ESTÁGIO INTERDISCIPLINAR DE VIVÊNCIA E INTERVENÇÃO

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ESTÁGIO INTERDISCIPLINAR DE VIVÊNCIA E INTERVENÇÃO
ESTÁGIO INTERDISCIPLINAR DE VIVÊNCIA E INTERVENÇÃO:
EXPERIÊNCIAS NO RECÔNCAVO BAIANO
Edvanderson Ramalho dos Santos
Mestrando em Educação – UEPG
[email protected]
Resumo
Este trabalho é um relato de experiência, e tem por objetivo descrever as
experiências que passei durante a realização do V Estágio Interdisciplinar de
Vivência e Intervenção (EIVI Bahia), realizado em áreas de reforma agrária no
recôncavo baiano entre os dias 10 a 30 de janeiro de 2011.
Palavras Chaves: Estágio de vivência; reforma agrária; extensão universitária.
Introdução
O objetivo deste relato é descrever as experiências e transformações
que passei durante a realização do V Estágio Interdisciplinar de Vivência e
Intervenção (EIVI Bahia), realizado em áreas de reforma agrária no recôncavo
baiano entre os dias 10 a 30 de janeiro de 2011. Graduei-me em Licenciatura
em Geografia na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) no final de
2010 e pretendia nas férias realizar como viagem de formatura algo diferente,
em busca de uma experiência peculiar. Nessa, pretendia colocar em prática um
pouco do que aprendi em sala de aula e nos diversos projetos pelos quais
participei durante os 4 anos de curso superior e confrontá-los junto à realidade
brasileira.
Nesse contexto, no final de 2010 fiquei sabendo pela internet das
inscrições do V EIVI Bahia. Após se inscrever e ser selecionado, embarquei
rumo a Bahia com o coração aberto e sedento por novas experiências.
Semana de Geografia, 18., 2011. Geografias não mapeadas? Ponta Grossa: DEGEO/DAGLAS, 2011. ISSN 2176-6967
O interesse mais amplo desse trabalho, ou o sonho mais utópico do
referido autor, é mostrar que outras formas de organizações são possíveis.
Que sujeitos emancipados podem transformar o atual contexto econômico,
social e cultural. Compartilho do pensamento esperançoso de Jean Paul Sartre,
e por isso, não desisto de caminhar:
É preciso explicar por que o mundo hoje, que é horrível, é apenas um
momento do longo desenvolvimento histórico, e que a esperança
sempre foi uma das forças dominantes das revoluções e das
insurreições. Eu ainda sinto a esperança como minha concepção de
futuro. (Jean Paul Sartre, em Prefácio de “Os Condenados da Terra”,
de Frantz Fanon, 1979).
EIVI Bahia – O que é e como funciona
Presentes no Brasil desde o começo da década de 90, os estágios
interdisciplinares de vivência (EIV) em áreas rurais são iniciativas que tentam
promover o contato de estudantes universitários com a realidade sócioeconômica, política e cultural brasileira. Além disso, essas iniciativas visam
contribuir para a formação de novos trabalhadores, seja qual for à área,
compromissados com a transformação da sociedade e conscientes do papel
histórico das organizações populares. (NEPPA, 2010).
Por sua vez, o EIVI Bahia, além de pactuar com os objetivos descritos
acima, também possui um caráter de intervenção constante. Dessa forma, o
EIVI ocorre em comunidades onde são desenvolvidas atividades contínuas e
periódicas de agroecologia, saúde, educação e juventude. Essa presença
constante e “ombro a ombro” com as comunidades, possibilita estabelecer uma
relação de maior proximidade e confiança com elas, potencializando o
processo de transformação da realidade.
Assim, ao longo de todo ano são desenvolvidas atividades formativas
junto às comunidades, e, uma vez no ano, são realizados os estágios de
vivência dos estagiários de diversas partes do Brasil vinculadas às atividades
permanentes e acompanhados pela monitoria. Esse é um momento de
transformação social e formação política dos diversos sujeitos envolvidos Semana de Geografia, 18., 2011. Geografias não mapeadas? Ponta Grossa: DEGEO/DAGLAS, 2011. ISSN 2176-6967
comunidade, estagiários e monitoria -, que juntos se conscientizam, se
transformam e se libertam. Isso, pois: “Ninguém liberta ninguém, ninguém se
liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão” (FREIRE, 1987, p. 52).
Essas
atividades
formativas
têm
um
caráter
político
e
objetivam,
principalmente, a construção de formas e atitudes coletivas junto e entre à
comunidade, os monitores e os estagiários.
A justificativa e pertinência dessas iniciativas se dão pela gravidade e
urgência das questões agrárias brasileiras. O Brasil, além de possuir uma das
estruturas agrárias mais injustas de todo mundo, deixa a desejar em políticas e
iniciativas aos pequenos produtores rurais e assentados em geral.
Dessa forma, é fulcral que a universidade assuma um papel crítico para
colaborar com a classe trabalhadora na modificação de todo esse quadro
adverso. Fortalecendo os laços entre a academia, o povo brasileiro e os
movimentos sociais, pode se discutir novas formas eficazes de ação para a
transformação. Assim, esse é o papel que o EIVI Bahia – um projeto de
extensão universitária – pretende abarcar. Derrubar os muros da academia e
procurar colaborar na luta da classe trabalhadora por um mundo mais justo,
esse é o escopo do EIVI Bahia. (NEPPA, 2010).
O EIVI Bahia é organizado pelo NEPPA – Núcleo de Estudos e Práticas
em Políticas Agrárias –, que é composto por estudantes universitários e
profissionais e atua desde 2006 com atividades de extensão em áreas de
Reforma Agrária no Recôncavo baiano. Algumas das entidades apoiadoras são
a Universidade Federal da Bahia (UFBA), a Universidade Estadual da Bahia
(UNEB) e o Diretório Acadêmico de Medicina da UFBA.
Relatos e impressões do estágio de vivência: Trabalho com alegria... é no
EIVI Bahia!
O V EIVI Bahia aconteceu em três momentos: capacitação, vivência e
avaliação. E envolveu três esferas: monitores, comunidade e estagiários. Os
monitores são integrantes do NEPPA e já participaram de estágios de vivência
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em anos anteriores e desenvolvem continuamente projetos formativos nas
comunidades assistidas. Esses projetos versam desde capacitação e apoio
tecnológico aos assentados à formação integral e política dos mesmos. Os
monitores têm por função auxiliar, capacitar e facilitar os estagiários durante
todo o processo de formação junto à comunidade. Já a comunidade, por sua
vez, são famílias de agricultores assentados da reforma agrária que recebem
uma sesta básica para adotar o estagiário. E por fim, o estagiário, no caso eu
era um deles, são selecionados pela internet e, uma das características que se
esperam deles é que devem possuir um perfil crítico para poder continuar o
trabalho em sua referida região.
O primeiro momento do estágio consistiu em uma capacitação de cinco
dias em uma escola rural na região metropolitana de Salvador. Já ali, me
surpreendi. A proposta de nos organizarmos de maneira autônoma, sem
hierarquias e através de brigadas era ousada. Porém, jamais imaginei que
daria tão certo. Ah, as brigadas... como funcionavam! Acordávamos às 5 da
manhã e discutíamos até madrugada adentro. A cada dia revezávamos entre
as diversas tarefas: fazer café da manhã, limpeza, segurança, comunicação e a
“brigada da alegria”. Ninguém era obrigado a participar delas, mas o clima e as
relações de cooperação que nos cercavam por todos os lados, faziam dessas
um trabalho divertido e prazeroso.
O clima descontraído e alegre da monitoria nos primeiros dias, contagiou
a todos os estagiários durante todo processo. No começo, ficamos um pouco
tímidos, mas logo fomos “viciados de tanta alegria”. Abraços e sorrisos eram
normais. Após oficinas por vezes, longas e cansativas, as brigadas se reuniam
e davam o seu “abraço coletivo”, e gritavam canções esperançosas de
revolução. Ali, descobri que o processo revolucionário é alegre, apaixonante,
amoroso, e nada tem de triste, melancólico, de morte ou medo. Cada brigada
tinha seu grito de guerra, seu lema. A minha era a brigada do cheiro. Sua
canção era: “cheiro, arte, amor e união... vamos juntar os corpos para fazer
transformação”, e se repetia... numa melodia suave e apaixonante, onde
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abraços se confundiam e faziam dessa experiência algo único, provando que
outras formas de organização não hierárquicas são possíveis.
As oficinas e suas metodologias diversificadas e construtivistas também
merecem nota. Oficinas sempre divertidas com metodologias diversificadas e
construtivistas. Essas oficinas baseavam-se em métodos da educação popular
e abordavam temas como a opressão da mulher, a questão agrária, educação
popular, sobre a organização do MST, a formação e funcionamento da
sociedade, entre outras.
A avaliação, que aconteceu depois da vivência - que falaremos a seguir seguiu basicamente o mesmo roteiro e estrutura da capacitação, só que
ocorreu em três dias, e teve como objetivo lutar para que o EIVI e o que
aprendemos nele não morressem ali. Assim, avaliamos as atividades e
planejamos como poderíamos levar e continuar o trabalho em nossa região. À
capacitação e a avaliação foram momentos marcantes, pois me possibilitaram
a vivência em um ambiente cooperativo e sem hierarquias, organizado com
base na autonomia. Vi que é possível a organização social de outras maneiras,
desde que sujeitos emancipados e críticos se libertem em comunhão.
Já a vivência no assentamento foi uma experiência marcante. Nos 10
dias que lá passei aprendi e senti muitas coisas que não tive a oportunidade de
vivenciar durante os 4 anos de “universidade engessada”. Junto aos
assentados fiz amizades, joguei “baba” – futebol de pelada como chamam os
baianos –, tive conversas agradáveis, aprendi e também intervir nas vidas dos
mesmos. A relação universidade x comunidade era muito próxima. Os dias que
passei “capinando” terrenos ao lado de amigos sem terra, me fizeram conhecer
o um pouco mais sobre o MST: nem terroristas e nem santos, e sim
trabalhadores rurais que tentam subvertem a ordem capitalista hegemônica.
Vale lembrar que minha vivência não foi neutra: o simples fato de meu
corpo estranho e dos outros estagiários estarem no referido assentamento,
fazia com que o cotidiano desses se modificasse. Dessa forma, nossa
presença mudou a dinâmica sócio-espacial do lugar. Porém, essa é a intenção
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do EIVI: intervir. Não é acreditar que possa haver uma vivência neutra. Assim,
o estágio é um processo dialético e interacionista: comunidade e estagiários se
transformam de alguma maneira e em níveis e intensidades diferentes.
O assentamento que fiz o meu estágio foi à comunidade São Bento,
localizada entre os municípios de São Sebastião do Passe e Mata de São
João. Nele, organizamos vários mutirões, oficinas e atividades diversas com os
moradores da comunidade. Um dos resultados mais expressivos do estágio foi
à aproximação com a juventude do São Bento. Além de construirmos no
mutirão junto aos jovens dois campos de futebol, conseguimos uma relação
bastante próxima com os mesmos, o que potencializará as intervenções
contínuas e periódicas do NEPPA na referida comunidade. Entre os
acontecimentos mais marcantes que jamais deixarão minha memória, estão os
momentos que ajudei na construção de várias casas de barro, nos passeios
pela mata e paisagens da comunidade, e é claro, das pessoas e histórias de
vidas dos moradores. Cada um com uma história de vida marcante. Encontrei
desde hippie beatnik a garimpeiros que viveram a geografia do mundo na
prática.
Considerações finais
Bem, este foi o relato de um recém formado após uma experiência
indescritível. É impossível transcrever no papel todas as transformações e
sentimentos que afloram em meu ser.
Também participei do projeto Rondon. E atesto as diferenças gritantes
entre esse e o estágio de vivência. O primeiro organizado pelo exército
brasileiro, baseado em hierarquias, organização e metas. É como um “turismo
de lição de vida”. O segundo, por sua vez, baseado no amor, flexibilidade, sem
hierarquias e fundamentado na autonomia e na autogestão, que utiliza a
educação popular como método e como princípio. É efetivo, duradouro. Acima
de tudo, o estágio de vivência foi à prova que o movimento estudantil
organizado pode erigir coisas grandiosas. Porém, atestamos no Brasil em geral
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e em nossa universidade em especifico, um movimento estudantil em crise.
Resta nos indagar, como acordar esse dragão adormecido?
Por fim, espero que todo aquele que tenham lido as linhas acima possa
ter a oportunidade de participar de um estágio de vivência para completar sua
formação, não só a acadêmica, mas a humana em todos os sentidos. Desta
maneira, espero que possam sentir, como eu, que sujeitos emancipados e
livres podem se libertar em comunhão e construir um outro mundo, uma outra
globalização (SANTOS, 2000). Tenho a esperança como concepção de futuro!
E você?
Referências
FANON, F. Os condenados da terra. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1979.
FREIRE. P. Pedagogia do Oprimido. 38. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987.
NEPPA – Núcleo de Estudos e Práticas em Políticas Agrárias. V EIVI do
Recôncavo baiano. Estágio interdisciplinar de vivência e intervenção em
áreas de reforma agrária. Projeto apresentado a Universidade Federal da
Bahia, 2010.
SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à
consciência universal. 2a ed. Record, Rio de Janeiro, 2000.
Semana de Geografia, 18., 2011. Geografias não mapeadas? Ponta Grossa: DEGEO/DAGLAS, 2011. ISSN 2176-6967

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