresa (Uruguai)
CONSELHO EXECUTIVO
Luiz Gonzaga Falcão
Vasconcellos – UFU
Dr. Sergio Paulo Morais - UFU
Dr. Túlio Barbosa – UFU
Márcio Roberto do Prado –
UNESP
Ms. Rafael Correia Rocha –
Universidad de la Empresa
(Uruguai)
Marialva Pinto Moog Universidade do Vale do Rio dos
Sinos
Esp. Fernando Paulino de Oliveira
- UFU
Fernando José Calazan Florêncio
– UFU
CONSELHO CONSULTIVO
Maria do Perpétuo Socorro
Calixto Marques - Unesp Universidade Júlio de Mesquita
Matheus Vieira Silva Universidade Tuiuti do Paraná
Alessandro Eleutério de Oliveira
– UFSCAR
Michele Mogami - Universidad de
La Empresa (Uruguai)
Dilma Andrade de Paula - UFU
Rafael Carneiro Vasques - Unesp
Araraquara
Edvaldo Souza Couto UNICAMP
Fabiano Rodrigo da Silva Santos
– UNESP Ana Letícia de Fiori –
USP
Lucas Ferreira de Paula – UFU
Rafael Duarte Oliveira Venancio USP
Sonia Aparecida Silva Gonçalves
– Uniube
Wagner Luiz Schmit Universidade Estadual de
Londrina
COLABORADORES
EXTERNOS
R349
Ana Letícia de Fiori – USP
Goshai Daian Loureiro Fundação Oswaldo Cruz
Luiz Falcão - Unicentro Belas
Arte
Revista mais dados: peculiaridades sobre o role
playing aqui, lá e além mar – Ano 2, v. 2 (2015) Uberlândia, MG: Narrativa da Imaginação, 2015.
v. : il. ; 15 cm.
Anual.
ISSN: 2358-1301.
1. Educação 2. Jogos 3. Role-playing game (RPG) I.
Título
CDD 794
CDU 79
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP
Roberta Amaral Sertório Gravina, CRB-8/9167
REVISORA: Bruna Fontana Frappa
CAPA: Rafael Correia Rocha. Foto: Aquadice. Disponível em
<http://voyagevixens.com/wp-content/uploads/2013/04/aquadice.jpg>
acesso em 11 de julho de 2015.
PERIODICIDADE: Anual
INDEXADORES: Sumários.org e Latinex
DISPONÍVEL EM:
http://www.narrativadaimaginacao.org.br/home/revista
CORRESPONDÊNCIA
ONG Narrativa da Imaginação
Av: Estrela do sul, 1946 – B. Osvaldo Resende - CEP 3840-399 –
Uberlândia/MG
E-mail: [email protected]
MAIS DADOS é uma publicação virtual da ONG Narrativa da
Imaginação.
Número editado pela mesma em setembro de 2015
ARTIGOS
AGÊNCIA HISTÓRICA E IMERSÃO
DIDÁTICA EM JOGO: A ATIVIDADE
LUDOPEDAGÓGICA JOGO DE
INTERPRETAÇÃO DE PERSONAGEM
HISTÓRICA (JIPH).
PLATAFORMA INCORPORAIS:
EXPERIÊNCIA DIDÁTICA
LUDONARRATIVA PARA PRODUÇÃO DE
ILUSTRAÇÕES EM CENÁRIO DE
FANTASIA ANTROPOFÁGICA
JOGO E COMUNICAÇÃO: O RPG COMO
MÍDIA
RPG UBERLÂNDIA: JOGADORES,
TRAJETÓRIAS E PRÁTICAS SOCIAIS
(2001 a 2014)
AUTORIA
E-MAIL
PÁGINA
Esp. Jorge dos
Santos
Valpaços
[email protected]
09
Dra. Eliane
Bettocchi
Dr. Carlos
Klimick
[email protected]
s.nom.br
[email protected]
36
Matheus
Capovilla
Romanetto
[email protected]
51
Jaqueline
Peixoto Vieira
da Silva
Ms. Rafael
Correia Rocha
[email protected]
[email protected]
79
OS EFEITOS DO USO DE ROLE-PLAYING ACADÊMICOS
EM UM CURSO SERVICE-LEARNING DE FORMAÇÃO
DE PROFESSORES
CONTATO
AUTORIA
Dra. Mary Lynn Crow
Dr. Larry P. Nelson
[email protected]
[email protected]
TRADUTOR(A)
Maykell J. S. Figueira
maykelljsf@gmail
.com
TRADUÇÃO
PÁGINA
98
TRADUÇÃO
¿QUE PASSA COM LOS ROLLISTAS DE
MONTEVIDÉU?
CONTATO
Entrevistador(a)
Giovanni Tavaniello
[email protected]
Entrevistado(a)
Martin A.Perez
[email protected]
Tradução
Ms. Rafael Correia Rocha
[email protected]
TRADUÇÃO
RESENHA: PLAYING AT THE WORLD
CONTATO
Phd. Mika Loponen
[email protected]
Ms. Jukka Särkijärvi
[email protected]
Gislaine Caprioli
[email protected]
PÁGINA
116
PÁGINA
126
AUTORIA
TRADUTOR(A)
RESENHA
AUTORIA
E-MAIL
SIMPLES: sistema inicial para mestresJaqueline Peixoto
[email protected]
professores lecionarem através de uma
Vieira da Silva
ENTREVISTA
estratégia
motivadora. NARRATIVAS DO IMAGINÁRIO: RPG E A
EXPRESSÃO AFIRMATIVA DA
CONTATO
IDENTIDADE CULTURAL BRASILEIRA.
Entrevistador
Arthur Barbosa de Oliveira
[email protected]
Entrevistado
Gabriel Contini Abilio
comunicador.abilio@gmail.
com
ENTREVISTA
CONTATO
PÁGINA
133
PÁGINA
140
PÁGINA
PROJETO: RPG NA ESCOLA.
Entrevistador(a)
Ms. Rafael Correia Rocha
[email protected]
Entrevistado(a)
Ms.Ricardo Ribeiro do Amaral
[email protected]
ENTREVISTA
O RPG EM SÃO CARLOS E SÃO JOSÉ
DOS CAMPOS, INTERIOR DE SP, DE
1993 A 2015.
CONTATO
Entrevistador(a)
Paula Tessare Piccolo
[email protected]
Entrevistado(a)
Odair de Paula Junior , (Sam Slovic).
[email protected]
150
PÁGINA
156
ENTREVISTA
COMO É O RPG NO JAPÃO?
CONTATO
Entrevistador(a)
Ms. Rafael Correia Rocha
[email protected]
Entrevistado(a)
Ms. Wagner Luiz Schmit
[email protected]
PÁGINA
161
ENTREVISTA
ORA POIS, COMO É O RPG EM
PORTUGAL?
CONTATO
Entrevistador
Ms. Rafael Correia Rocha
[email protected]
Entrevistado
ROLE PLAYING GAMES –
PORTUGAL
JOGO
GAROU GERIÁTRICO
CATEGORIA
RPG
AUTORIA
Ms. Rafael Correia Rocha
VINCULAÇÃO
PIDGIN - Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Jogos Narrativos,
Linguagens Culturais e Práticas Psico-Sociais Educativas.
E-MAIL
[email protected]
JOGO
SÊ UM VIAJANTE EM UMA NOITE DE INVERNO
CATEGORIA
Larp
AUTORIA
Luiz Prado
VINCULAÇÃO
NpLarp – Núcleo de Pequisa em Live Action Roleplay
E-MAIL
[email protected]
PÁGINA
179
PÁGINA
216
PÁGINA
212
Apresentaçao
Nesta edição, atravessamos algumas fronteiras, a fim de compreender
como o Role Playing contraria os parâmetros da sociedade da
tecnologia e isolamento, sem repudiá-la, e consegue transpor, adaptar e
organizar meios para existir. Mesmo que os jogos com Role Playing
sejam mais complexos subjetivamente, de acordo com nosso olhar, que
as estruturas de hardwares e softwares dispostas nos jogos eletrônicos,
eles têm necessidade de encontros presenciais e predisposições a lidar
com o outro, se tornam jogos de enfrentamento do sujeito consigo
mesmo na esfera social. É possível dizer que é um estilo de jogo
humanamente instável, em que não necessariamente se busca o
controle, mas o experimento, a experiência participativa. Percebemos
que existe um portal que começa a se abrir, para compreender perguntas
como “por que jogamos?” com outras perguntas mais elaboradas como
“o que estamos jogando? E por quê?”. Também é possível visualizar,
pelo exercício produtivo, intenções que recordam muito a ideia de Marx
sobre heroísmo. O herói, não é o estudioso e tão pouco o popular, ou
“escravo da divisão de trabalho” escravo dos condicionamentos sociais,
mas aquele que viveu intensamente os interesses de seu tempo, sendo
politicamente e socialmente ativo, tomando consciência de suas ações
conforme as executava por meio da reflexão. Portanto, um movimento
heroico manifesta-se entre os pesquisadores de Role Playing, e é
possível, pela observação dos jogos de uma sociedade, compreender
como se relaciona com a educação, cultura e explicita suas demandas,
e por isso merece a devida atenção.
Rafael Correia Rocha
Editor Chefe
7
Artigos
Os artigos dessa edição permitiram uma variabilidade entre o aspecto
educacional e cultural que o Role Playing encontra no diálogo e
expressão junto à academia e a comunidade. Um ponto curioso a
ressaltar quanto ao aspecto acadêmico é que dentro da esfera de estudo
deste objeto, valoriza-se muito a experiência como eixo norteador para
compreender
a
plasticidade
de
adaptação
e
estrutura
de
desenvolvimento dos jogos Narrativos.
No campo cultural, observamos outra tendência, a interação de
empresas privadas relacionando-se com o campo da pesquisa para
produzir jogos coerentes voltados à narrativa, que resgata questões
culturais sem uma releitura, que desvincule a origem real do material
produzido.
8
AGÊNCIA HISTÓRICA E IMERSÃO DIDÁTICA EM JOGO: A
ATIVIDADE LUDOPEDAGÓGICA: JOGO DE
INTERPRETAÇÃO DE PERSONAGEM HISTÓRICA (JIPH)
Jorge dos Santos Valpaços1
RESUMO
Considerando a educação um processo incessante e não
compartimentado, ativado pelas ações dos educandos e educadores,
discutiremos as imbricações entre a ludopedagogia e alguns conceitos
operatórios ao ensino de história em situações formais. O objeto de
análise será o Jogo de Interpretação de Personagem Histórica (JIPH),
uma atividade avaliativa processual em constante reformulação,
aplicada bimestralmente em escolas da rede estadual de ensino do Rio
de Janeiro.
PALAVRAS-CHAVE: ensino de história, ludopedagogia, agência
histórica
HISTORICAL AGENCY AND TEACHING IMMERSION IN
GAME:
1
Professor de História na rede estadual do Rio de Janeiro (Colégio Estadual Olga
Benário Prestes). Licenciado em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ).
Especialista em História Antiga e Medieval (CEHAM - UERJ). Pós-graduando em
Cultura Afrobrasileira e Indígena (Universidade Católica de Petrópolis - UCP).
Cursista da especialização Histórias e Culturas Indígenas (Museu do Índio / Museu
Nacional - UFRJ) .Membro do Grupo de Pesquisa Histórias Interativas: design
poético e didática ludonarrativa na concepção
de imagens, processos e materiais
9
didáticos - http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/3947057672582627
The ludic pedagogy activity Historical Character-Playing Game
(HCPG)
ABSTRACT
Considering education a not-foreclosed endless process,
activated by the actions of students and educators, will discuss the
overlaps between ludic pedagogy and some operational concepts to
history teaching in formal situations. The object of analysis will be the
Historical Character-Playing Game (HCPG), a processual evaluation
activity in constant redesign, applied bimonthly at public schools of Rio
de Janeiro state
KEYWORDS: history teaching, ludic pedagogy, historical agency
Ato 1: A trama
Olá. Meu nome é Jorge dos Santos Valpaços. Acredito que
tenhas lido meu nome logo abaixo do título do artigo, mas preciso me
apresentar de maneira informal. Estendo minha mão neste processo.
Aguardo a tua. Espero apenas uma abertura, teu esforço de vir.
Precisamos fazer o canal comunicativo se estabelecer, caso contrário
serão apenas torpes signos neste veículo.
Tenho sorte, confesso. Tu já abriste o arquivo, chegaste a este
arquivo. Equivale dizer que se sentaste ao meu lado e desejas ouvir.
Apenas por este ato, agradeço.
Sou um contador de histórias, historiador e professor de história.
Não sei ao certo se é possível distinguir as três "ocupações", já que há
10
grande interpolação entre habilidades2 necessárias às tarefas que são
executadas. Digamos que as competências3 que mobilizo para atuar
contando histórias sejam diferentes das que utilizo quando pesquiso,
por exemplo.
O ser historiador e professor são consequências de processos
educativos formais4, de natureza acadêmica e profissional. Já ser
contador de histórias é algo que todos somos, já que o processo de
hominização da espécie humana está intimamente relacionado com a
transmissão
de
conhecimento.
Grupos
sociais
primitivos
desenvolveram a plasticidade mental, a linguagem e o pensamento
abstrato através da transmissão de histórias em torno de fogueiras, nas
proximidades de eventos relevantes ou em sombras de árvores. Essas
histórias
contadas
transmitiam
valores,
divertiam,
instruíam,
orientavam atitudes: nos fizeram humanos. Basta observar o gênero
textual mais recorrente e enunciado por ti em um dia de vida para
verificar que somos narradores. É a narrativa que se apresenta como
2
De acordo com Philippe Perrenoud: Competências são as modalidades estruturais da
inteligência, ou melhor, ações e operações que utilizamos para estabelecer relações
com e entre objetos, situações, fenômenos e pessoas que desejamos conhecer (INEP,
1999, p.7).
3
As habilidades decorrem das competências adquiridas e referem-se ao plano
imediato do “saber fazer”. Por meio das ações e operações, as habilidades
aperfeiçoam-se e articulam-se, possibilitando nova reorganização das competências
(INEP, 1999, p.7).
4
Considera-se a trajetória escolar-universitária
11 como parte do processo educacional
formal. Porém, concordo com Maria da Glória Gohn (2006) e Rafael Yus (2002) ao
sustentar que os processos educativos não se restringem aos ambientes formais e que
qualquer experiência social é potencialmente uma experiência educativa, haja vista
que mobiliza saberes.
principal forma de nos expressarmos (BETTOCCHI & KLIMICK,
2014, p. 77).
A narrativa sempre me acompanhou de formas profundamente
positivas. Gosto de ler, assistir filmes, peças, de escrever, de jogar jogos
analógicos narrativos (sobretudo os RPGs). E é claro, gosto da história
(uma palavra que cismo em não escrever com h maiúsculo por não
considerar necessário). Gosto da história não por ser supostamente
exemplar. Não tenho qualquer fetiche pelo passado. A história me
encanta por ser um meio pelo qual tenho acesso a narrativas sobre
pessoas, sobre seres humanos. Pessoas de carne e osso que viveram,
tiveram suas escolhas, ações, erros e acertos. A relação empática com a
existência de outrem no tempo aciona processos interpretativos sobre
minha própria experiência no presente, me faz compreender as relações
sociais em distintos níveis e me habilita a questionar discursos
autoritários, por exemplo.
A história, antes do "para quê", precisa do "como" para existir.
E é a narrativa que aproxima a história das histórias, sendo a primeira
um recorte subjetivo do passado, construído através da interpretação de
um pesquisador sobre um processo histórico.
Mas houve certo processo para que a história ganhasse "essa
cara". A história disciplina, tal qual se ensina nas escolas, é um produto
de um processo que podemos chamar de "injunção moderna", iniciada
com os processos que tradicionalmente chamamos de Revolução
Científica, na qual Giambatistta Vico estabelece os primeiros critérios
para as ciências humanas, uma atividade epistemológica que se afastava
12
cada vez mais da história mestra da vida, de grandes exemplos e
relacionada a uma suposta circularidade temporal.
Esta injunção se desenvolve cada vez mais, chegando à
tradicional compartimentação de saberes em cátedras e disciplinas, um
produto dos saberes enciclopédicos do iluminismo que se condensa nas
academias nacionais do século XIX. A história ganhou um "pra quê"
claro: sustentar a memória e enaltecer os estados nacionais.
Alto lá, mas... Onde estão as pessoas nesta história? A história
não ganhou um "pra quê" de uma hora para outra. Houve ações de seres
humanos, intencionalidades, processos de negociação, construções e
apropriações de discursos por todos os agentes históricos envolvidos
que construíram o que chamamos de "educação moderna".
Esta educação moderna se cristalizou na escola, uma entidade
coletiva, um produto de ações de diferentes agentes alicerçada em uma
pedagogia baseada na disciplina e reprodução, cerceadora da
criatividade e da promoção da autonomia.
Eu, um ser humano, agente da história e produtor de
conhecimento como tu, como alunos, como qualquer membro da
comunidade escolar5, vivo em um momento em que a escola está no
centro das críticas sobre o panorama educacional.
Ken Robinson (2006), Rafael Yus (2006) e Edgar Morin (2003)
são algumas vozes de um grande coro que critica o ensino tradicional6.
5
Conjunto de todos os indivíduos envolvidos no processo educacional escolar, a
despeito de sua presença ou não em sala de aula e do papel desempenhado no
processo.
6
Por meio da concepção tradicional de ensino, o educador é o centro de todo o
processo educativo, todos os esforços são13
centrados para desenvolver o intelecto do
Robinson nos lembra que a escola tradicional cerceia a criatividade ao
compartimentar o conhecimento e buscar a padronização e
homogeneidade de ações e saberes (re)produzidos. Yus recorda que o
processo ensino-aprendizagem é integral, não se dá apenas nas escolas,
mas em qualquer ação social. Ou seja, é possível aprender em uma
conversa, ao jogar um jogo, ao assistir a um filme. Morin, por seu turno,
expõe a necessidade de se estimular a dúvida, a experimentação, o
conhecimento através de escolhas em uma "abertura para o
conhecimento", culminando no conceito de serendipidade7. A crise da
educação escolar - ora, um dos meus espaços de atuação profissional! estava claramente desenhada e com propostas para a sua alteração: a
educação deveria se prestar a construir indivíduos autônomos, criativos,
com pensamento complexo e ávidos por um aprender incessante.
Ah... Mas esta história sobre a educação se encontra com a
história sobre a história. A "injunção moderna" cada vez mais afastava
o aprender das ludonarrativas que basearam a socialização humana. Se
tu puderes estudar um tanto acerca de processos educativos de
aprendiz por meio de disciplina e memorização de conteúdos. O papel das instituições
de ensino restringe-se à promoção moral e intelectual dos aprendentes, os conteúdos
são tratados como essencialmente transmitidos para os aprendentes, sem a
consideração das experiências prévias dos mesmos e a metodologia de ensino recorre
à exposição verbal e utilização de sequências de exercícios. (SAVIANI, 2006).
7
De acordo com Morin, a inteligência geral só é desenvolvida através do exercício da
dúvida, da discussão e da argumentação. A imprecisão e a abertura para o novo devem
fazer parte do pensamento complexo, real objetivo do aprender. Logo, não há
compartimentações e qualquer instância 14
de vida pode fornecer uma "pista" para a
compreensão do "todo". A serendipididade seria a arte de transformar detalhes,
aparentemente insignificantes em indícios que permitam reconstituir toda uma história
(2003, pp. 22-23).
sociedades antigas como a ateniense, atesta-se que não há distinções
claras entre o momento de "aprender" e o de "se divertir".
Mas cá estamos no presente. Tu me acompanhaste nessa
narrativa um tanto estranha, já que pouco se articula com o título e com
o resumo do artigo (será que não se articula mesmo?). Pois então,
respire fundo... Se eu faço parte da escola - o professor é um dos agentes
educacionais principais do processo educativo escolar - e tenho ciência
da perversidade escolar contemporânea, não propor uma nova prática
educacional seria como fazer parte desta escola que castra a imaginação
e constrói poucos saberes escolares com bases em conteúdos atitudinais
e procedimentais8. E então?
Lembra-se que somos contadores de histórias? Tive contato há
alguns anos com jogos narrativos (quase todos RPGs) e eles sempre me
despertaram grande motivação para me expressar melhor, para
construir novas amizades, para potencializar minhas atitudes, para
pesquisar mais sobre um tema, para desenvolver meu raciocínio lógico,
etc. Notei que os jogos narrativos tinham grande potencial pedagógico
em espaços educativos formais e não formais (GOHN, 2006;
BROUSSARD, 2011).
Mas... Os jogos seriam uma solução para a educação? Claro que
não. A ludopedagogia é apenas uma das estratégias possíveis para
8
Antoni Zabala (1998) considera quatro naturezas de conteúdos curriculares: os
factuais (autoexplicativos), os conceituais (relacionados aos conceitos operatórios e
processos-chaves para a compreensão de um conhecimento), os procedimentais (que
tratam os procedimentos para a apreensão de informações e para a construção de
saberes) e atitudinais (relacionam-se a atitudes para a vivência coletiva, como a
participação cidadã democrática, respeito às diferenças culturais, dedicação ao
cumprimento de uma tarefa, cooperação em
15ações coletivas, etc.).
alterar o panorama de crise educativa (dentro e fora das escolas). Não é
a melhor, a mais simples. É a que eu escolhi, por afinidade e um pouco
mais. Afinidade, pois já jogava jogos "de contar histórias". Um pouco
mais, pois a aplicação de uma estratégia educativa demanda uma
incessante pesquisa, ou seja: o jogar não é uma "solução" para a
educação, mas uma estratégia educativa. Não se espera um sucesso
apenas com a aplicação de uma estratégia, e, para aplicá-la é necessário
conhecimento, pesquisa e aplicação das atividades. E mais,
simplesmente falar que vai aplicar "jogos em sala de aula" pouco pode
acrescentar, já que há diferentes naturezas e objetivos dos jogos. No
meu caso, me furtei de utilizar jogos de tabuleiro, jogos eletrônicos e
jogos de cartas. Não tenho conhecimento profundo sobre os outros
jogos e busquei na narrativa o eixo central da condução de práticas
docentes no campo da história.
Este texto, então, tratará do percurso de construção de uma
atividade ludopedagógica por um jogador-contador de histórias que se
fez professor de história. Será um percurso com várias vozes, muitas
que nem souberam como me auxiliaram.
Durante os últimos anos estudei bastante, entrei em contato com
muitos desenvolvedores de jogos, jogadores mais experientes,
psicólogos, pedagogos e historiadores. A atividade construída - JIPH se modificou muitas vezes até chegar ao formato que será apresentado
em anexo. Ela é um jogo, mas eu não sou um desenvolvedor de jogos.
Ocorre que não podemos usar jogos como simples ferramentas. Jogos
são mais que "instrumentos para aprender". Não restava alternativa
senão estudar o desenvolvimento de jogos por algum tempo para tornar
16
a atividade minimamente coerente, e isto ficará claro durante o
desenvolvimento do texto.
Apresentada a base da trama, vamos aos desafios!
Ato 2: Os desafios
Acredito que já esteja claro que este texto tratará a construção
de uma atividade ludopedagógica. Apesar do Jogo de Interpretação de
Personagem Histórica (JIPH) possuir "jogo" em seu nome, o "jogo em
sala de aula" era um desafio para mim. Desafio?
Como disse, a ludopedagogia em seu viés salvacionista é rasa e
panfletária. Questionei durante muito tempo artigos e comentários ultra
positivos sobre jogos na educação. Porém, felizmente encontrei
pesquisas e relatos de aplicações didáticas interessantes e condizentes
aos objetivos de aprendizagem de história. Pouco a pouco comecei a
utilizar rudimentos de princípios de jogos para construir atividades
lúdicas, mas ainda com elementos competitivos e com processos
avaliativos objetivos. O processo de construção de uma atividade
ludopedagógica depreendia conhecimento sobre a construção de
material didático e de fundamentos de desenvolvimento de jogos.
O ato de jogar jogos narrativos artesanais (também chamados
de indies/independentes) possibilitou o contato com elementos lúdicos
distintos da lógica de RPGs mecanicistas9. O estudo acerca de tais
9
Existem vários modelos classificatórios a respeito de jogos narrativos de
interpretação de papéis. Não há consenso entre distintas classificações, mas a
experiência de jogo é sempre apontada como elemento central para a parametrização
da tipologia de RPGs. Neste sentido, apresento a categoria “RPG mecanicista” a fim
17
jogos, o acompanhamento das discussões dos desenvolvedores de jogos
através de suas produções, vídeos e eventos me possibilitou acessar
elementos fundamentais para a construção de uma atividade lúdica, no
caso, um jogo narrativo.
Voltemos ao desafio. Em meu "concurso pessoal de jogo
pedagógico de história", estes seriam as condições para sua criação: 1)
o jogo deverá ser divertido; 2) a atividade será aplicável em escolas
públicas estaduais; 3) ele será jogado por alunos do ensino médio; 4) a
culminância da atividade será uma sessão durante os tempos de aula; 5)
o jogo será atividade avaliativa inserida na rotina da escola; 6)
elementos do jogo deverão ser construídos coletivamente, bem como o
jogar será cooperativo.
O primeiro desafio pode parecer trivial, mas não é. O jogo
precisa ser divertido. Precisa ser, para além de uma atividade
pedagógica, uma atividade lúdica. É necessário construir um espaçotempo alternativo, no qual os jogadores tenham uma atividade imersiva
com a finalidade nela mesma e que proporcione o prazer em sua prática,
ou seja: um jogo (BALZER, 2011). Essa meta é importante, pois o agir
ludopedagogicamente não significa “levar D&D para as salas de aula”.
Isso seria apenas uma atividade lúdica. Como há pressupostos
pedagógicos envolvidos, é necessário algo a mais, mas sem que se perca
a natureza do jogo em tal atividade.
de definir jogos de interpretação nos quais a mecânica de jogo, ou seja, os elementos
explícitos do sistema, destacam-se à experiência ludonarrativa, proporcionando mais
instâncias de resoluções mecânicas de ações e consequências do que instâncias de
desenvolvimento do fluxo narrativo.
18
O segundo desafio, ou "meta de design" trata muitas questões
práticas para um professor de história da educação básica. Tu deves
saber bem que muitas práticas educacionais inovadoras estão próximas
a uma realidade díspar a quase totalidade da rede pública de ensino.
Cansamos de ver projetos inovadores em escolas modelos. Não
desmereço os espaços de educação formal inovadores, com projetos
político-pedagógicos inovadores ou revolucionários. Mas acredito que
seja possível agir nas margens. A grande maioria dos alunos utiliza a
rede pública, e as demandas destes alunos são diferentes de alunos de
escolas privadas. Mais que isto, os jogos precisam dialogar com os
repertórios culturais dos discentes, a fim de que haja uma atividade
pedagógica significativa.
Se o espaço escolar tradicional condiciona a atividade
ludopedagógica, os pontos 3, 4 e 5 podem ser tratados juntos. O jogo
deveria ocorrer durante os tempos de aula de história, sendo inseridos
em avaliações “tradicionais” do ensino médio. Sei que os jogadores
serão jovens de 14-18 anos em média, que são oriundos do subúrbio do
Rio de Janeiro e que poucos tiveram contato prévio com jogos
narrativos e RPGs. Sei também que ao invés de um “teste”, esta
atividade será aplicada, já que as provas não podem ser extintas nas
escolas que atuo. Então esta atividade, para além do jogo, será uma
atividade de construção de conhecimento escolar através de uma
pesquisa,
o
que
se
alinha
com
elementos
pedagógicos
socioconstrutivistas10. Apesar de tentador trabalhar com a ideia de levar
10
O socioconstrutivismo propõe o processo ensino-aprendizagem centrado na
construção do conhecimento baseado nas relações dos alunos com a realidade,
19
jogos legais para a sala de aula, trata-se de um processo de instrução
formal, com objetivos de aprendizagem bimestrais a serem cumpridos.
Disse e repito aqui: sou um entusiasta de modelos alternativos, mas algo
poderia ser feito com tantos desafios a superar? Eu achava que sim.
Bem, se eu não acreditasse, quem acreditaria?
O último ponto ou a última “meta de design” se relaciona ao
socioconstrutivismo. A atividade ludopedagógica tinha de ser
construída coletivamente, pelos alunos. E tinha de haver uma clara
interação entre eles durante o jogo. O objetivo deste desafio é propor a
interação social entre os jovens para a construção do saber escolar11
através de uma postura ativa ante o conhecimento, sendo orientados por
mim. Então, o jogo seria apenas uma estrutura básica, sendo o cenário,
as personagens e os conflitos construídos pelos alunos de acordo com
pesquisas orientadas.
Todas as cartas estavam na mesa. Todos os desafios claros. Mas
eu não tinha criado um jogo “do zero” em nenhum momento de minha
vida. Como jogador de RPG e outros jogos narrativos, fazia algumas
adaptações, adequações. Construía cenários, conhecia algumas
mecânicas, somente. Contudo, durante os últimos anos, a contribuição
valorizando e aprofundando o que o aprendente já sabe. O conhecimento e a
inteligência vão se desenvolvendo passo a passo, num processo de desenvolvimento
e de interação social que é tão importante quanto o próprio conhecimento. O docente
tem papel relevante no processo, como mediador, fornecedor de instrumentos para a
aquisição de novos repertórios e proporcionador de retornos (feedbacks) durante a
aprendizagem (COLL, 2004, pp.107-127).
11
De acordo com Ana Maria Monteiro (2007), os saberes escolares possuem natureza
diversa dos saberes acadêmicos, sendo20os primeiros não subordinados a uma
simplificação da produção acadêmica.
de alguns princípios de desenvolvimento de jogos que tive contato foi
fundamental para a criação do JIPH.
Uma das soluções encontradas para a criação da atividade
ludopedagógica foi recorrer à metodologia de restrição de conceitos
para o jogo. E para delimitar os conceitos pertinentes a este jogo, fiz
uso das três perguntas fundamentais inicialmente formuladas por Jared
Sorensen e, posteriormente, divulgadas por John Wick12 (9):
1. Sobre o que é seu jogo?
O JIPH é uma atividade ludopedagógica em um espaço de
educação formal que visa à emulação da agência histórica de diferentes
personagens construídos, possibilitando aos aprendentes apreender as
escolhas, conflitos, angústias e desejos possíveis de diferentes grupos
sociais na história da humanidade, em consonância com os objetivos de
aprendizagem bimestrais.
2. Como seu jogo garante que isso aconteça?
Podemos considerar as “três perguntas” umas das metodologias para o
desenvolvimento de jogos. Jared A. Sorensen é um desenvolvedor de jogos bastante
conhecido no cenário independente, bem como John Wick. Ambos possuem sites
específicos para o desenvolvimento de jogos narrativos e costumam debater
elementos para a construção de jogos, bem como para a prática lúdica. Destacam-se
as discussões no fórum The Forge (http://www.indie-rpgs.com/) e no grupo Indie RPG
(https://www.facebook.com/groups/indierpg/). Há tópicos específicos sobre a relação
21
RPG e Educação.
12
Através de uma metodologia de construção coletiva de
personagens e conflitos, de acordo com pesquisas estruturadas e
feedbacks semanais antes da culminância da atividade: o jogar o jogo.
A construção das personagens e dos desafios mesclará a criatividade
com a pesquisa acerca do panorama social do período histórico no qual
ela viveu. A imersão didática será o meio para a compreensão dos
dramas e conflitos sociais possíveis e para o desenvolvimento da
aprendizagem de conteúdos atitudinais, procedimentais e conceituais.
3. Que comportamentos seu jogo recompensa?
O estímulo ao trabalho em equipe em uma atividade
cooperativa; a construção do conhecimento histórico escolar através da
ação dos aprendentes; a criatividade para a construção de
cenários/conflitos/personagens e para a solução de conflitos; a
autonomia para a organização em grupos e para a pesquisa fora do
ambiente escolar; a visão da escola como um ambiente lúdico e dos
ambientes “fora da escola” como ambientes educacionais, de acordo
com a noção de educação holística de Yus (2006).
4. Como você faz isso divertido? (John Wick adicionou uma
quarta questão)
Através do estímulo de cada grupo a construir autonomamente
personagens e conflitos para os demais grupos, transformando a
avaliação em uma ludonarrativa compartilhada. A mecânica para a
resolução de conflitos é simples e, durante as aulas bimestrais, os alunos
experimentam o jogo ao construírem as personagens, pois elas passam
22
a ser parte das explicações e demais atividades em sala de aula antes da
culminância do jogo. Ou seja, se uma personagem “matrona romana” é
criada para o jogo, ela será protagonista durante as aulas sobre Roma
Antiga, inserindo a pesquisa dos alunos na rotina do aprendizado
escolar de história. Ou seja, o bimestre torna-se imersivo ao passo que
as pesquisas sobre as personagens - presentes nos conteúdos bimestrais
- se desenvolve. Simulações de conflito ocorrem durante as aulas,
aumentando a expectativa para a culminância do projeto: o jogo em sala
de aula.
Deves ter observado que o JIPH foi construído de uma forma
um tanto diversa dos jogos narrativos independentes. Obviamente, pois
os objetivos de aprendizagem de uma atividade ludopedagógica
formatam muitos elementos para o desenvolvimento da atividade. Dois
são os conceitos operatórios centrais para a construção do JIPH. Um
advém da história e outro da ludopedagogia. Trata-se da agência/ação
histórica e da imersão didática.
A ação/agência histórica é um conceito fundamental para o
estudo de história. Sua centralidade para a apreensão de saberes
históricos se destaca nos Parâmetros Curriculares Nacionais publicados
em 1999 e 2002. O estudo sobre as ações dos indivíduos no tempo se
articula com os objetivos de aprendizagem da disciplina história, já que:
A contribuição mais substantiva da aprendizagem da
História é propiciar ao jovem situar-se na sociedade
contemporânea para melhor compreendê-la. Como
decorrência direta disso está a possibilidade efetiva do
desenvolvimento da capacidade de apreensão do tempo
23
enquanto conjunto de vivências humanas, em seu sentido
completo. (PCN+, 2002, p.69)
A compreensão da agência de indivíduos, suas relações com o
as estruturas sociais e os processos de negociação e conflito
possibilitam o surgimento de vozes outrora silenciadas, redimensionam
a compreensão do cotidiano em suas esferas privadas e políticas,
rearticulando a subjetividade ao fato de serem produto de determinado
tempo histórico no qual as conjunturas e as estruturas estão presentes.
Na articulação do singular e do geral recuperam-se
formas diversas de registros e ações humanas tanto nos
espaços considerados tradicionalmente os de poder,
como o do Estado e das instituições oficiais, quanto nos
espaços privados das fábricas e oficinas, das casas e das
ruas, das festas e das sublevações, das guerras entre as
nações e dos conflitos diários para sobrevivência, das
mentalidades em suas permanências de valores e crenças
e das transformações advindas com a modernidade da
vida urbana em seu aparato tecnológico. (PCNEM, 1999,
pp. 23)
Discorrendo sobre a historicidade e a multiplicidade de
abordagens conceituais acerca da agência histórica - emulação central
da atividade ludopedagógica -, Peter Seixas indica os riscos de
superestimar a ação individual ou cair no imobilismo social, chegando
à conclusão:
24
Finalmente, o conceito de ação histórica também abre
questões sobre como os alunos vivem as vidas deles,
além das crenças e compreensões deles: quais tipos de
ação individual e coletiva eles fazem, com quais tipos de
compreensão da localização histórica da ação? Iniciar
esta trajetória para pesquisa sobre pensamento histórico
começa a unir a pesquisa em educação histórica a
questões de eficácia e ação que ocuparam pesquisadores
de educação cívica e estudos sociais de uma maneira bem
central; inversamente,
isto
poderia
trazer
novas
camadas de riqueza teórica para questões de tomada de
decisão de cidadãos nestas áreas de pesquisa.
(...)
Mas mesmo fazendo o melhor que nós podemos para
dirigirmos nesta estrada, a história é cheia de surpresas:
pessoas “sem poder” tomando conta e efetuando
mudanças imensas, pessoas poderosas paradas ao lado e
não fazendo coisa alguma. (SEIXAS, 2012, pp. 548-549)
O segundo conceito central para a construção do JIPH é a
imersão didática. A imersão em uma instância de realidade emulada,
fundamental para a prática ludonarrativa, se articula com instâncias
mimético-poéticas. Ao invés de considerarmos a ambiência lúdica uma
situação alienante, podemos verificar dois movimentos ludodidáticos
construídos ao analisarmos a circularidade que se instaura entre a “a
realidade emulada no jogo” e a práxis social dos aprendentes.
Analisando a relação entre a agência comunicacional e o mundo, de
25
acordo com Habermas13, Myriel Balzer estabelece uma comparação
deste processo com as práticas de jogo, potencializando a imersão como
elemento central da prática ludopedagógica:
Figura 1 - A relação circular entre o indivíduo e o ambiente14 de acordo
com Habermas
(BALZER, 2011, p.38).
13
Jüngen Habermas, sociólogo e filósofo alemão associado ao grupo de produção
intelectual conhecido como Escola de Frankfurt, desenvolve suas pesquisas no campo
ético, buscando a superação da concepção da razão como mero instrumento cognitivo.
Para tanto, em sociedades em que ética se desenvolva, a razão e a ação comunicativa.
Ou seja, a comunicação livre, racional e crítica deve ser não apenas possível, mas
estimulada não apenas como forma de expressão, mas como práxis democrática,
conectando os agentes sociais ao mundo, por meio de criações, reproduções e
interpretações (HABERMAS, 1984).
Mundo de vida → constitui a estrutura26
para a comunicação e funciona como um
recurso para interpretação → ação comunicativa → Agente → reproduz o mundo de
vida e conecta novas situações a ele → Mundo de vida (...)
14
Figura 2 - A relação circular entre o jogador e o mundo de jogo15
(BALZER, 2011, p.39).
A consideração da imersão didática de jogos narrativos
(especialmente os RPGs) como central à prática educativa a respeito da
agência histórica só se faz possível através da sua análise como
fenômeno de comunicação/expressão:
Devido às suas características de socialização interativa
e narrativa hipertextual, o RPG pode ser um fenômeno de
comunicação onde o signo aparece como processo
interativo: o significado acontece quando significantes
são relacionados por um sujeito, num processo fluido e
contínuo. (BETTOCHI, 2008, p.484).
Mundo de jogo → a estrutura para a comunicação entre os jogadores e funciona
como um recurso para a interpretação dentro do jogo → jogador-interpretador → dá
validade ao mundo de jogo por referir-se a ele → Mundo de jogo (...)
15
27
Se a agência histórica e a imersão didática norteiam a
construção do JIPH, é necessário pensar em elementos que estruturem
a criatividade e a sedendipidade. Neste sentido, o design poético se
apresenta como fundamental para a construção do JIPH, estimulando o
ato criativo e a pesquisa pelos discentes e docente durante o processo
imersivo da construção do mundo e das personagens, de forma que haja
prefigurações, construção de enredo e reconfigurações da visão do
presente pelo aprendente através da experiência ludopedagógica
(BETTOCHI, 2008). Cabe destacar que a reconfiguração trata-se do
processo hermenêutico de aquisição-transformação-ação de repertório
(agência histórica de indivíduos do passado) que é inserido em um
enredo construído coletivamente - ludonarrativa - durante a experiência
do jogar-aprender (BROUSSARD, 2011).
Tu deves ter notado que ambos conceitos se entrelaçariam para
a solução dos desafios. A resposta às 3 (ou 4) questões para a criação
do jogo revelou tais conceitos, ou melhor, demandou a pesquisa docente
para a construção da atividade ludopedagógica, fazendo o professor ser
um pesquisador (BITTENCOURT, 1997). Contudo, será necessário
analisar com um pouco mais de cautela a solução para a criação de um
jogo imersivo que não seja apenas uma “ferramenta lúdica”: a
transposição ludodidática.
Ato 3: A transposição ludodidática: o ensino de História entra em
jogo
28
Um dos principais problemas da teoria ludopedagógica é a
instrumentalização dos jogos, um equívoco básico, haja vista que a
finalidade de jogo é distinta das presentes em processos de
aprendizagem. Enquanto os jogos possuem uma finalidade em si
(HUIZINGA, 2008), uma atividade ludopedagógica possui natureza
didática.
Uma situação didática se traduz em uma situação de
ensino/aprendizagem. Uma situação que tenha sido projetada com fins
de gerar uma aprendizagem é uma situação didática. São os objetivos
de aprendizagem que conduzem as situações de aprendizagem.
Vimos na última sessão que houve uma imbricação entre os
conceitos de desenvolvimento de jogo, de pesquisa, ensino de história
e pedagogia para a construção do JIPH. Este processo de pesquisa e
construção de saber (a avaliação, a atividade ludopedagógica é um dos
saberes escolares que são construídos) é parte de uma transposição.
Tradicionalmente os professores operam com transposições didáticas,
ou seja, transforma-se o conhecimento científico em conhecimento
escolar, para que possa ser ensinado pelos professores e aprendido pelos
alunos (ALMEIDA, 2011). Esta transposição não se trata de uma
“vulgarização”, mas de uma reconfiguração do conhecimento
acadêmico para o ambiente escolar, em virtude de suas especificidades.
Como elementos teóricos do desenvolvimento de jogos fazem parte da
construção da atividade, não se trata apenas de uma transposição
puramente didática, mas agora ludodidática.
29
O objetivo da transposição didática é inserir na atividade
elementos fundamentais à prática lúdica - como a diversão da prática e
a imersão - a fim de que a atividade supere a simples recreação
(ALMEIDA, 2002). O jogo passa a possibilitar didaticamente que o
aluno seja sujeito de sua formação. Trata-se de proporcionar a
aprendizagem significativa do indivíduo e a construção de saberes
essenciais à sua trajetória de vida, dentro e fora das salas de aula
(LOPES, 2000).
Duas foram as contribuições centrais para o fomento da
transposição ludodidática: os aportes teórico-metodológicos do grupo
de pesquisa Histórias Interativas16 e o Game Design Toolkit17.
As produções teóricas, metodológicas e as aplicações em
oficinas de processos e materiais didáticos do grupo Histórias
Interativas contribuíram imensamente para o desenvolvimento do JIPH,
haja vista que a dinâmica do jogo se estrutura sobre as Técnicas para
Narrativas Interativas (TNI). Estas são aplicadas como método didático
16
Grupo de pesquisas Histórias Interativas: design poético e didática ludonarrativa
na concepção de imagens, processos e materiais didáticos
(http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/3947057672582627).
17
O trabalho do STEP (Massachusetts Institute of Technology - Scheller Teacher
Education Program) foi fundamental para a construção de ações ludopedagógicas. O
grupo de pesquisa divulgou no final de 2014 o GDTK, que é definido pelo STEP da
seguinte maneira: “The Learning Games Network (LGN) and FableVision have
partnered to create the Game Design Tool Kit (GDTK), a free online resource
designed to help teachers use game design more extensively in their curriculum.
Offered as a series of resources, the GDTK
30is available for download by teachers at
no
cost
as
a
comprehensive
handbook.”
(http://education.mit.edu/blogs/carole/2014/11/05). As 4 etapas do GDTK - explorar,
descobrir, criar e compartilhar - se assemelham em seu processo criativo de jogos com
os elementos tratados nas “três questões” anteriormente respondidas.
a fim da aquisição de conhecimentos e competências, entendidas como
operações mentais que articulam e mobilizam as habilidades e os
conhecimentos, de acordo com o comportamento e a atitude do sujeito
em uma dada situação. Tal qual a proposta do JIPH, as TNI apontavam
para a necessidade da articulação de conhecimentos e competências dos
aprendentes e estimulavam a produção (de conflitos, desafios e das
personagens),
dando
alicerce
para
a
construção
de
novos
conhecimentos e competências, em um círculo virtuoso (BETTOCCHI;
KLIMICK; REZENTE, 2013, p.4). Os aportes do Projeto Incorporais,
um dos projetos centrais do grupo de pesquisas Histórias Interativas,
mostram-se necessários à discussão de como não apenas devemos
inserir o jogo em instâncias educativas, mas em outros ambientes
educativos. Para além, estabelecem-se importantes discussões sobre as
interfaces entre a narrativa, práticas lúdicas e o ensino (KLIMICK,
2015).
Já o Game Design Toolkit não apenas se destina à construção de
atividades lúdicas, mas para a sua aplicação enquanto um projeto em
sala de aula, dissolvendo o processo avaliativo de forma processual.
Segue a descrição dos propósitos do GDK:
As Ferramentas de Design de Jogos fornecem-lhe cartões
e instruções de discussões para apoiar a integração do
nosso quadro teórico de desenvolvimento de jogos ao seu
planejamento curricular existente. É possível utilizar
os cartões para criar aulas em torno de atividades
individuais ou como partes de um projeto semanal ou
semestral, instruções de discussões destinam-se a ajudá-
31
lo a instruir os estudantes em cada etapa da pesquisa, do
design e do processo de desenvolvimento da atividade.
(p.1, tradução e grifos meus)
Mas quais seriam os objetivos de aprendizagem do JIPH? De
acordo com Fernando Seffner (2013), há alguns requisitos para
aprendizagens significativas em História. O primeiro refere-se à
operação com conceitos e nomeações. O segundo critério para a
construção de aprendizagens significativas em História é o tempo
necessário em um único tema estabelecendo numerosas relações a partir
dele, inclusive com auxílio de questões do mundo contemporâneo.
Outro critério é a diversidade de fontes de leitura e pesquisa para a
construção do saber escolar. Ainda para a construção de aprendizagens
significativas está a mobilização de habilidades e competências
distintas, como a capacidade de fazer cálculos e de resolver problemas;
capacidade de analisar, sintetizar e interpretar dados, fatos e situações.
Como conhecemos a complexidade da sociedade e o não
compartimentamento de saberes, a interdisciplinaridade também se
apresenta como uma das chaves para a construção de tais
aprendizagens.
Deves ter observado que não se tratava de algo muito simples a
fazer. Como anteriormente afirmado, a construção de um jogo demanda
pesquisa e uma proposta orientada à aprendizagem de conteúdos,
sobretudo processuais e atitudinais (especificamente relacionados à
pesquisa, à autonomia no processo e à interação com a classe). Os
requisitos apontados por Fernando Seffner seriam a última fronteira, o
32
último desafio para a criação não apenas de um jogo, mas de uma
atividade ludopedagógica narrativa. Para além, de uma atividade
ludopedagógica narrativa com objetivo de proporcionar aprendizagens
significativas em história.
Ato 4: O design lacunar do JIPH, pondo o jogo à prova
Companheira ou companheiro, finalmente chegamos ao clímax
do texto! Se já me acompanhaste por mais de dez laudas e segues a ler,
agradeço. Não se preocupe, o JIPH em sua atual versão estará
disponível na íntegra ao término do texto. São apenas 3 páginas, nada
além. O que vamos tratar aqui é se o JIPH consegue gerar aprendizagens
significativas em história.
O jogo prevê a mobilização de conceitos e nomeações precisas.
Um “senador romano”, um exemplo de personagem do jogo, já
mobiliza inúmeras questões conceituais (o que é o senado para a res
publica romana?). O preenchimento da ficha de personagem, da
planilha de conflitos - atividades de pesquisa - e o ato de jogar em sala
de aula demandam do conhecimento de conteúdos factais e conceituais.
O JIPH é uma atividade bimestral, na qual a aquisição de
repertório a respeito dos conteúdos se dá não apenas de forma
expositiva. Os alunos levam ao professor as pesquisas que fizeram para
construir suas personagens - não apenas grandes nomes, obviamente e estas pesquisas são questões geradoras para o desenvolvimento de
debates, explanações e exercícios em sala de aula. O tempo necessário
para a aquisição do repertório relaciona-se não apenas com o tempo
33
para “explicar”, haja vista que as atividades de pesquisa e construção
de personagens continuam em sala de aula. Como é necessário
pesquisar sobre as outras personagens para a construção de conflitos,
há uma interação intensa a respeito das diferentes sociedades e dos
processos históricos tratados durante o bimestre. Esta estratégia
multiplica os “ensinantes” do processo educativo, sendo o professor um
mediador educacional. E a minha ação é de traçar pontes com o mundo
de hoje, estabelecer comparações entre as personagens, emular
situações de conflito. Cada grupo torna-se uma microrreferência a
respeito de sua personagem, sendo consultada pelos demais grupos
durante o bimestre.
Haja vista que as personagens são construídas de acordo com a
mescla da pesquisa com a imaginação (imersão didática) sobre os
modos de viver e agir em uma sociedade, a multiplicidade de fontes de
pesquisa é facilmente verificada, já que o professor indica fontes para
além do livro didático para a confecção da pesquisa. Durante a pesquisa
para a construção da personagem e do universo são mobilizadas
diferentes habilidades e competências, assim como no momento do
jogo, haja vista que a resolução dos conflitos demanda pensamento
estratégico,
avaliação,
inventividade
e
conhecimento
lógico-
matemático e probabilístico, em virtude da mecânica do jogo. Por várias
vezes foi necessário recorrer a outras áreas de conhecimento, como
geografia, literatura e biologia para a construção de personagens
históricas, o que contempla a dimensão interdisciplinar para uma
aprendizagem significativa em história.
34
Resta pontuar que a interação social cooperativa e não
competitiva que se desenvolve durante o jogo - e os desdobramentos
positivos no que tange o desenvolvimento da inteligência emocional
dos educandos - é algo positivo que se desenvolve no ambiente escolar,
notadamente conflituoso. A estrutura narrativa que deve ser mantida (ao
término de um conflito, outro se sucede com novas escolhas,
consequências, etc.) faz com que cada grupo se sinta continuador de
outra história.
A condução do jogo visa a ser extremamente narrativa. Logo, a
perda de pontos de vitalidade por um senador que não conseguir salvar
Roma de um incêndio não significa ferimentos, necessariamente. Um
grupo poderá considerar a vitalidade a sua influência dentro da
magistratura senatorial. O mesmo atributo - vitalidade - para uma
sacerdotisa de Afrodite poderá ser sua relação com a divindade, suas
obrigações e objetivos, devidamente referidos na ficha de personagem.
Ato 5: Falhas críticas!
Achavas que teria apenas situações positivas, relatos de sucesso
na construção de um jogo? A aplicação dele há anos e suas mudanças
até o presente demonstram que muito “não deu certo”. O primeiro ponto
de falhas pode parecer banal… mas o jogo era “chato”. Isso mesmo, o
formato aberto, “lacunar”, com sentenças que os alunos podem
preencher, com uma história de cada um, com as angústias e etc. foi
inserido há poucas versões.
35
Tratava-se de um jogo de RPG relativamente comum, com o
professor como “mestre de jogo” e com as fichas com espaços para
“perícias e atributos”. A mecânica de jogo era bastante “mecanicista”
com graduações em determinadas perícias, o que emulava a múltipla
possibilidade para a resolução de um mesmo conflito, o que considero
um grande erro de design meu. Tendo contato com os “conhecimentos”
do Incorporais RPG18 e com a mecânica simples do sistema ascepção19,
repensei a estrutura básica do jogo e como eu poderia fazer o jogo ser
divertido nas aulas. E assim, com testes antes do jogo, com conflitos
gerados durante explicações para cada grupo, os alunos foram, para
além de entender a mecânica, se divertindo com o processo: “Ora, eu
sou uma filósofa em Alexandria!” disse uma aluna no último ano,
durante a criação da personagem. Notar que o aluno está gostando da
experiência é um bom termômetro. Ah, e eu também tenho de gostar,
obviamente.
Marcello Giacomoni (2013) estabeleceu algumas características
para a construção de jogos para o ensino de história: a temática, os
objetivos, a superfície, a dinâmica, as regras e o leiaute. Nunca tive
muitos problemas com a temática e com os objetivos de aprendizagem
ao aplicar jogos. Sempre estabeleci os conceitos que gostaria de
trabalhar (feudalismo, patriarcalismo, liberdade, anarquia, etc.) antes da
disponibilização das personagens que deveriam ser construídas pelos
18
Sistema disponível em http://historias.interativas.nom.br/incorporaisrpg/
19
Sistema utilizado pelo RPG Terra Devastada de John Bogéa. Resenha do jogo com
explanação da mecânica de resolução de conflitos disponível em:
http://www.rederpg.com.br/wp/2011/11/terra-devastada-resenha/
36
alunos-jogadores. Porém, por algumas vezes, tentei aplicar o jogo sem
a orientação sobre arquétipos de personagens a serem construídos no
primeiro bimestre. Ora, o aluno ficava perdido. No primeiro bimestre
(tal qual em um primeiro contato com RPG), o anfitrião-mestrenarrador-professor disponibiliza uma lista de personagens que já orienta
alguns elementos que devem ser trabalhados na construção das mesmas.
Nos bimestres seguintes (sobretudo os últimos), as personagens podem
ser criadas do zero.
Quanto à superfície e dinâmica, confesso que houve grande
dificuldade para a continuidade da narrativa sem um alicerce. Passei a
solicitar uma ficha de personagem e de conflitos para cada grupo e
anotar os elementos centrais da narrativa de cada grupo na lousa, a fim
de auxiliar os alunos a seguirem o fluxo narrativo. Obviamente, durante
os bimestres, este alicerce vai perdendo o sentido, já que os alunos vão
“aprendendo a jogar”.
Sobre as regras, cheguei a simplicidade do uso de d6s (dados de
6 faces) para a resolução de conflitos, sendo os sucessos e fracassos
interpretados narrativamente, de acordo com as aptidões acionadas para
a resolução (a regra do JIPH está anexa, ao término do texto). Por
exemplo: se uma camponesa medieval tenta tratar uma doença de seus
filhos, ao obter sucesso utilizando a aptidão mental “conhecimento em
herbalismo” e a aptidão social “bem vinda junto aos demais
camponeses do feudo”, o grupo constrói uma narrativa em que a
camponesa pede auxílio à vizinhança para colher uma certa erva e para
efetuar um chá. Assim houve a cura de seus filhos. Mas houve a
necessidade de dar muitos, muitos exemplos até o desenvolvimento
37
desta narrativa, bem como para que o “encaixe” do próximo conflito a
este grupo continuasse o fluxo narrativo. Por exemplo: como a mãe
camponesa passou o dia tratando de seus filhos, a produtividade caiu e
o senhor decidiu aumentar os impostos…
Grandes falhas ocorreram em escolas do ensino noturno, nas
quais buscava o “mesmo pique” dos jovens que estudavam na manhã
ou tarde. E a falha obviamente foi minha. Muitos eram trabalhadores e
não dispunham de tempo para pesquisa em suas casas. Chegava em sala
de aula com vários livros e desenvolvia as fichas junto aos alunos ali,
sem buscar nenhuma comparação com o trabalhado feito na manhã ou
tarde.
Cada problema, cada insucesso me faz repensar a estrutura do
jogo. Há pontos que invisto, outros mudo completamente. O JIPH não
está fechado. E acredito que não estará. O design poético lacunar e a
estrutura ludonarrativa serão mantidos, mas isto não significa que a
atividade está fechada. Experiências serão criadas, novas possibilidades
e reconfigurações do jogo. A atividade de pesquisa lúdica não pode se
“completar”, haja vista que a incompletude é a metáfora da narrativa da
vida - que se emula no jogo -, somos incompletos, pois.
Ato 6: (in)Conclusões
38
Peter Seixas (2012) nos convida a (não) concluir este texto com
uma provocação:
O ensino de história procura, assim, evitar desesperança,
evitar ‘coisas sem a menor chance de acontecer’, e abre
os olhos dos alunos para a possibilidade do inesperado.
A responsabilidade histórica dos professores de história
agora se agiganta intensamente: para ajudar as pessoas
jovens a aprenderem a avaliar subjetivamente materiais
dos legados inconscientes do passado para um exame
crítico. (p. 550)
É sobre esta provocação que o jogo trata. O percurso deste texto
tratou o desenvolvimento do jogo, as fontes que bebi, meus erros, meus
acertos. Tenho outros jogos que aplico em salas de aula e jogo jogos
narrativos fora das salas de aula. Com amigos, desconhecidos. Jogo
bastante e não sei se desgostarei disto um dia. Sei apenas que descobri
que o divórcio entre jogar e aprender tem a ver com o divórcio entre
disciplinas e entre instâncias de pesquisa e de prática docente. Encontrei
um meio de pensar em toda esta quimera de questões através da
ludopedagogia. Quanto tempo seguirei nesta seara? Enquanto houver
pontos de vitalidade.
Referências:
39
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45
46
47
Anexo: JIPH (2015)
48
PLATAFORMA INCORPORAIS: EXPERIÊNCIA
DIDÁTICA LUDONARRATIVA PARA PRODUÇÃO
DE ILUSTRAÇÕES EM CENÁRIO DE FANTASIA
ANTROPOFÁGICA
Eliane Bettocchi20
Carlos Klimick 21
RESUMO
O artigo relata o desenvolvimento e os primeiros resultados de um
experimento de criação de ilustrações por meio de um método
ludopedagógico realizado com estudantes de graduação em Artes e
Design. O método constitui-se de uma combinação entre o que
denominamos didática ludonarrativa e design poético, embasando a
20
Eliane Bettocchi (http://lattes.cnpq.br/5271545860382787)
Professora adjunta e coordenadora da Licenciatura em Artes - 2o. ciclo do
Bacharelado Interdisciplinar em Artes e Design do IAD-UFJF. Coordena grupo de
pesquisa sobre imagens e narrativas visuais e seus potenciais interativos, poéticos e
educacionais, sub-projeto na área de Artes do PIBID-CAPES e o Laboratório
Interdisciplinar de Linguagens para licenciaturas da UFJF. Atuou por 19 anos como
profissional de Design Gráfico e Ilustração para jogos narrativos comerciais e
educacionais. Pós-graduação lato sensu em Teoria da Arte pela UERJ (1998),
Mestrado (2002) e Doutorado (2008) em Design pela PUC-Rio.
21
Carlos Klimick (http://lattes.cnpq.br/5151586037029651)
Doutor em Letras pela PUC-Rio com pesquisa na Formação do Leitor. (2008) Mestre
em Design pela PUC-Rio, com pesquisa na elaboração de material didático para
crianças surdas (2003). Professor universitário
com atuação na UERJ, PUC-Rio,
49
Unicarioca, Universidade Estácio de Sá. Coordena linha de pesquisa sobre Design e
Didática do Grupo Histórias Interativas (CNPq). Tem 15 anos de experiência na área
de Educação, com ênfase em Design Didático e Roteirização Didático Digital. Autor
dos RPGs brasileiros “Desafio dos Bandeirantes”, “Era do Caos”, “Esferas” e do
suplemento “Império” para Tagmar.
imersão em um cenário fantástico por meio de aventura solo e roleplaying game, a concepção de imagens derivadas desta imersão e a
avaliação destas imagens a partir dos critérios norteadores deste cenário
fantástico: pilhagem narrativa e antropofagia visual.
PALAVRAS CHAVE: Jogos narrativos, ilustração, didática
ABSTRACT
The article describes the development and the first results of a game
based learning experiment with Arts and Design undergraduate
students. The method consists on a combination of what we call
ludonarrative didactic and poetic design and frames the game book and
role-playing game immersion in a fantasy setting, the creation of
concept arts resulting from this immersion and the evaluation of these
concept arts based on the setting criteria: narrative plunder and visual
anthropophagy.
KEYWORDS: Narrative games, concept art, didactic
Introdução
Neste artigo relatamos uma experiência didática ludonarrativa
realizada com um grupo de 12 estudantes de graduação em Artes e
Design, 1 professora do IAD-UFJF e 1 professor colaborador, todos
membros do grupo de pesquisa Histórias Interativas, entre dezembro de
2012 e dezembro de 2013. Esta experiência objetivou sistematizar a
aplicação
educacional
da
Plataforma
50
Incorporais
para
o
desenvolvimento e avaliação das competências criatividade, ética e
gestão na elaboração de ilustrações a partir da vivência de um jogo
narrativo.
Competências são neste artigo entendidas como operações
mentais que articulam e mobilizam as habilidades e os conhecimentos,
de acordo com o comportamento e a atitude do sujeito em uma dada
situação (PERRENOUD, 1999).
A Plataforma Incorporais combina as premissas metodológicas
do Design Poético, um método projetual que norteia a produção de
material dos participantes entendendo poiésis não só como um "fazer",
mas uma "intenção", daí seu uso para as formas de expressão artísticas
contemporâneas, o dito "fazer poético", cuja principal finalidade é a de
questionar e criticar; e da Didática Ludonarrativa, um método para uso
educacional de jogos narrativos participativos, como a Aventura Solo e
o Role-Playing Games (RPG).
O jogo foi ambientado em cenário fantástico de estrutura
narrativa inspirada na obra de JRR Tolkien e com estrutura visual
inspirada no Art Nouveau, com misturas narrativas e visuais que
denominamos Pilhagem Antropofágica, em uma combinação das
estratégias de Pilhagem Narrativa e Antropofagia Visual. A Pilhagem
Narrativa consiste em se apropriar de referências de seu próprio
repertório e de outras fontes para criar suas próprias personagens e
outros elementos narrativos. A Antropofagia Visual traz as propostas
de contaminação do colonizador pelo colonizado e a de tradições
móveis de Mario de Andrade. Com base nessas premissas conceituais,
os estudantes precisavam combinar, às estruturas de base, seus
51
repertórios pessoais e referências de arte e literatura de origem
brasileira e não anglo-saxônica.
No experimento em questão cada estudante que “jogava” RPG
com a sua personagem era acompanhado por outro que anotava os
eventos e podia aconselhá-lo, atuando como “consciência”. Na sessão
seguinte os papéis eram invertidos. Os estudantes participaram de
diversas sessões de TNI alternando os papéis de “jogador” e
“consciência”, sendo orientados para que anotassem os eventos vividos
em “cadernos de personagem” que deveriam elaborar.
Depois, fizeram ilustrações conceituais de suas personagens e
de elementos de cenário, para, ao final da atividade, elaborarem artes
finais convertidas em cartas de baralho. Além disso, também foram
elaboradas histórias envolvendo locais do cenário e suas personagens.
Desta primeira produção dos estudantes derivamos o material para a
oficina ministrada na Semana de Artes e Design do IAD – SEMAD, em
novembro de 2013.
Os resultados obtidos pelos estudantes foram então avaliados
coletivamente segundo as premissas conceituais Pilhagem Narrativa e
Antropofagia
Visual
considerando-se
recombinação
inovadora
(Criatividade), crítica (Ética) e consistente (Gestão) de repertórios
visuais e narrativos do participante por ele mobilizados e/ou
apropriados.
52
O Método: Projeto Incorporais
Seguimos as etapas metodológicas do Projeto Incorporais,
previamente publicado (BETTOCCHI, KLIMICK & REZENDE,
2013), que consiste da união entre as Técnicas para Narrativas
Interativas (TNI) com o Design Poético.
A TNI é uma sistematização pedagógica da aplicação da lógica
de funcionamento dos Role-Playing Games (RPG) a finalidades
educacionais
(KLIMICK,
2007)
tendo
como
fundamentação
epistemológica o construtivismo, alicerçado na pedagogia da
autonomia de Paulo Freire (1996) e na pedagogia da autonomia de
Carmen Moreira Neves (2005).
O Design Poético (BETTOCCHI, 2008) é um método projetual
que norteia a produção de material dos participantes, baseando-se no
processo mimético em três etapas postulado por Paul Ricoeur (1983),
em que na Mimese 1 (M1) temos a prefiguração dos elementos, na M2
a configuração da narrativa e na M3 a refiguração do sujeito, e na
semiologia de Roland Barthes (1967, 1999). Entendemos a poiésis não
só como um "fazer", mas uma "intenção", daí seu uso para as formas de
expressão artísticas contemporâneas, o dito "fazer poético", cuja
principal finalidade é a de questionar e criticar; e Design segundo o
ponto de vista humanístico de expressão de significados, destacando
sua natureza especular tanto de anúncio quanto de denúncia do contexto
social (BOMFIM, 1999): uma configuração de objetos que leva a uma
refiguração do sujeito e de seu contexto.
53
O método do Projeto Incorporais tem as seguintes etapas:
Conceituação, Levantamento; Concepção; Justificativa. As etapas de
Conceituação e de Levantamento são consideradas etapas teóricas e
ocorrem concomitantemente com a etapa prática de Concepção:
1. CONCEITUAÇÃO: etapa em que se identifica sobre o quê
será e para quê/quem servirá o projeto, realizando uma delimitação do
tema (assunto, finalidade, receptores), incluindo competências e
conhecimentos a serem mobilizados e construídos.
2. LEVANTAMENTO: etapa em que se identificam quais serão
as referências do projeto por meio de pesquisa de similares, coleta de
dados pertinentes ao tema e pesquisa de premissas teórico-práticas,
incluindo modelos pedagógicos para elaboração de situações didáticas
nas quais o objeto possa ser aplicado.
3. CONCEPÇÃO: etapa em que se identifica como realizar o
trabalho por meio de escolha dos elementos das linguagens que
comporão o objeto a ser construído. Neste trabalho, entendo como
objeto qualquer artefato que resulte da aplicação da vontade do
sujeito22; pesquisa e escolha de suportes de veiculação deste objeto;
pesquisa e escolha de técnicas e materiais artísticos e/ou não artísticos
condizentes com os suportes escolhidos. Os suportes usados no
experimento eram suportes narrativos multilinguagem (blog, cadernos
de jogo e baralhos do cenário) que foram elaborados pelos participantes
22
Adaptado de: Bomfim, G.A. Relacionamento entre Teoria, Crítica e Design através
de Modelo Processual. Textro distribuído em sala durante a disciplina ART 2101
Teoria e Crítica do Design -2002.2
54
a partir da costura entre as suas narrativas e produções visuais
individuais. Deste modo, objetivamos que o método facilitasse o
processo de aprendizagem, a construção de competências e
conhecimentos por meio de uma produção “a partir” de um tema e suas
transversalidades.
Nesta etapa, temos a alternância entre sessões presenciais
semanais de TNI e de Design Poético da seguinte maneira:
3.1. TNI: divisão dos participantes em dois grupos; um grupo
vivencia a narrativa lúdica (jogadores-atores) e o outro grupo registra
os eventos (jogadores-consciência), sendo que cada "consciência" adota
um "ator" e anota tudo que a personagem daquele jogador vivenciou na
sessão; ao final, entrega as notas para o jogador-ator para que este possa
fazer o registro no diário da sua personagem.
3.2. TNI seguinte: inverte-se a atuação dos grupos, ou seja,
quem foi "consciência" passa a ser "ator" em uma narrativa com enredo
diverso da anterior.
3.3. Design poético: os dois grupos trabalham, por meio de
exercícios projetuais específicos, esboços e diários das suas
personagens, trocando suas produções para análise crítica. Importante
destacar que os exercícios serão planejados a partir das dúvidas e
dificuldades dos participantes.
3.4 e 3.5. TNI: continuidade da narrativa lúdica e seus registros.
3.6 e 3.7. Design poético: continuidade da produção.
E assim por diante, até os participantes sentirem-se seguros para
proceder à finalização de seus esboços e materialização de seus
suportes. Toda a vivência e produção foram registradas por meio de
55
diários de viagem e/ou cadernos de esboços manuscritos. Além das
sessões presenciais semanais, o experimento contou com o apoio de
uma plataforma Moodle de educação à distância, onde estavam
disponíveis textos, imagens e hiperlinks de referências bem como
tarefas para registro da produção.
Nos termos de Paul Ricoeur (1983), antes da sessão de RPG, os
elementos do cenário apresentados aos jogadores, as personagens por
eles criadas e o enredo básico trazido pelo narrador, fizeram parte da
M1. A narrativa criada oralmente com as interações da sessão
propriamente configurou a M2. Após a sessão de RPG, a sensação das
vivências obtidas, as memórias compartilhadas e as anotações
realizadas foram o momento de M3. A partir daí os participantes
reviveram o processo mimético em nova etapa onde a M3 pós-sessão
de RPG tornou-se parte da M1, a partir da qual fizeram suas criações,
que foram incorporadas aos suportes (M2), refigurando-os (M3) e
convidando outros a vivenciarem o mesmo processo.
Para que esse convite se faça perceptível, essa produção deve
resultar em objetos que, independentemente das linguagens e
tecnologias, prevejam um modo de recepção hipertextual, onde hiper
(hyper) quer dizer expandido, ampliado, segundo Theodor Nelson,
considerado autor do termo no campo da Informática. Neste
hipersuporte, os elementos de cada linguagem (imagens, textos,
sons…) e da tecnologia serão projetados, via Design Poético, para
atuarem como links que podem ou não ser abertos pelos receptores.
4. JUSTIFICATIVA: etapa em que se defende porque se fez o
projeto deste modo, descrevendo todas as etapas no relatório final
56
individual, apresentando e discutindo os resultados e elaborando o
relatório final geral da pesquisa.
Premissas de avaliação da criatividade: pilhagem e antropofagia
As regras do RPG (o ato de jogar) para vivenciar e construir
coletivamente uma história (o ato de narrar) trabalham as seguintes
competências:
- Criatividade: recombinação crítica de repertórios a partir das fantasias
pré-existentes e/ou das necessidades de aplicação para a solução dos
desafios.
- Ética: reflexão crítica sobre o tema, responsabilidade através da
relação de causalidade narrativa (atos e suas consequências),
cooperação e competição na hora certa, vislumbre ou efetivação de
transformações individuais e coletivas, noção de autoria e capacidade
de produção de conhecimento por meio da divulgação do material
produzido.
- Gestão: capacidade de utilizar os métodos, seja para expressão
criativa, por meio do desenvolvimento e incorporação de seu material,
seja permitindo-lhes criar histórias interativas para desenvolver em
outros jogadores as características citadas anteriormente e, portanto,
qualificá-los no seu uso como método didático e/ou projetual, liderança,
trabalho em equipe.
Para avaliar essas competências, tomamos como premissas um
conceito originário da literatura e um conceito originário das artes
57
plásticas: pilhagem narrativa e antropofagia visual, que apresentam-se
abaixo:
Premissa Narrativa: Pilhagem
Roland Barthes (1977) observa que a literatura, por extensão as
narrativas, tem os poderes de mathesis (vários saberes se entrelaçando)
e mimeses (representação do real), destacando seu potencial na
educação. As narrativas permitem o encontro lúdico de diversos saberes
em sua fruição, facilitando a concretização de um trabalho
multidisciplinar ou interdisciplinar. E é nessa leitura crítica que
queremos tocar: uma leitura entendida como uma leitura do mundo
(YUNES, 2002) capaz de promover uma refiguração do sujeito leitor e
de seu contexto (RICOEUR, 1983), levando-o a produzir novos
significados, ou seja, produzindo "a partir de", e não apenas "sobre"
(BARTHES, 1992).
A pilhagem pode ser entendida como um recurso narrativo
contemporâneo de apropriação de repertórios coletivos que são
costurados a partir dos repertórios individuais. Sendo os RPGs formas
de construção e narração coletiva de histórias, nos seus suportes texto e
imagem existem não para serem consumidos acriticamente, mas para
serem, como diria Sonia Mota Rodrigues (1997), “pilhados” pelo
sujeito a fim de serem reconstruídos de acordo com suas experiências
cotidianas, permitindo a concepção de novas imagens e novos textos e
a recriação da realidade.
58
Premissa Visual: Antropofagia.
Em palestra proferida no dia 16/12/12, durante o I FAC:
Reperformance, na Casa de Cultura/UFJF, o artista performático e
professor Lucio Agra buscou demonstrar a necessidade de se construir
não uma definição, mas diferentes definições de performance dentro do
ponto de vista da nossa cultura latino-americana de mestiçagem.
Da fala de Lucio Agra, tomamos posse da proposta de
contaminação do colonizador pelo colonizado, juntamente com outras
propostas, lançadas durante a discussão, como a de tradições móveis,
de Mario de Andrade, e a de experimentar de fato a antropofagia,
movimento tocado pelo tropicalismo, mas não de todo incorporado ao
pensamento poético brasileiro, apesar de muito presente em outros
setores da cultura, sobretudo a música e a street art23.
Em 1929, Oswald de Andrade escreve o Manifesto Antropófago
no qual reelabora o conceito eurocêntrico e negativo de antropofagia
como metáfora de um processo crítico de formação da cultura brasileira.
“[...] Como antropófagos somos capazes de deglutir as formas
importadas para produzir algo genuinamente nacional, sem cair na
antiga relação modelo/cópia, que dominou uma parcela da arte do
período colonial e a arte brasileira acadêmica do século XIX e XX."24.
E que ainda domina certos setores de produção visual, como das
23
http://novo.itaucultural.org.br/materiacontinuum/fevereiro-2012-saga-modernistacompleta-90-anos/ em 07/02/2013
24
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction
=termos_texto&cd_verbete=74&lst_palavras=&cd_idioma=28555&cd_item=8 em
07/02/2013
59
ilustrações para os meios de comunicação de massa, sobretudo os da
indústria do entretenimento.
Assim, acompanhando a pilhagem narrativa, propusemos a
concepção antropofágica do elo de ligação formal entre os suportes do
cenário, sua organização compositiva e estrutural, em cada um dos
suportes, considerando suas especificidades técnicas e materiais e sua
capacidade de significar, de se relacionar com o conteúdo narrativo de
modo hipertextual, ou seja, capaz de abrir vários "links" de informação,
permitindo a abertura deste processo de significação.
O Cenário Terra Nova: Fantasia Antropofágica
O cenário de RPG Terra Nova busca construir uma relação
metafórica/alegórica da colonização geográfica de um continente, com
sua colonização "simbólica", especificamente no que diz respeito à
ambientação concebida pelo linguista britânico J.R.R. Tolkien, a qual
veio a ser a fonte de inspiração para o cenário do primeiro RPG,
Dungeons & Dragons, e para tantos outros. Assim, a Terra Nova, o
"novo continente", seria uma metáfora para o conceito de "fantasia
medieval" (uma colagem de diversas referências) que se desenvolveu
no RPG, a partir da Terra Média (Middle Earth), o "velho continente",
que seria a representação das origens deste conceito de "fantasia
medieval".
Para
mais
informações
visite
o
endereço:
http://www.historias.interativas.nom.br/incorporais/pdfs/terranovaconceito.pdf
60
Desenvolvimento do experimento
O experimento com os estudantes seguiu as etapas do Método
Incorporais, conforme descrito a seguir. As primeiras vivências com o
método e com o cenário aconteceram em uma sala de aula de projetos
do IAD entre dezembro de 2012 e março de 2013, com um grupo de 12
estudantes e dois professores, todos membros do grupo de pesquisa:
1. Conceituação: a partir da leitura do conceito do cenário, disponível
aos participantes no AVA do grupo de pesquisa, fizemos as seguintes
atividades:
-
Montar PERSONAGENS e jogar aventuras de RPG
ambientadas no cenário Terra Nova.
-
Registrar, por meio de diários manuscritos ou virtuais, a
história da personagem e os eventos vividos por ela durante
as aventuras.
-
Materializar a personagem e seu contexto por meio de
concept
arts
registradas
em
cadernos de
esboços
personalizados.
2. Levantamento: atividade em formato de fórum no AVA com links
disponíveis para pesquisa que consistiu de:
-
Com base na conceituação da sua personagem, pesquise
Estilos Visuais que você gostaria de "canibalizar" e mestiçar
com a Arte Nova.
-
Faça também um levantamento iconográfico de locais e
culturas que ache interessantes para misturar ao histórico e
contexto da sua personagem.
61
3. Concepção: alternância de sessões de TNI e Design Poético com
atividades de postagem de produção na forma de tarefas de envio de
arquivo ou texto online e de apresentação presencial dos cadernos de
esboços, entre 11/01/13 e 22/03/2013.
Após esse primeiro contato, fizemos uma interrupção no cenário
Terra Nova para preparar o material a ser levado para a oficina
ministrada no MASH 2013, em Maastricht, Holanda, em julho de 2103,
com
outro
cenário,
denominado
Witchcraft
(http://historias.interativas.nom.br/witchcrafttales),
concebido
Tales
em
inglês. De julho a outubro de 2013 retomamos o cenário Terra Nova
objetivando a preparação do material para a oficina ministrada na
SEMAD, já com base na mencionada reestruturação. Organizamos a
produção anterior (concept arts, textos e cadernos personalizados) de
modo a dela extrair uma identidade visual para os baralhos e para os
cadernos, atividade que se deu na forma de um fórum no AVA.
Finalizamos a produção com a elaboração de artes finais para
cada personagem, que passaram a figurar no baralho de coadjuvantes,
além de serem postadas no blog Notícias da Terra Nova.25 Montamos
14 cadernos, 2 para os mestres e 12 para jogadores, tamanho A5
(fechado) utilizando impressões um preto e branco sobre papel offset
75g, encadernados com papelão e corvim creme, amarrados com
barbante.
Os baralhos, pertencentes aos mestres, foram impressos em
preto e branco (cartas de personalidade) e em cores (cartas de
25
http://historias.interativas.nom.br/gazeta/?page_id=559
62
coadjuvantes) sobre papel vergê palha 250g com verso impresso em
preto e branco. Os baralhos numerais foram reaproveitados do material
da oficina MASH. Este material foi aplicado na oficina descrita a
seguir.
A oficina realizada na SEMAD em novembro de 2013,
aconteceu no recém inaugurado Laboratório Interdisciplinar de
Linguagens (LILi). Ela foi realizada em 3 sessões de 3 horas cada com
um total de 24 vagas. O seu principal objetivo era colaborar no
desenvolvimento da competência “Criatividade” de seus participantes.
A oficina contava com uso da TNI no cenário Terra Nova e Design
Poético. Ao final tivemos 5 participantes. A baixa participação pode ter
tido como causa o nível de comprometimento necessário para a oficina,
3 sessões de 3 horas, o que inviabilizava a participação em outras
oficinas do evento.
Três dos 5 participantes inscritos na oficina
enviaram material finalizado para postagem no blog e um dos
participantes faltou à segunda sessão.
A realização dos materiais para a oficina teve um impacto direto
na mobilização e desenvolvimento das competências de Criatividade,
Ética e Gestão, dos estudantes do grupo de pesquisas que os elaboraram.
Influência do método na produção e na aprendizagem, desde as
primeiras vivências até a oficina SEMAD
Avaliando a produção dos estudantes e por meio de entrevistas
semiestruturadas verificamos os seguintes resultados:
63
-
(A): sentiu necessidade de fazer pesquisa para refinar a
personagem; o irmão (11 para 12 anos - sexto ano)
pesquisou geografia e mitologia, inclusive conteúdo que ele
estava estudando na escola no momento para auxiliá-la na
elaboração de um mapa de Terra Nova.
-
(B) e (C): fez diferença para eles ter afetividade e prazer
como motivadores para pesquisar coisas que nunca teriam
pesquisado.
-
(D) e (A): trabalharam questões pessoais e psicológicas na
sua produção.
-
(D): a primeira versão da personagem foi burocrática;
quando assumiu seus desejos, a relação com a personagem
ficou prazerosa e interessante; o método facilitou desenhar
a partir de referências, coisa que não gosta de fazer; achou
bom poder mudar e agregar coisas à personagem conforme
foi jogando; gostaria que as consciências participassem mais
por meio da própria narrativa; auxílio ao jogador, e não à
personagem; sentiu falta de ver a produção dos colegas;
achou que a produção foi pouca por parte deles mesmos.
-
(E): pesquisar coisas contemporâneas e misturar com
Fantasia foi prazeroso.
-
(F): criou a personagem com base no fato de ele ser jogador
iniciante, transferindo isso para a inexperiência da
personagem; pesquisou o cenário e fez uma conexão com a
Bahia; escolheu como referência estilística a paleta de cores
da ilustradora Lisa Frank.
64
-
Carlos (professor colaborador): viu um aumento de
produção quando houve meta clara (prazo, obrigatoriedade
etc) e não duvida que a equipe foi influenciada
positivamente.
-
Eliane (professora do IAD-UFJF): sugeriu a realização de
um "teste antropofágico" para analisar e avaliar a produção,
realizado ao final do experimento.
Teste Antropofágico: Análise dos Resultados
Concentramos a análise nas artes finais das cartas de
coadjuvantes, produzidas pelos membros do grupo de pesquisa e por
uma participante da oficina e na produção dos outros dois participantes
da oficina que resultaram em textos escritos.
Premissas do cenário:
-
Antropofagia
visual:
recombinação
de
repertórios
iconográficos e estilísticos do cenário com repertórios
iconográficos e estilísticos do/a participante, mobilizados
e/ou apropriados.26
-
Pilhagem Narrativa: recombinação de repertórios narrativos
do cenário para com repertórios narrativos do/a participante,
mobilizados e/ou apropriados.
Perguntas respondidas coletivamente:
26
Repertórios mobilizados narrativos, iconográficos e estilísticos: são todos os
repertórios dos participantes anteriores à oficina; repertórios apropriados narrativos,
iconográficos e estilísticos: apresentados e/ou adquiridos no decorrer da e após a
oficina.
65
1.
Houve mobilização e/ou apropriação de estilos visuais
que não apenas o estilo de base (art noveau)
disponível? Quais?
2.
O estilo visual da carta apresenta satisfatoriamente o
conceito do cenário?
3.
Houve mobilização e/ou apropriação de iconografia
que não apenas a iconografia tolkieniana disponível?
Quais?
4.
A iconografia da carta descreve satisfatoriamente o
conceito da personagem?
Os resultados são descritos pelo nome da personagem retratada na carta.
Personagem
Respostas
Verona
1. Não.
2. Sim: as cores dão sensação de fantasia não
europeia.
3. Vivienne Westwood e João Pimenta (estilistas) e
Steam Punk.
4. Linguagem corporal, arma, cores.
Iridês
1. Sim: Romero Britto, Abdias Nascimento.
2. Sim: cores; vestuário; tropicália.
3. Sim: folclore.
4. Sim.
Harry
1. Não.
66
2. Não.
3. Sim (ver referências).
4. Parcialmente; falta o aspecto "malandro".
Tiana
1. Sim: medieval/ gótico.
2. Sim: vestuário, mobília, estampa.
3. Sim: fisionomia, idem 1.
4. Sim: linguagem corporal.
Landaus
1. Nem art nouveau.
2. Não: muito Game of Thrones; pouco tropical.
3. Parcialmente.
4. Parcialmente: falta detalhamento,
individualização.
Sheherazade
1. Sim.
2. Sim.
3: Sim; folclore árabe; folclore brasileiro.
4. Parcialmente; falta o aspecto mágico.
Athos
1. Sim: pré-colombiano.
2. Sim: vestuário, acessórios, estampas; indígena;
semita.
3. Sim.
4. Parcialmente; o aspecto comerciante não está
muito evidente.
Florenti
1. Sim: estilo pessoal; Disney.
2. Parcialmente; muito "Game of Thrones".
3. Sim.
67
4. Parcialmente; falta o aspecto mágico; vestuário
não funcional.
Aruma
1. Sim, rupestre, indígena.
2. Sim.
3. Sim, idem 1.
4. Não, falta vestuário, equipamento; pode ser tanto
mateiro quanto xamã.
Deleite
1. Sim, cordel, modernismo, arte africana.
2. Sim, chita.
3. Sim, idem 1, vestuário, estampa, fisionomia.
4. Não, faltam as armas e linguagem corporal.
Helea
1, 2 e 3. Sim.
4. Não, falta linguagem corporal e vestuário, mostra
só a garçonete, não a guerreira.
Asa
1. Sim, pré-colombiana.
2 e 3. Parcialmente, a iconografia pré-colombiana
perde força diante do restante.
4. Não, falta linguagem corporal e equipamento.
A nossa análise revelou que houve de fato um processo de
pesquisa e combinação de diferentes repertórios pelos alunos na
elaboração dos materiais por eles apresentados nos diferentes suportes
narrativos. Após os resultados do teste, alguns dos estudantes refizeram
suas cartas.
Por meio de entrevistas não estruturadas verificamos que os
estudantes consideraram a atividade interessante e propulsora do
68
desenvolvimento das competências em questão somada à de produção
de imagens significativas, sendo também esta a nossa percepção após a
avaliação do material por eles produzido. A atividade trouxe uma
alternativa produtiva às aulas expositivas e já está em andamento na
disciplina Ilustração do primeiro ciclo do Bacharelado Interdisciplinar
em Artes e Design da UFJF e na disciplina Oficina de Projeto de
Material Didático da Licenciatura em Artes Visuais, do segundo ciclo.
Referências Bibliográficas
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69
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PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde a escola.
Tradução: Bruno Charles Magne. Porto Alegre: Artes Médicas Sul,
1999.
70
JOGO E COMUNICAÇÃO:
O RPG COMO MÍDIA
Matheus Capovilla Romanetto27
RESUMO:
Partindo de um contraste entre formulações teóricas clássicas a
respeito do caráter sócio antropológico do jogo, o artigo procura
investigar alguns componentes da interação lúdica que podem
contribuir para diferenciá-la como forma específica de relação social,
especificamente no caso do RPG de mesa.
PALAVRAS CHAVE: RPG; Comunicação; Jogo; Linguagem; Ação.
ABSTRACT:
After discussing some classic formulations on the socioanthropological character of the game, the article investigates
components of the interaction between players which might contribute
to differentiate it as a specific form of social relation, specifically in the
case of RPG board.
KEYWORDS: RPG; Communication; Game; Language; Action.
27
Graduando em Ciências Sociais, com habilitação em Sociologia, pelo Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas
(IFCH/UNICAMP).
71
Introdução – Formulação de um problema
Huizinga aponta, em seu Homo ludens, que “as comunidades de
jogadores tendem a tornar-se permanentes, mesmo depois de acabado o
jogo”28, formando clubes, institucionalizando de algum modo sua vida
comum. Ora, certamente vários dos jogadores e pesquisadores do
universo do Role-Playing Game, ou RPG, já tiveram ocasião de
conhecer grupos que confirmavam essa impressão. Se nos
permitíssemos sustentar sobre esse tipo de evidência anedótica à crença
em Huizinga, teríamos ocasião de levantar o problema sociológico mais
sério de tentar compreender: de onde emana tal propensão? Quais
aspectos da atividade lúdica – supondo-se que é nela que se encontra o
segredo do vínculo comunitário – deveriam ser apontados como
responsáveis pela durabilidade das relações entre seus jogadores? Uma
pesquisa que, partindo de tais premissas, pretendesse esgotar o assunto,
deveria dispor-se a reconstruir a história da formação desses grupos;
buscaria, na interação entre o sentido privado da participação de cada
jogador, de um lado, e a estrutura do jogo, de outro, o esquema de
relações que faculta aos participantes de uma partida, a extensão de seus
laços para além do tempo e do espaço da brincadeira. Não sendo
possível um esforço de tamanha dimensão, creio que alguns traços de
minha vivência, tanto como jogador quanto como observador, reunidos
no curso dos anos, e elaborados em torno de um conjunto de referências
teóricas clássicas, podem ajudar a apresentar um caminho para a
28
HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo:
Perspectiva. 1971. p. 15.
72
solução daquele enigma. Antes, porém, é necessário formulá-lo de
maneira mais precisa.
A “comunidade de jogadores”, tal como a concebe Huizinga, é dotada
de algumas características peculiares. Segundo o historiador, é próprio
da experiência de seus integrantes que possuam certa “sensação de estar
‘separadamente juntos’, afastando-se do resto do mundo e recusando as
normas habituais” – fenômeno este que “conserva sua magia para além
da duração de cada jogo”29. Esses grupos são marcados ainda por uma
“tendência a rodearem-se de segredo e a sublinharem sua diferença em
relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou de outros meios
semelhantes”30. Tanto na esfera da experiência subjetiva do lúdico,
quanto na das manifestações simbólicas do vínculo que ele ajuda a criar,
o tipo que Huizinga faz da relação entre os jogadores tende
simultaneamente a uma aproximação entre os indivíduos inseridos na
atividade, e ao seu afastamento em relação àqueles que não participam
do jogo.
Essas duas qualidades parecem encontrar uma síntese adequada
na noção de que o jogo estimula a diferenciação de seus membros em
relação às formas de cultura que os rodeiam. O mais importante para
nossos fins é notar que, segundo o autor, esse efeito do elemento lúdico
conserva-se mesmo quando os jogadores não se encontram no interior
da partida. Mais que isso: o “domínio lúdico” chega a ser elevado a
modelo de todos os “agrupamentos sociais permanentes”, e isso
29
30
Ibid., p. 15.
Ibid., p. 16.
73
“sobretudo nas culturas arcaicas, com seus costumes extremamente
importantes, solenes e sagrados”31.
A súbita aparição dessa referência etnológica explicita a
necessidade de remeter a ideia de “diferenciação” ao conceito
específico de “jogo” construído por Huizinga. Se as culturas ditas
arcaicas logram apresentar-se como exemplo da constituição de uma
“comunidade de jogadores”, é porque a noção de “lúdico”, tal como
formulada pelo historiador, abrange um domínio muito maior do que
aquele que geralmente denotamos por “jogo”, no uso comum do termo
português. A fórmula de Huizinga inclui manifestações religiosas,
como o ritual e o culto32, e também artísticas, como o teatro e a
execução musical33; flerta eventualmente – mas não necessariamente –
com o humor e o riso34, guardando, enfim, uma relação equívoca com
o fenômeno da seriedade35. Tanto quanto o jogo pode representar um
momento de “relaxamento das tensões da vida quotidiana”36, é possível
que seja vivido num estado de completa apreensão. Ele é capaz de
“absorver o jogador de maneira intensa e total”37, pois envolve sempre
a incerteza quanto aos resultados da partida – principalmente quando
ela toma a forma de uma competição entre os indivíduos. Nesses casos,
a honra dos jogadores entra em disputa, e o comportamento de cada um
evidencia “o desejo de ser melhor que os outros, de ser o primeiro e ser
31
Ibid., p. 15.
Cf. Ibid., p. 23.
33
Cf. Ibid., p. 8 e p. 44.
34
Cf. Ibid., p. 9.
35
Cf. Ibid., p. 8.
36
Ibid., p. 226.
37
Ibid., p. 16.
32
74
festejado por esse fato”38. Aquilo que, em última instância, deve
culminar na formação de um sólido laço entre os jogadores, é mediado,
na performance da partida, por um profundo elemento agonístico, que
Huizinga interpreta como expressão da necessidade que sentem os
homens de lutar.
A aparente contradição entre o caráter combativo da
competição, de um lado, e a conotação positiva da “diferenciação” a
que tendem as comunidades de jogadores, de outro, resolve-se em um
aspecto importante dessa tendência belicosa. Para Huizinga, o
componente agonístico fica estritamente circunscrito à duração da
atividade lúdica. O jogo apresenta-se sempre como evento que “não tem
contato com qualquer realidade exterior a si mesmo [...] e contém seu
fim em sua própria realização”39. Por isso, o sentido do conflito só se
preserva no processo da partida, extinguindo-se tão logo ela tenha fim;
e a constituição do vínculo comunitário, que sobrevive a esse término,
deve ser antes entendida como consequência colateral do que como
finalidade do lúdico. Traduzindo a tese para o jargão sociológico
clássico, poder-se-ia dizer que a sedimentação das relações do grupo é
função do jogo, mas não o seu sentido imediato. Ele “naturalmente
contribui para a prosperidade do grupo social, mas de outro modo, e
através de meios totalmente diferentes da aquisição de elementos de
subsistência”,
ou
da
“satisfação
imediata
das
necessidades
biológicas”40. Não pode, portanto, ser explicado por nenhum tipo de
38
Ibid., p. 58.
Ibid., p. 226.
40
Ibid., p. 12.
39
75
reducionismo biopsicológico, devendo ser considerado como fenômeno
da ordem da cultura, dotado de significação e sentido próprios.
O aspecto anti-utilitário do jogo, sua caracterização como
atividade “desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual
não se pode obter qualquer lucro”41 é, aliás, um dos atributos que
permitem a Huizinga englobar num só conceito dimensões tão
diferentes da cultura quanto as que mencionamos. O historiador crê que,
ao lado de sua qualidade desinteressada, o que têm em comum o jogo
de tabuleiro, o ritual e o teatro, é uma série de características facilmente
enumeráveis. Em primeiro lugar, todos eles são empreendidos de
maneira voluntária42. Em segundo lugar, são praticados dentro de um
tempo e de um espaço próprios, “previamente delimitado(s), de
maneira material ou imaginária, deliberativa ou espontânea”43, que
circunscrevem um domínio separado do cotidiano. O jogo “transfere os
participantes para um mundo diferente”44, e por isso mesmo “tem, por
natureza, um ambiente instável”45. A realidade ameaça constantemente
violar a cooperação lúdica, desfazendo o feitiço que a segrega da vida
comum.
Uma terceira característica de todas as formas de jogo é que elas
se organizam “segundo uma certa ordem e certas regras”46 – o que as
torna, para Huizinga, aparentadas ao terreno da estética e da beleza.
Algumas qualidades que já mencionei antes – a relação equívoca com
41
Ibid., p. 16.
Cf. Ibid., p. 10.
43
Ibid., p. 13.
44
Ibid., p. 22.
45
Ibid., p. 24.
46
Ibid., p. 16. Grifo meu.
42
76
a seriedade, de um lado, e a própria tendência à formação de
comunidades, de outro – completam, finalmente, o quadro de atributos
comuns a esses fenômenos. No que concerne aos princípios que
governam a ação interior a eles, pode-se reduzi-los a uma dupla de
fatores básicos. Em todo empreendimento lúdico, acontece “uma luta
por alguma coisa ou a representação de alguma coisa”, podendo haver
uma mistura entre essas duas funções, de modo que o jogo passe a
“‘representar’ uma luta, ou, então, se torne uma luta para melhor
representação de alguma coisa”47. Nesses casos, confunde-se a ânsia
humana de lutar com sua faculdade de imaginar. “Representar”, para
Huizinga, “significa mostrar, e isto pode consistir simplesmente na
exibição, perante um público, de uma característica natural”48. Mas
também pode envolver a exposição de atos ou objetos que não estão
realmente presentes no cenário – e então eles efetivamente se tornam
presentes por meio do jogo. “Mais do que uma realidade falsa, sua
representação é a realização de uma aparência: é ‘imaginação’, no
sentido original do termo”49. Imaginação e conflito compõem o que
poderia ser enfim descrito como aquilo que faz do lúdico o que ele é: o
divertimento, o aspecto que torna o jogo, em última instância, uma
atividade “irracional”50.
Formulado a partir dessas ideias, o problema de definir a
natureza específica das relações entre jogadores ficaria reduzido à tarefa
de descobrir: Como é possível que a atividade imaginativa (e
47
Ibid., p. 16-17.
Ibid., p. 17.
49
Ibid., p. 17.
50
Ibid., p. 6. Ver também, para o conceito de divertimento, a página 5.
48
77
eventualmente competitiva), circunscrita a seu interior como uma
finalidade em si mesma, seja capaz de vincular os jogadores entre si
também nos intervalos entre os jogos? Isto é: dever-se-ia pesquisar que
mecanismos específicos facultariam aos indivíduos sustentar uma
nítida diferença em relação às demais pessoas, mesmo quando a
separação mágica entre cotidiano e jogo já se extinguiu. A solução
dessa questão coincidiria, na verdade, com a solução do problema da
cultura em geral. Embora contrário à ideia de que toda forma de
atividade humana constitui um jogo, Huizinga não deixa de atribuir ao
elemento lúdico um papel determinante na formação das sociedades
humanas. Presente já em outras espécies biológicas, ele constitui como
que a passagem da natureza à cultura, o substrato inicial, a forma de
relação primordial a partir da qual a civilização pôde se desenvolver
(ainda que, em tempos mais recentes, tenha se tornado crescentemente
independente dessa sua raiz)51. O jogo, lembra o autor em seu
“Prefácio”, não é elemento na cultura, mas elemento da cultura52. Ele
subsume as propriedades essenciais que permitiram à humanidade criar
as instituições que a distinguem dos outros animais – ainda que o lúdico,
estando já presente entre eles, ateste também ali a presença do espírito,
daquela parcela do mundo que não se submete ao mecanicismo das leis
naturais53.
Um bom ponto de partida para responder a questão assim
elaborada talvez se apresentasse na clássica etnografia de Geertz sobre
51
Ibid., p. 229.
Cf. Ibid., p. I.
53
Cf. Ibid., p. 6.
52
78
a briga de galos balinesa. Ali, o jogo se eleva à metonímia de toda a
cultura local; apresenta, na forma enxuta de “uma ficção, um modelo,
uma metáfora”54, aquilo que há de mais essencial no temperamento
nativo. Assim como os jogos de Huizinga, a rinha balinesa possui uma
misteriosa capacidade “absorvente”: engaja os participantes na ação
tanto mais quanto maior é o risco da competição entre os galos 55.
Reaparece também a separação entre a atividade lúdica e o cotidiano:
os competidores estão sempre cientes de que sua interação se dá numa
espécie de domínio de “faz de conta”, de que nada do que acontece ali
dentro altera efetivamente as relações entre eles em qualquer outro
momento56.
Tão logo se enunciam as teses de Geertz, entretanto, as
divergências entre sua concepção e a do historiador holandês tornamse evidentes. Enquanto, para Huizinga, o conceito de jogo absorve
algumas das formas dos fenômenos culturais estéticos, a análise de
Geertz leva-o à conclusão de que o “jogo absorvente” é melhor
compreendido se o entendemos como uma “forma de arte”, uma “forma
expressiva”57 – e isso o enquadra como algo de natureza diferente, tanto
do “rito”, quanto do “passatempo”58. Mesmo a rígida separação entre o
domínio do jogo e o domínio do cotidiano sofre aqui algum desgaste.
Conquanto seja percebida pelos jogadores como realidade separada da
vida comum, a rinha caracteriza-se menos por uma estrutura interna
GEERTZ, Clifford. “Capítulo 9: Um jogo absorvente: notas sobre a briga de galos
balinesa”. In: A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC. 2008.
55
Ibid., p. 204.
56
Cf. Ibid., p. 206.
57
Ibid., p. 206-7.
58
Ibid., p. 210.
79
54
desprotegida diante da interferência de fatores exógenos, e mais como
uma forma de “reunião concentrada” – conceito de Goffman que Geertz
mobiliza para indicar um tipo de contato social “insuficientemente
consistente para ser chamado de grupo e insuficientemente
desestruturado para ser chamado de multidão”59. O trânsito (da ação)
entre o interior e o exterior do jogo tem uma liberdade maior. E, o que
é mais importante, também o trânsito simbólico entre esses espaços
apresenta-se como fator explicativo imprescindível. É apenas em
referência a motivos oriundos dos conflitos reais entre os balineses que
a rinha encontra seu sentido cultural. Ela constitui, fundamentalmente,
“uma dramatização das preocupações de status”60 – isto é, uma
ilustração dos traços agonísticos que a própria estrutura social da
Indonésia impõe às relações entre indivíduos. Essa mediação entre o
exterior e o interior ao lúdico é dada por uma “semântica social”61, um
sistema simbólico que alimenta simultaneamente esses dois espaços,
sem respeitar as fronteiras que Huizinga imputava à brincadeira. Em
consequência disso, se admitirmos a visão de Geertz, redundamos na
ironia de que, precisamente os fatores de sua análise que poderiam nos
auxiliar a entender a continuidade das relações entre jogadores na vida
real, acabam por arruinar a perspectiva de nos ater à problemática do
lúdico em sua formulação huizingiana.
Para o antropólogo americano, o que permite à rinha que opere
como tradução das relações sociais reais é, em primeiro lugar, a
59
Ibid., p. 193.
Ibid., p. 202. O grifo é meu.
61
Ibid., p. 210.
60
80
identificação dos donos dos galos com seus animais62. Atividade
praticada apenas pelos homens, o jogo absorvente encontra na figura do
galo um curioso representante do pênis, e através dele, de todo o
orgulho masculino dos jogadores, componente relevante na definição
de seu status, ou prestígio social. Ao mesmo tempo, a violência com
que as aves se altercam simboliza, para os balineses, a animalidade mais
radicalmente oposta a tudo que identificam como tipicamente humano
e civilizado63. Postas essas relações ambivalentes, pode-se dizer que
“[é] apenas na aparência que os galos brigam ali – na verdade, são os
homens que se defrontam”64. A partir desse miolo, a luta por status
irradia para todos os demais observadores da rinha, conforme sua
relação (de parentesco ou afinidade) com os donos dos galos. Constróise toda uma ética para presidir às apostas referentes às brigas entre os
animais, cuja base não se encontra em algum tipo de “regra interior” ao
jogo, e sim nas relações comuns entre os indivíduos. Assim, requer-se
de amigos e parentes que tomem o partido de seus respectivos colegas
e
consanguíneos;
similarmente,
aqueles
que
se
apresentam
cotidianamente como rivais investem freneticamente contra os galos de
seus oponentes65. Apostar contra a ave de um oponente é apostar contra
sua masculinidade, seu orgulho, seu valor. O risco da aposta monetária
fica potencializado pelo combate social implícito ao confronto entre os
animais, e apenas aí se encontra a explicação para a força com que a
rinha absorve a atenção dos participantes.
62
Cf. Ibid., p. 188.
Cf. Ibid., p. 190.
64
Ibid., p. 188.
65
Cf. Ibid., p. 202-204.
63
81
Apesar de todo esse simbolismo, a briga de galos não pode, para
Geertz, ser entendida como processo de regulação social. E isso porque,
em seu caráter dramático, a rinha submete-se ao que vale para qualquer
outra “forma expressiva”: “só vive em seu próprio presente – aquele
que ela mesma cria”66. O trânsito simbólico entre vida cotidiana e jogo
seria ainda insuficiente para compreender qualquer forma de eficácia
do lúdico sobre a conformação das relações entre jogadores – pois,
segundo o autor, essa eficácia não existe. No fim das contas, a separação
entre a rinha e o real triunfa: pois “não se modifica realmente o status
de ninguém”67. Daí que o jogo não possa ser interpretado em termos
funcionais (relativamente à manutenção do prestígio social), mas
apenas como “comentário metassocial sobre todo o tema de distribuir
os seres humanos em categorias hierárquicas fixas e depois organizar a
maior parte da existência coletiva em torno dessa distribuição”68.
A briga de galos aparece então como texto cultural, como
reflexão da sociedade sobre suas próprias bases. Os balineses
descobrem em seus galos uma imagem das paixões que secretamente
governam suas relações, por sob a fria polidez civilizada de cada dia. A
função dos animais não é, portanto, “nem aliviar as paixões sociais nem
exacerbá-las”, mas pura e simplesmente “exibi-las em meio às penas,
ao sangue, às multidões a o dinheiro”69. A rinha, finalmente, “não
significa uma imitação da pontuação da vida social balinesa, nem uma
66
Ibid., p. 207.
Ibid., p. 206.
68
Ibid., p. 209. O grifo é meu.
69
Ibid., p. 206. O grifo é meu.
67
82
representação dela, nem mesmo uma expressão dela – é um exemplo
dela, cuidadosamente preparado” 70, e nada mais.
O que resgata o jogo de Geertz de sua aparente ineficácia social
é a própria articulação semântica por meio do qual ele se apresenta
como forma de arte. Se os galos são tão eloquentes em representar a
violência latente da cultura balinesa, é porque, como toda forma
expressiva, atuam “desarrumando os contextos semânticos[,] de tal
maneira que as conveniências impostas convencionalmente a certas
coisas são impostas não convencionalmente a outras, as quais são
vistas, então, como as possuindo, realmente”71. A rinha ilumina traços
ocultos da convivência de Bali ao deslocá-los e apresentá-los como
atributos de novos referentes – não mais os homens, mas os animais. A
partir de então, ocorre como que uma “utilização da emoção para fins
cognitivos”72. A excitação, o desespero, o prazer sentidos pelos homens
durante as brigas comunicam, no instante de sua vivência, a semelhança
entre a cena que presenciam e a constituição de sua sociedade, de seu
próprio arranjo subjetivo. Ora, ocorre que, “porque essa subjetividade
não existe até que seja organizada dessa forma, as formas de arte
originam e regeneram a própria subjetividade que elas se propõem
exibir”73. Na recepção estética da pequena encenação animal de sua
cultura, os balineses reproduzem a forma de sensibilidade que os
constitui como representantes daquela sociedade.
70
Ibid., p. 208. O grifo é meu.
Ibid., p. 209.
72
Ibid., p. 210.
73
Ibid., p. 211. O grifo é meu.
71
83
A interpretação de Geertz traz algumas lições para uma
reformulação de nossa questão inicial. Em primeiro lugar, lembra-nos
de que não chegaremos muito longe se, como Huizinga, nos deixarmos
seduzir pela conotação positiva que a sociologia clássica imputou ao
conceito de “comunidade”. Num jogo como o balinês, a belicosidade
entre os indivíduos existe, não apenas no escopo do imaginário, mas
também no da “realidade” social propriamente dita. Afinal, não se pode
excluir a violência como fundamento de contatos sociais duradouros.
Ela pode produzir vínculos tão sólidos quanto a colaboração – ou,
formulado à moda de um velho enunciado psicanalítico: “os
sentimentos hostis constituem um vínculo emocional, tanto quanto os
afetuosos, assim como a atitude desafiadora indica a mesma
dependência que a obediência, mas com o sinal trocado”74. A produção
de laços colaborativos entre jogadores deve ser entendida como um
caso particular, dentre outros possíveis, e que exigem igualmente uma
explicação.
Uma segunda lição geertziana é que, não só o trânsito entre
cotidiano e jogo é possível, como às vezes constitui a condição para que
a atuação dos jogadores tome a forma que toma. É preciso investigar
em que circunstâncias o jogo se desenrola conforme suas necessidades
interiores, mas também em quais outras ele sofre interferência de
motivos externos. Aqui, como no parágrafo anterior, assumo que a
melhor alternativa é tentar explicar cada caso de maneira simétrica e
FREUD, Sigmund. “A transferência”. In: Conferências introdutórias à
psicanálise (Obras completas, volume 13). São Paulo: Companhia das Letras. 2014.
p. 587.
74
84
estrutural; isto é, que devemos chegar a bons resultados se procurarmos
conceber cada manifestação empírica do lúdico como um arranjo,
dentre outros possíveis, de um conjunto de elementos comuns, aos quais
esperamos poder remeter a totalidade dos casos.
Um curioso retrato dessas concepções encontra-se – desde que
me permitam a metáfora – em um antigo texto de Mauss, preocupado
com assuntos muito diversos dos que aqui nos interessam. Discorrendo
sobre os fenômenos de civilização (isto é, de empréstimos culturais, e
de subsequente formação de comunidades culturais internacionais), já
o antropólogo apontava, de um lado, que a produção dessas
comunidades pode dar-se mediante “contatos prolongados, amigáveis
ou belicosos” – “porque a guerra, por necessidade, é uma grande
emprestadora”75; de outro lado, que explicar os caminhos percorridos
pelos elementos típicos de cada civilização exige que nos atentemos,
não só àquilo que efetivamente aconteceu historicamente, mas também
ao que não aconteceu. “O domínio do social”, diz Mauss, “é o domínio
da modalidade”76.
Toda conformação cultural representa uma possibilidade dentre
outras, de modo que, na consideração dos empréstimos entre
sociedades, é preciso também levar em conta o “não-empréstimo, a
recusa do empréstimo mesmo útil”77. Acredito que, similarmente, a
problemática da natureza do vínculo entre os jogadores não estará bem
formulada
se,
concentrando-nos
apenas
nas
“comunidades”
MAUSS, Marcel. “As civilizações – elementos e formas”. In: Ensaios de
sociologia. São Paulo: Perspectiva. 1999.
76
Ibid., p. 486.
77
Ibid., p. 487.
75
85
organizadas de maneira colaborativa, deixarmos de lado aquelas que
incorporam, também na vida exterior ao jogo, seu elemento conflituoso;
ou se excluirmos as comunidades que não se formaram, os jogos que
não tiveram sucesso em cumprir com a “tendência” criativa que a tese
de Homo ludens lhes atribui. Questionar-nos a respeito dos
componentes do lúdico que estimulam a produção de comunidades
exige que nos perguntemos, simultaneamente, sobre aqueles seus
elementos que resistem a esse resultado. Segundo me parece, apenas na
compreensão das contradições possíveis entre esses fatores, e das várias
formas híbridas possíveis entre a pura colaboração e o puro conflito,
será possível encontrar uma resposta adequada ao enigma sugerido por
Huizinga.
Não é por acaso que nomeio minha problemática com o
sobrenome do historiador holandês. A aparição desse autor em toda a
primeira metade desta seção não tem apenas a função de criticá-lo sob
as prerrogativas da hermenêutica cultural. Se é verdade que Geertz
permite atualizar algumas das teses de Huizinga, é também verdade que
uma análise inspirada exclusivamente em suas conclusões tornaria
impossível a formulação do problema que nos propomos. Para o
antropólogo americano, não apenas o jogo, mas toda “ a cultura de um
povo é um conjunto de textos”78. Sua técnica interpretativa acaba
diluindo o lúdico como apenas uma forma dentre outras de auto
ilustração da cultura: com isso, a questão de investigar o que há de
específico na interação entre jogadores deixa o horizonte da pesquisa.
78
GEERTZ, Clifford. Op. Cit., p. 212.
86
Se continuo a sustentá-la como uma pergunta pertinente, é porque creio
que a empiria – aquilo que anteriormente sinalizei como a “evidência
anedótica” de minhas pesquisas e das de outros – dá indícios de que
pode haver aí algo de interessante a se descobrir. Feitas todas as
correções e petições de princípio, o problema com que nos deparamos
deixa de ser uma busca sobre os elementos do jogo que tenderiam à
produção de relações humanas duráveis e diferenciadas, e passa a ser
algo de natureza mais ampla: – Há algo de específico nas relações entre
jogadores? Se houver, qual é essa especificidade? Que formas essas
relações tomam, e em que circunstâncias? Segundo quais mecanismos
elas o fazem?
A continuação deste texto propõe-se, não como resposta para
esses enigmas de grande alcance, mas como contribuição parcial à sua
futura resolução, a partir da experiência com um tipo específico de jogo:
o RPG de mesa, usualmente jogado a partir de um cenário e um
conjunto de regras fornecidas em livro, com o auxílio de fichas de
personagem e instrumentos de cálculo de probabilidades (dados, cartas,
fórmulas matemáticas) que coordenam, ao todo ou em parte, a ação dos
jogadores, orientada à construção coletiva de uma ou mais narrativas.
Naturalmente, a variedade de regras e finalidades possíveis em cada
jogo, redobrada pelo fato de que os jogadores podem sempre selecionar
as normas e propostas que mais lhes convêm, exige uma atenção
especial às configurações específicas que as partidas tomam, de caso a
caso. Minha expectativa é que as proposições seguintes, situadas em um
plano de abstração razoável, sejam capazes de ordenar de maneira
proveitosa essa multiplicidade de performances reais. O leitor notará
87
que mesmo alguns dos RPGs que utilizo em minha explicação escapam,
de algum modo, ao modelo rapidamente esboçado nas últimas linhas.
Confio também à crítica deste texto a possibilidade de verificar em que
casos minha elaboração se revela insuficiente, ou mesmo de estendê-la
a situações para as quais não estava prevista (os LARPs – Live Action
Role-Playing Games –, quiçá também outros gêneros de jogo).
Finalmente, no que concerne à própria diferença do conceito de
jogo em Geertz, Huizinga e outros autores, também não disponho de
solução definitiva. As relações entre o lúdico, o estético, o religioso, e
diversas outras formas de manifestação cultural, constituem uma
polêmica viva em vários domínios da teoria social, e o parcimonioso
material de que disponho seria insuficiente para qualquer avanço de
fôlego na controvérsia. Nem por isso deixarei de apontar, muito
brevemente, quando julgar pertinente, alguns contrapontos entre o RPG
e outros empreendimentos coletivos, que podem vir a ser de utilidade.
Postas as ressalvas, avancemos ao problema.
RPG como negociação
O ponto em que a formulação de Geertz exclui uma
interpretação do jogo como produtor de relações sociais é aquele em
que se revela sua dependência da existência anterior de contato entre
os jogadores. Todo o simbolismo da rinha só encontra sua eficácia
parcial porque os participantes daquele evento mantêm, antes da briga
como depois, contatos sociais de outras naturezas. Olhado dessa
perspectiva, o lúdico só consegue ser visto como algo que reproduz uma
88
índole cultural já existente. Ora, uma das características marcantes de
algumas formas de jogo – o RPG incluso – é justamente sua
independência de contatos pessoais prévios entre os indivíduos para que
a partida consiga se organizar. Fiando-se nas regras ou convenções
acerca de como a ação deve suceder, completos desconhecidos são
perfeitamente capazes de levar adiante uma tarde satisfatória de
entretenimentos. É possível constatar esse caráter auto organizativo das
regras em eventos de divulgação ou comercialização de jogos, em que
os visitantes partilham suas experiências em contexto de relativo
anonimato. Às vezes isso é possível até mesmo com jogos que nunca
foram provados antes – isto é, com regras que estão sendo aprendidas e
aplicadas pela primeira vez. Outro caso é aquele em que um círculo de
jogadores recebe um iniciante, e ele é capaz, a despeito do anterior
desconhecimento daquelas pessoas ou da forma de atividade que
empreende, de integrar-se mais ou menos bem à ação.
Apontamentos como esses estimulam-nos a estratificar melhor
a questão com que estamos lidando. Quando nos perguntamos sobre a
continuidade das relações entre jogadores no tempo, é possível pensar
em pelo menos três casos: (i) jogadores que se encontram
exclusivamente para fins de jogo; (ii) jogadores que já tinham algum
tipo de vínculo anterior, e integraram a atividade lúdica às suas demais
formas de contato; (iii) jogadores que se conheceram enquanto tais, e
em seguida expandiram suas formas de interação para domínios extralúdicos. É de se esperar que a multiplicidade de biografias possíveis
frustre um ordenamento tão regular dos fatos. Considero, apesar disso,
89
que essa divisão ajuda a especificar um caminho para trabalhar os temas
que propus.
Em situações como a do primeiro caso, a tentativa de especificar
os componentes definidores da relação entre jogadores envolve
perguntas como: “por que os indivíduos voltam a se encontrar? É
apenas pelo divertimento, ou há algo mais na interação que os estimula
ao retorno? Chega a ser relevante, de um ponto de vista de subjetivo,
que estejam jogando precisamente com aquelas pessoas, e não com
quaisquer outras?”. – No segundo caso, um conjunto de dúvidas iniciais
envolveria os seguintes pontos: “a prática do jogo implica uma
mudança na forma como as relações se desdobravam anteriormente? Se
sim, de que maneiras isso acontece? Que lugar toma o jogo na vida
daquele grupo, desde que sua prática passa a ser cultivada?”. – O
terceiro caso, segundo me parece, incorpora questões muito similares
às do segundo, com o detalhe de que agora seria importante precisar,
dada a ausência de um parâmetro inicial quanto às formas de relação
entre aquelas pessoas, se é possível efetivamente apontar uma ação do
jogo sobre as demais empresas comuns do grupo, ou se aquela
“expansão” deve ser considerada como um processo independente,
desvinculado do tipo de contato estabelecido em contexto lúdico.
Infelizmente, não disponho de narrativas sobre a formação de
grupos reais de jogadores, nem em quantidade, nem em qualidade
suficiente para uma consideração separada de cada um desses casos
possíveis. Por isso, minha estratégia para chegar ao menos a uma
solução parcial será uma tentativa de apontar se, formal e
abstratamente, é possível enxergar alguma forma de homologia ou
90
comunicação entre o âmbito do jogo e outros terrenos de interação entre
os jogadores, que viabilize a “expansão” de determinados padrões de
ação e pensamento a domínios da experiência diferentes daqueles em
que eles se originaram.
É conveniente, para uma formulação precisa do argumento, que
retomemos a velha distinção weberiana entre o sentido da ação e seus
motivos79. Numa interpretação sumária, pode-se dizer que a primeira
categoria informa o pesquisador acerca das intenções (conscientes ou
não, unívocas ou não) que governam o comportamento do agente: ela
responde à questão: “para quê se fez isso?”. Já os motivos constituem o
fundamento da escolha daquelas intenções como algo pertinente ao
sujeito; respondem à questão: “por que se fez isso?”. Ora, se admitimos
essa dicotomia, o RPG de mesa pode ser concebido na forma de uma
estrutura tripartite, isto é, como um conjunto de três princípios
diferentes de ordenação e interpretação da ação, sobrepostos uns aos
outros. Cada um deles subscreve um tipo específico de motivo, e ao
mesmo tempo fornece um contexto específico, em função do qual é
possível significar o sentido pretendido dos atos.
Ao nível da narrativa – daquilo que é propriamente imaginado e
construído coletivamente pelas falas dos jogadores –, as relações entre
indivíduos tomam a forma de relações entre personagens80. O jogador
usualmente dispõe de uma persona diferente de si mesmo, de cujo
WEBER, Max. “Conceitos sociológicos fundamentais”. In: Economia e sociedade,
volume 1. Brasília: Editora UnB. p. 3-13.
80
Reúno, sob este conceito, tanto as encarnações fictícias de que os jogadores são
portadores, quanto os elementos do cenário, que em alguns jogos são controlados por
um indivíduo específico: o mestre, ou narrador, responsável por conduzir e direcionar
a narrativa.
91
79
caráter, melhor ou pior elaborado, espera-se sentir consequências no
andamento da partida. Este é o que eu gostaria de denominar o plano
ficcional. Acima da narrativa, do jogo propriamente dito, estão as
relações reais entre indivíduos, sejam elas quais forem – previamente
inexistentes, afetuosas, hostis, profissionais, etc. Trata-se do plano real.
Finalmente, entre essas duas camadas, encontra-se o que pretendo
denominar o plano normativo. No interior dessa sub-estrutura, os
participantes do jogo não aparecem, nem como personagens, nem como
selfs realmente atuantes, mas como jogadores abstratos, dialogando
entre si a fim de viabilizar a continuidade da interpretação.
Penso que o conceito da estrutura tripartite, conquanto
formulado por mim, pode guardar uma pretensão de validade do ponto
de vista subjetivo dos jogadores. Existe um esforço por manter uma
separação nítida entre esses três estratos, que confirma a existência de
algum gênero de fronteira entre o jogo e seu entorno. Ele transparece
nas ocasiões em que os próprios jogadores sentem a necessidade de
estipular um código que indique em qual camada exatamente estão
situados. Não raro, sinais como o de levantar uma das mãos, ou mais
diretamente anunciar que se está falando fora do cenário da ficção, são
convencionados para evitar confusões na continuidade dos discursos. A
falta de uma sinalização clara do contexto em que as mensagens devem
ser interpretadas chega mesmo a ser prerrogativa para piadas: o jogador
que enuncia algo que, dito por seu personagem, poderia trazer
problemas para ele, é ameaçado jocosamente de “ser levado a sério”
pelos demais. No todo, o desenvolvimento da partida pode ser visto
92
como uma constante flutuação – mais ou menos livre conforme o caso
– entre os três planos estruturais indicados.
De modo geral, esse trânsito entre camadas não apenas é
possível, como também necessário. Toda forma de jogo que intercale
às decisões imediatas algum tipo de regra – por exemplo, a rolagem de
dados para decidir se uma ação foi eficaz – impõe, necessariamente,
que os intérpretes deixem a ação de seus personagens em suspenso, pelo
menos até que os resultados estejam definidos. A dependência, em
vários RPGs, de que um narrador (ou mestre) vá apresentando
gradualmente o cenário em que se encontram os jogadores tende
também a proporcionar momentos de suspensão da imaginação – para
tirar dúvidas, contestar o que foi descrito, etc. Ademais, mesmo
abstraindo-se desses fatores oriundos das regras do jogo, parece
realmente difícil que uma partida tenha curso absolutamente sem
interrupções do cenário fictício. Poder comentar, enquanto indivíduo
“real”, o que está acontecendo no jogo, é por vezes parte integral da
possibilidade de divertir-se com aquela atividade; e, o que talvez seja
mais determinante, toda forma de desacordo sobre os rumos da história
encontra, nas camadas normativa e real, um espaço de mediação. Desse
ponto de vista, o RPG aparece, menos como a construção de uma
história, e mais como um jogo de negociação.
Acredito que os conceitos apresentados até agora ganham uma
concretude maior, se os mobilizamos na tentativa de responder: o que
determina o desenvolvimento da ação dos jogadores no tempo? Aqui,
uma pequena comparação pode mostrar-se útil. Quando uma pergunta
como essa é feita tendo por objeto, não os jogos, mas os rituais,
93
descobrem-se alguns contrastes interessantes. Sem pretensão de
empreender uma revisão extensa, parece-me justo afirmar que, em
várias de suas análises mais conhecidas, a antropologia encarou o ritual
como algo reconhecível pela repetição (previsível) de determinadas
condutas. Há, em primeiro lugar, uma regularidade da ação, na medida
em que a estrutura do rito prescreve maneiras de se comportar a seus
participantes. Em segundo lugar, descobre-se uma regularidade de
significação, pois a prática é ao mesmo tempo revestida e coordenada
por determinado simbolismo. Finalmente, em alguns casos, torna-se
possível falar de uma regularidade histórica do ritual – na medida em
que ele ocorra sempre em momentos preestabelecidos do calendário
social81. A inferência de uma estrutura (social e simbólica) do rito
revela, então, que as posições de cada indivíduo ali presente mostramse funcionalmente adequadas à concretização da sequência de atos
previstos. Ora, no RPG de mesa, um esquema como esse não é aplicável
sem modificações. Deixando de lado a questão de saber em que
momentos, e com que regularidade temporal, os jogadores voltam a se
encontrar, é possível dizer de antemão que não existe algo como uma
regularidade da ação. Pelo contrário: a narrativa é, desde o início,
imprevisível. Cada partida leva a um resultado diferente, irreprodutível
em quaisquer outras circunstâncias. A incerteza é vigente. Quanto ao
esquema de signos que participam da coordenação da interpretação,
tampouco pode-se afirmar com segurança, a priori, que seja conhecido
81
Ver, por exemplo: DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa.
São Paulo: Martins Fontes. 1996. Também: ELIADE, Mircea. O mito do eterno
retorno. São Paulo: Mercuryo. 1992. Finalmente: LEACH, Edmund. “Once a Knight
is quite enough”. Mana 6(1):31-56. 2000.
94
regularmente por todos os jogadores. Mesmo no que concerne ao
cenário proposto para o jogo, pode haver diferenças consideráveis no
conhecimento de cada integrante da partida; e ela só tende a aumentar,
quando levamos em conta que essencialmente qualquer componente do
capital cultural dos indivíduos pode encontrar uso durante a narrativa,
conforme as circunstâncias. O desenvolvimento da narrativa não pode,
pois, ser compreendido a partir de uma norma dada anteriormente, mas
como algo que, não sendo completamente livre, tampouco deixa-se
subsumir a um conjunto limitado de eventos possíveis.
Lévi-Strauss parece haver intuído algo dessas diferenças,
quando, em uma pequena passagem d’O pensamento selvagem, afirma:
Todo jogo se define pelo conjunto de suas regras, que
tornam possível um número praticamente ilimitado de
partidas; mas o rito, que também se ‘joga’, parece-se mais
com uma partida privilegiada, retida entre todas as
possíveis, pois apenas ela resulta em um certo tipo de
equilíbrio entre os dois campos82.
O antropólogo aponta, algumas linhas adiante, que há uma
diferença crucial entre essas duas formas de empreendimento cultural.
O jogo, para ele, é disjuntivo: parte de uma simetria inicial (regras
iguais para todos os times) e produz desigualdade (vencedores e
perdedores). Já o rito caracteriza-se por ser conjuntivo: parte de uma
assimetria inicial (como aquela entre o sagrado e o profano, por
LÉVI-STRAUSS, Claude. “1. A ciência do concreto”. In: O pensamento
selvagem. São Paulo: Papirus Editora. 1989. p. 46.
82
95
exemplo) e faz com que todos passem para a categoria dos
“vencedores”, para o lado positivo da dicotomia. Sem nos deter em
avaliar até que ponto esses conceitos são aplicáveis universalmente, o
importante é notar que também a concepção lévi-straussiana de jogo
contrasta com o tipo de atividade que estamos analisando. No RPG de
mesa, via de regra, não há ganhadores nem perdedores. É claro que
alguns destinos são tipicamente considerados ingratos pelos jogadores:
ninguém quer ver seu personagem morrer. Mas, de modo geral, o RPG
escapa a uma classificação simples, quanto à sua natureza cooperativa
ou competitiva.
Elementos dessas duas categorias de jogo podem participar em
proporções variáveis de cada sessão, conforme a índole da mesa e do
sistema utilizado. Isso é possível porque, por um lado, certa medida de
“cooperação” é necessária para que a história consiga encontrar uma
direção definida. Se os jogadores insistem em tomar atitudes demasiado
idiossincráticas, uma partida em que todos se encontram inseridos no
mesmo cenário tem grandes chances de sair frustrada. Por outro lado, é
parte integrante, se não dos planos normativo e real, pelo menos do
componente ficcional do jogo, que personagens diferentes podem (às
vezes devem) entrar em conflito no interior da história. Alguns jogos,
como Paranoia83 e Toon84, trazem explicitamente a proposta de que a
discórdia deve ser um elemento central da interação. O equilíbrio entre
essas formas mais ou menos intensas de competição, e a mínima medida
necessária de colaboração para que o curso dos eventos consiga tomar
83
84
COSTIKYAN, Greg; ROLSTON, Ken. Paranoia. São Paulo: Devir. 1995.
COSTIKYAN, Greg; SPECTOR, Warren. Toon. São Paulo: Devir. 1996.
96
forma, constitui a qualidade mais marcante do desenvolvimento de uma
partida, seja qual for o sistema em uso.
É precisamente nesse confronto entre harmonia e discordância
que o RPG mobiliza o elemento da negociação. Estando o destino do
jogo sempre aberto, e sem que haja, em geral, uma noção clara sobre os
conceitos de vitória e derrota, a partida exige que outros fatores
participem como limitantes do curso da narrativa – isto é, das decisões
tomadas pelos jogadores. É possível compreender essas decisões como
motivadas por pelo menos três princípios normativos: (i) a obediência
às regras adotadas; (ii) a fidelidade ao caráter dos personagens,
conforme interpretados pelos jogadores; (iii) o consenso do grupo sobre
o que é pertinente ou verossímil fazer em cada situação. Cada um desses
elementos situa-se em um dos planos estruturais que delimitei: o
primeiro encontra-se no estrato normativo, o segundo, no estrato
ficcional, e o terceiro, no estrato real. Todos eles podem virar objeto de
discussão no curso de uma partida, mas é especialmente o último que
confere ao RPG o seu caráter “diplomático”.
Embora nem sempre haja um acordo explícito sobre o que pode
ou não ser feito durante a partida, acaba-se estipulando um acordo tácito
que seleciona o que é considerado aceitável. Pode-se perceber, por
exemplo, que determinadas formas de “desvio” ou de surpresa
constituem pontos de tensão da trama, sendo passíveis de interpretações
diversas85. Às vezes, esses desvios são percebidos como grandes
85
Um aspecto interessante da pesquisa sobre RPG é a maneira como, pela própria
constituição de suas regras, alguns sistemas parecem facilitar a visualização de
aspectos do jogo que, em outros livros, apresentam-se de maneira menos explícita.
Em Microscope, os jogadores são estimulados a decidir formalmente, no começo da
97
desenlaces, como algo que acresce ao mistério ou à empolgação da
história. N’outros casos, provocam desconforto, sendo isso tanto mais
explícito quanto mais os indivíduos demonstram reprovação em relação
a um agente específico. Certas formas de agir ou se expressar são
discriminadas como típicas daquilo que Huizinga denomina os
“desmancha-prazeres”86. Nesses casos, os jogadores costumam
mobilizar
toda
uma
pedagogia,
para
tentar
evitar
que
os
comportamentos desagradáveis de seus companheiros se repitam. Pode
mesmo acontecer de o indivíduo inadequado ser expulso da mesa,
tornando impossível a continuação de sua interferência sobre o jogo.
Já que as próprias condutas dos personagens são, em alguma
medida, um produto daquele pacto silencioso, a questão de
compreender o que determina o desenvolvimento do jogo pode ser
reformulada como a tentativa de descobrir: o que define os parâmetros
de verossimilhança e pertinência da ação? Aqui, estamos diante de um
interessante problema de sociologia da cultura. Usualmente, os
elementos constituintes da história são retirados de duas fontes básicas:
(i) a proposta de cenário oferecida pelo livro e pelas regras do sistema;
(ii) a introdução, mais ou menos consciente, mais ou menos central, de
referências a outros códigos simbólicos, cuja inteligibilidade pode estar
restrita a alguns poucos jogadores, ou aberta a todos. Uma discussão
detalhada do que faculta aos indivíduos a construção conjunta dos
conteúdos do jogo a partir desses referenciais excederia os limites deste
partida, quais elementos devem constar em sua narrativa, e quais não podem ser
inseridos. Cf.: ROBBINS, Ben. Microscope. Lame Mage Productions. 2011.
86
HUIZINGA, Johan. Op. Cit., p. 15.
98
artigo; mas alguns apontamentos superficiais não deixam de ter
utilidade para o argumento.
Sendo uma atividade intrinsecamente dependente da capacidade
de imaginação de seus integrantes, o RPG é às vezes apresentado como
um terreno de libertação da criatividade, espaço de formação cultural e
de desenvolvimento das relações interpessoais. Não pretendo negar a
veracidade de nenhum desses apontamentos; mas penso que, sozinhos,
eles não fornecem uma visão completa do jogo. Com frequência, a
observação detecta, na maneira como as histórias são construídas, não
o fruto do improviso criador, mas a presença praticamente inalterada de
determinados tipos ou estereótipos culturais. Isso se aplica tanto aos
motes formais da estrutura narrativa (cenas de combate, introduções de
elementos misteriosos, desenlaces), quanto aos seus conteúdos
interiores (funções de personagens, sua descrição, seu ethos;
caracterizações de cenários, etc.).
Esse tipo de chavão, segundo me parece, fornece uma espécie
de denominador comum (consciente ou não) a partir do qual os
jogadores podem pensar coletivamente o desenvolvimento da história,
sem que necessitem transformar seu encontro em uma metadiscussão
sobre a lógica do que estão fazendo. Na partida ideal, os momentos de
dissenso entre os personagens ficam subordinados às expectativas
coletivas sobre o que constitui um conflito pertinente; e é apenas em
termos da distância entre expectativa (culturalmente determinada) e
99
atuação real que se pode medir quão inovadora está sendo realmente
uma sessão87.
Os melhores exemplos de que disponho para exemplificar o que
digo constam da observação de partidas de um sistema específico: As
Extraordinárias Aventuras do Barão Munchausen88. Neste jogo, cada
indivíduo representa um aristocrata do século XVIII, que deve
improvisar, sozinho, histórias que seus companheiros lhe pedem.
Segregando os jogadores em performances curtas e independentes, o
Barão Munchausen elimina muitos dos elementos de negociação que
vim apontando como constituintes do RPG, pois já não se trata de tomar
decisões coletivas no interior de um mesmo enredo. Concentrando as
decisões nas mãos de uma só persona, o sistema acaba por enfatizar a
dependência que tem o material improvisado do repertório cultural de
seu autor. Como o objetivo das histórias é que sejam cômicas, e de
algum modo absurdas, frequentemente os jogadores optam por
impressionar seus companheiros com alusões a domínios culturais
rechaçados por todos. Assim, de maneira quase caricatural, numa
partida que observei entre estudantes de biologia, a chave do humor
repetidas vezes estava em elaborar um personagem que defendesse
87
Também aqui, a diluição da figura do mestre, que no plano normativo diferencia-se
dos demais jogadores, como um “personagem” dentre outros, obscurece alguns tipos
específicos de dificuldade. Os narradores que preparam previamente suas histórias
frequentemente veem-se forçados a tentar defender o curso planejado da narrativa
contra os desvios de seus jogadores. Nessas condições, é preciso levar em conta que
a função de mestre pode dar às preferências desse indivíduo uma probabilidade maior
de prevalecerem sobre as outras, mesmo que à custa da insatisfação dos demais
jogadores.
100
88
WALLIS, James et. al. As extraordinárias aventuras do Barão Munchausen.
São Paulo: Devir. 2000.
firmemente ideias criacionistas. Assumindo posturas tanto mais
fanáticas quanto mais se distanciassem daquelas crenças na vida real,
os indivíduos ironizavam conjuntamente a religião.
De maneira análoga, cheguei a ver um físico que valeu-se do
mesmo mecanismo para elaborar sua história – mas que teve como alvo,
ao invés do criacionismo, a filosofia metafísica do século XVIII. Já tive
oportunidade de constatar comportamentos parecidos relacionados a
movimentos sociais, como o feminismo e o ativismo negro, e também
a diferenças étnicas. Em Mago: A Ascensão89, o jogador interpreta um
feiticeiro, usualmente vinculado a uma comunidade que partilha
crenças similares à dele. O livro fornece uma série de arquétipos em
que a construção do personagem pode ser modelada, baseados em
componentes de crenças mágicas extraídas da historiografia real. Há um
arquétipo inspirado nas culturas ameríndias, e não é infrequente que os
jogadores projetem sobre seus personagens – embora, neste jogo, sem
a obrigação da ironia – os trejeitos que supõem típicos dos indígenas.
Naturalmente, o mesmo pode acontecer com qualquer outro tipo
culturalmente fixado – seja ele referente a uma profissão, a uma
sociedade, a um indivíduo, e assim por diante.
Diante de situações como essas, é forçoso concluir que o RPG é
melhor compreendido se o entendemos como um terreno em que
criação e conservadorismo coexistem num equilíbrio tenso. É verdade
que cada partida abre espaço para a criatividade; mas também é que há
poucos lugares melhores para a reprodução cega das visões de mundo
89
BRUCATO, Phil et. al. Mago: a ascensão. São Paulo: Devir. 2001.
101
de um grupo – quaisquer que sejam suas índoles. Dependendo de como
é jogado, o RPG pode prestar-se a todo gênero de violência ou
discriminação. O elemento do riso e do humor, que Huizinga
corretamente acreditava dissociável dos jogos em geral, pode assumir
na partida de mesa uma função central, e oferece alguns dos melhores
momentos para sondar o teor ideológico dos que estão presentes. Ora,
no fundo, aquilo de que todos riem não é senão o conteúdo oposto e
simétrico do que torna necessária a negociação no jogo. Ambos são
expressões dos conflitos e concordâncias possíveis entre os paradigmas
culturais que informam a ação dos jogadores.
A dependência que tem a narrativa, para que possa ser
desenvolvida, de estabelecer diálogo entre as visões de mundo dos
indivíduos ali presentes, inscreve na própria estrutura do RPG a
necessidade de diálogo entre elementos simbólicos “internos” e
“externos” ao plano ficcional. Por mais que se atenham à pura
interpretação e obediência às regras, é enquanto indivíduos reais,
ideologicamente posicionados, que os jogadores estipulam o que pode
ou não pode ser feito no decorrer da partida. Sua negociação é, em
última instância, negociação entre visões de mundo diferentes.
Assim como no caso das rinhas de Geertz, a vida simbólica
exterior ao jogo torna-se essencial para compreender a lógica de seu
funcionamento. Mas, aqui, uma diferença crucial faz-se presente. Já não
são galos que representam os confrontos entre os homens e mulheres,
mas os próprios homens e mulheres, mascarados como suas personas.
Na curiosa relação que personagens e indivíduos estabelecem entre si,
vai-se desvendando o que talvez constitua uma especificidade do RPG:
102
a intensa interferência que a imaginação pode exercer sobre o real em
seu interior90.
O RPG como mídia
Havendo esboçado a maneira como o RPG permite a penetração
de conteúdos simbólicos “reais” no plano ficcional, podemos retomar o
problema das relações entre os jogadores, e inquirir definitivamente:
que destino tem suas ações, em meio às expectativas ideológicas que
eles projetam sobre seu jogo?
Creio ser possível afirmar que, embora situados em planos
estruturais diferentes, os três princípios de conduta que selecionei – a
atenção às regras, a atenção ao caráter do personagem, a atenção às
expectativas sobre a narrativa – têm em comum o fato de que exercem
uma regulação negativa da conduta. Dizem, de maneira geral, não o
que deve ser feito, mas o que não pode ser feito. Precisamente por isso
o RPG continua aberto às novidades a cada nova partida. E é também
por conta desse aspecto que é possível uma segunda forma de interação
entre as três camadas da estrutura tripartite. Mais do que o transporte de
signos de um plano a outro, é possível que ações cujo sentido se
manifesta uma camada tenham suas origens – isto é, seus motivos – em
um dos dois outros estratos. A este fenômeno, darei o nome de
comunicação (entre planos).
Um exemplo bastante claro de comunicação entre planos pode
ser visualizado nos casos em que há um “desmancha-prazeres” no
90
Seria interessante pesquisar as relações entre a representação que os indivíduos
fazem de si mesmos, e os personagens que constroem.
103
grupo. As estratégias mobilizadas para tentar restituir o jogador
inoportuno a um comportamento aceitável podem ser as mais diversas.
Pode ser que, dentro do plano da ficção, os personagens atuem de
maneira a inviabilizar determinados rumos da história, fazendo-se de
desentendidos, ignorando, ou mesmo repreendendo os atos de outras
personas. Pode ser que, num momento de suspensão da história, o
narrador ou outras pessoas intercedam, avisando ao jogador, sob a
prerrogativa da atenção às regras, que algo foi ou está sendo
impertinente. Pode mesmo acontecer de essa intervenção dar-se no
espectro das relações reais entre os indivíduos, caso em que eles se
repreenderão, ou pedirão cordialmente que o objeto de incômodo seja
evitado.
A situação mais extrema possível – aquela em que o
“desmancha-prazeres” é julgado tão intolerável que o grupo (ou o
narrador) decide expulsá-lo – é bastante ilustrativa dessas estratégias.
Um jogador pode ser eliminado da partida a partir da coação pessoal,
“real”, exercida contra ele; pode ser pressionado a retirar-se sob a
prerrogativa de que não está respeitando as normas do jogo; ou pode,
como que pela intervenção de um deus ex machina, encontrar um
destino subitamente infeliz no interior da ficção. Mais de uma vez tive
ocasião de presenciar narradores que, sentindo-se profundamente
irritados com seus jogadores, não tiveram nem o cuidado de dissimular
a tragédia como algo casual: romperam a barreira da verossimilhança,
com a explícita finalidade de eliminar aquelas pessoas da partida, por
meio da introdução de um súbito evento mortal no seio da história, ou
de um isolamento forçado do “desmancha-prazeres” em relação aos
104
demais personagens. Nas ocasiões em que os demais jogadores também
se sentiam incomodados, não houve objeções à atitude do mestre; mas,
em uma delas, ele foi forçado a desfazer o que planejara, pois os
jogadores acharam que sua atitude foi injusta.
Em todas essas situações, o motivo da ação dos jogadores é o
mesmo: um indivíduo está violando os parâmetros que tornam uma
narrativa aceitável para o grupo. Esses parâmetros, informados pelos
paradigmas culturais dos indivíduos e pelas regras do sistema em uso,
cristalizam-se no plano normativo; mas a execução da atitude relativa
ao desmancha-prazeres pode dar-se em qualquer um dos três planos,
porque em todos eles existem condições para expressar o incômodo de
maneira inteligível. O personagem que não reage ao outro e o indivíduo
que repreende seu colega comunicam o mesmo conteúdo com um
conjunto de significantes diferentes, porque adequados a estruturas
diferentes. A forma da mensagem é o que varia, conforme o plano
escolhido para veiculá-la. Esta regra mantém-se constante, qualquer
que seja o ponto de partida da ação (a fonte de seus motivos), e qualquer
que seja seu ponto de chegada (a camada em que se manifesta seu
sentido).
Com esta fórmula, chegamos a uma imagem definitiva sobre o
mecanismo de que dispõe o RPG para atuar como produtor de relações
sociais. Por conta da capacidade de veicular intenções oriundas de um
plano estrutural em termos de outro, o jogo abre a possibilidade de que
o real atue sobre o fictício, e o fictício atue sobre o real. Estou disposto
a defender, em contraposição à situação de Geertz, que a interpretação
em mesa pode ser dada como eficaz para a consolidação de
105
determinadas formas de relação os jogadores na realidade extra-lúdica.
Eis como entendo que isso acontece: Se conteúdos oriundos de um
plano podem penetrar os outros, é porque a comunicação (entre os
indivíduos) dá-se essencialmente do mesmo modo em cada um deles.
O principal (e às vezes exclusivo) instrumento na construção da
narrativa é a fala. Pode ser que a linguagem corporal, a gesticulação,
toda forma de interpretação e atuação acresçam à comunicação verbal
outras formas de expressão; mas o núcleo irremovível que opera o
desenvolvimento do jogo é sempre o diálogo entre as partes.
O segredo está, então, em que, no plano ficcional, e às vezes
também no normativo, falar e agir são fenômenos equivalentes. Na vida
cotidiana, é verdade que algumas intenções podem consumar-se na
mera comunicação de um conteúdo a outra pessoa – no ato de dizer
algo. Mas variadas metas exigem formas diferentes de atividade para
que possam dar-se como realizadas, e outras tantas, como que numa
posição intermediária, utilizam da fala como meio para atingir o que se
deseja, e não como seu próprio fim. Já a narrativa do RPG estabelece
uma coincidência entre esses dois momentos. No plano da ficção,
enunciar a execução de um ato implica executá-lo; afirmar a intenção
de comunicar algo a alguém pode equivaler a já tê-lo comunicado; e a
resposta que se dá no improviso de uma atuação vale tanto quanto uma
frase dita espontaneamente no plano real. Poder-se-ia dizer, resgatando
livremente um conceito da filosofia da linguagem, que nessa camada
todo enunciado é perlocucionário – faz valer aquilo que diz,
unicamente por havê-lo dito.
106
Como um contraponto a essa eficácia imediata do que se diz,
está a curiosa faculdade que têm os jogadores de decidir, em
retrospectiva, se podem “desfazer” uma ação indesejada. Conforme o
temperamento dos indivíduos e a pertinência do pedido, essas correções
do curso da história podem ser feitas e refeitas continuamente. Muitas
vezes, elas levam em conta a ideia de que o trânsito entre camadas
estruturais é suscetível de produzir enganos, de que não se agiu de máfé, enfim. Esse gênero de desfeita é sintomático de um mecanismo
subjacente a todo o jogo. Para compreendê-lo, precisamos finalmente
notar que, além das tipologias culturais e das regras do cenário, as
relações pessoais entre os jogadores podem ser um elemento
determinante na definição das ações pertinentes na narrativa.
Assim como os balineses de Geertz se identificavam a seus
galos, delegando a eles a função de comunicar a belicosidade subjacente
dos status em disputa, é possível que, de tempos em tempos, os
jogadores de RPG utilizem de seus personagens para comunicar ações
que só encontram sua razão de ser no plano real. Aqui, o caráter
perlocucionário da fala em contexto ficcional revela todo o seu
potencial. Ações que, na vida real, seriam consideradas impertinentes,
ou demasiado arriscadas para serem postas em prática, encontram no
jogo uma possibilidade de serem expressas de maneira controlada. O
casal de amigos apaixonados, tímido demais no convívio cotidiano para
tomar a iniciativa de uma aproximação, encontra na atuação o momento
para agir de maneira mais displicentemente erótica, ou mesmo
cordialmente belicosa, desenvolvendo, na imaginação conjunta, aquilo
que o senso comum não deixava que acontecesse. Dali em diante,
107
conforme as reações de seus personagens, quiçá ganhem segurança de
fazer o necessário para dar início a uma relação real.
Similarmente, o casal brigado utiliza do jogo para admoestar seu
companheiro, ironizá-lo, cometer troças as mais diversas. O conflito
latente do cotidiano processa-se sob o signo da casualidade
despretensiosa, do mero desdobramento da historieta coletiva. O
momento lúdico, limitando a ação em função da estrutura narrativa
pretendida, abre, por outro lado, a possibilidade de realizar atos que o
dia-a-dia obriga a permanecerem inconclusos. Já que, no RPG, basta
falar para que as coisas aconteçam, é muito mais fácil realizá-las; e
precisamente porque se sabe que, no fundo, trata-se apenas de “faz de
conta”, é que a ação logra tornar-se realmente eficaz. Caso a tomada de
uma atitude “arriscada” em jogo dê sinais de que aquilo vai terminar
em problemas, pode-se a qualquer momento dissimular a intenção do
que se comunica, afirmando que, afinal, era apenas brincadeira. A
realidade cotidiana encontra, sob o pretexto da ficção, uma
oportunidade para violar suas barreiras.
O mesmo mecanismo pode ser empregado para reafirmar
conteúdos já explícitos nas relações pré-existentes entre jogadores. A
dupla inseparável de colegas assume uma postura conscientemente
colaborativa, quando constrói a relação entre seus personagens. O grupo
de jogadores diverte-se perseguindo sistematicamente, em contexto
ficcional, aqueles que já no dia-a-dia lhes servem de bode expiatório.
Tudo no jogo conspira contra seus personagens: as piores dificuldades
são deixadas em suas mãos, os riscos mais altos confiados a seus
desígnios, as cenas jocosas põe-no no centro das atenções. A
108
“verossimilhança” deixa de obedecer meramente aos grandes esquemas
culturais de que os jogadores são portadores, para passar a imitar as
relações reais tais como já estão dadas. Também nesse aspecto, o RPG
pode ser tanto criativo quanto conservador. Ora o jogo vive a fantasia
do real; ora reduz-se a copiá-lo como se fosse fantasia.
Do ponto de vista das ações oriundas do plano real, o RPG pode
ser interpretado como mídia auxiliar das relações entre os jogadores.
Na relação entre as expectativas que se tem para o desenvolvimento da
narrativa, e os elementos mobilizados para atendê-las, o jogo funciona
como meio de comunicação para as intenções em que se baseiam as
relações extra-lúdicas, expandindo o número de mensagens possíveis
de serem emitidas sem a criação de um conflito aberto entre as partes.
Na medida em que essas mensagens assumem um duplo sentido – um
interior à ficção, e outro interior à realidade –, elas viabilizam, mesmo
que de maneira apenas indireta, a conquista de posições que não
estavam previstas anteriormente nos contatos entre os indivíduos. Para
as relações que já existiam, o jogo torna disponível uma nova
linguagem com que exprimi-las – fato que, não garantindo por si só a
diferenciação do grupo pretendida por Huizinga, pode constituir uma
condição sua. Conforme uma antiga intuição de Weber:
[...] a orientação pelas normas da linguagem comum
constitui, [...] em primeiro lugar, apenas um meio para o
entendimento entre ambas as partes e não o conteúdo do
sentido das relações sociais. Somente a existência de
contrastes conscientes em relação a terceiros pode criar,
nos participantes da mesma linguagem, um sentimento de
109
comunidade e relações associativas cujo fundamento de
existência, de maneira consciente, é a linguagem comum91.
Essa participação do real na configuração da ficção, que volta
em seguida a repercutir no real, é tanto maior quanto maior a
permeabilidade da camada intermediária, normativa, aos conteúdos dos
dois outros planos. Um crescimento do rigor com que as regras são
aplicadas coage cada vez mais os jogadores a se aterem à narrativa
como algo que tem uma lógica própria, independente dos influxos
pessoais que suas relações exteriores poderiam estimular. A flutuação
da ação passa a concentrar-se em torno das esferas normativa e
ficcional, dificultando o estabelecimento de vínculos interpessoais que
não estejam relacionados à pura construção da história enquanto objeto
autônomo. Toda tendência à “esteticização” do RPG – sua aproximação
do teatro ou do cinema – é reflexo desse tipo de relação, mais próxima
da racionalidade profissional de uma companhia artística do que da
organicidade comunitária que Huizinga visualizava nos clubes de
jogadores. A partir daí, certamente é possível a continuidade de
encontros para debater e cultivar o jogo; mas a expansão dos laços
interpessoais não encontra, na execução da narrativa por si só, ponto em
que se apoiar.
Com isso, chegamos a uma primeira hipótese a respeito dos
elementos do jogo que resistem à consolidação de laços em interações
extra-lúdicas. Quanto maior a racionalização das normas da partida em
torno dos critérios estético-culturais dos jogadores, menor a
91
WEBER, Max. Op. Cit., p. 26.
110
probabilidade de que eles se sirvam do jogo como instrumento de
comunicação de seus interesses pessoais. Menor, portanto, a chance de
que partilhem mais do que o interesse no próprio jogo.
Conclusão
Com
estas
considerações,
espero
haver
contribuído
minimamente para a questão de entender o que qualifica
especificamente a forma de relação entre os jogadores. O método que
empreguei – formalizar a maneira como se dão as relações para fins de
jogo, e tentar encontrar, a partir disso, pontos de contato entre as
intenções interiores e exteriores à atividade lúdica – talvez encontre
aplicabilidade na investigação de outras formas de passatempo, além do
RPG de mesa. Mesmo para este objeto, entretanto, a investigação não
pode dar-se por completa. A solução que apresentei continua presa à
condição de que exista um conjunto anterior de contatos estabelecidos
entre os jogadores. Simbolizando as relações entre indivíduos como
relações entre personagens, o RPG permite reafirmar os vínculos já
existentes entre eles, mas também alavanca o desenvolvimento de
novas formas de contato – sejam elas amigáveis ou não.
Minha
conclusão difere da de Geertz apenas por vislumbrar, além da
possibilidade do “comentário metassocial”, a chance de que o jogo
enseje mudanças efetivas nas relações extra-lúdicas. O que fica faltando
é especificar se, e em que medida, pode haver um fluxo na direção
oposta: um conjunto de ações que, sendo motivadas pelo plano da
ficção, acabam repercutindo na estrutura real dos contatos pessoais.
Acredito que a empiria dá indícios desse tipo de situação também. Um
111
caso ilustrativo é o do ressentimento entre jogadores que, tendo seus
personagens traídos por colegas de mesa, não conseguem desprenderse da má impressão que têm dos outros, mesmo após o fim da partida.
Para além desse gênero de conflito superficial, o interessante seria
investigar se podemos pensar o RPG como espaço de formação de
vínculos reais a partir de vínculos entre personagens; e, neste caso,
como se daria o processo de transposição da comunicação fictícia para
a comunicação real. Por ora, entretanto, é impossível para mim avançar
mais no assunto.
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Munchausen. São Paulo: Devir. 2000.
113
WEBER, Max. “Conceitos sociológicos fundamentais”. In: Economia
e sociedade, volume 1. Brasília: Editora UnB. 2012.
RPG: JOGADORES, TRAJETÓRIAS E PRÁTICAS SOCIAIS
(UBERLÂNDIA, 2001 a 2014)
Rafael Correia
Rocha92
Jaqueline Peixoto
Vieira da Silva93
RESUMO
92
Mestre em Educação pela Universidad de la Empresa - MERCOSUL Educacional,
Uruguai. Professor pesquisador; realiza pesquisa sobre jogos, educação e
movimentos sociais no projeto FAPEMIG - Cidade de Uberlândia: História Local,
Ensino-aprendizagem e jogos narrativos, coordenado pelo Professor Dr. Sergio
Paulo Morais, do Instituto de História UFU. Currículo Lattes:
<http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4209565D0>
93
Graduada em História/Mestranda em História/Graduanda em Pedagogia – pela
114
Universidade Federal de Uberlândia/UFU.
Currículo Lattes:
<http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4238309P8>
Neste trabalho investigamos, à luz do conceito de Ação, de
Hannah Arendt, como se estabelece a disposição dos jogadores de RPG
nos espaços urbanos de Uberlândia, suas trajetórias e práticas, assim
como, estes tomam forma em manifestações populares (eventos
culturais e projetos sociais) para manter seus costumes por meio de
práticas sociais, em um recorte temporal de 2001 a 2014. Observamos
as experiências relatadas e bibliografias levantadas a fim de
compreender como os jogadores vivem, que espaços ocupam, por que
os ocupam e como se articulam para manterem ativo o jogo na cidade,
diante de um ambiente de restrições, resistências e preconceitos.
PALAVRAS CHAVE: RPG. Movimentos sociais. Ação política.
ABSTRACT
This investigate work in the light of Action concept of Hannah Arendt,
as it establishes the willingness of RPG players in urban areas of
Uberlândia, their trajectories and practices, as well as these take shape
in popular demonstrations (cultural events and social projects) to
maintain their customs through social practices, in a time frame of 2001
to 2014. We noted the reported experiences and bibliographies raised
in order to understand how players experience, which occupy spaces,
why they occupy and how articulate themselves to keep active game in
town, in front of an environment restrictions, resistances and prejudices.
KEY WORDS: RPG. Social movements. Political action.
INTRODUÇÃO
115
Neste texto, vamos analisar a trajetória dos jogadores de RPG
(Role Playing Game – Jogo de Representação de Papéis), em
Uberlândia-MG, entre 2001 a 2014, à luz do conceito de ação de
Hannah Arendt, na obra A Condição Humana. Arendt inicia o capítulo
I explicando A Vita Activa e a Condição Humana: “Com a expressão
vita activa, pretendo designar três atividades humanas fundamentais:
labor, trabalho e ação.”94 Sobre isso, vamos nos atentar principalmente
a definição da ação:
A ação, única atividade que se exerce
diretamente entre os homens sem a mediação das coisas
ou da matéria, corresponde à condição humana da
pluralidade, ao fato de que homens, e não o Homem,
vivem na Terra e habitam o mundo. Todos os aspectos da
condição humana têm alguma relação com a política; mas
esta pluralidade é especificamente a condição – não
apenas a conditio sine qua non, mas a conditio per quam
– de toda vida política. 95
Já no capítulo V, a autora se concentra nos aspectos da ação e
abre o texto com uma referência de Dante:
Pois em toda ação a intenção principal do
agente, quer ele aja por necessidade natural ou vontade
própria, é revelar sua própria imagem. Assim é que todo
agente, na medida em que ache, sente prazer em agir;
como tudo o que existe deseja sua própria existência, e
94
ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 10. ed.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 15.
95
Ibid., 15.
116
como, na ação, a existência do agente é, de certo modo,
intensificada, resulta necessariamente o prazer. [...]
Assim, ninguém age sem que (agindo) manifeste o seu eu
latente.96
Hannah Arendt afirma que “é com palavras e atos que nos
inserimos no mundo humano”97. É assim que marcamos nossas
igualdades e diferenças – a pluralidade humana nos seres singulares. As
ações humanas são ações políticas situadas na organização social ampla
ou na marginalidade. Os sujeitos realizam ações de maneira que a
marginalização possa ser um estado temporário e móvel.
A partir do conceito de Ação em Arendt, vamos analisar como
os jogadores de RPG se organizaram na cidade, estabelecendo
pequenos padrões, para formarem um princípio de identidade. Suas
ações tinham o objetivo de atingir condições para a realização da prática
do jogo, que era marginalizado, chegando a ser mal compreendido por
outras esferas da comunidade.
RPG: O QUE É?
Na movimentação das práticas dos RPGistas (jogadores de
RPG), podemos dialogar inicialmente com Huizinga, a fim de perceber
os aspectos do jogar na sociedade humana para além da recreação, lazer
ou ócio.
96
97
Ibid., p. 188.
Ibid., 189.
117
As grandes atividades arquetípicas da sociedade humana
são, desde início, inteiramente marcadas pelo jogo. Como
por exemplo, no caso da linguagem, esse primeiro e
supremo instrumento que o homem forjou a fim de poder
comunicar, ensinar e comandar. É a linguagem que lhe
permite distinguir as coisas, defini-las e constatá-las, em
resumo, designá-las e com essa designação elevá-las ao
domínio do espírito. Na criação da fala e da linguagem,
brincando com essa maravilhosa faculdade de designar,
é como se o espírito estivesse constantemente saltando
entre a matéria e as coisas pensadas. Por detrás de toda
expressão abstrata se oculta uma metáfora, e toda
metáfora é jogo de palavras. Assim, ao dar expressão à
vida, o homem cria um outro mundo, um mundo poético,
ao lado do da natureza.98
Por esse movimento de criação e expressão, se dá neste jogo
produtor de narrativas singulares algumas noções conceituais pela sua
mecânica, que o define, em um hibridismo, de acordo com Arent, entre
vita activa e vita contemplativa, por atuar no campo do discurso e da
ação, ou nas palavras de Rodrigues (2004) “um jogo de produzir
ficção”. O RPG se destaca justamente por esse exercício e ao mesmo
tempo, a geração de reflexões continuadas sobre as mesmas narrativas
por múltiplos ângulos. Dentro da narrativa, os sujeitos criam e recriam
histórias utilizando suas experiências e imaginação realista ou
fantástica. E desenvolvem, a partir do pensamento, possibilidades de
ações variadas no campo cultural, social e político.
98
HUIZINGA, Johann. Homo Ludens. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 6.
118
Historicamente, é originado dos Estados Unidos por Gary
Gygax e David Anerson aproximadamente em 1974, oriundo de jogos
de estratégia (jogos de tabuleiro), populares entre o século XIX e início
do século XX. Sua estrutura cooperativa, mas sem excluir competições,
tendo duração indeterminada. Assim, penso que a prática deste jogo
proporciona uma postura própria aos sujeitos que o praticam, que se
aproxima da ideia de Carse sobre “jogadores infinitos” 99, pois seu foco
esta na organização das experiências no compor, promover e recompor
grupos de jogo no intuito de participar de uma multiplicidade de
experiências variadas. De acordo com o pensamento de Carse, a
composição do “jogar RPG” ocorre na dualidade entre o jogo finito
(competitivo) e o jogo infinito (interativo), de maneira que “o objetivo
do jogo finito é vencer, e do jogo infinito é continuar o jogo” 100, desta
forma o RPG apresenta-se mutável e evolutivo em suas práticas, pois
“as regras se modificam quando os jogadores de um jogo infinito
concordam que este jogo está ameaçado” 101.
Por esta característica, o jogador de RPG se mescla a diferentes
experiências, passando por modificações no seu jogar para fim de
existir e se manter socialmente ativo em seus múltiplos aspectos. E
neste exercício constante de existir e de manter seus costumes, os
jogadores continuam a se organizar, alternando em uma contínua
jornada de novas experiências, junto à composição e reformulação de
99
CARSE, James P. Jogos finitos e infinitos: a vida como jogo e possibilidade. Rio
de Janeiro: Nova Era, 2003.
100
CARSE, James P. Jogos finitos e infinitos: a vida como jogo e possibilidade. Rio
de Janeiro: Nova Era, 2003, p. 11.
101
Ibid., p. 23.
119
novos grupos. Sobre estas experiências intercambiadas pela prática
narrativa, observamos o que nos diz Walter Benjamin:
A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a
que recorreram todos os narradores. E, entre as narrativas
escritas, as melhores são as que menos se distinguem das
histórias orais contadas pelos inúmeros narradores
anônimos. Entre estes, existem dois grupos, que se
interpenetram de múltiplas maneiras. A figura do
narrador só se torna plenamente tangível se temos
presentes esses dois grupos. "Quem viaja tem muito que
contar", diz o povo, e com isso imagina o narrador como
alguém que vem de longe. Mas também escutamos com
prazer o homem que ganhou honestamente sua vida sem
sair do seu país e que conhece suas histórias e tradições.
Se quisermos concretizar esses dois grupos através dos
seus representantes arcaicos, podemos dizer que um é
exemplificado pelo camponês sedentário, e outro pelo
marinheiro comerciante. Na realidade, esses dois estilos
de vida produziram de certo modo suas respectivas
famílias de narradores.102
Assim o RPG promove um exercício efetivo junto à experiência
do jogar, na qual sua prática se caracteriza “entre a experiência interna
e o controle externo”103 de maneira que “o jogo naturalmente contribui
102
BENJAMIN, W. O narrador. In:___Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre
literatura e história da cultura. Obras Escolhidas. Vol. 1. São Paulo: Brasiliense, 1994.
103
PORTELLI, Alessandro. A Filosofia e os Fatos: Narração, interpretação e
significado
nas memórias e nas fontes orais. Tempo,120
Rio de Janeiro , v. 1, n. 2, p. 59-72. 1996.
para a prosperidade do grupo social, mas de outro modo e através de
meios
totalmente
diferentes
da
aquisição
de
elementos
de
subsistência”104.
Percebemos que o RPG interage (e é de sua natureza fazê-lo)
com outras mídias como: livros, desenhos e filmes, assim como outros
jogos, e em sua prática é possível perceber que o jogador vai além das
regras e do evidente, promovendo uma trajetória de composição dos
sujeitos, junto a sua realidade e configura sua postura diante da
sociedade.
As narrativas no RPG podem ser realistas ou fantásticas. Os
jogos podem apresentar qualquer tema, de acordo com o interesse de
quem joga. Os temas dos jogos também podem ser transdisciplinares,
ou seja, vários temas interligados e em diálogo. O que favorece muito
o desenvolvimento da criatividade, o interesse por informações e
conhecimentos, e habilidade de adaptação para a solução de problemas.
RPG-UBERLÂNDIA-BRASIL ENTRE 2001 – 2005:
Esta investigação dar-se-á de fora para dentro da cidade. Em
2001, ocorre o “Caso Aline” que relata o assassinato brutal de Aline
Silveira, de 19 anos, que foi esfaqueada e colocada em posição de
crucificação, nua diante de uma lápide. Isto afetou nacionalmente a
visão da população brasileira quando acusou o RPG como culpado
Disponível em: < http://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg2-3.pdf >
Acesso em: 12/11/14
104
HUIZINGA, Johann. Homo Ludens. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003.
121
desta atrocidade, entretanto Fiori apresenta questões profundas sobre o
processo desta investigação.
Os autos do “caso Aline” foram devolvidos ao delegado
no dia 30 de janeiro de 2002, pois o promotor Edvaldo
Costa Pereira solicitou novas diligências (CPP, Art. 16),
argumentando que outras possibilidades explicativas
para o crime precisavam ser verificadas e que a tese do
RPG precisava ser comprovada. No dia 06 de fevereiro,
Cassiano e Maicon haviam fornecido material genético
(fl 736) para ser comparado com material colhido na cena
do crime, um exame que poderia fazer, aos olhos do
promotor, respostas definitivas. Estes exames não foram
realizados. É possível perceber nos autos das idas e
vindas entre o Ministério Público e a Polícia Cívil através
das desavenças que se formaram entre o delegado e o
promotor de justiça. Há numerosas páginas de
requerimentos, assinados pelo promotor Edvaldo entre
fevereiro de 2002 e dezembro de 2003, dirigidos ao juiz
e ao delegado, solicitando mais zelo as investigações. 105
Mesmo com esta contradição, as mídias televisivas e impressas
já haviam vendido o termo “jogo satânico” ou “jogo da morte”. Porém,
o promotor do caso, concluiu em 07 de fevereiro de 2002 a inexistência
de provas diante da acusação.106
105
FIORI, Ana Letícia de. Contando histórias de morte: etnógrafa do júri e arenas
narrativas do “caso Aline”. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) Faculdade de Filosofa, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2012. p. 44.
106
Ibid., p. 45.
122
A partir deste choque, multiplicaram-se as notícias relacionando
o jogo a assassinatos, abordando que materiais de RPG seriam provas
incriminadoras, como descreve na Folha de São Paulo de 14/05/2005
“O delegado Alexandre Linconl Lucente Capella, da Delegacia de
Crimes Contra a Vida, disse que a polícia chegou aos suspeitos após
encontrar diversos livros e materiais de RPG no quarto do estudante”.107
Desta maneira, iniciou um condicionamento popular do senso comum
que danificou a imagem do RPG socialmente.
Após este posicionamento da mídia, a repercussão afetou a
esfera religiosa, que de acordo com o Pastor Walter Pacheco da Silveira,
que afirmou no sermão virtual Os caminhos da juventude, disponível
no site Sermões & Ilustrações: Coletânea Walter Pacheco, que
“raramente um satanista vai admitir que o é. Falta-lhe coragem.
Escondem-se atrás da bruxaria, do RPG, aliás, os jogadores de RPG são
um capítulo a parte nesta história”.108
Com essa força oposta e imposta de condenação popular, o cerco
se fechou em âmbito nacional, ao ponto que em Guarapari-ES, cidade
onde residia a estudante assassinada, se criou uma legislação especial
que proibiu o comércio de livros de RPG e correlacionados. Segundo o
Art. 1° da lei 2506, de setembro de 2005:
Fica proibida a exposição e comercialização, em bancas
de jornais e revista e demais estabelecimentos
congêneres, de CDs, DVDs, Livros e demais publicações
107
Folha de São Paulo, 14/05/2005.
Disponível em: < http://www.pastorwalterpacheco.com.br/habacuque4.html>
Acesso em: 10/11/2014.
108
123
referentes a “Jogos de Interpretação de Personagens”,
conhecidos como RPG – Role-Playing Game.109
Esta postura inconstitucional quanto ao direito de expressão e
acesso a cultura, recebe críticas de Fiori que explicita a
insustentabilidade destes fatos110. Por esta falta de reflexão e apelo
massivo ao senso comum, o judiciário e mídias iniciaram um processo
de “caça as bruxas” junto aos jogadores de RPG.
Em Uberlândia no período entre 2001 e 2005 estavam presentes
e também foram construídas no processo, varias lojas de RPG como a
Terra de Gaia, Grimorum, Dragonland e a Caverna do Dragão entre
outras menores, mas sem registro. Todas foram fechadas pelo parecer
jurídico da Vara do menor da cidade, que o definiu como perigoso,
alegando, sem provas, “que já haveriam casos de morte na cidade”111.
Nesta época, para manter suas práticas, os jogadores plastificavam seus
livros para evitar perseguição da própria comunidade. Entre 2001 a
2004, politicamente a cidade mantinha-se no conservadorismo com o
posicionamento do prefeito Zaire Rezende (Partido do Movimento
109
PREFEITURA MUNICIPAL DE GUARAPARI-ES. Lei Nº 2506, de 2005.
Dispõem sobre a proibição de comercialização em bancas de jornais e revistas e em
estabelecimentos congêneres de jogos de RPG – Role Playing Game e dá outras
providências. Câmara Municipal de Guarapari-ES, Guarapari, 14 de setembro de
2005.
Disponível em:
<http://www.legislacaoonline.com.br/guarapari/images/leis/html/L25062005.html>
Acesso em: 11/12/2014.
110
FIORI, Ana Letícia de. Contando histórias de morte: etnógrafa do júri e arenas
124
narrativas do “caso Aline”. Dissertação (Mestrado
em Antropologia Social) Faculdade de Filosofa, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2012.
111
ACERVO NARRATIVA DA IMAGINAÇÃO, 2014.
Democrático Brasileiro) que não dispunha de abertura para debates
neste âmbito.
RPG-UBERLÂNDIA-BRASILENTRE 2006 – 2010:
Em 2006, o judiciário federal se posicionou oficialmente com a
portaria nº 1.100 do Ministério da Justiça em relação ao acesso de
menores ao RPG e espaços de jogos, e que, segundo o Art. 3º “o
Ministério da Justiça realizará diretamente a classificação indicativa das
seguintes diversões públicas: I - cinema, vídeo, dvd e congêneres; II –
jogos eletrônicos e de interpretação (RPG).”112 Mas mesmo com esta
portaria o parecer jurídico não se alterou, mesmos sem saber avaliar, os
agentes eram instruídos a vetar o RPG, mesmo os que estavam
classificados devidamente pelo ministério da justiça, dentro do
município a classificação alterava-se para 18 anos.
Assim, ocorreu uma restrição generalizada ao jogo que antes
estava presente nas escolas, bibliotecas e universidades; salvo alguns
espaços escondidos, como reuniões no bloco 3Q, na Universidade
Federal de Uberlândia, nos finais de semana (ponto informal utilizado
até a atualidade). O bloco foi escolhido por manter as condições básicas
de espaço, silêncio, cadeiras e mesas, necessárias para a prática do jogo
112
BRASIL. Portaria n° 1.100, de 14 de julho de 2006. Regulamenta o exercício da
Classificação Indicativa de diversões públicas, especialmente obras audiovisuais
destinadas a cinema, vídeo, dvd, jogos eletrônicos, jogos de interpretação (RPG) e
congêneres. Publicado no DOU nº 138, quinta-feira, 20 de julho de 2006.
125
e por ficar relativamente vazio nos finais de semana, no período da
tarde.
Então, sem espaços formais ativos de encontros, os jogadores de
RPG começaram uma migração para o meio virtual, criando o grupo de
debate RPG UBERLÂNDIA, incialmente na rede social Orkut, e
posteriormente no Facebook, entre 2001 e 2010, como pontos de
discussão, organização e divulgação restritos. Este campo de debate
mantém-se atualmente com 355 membros.113 A estrutura política
manteve-se a mesma de 2005 a 2012, na gestão do prefeito Odelmo
Leão Carneiro (Partido Progressita) que se posicionava em uma
estrutura distante de movimentos culturais emergentes, de maneira que
o diálogo com os jogadores mantinha-se em um campo vertical de
aprovação.
RPG-UBERLÂNDIA ENTRE 2011 – 2014:
Identificamos as trajetórias e práticas sociais dos RPGistas, no
período o qual a cidade sofreu pressões sociais e mudanças
governamentais de maneira a promover uma reorganização na
promoção de eventos temáticos, entre outras estruturas de associação.
A partir disto, foi fomentado dentro da comunidade RPG
Uberlândia em 2011, no Parque do Sabiá, o 1º Encontro RPG
Uberlândia, derivado desse movimento virtual, reunindo um total de
100 participantes, contando com a participação de jogadores de cidades
113
Acervo Narrativa da Imaginação, 2014.
126
vizinhas como Uberaba, Araguari, Tupaciguara e Patos de Minas,
inclusive uma parte da população que se dispôs a visitar para conhecer
o jogo. Mas uma parcela da população ainda repudiava o RPG, como
cita, L.F: “tinha um senhor que ficava xingando a gente, falando que
era coisa do Diabo e que isso matava, que era perigoso”114
Também em 2011, foi realizado na Universidade Federal de
Uberlândia dentro das dependências do Instituto de História, o curso de
formação em metodologia Role Playing, que promovia ações de
elementos do RPG na escola, trabalho vindouro de pesquisa de
mestrado em educação115. Para fim de validação e reconhecimento do
método este foi apresentado ao secretário de educação e presidente do
conselho municipal de educação Dr. Afrânio de Freitas Azevedo
(Partido do Movimento Democrático Brasileiro), que de maneira bem
aberta, mostrou ao mesmo tempo interesse e desconhecimento sobre o
que era RPG, e enviou a proposta para o CEMEPE (Centro Municipal
de Estudos e Projetos Educacionais – Julieta Diniz), setor criado para
avaliação e formação de práticas docentes. Mesmo após uma avaliação
positiva e emissão de uma declaração pública, a Vara do Menor ainda
não reconhecia a prática, o que abre um questionamento ao judiciário,
sobre até que ponto a autonomia de comarca avança diante do poder
municipal, e também, como o poder judiciário se organiza diante das
ações populares sociais?
114
(L.F é jogador de RPG a 15 anos e professor de Geografia, que aceitou ceder
entrevista ao acervo da ONG Narrativa da Imaginação).
115
Trabalho de Rafael Correia Rocha, que cursou Mestrado na Universidade de La
empresa (UY) de 2010 a 2013, colendo dados por meio de cursos de formação
docente em parceria com a Universidade Federal de Uberlândia.
127
Posteriormente, em 2012, com a renovação partidária da cidade
para o mandato de Gilmar Machado (Partido dos Trabalhadores), houve
a proposta de uma relação mais próxima com os jogadores de RPG e
correlacionados, afetando a estrutura da cidade. Todavia a percepção
sobre o jogo era distinta e o RPG começou a ser observado como uma
manifestação cultural.
Pelo intercambiar de experiências, se promoveu a comoção dos
jogadores para o desenvolvimento da segunda edição, em 2012, no
Colégio Exitus (que se localizava no prédio da antiga fábrica da Erlan
– espaço escolar amplo), onde jogadores de outras modalidades e jogos
se fizeram presentes, assim como expositores e comerciantes
especializados, totalizando cerca de 250 pessoas. Nesses dois eventos
ficou uma constante pressão social contra sua execução devido à
jurisprudência da Vara do Menor de Uberlândia, que ainda considera o
jogo perigoso para jovens. Em diálogo com as agentes da Vara, as
mesmas ainda afirmam que o jogo leva a morte 116.
Essa transfiguração afetou o Encontro RPG Uberlândia (2001 e
2012), que se adaptou a vários estilos de jogos sendo apresentado à
comunidade como Festival Cultural de Jogos em 2013, com uma
abordagem para diferentes tipos de jogadores e apresentação da cultura
de jogos para a comunidade. Em sua primeira edição mobilizou cerca
de 1000 pessoas, agregando à sua estrutura o Xadrez, Vídeo Game e
Sword Play (esgrima com espadas de espuma), havendo cobertura da
116
Trabalho de Rafael Correia Rocha, que cursou Mestrado na Universidade de La
empresa (UY) de 2010 a 2013, colendo dados por meio de cursos de formação
docente em parceria com a Universidade Federal de Uberlândia.
128
TV integração e lançamento no portal G1 (informação e reportagem), e
promoveu a visita de jogadores de Campinas e São Paulo.
A fim de manter a periodicidade destes jogos, visto o resultado
do evento, o coletivo Narrativa da Imaginação propôs pequenos
encontros semanais formatando o projeto Jogado na Mesa (2013), no
qual compreendemos que a mobilização pelo jogar se encontra na
prática social entre a experiência e a cultura, pois, durante este projeto,
nenhum jogo foi levado a Oficina Cultural, apenas foi aberta a porta de
uma sala com mesas e cadeiras e foi avisada a comunidade que o espaço
estava aberto ao RPG. Assim, a própria comunidade tomou conta do
espaço, o modificou dando-lhe sentido, pois a mesma aparentava estar
carente não só do espaço em si, mas do encontro entre jogadores. Após
um ano de projeto ocorreu a ocupação de dois salões, uma sala e parte
do espaço externo da Oficina Cultural. Provável que isso tenha ocorrido
devido à compreensão dos jogadores sobre o jogo como sua cultura, de
maneira que “a cultura, por outro lado, é um jogo infinito (...) A cultura
não tem fronteiras. Qualquer pessoa pode participar da cultura”.117
Assim, acreditamos que um dos campos mais impactantes deste
recorte, esteja na relação do poder público com a comunidade,
observando parâmetros político-sociais obtidos com o projeto Jogado
na Mesa como primeiro espaço público de encontro permanente, com
117
CARSE, James P. Jogos finitos e infinitos: a vida como jogo e possibilidade. Rio
de Janeiro: Nova Era, 2003.
129
o registro de 227 jogadores em um período de 15 meses, explicitando a
densidade aproximada por bairro118.
Partindo destes dados, foi possível identificar por um
mapeamento prévio que a densidade dos jogadores não se apresenta
vinculada exclusivamente a um aspecto espacial, mas às suas
motivações, visto o deslocamento de jogadores de 63 bairros. Dentre
eles, quantificadamente, em uma amostra inicial no Jardim Patrícia (5),
Santa Mônica (26), Nossa Senhora das Graças (6), Martins (9), Centro
(10), Granada (3), Brasil (5), Oswaldo Rezende (5), Jardim
Inconfidência (4), São Jorge (6), Tubalina (10), Cazeca (6), Ipanema
(3), Jardim Karaíba (5), Jardim Brasília (5), Tabajaras (5), Canaã (5),
Luizote (11), Marta Helena (5), Mansour (7), Umuarama (6), Vigilato
Pereira (9) e mais 68 jogadores distribuídos entre o Bom Jesus,
Santiago, Jardim Finotti, Umuarama, Taiaman, Jardim Europa, Jardim
Europa, Jardim Regina, Cidade Jardim, Lagoinha, Custodio, Planalto,
Roosevelt, Segismundo, Jaraguá, Jardim Botânico, Laranjeiras,
Pacaembu, Aurora, Andorinhas, Canaã, Morumbi, Copacabana, São
Cristóvão, Guarani, Dom Almir, Tibery, Talismã, Jardim Indaiá, Jardim
das Palmeiras, Tocantins, Saraiva, Jardim Finotti, Lídice, S. Pereira,
Patrimônio, Shopping Park, Fundinho, Carajás, Jardim Maracanã e
Ouro Verde. Assim como
jogadores vindouros de cinco cidades
próximas (Araguari, Uberaba, Patos de Minas, Tupaciguara e Alfenas)
para utilizar do espaço da Oficina Cultual, prédio tombado como
118
A ONG Narrativa da Imaginação promove vários eventos sobre jogos na cidade
de Uberlândia-MG, e também é uma instituição representativa importante para a
reunião e organização dos jogadores.
130
patrimônio público, e administrado pela Secretaria de Cultura,
localizado na região central da cidade, sendo espaço cultural de
referência no município para atividades como oficinas, palestras e
recitais.
O caráter etário entre 19 e 29 anos se apresentou predominante,
o que dá enfâse ao público universitário e classe trabalhadora, de
maneira que o RPG, claramente não pode ser classificado como
exclusivamente infantil ou infanto-juvenil.
Tornou-se
claro
que
o
jogador
de
RPG
não
joga
necessariamente apenas RPG, pois os RPGistas interagem em múltiplos
diálogos com outros jogos e jogadores, como o LARP (live action role
playing – representação ao vivo) que é pouco presente no município,
em contra partida de board games (jogos de tabuleiro) e card games
(jogos de cartas) que tem um maior número de jogadores, todavia sem
engajamento organizado.
Devido a isto, ocorre uma associação equivocada entre esses
jogos. Também devido a esta proximidade, os jogadores acabam por se
agrupar nestes outros seguimentos correlacionados a fim de manter o
RPG vivo, presente e notório. Ao mesmo tempo que os RPGistas
estavam continuamente buscando resgatar seus costumes por meio da
experiência do encontro, uma forma de materializar, mesmo que
informalmente, um discurso.
Em janeiro de 2014, pela mobilização de jogadores com eventos
mais voltados para o campo acadêmico, o coletivo foi oficializado como
ONG de educação e cultura, a fim de gerir uma representatividade com
seriedade diante do poder público às demandas da população de
131
jogadores, trabalhando jogos no campo da educação e cultura. No 2°
Festival Cultural de Jogos envolveu professores e alunos de escolas
públicas, com apresentação de trabalhos sobre jogos, oficinas de
robótica e de game design, chegando a um público de 1.400 pessoas.
Durante maio de 2014, o secretário de cultura, Gilberto Neves
(Partido dos trabalhadores), visitou o espaço da Oficina Cultural, e
encontrou o movimento atípico dos jogadores, com cerca de 80 pessoas.
O secretário, por meio da coordenação da ONG foi apresentado ao
projeto e a própria comunidade de jogadores. Neste momento ele se
posicionou diante da abertura de espaços e representatividade social dos
jogadores. Após esse momento a Secretaria de Cultura publicou uma
ementa, ainda que com dúvidas, no diário oficial de 18/12/2013, na
página 63, tópico 4.22: “Criar oportunidade para que nos equipamentos
culturais geridos pela Secretaria Municipal de Cultura aconteçam
oficinas de atividade e jogos Rolling Play Game (RPG) concebidos
como cultura dos jogos para jovens”.
Essas dúvidas são vindouras do desconhecimento sobre os
mecanismos e características do RPG, que por serem muito subjetivas
confundem o poder público, ao olhar o jogo muitas vezes como um
mero jogar de dados (Rolling Play) ao invés da representação de
personagens (Role Playing), o compreendem como manifestação da
cultura, embora ainda não tenham noção clara de sua dimensão.
Essa ação se desprende como um reflexo da política brasileira
que começa a compreender o impacto sócio-político dos jogos, tendo
em vista situações esporádicas como a abertura de editais para a
132
contratação de narradores de RPG para bibliotecas públicas, como
ocorrido em São Paulo em 2010, onde descreve-se:
6.2 As propostas para atividades de RPG poderão ser
variadas – Oficinas de introdução aos jogos de mesa
tradicionais, oficinas de criação de personagens, oficina
para criação de um Live-Action, oficina para formação
de Mestres, Live-Actions com cenários focados na
História Universal e História do Brasil. As propostas
devem objetivar o exercício da experimentação e/ou a
reflexão
acerca
dos
seus
conteúdos
que
preferencialmente devem ter relação com a programação
e acervos das unidades de CSMB. 6.3 As propostas de
atividades de RPG poderão ser tanto de introdução
quanto de aprofundamento dos fundamentos das áreas de
atuação estabelecidas no item 7.2., proporcionando
gratuitamente ao usuário das bibliotecas qualificar-se,
atualizar-se, enriquecer sua experiência de vida e
formação nas diversas linguagens artísticas, participar de
atividades de lazer, fruição e socialização. 6.4 Os
projetos poderão ter duração variada, com carga horária
máxima total de 12 (doze) horas para as oficinas e de 6
(seis) horas para o Live-Action.119
Em
Uberlândia,
essa
percepção
sócio-política
mudou
drasticamente em 2014, quando o Secretário de Cultura, abriu
precedentes para que jogadores, narradores e editores de RPG,
pudessem concorrer à cadeira de Literatura no Conselho Municipal de
119
EDITAL DE CREDENCIAMENTO. Nº 01/SMC/CSMB/2010, p. 03.
133
Cultura. Compreendendo que, pela existência de livros de RPG, este se
enquadraria como literatura. O próprio agrupamento e mobilização dos
jogadores, influenciados pela representatividade da ONG Narrativa da
Imaginação, promoveu a eleição de um conselheiro e um membro do
setorial de literatura RPGistas. Compreendendo o RPG como uma
intercultura, permeando a literatura, artes plásticas, cênicas e música.
Mesmo com o Festival, ainda existia uma lacuna, a ausência de
lojas especializadas após o encarecimento dos produtos e a pressão da
vara do menor, não havendo nenhum posicionamento social para o
surgimento de uma representação comercial oficial.
Entretanto, após o projeto Jogado na Mesa e os demais eventos,
houve a mobilização para uma pratica periódica de jogos; a
movimentação social dos jogadores fomentou a criação da loja Goblin´s
Gift Shop, de iniciativa particular, que estabeleceu horários noturnos
para a entrada de jovens maiores de idade e menores acompanhados
pelos responsáveis. A loja foi constituída com a locação de uma casa de
quatro cômodos, havendo um banheiro e uma grande garagem, onde
ocorre a maioria dos jogos, tendo funcionamento de quarta a domingo.
Entendemos que o potencial econômico em torno dos jogos é
bastante promissor e que é possível ampliá-lo na cidade. Ainda
observamos, por um lado, um mercado conservador, e por outro, jovens
desejando novidades, tentando realizar suas conexões sociais e ampliar
os aspectos da cultura de jogos. O fomento mercadológico reafirma os
costumes dos jogadores.
Segundo Sahlins, as pessoas de determinada cultura também
representam suas interpretações do passado no presente em que vivem,
134
em um processo de resgate, de maneira que “essas interpretações do
passado podem comportar certa compreensão e vivência de sua história
atravessada ou não por determinados mitos daquela cultura e suas
concepções de tempo e de espaço”.120
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Concluímos esse processo histórico refletindo com o
direcionamento de Hannah Arendt, que contribui para analisarmos estas
experiências dos jogadores de RPG: preconceitos, ações políticas,
disputa pelos espaços na cidade, luta por liberdade de expressão,
desenvolvimento de cultura e alteridade.
Percebemos que as ações dos jogadores foram, em alguns
momentos, mais estratégicas para atingir objetivos e, em outros
momentos, foram ações espontâneas relacionadas às individualidades
dos sujeitos que queriam apenas jogar. O jogo é diversão,
entretenimento e distração, mas também é uma manifestação cultural,
promove criação e construção de novas relações sociais. Os jogadores
ampliam suas ações nas relações políticas. Podem não dimensionar os
resultados que vão atingir, mas sabem que ao agir politicamente
promovem movimentos sociais expressivos, pois suas ações são
visualizadas e percebidas na cidade, obrigando outros seguimentos
(administração municipal, órgão jurídico) a vê-los e aceitá-los.
O RPG é um jogo que estimula a ação. Os jogadores são
obrigados a refletir sobre a situação expressa no jogo e criar suas
120
SAHLINS, Marshall. Ilhas de História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1990.
135
representações. E fora do jogo esses mesmos sujeitos também são
obrigados a agir para estabelecerem as condições para continuarem
jogando: a busca pelo espaço físico, a busca pelo (re)conhecimento
sobre quem são, a divulgação dos seus livros, das suas ideias e cultura.
Os jogadores são sujeitos dessa sociedade em que estão inseridos: vão
à escola, trabalham, têm famílias, seguem regras sociais de
comportamento e ordens jurídicas. Eles não são um grupo a parte
vivendo outra realidade. E na busca pela liberdade o autor Celso Lafer
esclarece:
A liberdade, no campo da política, é um
problema central, para não dizer um axioma, a partir do
qual agimos. Entretanto, no campo do pensamento o
pressuposto a partir do qual raciocinamos é exatamente
oposto: nada vem do nada (nihil sine causa). De fato,
num exame teórico sobre uma determinada ação, ela
parece
normalmente
resultar,
conjunta
ou
separadamente, ou da causalidade da motivação íntima
dos seus protagonistas ou do princípio geral de
causalidade que regula o mundo externo dentro do qual
se inserem estes protagonistas. Esta dicotomia, diz
Hannah Arendt, é aparente e só surge quando se
identifica política e pensamento, obscurecendo-se desta
maneira o fenômeno da liberdade. O campo do
pensamento é o do diálogo do eu consigo mesmo, que
promova as grandes perguntas metafísicas e onde o livre
arbítrio se insere como centro da razão prática de Kant.
O campo da política é o do diálogo no plural que surge
no espaço da palavra e da ação – o mundo público – cuja
136
existência permite o aparecimento da liberdade. De fato,
a consciência da presença ou da ausência da liberdade
ocorre na interação com os outros e não no diálogo
metafísico do eu consigo mesmo. Por isso, para Hannah
Arendt, a assim chamada liberdade interior é derivativa,
pois pressupõe, ou uma retração forçada de um mundo
público encolhido onde a liberdade é negada – que são os
tempos obscuros por ela tão bem salientados numa
coletânea de ensaios significativamente intitulados Men
in Dark Time (1968) – ou uma retração deliberada da vita
activa para a reclusão, sem dúvida digna, da vita
contemplativa. Política e liberdade, portanto, são
coincidentes, porém, só se articulam quando existe
mundo público.121
Segundo as percepções obtidas e de acordo com as concepções
de Hannah Arendt, podemos acreditar em um debate sobre o discurso
em contrapartida da ação, pois a autora compreende que “nenhuma
outra atividade humana precisa tanto do discurso quanto a ação”.122
Neste ponto, devido a peculiaridades deste grupo social, o
discurso e a ação se fundem, de maneira que suas práticas se tornam a
manifestação de seu discurso, que não é compreensível em uma
articulação coesa de ideias, mas de necessidades, acreditamos neste
arranjo, pois “as atividades mentais, invisíveis e ocupadas com o
121
LAFER, Celso. Hannah Arendt: pensamento, persuasão e poder. 2. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 2003, p. 62 e 63.
122
ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 10. ed. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 192
137
invisível, tornam-se manifestas através da palavra”123, desta forma, esta
prática teria diversas formas de manifestação, partindo de sua narrativajogo.
Nesta ação aglutinada em que acreditamos existir um
movimento convergente de apropriação de espaços urbanos como uma
prática expressiva para fim de manifestar essa consciência afetiva e
moral que toma a forma de um “discurso da necessidade” segundo a
organização dos sujeitos-jogadores, repaginando as pressões passadas
e modelando o presente, de acordo com demandas emergentes, pois “na
ação e no discurso os homens mostram quem são, revelam ativamente
suas identidade pessoais e singulares e assim apresentam-se ao mundo
humano”.124
Essa relocação de papéis e espaços no cenário de Uberlândia foi
promovida pelo incômodo e necessidade de sobrevivência cultural das
peculiaridades do jogar, pois esse jogar dá o significado aos sujeitos,
pela própria plasticidade natural do RPG, em sua prática gregária de
diferentes histórias e jogos, saindo da linearidade determinada para um
campo de possibilidades onde consequentemente surge um “desvio, no
entanto, é a própria essência da cultura. Essa ação social, partindo de
um jogo de subjetividades permite reafirmar o pensamento de Hannah
Arent, quando concebe que “qualquer pensamento que se construa entre
123
ARENDT, Hannah. A Vida do Espírito: O pensar, o querer, o julgar. Rio de
Janeiro: Ed. Relume-Dumará, 2000, p. 76
124
ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 10. ed. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 192
138
dois
mundos,
já
implica
que
esses
dois
mundos
estejam
inseparavelmente ligados entre si”125
Aquele que apenas segue o roteiro, meramente repetindo o
passado, é uma pessoa culturalmente empobrecida”126 diante destes
olhares, podemos crer que devido à composição e recomposição de
práticas, o RPG se torna rico como uma cultura emergente e expansiva.
A própria literatura direta ou indireta ligada ao RPG, permite a seguinte
consideração: “pensamentos assemelham-se, seres pensantes tem o
ímpeto de falar, seres falantes tem o ímpeto de pensar”127
REFERÊNCIAS:
ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo.
10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
ARENDT, Hannah. Compreensão e política e outros ensaios, 19301954. Lisboa: Relógio D’Água, 2001.
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. 5. ed. São Paulo:
Perspectiva, 2001.
125
ARENDT, Hannah. A Vida do Espírito: O pensar, o querer, o julgar. Rio de
Janeiro: Ed. Relume-Dumará, 2000, p. 11
126
CARSE, James P. Jogos finitos e infinitos: a vida como jogo e possibilidade. Rio
de Janeiro: Nova Era, 2003.
127
ARENDT, Hannah. A Vida do Espírito: O pensar, o querer, o julgar. Rio de
Janeiro: Ed. Relume-Dumará, 2000, p. 77.139
ARENDT, Hannah. A Vida do Espírito: O pensar, o querer, o julgar.
Rio de Janeiro: Ed. Relume-Dumará, 2000.
BENJAMIN, W. O narrador. In:___Magia e técnica, arte e política:
Ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras Escolhidas. Vol. 1.
São Paulo: Brasiliense, 1994.
BRASIL. Portaria n° 1.100, de 14 de julho de 2006. Regulamenta o
exercício
da
Classificação
Indicativa
de
diversões
públicas,
especialmente obras audiovisuais destinadas a cinema, vídeo, dvd,
jogos eletrônicos, jogos de interpretação (RPG) e congêneres.
Publicado no DOU nº 138, quinta-feira, 20 de julho de 2006.
CARSE, James P. Jogos finitos e infinitos: a vida como jogo e
possibilidade. Rio de Janeiro: Nova Era, 2003.
Disponível
em:
<
http://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg2-3.pdf >
Acesso em: 12/11/14
CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e
representações. Tradução de Maria Manuela Galhardo. Lisboa:
DIFEL, 2002.
FIORI, Ana Letícia de. Contando histórias de morte: etnógrafa do júri
e arenas narrativas do “caso Aline”. Dissertação (Mestrado em
140
Antropologia Social) - Faculdade de Filosofa, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
HUIZINGA, Johann. Homo Ludens. 5. ed. São Paulo: Perspectiva,
2003.
LAFER, Celso. Hannah Arendt: pensamento, persuasão e poder. 2. ed.
São Paulo: Paz e Terra, 2003.
PREFEITURA MUNICIPAL DE GUARAPARI-ES. Lei Nº 2506, de
2005. Dispõem sobre a proibição de comercialização em bancas de
jornais e revistas e em estabelecimentos congêneres de jogos de RPG –
Role Playing Game e dá outras providências. Câmara Municipal de
Guarapari-ES, Guarapari, 14 de setembro de 2005.
Disponível em:
<http://www.legislacaoonline.com.br/guarapari/images/leis/html/L250
62005.html> Acesso em: 11/12/2014.
PORTELLI, Alessandro. A Filosofia e os Fatos: Narração,
interpretação e significado nas memórias e nas fontes orais. Tempo, Rio
de Janeiro , v. 1, n. 2, p. 59-72. 1996.
SAHLINS, Marshall. Ilhas de História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed,
1990.
141
Traduçoes
Neste momento, além de continuarmos o processo de tradução dos
artigos publicados na International Jornal of Role-Playing, começamos
a dar alguns passos à frente, pensando em como abrir o leque cromático
das produções estrangeiras ponderadamente.
Entre as possibilidades analisadas ressaltamos dois pontos
consistentes quanto às traduções. Entrevistas, que permitem a
exposição e análise da realidade regional, junto ao comportamento dos
jogadores e suas principais influências. E as resenhas, que apresentam
a gama de literatura estrangeira ainda não acessível no Brasil e que
podem nortear futuras bibliografias.
142
OS EFEITOS DO USO DE ROLE-PLAYING ACADÊMICOS
EM UM CURSO SERVICE-LEARNING128 DE FORMAÇÃO DE
PROFESSORES129
Mary Lynn Crow130 - [email protected]
Larry P. Nelson131 - [email protected]
Tradutor: Maykell J. S. Figueira132
RESUMO
O Role-playing acadêmico é uma das estratégias instrucionais
de aprendizagem ativa mais efetivas atualmente, usadas em nível
universitário nas universidades norte-americanas na preparação de
futuros educadores. Este estudo, que usa vários tipos de metodologias
de forma mista, é uma investigação sobre o uso do role-play em um
Um curso service-learning, segundo a Wikipedia, é “uma abordagem educacional
que tenta balancear a instrução formal com a oportunidade de prestar algum tipo de
serviço à comunidade, a fim de fornecer uma experiência de aprendizado progressiva
e pragmática. Programas de formação com viés de. service-Learning devem conectar,
de maneira apropriada, a experiência tradicional de sala de aula com as lições da vida
real que surgem por meio do serviço em comunidade.” Por falta de um termo em
Língua Portuguesa que descrevesse o viés educacional de service-learning
desenvolvido nos EUA, o tradutor preferiu manter o termo original, usando-o em
itálico para diferenciá-lo do restante do texto.
129
International Journal of Role-Playing, 5 Pre-Layout Online Version
130
The University of Texas at Arlington 143
131
The University of Texas at Arlington
132
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da
Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Campus Bauru. Membro
do Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências.
128
curso de graduação planejado para preparar estudantes para se tornarem
treinadores físicos em escolas públicas e professores de Educação
Física. As cinco vinhetas originais encenadas foram escritas
especificamente para preparar os estudantes para lidarem com situações
que eles possivelmente encontrarão em suas futuras profissões. O
modelo role-play usado na pesquisa foi originalmente criado pelos
Shaftel nos anos 60, mas diversas variações criativas idealizadas por
pesquisadores recentes foram adicionadas a este modelo para este
estudo, fazendo com que esta seja uma versão adaptada. Os dados
coletados incluíram respostas a dois questionários diferentes,
informações advindas de um grupo focal e observações feitas por dois
pesquisadores. Tais pesquisadores concluíram que os estudantes não
apenas exibiram habilidades nas técnicas usadas para resolver os
problemas encontrados nas vinhetas, mas também que tais estudantes
ganharam confiança conforme participaram dos role-plays, os quais
ocorreram durante um período de 4 semanas. Os próprios estudantes
relataram que aprender com seus pares, experimentar suas ideias em um
ambiente seguro, serem incentivados a planejar um resultado esperado
antecipadamente e ouvir o feedback de outras pessoas foram suas
experiências mais valiosas. Eles também relataram enfaticamente que
preferem o role-play em comparação aos métodos tradicionais de aulas
universitárias.
PALAVRAS-CHAVE: Role-Play, formação de professores, ServiceLearning.
144
1. INTRODUÇÃO
O Role-playing acadêmico é uma das estratégias instrucionais
de aprendizagem ativa mais efetivas atualmente usadas em nível
universitário nas universidades norte-americanas na preparação de
futuros educadores. (1) Se o foco da formação é o aprendizado de um
novo conjunto de habilidades, interpretar tais habilidades em um
ambiente realista de sala de aula, porém seguro, permite que os
estudantes implementem-nas corretamente em um cenário estruturado
e com mentoria. Também permite que os estudantes ganhem confiança
para executá-las apropriadamente no mundo real.
Os investigadores usaram uma estratégia de role-playings
acadêmicos clássicos em um curso planejado para preparar estudantes
para se tornarem futuros treinadores físicos e professores de Educação
Física. Este curso, em especial, também foi planejado como um curso
de service-learning no qual os estudantes atuaram como professores
voluntários em programas extraclasse em escolas da região treinando
times esportivos e auxiliando em eventos e atividades de conteúdos
específicos. As vinhetas de role-playing que foram encenadas foram
planejadas especificamente para preparar os estudantes para lidarem, de
forma bem sucedida, com situações que podem vir a aparecer tanto em
suas atividades de service-learning como em suas futuras profissões em
período integral como educadores físicos.
O propósito deste estudo foi determinar os efeitos do uso de
estratégias de role-playing com um grupo de estudantes-professores. O
145
sucesso ou insucesso seria determinado de acordo com três fatores: as
atitudes dos estudantes frente à sua participação na estratégia, sua
capacidade de interpretar as habilidades exigidas e o grau de confiança
que eles expressaram em relação ao uso de tais habilidades no futuro,
comparado com o aprendizado do mesmo conteúdo por meio de aulas
expositivas. As pesguntas de pesquisa específicas foram: O uso da
versão adaptada do modelo de role-play de Shaftel irá resultar em (1)
um aumento nas interações dos estudantes em sala de aula com seus
colegas e com os instrutores? (2) um aumento nas respostas positivas
dos estudantes em relação ao conteúdo do curso? (3) um aumento na
confiança dos estudantes com vistas na sua futura participação em
atividades de service-learning, assim como nas atividade de ensino com
seus estudantes?
O role-playing acadêmico (não o mesmo que role-playing
game) pode ser definido como o envolvimento de participantes e
expectadores em uma situação com um problema real junto ao desejo
de solução e compreensão que tal envolvimento engendra (Joyce, Weil
e Calhoun, 2009). O processo de role-playing fornece uma amostra viva
do comportamento humano que serve como um veículo para que os
estudantes (1) explorem seus sentimentos; (2) adquiram ideias sobre
suas atitudes, valores e percepções; (3) desenvolvam suas habilidades e
atitudes de resolução de problemas e (4) explorem assuntos específicos
de variadas formas (Joyce e Weil, 1980).
De acordo com Henriksen (2004), role-play é “...um meio no
qual um pessoa, através da imersão em um personagem e no mundo
deste personagem, tem a oportunidade de participar e interagir com os
146
conteúdos desse mundo e com seus participantes” (p.108). Seaton,
Dell’Angelo, Spencer e Youngblood (2007) sugerem o uso do role-play
para ajudar no desenvolvimento do auto-conhecimento, da autoregulação e do auto-monitoramento. Em um estudo finlandês sobre os
role-playing games, Merilainen (2012) descreve o desenvolvimento
social e mental autonarrado por role-players (jogadores).
Habilidades específicas que podem ser adquiridas por meio da
prática do role-play incluem: modificar a prática de um indivíduo à luz
de comentários, permitir que o mesmo torne-se um bom ouvinte,
mostrar sensibilidade em relação à sugestões sociais, administrar
emoções em relacionamentos e exercitar a assertividade, a liderança e
a persuasão (Elias et. al., 1997). Karwowski e Soszynski (2008) usaram
o role-play com sucesso para treinar estudantes de graduação em
Pedagogia em sua criatividade, mas eles também acreditam que o roleplay pode desenvolver uma capacidade de criticismo construtivo. Sileo,
Prater, Lukner, Rhine e Rude (1998) sugerem que o role-play, assim
como as práticas de service-learning, são estratégias apropriadas para
facilitar o envolvimento e a aprendizagem de professores em formação.
De acordo com Randel, Morris, Wetzel e Whitehill (1992), não
deveria se esperar que os estudantes aprendessem a lidar com a
complexidade a menos que eles tivessem a oportunidade para tal, e os
autores desse estudo acreditam que o role-playing fornece uma
oportunidade de abordar tal complexidade. Em um estudo planejado
para comparar aulas expositivas com o role-playing no treinamento do
uso de reforço positivo, Adams, Tallon e Rimell (1980) observaram que
a performance de pessoal treinado por aulas expositivas era estável ou
147
decaía após uma melhora inicial, enquanto que a performance de
pessoal treinado por role-playing continuava a melhorar. Moore (2005)
lembra que os professores frequentemente usam o role-playing para
facilitar o envolvimento e a interação dos aprendizes no processo de
tomada de decisões.
Scinicki e McKeachie (2011) veem como vantagem mestra do
role-playing o fato de que os estudantes são participantes ativos ao
invés de observadores passivos e, portanto, devem tomar decisões,
resolver problemas e reagir aos resultados de suas próprias decisões.
Dell’Olio e Donk (2007) acreditam que o role-playing auxilia os
estudantes a fazerem escolhas responsáveis e autônomas, pois fornecelhes um espaço de debate para explorar múltiplas formas de ação e
reação em uma dada situação. Hall, Quinn e Gollnick (2008) afirmam
que a experiência adquirida por meio do role-play pode tomar lugar de
experiências em primeira mão que possivelmente seriam impossíveis
de adquirir de outra forma, e explicam que futuros professoreseducadores frequentemente citam tais experiências como as mais
formativas e as que mais influenciaram em parte de seu período de
formação. Randel et al. (1992) observou que os estudantes relataram
mais interesse no role-playing em comparação a métodos tradicionais
de ensino.
Uma preocupação, entretanto, em relação ao uso do role-play é
levantada por Shepard (2002) que descreve a ansiedade geralmente
vivida por estudantes que nunca haviam passado por uma experiência
de role-play antes, particularmente pelo fato de eles terem que encenar
em frente a seus colegas de classe. Henriksen (2004) também expressa
148
preocupações de que os estudantes podem não apenas estar ansiosos,
mas que podem também pensar que o role-play está associado a uma
imagem infantil. De sua parte, os professores são atraídos à prática de
role-play, principalmente se sua orientação teórica for de bases
construtivistas, permitindo que seus estudantes aprendam ao fazer
conexões entre seus próprios saberes e experiências.
2. CONSTRUTIVISMO E A NATUREZA DO PROCESSO DE
APRENDIZAGEM
Como definido neste estudo, a natureza do processo de
aprendizagem é a de um processo intencional por parte do aprendiz, de
construção de significado advindo de informações e experiências
pessoais. O role-playing acadêmico é um exemplo do uso do
construtivismo e da aprendizagem centrada no estudante, no qual os
estudantes são habilitados a criar seus próprios significados ao
participar
de
situações
realistas
de
cxv
vivência. De acordo com Lainema (2009), o construtivismo tem
ganhado popularidade novamente nos últimos anos, apesar de,
certamente, não ser algo novo. Todavia, mesmo hoje, é difícil defini-lo
de forma não ambígua. Baseado nas ideias de Dewey (1910), Piaget
(1970, 1972), Vygotsky (1978), o construtivismo pode ser definido em
uma variedade de formas com diferentes áreas em foco.
Kauchak e Eggen (2007) definem-o como uma “visão eclética
da aprendizagem que dá ênfase a quatro componentes: (1) os aprendizes
constroem seus próprios entendimentos, ao invés de os receberem de
149
alguém ou simplesmente captarem o que é transmitido; (2) um novo
aprendizado depende de compreensões e conhecimentos anteriores; (3)
a aprendizagem é ampliada por meio da interação social e (4) tarefas de
aprendizagem autêntica promovem a aprendizagem significativa” (p.9).
Ormrod (2000) diz que apesar de que possivelmente não há uma teoria
construtivista única, a grande maioria de seus seguidores compartilham
as mesmas cinco crenças: ambientes de aprendizagem desafiadores e
complexos; negociação social e compartilhamento de responsabilidades
como parte da aprendizagem; múltiplas formas de representação do
conteúdo; a compreensão de que o conhecimento é construído e a
instrução centrada no estudante.
Lainema (2009) concorda com a descrição do construtivismo
feita por alguns mais como um conjunto de princípios do que como uma
teoria coerente, e de que todos os defensores do construtivismo não
necessariamente compartilham da mesma visão destes princípios.
Marlowe e Page (2005) colocam o construtivismo em contraste com a
abordagem expositiva mais tradicional em quatro aspectos: o
construtivismo diz respeito à construção do conhecimento, e não ao
recebimento do mesmo; a aprendizagem construtivista diz respeito à
compreensão e aplicação, e não à reevocação; a aprendizagem
construtivista é ativa, e não passiva. A grande maioria dos
construtivistas concorda que o construtivismo enfoca no que os
estudantes fazem e experienciam e, portanto, os estudantes são
encorajados a assumirem o controle e a se tornarem progressivamente
mais responsáveis por seu próprio aprendizado.
150
Baseados então na teoria construtivista, prosseguimos definindo
a aprendizagem como a representação intencional, significativa e
coerente do conhecimento. Tal representação ocorre melhor quando os
estudantes são direcionados por um objetivo e é bem sucedida quando
eles conseguem conectar novas informações com conhecimentos já
existentes de maneiras significativas. Ela pode ser ampliada quando os
aprendizes têm a oportunidade de interagir e colaborar com outros
(American Psychological Association, 1997). O role-play, como uma
estratégia instrucional, aproveita-se destas práticas - conectando novas
experiências com experiências e conhecimentos prévios, e fazendo isso
na companhia de outras pessoas. De acordo com Gunter, Estes e
Schwab (2002), a única coisa que realmente afeta os aprendizes é o
significado que estes constroem por conta própria.
Lainema (2009) define a aprendizagem como um processo ativo
de construção, ao invés de comunicação, do conhecimento. Ela se
desenvolve melhor quando os aprendizes experimentam um insight,
que é definido por Bigge e Shermis (2004) como uma aquisição de
percepção ou uma maior compreensão de uma situação. Todas essas
condições
são
reforçadas
quando
os
estudantes
se
sentem
psicologicamente seguros (Rogers, 1969). Em geral, a aprendizagem
deveria envolver propósitos e esforços em direção a um objetivo. Ao
planejar currículos, a fim de que esse tipo de experiência seja
proporcionada aos estudantes, os professores deveriam pensar em
estratégias ativas e centradas nos estudantes que começariam,
idealmente, com problemas relevantes que os estudantes estão
motivados a resolver e aplicar em suas próprias vidas. Em nossa
151
opinião, o role-playing satifaz esses critérios. Em nosso uso do roleplaying
na
preparação
professores/treinadores
de
estudantes
efetivos,
definimos
para
nosso
se
tornarem
papel
como
facilitadores e líderes de discussões.
3. METODOLOGIA
3.1. Participantes do Estudo
Os participantes selecionados para o estudo foram estudantes
dos anos finais de Educação Física de um centro universitário norteamericano de ensino e pesquisa bem grande e diverso, situado em área
urbana, que estavam matriculados em um curso de métodos de ensino
sustentado por um componente de service-learning em uma escola de
ensino médio (por exemplo, treinar um time de futebol em horário
extraclasse).
O curso foi especificamente planejado para preparar professores
em formação para tornarem-se professores de Educação Física e
treinadores nas escolas públicas. Os alunos que assistiram o curso no
outono de 2010 e na primavera de 2011 estavam num grupo de controle
(N=50) e os outros estudantes que fizeram o curso no outono de 2011 e
primavera de 2012 participaram da intervenção de role-play (N=52).
Um subconjunto de 24 dos 52 estudantes (13 homens e 11
mulheres) participaram das atividades específicas de role-play e
responderam a ambos os questionários aplicados neste estudo. Os dois
pesquisadores eram professores na mesma universidade (College of
Education and Health Professions - Escola de Educação e Profissões
152
da Saúde), um deles do Departamento de Currículos e Treinamento e o
outro do Departamento de Cinesiologia. Um comitê interno de revisores
para pesquisa aprovaram os protocolos para este estudo.
3.2 Atividades de Role-Play (A Intervenção)
O modelo de role-playing usado no estudo é elaborado por
George e Fannie Shaftel e consiste de nove passos: (1) aquecer o grupo,
(2) selecionar os participantes, (3) estabelecer o palco, (4) preparar os
observadores, (5) atuar, (6) discutir e avaliar, (7) atuar novamente, (8)
discutir e avaliar e (9) compartilhar experiências e generalizar (Shaftel
e Shaftel, 1967). O objetivo do modelo Shaftel, e das diversas variações
feitas pelos investigadores, foi o de ensinar atitudes e habilidades de
resolução de problemas, tal como a habilidade de identificar um
problema, de planejar uma forma de solucioná-lo junto com as técnicas
alternativas e experimentar as consequências de diferentes maneiras de
lidar com situações problemáticas. Não foram adicionados elementos
de jogos ou de recompensas ao role-playing usado neste estudo.
Uma vantagem educacional única do modelo Shaftel é o seu
quarto estágio: preparar os observadores. Ao escolher estudantes que
não estão de fato interpretando um dos papeis para observar
especificamente um dos jogadores, todos os membros da turma tornamse diretamente envolvidos no processo. Então, durante o sexto estágio discutir e avaliar - é pedido aos estudantes não-participantes que
relatem sua reação ao papel que foi interpretado: se foi realista, foi bem
sucedido, quais valores foram adotados pelos jogadores, há alguma
outra forma na qual o papel poderia ser interpretado para atingir a
153
mesma conclusão ou uma diferente conclusão? Em grandes aulas
universitárias, é mais provável que os estudantes tornem-se e
permaneçam engajados no role-play se lhes é dada uma tarefa
específica e direta de observar e criticar um jogador em particular, ao
invés de simplesmente estarem presentes na sala enquanto outros
estudante estão atuando.
Em ambientes terapêuticos, quando o roleplay é usado, os
participantes são encorajados a se focarem em sentimentos, e esse tipo
de roleplaying conhecido como psicodrama ou sociodrama é, portanto,
planejado para permitir que sentimentos sejam expressos junto com
insights sobre o comportamento da própria pessoa que interpreta e
também das outras pessoas. Por outro lado, em ambientes educacionais,
o modelo Shaftel dá ênfase ao conteúdo intelectual, tanto quanto ao
conteúdo emocional e a análise e discussão que seguem a reatuação são
tão importantes quanto o próprio roleplay (Joyce e Weil, 1980).
Nos role-plays no presente estudo, os estudantes foram
encorajados a fazer ambos: reconhecer seus sentimentos e a discutir o
conteúdo cognitivo do curso sendo aproveitados pela vinheta. Além
disso, foi pedido a eles que procurassem por suposições subjacentes às
verbalizações e aos comportamentos das pessoas. Conforme o pós-roleplay foi encaminhado, foi também pedido aos estudantes que
identificassem valores que estavam sendo expressos. O modelo Shaftel
é planejado para tirar a ênfase do papel tradicional do professor,
permitindo que o professor ouça e aprenda com o grupo. Quando o
aprendiz tem a oportunidade de interagir e colaborar com outros em
154
tarefas
instrucionais,
o
aprendizado
é
ampliado
(American
Psychological Association, 1997).
Um objetivo final do modelo Shaftel e desta pesquisa foi,
portanto, permitir aos estudantes a oportunidade de trazer à sua
compreensão consciente seus próprios valores e testá-los frente às
visões dos outros. Na formação docente, isto é de significativa
importância conforme os instrutores tentam mover seus estudantes para
onde eles possam tanto validar valores presentes como revisá-los,
enquanto eles aprendem por meio de pontos de vista e sistemas alheios.
Uma vinheta original, ou cenário escrito, foi exibido aos
estudantes em um retroprojetor e os mesmos foram instruídos a
determinar qual seria o “resultado esperado” ou solução para o
problema proposto. Então, eles eram instruídos a planejar técnicas ou
diálogos que eles usariam para efetivar seu “resultado esperado”.
Enquanto os estudantes escreviam seus planejamentos, uma mesa e
algumas cadeiras foram colocadas na frente da sala de aula. Nesse
momento, os estudantes se voluntariaram (e em alguns casos eram
selecionados) para interpretar partes da vinheta. Depois que o role-play
foi concluído, os pesquisadores e os outros membros da sala deram seus
comentários e expressaram suas reações. Alguns role-plays adicionais
foram então conduzidos usando a mesma vinheta para dar a outros
estudantes a oportunidade de tentar suas próprias implementações de
ideias e estilos de interação.
Variações ou adaptações que foram feitas no modelo Shaftel
para este estudo incluíram o fato dos estudantes planejarem
antecipadamente e escreverem como eles iriam interpretar seus papeis,
155
focando na designação de um “resultado esperado”. Uma segunda
variação
permitiu
que
os
estudantes
encenassem
como
treinadores/professores de educação física para escolher uma “mão
direita” para sentar atrás dele/dela durante o role-play a fim de servir
como um auxiliar (para fazer sugestões úteis vindas de fora) para o caso
de ele/ela chegar a um impasse com a pessoa que estava encenando o
com algum outro personagem na vinheta. Uma variação final muito
popular chamou todos os estudantes em pares para fazer role-plays
sentados em seus lugares (a fim de experimentar ideias e planos), antes
de se voluntariarem para encenarem na frente da sala de aula. Cada uma
dessas variações foi usada com algumas das vinhetas, mas não com
todas as vinhetas.
3.3 As Vinhetas usadas para Role-Plays
De acordo com Schick (2008), é mais provável que os
participantes de um role-play esforçem-se plenamente e estejam
motivados a realizar as tarefas - e por consequência adquirir as
habilidades que estão sendo trabalhadas - quando o roleplay é sobre
algo que eles consideram pessoalmente significativo. As cinco vinhetas
originais usadas nas dramatizações foram compostas por conteúdos
considerados pessoalmente significativos para esse grupo de alunos.
Alguns dos problemas expostos a seguir são aqueles que os estudantes
podem eventualmente encontrar, tanto em sua atividade de servicelearning como em sua atividades como professores/treinadores
iniciantes: estudantes de escolas públicas geralmente não estão
motivados a participar; existem estudantes agressivos que podem estar
156
machucando outros estudantes; assédio sexual em direção ao
professor/treinador; estudantes que desafiam a autoridade do
professor/treinador; e o estabelecimento de uma relação de trabalho
com um treinador veterano que não está interessado no programa de
Educação Física da escola.
Em todas as vinhetas, exceto a que possui a participação do
treinador veterano, todos os personagens foram interpretados por
membros da sala de aula. Na vinheta sobre o treinador veterano, um dos
pesquisadores atuou como se fosse ele. Quando o pesquisador estava
atuando, os estudantes adoraram a chance de levar a melhor sobre seu
professor. Uma das respostas mais interessantes que apareceu depois
que cada uma das seções de discussão pós-role-play foram completadas
foi a de que os estudantes poderiam se voluntariar para interpretar
outras situações similares que eles gostariam de encenar.
Após o role-play sobre assédio sexual por um aluno em direção
a uma treinadora/professora, por exemplo, os estudantes sugeriram que
eles interpretassem o assédio sexual de uma aluna sobre um
treinador/professor e também o assédio sexual entre sexos iguais com
ambos os gêneros. Assim como os professores em formação
descreveram no trabalho de Sobel e Taylor (2005), nossos estudantes
também solicitaram cenários mais próximos do mundo real para
solucionar.
Esta foi a vinheta usada para simular o comportamento de um
estudante muito agressivo:
O quinto período vai se desenrolando e, dessa vez, os
calouros e veteranos adentram ao ginásio para uma aula
157
chamada de ‘esportes de times’. Eles te falam que eles
tem jogado usando uma bandeira para marcar as unidades
de distância no futebol americano e alguns estudantes vão
até o vestiário para pegar os equipamentos necessários.
Um veterano chamado Dominick divide os times e
administra a aula com muita eficácia, deixando muito
pouco tempo e oportunidade para que você maneje ou
controle qualquer coisa que seja. O jogo começa e
Dominick exibe um comportamento extremamente
agressivo em relação ao time oponente - atingindo os
estudantes bem forte, tropeçando neles e empurrando-os
ao chão violentamente. Ele também é abusivo em relação
aos colegas de seu próprio time, gritando com eles
quando cometem alguns erros e culpando-os por
qualquer coisa que dê errado no time deles. É obvio que
os alunos têm medo dele e farão qualquer coisa para
tentar ficar fora do caminho dele. Você chama Dominick
para conversar em seu escritório. Qual é o seu próximo
movimento?”
3.4 Fontes de Dados: Quantitativos
Duas fontes de dados quantitativos foram usadas para análise
neste estudo. A primeira utilizou um questionário na forma de escala
Likert com 14 itens, desenvolvido por um comitê da reitoria em relação
à eficácia e à interação em sala de aula em disciplinas universitárias.
Esse instrumento foi aplicado três vezes, em intervalos regulares, a
professores em formação ao longo dos semestres de controle e de roleplay. Baseado em critérios de relevância para este estudo, apenas seis
das 14 questões originais foram mantidas para análise. Como os dados
158
foram coletados com os participantes no decorrer do ano letivo anterior
àquele no qual as intervenções de role-play foram conduzidas, um
design quase-experimental de grupos não-equivalentes foi aplicado a
este conjunto de dados usando uma análise de amostras pareadas do tipo
T-test.
Esse teste compara as médias de duas variáveis, computa a
diferença entre as duas variáveis para cada caso e faz testes para ver se
as diferenças médias são significativamente diferentes ao nível de p <
0,05. O segundo conjunto de dados quantitativos foi coletado a partir
de um questionário somativo e descritivo tratando especificamente da
utilidade das atividades de role-play na disciplina e comparando-as aos
métodos de aulas expositivas tradicionais. Esse questionário foi
aplicado apenas a professores em formação que participaram das
atividades de role-play durante o mesmo semestre da intervenção (isto
é, grupo de intervenção do semestre da primavera de 2012 [N = 24]).
3.5 Fontes de Dados: Qualitativos
Usando uma abordagem naturalista (Lincoln e Guba, 1985), os
dados qualitativos foram coletados na forma de um questionário sobre
o role-play, um grupo focal de estudantes e reflexões individuais
escritas pelos instrutores. Tais dados foram gravados, transcritos e
analisados, anotando todas as unidades de significados salientes e
recorrentes que foram reportadas. Esses temas não apenas ajudaram a
explicar e clarear as informações quantitativas, mas também serviram
para atender a algumas das limitações quantitativas e fornecer uma
159
descrição mais completa e aprofundada dos fenômenos observado no
estudo.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
4.1 Questionário sobre a eficácia da disciplina
Os resultados do questionário sobre eficácia da disciplina
mostraram escores significativamente mais altos em dois dos seis itens,
entre os professores em formação inicial que participaram das
atividades de role-play (Figura 1). O primeiro item, “Os instrutores
pediram aos estudantes da sala que participassem de uma discussão de
um tópico em questão?” exibe como o uso do role-play em uma
disciplina pode incentivar o instrutor a engajar os estudantes com o
conteúdo em questão e criar um ambiente de ensino e aprendizagem
mais centrado no estudante. O segundo item, “Os estudantes fizeram ou
responderam perguntas do instrutor ou de seus colegas de classe?”
demonstra e confirma o que outros encontraram na literatura sobre o
nível necessário de engajamento dos participantes em atividades de
role-play e o efeito que isso pode ter nos participantes.
4.2 Questionário sobre o role-play
As respostas às cinco questões descritivas no questionário
somativo de role-play foram respondidas como a seguir:
160
Q1) Você já participou previamente de atividades role-play alguma
vez?
Não: 17
Sim: 7
Nota: Todos os 7 estudantes que disseram não ter participado
previamente em atividades de role-play afirmaram que vivenciaram o
role-play durante seus cursos universitários, exceto por uma estudante
que disse ter participado de um role-play em um curso de teatro, mas
no ensino médio.
Q2) Descreva sua reação ao uso do role-play como preparação para seu
service-learning, assim como para seu primeiro trabalho docente:
Muito útil: 24
Inútil: 0
Q3) Comparando o role-play com o método de aulas tradicionais da
universidade, qual deles você prefere?
Prefere o método de aulas tradicionais: 0
Prefere cenários de role-play: 22
Gosta dos dois igualmente: 2
Q4) Descreva seu nível de engajamento na aprendizagem durante o
role-play, comparado com o método de aulas tradicionais:
Mais engajado durante o role-play: 21
Mentalmente engajado, mas não me candidatei para atuar na
frente da sala: 3
161
Nota: Um desses três estudantes explicou: “Tinha vezes em que eu
poderia ter participado, mas eu optei por não participar. Na minha
opinião, eu estava engajado com respostas às reações de meus colegas
durante suas interpretações individuais.” Pareceu óbvio para os
pesquisadores que esses três estudantes não entenderam muito bem o
uso do termo “engajado” que foi usado no questionário sobre role-play.
Q5) Em relação a sua habilidade de pensamento crítico, compare os
dois estilos:
Mais engajado em pensamento crítico durante o role-play: 23
Mais engajado em pensamento crítico durante as aulas
tradicionais: 1
Nota: A explicação do estudante do segundo grupo foi: “Porque todo
mundo estava pensando ao mesmo tempo, eu não precisei pensar.” No
entanto, mais adiante no questionário, ele escreveu: “Eu sou um
aprendiz de mãos na massa e os cenários de role-play realmente me
colocam na situação, ao invés de só ler em um livro sobre eles.”
Outros comentários específicos sobre os
questionários
incluíram:
“O role-play te coloca mais perto das questões reais, ao invés de apenas
ouvir alguém dizendo a você como reagir. Era sempre excitante ver
como as diferentes pessoas responderiam. Eu aguardava ansioso pra ver
todas as diferentes técnicas. Eu sinto que o role-play te força a
responder rapidamente enquanto você também pensa criticamente,
162
oposto ao que acontece nas aulas tradicionais nas quais as pessoas só
podem encenar como se estivessem prestando atenção.”
“Eu tive que prestar atenção porque eu não tinha as situações escritas
em um livro depois.”
“Estar apto a refletir sobre esses role-plays e sobre as anotações que eu
fiz me ajudaram a lidar com aquela situação de uma melhor forma do
que se eu não tivesse tido experiências anteriores.”
“Eles me ajudam a descobrir o ‘objetivo’, porque pode ser que nós não
soubéssemos o objetivo antes. Eu devo focar no objetivo e não permitir
que minhas emoções interfiram no objetivo.” (Nota: O comentário feito
por este estudante se refere às instruções para escrever o objetivo
pretendido antes de começar o role-play.)
“O role-play me dá uma melhor ideia das situações do ‘mundo real’ e
ele tem colocado mais ferramentas na minha bagagem.”
“Só quando você se vê em uma situação-problema é que você aprende
sobre os sentimentos, obstáculos, etc. como se você estivesse realmente
no ‘mundo real’. Realmente não me ajuda pessoalmente quando me
dizem como lidar com certa situação. É mais fácil aprender
FAZENDO.”
“O maior benefício foi que eu estava apto a ouvir a como os outros
responderiam a situações específicas. Conforme eu assistia os outros
163
participarem, eu me senti apto a me colocar dentro da situação e a
pensar mais criticamente sobre minhas respostas.”
No geral, suas respostas aos questionários revelaram que
aprender com seus pares, experimentar ideias em um ambiente seguro,
ser forçado a planejar um resultado esperado antecipadamente e ouvir
o feedback dos outros foram suas experiências mais valiosas.
4.3 O grupo focal
As discussões que emergiram do grupo focal incluíram temas
relevantes em situações que tinham chance de aparecer ao trabalhar-se
em um ambiente de ensino fundamental de uma escola pública (por
exemplo, o planejamento para o sucesso, construção de confiança,
164
comunicação efetiva e utilidade de processos). Todos os comentários
foram, de uma ou outra forma, reflexões sobre a autenticidade do
treinamento para a vida em escolas, apesar de que não era um
treinamento no futuro ambiente de trabalho literalmente.
A procura de um estilo ou estratégia para lidar com os desafios
e as realidades da profissão foi explícita, como observou-se uma e outra
vez que esta estratégia de aprendizagem foi eficaz em trazer os pontos
fortes e fracos quando se trata de lidar com situações comuns
educadores se deparam com todos os dias. Como resultado, a
experiência de role-play forneceu uma realização inicial básica sobre
como futuros professores possivelmente respondem no trabalho,
permitindo profundas reflexões e auto-análises de como lidar com
situações semelhantes que estão logo “ao virar da esquina” em seus
projetos de service learning e/ou residência de ensino do estudante.
A outra parte do grupo focal refletiu sobre alguns dos benefícios
de passar por uma espécie de exercício de aprendizagem autêntico e
orientado sem estar vinculado a uma situação "real" com consequências
diretas. Raramente, é dada aos professores novatos uma oportunidade
que permita um julgamento que encoraja que os erros sejam feitos sem
quaisquer consequências reais para os estudantes. Isso inclui a
acessibilidade que o role-play permite ao ter um tempo limite,
considerar vários ângulos e soluções, e repensar a forma de abordar uma
situação particular. Estes exercícios permitiram tempo e espaço extra
para perguntas, novas ideias, elaborações e redirecionamento de uma
experiência a fim de ganhar profundidade e entendimento das formas
adequadas (e impróprias) de abordar ou lidar com interações de ensino
165
e situações de aprendizagem. Isso é extremamente importante, pois
sabemos que a escolha de uma palavra por um professor, a linguagem
corporal, e disposição pessoal representa tudo de significativo ao lidar
com os alunos.
Também foi discutido se esta plataforma torna possível
aprender com várias pessoas com diferentes experiências (e não apenas
o professor), e para ganhar uma perspectiva multi-dimensional sobre
como lidar com o problema de forma eficaz e em diferentes contextos.
Por fim, houve consenso entre os participantes que a estratégia de roleplay ajudou pré-profissionais a melhor prever desafios e tirar o tempo
necessário (ou fazer tempo) para se preparar para situações precárias
que provavelmente ocorrerão em algum momento de sua carreira.
Com efeito, as atividades de role-play permitiram a professores
habilitados estarem à procura de conflito ou de divergência, a serem
proativos ao invés de reativos, e a saber a melhor forma de tirar proveito
de uma oportunidade quando apresentados a ela.
4.4 Observações dos pesquisadores
Dando boa parte do crédito às investigações sobre a formação
de professores ao longo das últimas décadas, a literatura tem
repetidamente apontado a formação experiencial como um meio eficaz
para a preparação de futuros professores para o seu trabalho na
educação (Café, 2010; Domangue & Carson, 2008; Wasserman, 2009).
Este
trabalho
concentrou-se
principalmente
166
na
aplicação
de
conhecimentos teóricos e conteúdos junto às disposições, experiências
e práticas de campo (por exemplo, o service learning), além da mera
leitura e da análise do material do curso em geral. Embora este impulso
tenha aprimorado a metodologia de formação de professores por incluir
a experiência prática e a reflexão guiada com orientação experiente, o
service learning em si ainda tem suas limitações. Acima de tudo, o
service learning está afetando os alunos em tempo real e você não
consegue repetir as ações.
Não é possível simplesmente dizer “tempo esgotado” e
reexaminar como lidar com uma situação ou ter um momento para
analisar todas as variáveis que entram em fração de segundo a tomada
de decisões ao trabalhar com grandes grupos de alunos; o ensino dá-se
em tempo real. Ao adicionar um terceiro componente como o role-play
para este trio de formação de professores, formadores de professores
têm outra ferramenta para se preparar para situações propensas ao
avaliar, analisar e redirecionar uma experiência preparatória antes da
experiência de service learning efetiva. Para determinar se a
aprendizagem ocorreu ou deixou de ocorrer, estamos de acordo com
Jonnassen, Peck, & Wilson (1999) em que a avaliação deste tipo de
atividade é orientada a processos, e uma das formas mais válidas de
avaliação é, portanto, avaliá-la enquanto a atividade estiver ocorrendo.
5. Conclusão
Todo professor de ensino fundamental sabe que o trabalho com
alunos adolescentes nem sempre é uma tarefa fácil. Todos os dias há
um novo desafio que os educadores têm de enfrentar, e isso leva tempo
167
e experiência para aprender a lidar com situações de forma adequada
com essa população. Ganhar experiência sobre o mundo real em um
ambiente universitário é muitas vezes difícil, pois o acesso a escolas e
alunos também nunca é fácil ou conveniente. Usando técnicas de
dramatização/encenação para orientar futuros educadores para esses
encontros provavelmente difíceis é uma maneira eficaz para construir
uma plataforma para a exploração de questões, fornecer orientação
prática, e inspirar a reflexão sobre as melhores práticas. Este estudo
demonstrou que o role-play acadêmico em um curso de formação de
professores com um componente de service-learning pode melhorar a
interação entre instrutores e alunos e também entre alunos e alunos no
curso, fortalecendo, portanto, o reforço da aprendizagem dinâmica ativa
em uma sala de aula da universidade.
No que diz respeito às questões específicas abordadas nesta
pesquisa, conclui-se que a utilização da versão adaptada do modelo de
role-play de Shaftel fez (1) aumentar a interação em sala de aula dos
alunos com seus pares e com seus instrutores; (2) fez aumentar as
respostas positivas dos alunos em relação ao conteúdo dos cursos,
especialmente em comparação com o mesmo conteúdo ensinado sem o
uso do role-play; e (3) fez aumentar a confiança dos alunos na sua
capacidade de ter sucesso na atividade de service learning, bem como
no ensino de seus futuros estudante. Futuras pesquisas, no entanto,
devem analisar se e em que medida variáveis de base do estudante,
como idade, sexo, nível de ansiedade de desempenho, e experiências
acadêmicas e/ou não acadêmicas com o role-play fazem alguma
diferença nas reações e respostas dos alunos.
168
Ao utilizar uma versão adaptada do modelo Shaftel de roleplays, os resultados podem ter sido diferente caso o modelo original de
Shaftel de nove etapas tivesse sido utilizado. Também seria interessante
determinar se os alunos teriam reagido da mesma forma caso
estivessem apenas estudando para se tornar futuros professores/
treinadores sem se preparar para fazer um projeto de ensino-serviço que
afetaria suas notas do curso. Como este estudo não controlou tais
variáveis, e por causa do pequeno N, criar uma generalização em
relação ao uso de role-play com todos os alunos em formação estudando
para se tornarem treinadores e professores de educação física, enquanto
matriculados em cursos de service learning, é algo que deve ser feito
com cautela.
Nota: Para preparar futuros professores para seu semestre de prática de
ensino/residência exigido pela maioria dos estados nos Estados Unidos,
os formadores de professores geralmente pedem para seus estudantes
encenarem o papel de um professor em um formato de microaula, na
qual eles dão uma aula simulada para alguns estudantes.
¿Como ocurre el Rol en Montevidéu?
Como é o RPG em Montevideo
Entrevistador: Giovanni Tavaniello
Membro da Associação de RPG “El Bastion”
[email protected]
169
Entrevistado: Martin A.Perez
Membro co-fundador do grupo
Cavaleiros de Montevideo, sendo
um dos jogadores pioneiros na
capital.
[email protected]
Tradução: Bruna Fontana Frappa
Universidade Federal de Uberlândia
170
Giovanni: ¿Martin, hace cuanto es que juegas rol y cómo
comenzaste?
Giovanni: Martin, quanto tempo faz que joga RPG e como começou?
Martin: Empecé a jugar en el 97.... ya tenía idea de que eran los
juegos de rol, porque de chico viví con mi familia en EE.UU., y mis
hermanos mayores habían jugado, y yo heredé libros de ellos... pero
no fue hasta el 97 que no me contacté con gente que ya jugaba rol aca
en
Uruguay.
Yo me había hecho socio de una BBS (una red informática local, por
modem telefónico, aunque ya habia uso limitado de internet), donde
había varios jugadores de rol, me hice amigo de ellos, y empecé a
jugar. Julio del 97, vacaciones de julio, para ser exacto, y jugando
AD&D 2nd Ed.
Martin: Comecei a jogar em 97.... já tinha idéia do que eram os jogos
de RPG, porque quando criança vivi com minha família nos E.U.A e
meus irmãos mais velhos haviam jogado, e eu herdei os livros deles...
mas não foi somente em 97 que tive contato com gente que jogava RPG
aqui no Uruguay.
Eu tinha me feito sócio de uma BBS (rede informática local, por
modem telefónico, mesmo havendo uso limitado de internet), onde
havia varios jogadores de RPG, fiz amizade com eles e comecei a jogar.
Julho de 97, férias de julho, para ser exato, e jogando AD&D2nd Ed.
171
Giovanni: ¡Eso fue hace un buen tiempo! ¿Antes de eso habías sentido
que se jugará rol antes acá? ¿O de alguna agrupación?
Giovanni: Isso foi há um bom tempo! Antes disso sabia que já se
jogava RPG aqui? Ou de algum grupo?
Martin: No, antes de eso no, por eso no había empezado a jugar con
nadie (aunque se me podría haber ocurrido empezar yo con mis
amigos, no?); luego, ya en contacto con otros jugadores, supe de gente
que jugaba aca de antes. Esta gente jugaba hace unos años (94 mas o
menos), y conocian gente que jugaba de un par de años antes, sobre
todo gente que habia traido cosas de EE.UU. o Brasil... y yo luego
escuche que a fines de los 70133 hubo un mítico (porque nadie te puede
dar un nombre de persona) grupo de rol en la Facultad de Ingeniería,
que se supone es el primero aca.
Martin: Não, antes disso não, por isso não tinha começado a jogar com
ninguém (embora eu pudesse ter pensado em começar com meus
amigos, não?); logo, já em contato com outros jogadores, eu soube de
gente que jogava aqui antes. Essas pessoas jogavam há alguns anos (94
mais ou menos) e conheciam gente que jogava há dois anos antes,
especialmente as pessoas que tinham trazido coisas dos E.U.A. e
133
En la decada del 70’ Uruguay estaba bajo Dictadura; no pudiendo haber
reuniones sin aprobacìon policial.
172
Brasil... e então eu ouvi que no final dos anos 70134 houve um mítico
(porque ninguém pode dar um nome pessoal) grupo de RPG na
Faculdade de Engenharia, que se supõe ter sido o primeiro daqui.
Giovanni: Tengo entendido que fuiste uno de los fundadores de un
grupo igual de “mítico” para varios jugadores de la actualidad
conocido como Caballeros de Montevideo. ¿Como fue que se formó?
Giovanni: Entendi que você foi um dos fundadores de um grupo igual
ao "mítico", para vários jogadores de hoje, conhecido como
Cavaleiros de Montevidéu. Como foi que se formou?
Martin: No se si aplica lo de mítico (sobre todo porque hay pruebas
en la prensa de nuestra existencia); pero bueno. Mirá, Caballeros tiene
su origen, sin ese nombre, cuando yo fui uno de los fundadores de
Montevideo Comics a fines del 2001, y se hizo la primera convención
en 2002. Como era el único de los tres fundadores (los otros dos eran
Carlos Boquete, y Matías Castro, este último sigue estando en la
organización) que jugaba rol, me encargué de organizar la parte de
rol del evento... de hecho, no hubiese habido juegos de rol si no fuera
por mi participación (no para sacarme cartel, ojo).
Martin: Não sei se pode ser chamado de mítico (sobretudo por haver
provas de nossa existência na imprensa); mas bem. Veja, Cavaleiros
originou-se, sem esse nome, quando eu era um dos fundadores do
134
Na década de 70, o Uruguai estava sob regime ditatorial; não podendo haver
reuniões sem a aprovação da polícia.
173
Montevideo Comics, no final de 2001, e se fez a primeira convenção
em 2002. Como era o único dos três fundadores que jogava RPG (os
outros dois eram Carlos Boquete e Matías Castro, este último segue na
organização), me encarreguei de organizar a parte de RPG do evento...
Na verdade, não teria havido role-playing games, não fosse a minha
participação (não digo para me sobressair, veja bem).
Luego de la convención, que fue por abril o mayo de 2002; se me
ocurrió que, como hacían grupos en Argentina, podíamos hacer un
evento solo de rol y recaudar alimentos no perecederos para donar.
Con Enrique "Endriago" Castillo y Andrés "Metal King" Montañez
(dos miembros de mi grupo de rol personal, con el que jugamos entre
amigos) hicimos la propuesta al INAU (Instituto del Niño y
Adolescente del Uruguay), para hacer un evento en octubre, bajo el
nombre de CDM. El INJU (Instituto Nacional de la Juventud) aceptó,
y de hecho nos pidieron que antes de ese evento participaremos en
INJULIO (Juego de palabras entre INJU y Julio), las actividades
recreativas que hacían en las vacaciones.
Logo após a convenção, que foi em torno de abril ou maio de 2002; me
ocorreu que, como se faziam grupos na Argentina, poderíamos fazer
um evento só de RPG e arrecadar alimentos não-perecíveis para doar.
Com Enrique "Endriago" Castillo e Andrés "Metal King 'Montañez
(dois membros do meu grupo de RPG pessoal, onde jogamos entre
amigos), fizemos a proposta ao INAU (Instituto da Criança e do
Adolescente do Uruguai), para fazer um evento em outubro, sob o
174
nome de CDM. O INJU (Instituto Nacional da Juventude) concordou,
e de pronto nos pediram que antes desse evento, participássemos no
INJULIO (trocadilho INJU e julho), atividades recreativas que
realizavam nas férias.
Tanto INJULIO, como la primera jornada de Caballeros fueron un
éxito, y al año siguiente, seguimos organizando la sección de rol de
MC, pero ahora con el nombre. Durante 10 años, hicimos nuestro
evento central en primavera, juntando alimentos, y otros eventos en
marzo juntando útiles o libros, y en diciembre/enero juntando juguetes.
Durante el apogeo (*), llegamos a hacer la jornada de primavera de
dos días, e incluso tuvimos bandas tocando. Llegamos a juntar mas de
una tonelada de alimentos, y cientos de libros y juguetes.
Tanto INJULIO, como a primeira jornada de Cavaleiros foram um
sucesso no ano seguinte, continuamos organizando a sessão de RPG de
MC, mas agora com o nome. Por 10 anos, fizemos o nosso evento
central na primavera, coletando alimentos, e outros eventos em março
reunindo objetos úteis ou livros, e em dezembro / janeiro coletando
brinquedos. Durante o apogeu, chegamos a fazer a jornada de
primavera de dois dias, e inclusive tivemos bandas tocando. Chegamos
a juntar mais de uma tonelada de alimentos, e centenas de livros e
brinquedos.
Yo quedé por fuera de MC en el 2006, pero Endriago siguió
ocupándose de la parte de rol... el nombre Caballeros no se usa mas,
175
pero
sigue
siendo
lo
mismo,
en
esencia.
Los eventos propios los dejamos de organizar por falta de tiempo
personal, y porque con la popularización de internet y otros lugares
para jugar (Botch, aunque luego cerraría), la gente no precisaba tanto
de los eventos para conocer el hobby o para encontrar grupos. Por eso
dije que hubo un (*) apogeo.
Eu fiquei por fora do MC em 2006, mas Endriago seguiuocupando-se
da parte de RPG... O nome Cavaleiros não se usa mais, porém segue
sendo o mesmo, em essência. Deixamos de organizar nossos eventos
próprios pela falta de tempo pessoal, e porque com a popularização da
internet e de outros lugares para jogar (Botch, mesmo que fecharia
logo), as pessoas não precisavam tanto dos eventos para saber o hobby
ou para encontrar grupos. Por isso eu disse que houve um apogeu.
Ah, fuimos los primeros en dar premios a roleros, los Zeppelin
(Premios que se daban en las jornadas organizadas por CDM a
Jugadores y Masters), de los cuales usted tiene uno al menos! Y si bien
hubo un boliche rolero antes (Tierra Media), fuimos los primeros en
hacer eventos públicos de rol.
Ah, fomos os primeiros a dar prêmios para rpgistas, os Zeppelin
(prêmios que de davam nas jornadas organizadas pelo CDM para
jogadores e Mestres), dos quais você tem pelo menos um! Se bem que
houve uma jornada de RPG antes (Terra Média), fomos os primeiros a
fazer eventos públicos de RPG.
176
Giovanni: Sin embargo hoy en día hay dos grupos que centralizan y
hacen jornadas de juego en Montevideo y otros fuera de la capital
(Como el departamento de Maldonado). ¿Pensas que estos son como
los hijos (como que descendieron de la misma idea) de CDM o que
forman parte de una evolución natural en el hobby?
Giovanni: Porém, hoje em dia existem dois grupos que centralizam e
fazem jornadas de jogo em Montevidéu e outros fora da capital (como
o Departamento de Maldonado). Você pensa que eles são como os
filhos (como se descendessem da mesma ideia) do CDM ou formam
parte de uma evolução natural no do hobby?
Martin: Sería muy egocéntrico de mi parte clamar que alguien es
"hijo" de CDM (pero tengo conocimiento directo de gente que dirige y
juega hoy luego de haber jugado por primera vez en un evento
nuestro); y además, La Tropa de Mordor (que tampoco está activa hoy
día) organizó un evento que tuvo lugar entre INJULIO y la primera
jornada nuestra (pero después del primer Montevideo Comics); así
que había una idea similar en varias personas al mismo tiempo.
Martin: Seria muito egoísta da minha parte afirmar que alguém é
"filho" de CDM (mas ter conhecimento direto de pessoas que dirigem
e jogam hoje depois de jogar pela primeira vez em um evento nosso);
ademais, A Tropa de Mordor ( que também não é ativa hoje em dia)
organizou um evento que teve lugar entre o INJULIO e nossa primeira
177
jornada (mas após a primeira Montevideo Comics); assim houve uma
ideia semelhante de várias pessoas ao mesmo tempo.
Y si, incluso en aquella epoca, 2002-2003, había un grupo en La Paz,
Canelones, Igdrasil, que se había formado directamente inspirado por
Caballeros... pero creo que todos los grupos o iniciativas nacen de una
necesidad común de buscar mas gente para jugar, mas gente para
compartir el hobby.
E sim, inclusive naquela época, 2002-2003 havia um grupo em La Paz,
Canelones, Igdrasil, que havia se formado diretamente inspirado pelos
Cavaleiros, mas creio que todos os grupos ou iniciativas nascem de
uma necessidade comum de buscar mais pessoas para jogar, mais
pessoas para compartilhar o hobby.
Salvo la gente de 2d4Orcos, no tengo conocimiento de eventos
puramente de rol (sí convenciones frikis CON rol) acá ahora, pero
puede ser que haya. Es bueno siempre acercar gente al hobby, o darle
la oportunidad a la gente que juega con un grupo a un juego X de jugar
con otra gente y probar otros juegos. Yo que sé, con que una persona
(y por suerte, conozco varios) juegue rol porque lo conoció en un
evento que ayude a organizar... yo me siento muy, muy feliz.
Exceto as pessoas de 2d4Orcos, não tenho conhecimento de eventos
puramente de RPG (sim, convenções frikis com RPG) aqui agora,
mas pode ser que tenha. É sempre bom trazer pessoas para o hobby,
178
ou dar a oportunidade às pessoas que jogam com um grupo um jogo
X, de jogar com outras pessoas e experimentar outros jogos. Eu que
sei, se uma pessoa (e por sorte, conheço vários) joga RPG porque o
conheceu em um evento que ajudei a organizar ... Eu me sinto muito,
muito feliz.
Giovanni: ¿Que jugas en la actualidad Martin y cuáles piensas que
son los Juegos mas jugados actualmente en Uruguay?
Giovanni: O que joga atualmente, Martin, e quais jogos acha que são
os mais jogados hoje em dia no Uruguai?
Martin: Juego muchísimo menos de lo que me gustaría... actualmente
estoy dirigiendo Marvel Superheroes (pero usando el sistema de Star
Wars RPG d6 modificado por mi), y ocasionalmente jugando Séptimo
Mar. Hasta hace poco, jugué Savage Worlds (Day After Ragnarok,
para ser más exactos), una larga y gran campaña de Séptimo Mar, y
mucho Star Wars; y hace mas tiempo, Mage: The Ascension y
Pathfinder. Me gustaría volver a jugar Star Wars, Shadowrun, y
Mage de manera regular, pero a todos se les complican los horarios.
Martin: Eu jogo muitíssimo menos do que o que eu gostaria ...
Atualmente estou dirigindo o Marvel Superheroes (mas usando o
sistema de Star Wars RPG d6 modificado por mim), e
ocasionalmente, jogando Sétimo Mar. Até pouco tempo atrás joguei
Savage Worlds (Day After Ragnarok , para ser exato), uma longa e
179
ampla campanha de Sétimo Mar, e muito Star Wars; e faz mais, Mage:
The Ascension y Pathfinder. Eu gostaria de voltar a jogar Star Wars,
Shadowrun, Mage de maneira regular, mas para todos se complicam
os horários.
Que se juega más aca ahora? No tengo idea. Se que hay gente
jugando nWoD (Vampiro y Werewolf, sobre todo), Warhammer 40k,
Shadowrun, y D&D, más bien 3.5, pero algo de 5ta. Pero no sé las
proporciones, la verdad, porque solo se basa en conversaciones
puntuales con algunos amigos o conocidos. Despues, tambien sin
numeros, basta ver laprogramaciónn de las noches de las Taberas
Orcas para ver que se juega DE TODO en la vuelta.
O que mais se joga aqui agora? Eu não faço ideia. Eu sei que tem gente
jogando nWoD (Vampiro y Werewolf, principalmente), Warhammer
40k, Shadowrun, e D&D, mais 3.5, algo de 5ª edição. No entanto não
sei as proporções, realmente, porque isso só se baseia em conversas
pontuais com alguns amigos ou conhecidos. E também sem números,
basta ver a programação das noites das Taberas Orcas para ver que se
joga de tudo em volta.
Giovanni: ¿Estas enterado de algún estudio que se haya realizado
sobre las influenzas positivas de jugar Rol acá en Uruguay?
Giovanni: Está inteirado de algum estudo que tenha se realizado
sobre as influências positivas de jugar RPG, aqui no Uruguai?
180
Martin: Hmm... sobre influencias positivas exactamente no; pero fui
entrevistado por tres o cuatro estudiantes, alguno de comunicacion, y
alguno de sociología, más unos diez o doce medios de prensa, y en
todos se habló de ese tópico, además de todo lo demás rodeando el
hobby. Yo cada vez que alguien me pregunta, habló sobre los
beneficios que tiene para la imaginación, la socialización, etc.
Martin: Hmm... sobre influências positivas exatamente não; mas fui
entrevistado por três ou quatro alunos, alguns de comunicação, e alguns
de sociologia, e mais cerca de dez ou doze meios de mídia, e em todos
se falou sobre esse tópico, além de tudo mais que rodeia o hobby. Eu,
cada vez que alguém pergunta, falo sobre os benefícios que tem para a
imaginação, a socialização, etc.
Giovanni: ¿Como crees que las instituciones públicas o el gobierno
ve este Hobby?
Giovanni: Como crê que as instituições públicas ou o governo veem
este Hobby?
Martin: Como conjunto, las instituciones públicas y el gobierno no
tienen ni idea que este hobby existe. Individuos puntuales que han
trabajado en algunas reparticiones (como el INJU, INAU, etc) saben
algo por los contactos que han tenido conmigo o con otros
organizadores de eventos, pero al no haber una industria o producción
181
local (salvo algún esfuerzo aislado), el gobierno no tiene idea del
hobby... al igual que no lo tiene el público en general.
Martin: Como conjunto, las instituciones públicas y el gobierno no
tienen ni idea que este hobby existe. Individuos puntuales que han
trabajado en algunas reparticiones (como el INJU, INAU, etc) saben
algo por los contactos que han tenido conmigo o con otros
organizadores de eventos, pero al no haber una industria o producción
local (salvo algún esfuerzo aislado), el gobierno no tiene idea del
hobby... al igual que no lo tiene el públicoo en general.
Martin: Como um todo, as instituições públicas e o governo não tem
nem ideia de que este hobby existe. Indivíduos específicos que tenham
trabalhado em alguns departamentos (como INJU, INAU, etc.) sabem
algo pelos contatos que tiveram comigo ou com outros organizadores
de eventos, mas na ausência de uma indústria ou produção local (salvo
algum esforço isolado), o governo não tem ideia do hobby... Como
também não tem o público em geral.
Giovanni: ¿Por último, cuál crees que es el futuro para este hobby
en Uruguay?
Giovanni: Finalmente, qual crê que seja o futuro para este hobby no
Uruguai?
182
Martin: ¿Futuro? No creo que tenga más futuro que el de que siga
jugando gente; en ese sentido, el hobby siempre va a existir. El mercado
va a seguir siendo muy chico, no va a haber una venta formal y
sostenida de manuales, y mucho menos producción masiva... porque si
bien se pueden hacer juegos aca (y hay algunos), nunca van a tener el
potencial de exportación que tienen los videojuegos... porque el
mercado en todo el mundo es muy chico, y es dificil llegarle con algo
así a un jugador de rol de EE.UU.; al contrario que si se puede lograr
con videojuegos (sobre todo los casuales).
Martin: Futuro? Não creio que tenha mais futuro do que as pessoas
seguirem jogando; nesse sentido, o hobby sempre vai existir. O
mercado vai continuar muito pequeno, não haverá uma venda formal e
sustentada de manuais, muito menos produção em massa... Porque
mesmo que possam se fazer jogos aqui (e há alguns), nunca vai haver o
potencial de exportação que têm os videogames... porque o mercado em
todo o mundo é muito pequeno, e é difícil de chegar com algo assim a
um jogador de RPG dos Estados Unidos.; ao contrário, se você pode
chegar com videogames (sobretudo os casuais).
Giovanni: ¡Muchas gracias por tu tiempo!
Giovanni: Muito obrigado pelo seu tempo!
183
RESENHA:
PLAYING AT THE WORLD
Tradutora: Gislaine Caprioli135
Mika Loponen
Doutorando
Universidade de Helsinki
+358 50 403 3305
[email protected]
Jukka Särkijärvi
Mestrando
Universidade de Tampere
+358 50 512 0685
[email protected]
RESUMO
Playing at the World, de Jon Peterson, é uma história ambiciosa
dos primeiros desenvolvimentos do Dungeons & Dragons, sem
dúvida, o primeiro e mais popular RPG.
PALAVRAS-CHAVE: Dungeons & Dragons, RPG de mesa,
história da representação.
135
Bacharel em Tradução pela Universidade Sagrado Coração de Bauru-SP
184
1. INTRODUÇÃO
Playing at the World, de Jon Peterson (1), é a história mais
detalhada que já foi escrita sobre o período de nascimento e as
origens de Dungeons & Dragons. O livro procura mapear as
influências de uma miríade de projeto de jogos e de ficção de
fantasia que levaram à sua criação através de uma pesquisa
enorme da história, referências intertextuais e um ponto de vista
de transmídia. Seu tamanho é ambicioso e Peterson foi capaz de
utilizar um grande número de fontes primárias, tais como fanzines
com números de circulação minúsculos. Só por ter sido capaz de
reunir a maioria dessas fontes, o trabalho pode ser considerado
uma conquista cultural em si só: estritamente pelo número de
fontes primárias, o trabalho de Peterson já é uma tarefa
monumental. Se não fosse por alguns problemas, o trabalho seria
um clássico instantâneo e indispensável para qualquer um que faz
pesquisa sobre as fases de nascimento da representação moderna
ou apenas se interessa pelo assunto.
Com 698 páginas (contando com um índice abrangente e
uma lista de referências respeitável), Playing at the World tenta
incluir todos os aspectos das fases do nascimento do D&D. No
entanto, tal ambição é prejudicada pela incapacidade do livro em
distinguir fatos de maior e menor importância. Eles são
frequentemente misturados com listas extensas de fontes e
explicações,
dando
grande
importância
185
para
detalhes
aparentemente pequenos e escondendo fatos de maior peso entre
aqueles de menor significado. Da mesma forma, como
discutiremos abaixo, o texto sofre de um viés de fato seletivo e
partes dele devem ser lidas com um pé atrás. A credibilidade do
livro sofre em pontos em que determinadas fontes parecem ter
sido privilegiadas sobre outras para construir uma narrativa
específica.
2. A PRÉ-HISTÓRIA DA REPRESENTAÇÃO
A ambição do livro é evidente desde o primeiro capítulo,
o qual nos fornece uma apresentação incrivelmente vívida sobre
o começo dos jogos de guerra e dos antecessores do D&D
moderno na forma de jogos de guerra com fantasia e do jogo
Chainmail. Infelizmente, o capítulo sofre sempre que Peterson
discute o nascimento do cenário medieval. Os problemas são
ainda mais visíveis no segundo capítulo, sobre o gênero de
fantasia medieval: as escolhas mostram omissões e subjetividade
que podem, devido à quantidade de referências, serem
consideradas como fatos para um leitor desavisado (mais detalhes
abaixo).
Felizmente, o livro fica melhor a partir do terceiro
capítulo, sobre a criação do conjunto de regras. Para rastrear as
fontes que originaram o D&D, o livro volta ao passado distante
atrás das origens, começando com os primeiros jogos de tabuleiro
conhecidos, avançando para o desenvolvimento do jogo de guerra
186
Kriegsspiel, e então, acompanhando o desenvolvimento nos
mínimos detalhes de jogos de guerra do final do século XVIII, até
o surgimento do jogo Chainmail e, finalmente, o D&D. É dada
atenção às inovações específicas que surgiram durante esse
período, quando simulações de treinamento militar geraram os
primeiros
jogos
de
guerra
comerciais,
com
um
lado
particularmente prolongado dedicado à probabilidade como uma
disciplina matemática.
No quarto capítulo, o livro salta novamente para o passado
para discutir como a interpretação de personagens nasceu, desta
vez começando com o psicodrama de Jakob Moreno e, em
seguida, cobrindo uma variedade de atividades com elementos de
representação durante a metade do século XX. É muito
interessante uma discussão sobre como o início da fandom de
ficção científica produziu exemplos de narrativa colaborativa e
representação, originando a Society for Creative Anachronism136
em 1963. Também somos informados sobre as descrições mais
completas da série influente de David Wesely137 de sessões do
jogo Braunstein impresso.
136
Nota da tradutora: A Society for Creative Anachronism é uma organização
internacional dedicada à pesquisar e recriar as artes e habilidades da Europa
antes do século XVII. O “Mundo Conhecido” deles é composto por 19 reinos,
com mais de 30.000 membros que residem em países ao redor do mundo. Os
membros se vestem com roupas da Idade Média e do Renascimento e
participam de eventos com torneios, cortes reais, banquetes, danças, aulas e
workshops, e muito mais. Informação disponível no site oficial:
<http://www.sca.org/>. Acesso em 30187
mar. 2015.
137
No documento original indica Dave Wesely, mas, de acordo com as
minhas fontes, o nome correto é David:
http://mundoestranho.abril.com.br/materia/qual-foi-o-primeiro-jogo-de-rpg
No capítulo final, tendo acompanhado os diferentes
caminhos de inspiração que levaram ao nascimento do D&D, o
livro abrange os anos de 1974 até 1977 e mais ou menos tudo o
que aconteceu em torno do jogo durante essa época. Através de
fanzines, revistas e algumas cartas particulares, Peterson
documenta a recepção e disseminação do jogo, as primeiras Gen
Cons138 depois do lançamento e um maior desenvolvimento do
jogo, como o surgimento da classe “ladino”. Essa também foi a
época em que a indústria de RPG começou a tomar forma e
nasceram os primeiros concorrentes para a empresa Tactical
Studies Rules.
Embora os primeiros anos do D&D sejam bem conhecidos
e em grande parte uma questão de registro histórico, Peterson
conseguiu desenterrar um tesouro de informações anteriormente
desconhecidas. Também foi discutida a saída de Dave Arneson
do D&D, embora Peterson sabiamente tenha aderido à
comunicação apartidária e evitado o sensacionalismo facilmente
instigado pelo tópico.
http://finslab.com/enciclopedia/letra-d/david-wesely.php
http://en.wikipedia.org/wiki/David_Wesely
http://redboxeditora.com.br/noticias/entendendo-melhor-a-historia-do-dd/
http://antided.blogspot.com.br/2013/09/a-historia-do-rpg.html
138
Nota da tradura: A Gen Con é a convenção de jogos mais original, antiga e
com mais visitantes do mundo, com centenas de empresas de jogos, autores e
artistas premiados e participantes fantasiados.
Informação disponível no site
188
oficial do evento: <http://www.gencon.com/>. Acesso em 30 mar. 2015.
3. AMBICIOSO, PORÉM PROBLEMÁTICO.
A abordagem de Peterson distingue sua obra de outros
inúmeros estudos simplesmente por focar em detalhes: o grande
número de fontes originais citado no livro é surpreendente.
Variando de descrições detalhadas dos processos criativos por
trás dos jogos de guerra populares na década de 1950, tais como
o jogo Tactics para analisar os anúncios de jogos na revista de
jogos militares The General 139 na década de 1960, a parte sobre
o início da história é um jubileu para os entusiastas detalhistas dos
primeiros jogos. Incluindo raridades como os primeiros anúncios
de jogos de guerra de Gary Gygax, inventor do D&D, e a planta
baixa original da 1°Gen Con desenhada à mão, a quantidade de
fatos é deslumbrante. Infelizmente, é também aqui que o
problema de supersaturação começa. Peterson tende a se desviar
sem hesitação, apresentando fatos secundários e detalhes com
entusiasmo e depois voltando ao caminho, dando mais detalhes –
que são ainda mais diferentes do tópico – sem nunca parar para
avaliar a importância das informações apresentadas e deixando os
leitores com uma enorme quantidade de questões insignificantes
e não relacionadas.
139
No original está apenas General, mas eu pesquisei e localizei a revista
como The General, por isso mudei aqui. Fontes:
http://www.vftt.co.uk/ah_mags.asp?ProdID=PDF_Gen
http://pt.wikipedia.org/wiki/The_General_(revista)
189
O problema é agravado pelo fato de que as informações
fornecidas não são muito confiáveis. Por exemplo, a afirmação
“Para os fins deste estudo, o primeiro romance comercial notável
veio de Robert Louis Stevenson (1850-1894).” (PETERSON,
2012, p. 85). A declaração é bastante irônica: de fato, “para os
fins deste estudo”, pode-se dizer que Stevenson escreveu o
“primeiro romance comercial notável”, mas no mundo real,
enquanto A Ilha do Tesouro (1883) e O Médico e o Monstro
(1886), de Stevenson, são importantes e notáveis, Os Três
Mosqueteiros (1844) e O Conde de Monte Cristo (1845-1946), de
Alexandre Dumas, foram sucessos notáveis no campo quase meio
século antes, por exemplo. Ambos foram traduzidos para o inglês
em 1846. Omissões como essas podem ser consideradas simples
erros, mas ainda há uma desconfiança persistente, quando
Stevenson é incluído de outra maneira como o candidato perfeito
para exibir a proximidade de jogos e ficção literária: “Robert
Louis Stevenson, autor de O Médico e o Monstro (1886), foi um
pioneiro de jogos de guerra por direito próprio.” (PETERSON,
2012, p. 16) e “Como Stevenson escreveu as seções finais do
famoso romance [...] em sua luta contínua contra a tuberculose,
participou de jogos de guerra no sótão de seu chalé.”
(PETERSON, 2012, p. 86).
Muito admiravelmente, os papéis da pulp fiction de Robert
E. Howard, bem como a definição da série Dying Earth, de Jack
Vance, são enfatizados. No entanto, um exemplo óbvio da atitude
indiferente do livro sobre fontes é a recomendação de Dark Valley
190
Destiny (1983), livro fortemente criticado e extremamente
problemático de L. Sprague de Camp, como uma biografia de
Robert E. Howard e a dispensa de todos os outros como culpados
por “excesso hagiográfico” (PETERSON, 2012, p. 94). Apesar de
não ser o foco principal do livro, a recomendação mostra uma
subjetividade problemática na seleção do material de origem.
Em outros casos semelhantes, o leitor fica perplexo e
pasmo: Será que o leitor precisa verificar todos os fatos sem ser
capaz de confiar em qualquer uma das informações fornecidas?
O texto dá a impressão de que todas as ideias e informações foram
incluídas sem verificação, especialmente se elas encaixam-se na
ideia de encontrar pontes entre jogos e outras artes. Tais erros,
embora pequenos, têm o efeito de fazer o leitor duvidar do
material que não é facilmente verificável. Embora muitas das
zines usadas para compilar o livro são de vários arquivos de
universidade, muitas delas são de coleções particulares.
4. CONCLUSÕES
Playing at the World é, sem dúvida, o projeto mais
ambicioso produzido sobre as origens de Dungeons & Dragons.
Apesar dos problemas discutidos anteriormente, ele pode ser
considerado uma conquista cultural, tanto no seu escopo quanto
em sua atenção aos detalhes. Para um estudioso de jogos ou um
acadêmico de transmídia, o livro pode ser uma coleção valiosa de
informações, desde que o leitor lembre-se de verificar todas as
alegações e observar quando parecer haver uma falha na
191
informação emoldurada por paredes de texto sobre outros
detalhes.
Playing at the World é mais forte quando disseca
evoluções específicas dentro do jogo que conduziu ao D&D.
Nessas seções, até mesmo as digressões são agradáveis, tais como
a listagem de todas as ficções populares que tinham feitiços
mágicos de sono ou de raios e a parte central do texto, incluindo
o terceiro e quarto capítulos inteiros sobre mecânica de regras e
papéis
e
imersão
são
prazerosos
de
ler,
certamente
proporcionarão aos leitores uma abundância de fatos e detalhes
interessantes. São nessas seções que Peterson parece estar mais
livre e mais confortável e o texto fica natural e fluido. Não supera
os problemas do livro, mas justifica a sua posição como o
tratamento mais exaustivo da história do D&D.
5. REFERÊNCIAS
(1) PETERSON, J. Playing at the World. San Diego: Unreason
Press, 2012.
192
Resenha
Pela primeira vez começamos a explorar resenhas sobre livros
de RPG e sobre RPG na Revista, estendendo o convite a
romances, manuais e diversos jogos narrativos que permitam
uma leitura simplificada.
O intuito dessa sessão, é apresentar de forma fácil e objetiva,
produções relacionadas a temática servindo de referencia para
orientar pesquisadores junto ao seu levantamento
bibliográfico.
Percebo também como um caminho para resgatar o
conhecimento para a comunidade cientifica de livros e jogos
raros, que tem muito a contribuir diante das discussões atuais
devido a seu relato histórico e compartilhado.
193
SIMPLES: sistema inicial para mestres-professores
lecionarem através de uma estratégia motivadora140
Jaqueline Peixoto Vieira da Silva141
Simples é uma obra do autor Marcos Tanaka Riyis142, que
orienta como aplicar uma dinâmica de RPG – Role-Playing
Games no processo de ensino e aprendizagem educacional.
Muitos professores não conhecem o RPG, outros não sabem
como aplicá-lo a Educação, então, a função deste livro é
apresentá-lo de maneira simples, como estratégia de ensino
lúdico, motivador, cooperativo e facilitador.
O RPG é amplo, dinâmico e infinito. Permite que os
participantes promovam criação, reflexão e interação entre si e
com a narrativa proposta. O autor alerta que “são quase
inexistentes os RPGs comerciais que se dedicam ao uso em sala
de aula”143. Por isso, quando um professor decide usar o RPG em
140
RIYIS, Marcos Tanaka. Simples: sistema inicial para mestres-professores
lecionarem através de uma estratégia motivadora. São Paulo: Ed. do autor,
2004.
141
Graduada em História; Mestranda em História; Graduanda em Pedagogia
pela Universidade Federal de Uberlândia / UFU.
142
Marcos Tanaka Riyis é mestre em Engenharia Civil e Ambiental pela
FEB/UNESP (2012), na área de Geotecnia Ambiental; graduado em
Engenharia Ambiental pela UNESP/Sorocaba (2008) e em Licenciatura em
Educação Física pela Universidade de São Paulo (1994).
143
RIYIS, Marcos Tanaka. Simples: 194
sistema inicial para mestres-professores
lecionarem através de uma estratégia motivadora. São Paulo: Ed. do autor,
2004. p. 10.
aula, muitas vezes, ele precisa adaptar a técnica e a estratégia do
jogo ao seu trabalho didático. Esta é uma ação importante no
desafio de romper com aulas tradicionais e passivas que muitas
vezes somente promovem uma transmissão de informações. É o
desafio de mudança de paradigmas, pois o trabalho educacional
precisa ser embasado no desenvolvimento do conhecimento. O
estudante precisa perceber intimamente os significados do
conhecimento que ele está desenvolvendo enquanto sujeito ativo
e orgânico, tendo o professor como mediador desse processo.
Assim,
[...] o professor será o “Mestre do Jogo”
para um grupo de alunos, em um cenário
descrito/criado/adaptado por ele para garantir que
o aspecto de conteúdo seja adequadamente tratado
na aventura. Levando-se em conta que são
infinitas as possibilidades de cenário (e ainda mais
numerosas as possibilidades de se colocar o
conteúdo programático em uma aventura), o
professor pode ter, nos Role-Playing Games, um
poderoso aliado na sua tarefa de educar.144
Riyis explica que o professor deve preparar a aventura de
acordo com o conteúdo que quer abordar, por exemplo, se for uma
aventura sobre o período medieval, na Europa, é preciso
144
RIYIS, Marcos Tanaka. Simples: sistema inicial para mestres-professores
lecionarem através de uma estratégia motivadora. São Paulo: Ed. do autor,
2004. p. 10 e 11.
195
contextualizar o espaço geográfico e o tempo histórico.
Apresentar a estrutura social da nobreza, do clero e das famílias
camponesas: quem eram, como viviam, como interagiam
socialmente, seus pensamentos e comportamentos. Pode-se
preparar o ambiente com um cenário teatral, partindo do RPG
tradicional para o Live Action. As vantagens do Live Action são:
proporcionar
maior
visualmente
mais
ludicidade,
atraente,
maior
maior
movimentação,
possibilidade
de
desenvolvimento da expressão corporal e aspectos cooperativos
mais claros. Sempre com a orientação do professor, que se
posiciona como um diretor teatral.
É importante que todos, professores e estudantes, se
reconheçam como jogadores e tenham claro a sua missão.
Realizar a missão estabelecida é uma regra que deve ser seguida.
Respeitar as regras possibilita uma interação de jogo e a quebra
da autoridade imposta unilateralmente. Assim, tanto o professor
quanto o estudante tornam-se jogadores no processo para o ensino
e aprendizagem, onde a principal função do professor é ensinar e
estabelecer o aprendizado como mediador deste processo. Ao
estudante cabe participar, refletir, ser criativo, questionar, estar
atento às informações e orientações, realizar conexões entre as
informações.
Todo o jogo deve ter um objetivo principal: proporcionar
o aprendizado expansivo e consciente. O professor precisa estar
preparado para tal, por isso a boa formação acadêmica e a
preparação das atividades de aula são fundamentais. Antes de
196
iniciar esta atividade de aula com o uso do RPG é preciso
conhecer e vivenciar a experiência do jogar. Isto dará mais
segurança e destreza para a realização do trabalho. Simples
oferece o primeiro contato para conhecer o RPG aplicado à
educação.
Sobre o jogo, Riyis explica:
Basicamente é um jogo onde cada jogador deve
representar um personagem, de acordo com suas
características. Um dos jogadores, denominado
Mestre, é o responsável pela descrição do
ambiente,
pelo
resultado
das
ações
dos
personagens dos jogadores e pela interpretação
dos NPCs (sigla em inglês para designar
personagens não-jogadores). Os jogadores, após
descrição do ambiente pelo mestre, descrevem
oralmente as ações dos seus personagens, de
maneira coerente com suas características. As
ações, então, têm o resultado determinado pelo
Mestre,
sempre
baseado
em
regras
pré-
estabelecidas pelo sistema (nesse caso, o sistema
é o Simples). O ambiente, ou cenário para a
aventura (que é como é denominada uma
“partida” de RPG), tem infinitas possibilidades:
desde a era Pré-Histórica quanto futurista,
passando pela Idade Média, Revolução Francesa,
Década de 20, Cenários de Ficção Científica,
Fantásticos, Baseados em Obras Literárias ou em
Filmes (Matrix, O Senhor dos Anéis, Harry Potter,
Canudos e muitos outros), pois o jogo prevê que
197
em qualquer ambiente é possível se desenrolar
uma aventura de RPG.145
O livro apresenta alguns exemplos de aventuras de RPG
com diversos temas trabalhados na educação: sobre meio
ambiente, orientação espacial, literatura, saúde, cálculo, ciências.
Podemos usar todas as áreas do conhecimento: História,
Geografia, Biologia, Matemática, Física, Química, Línguas,
Literatura, Sociologia, Filosofia, Astronomia. É importante que o
professor seja criativo ao montar a aventura, mostre a
aplicabilidade do conhecimento, incorpore o conhecimento à
vivência dos estudantes, permita a construção e a reflexão com
pensamentos permeados por “erros e acertos”.
Riyis resume a atividade assim:
1) O professor prepara o cenário, a aventura e os
personagens (o professor pode, ao invés de
preparar ele mesmo os personagens, deixar os
alunos fazerem isso, o que já é uma atividade
muito
interessante,
de
enorme
potencial
pedagógico).
2) O professor distribui os personagens entre os
alunos, seja um para cada aluno, seja agrupandoos, ou ainda designando as tarefas para cada
membro do grupo. Aconselhamos o professor a
designar os grupos, pelo menos no início, para que
145
RIYIS, Marcos Tanaka. Simples: sistema inicial para mestres-professores
lecionarem através de uma estratégia motivadora. São Paulo: Ed. do autor,
2004. p. 21.
198
o processo ensino-aprendizagem ocorra da melhor
maneira.
3) O professor explica o andamento e as regras do
jogo para os alunos.
4) O professor, “vestindo a roupa” de Mestre do
Jogo, introduz, então, os alunos ao mundo
preparado por ele, chamando-os a participar da
história e mais ainda, a contá-la em conjunto.
5) Durante a aventura, o professor introduz
elementos do conteúdo que pretende desenvolver,
mas na forma de situação-problema inserida no
contexto da história-jogo.
6) O desfecho da aventura é feito de modo a dar
um gosto de “quero mais”, ao mesmo tempo em
que permite ao professor utilizar os conceitos
desenvolvidos
em
uma
situação
de
aprendizagem.146
O autor também orienta: aos professores que tiverem
dificuldades em elaborar uma aventura pedagógica, podem
consultar as aventuras prontas e adaptá-las ao conteúdo. Uma
opção são os livros-jogos. Existem os livros-jogos comerciais,
algumas revistas especializadas em jogos de RPG e alguns
materiais disponíveis na internet. Vale a pena pesquisar! Como
podemos observar, Simples, é um livro para os iniciantes em RPG
que querem aplicá-lo à Educação. Esta proposta é bastante
146
Ibid., p. 22 e 23.
199
possível e requer principalmente disposição, pesquisa e
criatividade do professor para realizá-lo.
Uma aventura de RPG para fim educacional não precisa
ser desenvolvida inteiramente em uma única aula. É necessário
um processo de ensino e aprendizagem até chegar ao jogo
propriamente. O conteúdo teórico do componente curricular
precisa ser apresentado, explicado, comentado, podendo se
utilizar de diversos recursos, tais como vídeos, imagens, músicas,
textos. Antes do jogo também é necessário uma preparação com
explicações sobre esta atividade e as regras que serão seguidas.
Quando se inicia propriamente o jogo, os estudantes já
estão envolvidos e interagindo para esse fim. À medida que o jogo
se desenrola muitas questões vão se tornando mais claras, de
modo que o estudante vivencia a prática de ser sujeito social ativo
inserido na narrativa da história do jogo. Esta dinâmica é bastante
nova para muitos professores e estudantes. Muitos ainda não
vivenciaram uma forma de ensino e aprendizagem assim.
Simples é um livro de leitura fácil, com linguagem clara e
motivador do uso do RPG na Educação. A partir da leitura, os
professores obtêm ideias para a sua prática em sala de aula. O
autor relata várias experiências desenvolvidas por ele,
principalmente sobre o ensino da educação ambiental, que é uma
de suas áreas de formação. Vejamos um exemplo:
Jogo Ambiental
200
Esse jogo foi feito e aplicado em 3 salas
de 25 crianças e adolescentes cada uma. Em uma
sala, a idade variava entre 12-13 anos. Nas outras
duas, de 13 a 16 anos. (...)
As salas eram divididas em 5 grupos de
5 pessoas (...). Cada grupo representava um
personagem, portanto, deveriam descrever as
ações desse personagem, de acordo com as
características, habilidades, poderes e defeitos
dele. Eu era o mestre do jogo e, como tal,
descrevia o ambiente, interpretava os personagens
não-jogadores, solicitava os testes e dava os
resultados das ações praticadas pelos personagens
dos alunos. Cada jogo durou em torno de 2 horas
e meia, e o tema principal era Meio Ambiente.
A missão dos personagens era destruir
um inimigo da natureza lançando mão de armas e
artefatos que deveriam buscar pelo caminho.
Nesse
caminho,
encontravam
com
vários
moradores da floresta, verdadeiros ou fictícios, e,
de acordo com a interação dos personagens com
esses personagens não-jogadores, as coisas
caminhavam bem, ou nem tanto. Durante o jogo,
vários temas ambientais foram tratados, como
Efeito
Estufa,
Desequilíbrio
Ecológicos,
Desmatamento, Agricultura, e muitos outros. 147
147
RIYIS, Marcos Tanaka. Simples: sistema inicial para mestres-professores
lecionarem através de uma estratégia motivadora. São Paulo: Ed. do autor,
2004. p. 45 e 46.
201
Simples é um esquema criado para aplicar o RPG no
trabalho pedagógico para fins educacionais e apresenta as regras
a serem seguidas. O autor também orienta que a regra principal é
usar o bom senso. O professor deve usar o bom senso ao
estabelecer e aplicar as regras do jogo. Uma aventura é montada
pelo professor (mestre) para os estudantes (jogadores) atuarem
com os seus personagens. O mestre orienta os jogadores a criarem
os seus próprios personagens de acordo com a aventura
apresentada e estabelece regras. Os personagens podem ser
realistas ou fantásticos; terem poderes ou não; com características
físicas, psicológicas, sociais. Os personagens são criados de
acordo com o conteúdo a ser estudado na aula-jogo. E sobre a
construção dos personagens, Riyis faz uma recomendação:
Recomendo que, nas primeiras sessões, o
professor leve os personagens prontos para os
alunos e, só depois que eles já tiverem
experimentado a atividade, eles podem construir
os próprios personagens, e até escreverem sobre
as características ou a
história
dele,
ou
desenharem sua aparência, ou outras coisas,
dependendo do objetivo do professor. 148
Durante a atuação dos personagens na narrativa, o mestre
pode aplicar desafios como regra para definir algumas ações. Para
os desafios podemos usar o dado (um dado comum de seis lados,
148
Ibid., p. 29.
202
que pode ser comprado em lojas especializadas). Funciona da
seguinte maneira: o jogador lança o dado e de acordo com o
resultado ele pode ou não realizar uma ação. Por exemplo: o
jogador irá atravessar um rio para realizar uma missão de combate
ao corte indiscriminado da mata nativa; ele lança um dado, se o
valor for acima de 3 ele pode seguir, se não, ele deve permanecer
no mesmo local e a sua missão ficará comprometida. Essa
dinâmica torna o jogo instigante e obriga o jogador a redefinir a
sua estratégia até obter nova oportunidade de jogada com o dado.
O dado também pode ser utilizado nos testes, “fazemos os testes
quando não é possível afirmar com certeza o que aconteceu ou
quando queremos que o fator sorte determine como se resolve
determinada ação.” 149
Essas são as regras básicas para aplicar o
RPG na sala de aula. Lembrando que a regra
número 1 é a Regra do Bom Senso, a número 2, a
Regra dos Objetivos, ou seja, o resultado da ação
é determinado pelo objetivo do professor naquele
momento. Finalmente, temos a Regra de Ouro do
RPG: decisão do Mestre não se discute, cumprese.150
149
Ibid., p. 27.
RIYIS, Marcos Tanaka. Simples: sistema inicial para mestres-professores
lecionarem através de uma estratégia motivadora. São Paulo: Ed. do autor,
2004. p. 31.
150
203
O objetivo principal desse livro é dar orientações a quem
não conhece a mecânica do RPG ou para quem o conhece bastante
e está envolvido ao sistema que prefere. Simples, apresenta um
sistema que pode ser modificado e adaptado as necessidades do
professor para atingir o objetivo de ensino e aprendizagem dos
conteúdos curriculares.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
RIYIS, Marcos Tanaka. Simples: sistema inicial para mestresprofessores lecionarem através de uma estratégia motivadora. São
Paulo: Ed. do autor, 2004.
ENTREVISTAS
As entrevistas deste ano foram pautadas na curiosidade (e
igualmente na falência do Projeto 42, que previa coletar via
História Oral, as peculiaridades do RPG nas cinco regiões do
Brasil) sobre o comportamento e organização dos RPGistas (ou
204
rolistas) de acordo com os parâmetros regionais e culturais
estabelecidos.
Também foi a tentativa de explorar novas mídias para o exercício
de entrevistas com maior riqueza de detalhes, assim foi possível
utilizar o Hangout, aplicativo relacionado do Gmail e o Facebook,
como ponto mais frequente de encontro entre jogadores que
debatem suas demandas locais.
Acredito que sem a exploração destes novos canais, encontrar e
lidar com as práticas deste jogo torna-se incoerente, pois é comum
ao RPG absorver aspectos culturais e socialmente ativos, a fim de
representá-los em jogo. Como editor, realizei algumas destas
entrevistas, a fim de abrir a discussão sobre essas possibilidades
desse tipo interação, sem fugir do aspecto cientifico, mas ao
mesmo tempo aceitando algumas entrevistas mais populares, para
visualizar e contextualizar o jogo em outras realidades.
A seguir, existe um apanhado heterogêneo que viaja do Japão até
Brasil (do sudeste ao nordeste) em um caráter exploratório a fim
de perceber e refletir como as práticas relacionadas ao jogar,
coexistem simbolicamente com a experiência social dos
jogadores.
Houve também um relato muito interessante sobre RPG e
Educação, no Recife, complemente fora do Eixo Sul-Sudeste, que
205
no cenário do RPG nacional aparente é predominante. Assim
como um recorte sobre cidades do interior de São Paulo, que
pouco são enquadradas no cenário nacional, por terem vivenciado
entre 1990-2010 com um restrito acesso aos jogos em relação as
capitais e que tiveram que constituir sua identidade-jogadora.
NARRATIVAS DO IMAGINÁRIO: RPG E A
EXPRESSÃO AFIRMATIVA DA IDENTIDADE
CULTURAL BRASILEIRA.
Entrevistador: Arthur Barbosa de Oliveira151
151
Graduando em Letras da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul
206
Entrevistado: Gabriel Contini Abilio152
1. Fale sobre seu trabalho.
Minha
monografia
aborda,
conforme
já
introduzido, a hipótese de conseguir descobrir, na
linguagem de cenários de RPG, elementos que atuem
como um reforço para a identidade cultural. Nesse
trabalho abordei especificamente a identidade cultural
brasileira, sendo esse reforço associado com uma
experiência de aprendizado e contextualização histórica,
apresentado na proposta de narrativa do livro básico de
“Desafio dos Bandeirantes” (1992).
2. Como foi produzir um trabalho sobre um tema tão
pessoal?
Não considerei esse trabalho como pessoal em
qualquer momento. Sou daqueles que considera o trabalho
acadêmico como “produzir ciência” e tentei ser tão
metódico quanto possível. Mas havia algo de motivador
em tentar compreender melhor esses aspectos da nossa
152
Graduado pela Universidade Federal do Tocantins
207
“narrativa histórica”, que o jogo pode explorar como um
elemento de contextualização e revisão do contexto social
do presente. Nesse ponto, foi belíssimo.
3. Qual a porcentagem de conteúdo do seu trabalho de
que você já tinha conhecimento antes mesmo de iniciar
a pesquisa?
Eu tinha certa familiaridade com o trabalho de
Durand e Jung, sempre tive grande interesse pela história
brasileira (minha próxima graduação) e já a muito estava
pesquisando sobre a narrativa do RPG. Aprendi muito
durante
as
pesquisas,
principalmente
buscando
compreender melhor como conectar esses trabalhos tão
distintos.
4. A UFT incentivou sua pesquisa? Alguém, fora a
orientadora, já se interessou pelo seu trabalho?
Minha universidade ainda não conhecia o RPG do
“ângulo de vista acadêmico”. Creio que os poucos que
conheciam achavam que não era algo digno de pesquisa.
Tive mais suporte dos meus amigos, jogadores também, e
um apoio especial de Carlos Klimick Pereira, um dos
autores de Desafio dos Bandeirantes, que foi um
208
verdadeiro “segundo orientador”, com tantas entrevistas
que eu fiz com ele.
5. Qual é a importância de uma afirmação de identidade
cultural?
Stuart Hall, em A identidade cultural na pósmodernidade, só existe a necessidade da afirmação de
uma identidade cultural quando os elementos que a
caracterizam ficam “ameaçados”. Isso acontece mais
frequentemente no mundo contemporâneo, dado o
processo de globalização e as rápidas trocas culturais.
Hall mostra que há vários dispositivos de
afirmação
dessa
identidade
cultural,
normalmente
envolvendo a utilização da narrativa como ferramenta
para desenvolver no receptor um sentimento de
pertencimento e continuidade. Esse processo teria forte
relação com a compreensão histórica.
Todavia, Hall coloca que a ideia de uma identidade
nacional unificada e homogênea, que suprime identidade
menores, encontra-se em decadência, sendo uma nação
moderna, um “híbrido cultural”, de múltiplas identidades.
Isso é algo muito próximo do que Maffesoli coloca, de que
atualmente vivemos em “tribos”, com identidade de
pequenos coletivos.
209
Estas podem sim, a sua forma particular,
possuírem suas próprias versões desse sentimento de
pertencimento e continuidade, compreendendo e revendo
sua posição social e atuando até para melhorar essa
situação.
6. Como foi seu primeiro contato com o RPG? Quando
percebeu que esse jogo poderia ser aproveitado na
academia?
Jogo há 9 anos e algumas vezes já tentei usá-lo
como objeto de estudo, até mesmo no ensino médio,
quando tentei transformá-lo no meu projeto da feira de
ciências.
Mas só na faculdade descobri que existiam mais
pesquisadores do ramo.
7. O que é a “cultura brasileira”?
Segundo Melander Filho (2009, p. 2), na
interpretação de E. Tylor, cultura é a expressão da
totalidade da vida social do homem, em sua dimensão
coletiva, sendo essa adquirida, na sua maior parte, do
convívio social e das experiências que o indivíduo obtém
210
ao longo da vida, sendo essa característica, em sua maior
parte,
desconectada
de
qualquer
hereditariedade
biológica.
DaMatta (1997) coloca que uma cultura só é
analisada com um referencial. Assim, a cultura brasileira
é o conjunto dos elementos de nossa dimensão coletiva
que nos caracteriza como “brasileiros”, em contraste com
franceses, canadenses ou australianos.
8. Você acredita na educação aliada ao RPG? Você
acredita que o bom mestre de RPG deve buscar
sempre mais conhecimento para enriquecer as
histórias co-criadas?
O
RPG
é
um
fantástico
instrumento
de
aprendizado. Não estou em meu ambiente falando de
educação, mas sabemos, conforme Freire (1996) que
educação depende de comunicação. E o RPG é uma
ferramenta de comunicação que naturalmente instiga ao
ouvinte a buscar continuamente mais sobre o tema
exposto, na possibilidade de obter melhores resultados
dentro do cenário da crônica.
O mestre em si é um caso a parte, uma vez que este
já precisa antecipadamente compreender os elementos de
seu cenário para então poder permitir a outros viajar por
eles. Sem esse domínio o jogo fica chato ou os jogadores
211
se “aproveitam dessas brechas”, o que faz da necessidade
de
aprendizado
constante,
como
ferramenta
de
compreensão do cenário, parte de um sistema de
autorregulação da crônica.
9. Você acha que os RPGs são ou podem ser
competitivos? Justifique.
Quando o mestre propunha o desafio, ele esperava
que você quisesse vencê-lo, fosse uma caçada, uma
estratégia de combate ou uma cena interpretativa.
Segundo Huizinga (2001), seres humanos são jogadores
competitivos. Isso é fato, mas não significa que no RPG
os jogadores lutem necessariamente entre si, ou que o
mestre perca quando os jogadores desvendam um
mistério. A competição é inerente ao jogo, a noção de
“vencedor e perdedor” é subjetiva.
10. O que você pensa sobre o sistema de “premiação” em
pontos de experiência do RPG? Não soa um pouco
behaviorista? Pode gerar conflitos?
O sistema de pontos de experiência é um recurso
de evolução dos jogadores como uma bonificação. Isso
pode gerar um certo grau de competitividade e até ser
usado como elemento de penalidade – quem nunca tirou
212
XP de um jogador que cometeu um out game que atire a
primeira pedra –, o que reflete um certo behaviorismo sim.
Mas, de forma geral, o XP foi criado como
elemento de evolução do personagem, representando a
desenvoltura e desenvolvimento do personagem/jogador,
pois “conforme os jogadores aprendem mais sobre o jogo,
a campanha e interpretação, isso deverá se refletir em seus
pontos” (RODRIGUES. 2004, p. 78).
11. Quais áreas da academia você crê que participam ou
podem participar dos estudos que abrangem o RPG?
O ramo é mais pesquisado pelas áreas humanas,
mas enquanto acredita-se que a academia existe também
como instituição de aprendizado, todas as áreas podem se
utilizar do RPG como técnica de ensino ou simulacro
profissional.
12. Quais as possibilidades que seu trabalho encontrou
para o RPG? Você crê que os educadores possam
utilizar-se dessa ferramenta? Faz alguma ressalva?
Não sou exatamente da área da pedagogia. Meu
principal interesse era apenas comprovar uma hipótese,
sem muito interesse em “como seria usada”. Encontrei
213
grandes aplicações no estudo da história, uma vez que a
história já é naturalmente uma narrativa, que sei que já são
exploradas por muitos pesquisadores e educadores.
13. Você acredita que o jovem do século XXI que
frequenta o âmbito virtual, consome a mídia POP
geral, ainda é seduzido pela estética do RPG dos anos
90? Acredita que os RPGs possam passar por
adaptações?
Quem fala comunica algo a alguém. Qualquer
mensagem tem um público-alvo, sendo esse o parâmetro
para a aceitabilidade da comunicação. Vivemos em um
híbrido cultural. Sempre acharemos quem goste de
praticamente tudo, ainda mais em um mundo globalizado.
Mas ao pensar em grandes grupos acaba-se por readaptar
cenários
antigos,
imbricando
estéticas
mais
contemporâneas, visando o público-alvo. Cinema, teatro,
livros... Por que não os cenários de RPG?
14. Qual a maior dificuldade em apresentar o RPG para a
sociedade tradicional?
Prefiro não opinar nesse assunto.
214
15. Como você enxerga o imaginário coletivo de um jovem
brasileiro? Seria o mesmo em todo o Brasil?
O imaginário individual é diferente de pessoa para
pessoa. Quando pensamos em imaginário coletivo
brasileiro, pensamos em alguns elementos que, em geral,
encontram-se no museu do imaginário da grande parte dos
brasileiros, não sendo obrigatório pertencer a todos os
elementos do grupo ou a qualquer deles para ser brasileiro.
Quanto mais afastados (geográfica, socialmente,
etc.) os indivíduos, mais distantes seus imaginários, pois
suas dimensões cotidianas possuirão maior distância. Isso
não significa que não haja um imaginário coletivo, todavia
este não será homogêneo e uniforme, demonstrando em
tal diversidade várias versões de brasilidade que
comporão nossa híbrida identidade coletiva.
16. O que é identidade para os teóricos? Você concorda?
Há vários conceitos. Alguns muito discrepantes.
Para Backzo “designar a identidade coletiva corresponde,
do mesmo passo, a delimitar o seu 'território' e as suas
relações com o meio ambiente e, designadamente, com os
'outros'; e corresponde ainda a formar as imagens dos
inimigos e dos amigos, rivais e aliados, etc”. (BACKZO.
1985. pp. 309)
215
Eu parto de uma linha mais comunicativa, em que
narrativa então afeta a humanidade em geral. Isso porque
“mesmo que inconsciente, existe um permanente
monólogo interior narrando a vida, reinventando-a,
projetando-a”. Esse monólogo misturar-se-ia com a
convivência social e sofre influência de outras narrativas,
construindo constantemente a vida como uma narrativa
(RODRIGUES, p. 29). Nessa situação, Durand (1996) irá
afirmar que os elementos são imaginados, sendo
representações uma imagem absorvida pelas experiências
a cerca do mundo concreto, bem como reflexões sobre
este, tornando-nos “seres do imaginário”. Da mesma
forma, Hall (2005) colocará que, quando compreendemos
haver interconexões entre nossos monólogos e os de
outrem, encontramos uma identidade coletiva, que pode
chegar a uma identidade nacional, com os elementos
representados de maneira similar por uma nação.
17. Você acredita que os brasileiros um dia vão perder a
brasilidade do imaginário? Esse evento poderia
acontecer com outras etnias?
De acordo com Hall (2005), a identidade coletiva
vem se fragmentando e sofrendo grandes transformações
em todas as grandes nações. Todavia, não parece possível
que a identidade em si desapareça, mas que essa se
216
transforme continuamente, não só no Brasil como em
qualquer lugar que participe desse processo de
globalização.
18. Como você se interessou pelo titulo “Desafio dos
Bandeirantes”?
Encontrei-o pela internet e me pareceu uma
proposta interessante. De primeira vista eu não o
considerava tão sério e profundo, mas percebi que possuía
uma forte vertente de discussão social e histórica
envolvida ao jogo.
19. Descreva um pouco sobre o Desafio dos Bandeirantes.
Diferente do que eu achava da primeira vez que o
vi, não é um Dungeons and Dragons Tupiniquim. É um
RPG
com
muitos
elementos
de
campanha
de
desbravamento, voltado mais para a aventura, ambientado
na Terra de Santa Cruz (Brasil colonial, 1650). O cenário
mostra um país marcado por racismo, misticismo e o forte
desejo de civilizar e colonizar essa terra jovem e
misteriosa.
Por um lado, os brancos possuem toda a riqueza e
possibilidade de ascensão, por outro, mestiços, negros e
indígenas lutam contra o estigma da escravidão e da
217
segregação, vivendo a margem do mundo civilizado.
Assim, é na bandeira (grupo expedicionário) que todos
são iguais. Quando o perigo da selva e do desconhecido
assola e o sobrenatural se mostra real, percebe-se que há,
dentro dessa multiplicidade de identidades possíveis para
personagens, uma parcela de pertencimento de cada um
sendo demonstrada a sua forma, sem que com isso o
quadro refletido seja apenas “aceito”.
20. O tema abordado na historia é muito recente. Qual
faixa etária você acredita conseguir compreender a
dimensão da proposta desse titulo?
Eu não o proporia para menores de 16 anos. É um
tema que pode ser estudado muito antes, mas é preciso
certa maturidade para lidar com temas como escravidão e
segregação social e racial.
21. Como você vê a aceitabilidade desse título em
ambientes diferentes da sociedade? Classes sociais
diferentes, ambientes políticos, religiosos. Acredita
que possa haver rejeição de algum grupo?
Prefiro me abster de comentários sobre esse
assunto.
218
22. Como você vê a descrição do indígena e do negro?
Qual o nível de complexidade que foi utilizado para
descrevê-los? Você vê alguma falha no livro?
Ambos foram muito bem trabalhados, cada um a
sua forma, não sendo suprimidos como alguma coisa
homogeneizada.
Aos índios é dada a opção de escolher sua tribo (que pode
influenciar fortemente a interpretação) e atribui-se certa
estética silvicula, associando-o aos mistérios das matas.
Os negros ficam mais marcados pela escravatura e
pela luta pela liberdade. Senti falta da quebra de
coletividade, pois não são apresentadas opções de “tribos”
de origem destes, mas acredito que a intenção era
demonstrar que uma identidade coletiva mais forte se
formou naquele momento, devido à situação. Também
existe certa estética mágica associada a estes, sendo a
etnia com maior possibilidade de escolher profissões
mágicas.
23. Você acha que a temática combativa de alguns RPGs
pode suprimir a interpretação? Justifique.
O RPG permite ao jogador a opção de simulacro
da realidade, vivendo o que não pode viver em seu
cotidiano. Em Desafio dos Bandeirantes encontrei no
219
combate e na aventura o maior elemento de afirmação
possível da identidade cultural.
24. Como o fantástico e maravilhoso está inserido no livro
de regras?
O jogo permite uma série de profissões mágicas,
tais como jesuíta, sacerdote de religiões africanas, pajé,
bruxo, etc., que influenciam o jogo a não se prender a uma
proposta “mundana”.
Em muito o estilo da proposta influencia o jogo à
campanha do desbravamento ou resgate, seguindo contra
seres mágicos, negociando com entidades, combatendo
malfeitores, o que o leva ao “maravilhoso do ponto de
vista bélico”, de Rodrigues (2004), como um conto de
cavalaria nas terras da santa cruz.
25. Você acredita existir alguma faixa etária que não
consiga interagir com o mundo de RPG?
É
um
pouco
complicado
para
crianças
compreenderem os RPGs tradicionais (D&D, Gurps,
Storyteller, etc.), mas isso não significa que trabalhos
educativos não possam ser utilizados, com base no RPG,
com crianças que já possuam a capacidade de
comunicação desenvolvida.
220
26. Considerações finais?
Apenas agradeço o espaço dado pela entrevista e pela
Mais Dados.
Referências:
BACZKO, Bronislaw. “A imaginação social” In: Leach,
Edmund et All. Anthropos-Homem. Lisboa, Imprensa
Nacional/Casa da Moeda, 1985.
DAMATTA, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis. 6ª
edi. EDITORA ROCCO LTDA. Rio de Janeiro. 1997.
DURAND, Gilbert. Champs de l’imaginaire. Textes
réunis para Danièle Chauvin. Grenoble: Ellug, 1996.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 3ª edição. São
Paulo. Ed EDA. 1996.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade.
10ª ed. São Paulo: DP&A Editora, 2005.
HUIZINGA, J. HOMO LUDENS. Jogo como elemento
da cultura. São Paulo: Perspectiva, 2001.
221
MELANDER FILHO, Eduardo. A Cultura Segundo
Edward B. Tylor e Franz Boas. Gazeta de Interlagos, São
Paulo, 2009.
PROJETO: RPG NA ESCOLA
Entrevistador: Rafael Correia Rocha153
Entrevistado: Ricardo Ribeiro do Amaral154
1 - O que é o RPG na escola? Disserte sua história.
O RPG na Escola é um projeto que visa promover o uso
do Role Playing Game na educação, a partir da difusão de
experiências práticas, artigos científicos e informações úteis que
153
Mestre em educação pela Universidad de La Empresa (Montevidéo/UY)
Mestre me ensino de Ciencias pela Universidade Federal de Pernambuco.
Doutorando e, Educação Matematica e Tecnologia (UFPE). Coordenador do
projeto RPG na escola.
154
222
possam colaborar com o educador que nunca utilizou esse
instrumento, mas tem curiosidade em experimentá-lo.
Ele foi inspirado a partir de minhas próprias dificuldades
ao iniciar esse processo de auto formação sobre o RPG. O livro
escrito há 02 anos atrás (RPG na Escola: aventuras pedagógicas)
foi mais uma contribuição para aquele educador leigo, que nunca
jogou o RPG em sua vida mas ouviu falar sobre esse recurso,
gostaria de utilizá-lo, mas não sabe como.
O
projeto
se
materializa
a
partir
do
site
www.RPGnaescola.com.br. É por lá que divulgamos todo o nosso
conhecimento adquirido desde que iniciamos essa caminhada
RPGística, em meados de 2004. O site, no entanto, é mais recente.
Ele foi criado há mais de 5 anos.
2 - Quando e como o RPG te encontrou?
Eu sempre digo que sou um ponto fora da curva. Nunca
em minha adolescência joguei RPG, nem mesmo sabia de sua
existência. Somente no início dos anos 2000, recém formado em
Física e na minha busca por algum recurso que pudesse motivar
meus alunos na sala de aula, foi que tive o primeiro contato com
o RPG.
Não lembro em que site eu o descobri, mas tratava de uma
exemplificação do uso do RPG para as aulas de Geografia.
Mostrava uma situação em que os estudantes precisavam se
localizar geograficamente no mapa-mundi depois de se perderem
223
no tempo e no espaço, enquanto voltavam para casa no ônibus
escolar. Achei aquilo o máximo! E comecei a me perguntar:
porque não utilizar o RPG na Física?
Depois de mais algumas buscas, encontrei uma série de
artigos do Wagner Schmit que tratava do ensino de Física com o
roleplaying game. Aquilo foi como um tesouro descoberto! Fiz a
lição de casa e adquiri os livros da Sônia Rodrigues, do Klimick
e do Riyis (referências em qualquer trabalho sobre RPG e
Educação).
Então criei uma aventura para testar com alguns alunos
convidados. Mas eu tinha um problema. Só sabia a teoria, nunca
havia jogado uma aventura de RPG! Eu precisava experimentar.
Fuçando o Orkut, descobri um grupo aqui em Recife que
organizava, na época, encontros mensais de RPG em uma das
unidades de uma grande rede de lanchonetes. Apareci por lá e
finalmente pude jogar algumas sessões, descobrindo que era
exatamente como eu imaginava.
A partir disso, fiz minha primeira experiência com 6
alunos convidados num horário extraclasse. A experiência foi tão
expressiva que, desde então, sempre uso o RPG em minhas
turmas. Hoje posso me considerar um RPGista, mas ainda falta
uma experiência no meu currículo: nunca participei de uma
aventura clássica de D&D, como jogador, apenas como mestre.
Preciso corrigir isso!
3 - Quem faz parte do grupo? E como fazer parte do grupo?
224
Não existe um grupo. Tenho dois colaboradores, ambos
RPGistas e ex-alunos, que me ajudam com sugestões de pauta,
organização do site, criação de logomarca, etc. são o Tomás
Almeida, estudante de Informática e o Rodrigo Silva, estudante
de Cinema, ambos pela UFPE. Aproveito para agradecer a grande
ajuda que eles me dão desde o início até hoje.
4 - Como os professores e alunos reagem ao processo?
Graças a Deus, nunca tive qualquer dificuldade com o
RPG junto a alunos ou professores. Já cheguei a fazer algumas
oficinas práticas com colegas de outras disciplinas e foram
momentos deliciosos e de muita troca de experiências. Com os
alunos, nem se fala. Sempre fui muito bem recebido quando
propus as atividades com o RPG. Como as aventuras são curtas
(no máximo 6 horas aulas), eles sempre pedem para repetirmos a
experiência com outras aventuras.
5 - Quantas escolas já foram atendidas? Fale sobre o
resultado?
Como o projeto é basicamente virtual, não posso precisar
o quanto de professores já se beneficiaram dele. Mas já
ultrapassamos os 20.000 acessos este ano, incluindo vários
acessos de outros países, em sua maioria europeus.
225
Localmente, há dois anos, desenvolvo um projeto de
extensão com oficinas de RPG para alunos de escolas públicas do
grande Recife, dentro da própria UFPE. Pelo projeto, dirigido
pela Coordenadoria de Ensino de Ciências do Nordeste
(CECINE), um bolsista do curso de Física e RPGista atende
grupos de cerca de 20 a 30 alunos para uma experiência de 4 horas
com o RPG e a Física. A universidade fornece um ônibus para
pegar esses estudantes na escola, trazê-los para a universidade, e
depois os leva de volta para seus colégios.
O resultado tem sido bastante esclarecedor sobre o que
esses jovens esperam da escola. Neste último ano, atendemos
cerca de 400 estudantes. Estamos escrevendo um artigo sobre essa
experiência.
6 - E o material escrito, poderia dissertar sobre ele?
Você fala sobre as aventuras produzidas? Bem, isso foi
um longo processo! A primeira aventura que escrevi e utilizei
levou mais de 10 encontros para chegar ao fim. A segunda
aventura, 8 encontros. Percebi que, para utilizá-las no horário da
aula, precisavam de uma duração menor, pois esse quantitativo
poderia atrapalhar, de alguma forma, o planejamento das demais
atividades do professor. Então comecei a pensar em aventuras
curtas, que durassem entre 4 a 6 horas de aula.
O processo é sempre o mesmo: primeiro penso em que
conteúdos ou conceitos quero desenvolver na aventura. Depois
226
elaboro situações-problema que envolvam esses conceitos para,
só então, inseri-las dentro de um contexto que as comporte. Estou,
atualmente, com ideias para 2 aventuras inéditas: uma
envolvendo radioatividade, num cenário medieval, e a outra
utilizando conceitos de pressão e densidade num cenário
apocalíptico atual. Falta-me tempo para sentar e escrever sobre
elas.
Um detalhe que acho fundamental é que toda e qualquer
aventura pedagógica que trabalhe com Ciências precisa ser
embasada na Ciência. Dessa forma, por exemplo, nunca
aparecerão dragões, criaturas mitológicas ou magias em minhas
aventuras. Quando muito, podemos considerar algo relacionado à
alquimia ou animais geneticamente modificados, seja em
laboratório ou por meio à exposição a doses altas de radiação.
7 - O RPG na escola produz materiais, faz oficinas, trabalha
em contra turno?
Os materiais produzidos especialmente para o projeto são
publicados “mensalmente” no site, na seção Aplicando o RPG na
Escola. As aspas aí é porque nem sempre consigo atualizar o site
no período proposto. Além disso, todo artigo que produzo, depois
de publicado oficialmente, seja em revistas científicas ou anais de
congressos, fica disponível na seção de Downloads Artigos
Acadêmicos.
227
Embora não seja algo constante, estou sempre disponível
para ministrar oficinas, minicursos ou palestras sobre esse tema.
Já recebi vários convites, atendendo a alguns. O problema, nesse
caso, é que a maioria desses convites chegam do sul ou sudeste.
Como resido em Recife, os custos com passagens e hospedagem
acaba dificultando minha participação nesses eventos.
8 - Fale sobre sua metodologia de ensino.
Eu sempre fui um defensor do RPG na sala de aula.
Entretanto, também defendo que apenas o RPG não é suficiente
enquanto recurso pedagógico, pelo menos da forma como
trabalhamos por aqui. No dia em que toda a escola se envolver
num projeto pedagógico com o RPG como carro chefe, podemos
discutir outras possibilidades. Mas isso, hoje, é utópico.
Dito isso, eu sempre reservo algumas aulas no meu
planejamento anual para uma ou duas aventuras de RPG. Isso
mesmo: uma ou duas aventuras no período de um ano! Isso dá
algo em torno de 12 horas-aula em uma disciplina de 120 horas.
Utilizo-o muito mais para motivar os estudantes com determinado
conteúdo e promover uma socialização maior com a turma.
A depender do número de alunos, eu posso mestrar a
aventura para grupos de personagens, ou preparar alunos-
228
narradores para que mestrem aos seus pares. Qualquer das duas
opções traz vantagens e desvantagens. Se na primeira, eu consigo
ter um controle maior sobre os acontecimentos da narrativa,
eventualmente perdemos muito tempo nas decisões dos grupos e,
via de regra, extrapolamos o tempo limite para a finalização da
atividade. Na segunda opção, conseguimos fechar a aventura
dentro do tempo previsto, mas como os narradores não tem uma
capacitação pedagógica, é comum perder-se alguma oportunidade
de explorar certas nuances que aparecem na narrativa e que
poderiam aumentar o nível de experiência dos estudantes com os
conceitos abordados.
Um outro detalhe importante é que, caso não seja
fundamental para a atividade, as fichas de personagens são
entregues praticamente prontas para os jogadores, precisando
apenas escolher detalhes como nome, idade e algo que
eventualmente eles possam transportar.
Ao final da aventura, sempre abrimos espaço para um debate e
discussão dos elementos principais da história e suas relações
com os conceitos estudados. A depender da aventura utilizada, os
alunos preparam seminários para apresentar aos colegas
associando os conceitos científicos explorados na aventura de
RPG.
9 - Há quanto tempo trabalha com RPG?
229
Como disse, minha primeira experiência didática foi com
um grupo selecionado de alunos. Isso foi no início de 2005.
Continuei, desde então, trabalhando com RPG para alunos
interessados no contra-turno das aulas, até 2009. Somente a partir
de 2010, inseri o jogo com toda a turma e no horário das aulas.
Foi um grande desafio! Mas vale cada esforço.
10 - Poderia falar sobre a realidade de sua cidade, em relação
à educação e a RPG?
A região nordeste ainda está muito longe de fazer histórias
com RPG, literalmente! Um indicador disso é a quantidade de
livros que distribuí na região. Não chega a 10% do total entregue.
O grande mercado foi, sem dúvidas, São Paulo, Rio Grande do
Sul e Minas Gerais.
Sei de alguns raros colegas (posso contar com os dedos de
uma mão) que usam o RPG em suas aulas, todos eles da área de
História. Mas nenhum deles publica suas experiências. Na
verdade, que eu me lembre, até hoje vi publicações apenas de um
professor de Matemática de Fortaleza, com o qual tenho contato.
Já tentamos fazer uma capacitação gratuita com
professores da rede estadual daqui. Abrimos um mini curso com
20 vagas. Todas foram preenchidas. Mas no dia do evento, apenas
3 colegas compareceram efetivamente. Ainda falta estímulo para
230
que o professor, sufocado de aulas, tenha interesse em ampliar o
seu leque de opções metodológicas. E, convenhamos, preparar
uma atividade de RPG não é lá tão fácil nem trivial!
231
O RPG EM SÃO CARLOS E SÃO JOSÉ DOS
CAMPOS, INTERIOR DE SP, DE 1993 A 2015.
Entrevistadora: Paula Tessare Piccolo155
Entrevistado: Odair de Paula Junior156, (Sam Slovic).
O entrevistado é um RPGista de longa data, dono de uma
das maiores coleções de livros de RPG de sua cidade, São José
dos Campos, no Vale do Paraíba, SP. Ele é engenheiro de
produção pela UFSCar, sediada em São Carlos, outra cidade em
que conheceu bem a cultura do RPG.
Além disso, Odair é professor de História e de Matemática
e, claro, já usou, tanto RPG quanto jogos de tabuleiro
(boardgames) em seus planos de aula. Ele atua como especialista
de jogos no Grupo Jedai, empresa de criação e adaptação de jogos
para uso em sala de aula.
1.
Por que o apelido Sam Slovic?
Quando entrei na UFSCar, em 1997, fui morar em uma
república de RPGistas, onde todos tinham apelido, então, eu
também precisava ter um. Começamos uma campanha de Gurps
155
Mestranda em Educação pela UNITAU
156
Graduando em História pela Claretinano
232
Star Wars e meu personagem tinha esse nome: Sam Slovic. Todo
mundo começou a me chamar de Sam, e aí, ficou.
2.
Em que cidades você já participou ativamente de
grupos e campanhas de RPG?
Já participei de vários grupos. Jogo desde 1994, mas não
fazia parte de um grupo. Jogava, esporadicamente, com meus
amigos, no máximo uma vez por mês. Meu primeiro grupo
mesmo, jogando uma campanha, foi com o pessoal da República.
Depois, vieram muitos outros, tanto em São Carlos quanto em São
José dos Campos. Também participei de um em Caraguatatuba,
mas não durou nem até o fim das férias de verão daquele ano.
3.
Quais os RPGs que já jogou? Como definiria sua
experiência com RPG (seu “currículo”)?
Não sei dizer. São muitos, mas muitos mesmo. Desde a
clássica D&D 1ª. edição até coisas obscuras como Zero, Opera e
Pendragon. Sou eclético, já joguei e narrei muita coisa. Minha
coleção já passou dos 200 livros, sem contar os digitais. Fui
coordenador, por 4 anos, do grupo Live-Action em São Carlos,
não filiado ao Brazil by Night, o que nos deu muita liberdade para
criar boas histórias, tanto que vinha gente de outras cidades, como
Araraquara e até Pirassununga para participar. Chegamos a ter
mais de 50 jogadores participando.
233
Também fui criador da primeira e maior comunidade de
RPG no Vale do Paraíba, no “falecido” Orkut. Muitos grupos se
formaram ali. Foi uma época bem divertida. Fiz vários amigos.
Narrei, por muitos anos, no Encontro Internacional de São Paulo,
inclusive para alunos da rede pública paulistana. Sou um dos coautores do Guia de Classes de Prestígio, lançado em 2005, pela
Conclave.
Meu RPG favorito atualmente é Mutantes & Malfeitores,
adoro super-herois. Mas minha ambientação favorita sempre foi
Mago: Cruzada dos Feiticeiros, com uma menção honrosa para
Castelo Falkenstein, Wraith e Paranoia. Hoje, estou narrando
uma campanha de D&D: Tormenta.
4.
Concorda com a seguinte citação: “o boardgame
dialoga com o RPG por ser
seu antecessor, segundo Gary Gygax”?
O antecessor do RPG é o wargame. Mas sim, tanto RPG
como boardgame dialogam por ter muita coisa em comum. O fato
de ser uma atividade social, normalmente em volta de uma mesa,
algo que cria amizades. Mas, infelizmente, ainda com um estigma
de coisa estranha, ligada a nerds.
4.
Como começou o RPG em São Carlos e São José dos
Campos?
234
Acredito que, como em todo o Brasil, com garotos recémchegados dos EUA com um livro de D&D embaixo do braço e
com muita imaginação.
A primeira vez que ouvi falar de RPG, ainda em São José
dos Campos, foi em 1993, em um programa da TV Cultura
chamado X-Tudo. Era uma reportagem mostrando a nova mania
entre a garotada de São Paulo. Pouco tempo depois, já em 1994,
um amigo me contou sobre um jogo estranho, que o irmão mais
velho de um amigo dele jogava. Ele não tinha entendido direito
como se jogava, mas parecia um video-game. Tudo era muito
estranho e nebuloso, mas com as poucas coisas que entendemos,
criamos regras caseiras para tentar jogar o que eles jogavam. Era
muito focado em combate, quase nada da parte de roleplay. Era
um wargame sem miniaturas, bem tosco, como o D&D 4ª. Edição.
Então, dá para dizer que já se jogava RPG em São José no início
da década de 1990.
Já em São Carlos... Meu grupo conhecia vários membros
da velha guarda de lá, como o Urso, Aquiles, Velho e o Léo
Andrade, que antes de ir para São Carlos, já tinha um grupo em
Catanduva. Sei que antes deles, havia outros. E como é uma
cidade com duas universidades, não me espantaria que o RPG lá
fosse tão antigo quanto em São Paulo ou no Rio de Janeiro.
6.
Em SJC, tem grupos de Live? Lojas de RPG?
Não estava na cidade na época de Ouro dos Lives.
235
Conheci depois o pessoal que organizava, mas, agora, não existe
mais. Por volta de 2006, tentei organizar um Live aqui, com meu
grupo de D&D. Jogamos uma sessão, mas não foi para frente.
A maior, e acho que primeira loja de RPG na cidade foi a
Tales of the Vale. Era um point de RPG e Magic, mas no fim, só
sobrou o Magic. Fechou há mais de quatro anos. Outras lojas
abriam e fechavam rapidamente, não sobrou nenhuma.
7.
Quais as características do RPG em São Carlos e em
São José dos Campos? Vê diferenças?
Em São Carlos os grupos eram mais unidos. Havia uma
maior convivência entre os grupos. Acho que por causa da
maioria ser de universitários, os grupos se mesclavam mais. Em
um você narrava Vampiro, em outro você jogava Shadowrun e em
um terceiro você narrava outra coisa. Você não fazia parte de um
único grupo. Já em São José, os grupos são mais fechados.
8.
E os grupos, com que frequência e em que locais se
reúnem? Como se conhecem?
Em São José, quando eu voltei de São Carlos, tive
dificuldade para formar um grupo, e, principalmente, de achar um
lugar para jogar. Em São Carlos, havia muitos lugares dentro das
universidades, em que todos se reuniam para jogar RPG. Era
difícil andar pela Federal ou USP sem esbarrar em alguém
236
jogando ou lendo sobre RPG. Já em São José, o pessoal costuma
jogar em suas residências. Mas eu procurei um espaço público,
um parque da cidade, onde joguei por três anos com o grupo que
juntei pela minha comunidade do Orkut.
Meu grupo atual se reúne a cada 15 dias. Jogamos na
minha casa, pois é mais fácil os jogadores irem até onde os livros
estão do que levá-los. São muitos! Esse grupo meio que caiu de
paraquedas. O Jean, que participa dos meus grupos de
boardgames, disse, um dia, que um pessoal que trabalha com ele
estava querendo muito conhecer o RPG, depois de ouvir um
podcast do Jovem Nerd. Como estava há quase dois anos sem
narrar, decidi “adotá-los”. Outros grupos, conheci pelo Orkut.
Outros, descobrindo sem querer que alguns amigos também
jogavam.
9.
Há eventos para divulgar o RPG em São José dos
Campos, cidade em que reside?
Não. O RPG em São José dos Campos está em um estado
vegetativo. Poucas pessoas ainda tentam fazer algo pelo o RPG
na cidade, como o Axle Leax e seu grupo do Facebook e o
Henrique Barsaglini, com sua Playful – uma luderia mais
especializada em boardgames, mas com espaço para o RPG.
10.
Acredita que o RPG esteja perdendo espaço para o
boardgame?
237
Sim. O RPG demanda tempo e comprometimento. O
boardgame é mais descompromissado. Em um grupo de RPG, se
dois faltarem à sessão, é grande a chance de não ter jogo. Difícil
você chamar outra pessoa só para aquele dia.
Já com o boardgame, se alguém faltou, não tem tanto
problema. E é mais fácil de apresentar o hobby. Todo mundo já
jogou alguma vez na vida War ou Detetive, então, o pessoal fica
mais receptivo ao mundo dos “Jogos Modernos”. Com o RPG é
complicado. O preconceito é muito forte. Para muitos é algo
alienígena.
11. Quer deixar um recado para os novos RPGistas?
Lembrem-se sempre de que a imaginação é sua arma mais
poderosa. Não desistam, mesmo quando acharem que você tem
algo a ver com Reeducação Postural Global!
238
COMO É O RPG NO JAPÃO?
Entrevistador: Ms.Rafael Correia Rocha157
Entrevistado: Ms.Wagner Luiz Schimit158
1. [Mais Dados] Wagner, primeiro muito obrigado por
você disponibilizar seu tempo pra gente poder fazer
essa entrevista, entrevista internacional. Eu vou
começar, mas antes de fazer as perguntas eu gostaria
que você explicasse um pouco da sua jornada e como
que ocorreu o seu encontro com o RPG, como o RPG
te encontrou e como isso afetou a sua trajetória de
vida.
[Wagner] Bom é um prazer estar aqui. Essa pergunta é
interessante porque o RPG impactou totalmente a minha vida. Eu
acho que eu sou umas das poucas pessoas que eu conheço que
realmente vive por conta de RPG. O meu mestrado1 foi em cima
de RPG, eu ganhei bolsa, então eu trabalhava e estudava o RPG
exclusivamente, durante um ano do mestrado. Agora no
157
158
Mestre em educação pela Universidad de La Empresa (Montevidéo/UY)
Mestre em educação pela Universidade Estadual de Londrina e Doutorando
na Universidade de Tsukuba (Japão)
239
doutorado eu estou ganhando novamente bolsa para estudar o
RPG. Então esse encontro foi totalmente determinante para o que
eu faço atualmente, apesar de ultimamente eu não estar jogando
muito. Depois eu conto um pouco disso.
Meu encontro com o RPG foi bem novo, eu estava, eu
acho que na quinta série igual um amigo meu. Eu tinha alguns
amigos e um deles um dia chegou e disse “cara, eu descobri um
negócio muito louco. Um jogo que você pode fazer o que você
quiser”, na época eu tinha um nintendinho da CCE2 e eu perguntei
“de que videogame que é?” e ele falou “não, não é videogame
cara, é um jogo que você simplesmente fala o que você faz e você
pode fazer qualquer coisa. O cara pegou a cabeça de uma aranha
gigante, tirou a cabeça da aranha e enfiou nos inimigos pra matar
eles com o veneno da aranha”. Imagina pra um molequinho assim
nos seus dez, onze anos, esse “é super legal meu Deus” e ai eu
comecei a frequentar a Forbidden Planet. A falida Forbidden
Planet que, não era no Ibirapuera, ficava em São Paulo perto do
Shopping Matarazzo. Foi ali que começou a minha jornada com
o RPG.
2. [MD] Beleza. Agora que a gente já têm os parâmetros,
vamos seguir um pouco mais nas perguntas. Como
tinha comentado com você, quando a gente encontra o
RPG não necessariamente a gente encontra o LARP.
Mas no seu caso como é que foi? Como é que foi o seu
contato com o LARP? Você viu num encontro, foi um
240
amigo que te chamou também? E como que está
sendo...
[W] Bom é... Acho que cortou o final da pergunta.
Como...?
3. [MD] Como é a sua percepção do Role Playing dentro
do Larp em relação ao role play no RPG?
Nossa! É complicado! Nossa, perguntas diferentes e
complicadas, vamos lá. A primeira pergunta na verdade é bem
simples. Eu comecei a jogar RPG em São Paulo, até então só RPG
de mesa. Aqui é importante eu fazer uma definição do que eu
chamo de RPG tá? Quando eu falo RPG eu incluo LARP, e eu
incluo RPG de mesa, eu incluo RPG de computador, pra mim é
tudo RPG. Pra mim o RPG não é o RPG de mesa. Tem alguns
debates na internet sobre isso, então pra mim o LARP é um tipo
de RPG. Mas ele não é a mesma coisa que o RPG de mesa. Essa
diferença é importante porque quando eu digo RPG eu digo RPG
no geral e quando eu vou me referir ao RPG de mesa eu falo RPG
de mesa. Inclusive isso se tornou ainda mais forte aqui no Japão,
porque no Japão o RPG de mesa é chamado RPG de mesa, TRPG
de table, ou talk RPG. Enquanto que LARP, LARP simplesmente
não é muito conhecido. Enfim, voltando à pergunta, eu já
conhecia o RPG então, foi através do RPG de mesa e joguei
alguns anos em São Paulo e me mudei para Londrina no Paraná.
241
E quando eu me mudei pra Londrina, estava tendo na época um
grande evento de quadrinhos e de RPG. Foi o evento inclusive
que eu tive a oportunidade de jogar com o Carlos Klimick.
E... Nesse evento eles estavam organizando alguns jogos,
que na época a gente chamava de Lives, como muita gente ainda
chama no Brasil de Lives, que foi quando eu conheci o LARP.
Então eles falaram assim “vai ter live de vampiro” e eu “o que é
isso?” aí eles explicaram que “você se veste, age e tal” e eu pirei
na batatinha, eu queria muito participar disso, falei “nossa, isso
deve ser muito diferente” e me inscrevi no evento. Só que o live
ele não seria no evento, ele acosteceu posteriormente. Aí eu fiz o
personagem, fui até a casa de um dos jogadores pra fazer o
personagem, isso em si já foi uma aventura já. E participei do meu
primeiro live de vampiros. Foi engraçado que, assim, eu era
menor de idade né. Aí acabou o live e todo mundo foi pro bar e
eu voltei pra casa (risos).
Pra mim, esse primeiro live foi bem marcante, porque já na
época a gente usava bastante ficha claro, era um live do projeto
By Night3. E era o Londrina By Night, a primeira versão do
Londrina By Night. E as pessoas usavam a ficha, mas grande
parte do jogo era conversas, eram interações ou quando existia
alguma coisa sobrenatural o mestre descrevia o que estava
acontecendo. Então eu senti, vindo de São Paulo, eu jogava com
os meus amigos em São Paulo e senti uma carga muito maior de
role play no LARP do que no RPG de mesa. Uma liberdade maior
de Role-Play no LARP que no RPG de mesa. Isso iria mudar
242
porque eu conheci um outro grupo, inclusive um dos integrantes
eu conheci nesse LARP de Vampiro. Nós montamos um outro
grupo e com esse grupo nós fizemos várias mesas quase
experimentais, porque a gente só fugia um pouco do que estava
no livro. Mas o nosso foco era totalmente o Role-Play.
Então a coisa se inverteu. Eu senti muito mais liberdade no
Role-Play na mesa do que no LARP com esse grupo específico.
Geralmente eu sinto liberdade de role play no LARP. Só com esse
grupo específico a gente teve uma campanha de mago ascensão
que durou três anos que ela teve um impacto muito grande assim
na minha vida. Coisas que eu pensei, a gente tinha debates quase
filosóficos. Era uma coisa bem legal, a gente tinha que descrever
muito bem como que se faziam as magias, como que se faziam as
ações, como que se explorava o sobrenatural, uma coisa meio
xamânica às vezes. Então, essa mesa, esse grupo foi uma exceção
à regra. E eu tive alguns narradores de RPG de mesa com que eu
tive mais liberdade com o role play até chegar no Knutpunkt4. Ai
quando chega no Knutpunkt a coisa se inverte de novo, aí eu volto
a ater mais liberdade no Larp que no RPG de mesa. Só que o
problema é que no Knutpunkt ele é extremamente pontual porque
eu só jogava os Larps nórdicos quando eu ia lá pros países
nórdicos, e como eu fui duas vezes então... (risos) isso foi uma
experiência digamos limitada.
4. [MD] OK. Vamos passar para a próxima pergunta.
Dentro da academia, como era o seu processo de
243
pesquisa e quais eram os seus principais impasses e
dificuldades? O que é que te angustiava? Quais eram
as perguntas que te norteavam no seu projeto de
pesquisa? Quais eram as suas dúvidas? Eu estou
falando isso pensando como pesquisador. Como que as
suas dúvidas foram evoluindo? Você partiu de qual ou
de quais?
Bom... Esse projeto de pesquisa é interessante porque ele
também se deve a algumas experiências pessoais. Eu no colegial
já pensava em ser pesquisador, não sabia de que área, não sabia
do que, mas eu pensava em ser o que o pessoal chama de ser
cientista. E ai uma professora no terceiro ano do colegial, né, no
terceiro ano do ensino médio, convidou o nosso grupo de D&D,
que na época a gente jogava na escola, nos intervalos, apesar de
algumas conclusões que houveram, alguns embates que a gente
teve por ser uma coisa diferente. No final ela colocou a gente pra
ensinar as outras turmas do terceiro ano do ensino médio a jogar
RPG porque dizia ela que tinha ouvido falar que o RPG promovia
a leitura.
E eu fiquei com isso na cabeça: como assim o RPG
promove a leitura? E comecei a parar pra pensar nisso. Realmente
os meus amigos que jogam RPG seja na época, seja o Larp, seja
o RPG de mesa, eles leem mais. E ela me mostrou um material
que ela falou que foi um material indicado pelo MEC, era uma
serie de livros de português que eles vinham com uns encartes de
244
aventura solo, e que você poderia transformar essas aventuras
solo em aventuras de RPG. E eu fiquei assim, tipo, tem essa parte
educativa do RPG. Acabei entrando na psicologia na universidade
e ai desde o primeiro ano, eu lembro que tinha um jogador de
RPG na minha sala, a gente estava tentando explorar como
exatamente o RPG promove o aprendizado. Essa é uma questão
que pra mim ela já está parcialmente respondida, ela não está
completamente respondida. Eu acho que ainda faltam algumas
pesquisas pra aprofundar isso, mas a gente já tem suficiente know
how pra responder com alguma tranquilidade.
Então eu queria responder isso, logo no começo eu queria
fazer isso, mas não fiz no mestrado... Explorar essas questões.
Porque meu orientador falou “olha, você quer falar de RPG e você
quer falar do impacto do RPG no aprendizado e no
desenvolvimento, OK, mas o que é que já foi feito em relação a
isso?” Não se tinha ainda um levantamento do que se tinha sido
feito. E eu me propus a fazer isso e falhei miseravelmente (risos).
Não consegui por uma série de questões. Boa parte do material
que eu levantei, cheguei a levantar a bibliografia, mas não tinha
acesso ao material ou porque os autores não me mandavam ou
porque o material estava em revistas impressas de difícil acesso.
Não tinha o material em PDF. Essa distribuição de material em
PDF na internet estava começado na época, isso era 2006. 20052006. Então eu fiz o que eu pude. Isso resultou na minha
dissertação de mestrado em que eu tento definir o que é o RPG.
Hoje em dia tem definições bem melhores, ainda bem. Só que um
245
problema é que essas definições elas ainda estão somente em
inglês, os artigos que trabalham essas definições. E o problema
mudou. Agora no Japão eu quero trabalhar essas questões, eu
quero trabalhar as questões de desenvolvimento e aprendizado
com o RPG, então muda um pouco a pergunta.
5. [MD] Beleza. O Importante é que a pergunta muda
conforme o pesquisador muda. Vamos ver, ai tem uma
que... vamos pra uma outra pergunta. Na verdade,
como você tinha comentado sobre o seu contato com o
RPG e a professora, eu acho que isso já atende, mas
tem uma questão: o que você sugere pras pessoas que
entram na universidade e querem começar uma
pesquisa sobre Role-Play? Não necessáriamente o
RPG, mas o role-play no campo amplo?
Não tentem inventar a roda. Eu acho que esse é um dos
maiores problemas que a gente enfrenta. A maioria dos
pesquisadores novos eles tem, acho que por falta de um
levantamento bibliográfico mais consistente, a impressão de que
o trabalho deles ninguém fez. E eu tive que começar a minha
pesquisa de doutorado umas 2 ou 3 vezes aqui no Japão porque
eu vi que justamente o que eu trabalho, o que eu queria fazer ao
levantar a bibliografia, alguém já tinha feito. Não tem problema
nenhum você enquanto professor, educador, você fazer algo que
alguém já fez, na verdade não, essa é a própria definição do
246
trabalho: você vai lá aplicar algo que já é conhecido, estabelecido.
Agora para um pesquisador é interessante que tenha algum
aspecto de novidade no seu trabalho. Então não, infelizmente
desculpa dizer isso pra galera, mas não. O seu TCC sobre RPG e
história não é novo, não é algo diferente. O seu mestrado sobre
RPG e literatura, não é algo novo.
Eu sugiro fortemente um levantamento bibliográfico bom
antes de começar a fazer a pesquisa, então você está com uma
ideia? Ótimo. Faça um levantamento bibliográfico do que já foi
feito. Pega uma ou duas teses mais recentes e a bibliografia dessas
teses, dessas dissertações, vê o que o pessoal está discutindo. E,
aqui eu vou tocar num ponto meio controverso, mas eu acho que
um grande problema da academia brasileira é ignorar a produção
acadêmica internacional. Já teve uma época, até 2008 mais ou
menos, 2007, que a produção acadêmica internacional estava pau
a pau com a nossa produção acadêmica, que estava muito bem,
tínhamos grandes produções. Na área de RPG e educação nós
tínhamos uma produção muito sólida. Só que agora a produção
internacional, vamos dizer assim, passou a gente. Você está tendo
uma produção muito grande de qualidade nos Estados Unidos, na
Europa, principalmente os nórdicos, o pessoal lá que a gente fala
do Knuntpunkt que todo ano tá produzindo um livro, e esses livros
tem sim artigos acadêmicos.
Então muita gente fala assim “ah, não é do Brasil, não
preciso saber disso”. Não, precisa sim, porque muitas das
discussões que eu vejo hoje em dia, que o pessoal tenta fazer,
247
essas discussões já foram feitas lá fora. Então porque ficar
patinando no que já foi feito se a gente pode avançar por áreas
novas, principalmente... E explorar temas básicos que a gente não
tem ainda, por exemplo, não se tem ainda um trabalho de
historicidade do RPG e do Larp no Brasil. Todo mundo quer falar
de RPG e educação, legal. Legal. Mas isso a gente já tem, é
batido. Já tem material suficiente pros professores trabalharem.
Mas nós não temos uma historicidade do RPG. Nós ainda não
debatemos, sempre caímos no problema de definição de RPG, que
foi aquele que no começo do debate eu levantei. Falei olha: o que
é o RPG pra mim? Isso eu ainda tenho o que fazer aqui no Brasil,
lá fora eu não precisa mais tanto, já se tem algumas definições
mais ou menos coerentes e estabelecidas de RPG.
Então é... pros mais novos eu recomendo isso. Faça, faça
a lição de casa: vá lá no google acadêmico e levanta o que já foi
feito, dê uma olhada nas revistas, tem algumas revistas
especializadas em jogos como a gaming and simulation5, tem
revistas especializadas em RPG como a “Mais Dados” e a
International Journal of role play6,então né... precisa.
6. [MD] Vamos para a próxima pergunta, inclusive
Wagner, você está num processo premonitório. Você
responde a pergunta antes de eu perguntar. (Risos).
Eu ia perguntar justamente como percebe hoje a
pesquisa sobre RPG no Brasil?
248
[W] Eu diria que eu percebo ela como diluída. A gente não
tá tendo, eu não sei por que, mas começou-se um processo e
organização
das
pesquisas
e
dos
trabalhos
de
RPG,
principalmente envolta dos simpósios de RPG e educação, e
querendo ou não eu tenho algumas criticas ao simpósio, mas
mesmo assim, esse simpósio foi extremamente importante pra dar
visibilidade do RPG pro público em geral. Pra fomentar o
encontro de pesquisadores e educadores né? E isso hoje em dia se
perdeu.
Você tem hoje em dia alguns espaços na internet como o
grupo do facebook7 organizado pelo Rafael Carneiro. RPG... É,
estudos sobre RPG. RPG em debate era uma outra linha. É mais
focado em educação, mas o pessoal debate estudos sobre RPG no
geral. Tem alguns debates também num outro grupo de facebook
que é o ”Indie Larp”8 e no “Larp Brasil”9 tem um pessoal que está
debatendo, inclusive muitos...é curioso isso né? O Estudo sobre
RPG que era um espaço para ser de mais debate... Eu tenho
acompanhado mais debates na Indie RPG do que na própria
Estudos de RPG, que é onde estão os acadêmicos. Então o pessoal
que produz RPGs né, está debatendo mais.
Isso me lembra inclusive uma frase do Vygotsky em que
ele fala da necessidade de uma teoria geral, estava partindo não
dos psicólogos acadêmicos, mas estava partindo justamente dos
técnicos e psicotécnicos, do pessoal que estava trabalhando com
psicologia. E está acontecendo o mesmo com o RPG, o pessoal
que trabalha com jogos e com design, tá amadurecendo. Nós
249
estamos tendo uma comunidade de produção de jogos muito
interessante no Brasil. E essa maturidade está criando eventos
também. Os últimos eventos de discussão de Larp foram
justamente no Lab jogos. Pelo o que o Luiz Falcão me contou não
são eventos acadêmicos, são eventos de produção de jogos. Então
acho que falta um espaço de discussão acadêmica. Um evento.
Precisamos de um evento. Juntar o pessoal, assistir umas
palestras, sair de noite pra tomar uma cerveja e conversar. Foi
assim que eu conheci muita gente, e é assim que funciona lá no
Knutpunkt. A gente não tem uma comunidade de acadêmicos, nós
temos acadêmicos dispersos fazendo seus trabalhos. (Esse
período pode editar como um comercial de qualquer marca
porque eu fui colocar o notebook de novo na tomada.)
7. [MD] Wagner, agora, quais são as suas maiores
angústias e questionamentos sobre o RPG na
atualidade? Todas as concepções que você tem sobre
as diferentes manifestações de RPG no mundo, o que
que te angustia mais? O que é que te move e te motiva?
[W] Acho que são coisas diferentes, o que me move e
quais são as minhas angústias. O que me motiva é justamente o
meu gosto por RPG. Eu gosto muito de jogar RPG. E justamente
por gostar muito de RPG eu quero entender melhor esse jogo, eu
quero me aprofundar mais nesse jogo. Eu entendo que esse jogo
é uma das maneiras de explorar o que é ser humano, né, então eu
250
posso explorar diversas facetas de personalidade, de vivência,
enfim, muitas coisas com o RPG e isso me motiva a pesquisar
sobre isso. O que me angustia é que tanto no Brasil, quanto nos
trabalhos que eu estou vendo no exterior parece que certos temas
importantes a gente não tem aprofundado.
Então por exemplo: Ok, o RPG tem seu lado bom, a gente
cansa de falar do uso RPG de mesa, do Larp pra educação, etc,
etc, etc... Mas e os impactos negativos dos jogos? Você tem
poucos trabalhos sobre isso. Tem um trabalho muito interessante
da Sarah Lynne Bowman10 em que ela vai falar um pouco dessas
questões dos impactos negativos: brigas, dissidências, e coisas
assim que acontecem dentro da comunidade de jogos de RPG. E
eu vejo muito os organizadores e isso é uma das coisas que me
angustia. Eu vejo, por exemplo, você tem... Pessoal do knutpunkt
eles têm uma preocupação com o bem estar do jogador muito
grande. Então assim, eles vão fazer um jogo pesadíssimo sobre o
alcoolismo, sobre abuso sexual, sobre nazismo ou coisas mais
lights, coisas como por exemplo, o Harry Potter.
Mas independente de qual jogo seja, existe uma
preocupação muito grande com o bem estar físico e psicológico
do jogador. Então eles focam muito no Debriefing, na discussão
pós jogo. Pra trabalhar essas questões. E eu vejo que assim, nos
livros de RPG, nos de RPG de mesa, os organizadores do By
Nights, organizadores de outros Larps, muitos deles não tem esse
cuidado. “ah é um jogo sem consequências” e eu já, eu conheci
inclusive pessoalmente, várias pessoas que deixaram de jogar por
251
situações constrangedoras ou por se sentirem mal, problemas de
relacionamento dentro da comunidade de jogadores. Essa é uma
das coisas que me angustia. É uma coisa que falta incluir nos
jogos algumas questões básicas, por exemplo acho que se tivesse
um debriefing, uma discussão pós-jogo, quando tem esses
momentos de tensão eu acho que já ajudaria muito a aliviar
possíveis problemas acarretados pelo RPG em suas diversas
formas.
8. [MD] OK. Agora vem uma pergunta que eu estava
guardando. Qual foi o estudo mais bizarro que você já
encontrou sobre Role-play e ao mesmo tempo qual foi
o estudo mais significativo, na sua opinião?
[W] Nossa, o estudo mais bizarro? Teve um estudo... Eu
lembro que ele não era bizarro, mas era, eu não... Sinceramente
eu não entendi. Não entendi. Chama, era uma dissertação de
mestrado chamada Fenomenologia do RPG, e eu não entendi o
que a pessoa queria, sinceramente. Eu conheço alguns
fenomenólogos, conheço um pouco de fenomenologia, mas o
trabalho estava muito confuso. Na minha opinião ele estava mal
escrito. Não me fez sentido. Tanto que eu virava pro meu
orientador e falava “eu tenho que ler isso mesmo?” e ele
respondia “olha você se propôs a fazer um estudo da arte e do
RPG e agora você tem que encarar tudo o que aparece. Seja bom,
seja ruim, seja o que for, vai que vai”. E era, eu lembro muito
252
pouco, eu acho que ele tentava descrever era a seção de jogo de
RPG mas, eu lembro de ter visto uns outros trabalhos bem
diferentes assim, principalmente trabalhos relacionados à
Vampiro Máscara que você tem e vai investigar essas questões do
vampiro e etc. mas eu acho que de bizarro não tem tanto. Não tem
muito.
Agora o trabalho mais significativo? Existem alguns
trabalhos que me impactaram bastante, por exemplo, a aventura
da leitura e escrita, entre os mestres de RPG da Pavão. Esse foi,
apesar dela trabalhar com Bakhtin e não trabalhar com Vygotsky,
um trabalho onde a forma como ela expôs o problema e etc, me
levou a formular muitas hipóteses e então de repente a forma
como os jogadores de RPG lidam com a literatura era algo
diferente, talvez isso implique em funções psicológicas e etc etc
etc. Me tocou bastante. A dissertação da Jane Braga, se não me
engano o nome dela, que o nome é parecidíssimo com o nome da
dissertação da Pavão também. Eu acho que vou confundir os dois
inclusive. De cabeça aqui eu vou confundir, mas a Braga tem
sempre que tomar cuidado porque ela tem a dissertação e tem o
artigo. O artigo eu acho que ele não me contribuiu tanto e fica
mais na questão dos pilares do conhecimento da Unesco. Acho
que não tem tanto impacto para nós educadores, mas, no entanto,
as descrições das vivências dela como pesquisadora, a dissertação
dela traz um debate muito importante que é essa questão:
“pesquisador de RPG tem que jogar RPG?” é uma questão
importante. E ela coloca, olha, dá pra perceber na dissertação dela
253
que houve uma mudança inclusive na escrita, antes e depois dela
jogar. Então a relação dela com o objeto de pesquisa muda. Claro.
Vai ter muita gente como o Frans Mäyrä que vai defender
arduamente que quem vai pesquisar RPG tem que jogar RPG. Ele
diz isso num dos livros do Knutpunkt. Acho que é no Beyond
Role and Play11 e nós temos pesquisadores brasileiros, não vou
lembrar o nome agora, mas nós temos pesquisadores brasileiros
que vão falar “não, eu não preciso jogar, é o meu objeto de
pesquisa” inclusive é melhor que eu não jogue pra ter até uma tal
da neutralidade. E ai a gente entra nos debates mais
epistemológicos. Pra mim, por exemplo, não existe essa questão
de neutralidade. Eu trabalho dentro da perspectiva do
materialismo sócio-histórico, então, neutralidade pra mim é conto
pra boi dormir.
Então
você
tem
trabalhos
muito
impactantes,
internacionalmente, eu não vou lembrar agora o nome do artigo,
mas há dois artigos que saíram com sobre definição de RPG no
International Jornal of Role-Play, no primeiro volume e no
segundo volume, que têm um debate muito interessante sobre a
definição de RPG que acabou me levando à questão da definição
de RPG como um jogo de linguagem no sentido do Wittgenstein,
então achei muito interessante isso. E também no Brasil me
impactou bastante a questão da dissertação do Rafael Carneiro
Vasquez e do Fairchild. São duas dissertações que me impactam
bastante. E elas vão gerar o meu artigo, onde eu contribuo melhor,
que é a pedagogia tecnicista e o discurso da escolarização do
254
RPG. Eu acho que nesse artigo eu faço algumas contribuições que
são interessantes pro debate de RPG e educação.
9. [MD] Muito bom. Agora vem outra pergunta
angustiante: Como que é o RPG no Japão? O pessoal
tira a miniatura de dragão e põe a miniatura de robô
gigante? (Risos) Como é que é? O tabuleiro é
holográfico? Não sei... Como você lidou com essa
realidade?
[W] Então. O RPG do Japão é um dos meus objetos da
pesquisa agora, mas está difícil por causa da barreira linguística
que é bem forte. Bem forte. Olha, em termos de jogo, vamos falar
do RPG de mesa, porque assim, o RPG de videogame é bem
conhecido. É o Final Fantazy, é o Crono Tiger, Pokemon... Todos
esses jogos de RPG... A gente sabe que o JRPG ele é bem popular,
no Brasil inclusive a série Dragon Quest, então não preciso me
ater muito ao RPG de computador. Larp é fácil de falar também
porque antes tinham dois grupos de Larp e atualmente que eu
saiba, eu tenho caçado, mas não tenho encontro mais nada. Tem
um grupo de Larp em Saitama, na cidade de Iruma tem um
grupo12 de boffer Larp13. Então eles jogam num cenário de um
JRPG que é o Sword World. No Brasil, pra quem assiste anime e
assistiu um anime chamado Record of Lodoss War, é no mesmo
cenário.
255
Eles se encontram uma vez por mês pra jogar, só que eles
não jogam no parque ou num lugar aberto, é em sala então eles
vão montando a dungeon com painéis. Então é um jogo de
exploração de dungeon, dentro de salas e eles vão mudando
painéis pra montar a dungeon assim. É bem interessante. É bem
legal! E de RPG de mesa, bom, eu tenho alguns aqui, deixa eu
ver, existem algumas coisas interessantes. A primeira coisa
interessante é que eles tem um negócio chamado Replay. Então
tem aqui, da pra ver que é um livro, e um livro até que grandinho
e dá pra ver que tem o... né tem alguns livros grandes que tem 200
300 paginas e o que que é esse replay? É algo que eu só encontrei
aqui no Japão: são transcrições, literalmente são transcrições de
jogos de mesa. Então você tem, eu não sei se vai dar pra ver, mas
você tem da pra ver aqui tem GM que é o game máster: Jogador
1 diz tal coisa, jogador 2 diz tal coisa, tirou tanto no dado, então
é literalmente uma transcrição de jogos de mesa. Isso é muito
popular aqui.
O RPG mais jogado aqui é, como eu disse, o Sword World
esse daqui já é outro mundo, não é o mesmo mundo do Record of
Lodoss War, basicamente um mundo que mistura fantasia e ficção
cientifica. Uma referência boa seria Final Fantasy, lembra muito
Final Fantasy em termos de cenário. Então você tem Final
Fantasy 7, então você tem magia, você tem elfo, você tem anão,
mas você tem armas, você tem veículos, tem energia etc. O que
me surpreendeu muito é que você tem uma produção local muito
grande no RPG Japonês. Então, vários desses jogos, deixa eu ver
256
se pego um aqui. Então por exemplo, esse daqui é um RPG que
eu comprei numa feira de jogos aqui. É um Family. Famirizu. Os
personagens interpretam o pai de família, a mãe da família, os
filhos... no cotidiano da família esta é a proposta dele. Então você
te um cena independente, de produção independente muito
grande, mas ela fica circunscrita ao Japão por causa da barreira
de linguagem. Então sim, eles têm robôs gigantes, e tem inclusive
pra quem quiser fazer um RPG...
Pra quem quiser saber, tem dois RPGs feitos por
japoneses, pra japoneses que foram traduzidos para o inglês. O
primeiro é esse aqui “Tenra Bansho Zero” que é também meio
samurai, mas também tem tecnologia, mas tem mecha e coisas
diferentes, e o Maid RPG que é um RPG das tais das Maids. Tem
muita gente que conhece aqui no Japão os Maids Cafes né que é
bem popular, e tem RPGs de mesa que ai tem em inglês também
pra quem quiser ver como é o RPG japonês de mesa. O Larp, só
vindo pro Japão pra conhecer, mas não difere muito de um Boffer
Larp, Larp normal. Por entanto, vamos ver, porque esse pessoal
tá começando a ter contato com outros grupos de RPG no exterior.
10. [MD] Vamos lá. Agora, como são as pesquisas de RPG
no Japão? Aqui no Brasil a gente tem essa mania de
puxar a sardinha pra educação, mas no Japão eles
seguem o mesmo caminho ou eles estão pesquisando
outros aspectos? Cultura, sociedade, linguagem?
Como que é o ponto chave de discussão?
257
[W] Então, essa foi a minha maior surpresa no Japão,
porque assim, eu não leio japonês. Vou deixar isso bem claro.
Então eu não tenho acesso direto à literatura japonesa. Isso é um
problema, é um problema bem sério da minha pesquisa do
doutorado, porque tem uma série de problemas. E ai com a ajuda
de alguns alunos de graduação nós fomos atrás da bibliografia e,
a minha descoberta foi que a gente quase não tem bibliografia de
RPG no Japão, de RPG de mesa, ou RPG Larp. Você tem uma
bibliografia de RPG eletrônico. Uso de videogame na educação,
ou... Eu não investiguei muito porque o meu interesse não era
RPG eletrônico então eu não sei muito sobre a literatura de RPG
eletrônico no Japão, mas nós encontramos um artigo sobre o uso
de RPG na educação e esse foi o nosso melhor artigo sobre RPG
de mesa. Nenhum artigo sobre Larp. E eu acho que no total se nós
encontramos uns 10 artigos sobre RPG de mesa. Foi muito.
Assustador.
E é mais assustador porque é assim, tem uma associação
aqui, a Japanese Association of Gaming and Simulation. E eu
estou tentando entrar em contato com eles faz uns seis meses pra
descobrir se tem algum outro pesquisador de RPG no Japão. Até
agora não obtive resposta. No Knutpunkt de 2010 ou 2011, não
estou lembrado agora se é 2010 ou 2011, depois a gente procura
certinho a referência, mas o Ole Kamm que é um alemão, ele tem
um artigo “why japaneses do not play Larp?”14 (Porque os
258
japoneses não jogam Larp.) E eu to quase escrevendo um “porque
os japoneses quase não conhecem o RPG de mesa”
[MD] Eu nem vou perguntar se existe encontro de
RPG de mesa ai no Japão.
[W] Existem e são grandes. Sim! Não faz sentido!
[MD] Olha o que você ta falando! Explique isso por
favor!
[W] Porque é assim: se você parar japoneses na rua ou na
universidade aqui... Pelo menos a gente fez uma pesquisa aqui
com uma sala, então é uma pesquisa que tem problemas
metodológicos bem sérios né? Mas com uma sala de graduação
de mais ou menos uns 80 alunos, mais ou menos 10% deles
sabiam o que era RPG de mesa e desses, dois jogavam. Então de
80 tem dois que jogam. Na universidade tem um clube de RPG
de mesa e de board game. Eles jogam constantemente e eles
produzem material. Deixa eu ver o que tenho aqui escondido
deles, hum... eu não vou achar aqui rápido, mas eles produzem
uma espécie de Fanzine com comentários de board game, de
RolePlay que eu já expliquei, com cenários de RPG e coisas
assim. Então os jogadores de RPG aqui diferentemente dos do
Brasil eles se organizam no que eles chamam de Sakurus ou
Circles.
259
São espécies de clubes que funcionam ou na escola após
o horário escolar, ou na universidade, ou no caso desse grupo de
Larp em Saitama eles são um grupo fora da universidade e fora
de qualquer espaço educativo. São um grupo independente mas
eles tem uma certa legitimidade politica. Eles são reconhecidos
pela cidade como um circle como um sakuru. Então você vai nas
lojas de RPG de Akihabara e você v ela varias propagandas de
encontros de RPG, de encontros locais, pequenos encontros. Você
tem a Game Market que tem várias e várias e várias pessoas
vendendo os materiais produzidos. Metade do que eu tenho aqui
é material produzido por produtores indie, né, independentes.
Então você tem uma produção, você tem eventos, você tem um
público, mas isso é meio de nicho. Quem sabe sabe, e quem não
sabe...
[MD] Nunca saberá!
[W]...não sabe! E para as pessoas ficarem sabendo é muito
assim... o amigo convidar pra ir no clube, ou a pessoa vê a
propaganda pra ir no clube, mas é uma coisa pequena assim, é
uma coisa de panelinha. E eles não têm uma preocupação de
divulgar também. Ao menos eu não sinto essa necessidade de
divulgação do RPG. Então você tem lojas de RPG... O que tem
muito, muito, muito, que eu descobri é RPG de mesa pela internet
e replace pela inernet numa espécie de Youtube japonês chamado
Nico Nico Douga. Então é...
260
[MD] Eles filmam a seção e colocam na internet é isso?
[W] Não é mais maluco!
[MD] (Facepalm)
[W] Porque é assim, você tem os livros de transcrição,
esse aqui por exemplo, é um livro de transcrição de D&D, o
Mystara Então o que eles fazem? Eles jogam a sessão, gravam a
sessão com a voz da sessão, transcrevem. Depois de transcrito
eles jogam isso num vídeo em que os personagens e o mestre são
substituídos por avatares animados. E isso parece que faz sucesso.
[MD] Tem como mandar um link disso?
[W] Uma coisa que ajudou, parece que muita gente falou
que ajudou a popularizar o RPG foi por causa do Cthulhu.
11. [MD] Wagner, tenta mandar um link15 dessa bizarrice,
por favor?
[W] Depois eu tento procurar. Então, esse é um livro de
RPG de Call of Cthulhu, tá aqui né, Cthulhu Mythos. A ideia é
bem interessante, eles pegaram uma cidade real, colocaram
lugares com fotos da cidade aqui no livro, e colocaram mitos,
relacionados ao Cthulhu Mythos pra cidade. Agora a grande
261
questão é, porque que o Cthulhu começou a se tornar popular
entre jogadores de RPG e trouxe pessoas para jogar RPG? Por
causa de um anime! Tem um anime no qual o personagem
principal é o Nyarlathotep. Só que o Nyarlathotep é uma garota
colegial.
[MD] Ahh, normal. É normal.
[W] Então é assim, é uma garota colegial com tentáculos.
Né, mas enfim.
[MD] Qual o nome desse anime por favor?
[W] Eu não lembro, de cabeça agora eu não vou lembrar
[MD] Meu Deus, eu acho que foram muitas
informações da estrutura cultural do RPG que você
apresentou. Eu vou seguir pras últimas perguntas.
[W] OK
12. [MD] Sobre a experiência que você teve no Knutpunkt,
você acredita que o Brasil tem estrutura ou em um
capo de possibilidades, propor um evento como
Knutpunkt? Porque eu estava percebendo o seguinte:
o Brasil tem tantas dimensões diferentes que você vai
encontrar uma estrutura de RPG em Minas Gerais,
uma estrutura de RPG na Bahia, uma estrutura de
RPG... Fica parecendo que são vários países
262
dialogando de maneiras diferentes. Você acha que é
possível nós criarmos uma proposta de Knutpunkt.
Assim, pelos parâmetros, no Brasil o que a gente está
fazendo sobre Larp e o que está sendo apresentado
sobre Larp.
[W] Acho que tem uma questão muito importante... Eu
acho que o Luiz falcão, o Luiz Prado, o Goshai esse pessoal... O
pessoal da confraria das ideias, tem feitos trabalhos importantes
principalmente nesse sentido porque é... O Knutpunkt é uma
referência hoje em dia, mas eles não se tornaram da noite pro dia,
não é que assim o pessoal se juntou e falou vamos agora ficar
cabeção, vamos fazer um grande debate profundo, acadêmico,
filosófico e artístico sobre o Larp entre os países nórdicos. Não,
não foi isso. Você pega o primeiro livro, o “the Book” ele é um
fanzinão. É um grande fanzine com um monte de piadas internas,
de um grupo pequeno, enfim, houve um amadurecimento da
comunidade de Knutpunkt.
E eu acredito que falta um evento no Brasil, ou vários
eventos no caso, pra dar mais dinamismo nessa comunidade
brasileira. Nós temos uma comunidade. Ela está começando a
discutir só que essa discussão ainda está mais no virtual. Está lá
no Larp Brasil, lá no Indie RPG. A gente tem aqui alguns eventos
tipo Lab Jogos, mas eu não posso falar muito porque não participo
aqui e seria interessante conversar com o Luiz Falcão pra saber
263
qual a opinião dele sobre esses eventos. Mas eu acho que o Basil
não tem nada a dever pro pessoal lá de fora.
Acho que num artigo que o Luiz Falcão escreveu sobre
“New Tastes in brazilian Larp”16 né, (Os Novos Sabores no Larp
Brasileiro), isso fica claro, olha, a gente tem sim Larps
Brasileiros, uma comunidade brasileira. Nós não só pegamos
coisas de fora e fazemos do nosso jeito. Então sim. O pessoal... o
pessoal acha que o Knutpunkt é um negócio muito gigante e não
é, vão 200 pessoas, é um evento pequeno. Se você parar pra
pensar são 200 pessoas perto de uma GenCon da vida por
exemplo. Então é um evento pequenos e as pessoas vão pra jogar
e pra testar. Só que esse evento que as pessoas vão lá pra jogar e
você tem na hora do café, você tem... as pessoas estão debatendo
a todo momento.
Então vai lá tomar um café, vai comer, vai pra festa, as
pessoas estão debatendo. E ai isso com o tempo... mas os livros,
eu acho que os livros foram uma parte importante porque os livros
proporcionaram
um
amadurecimento
muito
grande
da
comunidade. Então eu acredito sim que o Brasil tem como ter uma
comunidade tão madura quanto, mas eu tenho a impressão que
assim, quando eu tentei montar um projeto de livro no estilo
Knutpunkt eu percebi muito, “ah se você for publicar um livro eu
quero publicar um artigo” e o que tem de diferente no Knutpunkt
é “vamos fazer um livro”, então o pessoal já se propõe quem que
vai ser o editor, quem que vai ser revisor, quem que vai... Sabe?
264
Então você tem uma comunidade que apesar de pequena,
ela está produzindo. E é isso que eu acho que nós temos ainda
pouco, pessoas que dizem “vamos fazer?”. E o pessoal está
esperando. Que nem os acadêmicos estão esperando até hoje que
a Devir faça outro simpósio de RPG e educação. Isso não vai
acontecer. Desculpa, isso não vai acontecer. Vai ter que algum,
filiado à uma universidade arregaçar as manga e falar “eu vou
fazer um evento acadêmico de RPG”. É isso.
13. [MD] Ok. Algo importante da gente debater. Agora
prepare-se para a última pergunta: eu gostaria que
você explicasse um pouco sobre realmente o que é a
sua tese, o que você tá pesquisando mas antes, pra
quem não conhece bem a relação da sua trajetória no
mestrado, (da qual a sua dissertação foi muito boa pra
mim no meu campo de pesquisa), eu queria que você
explicasse o que foi que você pesquisou no mestrado;
Como isso te direcionou pra onde você está hoje e o
que que você está pesquisando hoje.
[W] No meu mestrado eu tive um projeto bem ambicioso
e esse projeto não foi concluído, eu dei com os burros n’água. Que
era fazer o estado da Arte do RPG no Brasil. Falhei
miseravelmente nisso, mas foi um bom aprendizado. Porque eu
queria analisar o impacto do RPG no desenvolvimento
psicológico e antes disso o meu orientador falou: “não, não tem
265
ainda um levantamento bibliográfico do que já foi feito. Faça
isso.” Dai surgiu essa ideia do estado da arte. Isso me deu muito
embasamento porque eu fui ler a dissertação do Klimick a
dissertação da Pavão, a dissertação da Braga, li várias teses, varias
dissertações, vários artigos. Então isso me possibilitou a fazer
uma série de debates, uma série de críticas, inclusive, algumas
críticas, hoje em dia eu percebo que peguei um pouco pesado, mas
assim ainda são críticas minhas importantes.
Eu acredito que muito dessa dissertação ela já está passada
pra mim. Então por exemplo, da definição de RPG, agora já tem,
eu já dei uma avançada nesse sentido, inclusive tem uma parte
que com Vygotsky, a minha interpretação da teoria vygotskiniana
mudou. Mas tem partes da minha dissertação que eu acredito que
ainda são boas. Então, a parte que eu falo do tecnicismo do RPG,
(negando a anterior) do tecnicismo da educação no RPG ainda é
uma contribuição importante. Querendo ou não, apesar de tudo eu
fiz (uma lista de referencias que tá lá no final pro pessoal ter
acesso ao material apesar de ter ai)... nossa, já vai fazer 7 anos já.
Precisa dar uma atualizada nessa lista, mas ela ainda é uma
referência nesse sentido. E ai no doutorado eu busquei mais esse
projeto do impacto do RPG nas funções psicológicas. Ia fazer isso
aqui em escolas aqui no Japão e dei de cara com a barreira
linguística.
A barreira linguística não me permitiu ir pra esse campo
infelizmente. Então eu decidi agora trabalhar as questões das
transições, das transitoriedades com RPG e com jogos. Não só
266
com RPG, mas outros jogos. O que eu estou chamando aqui de
transição e transitoriedades? A transição da infância pra
adolescência e a própria adolescência que é uma faze de transição
pra fase adulta. E as transições entre a cultura japonesa e a cultura
brasileira. Então essas transições sobre o ponto de vista do sujeito.
O que acontece com o sujeito? O que está acontecendo com essas
crianças e jovens brasileiros no Japão, ou desses jovens
brasileiros que estudaram no Japão e estão voltando pro Brasil.
Então eu vou voltar pro Brasil eu pretendo fazer um pouco de
campo no Brasil também. E a minha forma de diálogo e de
trabalho com esses jovens né, porque como eu disse antes, eu não
entendo que exista uma neutralidade, então vou fazer um trabalho
de revisão também. Essas intervenções junto aos jovens pra fazer
questionamentos e promover o desenvolvimento de uma auto
reflexão, eles vão ser refeitos a partir do RPG. Lembrando que
RPG pra mim é tanto o RPG de mesa, quanto o Larp e ai eu vou
incluir alguns board games e ai eu vou incluir alguns jogos de
improvisação
daqueles
“improv”
de
teatro,
teatro
de
improvisação. Então vou usar essa série de ferramentas lúdicas
pra fazer esse trabalho com as transições. Não sei se ficou muito
claro o que eu estou fazendo agora.
[MD] Ficou um pouco claro pra mim, o importante é
que fique claro pra você.
[W] Pra mim tá indo! Tá indo!
267
[MD] Não sei quanto tempo que deu a nossa entrevista,
acho que uma hora. Muitissimo obrigado. Agora a gente vai
fazer o desafio de transcrever. Aguardo você, a gente recebe
artigo até primeiro de abril, e 15 de setembro nós estamos
lançando a edição 2015 porque agora no final de 2016 a Mais
Dados recebe Nota Qualis e a gente consegue ter um impacto
maior pra debater dentro da academia.
[W] Isso é legal. Isso é muito interessante. Muito
interessante. Vamos publicar!
[MD] Vamos publicar! Eu estou propondo isso pra
todo mundo, vamos publicar. Vamos publicar porque a ideia
é como se diz no marketing: quem não é visto não é lembrado.
Se a gente não mostrar uma forma de organização, vai ser
bem difícil e ai volta naquilo que você disse do reinventar a
roda. Porque quem começa a pesquisar RPG na academia
vem com “ah não tem fonte, ninguém escreve sobre isso” e
acaba achando que tem que reinventar a roda mesmo.
[W] É esse ai eu acho que é o problema mesmo. É o
problema mais sério que a gente enfrenta no Brasil: a constante
reinvenção da roda.
268
[MD] E comentando com um professor da graduação
que trabalha nisso, acabei fazendo a mesma observação que
você fez. Muito obrigado mais uma vez.
REFERÊNCIAS:
Entrevista:
https://www.youtube.com/watch?v=6ys2Mxo9Fjg&list=TL8_qj
wKviFpQ
1- http://www.uel.br/pos/mestredu/images/stories/download
s/dissertacoes/2008/2008%20%20SCHMIT,%20Wagner%20Luiz.pdf
2- O nome do console era Top Game
3- http://www.owbn.net/
4- http://en.wikipedia.org/wiki/Knutepunkt
5- Na
verdade
Simulation
&
Gaming
http://sag.sagepub.com/
6- http://ijrp.subcultures.nl/
7- https://www.facebook.com/groups/428921160458729/
8- https://www.facebook.com/groups/indieRPG/
9- https://www.facebook.com/groups/118658425001980/
10- http://www.ijrp.subcultures.nl/wpcontent/issue4/IJRPissue4bowman.pdf
11- http://www.ropecon.fi/brap/
12- Grupo Laymun
13- http://laymun.minim.ne.jp/
269
14- http://www.academia.edu/3462882/Why_Japan_does_no
t_Larp
15- https://www.youtube.com/watch?v=MLnRXQsv0OU
16- http://nordicLarp.org/wiki/The_Cutting_Edge_of_Nordic
_Larp
ORA POIS, COMO É O RPG EM PORTUGAL?
Entrevistador: Ms. Rafael Correia Rocha159
Entrevistados: ROLE PLAYING GAMES - PORTUGAL160
159
Mestre em educação pela Universidad de La Empresa (Montevidéo/UY)
Comunidade
rede
social
virtual:
https://www.facebook.com/groups/rpgportugal/?ref=ts&fref=ts) dos quais
Jorge Palinhos, Sergio Mascarenhas, Luís Piteira, Rui Anselmo, Claudia Silva,
Hugo Barbosa, Fabiano Ferramosca, David Foley, Danny Rangel, Jose Hartvig
de Freitas, João Mariano, Pedro Lisboa, Nuno Sérgio Muralha, Pedro Felício,
João Meixedo, Luis Figueira, Giovanni Magno, Isaac Frnds, Bruno Filipe,
270
Pedro Franco e Helder Araújo sederam entrevista.
160
.

Pergunta 01: como o RPG surgiu em Portugal ou qual
a história do RPG em Portugal?
Jogador Sonhador: Penso que é uma história bastante localizada
em cada cidade. Sobre Lisboa, quem melhor poderá falar será
o Sergio. Sobre o Porto, será o Fabiano ou o Jorge.
Jorge Palinhos: Os RPGs em Portugal têm um nome:
SocTip. A Sociedade Tipográfica S.A. lançou em 1989 a versão
introdutória, em português, do Dungeons & Dragons e, creio,
foi a porta de entrada para os poucos jogadores de RPG
portugueses, numa altura em que a internet não existia. (Seria
curioso falar com a empresa e perceber o que lhes deu para
publicarem o jogo em português.) É possível que algumas pessoas
tenham tido contacto com os RPGs no estrangeiro e os tenham
trazido para Portugal. É, no entanto, difícil de dizer. Todavia, o
271
que é certo é que por via desse jogo alguns grupos começaram a
constituir-se e a jogar D&D, de forma independente. E, quando a
internet surgiu em Portugal, em meados da década de 90, tudo
ficou muito mais fácil.
Sergio Mascarenhas: O que o Jorge Palinhos diz é totalmente
errado. Os RPGs já eram conhecidos em Portugal muitos anos
antes da SocTip, e não foi preciso ir ao estrangeiro. Não há nada
que diga quando e quem foi o primeiro roleplayer português, mas
é provável que o contacto com os RPGs date ainda dos anos 70.
O grande fator de divulgação foi a venda entre nós de uma revista
francesa, a Jeux & Stratégies, que incluiu vários dossiers sobre
RPGs. Chegaram a nós a partir de 1981-1982. Foi aí que eu, por
exemplo, tomei conhecimento dos mesmos.
A compra dos jogos é outra coisa. Havia basicamente três
alternativas: importação direta (possível, mas muito caro); ir ao
estrangeiro (foi assim que comprei o RuneQuest II em 1983);
cravar um amigo ou familiar que fosse ao estrangeiro para
comprar.
E depois havia sempre a circulação 'cinzenta', quer dizer,
fotocópias. Um exemplar que chegava cá, desdobrava-se
rapidamente em uns quantos mais. A verdade é que por meados
dos anos 80 havia uma cena ativa de jogadores de RPG em
Lisboa, com clubes organizados. E mais gente a jogar em círculos
de amigos. Eram dezenas de pessoas, diria até algumas centenas.
Mas não tenho números exatos.
272
A SocTip e a versão portuguesa do Basic D&D é fruto
desta cena, não a criou. Se não me engano, a base da edição
centrou-se no clube do Saldanha. E já antes do BD&D tinha sido
publicado um RPG rudimentar escrito aqui em Portugal num
suplemento de um jornal de grande circulação. Diga-se em abono
da verdade que a verdade é que a edição portuguesa do BD&D
foi um semi fracasso. Quanto às razões de ficar aquém das
expetativas, só quem esteve por detrás da edição é que se poderá
pronunciar (ele(s) existe(m) e estão por aí).
O que tramou a coisa foi o Magic. O jogo surgiu
precisamente no momento em que havia condições económicas
para os RPGs darem um salto. Aqui mais até do que noutros
países, o Magic foi como o Átila, onde pisou não cresceu mais
erva, comeu tudo. Mas esta é outra história.
Jogador
Sonhador: Jorge Fabiano Claudia Lembram-se
de
alguma coisa por cá que se passasse antes de 89?
Luís Piteira: Por acaso gostava de saber a história do RPG aqui
por bandas de Évora. Tanto quanto sei só há um grupo que joga,
pelo menos neste momento. E agora apareciam largas centenas de
pessoas que o fazem por aqui... Bem posso sonhar lol
Jorge Palinhos: Várias afirmações do Sérgio Mascarenhas
levantam-me dúvidas.
273
1) A Jeux et Stratégie só começou a dar relevo aos RPGs
a partir de 1984, nomeadamente com a publicação do Mega, o
primeiro RPGs francês. Antes disso, essa tarefa cabia à Casus
Belli, uma revista muito mais pequena e de menor visibilidade,
que, tal como a J&S, só surgiu em inícios dos anos 80, pelo que
não vejo o seu impacto na promoção dos supostos RPGs em
Portugal nos anos 70.
2) Como disse, não tenho dúvidas em que idas ao
estrangeiro pudessem fomentar surgimentos de alguns grupos em
Portugal. Mas duvido que fossem tão numerosos como o Sérgio
parece sugerir. Afinal, não havia programa Erasmus, não havia
Low Costs, e as viagens à França, Reino Unido e EUA
restringiam-se a uma pequena elite ou a ligações familiares.
3) Estou muito curioso por saber que RPG rudimentar era
esse. É possível saber em que jornal foi publicado e em que ano?
4) Comprar o Runequest II em 1983 é um pequeno feito,
visto que o Runequest só teria edições europeias a partir de 1987.
E isso reforça a minha ideia de que só muito pouca gente poderia
jogar RPGs em Portugal nessa altura.
5) Não há grande relação entre os CCGs e o BD&D
português, visto que o segundo é de 1989, e o Magic só apareceu
em 93/94, altura em que a edição portuguesa já tinha desaparecido
das lojas. E parece-me que os CRPGs tiveram muito mais efeito
no declínio dos RPGS de mesa do que os CCGs. Por outro lado,
também houve gente que entrou nos RPGs através dos CCGs e
274
dos CRPGs. É o meu caso e, suspeito, o de muita gente deste
grupo.
Claudia Silva: Eu só entrei nos RPGs por volta de 96/97, e posso
dizer que a "segunda onda" dos RPGs (coisas que não D&D,
nomeadamente
World
of
Darkness)
pelo
menos
no
Norte\arredores, se deveu sobretudo ao Magic -- com Magic
vieram outros jogos de cartas, outros jogos de cartas trouxeram
VTES, e daí foi um salto para Vampire. Na realidade, são muito
poucas as pessoas que conheço que tenham entrado nesta primeira
onda do "D&D" e outros que tais. Sempre tive a impressão que a
cultura "geek" apareceu nos finais dos 90s e foi isso que trouxe
um acesso mais "em massa" aos RPGs.
E concordo com o Jorge, estou espantada que o Sergio não
se referiu a Casus Belli, que no Porto era constantemente
mencionada por toda a gente que tivesse algo a ver com RPG, e
era até possível encomendar via Bertrand. Em 97, eu conhecia
várias pessoas que tinham colecções com dezenas de números (o
Fabiano, por exemplo, e o Flávio, logo deveriam andar a
coleccionar já há uns anos).
Se eu tivesse que adivinhar, diria que os RPGs foram
também expostos pela ascensão da cultura Geek em Portugal (fins
dos 90s/inicios 2000), com outras propriedades relacionadas
directamente com RPGs, como Baldur's Gate, que foi um jogo de
computador estupidamente popular. Na altura, trabalhava na
Devir Porto na secção de RPGs\Outros jogos, e tive imensos
275
jogadores que queriam descobrir mais sobre RPGs porque tinham
jogado Baldur's Gate 1, 2 e Neverwinter Nights, e ouviram que
era inspirado num RPG.
Rui Anselmo: Creio que o José Luis Porfírio e o Jose Hartvig de
Freitas podem dar o seu contributo a esta conversa.
Sergio Mascarenhas: Jorge, quanto aos outros pontos. Não me
lembro de qual foi o jornal. Já dei volta ao miolo e não me
recordo. O pessoal ligado aos RPGs na época que conheço
também não se recorda. Tenho comigo apenas um par de jogos de
guerra publicados num jornal nos anos 80. Os jornais tiveram
paciência para publicar coisas para jogadores, mas foi pouca.
Quanto ao RQ2 em 1983... Ouve, porque não perguntas
em lugar de atirares o barro errado à parede errada? Quem disse
que eu comprei a edição europeia? Comprei a caixa americana,
como é evidente. E comprei a caixa do Pavis. E não comprei a
loja toda porque não tinha dinheiro nem transporte.
O caso curioso é o seguinte: no meu círculo ninguém se
interessou pelos jogos, portanto eu tinha um hobby solitário. Um
dia em 1985, na Bertrand da Baixa, estou a ver revistas
(precisamente a J&S) e há um par de caramelos ao meu lado
igualmente a ler revistas. E dou-me conta de que estão a falar de
RPGs. E dou-me conta de que estão a falar... de RuneQuest! Um
dos caramelos jogava RQ!Meti conversa e foi assim que encontrei
o meu primeiro grupo. Um ano depois tínhamos um clube em
276
Santo Amaro que movimentava umas 30 pessoas, entre regulares
e ocasionais. Havia também o clube do Saldanha que
movimentava muito mais gente. Acho que começas a perceber
que considero o que escreves errado, não informado e absurdo...
Jogador Sonhador: Jorge e Claudia acho que houve alguma
polinização cruzada entre os jogos tabletop e de computador até
à altura dos MMOs em que muita gente preferiu consumir todo o
seu tempo à frente de um tela em vez de se expõr a jogar cara-acara. Conheço pelo menos uma pessoa que jogava quer uma coisa
quer outra e que expressamente escolheu o RPG por computador.
Rui Anselmo: Jorge, o Correio da Manhã editou um RPG de
fantasia vagamente baseado no Conan, se a memória não me
falha, mais ou menos na mesma altura que o Sergio refere; o RQ2
é de 1979, se não estou em erro, por isso é possível que o Sergio
o tenha comprado em França em 1983.
Sergio Mascarenhas: Quanto ao impacto do Magic, mais uma
vez convém ler com cuidado. Eu não disse que o Magic teve
impacto no BD&D português, disse que tinha tido impacto na
cena RPG em geral.
Ao contrário do que pensas (mais uma vez, estiveste lá?),
os CRPGs não tiveram grande impacto, por duas razões simples.
Os computadores eram caros e não eram para todos; os jogos
eram primitivos. Mesmo assim, houve tentativas de lançar
277
MORGS por correio entre nós. Lembro-me de um jogo em que
me inscrevi, jogo animado por pessoal do Clube do Saldanha,
baseado em Greyhawk. Esse jogo tinha centenas de jogadores
inscritos espalhados pelo país.
O Magic foi diferente. Quase toda a gente que jogava
RPGs experimentou e muita gente mudou. A facilidade de jogar,
a qualidade dos materiais, a competição, o jogo organizado, tudo
era atraente. O impacto sentiu-se em todo o lado, não foi só cá.
Qualquer pessoa que conhece minimamente a história dos RPGs
te dirá que o Magic foi um terramoto, uma peste negra. Entre nós,
com um meio pequeno e pouco organizado, o impacto foi apenas
maior.Quanto aos anos 90, afastei-me do hobby e não conheço
bem a cena, outra gente que fale dela.
Só uma nota final quanto à caixa vermelha em português.
Do meu ponto de vista, o que está por detrás do seu insucesso é
basicamente o seguinte: A editora não sabia o que fazer com
aquilo. Não era o seu negócio, não sabiam como o distribuir. Se
o mercado eram os jogadores confirmados, não tinha qualquer
hipótese. Estes jogavam coisas mais avançadas, não iam voltar à
caixa vermelha. Compraram para apoiar, não para jogar.
Se no mercado eram novos jogadores, não souberam como
chegar a estes. Não quer dizer que não tenha tido sucesso em
alguns casos (gente que descobriu os RPGs com a caixa), mas isso
foi a exceção, não foi a regra. Não teve sequência. A caixa
vermelha não vale por si, precisa de ter continuidade. Essa
continuidade não ocorreu.
278
Claudia Silva: Engraçado, Sergio, porque esse "terramoto" de
que falas, nos anos 90, como disse, pelo menos, aqui no norte, foi
o que trouxe muita gente para o RPG. Ser "fácil" não apelava.
Apelava fazeres a tua personagem, teres liberdade.
Suponho
que
isto
é
uma
situação
Gamist
vs.
Simulationists\Narrativists. É normal que alguém que jogasse,
sobretudo, pelo prazer de estratégia e mecânicas preferisse Magic,
mas para quem tinha um maior gosto pela História\Interpretação
de Personagem, Magic tinha muito pouco a oferecer -- logo, estas
pessoas atiram-se aos RPGs de cabeça ao saber da sua existência,
e ou largaram os jogos de cartas (como eu) de imediato, ou nunca
sequer consideraram jogar a sério (note-se que em ambos os
grupos haviam pessoas que jogavam de forma "social" para fazer
uns joguitos com amigos, o que como o Jogador disse, indica que
jogos parecem ser um fenómeno sobretudo de polinização
cruzada em Portugal.).
Nos grupos em que me mexia, isso sim, notei que não
havia grande amor por D&D, por isso WOD era o mais jogado,
nos fins dos 90s (supeito, porque quem poderia gostar mais desse
sistema estava a jogar Magic?). Só houve um renascer deste
interesse em D&D quando D&D 3.0 saiu.
Rui Anselmo: Foi a época da White Wolf, do punk-gótico e do
pseudo-intelectualismo.
279
Claudia Silva: Nunca notei "pseudo-intelectualismo" ou gótico
(punk ou não), entre os jogadores com quem joguei, pelo menos,
não pelo norte. Ou estás a falar dos RPGs em si, Rui?
Rui Anselmo: Isso.
Sergio
Mascarenhas:
Cláudia,
isso
é
perfeitamente
compreensível. O que aconteceu no com o aparecimento do
Magic é que de repente tens à disposição um jogo em que não tens
de fazer uma ginástica enorme para arranjar materiais (vende-se
por todo o lado, não tens de mandar vir do estrangeiro), para
arranjar jogadores, etc. É claro que faz todo o sentido que ao fim
de algum tempo tenha ocorrido o percurso inverso.
Outro problema no início dos anos 90 foi um problema
geracional. A cena dos anos 80 foi uma cena duma geração que
viu a sua vida mudar nos anos 90, ou seja, quando estabilizou,
arranjou emprego, casou, teve filhos... O habitual.
E depois houve o aparecimento do Vampire. Ainda me
lembro disso no início dos 90. De repente aparece pessoal à tua
volta a querer jogar aquilo. Além do Vampire, houve outros jogos
a aparecer. O resultado foi uma fragmentação de uma base
pequena. É possível que o Magic tenha sido apenas o golpe de
misericórdia, mas a verdade é que houve o fim duma geração.
Felizmente, entretanto estava a preparar-se o aparecimento de
outra.
280
Claudia Silva: Sergio, e foi o que, segundo o que me pareceu, o
abrir do mundo dos RPGs ao elemento feminino - quando eu
comecei a jogar, conhecia outra rapariga que jogava comigo (a
Inês Rocha, era que aprendeu comigo, ensinadas pelo Fabiano -somos amigas da faculdade, e já nos conhecíamos quando
descobrimos os RPGs, graças a estarmos a jogar VTES um dia no
bar da faculdade), mais nenhuma - era tudo rapazes e mais
rapazes. A partir daí, no entanto, foi um crescer exponencial. Por
volta dos 2000 e tais, o nosso grupo de jogadores "frequentes"
tinha 7 raparigas e 3\4 rapazes.
E para quem acha que estou a imaginar coisas (um grupo
de jogadores de RPG com mais gajas que gajos?!), olhem nós,
num jantar de aniversário\meninas do RPG! (Faltam duas porque
uma está a tirar a foto, e a outra não tinha ido, por alguma razão).
Fabiano Ferramosca: O primeiro grupo que sei que jogou no
Porto foi um grupo da Católica; quando ouvi falar deles em 1991
ou 1992 eles estavam já no fim (dá-me ideia que devia ser um
grupo de amigos que devia estar a acabar o curso). Portanto este
grupo deveria remontar aos finais dos anos 80 (não quer dizer que
não houvesse nada ainda mais anterior). Na altura os grupos eram
muito informais e era perfeitamente possível um grupo aparecer,
durar uns anos e desparecer sem nunca ninguém ouvir falar deles.
Sergio Mascarenhas: Cláudia, sim, esse é um aspeto a
mencionar. Nos meus grupos dos anos 80 as raparigas eram raras,
281
quase sempre namoradas de rapazes que jogavam. Aqui, houve
mudanças demográficas importantes e parece-me que o Vampire
também teve o seu papel. Hoje na nossa cena do GRL ainda há
mais pilas, mas diria que não é algo de significativo. Mas agora
que falamos disso, há um aspeto interessante que é o seguinte:
quase todos os MJs são homens. Não me estou a lembrar de
nenhuma MJ, sobretudo de uma MJ que mestre jogos de forma
consistente. Como é evidente, estou a falar de jogo organizado.
Como são as coisas aí pelo norte?
Hugo Barbosa: Lembro-me que o saudoso Diário Popular
publicou, algures em 1985 Os Druidas do Eclipse que foi um
conjunto de regras português do jornalista que, tendo ido ao
estrangeiro, queria divulgar em Portugal o que seriam RPGs.
Lembro-me do ano porque tentei recriar o A View to a Kill com
esse sistema (longa história). Foi o MEU primeiro contacto. Por
isso, os RPGs já por cá andariam em meados dos anos 80 como
diz o Sergio.
Claudia Silva: Sergio, mesmo na época dourada (início dos
2000), quem mestrava era maioritariamente gajo, mas havia
várias raparigas atrás, com campanhas de longa duração -- a Inês
Martins mestrou várias campanhas de Vampire, e uma de Senhor
dos Aneis (onde o Jogador era o único homem, com 3 jogadoras,
e uma GM) que duraram pelo menos um ano (e ela tem estado a
mestar uma de L5R que dura pelo menos há um par de anos), e a
282
Sónia também andava a dar uma de ST. Eu, como Menina dos
RPGs da Arena Porto, foi nessa altura que mestrei a minha
crónica de D&D 3.0 que durou cerca de um ano, para um grupo
de miúdos bastante novos (com pais que eram bastante
compreensivos, já que lhes davam dinheiro para comprar muitos
dos livros de 3.0 que lá tínhamos à venda), para além de estar na
minha fase "experimental", logo andava a mestrar coisas
estranhas por que me estava a apaixonar (como Changeling,
WitchCraft, etc.). Já que ninguém mais o faria (e é por isso que
até hoje, apesar que ter Changeling como um dos meus jogos
preferidos, nunca joguei uma única sessão). Logo, sem dúvida, a
mestrar há sempre mais pilas, mas pelo menos nos círculos em
que me mexo, há ainda uma certa presença de raparigas. Pode ser
porque há sempre mais jogadores que jogadoras, e devido a
percentagens, não necessariamente porque raparigas gostam
menos de mestrar.
Fabiano Ferramosca: Em relação à caixa vermelha, lembro-me
que a primeira vez que ouvi falar dela foi num dos livros da
Europa América, que fazia publicidade a ela. Passado pouco
tempo encontrei-a à venda em Aveiro numa loja de brinquedos;
eu andava no liceu, portanto foi entre 1989 e 1991 (embora eu
sempre tivesse tido a sensação que tivesse sido muito antes, o
tempo prega-nos estas partidas à memória; ela custava uma
pequena fortuna (mais de 2000$ escudos). Passado pouco tempo
283
ela não estava na loja, portanto deveria haver um grupo em Aveiro
a jogar.
David Foley: Também posso testemunhar ao efeito de Magic
TCG na primeira onda de roleplayers, O Magic destruiu o meu
grupo original em Irlanda, de onde venho, no início dos anos 90's,
quase todas as pessoas pararam de jogar RPGs e em vez jogaram
MTCG. Foi terrível, comeu-os todos, ninguém escapou, só
sobreviveu porque migrou ao País de Gales... AO PAÍS DE
GALES!
João Mariano: (David, isso quer dizer que talvez haja uma
sociedade perfeita de jogadores de RPG na ilha de Man?) ;D
João Mariano: (Claudia, eu mestro para tu jogares, então. Ou
achas que vale a pena esperar pelo C20?)
David Foley: João Oxalá, estudei biologia e é verdade que, por
vezes, organismos, em perigo de extinção, podem prosperar em
ilhas distantes
Claudia Silva: Vale a pena esperar pelo C20, João. Changeling
nunca teve uma edição Revised, apesar de que introduziu muitas
das mecânicas que depois foram "emprestadas" para Revised de
Vampire\Werewolf\Mage (sendo o WoD 2.5 em termos de
mecânicas). O C20 era exactamente o que eu estava à espera e o
284
que o jogo precisa (tirando algumas regras mais estupidas que
V20 introduziu como as novas\velhas regras de acções multiplas).
Hugo Barbosa: Fabiano Ferramosca, tiveste sorte. Em Lisboa
era 4 contos a caixa. E os livros onde vi a caixa anunciada foi nos
livros traduzidos da TSR Seja o Herói da História tipo Aventuras
Fantásticas. Na altura ainda as demonstrações eram na SocTip.
Foi no ano de 1989. E a primeira vez que joguei um RPG fora do
meu grupo e em eventos oficiais.
Fabiano Ferramosca: Eu não disse que custava 2 contos, disse
que custava mais de 2 contos que era o meu limite disponível
(provavelmente era um preço mais parecido com o valor que
disseste), e foi outra pessoa que a comprou. Só tive acesso à caixa
nos anos 90 já.
Sergio Mascarenhas: De facto, passou-me que um dos grandes
obstáculos ao sucesso da caixa vermelha foi o preço. 20€ de então
(câmbio de quatro milenas) valem hoje uns 80€. Numa época em
que os potenciais interessados tinham muito menos dinheiro
disponível. Só podia mesmo dar bosta.
Jorge
Palinhos: Hugo
Barbosa,
demonstrações eram essas?
285
podes
indicar
que
Rui Anselmo: Eram demonstrações feitas pela/na SocTip. Ainda
joguei uma vez - D&D, como toda a gente.
Jorge Palinhos: Rui, quantas pessoas participariam nessas
demonstrações? E lembras-te do ano em que foi publicado esse
"RPG do Conan" no Correio da Manhã?
Rui Anselmo: Desapareceu o meu comentário: "eram entre 5 a 8
pessoas por mesa, e foram feitas várias demonstrações; não me
recordo do ano exacto em que foi publicado esse RPG".
Jorge Palinhos: Obrigado, Rui.
Danny Rangel: Eu posso, como qualquer um aqui, falar da minha
historia individual, a minha experiência. Eu comecei a jogar em
2000 e com Vampire. Alguém na minha terra - Santa Maria da
Feira - tinha um livro de Vampire The Masquerade e tivemos uma
pequena campanha de 4 sessões, uma one shot que nos deixou a
pensar em RPGs. Na altura todos jogavamos Magic e não nos
teríamos conhecido de outra forma, por isso no nosso caso se não
fosse Magic não teríamos RPGs nas nossas vidas. Na altura viciei
uns amigos de Vampire na escola e jogávamos nos intervalos,
literalmente, isto no 11º ano. A comunidade de Magic estava no
seu topo e éramos uns 10 a jogar. Vampire tinha uma mesa regular
e eventualmente em 2001 passamos para D&D. Compramos os
livros na Arena Porto naquela altura porque um de nós estudava
286
no Porto, e tínhamos uma sessão regular. A dada altura nos verões
tínhamos 2 mesas regulares a jogar uma ao lado da outra num
cidade pequena como Santa Maria da Feira. Jogávamos nas mesas
de pedra da floresta nas encostas do castelo de Santa Maria da
feira, durante as feiras medievais .
No nosso caso foi o Magic que nos trouxe para o mundo
de RPG. E o que terminou a minha parte que durou anos e anos,
foi a maior parte deles deixarem de jogar Magic, estranhamente.
Lembro-me em 1999-2000 ir à arena porto no cristal e ver a
Claudia, o Rico e outros a jogar Vampire, e achava aquilo
bastante cool. D&D para mim veio pelas páginas de anúncio que
apareciam nas bandas desenhadas da globo, os quadradinhos da
Marvel e DC, que publicitavam Bds, e pelos livros que via quando
ia aos regionais de Magic na Arena Porto. O nosso maior entrave
era o preço das coisas, porque informação não era difícil de
encontrar. Em 2002 entrei em Coimbra, na faculdade, e em 2003
tinha uma sessão de Vampire Activa, enquanto tinha a minha
mesa de D&D em Santa Maria da Feira aos fins de semana.
Danny Rangel: O Vitor Teixeira lembra-se das sessões de
Vampire na escola
Jose Hartvig de Freitas: Entretanto, organizou-se o CJS - Clube
de Jogos de Simulação, provavelmente mais ou menos em
paralelo à Torre. Inicialmente era local de entrega das jogadas do
jogo por correspondência idade das Trevas, do GAP (Grande
287
Afonso Proença!). Isso durou uns dois anos, e não era possível
juntar tanta gente que gostava de jogos de simulação sem que isso
originasse um clube. Foram vários os que participaram nesses
tempos iniciais. O Vítor Luis Fernandes, que dirigia o clube, o Dr.
Calçada (pai e filho, tinham talvez a maior de todas as colecções
de wargames do país), o Luís Miguel Sequeira, e muitos mais
cujos nomes já não recordo. O CJS era inicialmente muito virado
para wargame, mas desde o início houve bastantes jogadores de
RPG. Os domingos eram quase completamente dominados por
grupos de RPG que ficavam lá a jogar o dia inteiro. Isto, se não
me engano, foi o período de 1985-89.
Jose Hartvig de Freitas: Mas eu desde finais de 86 andava em
correspondência com a TSR para editar/reservar os direitos do
D&D cá, e à procura de um investidor. Esse acabou por ser a
SocTip, que em 89 editou o D&D, para além de que foi também
o ano em que se criou o Clube de Jogos da SocTip, e se iniciou a
importação de livros da TSR. Como coincidiu com o lançamento
da segunda edição de AD&D, houve um boom tremendo do RPG
nessa altura. Eu saí da SocTip passado um ano e meio por causa
de divergências várias, e fundei a Imperium Jogos, que editou em
91 ou 92 o Battletech e continuou a funcionar até inícios de 94.
Nessa altura, por vários motivos, quer eu, quer o meu sócio na
altura, desistimos (até por causa de alguns problemas fiscais a ver
com a maneira como eram taxados os livros de RPG) e fechamos
a Imperium, vendendo o grosso do stock de livros em português
288
à... Devir, no Brasil. Foi assim que se iniciou a ligação à Devir, e
que mais tarde, quando a Devir Brasil decidiu abrir uma empresa
cá para tratar da distribuição da versão portuguesa de Magic, eu
passei a ser sócio e director da empresa cá.
Jose Hartvig de Freitas: Houve outras empresas ligadas ao RPG.
O CJS acabou por sair do Saldanha e ir para a zona do forno do
tijolo, provavelmente cerca de ... 92? 93? Não me lembro bem,
nessa altura a Imperium tinha ido para Campo de Ourique e eu já
não aparecia muito no CJS. Houve um senhor, cujo nome não me
lembro e já faleceu, que durante uns anos (93 ou 94 até... 96? 97?)
importava TSR e vendia nas Lojas York, em Lisboa, na António
Augusto Aguiar. O Lobo Branco, que começou em Campo de
Ourique lá para 95, como clube de Games Workshop, e onde
havia também consolas e PCs em rede, e que depois se mudou lá
para Santa Justa, já em 96 ou 97, e já principalmente como clube
de Magic.
Mas eu nessa altura já não jogava muito RPG. Dito isto:
muita gente olhou para o período 9095 como alguma era de Ouro
do RPG cá, e acha que o RPG desapareceu depois, com a chegada
de Magic. Não tenho essa noção, e baseio-me em números muito
factuais e simples: quando se lançou o AD&D 2nd Ed., lembrome de ter ficado surpreendido com as vendas do Players
Handbook, que vendeu na altura uns 300 exemplares em cerca de
3-4 meses, o que era muito. Mas quando saiu em 2000 o D&D
3rd Ed., e era eu responsável comercial na Devir (que era
289
distribuidora oficial da TSR/WotC), vendemos 900 livros no
PRIMEIRO mês! E nessa altura, só de fazer meia-dúzia de
telefonemas para alguns clientes e grupos (que importavam
directo), dei-me conta que tinham entrado outros 150 importados
por outras empresas. Ou seja, as vendas foram MUITO
superiores.
Como termo de comparação, o D&D Básico - a caixinha
vermelha - vendeu mais ou menos 2000 exemplares naquele ano
e meio de comercialização activa da SocTip, e entre restos de
stock que a SocTip vendeu mais tarde aos tais da Loja York, e
mais tarde ainda, à Devir, devem ter-se vendido mais uns 800.
Nos tempos áureos, o CJS chegou a ter uns 150 membros
activos, pessoas que se deslocavam lá regularmente, uma vez por
mês ou mais, para comprar jogos ou jogar. A Torre do
Necromante nunca teve mais de uns 30 membros activos. As
demonstrações na SocTip eram quase diárias, e devem ter
ensinado a jogar a centenas de jogadores, literalmente passavam
por lá umas 20-30 pessoas por semana, e isto durante um ano e
tal.
Inês Rocha Silva: De facto, comecei a jogar em 96/97 com a
Claudia, Fabiano, Palinhos, Corujo. Depois fui para a Bélgica,
onde já havia uma grande comunidade de jogadores e lojas.
Cheguei a ir trazendo coisas para a malta. Eventualmente, perdi o
gosto, talvez porque aos poucos, as amizades foram mudando. No
entanto, no ano passado retomei, e arrastei várias pessoas à minha
290
volta que nem sabiam o que isso era! Ainda bem que agora já não
é preciso andar a comprar os livros e nem é preciso viajar.
Jogador Sonhador: Jose Hartvig de Freitas Obrigado pela
informação detalhada! Posso perguntar qual foi o balanço feito da
decisão de se traduzir a caixinha vermelha para Português?
Danny Rangel: alguém devia escrever um livro com tudo isto.
Jogador Sonhador: Danny, eu e o Jorge estamos a falar do
assunto. Podemos começar por fazer um copy-paste para um
ficheiro aqui no grupo. Eu estava a pensar criar um grupo só para
juntarmos documentos e testemunhos. Talvez com o intuito de se
montar um vídeo, por exemplo.
Jose Hartvig de Freitas: Não houve bem balanço. As coisas na
SocTip mudaram muito, as vendas não eram nada de especiais
(embora não fossem más, e o alto preço que tinha sido colocado
na caixa compensou), mas depois de uma zanga entre mim e a
administração, e depois de eu anunciar que me ia embora, foi
tomada a decisão de fechar o departamento. Na altura, a SocTip
tinha montado um departamento editorial de que os jogos também
dependiam, um projecto que foi encerrado passado um par de
anos. No fundo, a SocTip desistiu de actividades não relacionadas
com o seu negócio de base, que era a impressão.
O preço da caixa era de 4,950$, ou seja, em euros uns 25€.
291
Jogador Sonhador: Jose Hartvig de Freitas, falo da hipótese de
se traduzir mais alguma coisa durante a década de 90 ou depois
de 2000.
Hugo Barbosa: Só fui uma vez à SocTip. Na vez seguinte,
disseram-me que tinha sido tudo mudado para o CJS. E nesses
anos, de facto, via muitos a jogarem. E a coisa passava cá para
fora, ou seja, as pessoas conheciam-se lá, mas depois formavam
grupos para fora do CJS. Comprei lá MERP, Call of Cthulhu,
AD&D 2, amigos meus compraram a sua quota parte. Mais do
que vender, é esse espírito de comunidade que tem que voltar ou
já cá anda graças aos esforços de gente como o João Mariano,
Sergio Mascarenhas, Henrique Bruno Soares e Jogador Sonhador
e tem que ser mantido.
Jose Hartvig de Freitas: Jogador Sonhador, nessa altura já não
seria a caixa vermelha que a TSR passou à reforma. A Devir
editou imenso RPG, editou o D&D 3a edição em português (no
Brasil) e em espanhol. Mas dadas as excelentes vendas do inglês
cá, e o facto de editar isso cá ser um certo risco, na verdade nunca
se colocou bem o problema. Chegamos a falar disso em 2002 ou
2003, para fazer uma coimpressão, mas nunca se avançou muito
nisso.
292
Jogador Sonhador: Quem quiser colaborar para juntarmos uma
história do RPG em Portugal, mande uma mensagem para eu vos
juntar ao chat com o Jorge e o Danny.
João Mariano: Jogador Sonhador e restantes: no que diz respeito
a essa colaboração interessaria particularizar o historial de cada
cada região ou cidade? Por exemplo, eu tentar descrever a
"história" dos RPGs em Setúbal e Almeirim?
João Mariano: Verdade. E quero agradecer a ti e à Imperium
pela tradução e edição nacional do Battletech que foi o meu
primeiro jogo de mesa tipo hobby e que me proporcionou um
verão inteiro de leituras obsessivas e jogatanas posteriores. E
claro, pela iniciativa de publicar a Caixa Vermelha da Soctip que
foi o primeiro RPG que comprei e que mestrei. Obrigado por
tudo.
Jogador Sonhador: João Mariano para já, vamos separar este
tópico em décadas (70/80, 90, 2000) sem distinguir entre regiões,
acho eu. Depende da quantidade de informação que conseguirmos
reunir.
Rui Anselmo: Caro Jose Hartvig de Freitas, obrigado pela tua
participação. Creio que ajudou bastante ter alguém a intervir que
tivesse presente números de vendas e de pessoas ao longo dos
tempos. Saberás porventura a quem contactar por causa de um
293
certo RPG editado algures nos anos 90 (creio) no Correio da
Manhã?
Jose Hartvig de Freitas: Tanto quanto me lembre, esses Druidas
da Alvorada é dos anos 80, saiu no Correio da Manhã, quase de
certeza e não sei quem escreveu. Sei que o Luis Miguel Sequeira
publicou uma série de artigos na Capital em 92 ou 93, que
incluíam uma aventura completa de fantasia, com as suas
regras.
O
Segredo
de
Aldwal»
-Uma Aventura num Jogo de Personagem, na série "Os Jogos de
Personagem". Ando a matar a cabeça a tentar lembrar-me de
quem escreveu os Druidas.
Pedro Lisboa: Jogador Sonhador Apesar de só ter aterrado agora
na conversa (24 horas parecem uma eternidade no facebook...),
avisado pelo Sergio Mascarenhas, tenho muito interesse em
acompanhar o tema da história dos RPG por cá - aliás, escrever
qualquer coisa acerca do assunto é um desígnio que ando a remoer
há anos!
Hugo Barbosa: Então sou eu que estou a fazer uma confusão
enorme: estou com a ideia de que a coisa se chamava Druidas do
Eclipse e que foi publicado no Diário Popular. Seria duas séries
do mesmo jornalista ou estou a confundir tudo. Até porque o meu
pai não comprava o Correio da Manhã e aquilo saía aos Sábados.
Era quase de certeza o Diário Popular. Não digo que não houvesse
294
algo semelhante no Correio da Manhã. Alguém se recorda para
além de mim?
Nuno Sérgio Muralha: Há muitos, muitos anos, era eu uma
criança... Eu terei começado a jogar RPG nos idos de 85 mais ou
menos, e de acordo com as minhas contas, a memória (fruto da
idade) Já não é o que era. Um grupo de amigos, introduzido no
meio por amigos de amigos, tomara de assalto uma agremiação,
um cineclube, que tinha instalações e despesas pagas pelos sócios,
mas actividade zero. Na altura das eleições, criou-se uma lista,
votamos basicamente nós, e tomámos quase de assalto o sítio, tipo
hangout, E pelo menos uma das noites da semana era tipo religião.
Jogávamos nessa altura basicamente Runequest, CoC e
Bushido. Entretanto numa ida a Paris terei trazido para um dos
membros do grupo aquilo que terá sido provavelmente a primeira
cópia de Cyberpunk 2013 cá. E juntámos cyberpunk ao rol de
jogos. Uns quantos boardgames também com o decorrer dos
tempos, Bloodbowl, por exemplo. E assim foi durante uma série
de anos. Sabia da existência de vários outros núcleos de
jogadores, tínhamos no nosso grupo duas pessoas que vinham da
Torre do Necromante, entretanto soubemos do CJES, mas
pessoalmente apenas lá fui um par de vezes.
Como sou de Campo de Ourique, foi quando o Lobo
Branco passou de Santa Justa para Campo de Ourique, que
comecei a alargar o meu leque social a nível de RPG e outros
jogos para fora do meu grupo inicial, e foi a partir daí que conheci
295
alguns de vocês que por aqui pululam. Depois do fecho do Lobo
Branco, onde "vivi", e como o meu grupo inicial de Campo de
Ourique se tinha desagregado, por contingências da vida, passei
a jogar, com um grupo de jogadores com um "core" mais ou
menos fixo" da Pontinha, onde tive durante uns anos um negócio.
Estamos mais ou menos interrompidos há um par de anos,, não
vamos para novos, e nem sempre é fácil manter uma rotina destas,
mas estamos a pensar voltar em breve ao activo. Lembro também
com saudade a Alternativa, sobretudo a fase da Rua da Caridade.
Sergio Mascarenhas: Só umas correções sobre a Torre do
Necromante, pois estive ligado ao aparecimento da mesma. Como
disse algures acima, em 1985 encontrei por acaso outro jogador
de RQ2, o Alfredo Ferreira que vivia em S. Amaro de Alcântara,
muito perto da antiga FIL. Convidou-me e fui jogar a casa dele
(num sábado, salvo erro). Éramos quatro, eu, ele, o Paulo
Canongia que o José mencionou e um amigo do Alfredo,
igualmente de S. Amaro. O Alfredo era membro do Clube de S.
Amaro, uma agremiação local, e teve a ideia de se fundar um
clube de RPGs tendo como base o Clube de S. Amaro. A verdade
é que convenceu a direção do clube a aceitar-nos lá. Acho que a
ideia do nome também foi dele: Torre do Necromante. Isto foi aí
por 85.
A coisa pegou, mas nunca teve muita gente, umas trinta
pessoas. O Manuel e a Olga a que o José se refere apenas
296
apareceram depois. Em 86-87 chegámos a ter um boletim (Bola
de Cristal) de que sairam três números. Coisa muito rudimentar.
A Torre desapareceu ao fim de uns anos pela seguinte
razão: os membros do Clube de S. Amaro eram pessoal da mine
e da bola. Começaram a achar muito estranho aquele grupo de
desconhecidos vindos sabe-se lá de onde que ficavam por ali até
altas horas e que não conviviam com eles. Começaram a levantarse vozes contra e a direção do Clube acabou por nos pôr a andar.
Quanto a publicações em jornais, além do já referido RPG,
publicaram-se também alguns jogos de guerra. Infelizmente não
tenho o Druidas (de qualquer coisa), mas tenho um jogo de guerra
medieval, Torre Alta, publicado em 1981 no Espaço T Magazine,
obra de António Calçada; e um Guerra Nas Estrelas de Luís
Calçada, publicado no Semanário em 1984. Aliás, se a memória
não me falha foi o Luís Calçada o autor do tal Druidas (de hora
incerta).
Rui Anselmo: Sobre isto, creio que também seria interessante
contar com a participação na conversa do Rui Cordeiro e do João
Meixedo.
Hugo Barbosa: Se calhar se o clube se chamasse Taberna do
Necromante a coisa pegasse.
João Cartaxo: Conversa bastante interessante! Pouco posso
acrescentar ao que já aqui foi dito, para além da visão de alguém
297
do interior do país. Tomei conhecimento da caixa vermelha de
D&D em 1988 através de um anúncio numa revista de natal de
uma entidade bancária (não me recordo qual) e aquilo alimentou
o meu interesse, embora não percebesse bem como funcionava.
Esse anúncio referia a SocTip e julgo eu a Tabak (?) nas
Amoreiras.
O que é certo á que sendo de Abrantes, a idas a Lisboa
eram muito escassas e as tentativas de compra do jogo esbarravam
sempre em "esgotado"... Acabei por desistir. No final de 1991 me
deparei com a referida caixa vermelha numa livraria em Faro e
comecei a jogar em 1992 em Abrantes e mais tarde em Faro, com
muita gente diferente.
Entretanto, através de amigos que tinham entrado na
universidade em Lisboa descobrimos o CJS e mais tarde as Lojas
York. Nesta altura adquirirmos a Rules Cyclopedia e muito
material de Mystara enquanto um grupo de RPG em Abrantes.
Nunca jogámos outro RPG que não fosse D&D.
Jogador Sonhador: Quanto ao D&D, nunca chegaram cá os
livrinhos de 1974, pois não?
Sergio Mascarenhas: Hugo, a Torre meteu taberna... Depois das
sessões de jogo era habitual irmos para um restaurante em
Alcântara (Cuidado com o Degrau) beber um copo e conversar.
Acontece que os maiores clientes desse restaurante eram os
responsáveis pelas OGMA que iam lá todos os dias com
298
convidados. A certa altura houve um escândalo de corrupção nas
OGMA e os tais clientes desapareceram do restaurante. Que não
aguentou o golpe e fechou. A Torre ficou sem taberna.
Jogador Sonhador: Para a década de 2000, era bom termos o
Ricardo Madeira para falar do turno da noite e do RPG Portugal.
Rui Anselmo: Sim. E sobre o GNS.
Claudia Silva: E o Vampire PT
João Mariano: Podemos tentar puxá-lo aqui para a conversa,
mas acho que ele não está neste grupo.
Jogador Sonhador: Claudia Sim, isso é o turno da noite.
Jogador Sonhador: João já esteve e saiu, pelo que o ritual de
invocação não funciona.
Pedro Felício: Jose Hartvig de Freitas, referiste um casal que
supostamente são médicos em Évora nos dias que correm, serias
capaz de investigar melhor? Sou DM do que, a meu ver até agora,
é o único grupo de RPGs activo em Évora bem como dinamizador
do Grupo de Boardgamers de Évora.
299
Claudia Silva: Jogador, o Vampire PT existia muito antes do
Turno da Noite. Lembro me que foi mais para os fins do fórum
que o Caine fez um trato com o Rick para fazer o hosting no Turno
da Noite.
Rui Anselmo: "O Caine fez um trato com o Rick".
Claudia Silva: (O Caine era o Admin do Vampire PT, nunca
soube o nome verdadeiro dele).
Rui Anselmo: Não faz mal. A história está bem assim.
Pedro Felício: lol parece-me que o Rui Anselmo sabe quem é o
fraticida
Rui Anselmo: Não sei não. Eu fujo disso como o diabo da cruz.
João Meixedo: O Rui Anselmo puxou-me à discussão neste
grupo que desconhecia e é sempre um prazer rever alguma da
história desses tempos e algumas das pessoas também. O primeiro
contacto que tive com RPG e boardgames foi numa loja numas
galerias comerciais ao lado do Apollo 70 na avenida Júlio Dinis.
Não me lembro o nome da loja, nem quem a explorava, mas foi
lá que o meu cunhado na altura comprou um Runequest senão me
falha a memória.
300
Alguns anos depois, um amigo meu que cedo se desligou
dos jogos, levou-me ao Lobo Branco em Santa Justa, e foi aí que
o bicho se entranhou. Primeiro com os boardgames da Games
Workshop e Fasa e depois com os RPGs. Foi também no Lobo
Branco, tanto em Santa Justa, quanto em Campo de Ourique que
conheci o já mencionado Rui Cordeiro e seu sócio João Maia, o
Jose de Freitas, Paulo Canongia, Luis Figueira, Rui Anselmo,
entre muitos outros.
Foi lá também que conheci o Paulo Rocha, que haveria de
ser meu sócio na Alternativa Ilimitada, com qual passamos vários
anos a comercializar RPGs, boardgames, cardgames, etc. Ajudei
a introduzir muita gente ao mercado dos jogos de vários tipos,
com demonstrações que fazíamos em escolas e espaços
comerciais, e disponibilizando espaço de jogo, cenários, etc nas
nossas lojas, mas ficou-se por aí o nosso contributo. Desconheço
que no aspecto da divulgação, alguém tenha tido um impacto tão
grande quanto o do Jose de Freitas, na tradução e edição de tantos
jogos diferentes na nossa língua, pelo menos naquele período.
Ainda traduzimos para Português algumas coisas da Games
Workshop, mas não lhes compensava a impressão em quantidade
porque o Português de Portugal arranhava as orelhas do outro lado
do Atlântico e o nosso mercado era muito pequeno.
Concordo com aqueles que afirmam que os Cardgames
mataram alguns dos outros jogos. O esforço financeiro
permanente e a dedicação constante a que quase obrigam, roubam
tempo e dinheiro a outro tipo de jogos. Quem conosco se iniciava
301
num qualquer boardgame ou RPG, quase sempre experimentava
"n" outros jogos, mas sempre sentimos grande dificuldade em
fazer quem se iniciava nos cardgames se interessar por outras
coisas, e vimos muitos jogadores abandonar os outros jogos para
se dedicarem exclusivamente aos cardgames. Isto como é óbvio,
são generalizações e não o exemplo de toda a gente.
Nos RPG's joguei AD&D, muito Shadowrun, Werewolf,
Vampire, Mage, Eon, e pazadas de Call of Chtulhu, joguei mais
alguns que já nem me lembro os nomes. Entretanto a vida
apanhou-me e despejou-me em cima as responsabilidades da
parentalidade e o tempo para os RPG foi-se, mas as saudades
ficaram. Peço desde já desculpa pelo testamento.
Jose Hartvig de Freitas: Aha, Pedro Felício, lembrei-me agora.
Eles chama-se Manuel e Olga Carvalho, são ambos médicos em
Évora. Ainda há uns 3-4 anos falei com o Manuel, mas entretanto,
mudei de número de telemóvel, e perdi o telefone antigo e já não
tenho o contacto dele. Deve ser fácil de localizar, entretanto.
Sergio Mascarenhas, os António e Luís Calçada eram os tais
Engenheiros Calçadas Pai e Filho que referi. O Luís era o filho, o
pai já faleceu.
O Pai tinha começado a jogar wargames da Avalon Hill
ainda durante os anos 60, se não me engano, e os dois chegaram
a alugar um pequeno apartamento na zona de Benfica só para
guardar wargames e para jogar - diz-se que uma vez tiveram o
Drang Nach Osten montado durante uns oito meses e que
302
aparentemente conseguiram acabar o jogo (para quem não sabe,
este foi um dos grandes "monster games" da era de ouro dos
wargames de hexágonos, publicado pela GDW, fazia parte da
série Europa que tentou cobrir a Europa toda da Segunda Guerra
Mundial).
Foram sócios iniciais do CJS, e acho que pelo menos o
Luis Calçada jogava Idade das Trevas. Luis Figueira, não queres
acrescentar nada a isto? Estavas lá quase desde o início do RPG:
jogaste na SocTip, certo? E lembras-te do Brian, o inglês que
jogava na Torre do Necromante e era amigo do Alfredo e da Ju, e
do Canongia? Ele é que me vendeu a caixa original do D&D e os
suplementos que ainda aí tenho.
Luis Figueira: Lembro-me bem do pessoal O Alfredo agora é
bixo do mato para os lados de Palmela. Não tenho muito a
acrescentar ao grande guru.
Jose Hartvig de Freitas: Luis, não tens o contacto dos Carvalhos
de Évora, pois não?
Luis Figueira: Infelizmente não.
Jose Hartvig de Freitas: Creio que o Manuel é agora Director
do Hospital Espírito Santo de Évora, além de ser cirurgião, a Olga
é cardióloga, não sei em qual hospital.
303
Pedro Felício: Obrigado Jose Hartvig de Freitas confirmei que o
Dr Manuel Carvalho é o big boss do Hospital de Évora, presidente
e director clinico, duvido que tenha tempo para jogar RPGs nos
dias que correm para já não falar que contactá-lo seria uma tarefa
bastante dificil
Rui Anselmo: Basta partir algum osso.
Pedro Felício: Se os vários médicos espanhóis/cubanos nas
urgencias jogarem RPG então we are game
Rui Anselmo: Não acredito que tenho que ser eu a pensar nestas
coisas.
Nuno Sérgio Muralha: O Brian era o Brian Pierpoint, e muita
gente começou a jogar RPG com fotocópias dos rulebooks dele.
Nunca mestrava sem dois sixpacks de cerveja ao lado....
Jose Hartvig de Freitas: Não sei qual é o teu problema com dois
sixpacks para DMs... Se bem que eles vissem (e BEM!!) no
tamanho da cintura do Brian...
Luis Figueira: O Brian no Rei dos Frangos não deixava um
osso Grande homem em todos os sentidos.
304
Sergio Mascarenhas: O Brian, o Manuel e a Olga eram regulares
da Torre do Necromante. A Torre chegou a ter uma direção e eu
fui o primeiro presidente (já que tinha sido o autor dos
estatutos...), mas à época era perfeitamente incapaz de presidir a
fosse o que fosse (agora que talvez já seja capaz, não tenho
pachorra para o ser, diga-se). Resultado, nas segundas eleições a
presidência passou para o Manuel que estava muito mais
preparado para o cargo, talvez por isso tenha acabado a presidir
ao hospital. Mas, como disse antes, fomos despejados pouco
tempo depois.
Jose Hartvig de Freitas: Tem piada, não me lembro nada de
ti, Sergio, mas devo ter-te visto, porque eu ainda frequentei a
Torre um ano e tal, no grupo do Manuel.
Sergio Mascarenhas: Também não me lembro de ti, diga-se a
verdade, José. Mas há gente de quem me lembro e não me lembro
do nome, a minha memória é muito falível. Além disso, na fase
final da Torre eu já não aparecia muito por lá, portanto é natural
que nos tenhamos cruzado sem ficarmos nas respetivas retinas.

Pergunta 02: Como o Larp é organizado em Portugal?
Tem temas específicos?
Jogador
Sonhador: Quem
tem
consistentemente é o Giovanni.
305
organizado
LARP
Giovanni Magno: Olá Rafael! Se precisa de alguma informação,
pode
escrever-me!
Check
também
o
nosso
website: www.olisippoobscura.com
Giovanni Magno: Sorry, I thought it was a request to ask to join
to our LARP!
If you don't specify what you want (like "I want a discussion
here"), it is difficult to understand the purpose ... And sorry for
the English, but I am still learning português and this is the fastest
way to answer you. So, how LARP is organized in Portugal: well,
Olisippo Obscura (created by me and my girlfriend, both of us
Italians) organizes monthly (sometimes twice a month) LARP
events based on an ongoing Vampire the Masquerade Chronicle
(we play usually Camarilla, but in the last months we tried also
Sabbat with a special event at LisboaCon).Tonight we have had
our first Cthulhu LARP session and we are working on a PostApocaliptic session.There is another LARP reality, LARP
LX/Torre dos Jogos, but it is more a business company and at the
moment is mainly about Post-Apocalyptic LARP.
Giovanni Magno: Desculpe, eu pensei que era um pedido para
se juntar à nossa LARP!
Se você não especificar o que você quer (como "eu quero uma
discussão aqui"), é difícil entender o propósito... E desculpe pelo
Inglês, mas eu ainda estou aprendendo português e este é o
306
caminho mais rápido para responder-lhe. Então, como o LARP é
organizado em Portugal: bem, Olisippo Obscura (criado por mim
e minha namorada, ambos italianos) organiza mensalmente (às
vezes duas vezes por mês) eventos LARP com base em um
Vampire the Masquerade Chronicle em curso (nós normalmente
jogamos Camarilla, mas nos últimos meses também tentamos
Sabbat com um evento especial no LisboaCon). Hoje à noite nós
tivemos nossa primeira sessão de Cthulhu LARP e estamos
trabalhando em uma sessão de Pós-Apocaliptic. Há uma outra
realidade LARP, LARP LX / Torre dos Jogos, mas é mais uma
empresa de negócios, e no momento é principalmente sobre PostApocalyptic LARP.161
João Mariano: Pelo que sei a organização de LARP em Portugal
tem sido até ao momento muito rara e/ou insular. É normalmente
algo que de que se fala que devia haver mais, mas não se sabem
quem poderia organizar. Algo que em Lisboa mudou muito com
o trabalho da Alice, do Giovanni e do resto do pessoal da Olissipo
Obscura, ou pelo menos numa vertente não-comercial. Já se
deram lugar a alguns LARPs menos tradicionais tais como a
sessão de Ouça No Volume Máximo que organizámos no verão
do ano passado num dos nossos Encontros de Roleplayers de
Lisboa.
161
Tradução: Bruna Fontana Frappa – Universidade Federal de Uberlândia.
307

Pergunta 03: Quais são os hábitos, organização e
peculiaridades dos jogadores de RPG em Portugal?
Jogador Sonhador: Em comparação aos jogadores de RPG de
outros países?
Claudia Silva: A maior "particularidade", acho eu, é que tem
uma certa tendência a serem insulares. Amigos jogam com
amigos, e lá abrem-se a um ou novo jogador (que depois,
geralmente se torna amigo). É incomum, pelo menos no
Porto\para cima, grupos que só se juntam para jogar (se bem com
as redes sociais isso tem vindo a mudar um pouco). Por isso, há
dezenas de grupos que não sabem uns dos outros porque jogam
privadamente, e nunca procuram jogadores novos.
Jogador Sonhador: Claudia No Porto já vamos em 60 encontros
de pessoas que só se juntam para jogar
Claudia Silva: Jogador, sendo, na maior parte das vezes, pessoas
que se conhecem já, com alguns estranhos pelo meio -- e que
demonstrações de jogos (para espalhar o hobby e\ou experimentar
novos jogos) não é exactamente o "normal". Está a mudar, sim,
mas ainda não tens a situação como nos estados unidos, ou
inglaterra onde vês pessoas a postar nas lojas locais "Quero fazer
uma crónica de X,Y e Z, procuro jogadores."
308
Jogador Sonhador: Claudia Sim, acho que se contam pelos
dedos de uma mão os roleplayers minimamente activos que não
sejam conservadores ou insulares.
Pedro Felício: Em termos de organização a concentração de
grupos de RPG concentra-se mais nas principais cidades
portuguesas como Lisboa e Porto. As restantes cidades devem
entre 1 a 3 grupos no máximo
Nuno Sérgio Muralha: Claudia... Mas é natural que os grupos
de RPG sejam insulares como tu lhes chamas. Isso só tem
vantagens na minha opinião. Favorece as campanhas de longa
duração, os settings próprios, as adaptações das regras ao grupo e
as house rules, e a continuidade. mas isso é só a minha opinião.
Jogador Sonhador: Nuno Se insular fosse só vantagens, o Dave
Arneson ficava lá com a sua campanha em Blackmoor e D&D
nunca teria existido. Aliás, não sei a partir de que ponto na história
dos RPGs a insularidade poderá alguma vez ser vista como boa.
Isaac Frnds: Eu subscrevo o que o Nuno Sérgio Muralha disse.
O RPG Insular é só vantagens.
Pedro Lisboa: Tenho a sensação que o RPG é um meio de
expressão e de socialização tão versátil que não existe
propriamente um modelo ideal de organização de grupos. As
309
experiências de jogo público e privado são muito diferentes, mas
consigo ver vantagens (e potenciais desvantagens) em ambas. É
importante que existam espaços de partilha, mas também acho
inteiramente lícita a opção de não os utilizar.
Jogador Sonhador: Nuno Isaac Pedro, também não devemos
estar a pensar na mesma ideia de insular, caso contrário não
estaríamos aqui os quatro a conversar usando a pergunta, penso
que estão a entender a coisa mais numa de organização do que de
hábitos/peculiaridades
que
distinguem
os
roleplayers
portugueses dos brasileiros, por exemplo.
Isaac Frnds: Eu gosto do RPG de forma insular. Agora conhecer
outros jogadores, discutir abordagens ao jogo, ver outras
perspectivas? Óptimo. Jogar de forma organizada como D&D 5th
Ed., por exemplo, promove (ou seja outro jogo qualquer)? Não
obrigado. Gosto de jogar sempre com o mesmo grupo, entre
amigos e com uma excelente sinergia entre toda a gente.
Claudia Silva: Nuno, e Isaac, não, não é só "vantagens". Tem
imensas desvantagens também: 1) significa que os jogadores
estão limitados aos gostos do grupo, e coitados deles se querem
jogar Vampire quando o resto do grupo (ou o GM) só quer D&D
(queixa que o Bruno tem...Ver mais.
310
João Mariano: Estou com o Pedro Lisboa. Quanto ao pessoal
que favorece o RPG insular: prazer em quase não vos conhecer!,
eh eh.
Jogador Sonhador: Pois Isaac, se gostas de conhecer outros
jogadores, discutir abordagens ao jogo e ver outras perspectivas,
não és insular.
Isaac Frnds: Gosto da tua organização Claudia Silva:
1-) Se o grupo está junto é porque quiseram jogar os mesmos
jogos. Além disso, common sense can go a long way para resolver
este problema.
2-) Discordo, porque amigos falam sempre com amigos de
amigos, etc. só não cresce porque a maioria das pessoas olha para
isto como uma parvoíce. Mas sim, há um número limite de
pessoas que se pode acomodar, aliás, eu pessoalmente detesto
mais do que três jogadores, há excesso de momentos parados e os
jogadores dispersam.
3-) Não acho assim tão dramático, jogo com o mesmo grupo há
12 anos, estamos todos nos 30-35, empregos, namoradas, esposas,
filhos, etc. e continua a haver grupo, jogos, até o membro que se
mudou para o Algarve continua a participar.
4-) Again, common sense and little maturity go a long way.
5-) Mas o que se disse dos grupos insulares é que são
precisamente amigos, não se perdem assim do nada. E quanto a
ser jogador novo, tu mesma disseste que quando acolhem jogador
311
novo acaba por se tornar também um amigo e a insularidade
permanece. As tuas palavras que eu pessoalmente subscrevo.
Prazer João Mariano.
Isaac Frnds: Jogador Sonhador, não nesses aspectos. Agora para
jogar tenho sérias dificuldades em integrar-me num grupo por
mais do que uma ou duas sessões. Já joguei com outros grupos
precisamente para absorver novas experiências, mas não mais que
isso.
João Mariano: Bem, eu a ti já te conheço Isaac, se bem que
podia ser com mais profundidade, realmente. Daí o "quase".
Isaac Frnds: Foi só para te dar resposta lol, mas sim, eu gosto de
ir aos eventos quando posso para toca de experiências e conhecer
gente. Mas seria incapaz de jogar como, por exemplo, faz a Arena
Porto que tem mesas de jogo organizado todas as Quartas e
Domingos (que eu saiba). Não é o meu ambiente, não é a forma
como eu gosto de abordar o RPG. Não seria capaz de me integrar.
No entanto só tenho bem a dizer e fui muito bem recebido quando
quis experimentar D&D 5th
Nuno Sérgio Muralha: Claudia e Jogador. Posso ter percebido
mal a ideia de insularidade, mas penso que não. As opiniões cada
um tem a sua. Eu não sou fechado na insularidade e não tenho
nada contra experiências com Players e jogos diferentes, mas as
312
minha maior vivência de RPG (e já são 30 anos quase como
player), e as minhas melhores e mais gratificantes experiências,
são com grupos fixos. Um dops meus grupos tem um setting de
Lisbon by Night para Vampire (tudo na ideia, muito pouco no
papel) e esse tipo de cenas só se consegue com grupos de core
fixo. Once again that's my 10 cents.
Claudia Silva: Isaac, obrigada, tenho uma mente super baralhada
por isso tenho que ser organizada para o meu cérebro não fazer
reboot:
1) Grupos insulares muitas vezes não estão juntos porque querem,
mas porque não tem mais ninguém (sendo amigos e focados uns
nos outros. Exemplo concreto: eu, o Jogador e a Inês Martins
jogamos durante muitos anos juntos, mas chegou ao ponto que
tínhamos gostos tão divergentes que havia sempre alguém a fazer
"frete" e a jogar algo que não gostava porque a) não queria abdicar
do grupo, b) não queria encontrar um grupo novo e c) não queria
ficar sem RPG.
2) Podem sempre falar com amigos de amigos, mas o número
nunca flutua particularmente, e para um entrar, outro tem que sair.
3) Tiveste muita sorte. Eu vi grupo atrás de grupo implodir e
desaparecer por todas as razões e mais alguma. Fiz parte de pelo
menos 5 grupos de RPGs que já não existem. Para mim isto é
313
super dramático -- sobretudo porque o meu "ultimo" grupo (o
Jogador e a Inês) implodiu também, por diferenças de gostos, e
não jogo nada a "sério" à mais de um ano.
4) Isto é um hobby, não um emprego. Maior parte das pessoas não
está para se "chatear" e o acto de maturidade é "olha, que se lixe,
eles que fiquem no canto deles."
5) Pois, mas e o que acontece quando amigos se separam por uma
multitude de razões, ou simplesmente deixam
de ter
tempo\pachorra\presença para RPG? Adquirir um amigo não é
como comprar um livro -- ir à loja e trazer para casa. Demora, a
confiança tem que ser desenvolvida. É um processo lento e isso
em nada ajuda o hobby em geral.
Claudia Silva: Nuno, contra isso nada. Eu também sou bicho do
mato total, e não me sinto à vontade com estranhos -- e as minhas
melhores experiências sempre foram com amigos.
Mas tenho perfeita noção que a minha insularidade
funciona contra mim, e neste momento estou sem grupo de jogo
e não jogo RPG a montes por causa dessa minha bichisse do mato.
Não há um grupo (que não seja de Pathfinder ou D&D) que eu
possa dizer "Olá, vi que jogam X, Y e Z, posso juntar-me?". Em
vez disso, tenho cerca de 500 livros de RPG (e uns 200 ou 300
dados) parados num canto.
314
Isaac Frnds: Claudia, já somos dois, na volta é por isso que
usamos o mesmo sistema. Eu percebo o que queres dizer, mas
então é da minha experiência pessoal que tenho a perspectiva
completamente diferente. E a questão dos interesses, acho que
nunca se pôs como fracturante. Sempre discutimos o que
queríamos jogar, jogámos sempre coisas muito diferentes e
sempre houve algum que reunia completo consenso. Olha,
continuas-te a queixar que estás parada há mais de um ano, não
queres Mestrar Ars Magic uma vez por mês ou assim...? (Entrada
a pés juntos parte 2)
Pedro Felício: E que mal tem PF e D&D ?
Nuno Sérgio Muralha: Claudia. Eu não sei a tua idade (nem tão
pouco estou a perguntar), mas acredito que sejas mais nova que
eu. Espera até teres 50 anos, altas responsabilidades profissionais,
filhos adolescentes, etc., para veres o difícil que é conseguires
juntar o teu grupo para fazeres uma campanha consistente, ou até
mesmo uma wild session for that matter. E tendo as melhores
experiências com grupos fixos, adoraria deslocar-me aos
encontros mensais, onde pulula gente que conheço, e até alguns
com quem já joguei. Infelizmente trabalho aos Sábados. Life's a
bitch and i do miss RPG.
315
Claudia Silva: Isaac, já vou mestrar M20 quando sair. E mestrar
é facil. Toda a gente aparece quando alguém se oferece para
mestrar. Eu queria era JOGAR mesmo.
Pedro Felício: Eu conto pelos dedos das mãos às vezes que não
mestrei num jogo de RPG e continuo em força
Isaac Frnds: Claudia já tens mesa cheia para M20? Pois, eu
comecei agora a mestrar a sério e aí vem mais um aspecto, sintome à vontade para Mestrar para o meu grupo. São amigos e não
me importo fazer figura de otário, frente a desconhecidos é
diferente... se não se divertem ou se a experiência corre mal won't
be forgiven, porque é só mais um tipo, vou mas é arranjar alguém
de jeito.
Bruno Filipe: Chama-se um reality check, Claudia Silva.
Também conhecido como "Deixa de ser bicho-de-buraco!"
Nuno Sérgio Muralha: E percebo-te. A frustação de querer
também jogar e não mestrar. Eu tive sempre a sorte de ter gente
para mestrar. Joguei sempre mais do que mestrei. Acho que a
única coisa que mestrei consistentemente foi Cyberpunk e CoC.
Claudia Silva: Não, tenho uma mesa flutuante (really, isto vai ser
uma experiência a ver se consigo fazer um RPG estilo sandbox),
por isso tenho a Inês, o Bruno (quando ele conseguir vir de Braga)
316
e o Jogador -- mas há dias em que uns vem e outros não. Por quê?
Queres ser meu amigo, Isaac?
Isaac Frnds: No meu grupo (cerca de 4 ou 5 foi sempre variando
ao longo dos anos) todos foram ST e PC, eu fui o único que só
agora foi ST. Sim Claudia, deixas-me ser teu amigo outra vez e
jogar contigo? Nunca joguei Mage, acho que faço qualquer
sacrifício para experimentar isso nem que seja sair da ilha. Isto
dependendo do calendário da Big Boss.
P.S. - Não é nada Bruno Filipe, eu vou aprender os segredos todos
da Claudia Silva depois mestro para a minha ilha em Lx
MUAHAHAHAHA
João Mariano: "As pessoas não são ilhas e os grupos de RPG
também não! Adopta um estranho na tua mesa de jogo ou aparece
nos eventos públicos." ;D
Pedro Franco: Uma boa maneira de combater a insularidade que
se fala é o online playing. Já fiz, gostei e funciona. Mas
pessoalmente prefiro a versão de corpo presente.
Pedro Felício: Com esta conversa de insularidade porque é que
me vem a Bonnie Tyller à cabeça? Estou velho é por isso
Isaac Frnds: Bonnie Tyler é sempre bom vir, mas por quê?
317
Bruno Filipe: Arrisco-me a dizer que o único caramelo aqui que
pode falar de insularidade sou eu...
João Mariano: O Helder Araújo discorda de ti.
João Mariano: Bem, pelo que sei o Hélder viveu uns anos nos
Açores.
Bruno Filipe: Ah bom! Nesse caso sim, somos 2.
Helder Araújo: RPG em S. Miguel... Era EU! Desculpem a
presunção! Oxalá estivesse errado!
Bruno Filipe: Bolas, na Terceira temos 3 grupos... E em S.
Miguel nenhum? Não acredito!
Isaac Frnds: Terceira > S. Miguel. Shots fired.
Helder Araújo: Terceirenses sempre foram mais abertos a
experiências diferentes (no pun intended).
Bruno Filipe: It’s true.... E qual é o prato tradicional que
recomendamos aos Continentais? Blicas fritas com molho de
naião.
Helder Araújo: E caímos sempre!
318
Isaac Frnds: Bruno Filipe come tu, eu sou um gajo mais de
Alcatra

Pergunta 04: Como se relaciona o RPG no campo
acadêmico? Atuam como linguagem, cultura ou
ferramenta educacional?
Sergio Mascarenhas: Há casos isolados de fãs que o usam no
domínio acadêmico, mas nada de sistemático. Por outro lado, no
meio da formação profissional muita gente sabe o que é o roleplay
como ferramenta pedagógica.
Claudia Silva: Curiosamente, pelo menos na minha experiência
de Ensino do Inglês e Alemão, muita gente sabe o que é
Roleplaying como ferramenta educacional, mas não imaginam
que existe também uma versão lúdica.
João Mariano: Apesar de que a aplicação do Roleplaying como
atividade pedagógica passa mais pela leitura dramática do que por
um exercício de interpretação e contextualização de informação.
Existem alguns académicos que trabalharam o RPG em
pedagogia, e também tendo como com base em trabalhos
brasileiros, mas são mesmo muito poucos. Não queria generalizar
muito, mas acho que nesse campo o RPG é tomado mais como
uma ferramenta educacional.
319

Pergunta 05: Existem associações e organizações
formais de RPG? Existem eventos? Como são?
Jogador Sonhador: Conheço uma associação de wargames
(https://www.facebook.com/AJSPortugal), mas para RPGs ou
boardgames acho que não existe. Dentro do organized play da
Paizo e da Wizards of the Coast, existem eventos regulares de
Pathfinder e D&D. Sem depender de lojas ou editoras, há também
eventos organizados regularmente de modo mais ou menos
informal em Almada, Aveiro, Lisboa e Porto. Em média, penso
que estes eventos costumam contar com cerca de quatro mesas.
Normalmente, são abertas a qualquer pessoa que queira aparecer
sem ter que pagar nada. Acontecem durante a tarde e têm como
prioridade
jogar
RPG,
podendo
ocasionalmente
incluir
demonstrações, workshops, playtests ou mesas redondas.
Presentemente não têm qualquer vertente comercial a não ser
possíveis sorteios de material de RPG, já que não existem editoras
nacionais (a Devir Ibéria não comercializa em Portugal os RPGs
que a Devir Brasil edita).
Anualmente, existem encontros nacionais de boardgames nos
quais os RPGs também costumam estar presentes e aí já é possível
reunir em média umas vinte mesas ao longo de um fim-desemana. Organização sem fins lucrativos.
320

Pergunta 07: Como o RPG é conceituado em
Portugal? Existe alguma estigma social quanto aos
jogadores?
Sergio Mascarenhas: Fora do meio dos fãs, ninguém sabe o que
é. Para a maior parte das pessoas, RPG é cRPG. No entanto os
mais novos têm uma noção vaga de um jogo chamado D&D...
Claudia Silva: Nunca houve o estigma, exactamente porque
ninguém sabe o que é, mas quando mencionado (pelos meus pais,
por exemplo) era metido na classe de "Magics" e "Pokemon" e,
se tiver sorte, Boardgames.
Claudia Silva: Há também algo que pode ajudar a esta falta de
estigma: um grande número dos jogadores de RPG de hoje em dia
estão numa idade 20/30s (ou mais) -- não é comum que
adolescentes\crianças joguem -- dá a impressão que o pessoal
descobre RPGs durante a faculdade, e mete-se a jogar a sério
quando acabam o curso. Logo parece dar uma certa "maturidade"
e "respeitabilidade" ao hobby, do que se a maioria fosse putos de
14 e 15 anos (que foi a idade em que quase todos os meus amigos
de RPGs estrangeiros começaram a jogar).
321
Jogos
Desde a edição anterior, imaginei que a publicação de jogos fosse
mais ampla, devido à informalidade e ao mesmo tempo o
destaque e breve registro de criação, mas poucos interessados
publicaram, em maioria Larps.
Entretanto a proposta da revista esta em abarcar também os jogos
de cartas tabuleiro e RPG. Pela primeira vez vamos experimentar
publicar um RPG de paródia, para apresentar que é possível
propor um jogo divertido e ao mesmo tempo abrir uma discussão
crítica e acadêmica séria. Compreendendo que a experiência não
esta tão distante da teoria, uma se alimenta da outra.
Mas... Os Larps continuam mantendo a liderança, isso é um fato
curioso, por mais que existem muito jogadores de RPG, os
Larpeiros têm uma predisposição mais intensa em publicar, penso
que estes, em primeiro momento, tem por necessidade escrever
para que seus jogos sejam bem compreendidos e melhor jogados,
enquanto o RPG já te atem a um livro referência, não havendo a
necessidade de criar um novo livro. Em alguns casos
compreendem-se releituras ou propostas inovadoras.
O Larp como visualiza-se como arte e performance, sendo um
movimento mais engajado quanto a ação produtora. Em segundo
momento imagino que o RPG exista com frequência dentro das
universidades, no campo da pesquisa e extensão, mas pouco
322
dialogado em relação à pesquisa aplicada. Com isso pretende
chamar atenção para uma questão, a relação dos livros de RPG de
fim educacional, assim como os livros sobre RPG publicados no
Brasil.
323
SÊ UM VIAJANTE NUMA NOITE DE INVERNO
Por Luiz Prado
NpLarp
Núcleo de Pesquisa em Live Action Roleplay
RESUMO: Sê um viajante numa noite de inverno é um Larp no
qual os participantes representam viajantes que se encontram
numa hospedaria e compartilham suas histórias de vida. O jogo
utiliza criação improvisada e colaborativa de personagens e é
inspirado por experiências pessoais do autor e por Knulp, obra de
Herman Hesse.
PALAVRAS-CHAVE: Larp, live action roleplay, jogos de
representação, improvisação, viagem.
ABSTRACT: Sê um viajante numa noite de inverno is a Larp in
which participants represent travelers who are in a hostel and
share their life stories. The game uses improvised and
collaborative creation of characters and is inspired by the author's
personal experiences and the Herman Hesse’s work Knulp.
KEYWORDS: Larp, live action roleplay, improvisation, travel,
freeform
324
Três desconhecidos compartilham uma mesa, à luz de uma
vela e uma bebida forte numa hospedaria qualquer. Todos viajam
há certo tempo e continuarão na estrada após esta noite. Enquanto
as horas avançam, conversam para esquecer do frio e aguardar o
sono.
Esta é a proposta de Sê um viajante numa noite de inverno.
Neste jogo, você representará um desses personagens ao lado de
outras duas pessoas, procurando falar, agir, pensar e sentir como
se fosse ele. Não há roteiro ou falas pré-determinadas aqui: a ação
acontece de improviso e os rumos da história serão estabelecidos
por vocês mesmos. É meio um teatro de improviso, mas sem
plateia. A intenção é viver uma experiência imersiva e criar
colaborativamente uma história.
Para realizar o jogo, você precisarão dos seguintes
elementos:

Um lugar reservado

Uma mesa

Três cadeiras

Uma vela comum

Fósforos ou isqueiro

Três copos, taças ou canecas

Uma bebida quente

Uma folha de papel em branco, dobrada em três partes e
deixada sobre a mesa
325

Alguns objetos pessoais por perto (em seus bolsos ou
mochilas)

Luzes apagadas
Seu personagem em Sê um viajante numa noite de inverno é
uma versão alternativa de si próprio. Imagine que você, certo dia,
decidiu abandonar tudo e sair numa longa viagem. Pense nas
motivações que o levaram a tomar essa decisão e como isso torna
seu novo eu diferente ou parecido com você mesmo.
Defina algo importante que você teve de deixar para trás
quando decidiu viajar. Um casamento fracassado, o emprego dos
sonhos, a cidade que sempre amou. Pode ser um elemento real da
sua vida cotidiana ou uma completa ficção. Fique à vontade para
criar. Pense também num acontecimento extraordinário ocorrido
durante sua viagem. Uma experiência de expansão de
consciência, uma noite inesquecível ao lado de estranhos, um
encontro com o demônio no meio da encruzilhada. Você pode
escolher desde temas corriqueiros até histórias fabulosas.
Com esse esboço de quem é seu novo eu, acenda a vela: você
irá representá-lo por toda a duração da chama. Alimente a
biografia e defina as características do personagem no improviso,
durante o jogo. Converse sobre seu passado, acontecimentos da
viagem, planos e sonhos ou mesmo assuntos triviais.
Não tenha medo de estar fazendo as coisas errado: ninguém
espera que você seja um ator profissional. Siga sua intuição e
coloque em jogo as ideias interessantes que surgirem. Se você
326
acha sensacional que seu personagem tenha encontrado a
reencarnação de Cristo numa fila de restaurante, vá em frente e
diga isso aos demais.
A partir do momento em que a vela tiver queimado mais ou
menos até a metade, três ações podem ser realizadas, cada uma
por uma pessoa, em qualquer ordem. Elas oferecem novos
elementos às narrativas dos personagens, podendo confirmar suas
histórias ou fazê-las terem reviravoltas surpreendentes.
1) Alguém pega o papel dobrado sobre a mesa, se dirige para
outro personagem e diz algo como "Recebi esta carta por engano.
Acabei lendo-a e acredito que seja para você. Fala sobre o
nascimento de seu filho". Em seguida, entrega a folha em branco
para a pessoa escolhida.
2) Alguém retira dos bolsos ou da mochila um objeto qualquer,
se volta para outro personagem e fala algo como "Encontrei esse
anel caído no corredor dos quartos. Considerando o que nos
contou agora pouco, acho que seja seu". Em seguida, oferece o
objeto para a pessoa escolhida.
3) Alguém se levanta, pronuncia algo como "Com licença, mas
preciso tomar um pouco de ar, volto em breve" e se retira da mesa
por alguns instantes. Ao retornar, encara outro personagem e diz
algo como "Peço desculpas mas, em virtude do relato que nos
apresentou, não resisti à tentação de dar uma espiada em seu
327
quarto. Fiquei muito espantado em ter encontrado todo aquele
dinheiro lá dentro".
Quando a vela queimar por inteiro e a luz da chama se
apagar, os personagens se despedem e a representação termina.
Levantem-se, espreguicem-se e tomem um gole d’água. A seguir,
conversem sobre a experiência.
Este roteiro foi escrito ao som de Nina Simone: Little Girl
Blue, The Amazing Nina Simone e Forbbiden Fruit, no verão de
2015. Sê um viajante numa noite de inverno é inspirado por
experiências pessoais do autor e em Knulp, de Herman Hesse.
Título baseado em Se um viajante numa noite de inverno, de Ítalo
Calvino.
Referência Bibliográfica
HESSE, H. Knulp. 3° Edição. Rio de Janeiro: Civilização
brasileira. 1973. 130p.
GAROU GERIÁTRICO
Por Rafael Rocha
328
PIDGIN
Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Jogos Narrativos,
Linguagens e Práticas Psico-Sociais Educacionais.
Resumo:
Este jogo é um RPG paródia sobre o jogo “Lobisomem: o
apocalipse” próprio para 4 a 6 jogadores, voltado a percepções,
conflitos e contrariedades observados com a chegada da terceira
idade, a fim de realizar uma reflexão sobre a saúde e condições
do idoso com um tom cômico, a fim de compreender as perdas e
os ganhos relacionados com a idade, utilizando o ficcional como
ponto para essa realidade semi inevitável.
Palavras-chave: RPG, Geriatria, Paródia, Humor
Abstract:
This game is a RPG parody of the game "Werewolf: The
Apocalypse" suitable for 4 to 6 players, focused on perceptions,
conflicts and setbacks observed with the arrival of old age, in
order to carry out a reflection on the health and conditions the
elderly with a comic look in order to understand losses and gains
relating to age, using as fictional point for this almost inevitable
reality.
Keywords: RPG, Geriatrics, Parody, Humour.
Introdução
329
“No tempo que Gaia era minina, e os garours corria livre pelos
matagar. Eu vi o futuro, em vultos... Ouvi a verdade, em ruídos...
E pra mim era sabido desde então! Que nada era como antes, sô.”
Dentes caídos, homi azuizado, andador quieto, 79 anos, posto
6¹/² 162
Em um asilo não muito longe do caern da sabedoria, estão aqueles
que fizerem a história Garou acontecer! Hoje estes heróis têm seu
merecido descanso... Bom, é difícil perder velhos hábitos.
Objetivo do jogo: Fujam do asilo, retornem à tribo e mostrem
aos jovens como vocês podem ser úteis a sociedade!
Lembrando da sua ficha
Tipo: Homi; Bicho e Misturado.
As mudança: Lobo; Lobo grande; “A coisa”, Homi grande e
Homi.
As lua: Brabo; Ajuizado; Atoua; Benzedor e Malandro.
Os bando: Fio da mãe; Coisa preta; Unha rubra; Muié braba;
Bicho do mato; Portador da vela interior; Dentes prateados;
Chupador de tutano; Ambulante da cidade; Andador quieto e
Fiote do Fenris.
As coisa sabida: Corpulência (físicos); Jeitosice (sociais) e
Sabiduria de vida (Mentais)
162
No meu tempo tinha posto meio (Esse argumento pode ser usado a
qualquer hora do jogo).
330
Habilidades de época:
Resmungar
Bom, assim como a criança que chora, os velhos resmungam, sim
eles são carentes e querem atenção bom talvez não, e bom eles
também não devem lembrar disso.
*Amador: 55 anos, reclama quando toma chá frio.
**Regular: 65 anos, reclama das juntas.
*** Bom: 75 anos, Você não sabe se reclama quando fala ou
fala quando reclama.
****Muito bom: 85 anos, os enfermeiros tomam remédio
controlado pra te atender.
*****Bom demais da conta, sô: 95 anos, pessoas têm
pesadelos com suas reclamações logo depois do primeiro
encontro.
Especialização:
pequenos
xingamentos,
murmúrios, observações sagazes, estender a verdade ate a
mentira.
Viver as cegas
Com o passar dos anos, a vista não é como antes, então nossas
orelhas crescem e ficam de abano e ossos narizes viram trombas
monstruosas , assim podemos viver as cegas.
*Amador: Você vê vultos
331
**Regular: Você vê luzes
***Bom: Você difere homem de mulher
****Muito bom: Você consegue ir à padaria e voltar
*****Bom demais da conta, sô: olhos de morcego, pode
andar por uma pista de obstáculos e... Enxergar os obstáculos.
Especialização: rua, casa, órgão publico, jardim, campo
aberto, floresta.
Velocidade da experiência
Essa rara habilidade permite a um ancião, quando ninguém
estiver prestando atenção nele, deslocar-se com tremenda
rapidez (gostaria de explicar como eles fazem isso, gostaria
mesmo, porque não sei realmente como fazem, mas que
fazem, fazem.)
*Amador: Seu bisneto de 7 meses é um pário duro.
**Regular: Cinco voltas no pátio em 2 horas.
***Bom: Velhinho esperto.
****Muito Bom: Avô do dono da academia.
***** Bom demais da conta, sô: Mas ele estava aqui agora
pouco?
Especialização: longas distâncias, curtas distâncias, andar
furtivo, piso frio, piso recém encerado, piso taco, asfalto ou
grama.
Duelo de bengalas
332
Com o tempo foi aprendido a transcender as lâminas das
Kalves, agora qualquer pedaço de pau que recorde uma
espada é uma arma letal em suas mãos. E nas horas vagas
serve de bengala.
*Amador: Você pode melhorar.
**Regular: Treina com as arvores.
***Bom: Impressiona as velhinhas.
****Muito bom: É temido pelas canelas dos vizinhos.
***** Bom demais da conta, sô: Vovô! Vovô! É verdade que
Você já empalou um vampiro com sua bengala?
Especialização: canela, cabeça, pontos vitais, lugares
estratégicos ou acrobático.
Escarrar
Devido a um pacto ancestral do tempo dos ancestrais, o qual
não me lembro bem, existe a dádiva do catarro, que também
não recordo com total certeza, mas que pode ser útil com as
adversidades da vida.
*Amador: Você molha seu dedão do pé esquerdo.
**Regular: Acerta a escarradeira a 1 metro.
***Bom: Acerta a escarradeira de outros velhinhos.
****Muito bom: Acerta abelhas desprevenidas.
***** Bom demais da conta, sô: Pode ser preso um dia, se
sobreviver, por porte de arma.
333
Especialização: cusparada de longa distância, catarro
direcionado,
catarro
verde,
catarro
escuro,
meleca
escorregadia, catarro grudento, substância estranha, suspeita
de doença contagiosa.
Contar estórias mirabolantes
Ao vivenciar muitas aventuras e ouvir as antigas tradições,
aprendeu a antiga e sagrada arte da narrativa, sua voz trás da
alegria à tristeza as novas gerações (querendo elas ou não)
*Amador: Babar e contar, é só começar.
**Regular: Têm alguns fãs, críticos ou pessoas com insônia.
***Bom: Algumas estórias suas já foram publicadas no
jardim da infância.
****Muito bom: Domina o terror assim como a arte de fazer
dormir.
***** Bom demais da conta, sô: Vovô Gump e as mil e uma
estórias.
Especialização: dormir, assustar, entreter, ensinar, persuadir
ou confundir.
Fúria ancestral
O instinto selvagem não perde sua força com a idade, porém o
corpo já não corresponde perfeitamente... Sabe como é. Quando
um Garou de certa idade resolve utilizar do poder da fúria, não
sabe se eu corpo vai aguentar os movimentos e nem como vai
reagir, por isso, joga-se 1d10, o número que sair é o número de
334
ações do Garou nesta rodada. Caso o resultado desta jogada de
dados for menor que seu valor de vigor, o personagem terá
câimbras, quando terminar suas ações. Mas se o valor do dado for
superior ao valor de vigor do personagem este entrará em hiperventilação, após um número de ações equivalente a seu valor de
vigor.
Totens antigos
Nenê trovão
Dom: choque
Depois de 1 turno acumulando energia estática com antigos
movimentos ancestrais (normalmente suando uma manta felpuda)
o Garou pode dar um choque de 1 de dano não letal ao tocar o
alvo.
Dogma: Carregar sempre uma manta felpuda
Velho da bengala
Este totem concede +2 dados em briga e -2 na dificuldade de
resmungar.
Dogma: sempre resmungar com quem vai contra as tradições
Velha do cachimbo
Concede o dom: sopro dos antigos
Sopro dos antigos: O Garou, fumando seu cachimbo, sopra uma
fumaça estranha que faz o alvo lacrimejar, assim como impede
335
sua respiração fazendo tossir por 1 turno por sucesso em um teste
de vigor + rituais, dificuldade 7.
Dogma: Sempre ter um cachimbo e acendê-lo pelo menos 1 vez
ao dia.
Nego d´água
Este totem concede +1 dado em ações de encontrão, empurrão e
natação.
Dogma: sempre empurrar os outros.
O ancião da aldeia perdida
Concede -2 na dificuldade de agir em grupo ou acordar cedo
(sono leve).
Dogma: sempre agir de maneira inusitada em relação ao perigo,
guiado por sua experiência.
Doutor Parkson
Concede o dom: Toque do parkson
Toque do parkson: Realizando movimentos descoordenados com
sua mão, por alguns momentos, quando o Garou toca o alvo, este
fica tremendo, perdendo assim o controle de seu corpo, por uma
rodada. Teste: destreza + rituais. Dificuldade 8.
Dogma: manter-se sempre em movimento.
A velha a fiar
336
Concede -1 da dificuldade de lembrar alguma coisa,
principalmente músicas e anedotas.
Dogma: conhecer algum trabalho manual, e cantar “a velha a fiar”
pelo menos uma vez por dia.
Falando sobre Esprítos
Os Garous de avançada idade costumam não frequentar a umbra,
mas se comunicam com os espíritos com mais facilidade, pois
sentem-se a beira da película. Porem, só se comunicam com
Esprítos do seu tempo e seu cotidiano, portanto é comum
encontrar esprítos do medicamento, do chá, do catarro, da
lembrança, do café, da paciência, da tolerância, do pito ou paiero
ou cachimbo, da porteira (que sempre é acompanhado pelo espríto
de um menino), moda de viola, samba raiz, entre outros.
Entre eles, o mais poderoso Espríto é o “no meio tempo que era
bão”, costuma coordenar os outros esprítos, e seu encantamento
principal distorce a realidade tornando o ambiente Vintage. Claro
que também existem os corrompidos como o espríto da Asma, da
Bronquite, da Frieira, Gemedeira, Quebradeira, Formigamento,
dentre eles o mais perigoso é o espríto “Trem ruin”, pois seu
encanto é fundamentalmente entrópico, e faz tudo acontecer de
ruim.
Entendendo os Dons Geriátricos:
No decorrer dos anos o Garou aprende muitos dons, na velhice
acumula tantos que não lembra direito qual é qual. Podendo
337
confundi-los. Por exemplo, Dentes Caídos quer um dom ofensivo
pra causar dano, ele joga uma quantidade de dados equivalente ao
seu valor de posto e dependendo do seu resultado o narrador lhe
descreverá o que pode lembrar de determinado dom. Não é raro
confundir Toque da mãe com toque da queda, simplesmente por
lembrar que existia a palavra “toque” na história.163
Posto
O posto é definido como o valor de inteligência + 5, sendo que
cada nível de posto garante ao jogador + 1 ponto de habilidades.
Fetiches de época
Todos os fetiches são de nível 1, estão na categoria de gnose 3 e
dificuldade 5. Claro que existem muito mais que estes que serão
descritos, mas eu não me lembro onde os deixei...
Bengala da velocidade
Bengala de carvalho com entalhos simples + 1 dados de destreza
e esportes
Bengala da atrocidade pagã
Bengala de mogno com a cabeça de um lobo esculpido -3 da
dificuldade de acertar objetos e pontos frágeis.
163
Caso o personagem durma, o mestre pode exigir uma nova rolagem de dados.
338
Dentadura da fúria
Uma dentadura de prata que causa +2 pontos de dano na mordida.
Esferas de Naftalina
Pequenas esferas que param o tempo de um objeto sólido por 2
turnos. Após duas horas em um ambiente fechado, como um
armário, baú ou quarto de despensa.
Óculos do saber
O usuário consegue ver por trás de objetos sólidos, que ele
consiga enxergar corretamente, ou seja, tem que ficar a uma
distância de 5 cm do objeto.
Comprimidos da saúde
Adiciona +2 níveis de vitalidade por 4 horas. Mas precisa ser
colocado debaixo da língua e esperar dissolver por uma hora.
Cobertor do oprimido
Deixa o usuário invisível até que ele durma. A cada rodada o
jogador necessita passar em um teste de vigor dificuldade 7 para
não dormir. É um cobertor muito confortável.
Cadeira da velocidade
339
Uma velha cadeira de rodas que permite ampliar a velocidade de
corrida. Duas vezes na corrida. Três vezes em decidas ou cinco
vezes se empurrado para uma descida
Ouvido de ferro
Aparelho dos ambulantes da cidade, concede -1 da dificuldade de
ouvir.
Espingarda espiritual
Com balas feitas da gnose do usuário. Converte um ponto de
gnose em 2 pontos de dano agravado.
Qualidades e sequelas
Neste ponto o jogador e o narrador tem liberdade de interpretação,
mas principalmente de pesquisa sobre quais males atingem a
terceira idade, em múltiplos aspectos.
Sentindos perdidos (-2 a -5)
- A perda da visão(-5), audição(-4), olfato e paladar (-3), ocorrem
com frequência com o decorrer do templo e seus impactos são até
onde sabemos é “irreversível”
Carente -3
- Você esta sozinho há muito tempo, e sua natureza Garou, faz
constamente procurar uma matilha, um alfa, ou um enfermeiro
paciente. Identifique durante o jogo um sujeito a ser foco de uma
340
afeição e persista em mantê-lo sempre próximo, mesmo que ele(a)
não queira.
Hipocondríaco (-3)
O mundo é cruel e cheio de doenças da Wyrm, mas você esta
precavido, tem conhecimento avançado sobre medicamentos e
sabe seus efeitos. Para cada teste de “Sabiduria da vida” você
acreditará que está com uma nova doença e buscará seu remédio.
Em compensação, recebe -2 nos testes de primeiros socorros para
medicar alguém, e +1 em testes de percepção (visão) devido a seu
treino para ler bulas.
Manco ou maneta (-3)
Como grande guerreiro ferido em combate, mantem suas feridas,
tem penalidade de +2 nos testes que envolvem destreza.
Intrometido (-2)
É importante se manter informado, sempre se intrometa em todos
os assuntos, conversas, bate papos, canais de tv, programas de
radio, festivais, feiras, tudo! Absolutamente tudo é importante
para você!
Doença fatal de futuro horrível controlado pelo mestre (-10)
O diagnostico é: Dói e você morre em algum momento, sinto
muito.
Enfermeiro particular (-3/+3)
341
Remédio controlado (-3)
Você tem uma doença que necessita de medicação constante, caso
não tome seu remédio de 6 em 6 horas, sofrerá penalidade em
todos os seus testes de -1 a cada 6 horas.
Visão distorcida (-3)
Estranho, o que meu sobrinho esta fazendo vestido de
enfermeiro? Nossa, o líder da Matilha veio me ver... Engana-se,
são apenas seus olhos. Besteira, tenho certeza que são eles.
Audição distorcida (-3)
Vô, o senhor esta tão calado? Ficou louco, claro que não estou
pedado!
Pelanca (-2)
Os músculos se vão, e nada fica no lugar deles além de banha, e
a banha estila a pele e bom, recebe um redutor de -1 em todos os
teste de Jeitosice.
Sono incontrolável (-1)
Toda rodada faça um teste dificuldade 2 para ver se seu
personagem não dorme, na próxima rodada adicione mais um na
dificuldade do teste e o repita. Após dormir, faça o mesmo teste
para acordar.
342
Incontinência urinária (-4)
Em momentos de perigo, de um ataque de vampiros a um
comercial da novela das 8, faça um teste de vigor, caso não
obtenha nenhum sucesso... Troque a frauda.
Memória distorcida (-4)
Eu lembro quando cavalgava Unicórnios no Ibirapuera. Sidnei
isso nunca aconteceu. Claro que aconteceu Bartolomeu, lembro
como se fosse ontem, você estava lá, recorda daquele
hipopótamo. Sidnei, isso era um desenho que você assistiu ontem.
Claro que não, que bobagem minha memória é ótima.
Sentidos restantes (+1)
Não recebe penalidade para o sentido escolhido (naturalmente
todo Garou geriátrico recebe +2 na penalidade)
Barriga grande (-4)
Perde um nível de Vitalidade.
Gazes (-1 a -3)
Faça um teste de vigor sempre que for surpreendido. Podendo
variar entre um combate em casos simples até um inesperado
toque de telefone sendo mais grave.
Metabolismo alterado (-3)
343
A regeneração do Garou começa a ter picos, toda vez que surgir
uma situação que afete a fisiologia do Garou, o jogador deve rolar
seus dados de vigor dificuldade 8, a quantidade de sucessos é
equivalente à quantidade de níveis de vitalidade curados naquela
hora.
Tarado (-2)
Instinto é instinto. Do rebolar de uma senhora de andador ao
balançar de rabo de uma Dálmata, tudo te atrai, e você fará de
TUDO para satisfazer seus desejos reprodutivos.
Com dentes (+1)
Mantém o dano normal da mordida.
Friorento (-1)
Sente frio o tempo todo e em qualquer lugar, busque sempre se
aquecer, senão pegará um resfriado. O narrador pode pedir testes
de vigor, caso não esteja devidamente aquecido, dificuldade 7,
caso não obtenha nenhum sucesso, considere-se gripado,
recebendo penalidade de -1 em todos os testes.
Má circulação (-2)
Você simplesmente não suporta ficar de pé muito tempo, suas
pernas doem muito, e fica desesperado procurando um lugar para
se sentar. A personagem pode ficar em pé uma quantidade de
rodadas equivalente a seu valor de vigor, após esse período
344
sofrerá um nível de vitalidade por rodada, até se sentar. Após
conseguir repouso por um turno, recuperara a vitalidade. (se não
houver nenhum outro sintoma ou efeito colateral de remédio
utilizado).
Velhas feridas que doem a noite ou quando faz frio (– 2)
Sabe aquela cicatriz de batalha que você se orgulhava tanto de
mostrar? Dói muito quando faz frio e a noite recebendo
penalidade de +2 em testes de corpulência.
Cabeça dura (-1)
Você está certo, SEMPRE CERTO, e sabe disso!
Pele finissississima (-5)
Você se corta com tudo, o tempo todo, toda ação que envolva
tocar em algo, faça um teste de vigor, caso falhe tome um nível
de vitalidade como dano.
Referência bibliográfica
HAGEN, M.R. HATCH. R. BRIDGES. Lobisomem: o
apocalipse. 3° Ed.Tradução: Maria do Carmo Zanini. São
Paulo: Devir Livraria. 2000, 303p.
345
NORMAS DE PUBLICAÇÃO
A revista Mais Dados é uma publicação virtual e gratuita
vinculada a ONG Narrativa da Imaginação com edição anual,
mantendo o seguinte cronograma:

Início do recebimento de trabalhos: 11/11
(Dia internacional da ciência e da paz)

Fim do recebimento de trabalhos: 22/04 (Dia
internacional da mãe terra)

Publicação: dia 05/09 (Dia Mundial dos professores)
NORMATIVAS PARA PUBLICAÇÃO
1. A Revista MAIS DADOS aceita apenas artigos inéditos para
publicação.
2. Os artigos poderão ser enviados por meio eletrônico para o email: [email protected]
3. Artigos devem conter no mínimo 25.000 caracteres (sem espaço),
resumo, palavras-chave, abstract e keywords e deve ser salvo em
arquivo Word. Devendo conter e-mail de contato, titulação e
filiação do autor.
4. A formatação de entrevistas, jogos, resenhas e traduções será
discutida diretamente com o editor chefe pelo e-mail informado.
Qualquer dúvida entre em contato com a equipe editorial.
346
NOTAS DE ORIENTAÇÃO SOBRE FORMATAÇÃO
4.1. Os artigos deverão ser acompanhados de resumos, em
português e inglês ou espanhol, com extensão entre 5 e 10 linhas,
acompanhados por 3 a 5 palavras-chave nos dois idiomas.
4.2. A formatação da primeira página deverá seguir os seguintes
parâmetros: título em caixa alta, centralizado, em negrito, fonte
Times tamanho 14; subtítulo centralizado, em negrito, fonte
Times 12, com primeira letra maiúscula e o restante em caixa
baixa; nome do autor, alinhado à margem direita, em negrito e em
fonte Times tamanho 12; seguido de RESUMO, PALAVRAS
CHAVE, ABSTRACT e KEYWORDS, todos em fonte
Times tamanho 12. Em nota de pé de página, deverão exercer, a
instituição em que trabalha e a titulação acadêmica.
4.3. O texto deve ser formatado em:
1. a) fonte: Times, tamanho 12;
1. b) espaçamento entre linhas: 1,5;
1. c) margens: 3 cm superior e esquerda, 2 cm inferior e direita;
1. d) Alinhamento: justificado
1. e) parágrafo: recuo de 1,25 cm na primeira linha e espaçamento
de 0 ponto, antes e depois.
347
4.4. As citações constituem-se de transcrições de materiais com
mais de três linhas. Devem aparecer abaixo do texto, em fonte
Times tamanho 10, sem aspas, com recuo de 4 cm da margem
esquerda, sem recuo da margem direita, que permanece alinhada
ao resto do texto, e com menção ao trabalho consultado em nota
de rodapé.
4.5. As ilustrações (fotos, tabelas e gráficos) quando forem
absolutamente indispensáveis, deverão ser apresentada no corpo
do texto, acompanhadas da respectiva legenda (de acordo com a
respectiva legenda) na sua forma definitiva.
4.6. As notas de rodapé deverão ser indicadas no corpo do texto
por algarismo arábico em ordem crescente e listadas no rodapé da
página, em fonte Times tamanho 10, com alinhamento justificado
e espaçamento entre linhas simples;
4.7. A publicação de jogos deve conter, como elementos
obrigatórios: título e referência bibliográfica/ludográfica, os
demais são variáveis de acordo com o tipo de jogo. Seguem
abaixo, sugestões do editor:
348
349
ORIENTAÇÕES SOBRE CITAÇÕES
4.1. Livro:
SOBRENOME, Nome. Título em negrito. Local de publicação:
Editora, data.
Ex.:
PORTELLI, Alessandro. República dos Sciuscia. São Paulo:
Salesiana, 2004.
4.2. texto em coletânea:
SOBRENOME, Nome. Título. In: SOBRENOME, Nome
(Org.). Título do livro em negrito. Local de publicação:
Editora, data. p. inicial-final.
Ex.:
KHOURY, Yara Aun. Muitas memórias, outras histórias:
cultura e o sujeito de história. In: ALMEIDA, Paulo Roberto
de; FENELON, Déa Rirbeiro; KHOURY, Yara Aun; MACIEL,
Laura Antunes (Orgs.). Muitas memórias, outras histórias.
São Paulo: Olho d’Água, 2004. p. 116-138.
4.3. artigo em periódico:
SOBRENOME, Nome. Título. Título do periódico em negrito,
Local de publicação, volume, número, página inicial-página final,
mês e ano da publicação.
Ex.:
350
SOBRENOME, Nome.
Titulo. Titulo
do periódico em
negrito. Local de publicação, volume, número, página inicialpágina final, mês e ano da publicação.
EX: MARTINS, Estevão. Historiografia: o sentido da escrita e
a escrita do sentido.Historia & Perspectivas, Uberlândia, n. 40,
p. 55-80, jan.-jun. 2009.
4.4. Trabalho acadêmico:
SOBRENOME, Nome. Título em negrito: subtítulo. Ano de
Depósito. Folhas. Teses/Dissertação/Monografia/Trabalho de
conclusão de curso (Nome do Curso)–Unidade onde foi
defendida, Universidade, Local, ano de defesa.
Ex.:
FREITAS, Sheille Soares. Por falar em cultura: história
que marcam a cidade. 2009. 209 f. Tese (Doutorado em História
Social)–Instituto de História, Universidade Federal 4.5. Artigo
e/ou matéria de jornal: SOBRENOME, Nome. Título. Título do
jornal, Local, data. Caderno, p.
Ex.:
HOFLING, E. Livro descreve os 134 tipos de aves no campus
da USP. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 15 out. 1993.
Cidades, Caderno 7, p. 15. Depoimento a Luiz Roberto de
Souza Queiroz.
4.5. Imagens em movimento:
TÍTULO: subtítulo. Diretor, produtor. Local: Produtora,
351
Data. Especificação do suporte em unidades físicas. Notas
complementares.
Ex.:
BAGDA Café. Direção: Percy Adlon. Alemanha: Paris Vídeo
Filmes, 1988. 1 filme (96 min)
4.6. Documento iconográfico ( fotografias, cartões postais,
gravuras e outros):
SOBRENOME, Nome. Título. Data. Características físicas
(especificações do suporte, indicação de cor, dimensões).
Se o documento estiver em forma impressa ou meio eletrônico,
acrescentam-se os dados da publicação (local, editora, data) ou
endereço eletrônico.
Ex.:
COMETA de Harley, 1986. 1 fotografia, p&b., 12cm x 8
cm. NORMANDIA: Lago Caracaranã. Normandia: Desenho
Letra e Música, 1986. 1 cartão-postal, color., 11cm x 15cm.
RAUSCHER, B. B. da S. Dublê de Corpo. 1985. 10 gravuras,
xirograv., p&b., 61cm x 92cm. Coleção Particular.
4.8. documento eletrônico:
Para documentos em suporte eletrônico, são necessárias, ainda, as
informações sobre o endereço eletrônico, apresentado entre os
sinais < >, precedidos da expressão “Disponível em:” e a data de
acesso ao documento, precedida da expressão
“Acesso em:”.
352
Ex.:
AUTONOMIA universitária: anteprojeto da Andifes.
Disponível em: <http://www.ufba.br/autonomia-andifes.html
>. Acesso em: 30 abr. 1989.
4.9. Jogo
Desenvolvedor. Titulo. Categoria. Local: ano.
Ex: Grow. Perfil 5. Tabuleiro. São Paulo: 1997
5. Ao final do texto, em página anexa, informar o endereço anexo
completo para correspondência e telefone de contato.
6. A simples remessa dos originais implica em autorização para
publicação, que fica condicionada a provação de pelo menos dois
pareceristas do conselho executivo. Todos os trabalhos serão
previamente apreciados pelo Conselho Executivo da Revista e
enviados, para análise, aos pareceristas indicados por ele.
Os originais submetidos à apreciação do Conselho Executivo não
serão devolvidos. A Revista compromete-se a informar os autores
sobre a publicação ou não de seus artigos.
Resumo da Submissão:
Editor: Analisa á relevância do trabalho e envia para dois
pareceristas:
CONSELHO CONSULTIVO (Parecer sobre os trabalhos):
1 e 2 aprovam sem modificação: aprovado
353
1 aprova e 2 aprovam com modificações: retorna ao autor por um
tempo
1 e 2 aprovam com modificações: retorna ao autor por um tempo
1 aprova e 2 reprova: envia para um terceiro avaliador
1 e 2 reprovam: reprovado
354
355
356
REGIMENTO INTERNO DA REVISTA MAIS DADOS
DESENVOLVIDA PELA ONG NARRATIVA DA
IMAGINAÇÃO
Art. 1º – A Revista Mais Dados é uma publicação virtual e
periódica – em princípio, anual – destinada exclusivamente à
divulgação de temas relacionados com Role Playing.
Art. 2º – A Revista Mais Dados será dirigida por um Conselho
Editorial, composto de três membros: a) Dois professores do
quadro docente da Universidade Federal de Uberlândia, sendo
eleitos pela direção da ONG; b) Um Editor Chefe responsável,
escolhido pela ONG que exercerá as funções de secretariado,
junto ao conselho executivo.
Art. 3º – Subordinadas e votadas pelo Conselho Editorial
coexistirá duas Conselhos menores:
a) Conselho consultivo – composta por notáveis pesquisadores,
nacionais e internacionais, articulistas da Revista Mais Dados, a
critério do Conselho Editorial.
b) Conselho executivo – Composta por um membro do conselho
Editorial, mais dois mestres ou doutorandos, selecionados pelo
mesmo conselho.
Parágrafo Primeiro – O mandato dos membros dos três colegiados
será de quatro anos, coincidentes, admitida a recondução.
357
Parágrafo Segundo – O Conselho Editorial e a Conselho
consultivo escolherão um de seus membros, professor, para
exercer a respectiva Presidência, com mandato de quatro anos,
admitida a recondução.
Parágrafo Terceiro – Todas as decisões serão tomadas por maioria
de votos dos membros presentes, ou, excepcionalmente, por
correio eletrônico.
Art. 4º – Ao Conselho Editorial compete:
a) Incluir, manter ou excluir os membros do conselho consultivo
e
executivo;
b) Deliberar sobre os casos omissos ou não resolvidos pelo
Conselho
c)
consultivo;
Decidir sobre recursos impetrados contra deliberações do
Conselho consultivo;
Art. 5º – Ao Conselho consultivo compete:
a)
Deliberar sobre as normas de publicação da Revista;
b)
Selecionar matérias para publicação;
c)
Nomear pareceristas em casos de publicações que ensejem
dúvida ou polêmica;
Art. 6º – À Conselho Executivo compete:
1. a) Formatação, execução e organização da estrutura da revista;
2. b) Ilustrações, capa, e design da revista;
358
3. c) Organização do site, arquivar documentação, informar
pareceristas e autores junto ao conselho editorial.
Art. 7º – Os trabalhos encaminhados à Revista serão distribuídos
igualmente entre os membros do conselho consultivo para
apreciação. Em caso de necessidade, poderão ser submetidos ao
Conselho Editorial ou utilizados consultores ad hoc. Compete ao
Conselho consultivo a análise sobre os trabalhos a publicar.
Art. 8º – Os autores de artigos deverão ser sempre professores,
ex-professores, professores visitantes, professores convidados e
alunos de graduação ou pós-graduação.
Art. 9º – Todos os artigos deverão ter unitermos (palavraschave), resumo em inglês (abstract). Deverão também ser
apresentados em forma de arquivo.doc.
Art. 10º – A bibliografia final, as citações e as notas de rodapé
deverão ser apresentadas segundo as normas técnicas da ABNT,
em vigor na data da publicação.
Art. 11º – Não serão publicados:
a) os trabalhos com mais de 40 (quarenta) páginas;
b) os já publicados em periódicos de grande circulação no meio
jurídico;
c) sentenças, votos, acórdãos e pareceres.
359
Parágrafo Único – Serão admitidos, em cada publicação, até dois
trabalhos em língua estrangeira. Esse limite poderá ser
ultrapassado, em casos excepcionais, a critério do Conselho
consultivo.
Art. 12º – Não deverão ser publicados mais de um artigo do
mesmo autor, no mesmo número da Revista. Devendo haver um
espaçamento de duas edições de publicação, promovendo a
diversidade de autores e títulos.
Art. 13º – Os casos omissos serão resolvidos pela Conselho
consultivo e, em última instância, pelo Conselho Editorial.
Art. 14º – Este Regulamento entra em vigor nesta data.
Uberlândia, 25 de Novembro de 2013.
Rafael Correia Rocha (Editor Chefe)
Sergio Paulo de Morais (Membro)
Tulio Barbosa (Membro)
Revista MAIS DADOS
360
Endereço:
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP)
Narrativa da Imaginação
Revista MAIS DADOS
Av. Estrela do Sul, 1946 – Bairro: Martins
CEP.: 38400-399 – Uberlândia – MG
(34) 3239-4068; Fax: (34) 3239-4396
Home page:
http://narrativadaimaginacao.org.br/home/revista/
E-mail:
[email protected]
361
362

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