Individualização farmacocinética das doses de 5

Transcrição

Individualização farmacocinética das doses de 5
Individualização farmacocinética das doses de 5-fluoruracil no câncer colo-retalT
Dr. Rafael Linden, PhD
Os agentes quimioterápicos são geralmente caracterizados por uma grande
variabilidade farmacocinética interindividual, com relações estabelecidas entre a exposição
sistêmica e a toxicidade. A fluorpirimidina 5-fluoruracil (5-FU) é um dos mais antigos e mais
utilizados quimioterápicos, empregado em diferentes esquemas infusionais, tais como MAYO,
AIO, FOLFOX, FOLFOX4, FOLFIRI E LVRF (Saif et al., 2009).
A abordagem padrão para calcular doses de 5-FU, bem como de muitos outros agentes
2
quimioterápicos, tem sido utilizada a área de superfície corporal (mg/m ). Infelizmente não
existe uma base científica rigorosa para esta estratégia e as doses baseadas em área de
superfície corporal para o 5-FU e para a maioria dos agentes quimioterápicos é geralmente
recomendada de acordo com a maior dose tolerada que foi estabelecida nos testes clínicos
iniciais. A determinação de dose baseada na área de superfície corporal está associada com
uma grande variabilidade nos níveis plasmáticos de 5-FU, na ordem de até 100 vezes (Fety et
al., 1998; Baker et al., 2002; Undevia et al., 2005) e esta variabilidade farmacocinética
interpaciente e intrapaciente é um fator preponderante no desenvolvimento de toxicidade e na
falha do tratamento.
A farmacocinética do 5-FU é bem conhecida. O 5-FU desaparece rapidamente do
plasma com uma meia-vida de 10-20 minutos. Sua depuração corporal total varia dependendo
do esquema de administração: 0,5-1,5 L/min para aplicação em bolus contra 5-58 L/min para
infusões contínuas. A principal enzima metabolizadora de 5-FU é a dihidropirimidina
desidrogenase (DPD) que é expressa principalmente no fígado. Este enzima está mutada em 5
a 8% dos pacientes, o que pode resultar em efeitos adversos severos (até mesmo fatais) em
pacientes em terapia com 5-FU devido à acumulação deste fármaco. Diversas fontes
potenciais
de
variação
farmacogenéticas
na
farmacocinética
absorção,
interindividual
distribuição,
existem,
metabolismo
e
incluindo
excreção
de
diferenças
fármacos
quimioterápicos (Undevia et al., 2005; Krynetski e Evans, 1998; Hon e Evans, 1998; McDonald
et al., 2003; De Jonge et al., 2005). Outros fatores que devem ser considerados
incluem a idade, sexo, peso e variações circadianas. Outros fatores específicos do fármaco
também podem levar a variabilidades farmacocinéticas. Estes fatores incluem a forma e o
esquema de administração, condição nutricional e interações com alimentos, interações com
outros fármacos prescritos ou não, interações com suplementos alimentares e fitoterápicos e
aderência no tratamento com medicamentos de uso oral (Patridge et al., 2002).
A relação potencial entre área de superfície corporal e a farmacocinética do 5-FU foi
investigada por dois grupos principais na Europa. Em uma série de 81 pacientes com câncer
coloretal metastático, Gamelin et al. (1999) documentaram uma falta de associação completa
entre a área de superfície corporal e a depuração de 5-FU. Milano et al. (1992) observaram
uma falta de associação similar em um estudo de 380 pacientes com câncer de pescoço e
cabeça que receberam quimioterapia baseada em 5-FU e cisplatina.
Os mesmo autores
demonstraram que a depuração de 5-FU segue uma distribuição gaussiana e a variabilidade
interindividual pode ser tão ampla quanto 100 vezes. Além disto, eles determinaram que a
depuração de 5-FU foi menor em mulheres, mas que não variou com a idade dos pacientes.
Considerados em conjunto, estes dados suportam a visão de que a dosagem de 5-FU baseada
na área de superfície corporal é de uso limitado. O monitoramento direto dos níveis
plasmáticos de 5-FU com os ajustes de dose apropriados representa uma abordagem mais
racional para a determinação de doses de 5-FU. Um resumo de diversos estudos que
avaliaram a relação entre a exposição sistêmica ao 5-FU e os resultados terapêuticos é
apresentada na Tabela 1.
Tabela 1. Estudos clínicos destacando a variabilidade farmacocinética de 5-FU e a relação
entre a ASC e o efeito biológico em carcinoma colorretal.
Autores
Efeito biológico
Au et al. (1982)
Associação entre ASC e eficácia clínica (taxa de resposta e
doença estável)
Van Groeningen et al. (1988)
Associação entre ASC e toxicidade
Yoshida et al. (1990)
Associação entre ASC e toxicidade
Trump et al. (1991)
Associação
entre
ASC
e
toxicidade
(estomatiite
e
mielossupressão)
Gamelin et al. (1998)
Associação entre ASC e toxicidade (diarréia, síndrome pémão) e eficácia clínica (taxa de resposta e sobrevida geral)
Ychou et al. (1999, 2003)
Associação entre ASC e toxicidade (mielossupressão, diarréia,
síndrome pé-mão)
Gamelin et al. (2008)
Associação entre ASC e eficácia clínica (taxa de resposta,
sobrevida livre de progressão e sobrevida geral)
Di Paolo et al. (2008)
Associação entre ASC e eficácia clínica (sobrevida livre de
doença)
O uso de uma abordagem farmacocineticamente baseada pode auxiliar o oncologista
para personalizar a dose de 5-FU de forma a obter uma exposição sistêmica otimizada que, por
fim, será mais efetiva e menos tóxica para um determinado paciente. Esta abordagem,
denominada Monitoramento Terapêutico de Fármacos (MTF) envolve a medida de
concentrações de fármacos em fluidos biológicos e a sua interpretação, resultando na
individualização de dosagens e esquemas de administração para otimizar os resultados
terapêuticos e minimizar a toxicidade. O emprego esta estratégia no tratamento do câncer é
uma das mais promissoras alternativas para maximizar os resultados terapêuticos no
tratamento desta doença. As concentrações plasmáticas de 5-FU podem ser determinadas de
forma sensível e específica empregando a cromatografia líquida de alta eficiência.Gamelin et
al. (2008) realizaram um estudo multicêntrico randomizado no qual pacientes de câncer
colo-retal metastático receberam um regime infusional de 5-FU/LV e o MTF foi comparado com
as posologias padronizadas. No grupo de pacientes (n=104) que recebeu doses baseadas na
área de superfície corporal no primeiro ciclo com subseqüente ajuste pelo MTF, 17,3%
necessitaram de redução de doses e 68% necessitaram de aumento de doses para atingir as
concentrações-alvo. Após o ajuste farmacocinético, 94% dos pacientes atingiram as
concentrações esperadas. Com respeito a segurança, a incidência de toxicidade de grau 3 e 4
foi substancialmente reduzida nos pacientes com doses ajustadas pelo MTF quando
comparadas a dosagem padrão (4% versus 18%). Com respeito a eficácia clínica, os pacientes
que receberam 5-FU com dosagens ajustadas farmacocineticamente tiveram um taxa de
resposta total de 34%, contrastando com os 17% de resposta observados nos pacientes com
dosagens padronizadas, também apresentando uma maior sobrevida mediana de 22 meses
contra 16 nos regimes usuais. Um estudo mais recente do mesmo grupo de autores em
pacientes de câncer colo-retal metastático tratados com o regime FOLFOX4 observou
novamente que a grande maioria dos pacientes dosados com base na área de superfície
corporal apresentava exposições inadequadas ao 5-FU, com 80% dos pacientes requerendo
ajustes (Gamelin et al., 2009). Com base neste e em outros estudos, Gamelin et al. (2008)
propuseram o algoritmo de ajuste de dose para 5-FU apresentado na Tabela 2, considerando
que uma ASC de 20 to 25 mg.h/L como sendo a exposição ótima.
Tabela 2. Algoritmo para ajuste de doses de 5-FU no regime FOLFOX6, segundo Gamelin et
al.(2008)
Concentração
plasmática de 5-FU
(ng/mL)
< 110
Toxicidade grau 0 ou 1
Toxicidade grau > 2
ASC
Ajuste de dose
(mg.h/L)
(% da dose anterior)
ASC < 5
+ 150
Grau 2: redução de
dose de 200 mg
110 - 220
5 < ASC < 10
+ 100
220 - 330
10 < ASC < 15
+ 25
330 - 450
15 < ASC < 20
+ 15
450 - 550
20 < ASC < 25
Sem alteração
Grau 3: Interromper
550 - 650
25 < ASC < 30
- 10
por 1 semana. Após
650 - 750
30 < ASC < 35
- 15
reduzir dose em 300
750 - 850
35 < ASC < 40
- 20
mg
Além dos aspectos relacionados a eficácia e segurança, os ajustes de dose de 5-FU
guiados farmacocineticamente também podem resultar em reduções de custo significativas,
devido especialmente a redução dos efeitos adversos. Fety et al. (1998) demonstraram que os
custos associados com toxicidade foram significativamente reduzidos nos pacientes que
receberam 5-FU em doses determinadas pelo MTF, sendo que no grupo com ajuste
farmacocinético o custo para tratamento da toxicidade foi de U$ 6.803 contra U$ 21.758 no
grupo de doses padronizadas (uma redução de 70%). Além disto, a otimização dos resultados
clínicos pode permitir que regimes quimioterápicos mais baratos sejam utilizados com eficácia
semelhante a regimes mais modernos e significativamente mais caros.
Desta forma, o QuantiLAB disponibiliza a determinação dos níveis plasmáticos de 5FU, bem como a devida assessoria farmacocinética, permitindo a individualização dos regimes
terapêuticos com este fármaco, sendo o primeiro laboratório brasileiro a ofertar este serviço.
REFERÊNCIAS
Au JL, Rustum YM, Ledesma EJ, Mittelman A, Creaven PJ. Clinical pharmacological studies of
concurrent infusion of 5-fluorouracil and thymidine in treatment of colorectal carcinomas.
Cancer Res. 1982; 42 (7): 2930 – 2937.
Baker SD, Verweij J, Rowinsky EK, et al. Role of body surface area in dosing of investigational
anticancer agents in adults, 1991-2001 . J Natl Cancer Inst . 2002; 94 (24): 1883-1888.
de Jonge ME, Huitema ADR, Schellens JHM, et al. Individualised câncer chemotherapy:
strategies and performance of prospective studies on therapeutic drug monitoring with dose
adaptation: a review. Clin Pharmacokinet. 2005; 44 (2): 147-173.
Di Paolo A, Lencioni M, Amatori F, et al. 5-Fluorouracil pharmacokinetics predicts disease-free
survival in patients administered adjuvant chemotherapy for colorectal cancer. Clin Cancer Res.
2008; 14 (9): 2749-2755.
Fety R, Rolland F, Barberi-Heyob M, et al. Clinical impact of pharmacokinetically-guided dose
adaptation of 5-fluorouracil: results from a multicentric randomized trial in patients with locally
advanced head and neck carcinomas. Clin Cancer Res. 1998; 4 (9): 2039-2045.
Gamelin E, Boisdron-Celle M, Guérin-Meyer V, et al. Correlation between uracil and
dihydrouracil plasma ratio, and 5-fluorouracil pharmacokinetic parameters and tolerance in
patients with advanced colorectal cancer. A potential interest for predicting 5-FU toxicity and for
determining optimal 5-FU dosage . J Clin Oncol. 1999; 17 (4): 1105-1110.
Gamelin E, Jacob J, Merrouche Y, et al. Individual 5-fluorouracil dose adjustment based on
pharmacokinetic follow-up compared with conventional dosage: results of a multicenter
randomized trial in patients with metastatic colorectal cancer. J Clin Oncol. 2008; 26 (13): 20992105.
Gamelin E , Boisdron-Celle M , Guerin-Meyer V , et al . Comparison of two patient cohorts
treated in parallel for advanced colorectal cancer with a simplifi ed FOLFOX 4 regimen with or
without 5-FU therapeutic dose management [abstract 356] . Proc Am Soc Clin Oncol-GI. 2009.
Hon YY, Evans WE. Making TDM work to optimize cancer chemotherapy: a multidisciplinary
team approach . Clin Chem. 1998; 44 (2): 388-400.
Krynetski EY, Evans WE. Pharmacogenetics of cancer therapy: getting personal . Am J Hum
Genet. 1998; 63 (1): 11-16.
McDonald GB, Slattery JT, Bouvier ME, et al. Cyclophosphamide metabolism, liver toxicity, and
mortality following hematopoietic stem cell transplantation. Blood. 2003; 101 (5): 2043-2048.
Milano G, Etienne MC, Cassuto-Viguier E, et al. Influence of sex and age on fluorouracil
clearance . J Clin Oncol. 1992; 10 (7): 1171-1175.
Partridge AH, Avorn J, Wang PS, et al. Adherence to therapy with oral antineoplastic agents . J
Natl Cancer Inst . 2002; 94 (9): 652-661.
Trump DL, Egorin MJ, Forrest A, et al. Pharmacokinetic and pharmacodynamic analysis of
fluorouracil during 72-hour continuous infusion with and without dipyridamole. J Clin Oncol.
1991; 9 (11): 2027-2035.
Undevia SD, Gomez-Abuin G, Ratain MJ. Pharmacokinetic variability of anticancer agents . Nat
Rev Cancer . 2005; 5 (6): 447-458.
van Groeningen CJ, Pinedo HM, Heddes J, et al. Pharmacokinetics of 5-fluorouracil assessed
with a sensitive mass spectrometric method in patients on a dose escalation schedule. Cancer
Res. 1988; 48 (23): 6956-6961.
Ychou M, Duffour J, Pinguet F, et al. Individual 5FU-dose adaptation schedule using bimonthly
pharmacokinetically modulated LV5FU2 regimen: a feasibility study in patients with advanced
colorectal cancer. Anticancer Res. 1999; 19 (3B): 2229-2235.
Ychou M, Duffour J, Kramar A, et al. Individual 5-FU dose adaptation in metastatic colorectal
cancer: results of a phase II study using a bimonthly pharmacokinetically intensified LV5FU2
regimen. Cancer Chemother Pharmacol. 2003; 52 (4): 282-290.
Yoshida T, Araki E, Iigo M, et al. Clinical signifi cance of monitoring serum levels of 5fluorouracil by continuous infusion in patients with advanced colonic cancer. Cancer Chemother
Pharmacol. 1990; 26 (5):352-354.

Documentos relacionados