Sobre a gênese do estereótipo do Polonês na América Latina (caso

Transcrição

Sobre a gênese do estereótipo do Polonês na América Latina (caso
Estudios Latinoamericanos 5 (1979), pp. 69-80
Sobre a gênese do estereótipo do Polonês na América
Latina (caso brasileiro).
Krzysztof Smolana*
Há alguns anos atrás compriu-se o centenário do início da
emigração Polonêsa para o Brasil, inclusive mais amplamente, para a
América Latina. Naquela ocasião surgiram inúmeros artigos e livros
dedicados à problemática dos Polonêses no além-mar1. Nessas
publicações era lembrada a contribuição dos nossos compatriotas
para o processo de desenvolvimento do Brasil ou da Argentina. Ao
mesma tempo faltava, nesses trabalhos, a tentativa de apresentação
do estereótipo do Polonês que nasceu na consciência dos
latinoamericanos no espaço dos cem annos de mútua coexistência.
Eis porque desejaria, no trabalho que se segue, fazer algumas
reflexões sobre a gênese dos juízos sobre os Polonêses que
funcionavam no período de entre guerras nos países
latinoamericanos.
Os emigrantes polonêses viajavam para o além-mar
principalmente em busca de melhores condições de vida e de
trabalho. Antes de tudo, eram camponeses que desejavam se tornar
proprietários e obter algo através do seu trabalho.
A existência de um numero grupo de pessoas – pois de alguns
milhares – num país estrangeiro tem de, forçosamente, encontrar,
dentre a população local, ressonância em forma de juízos sobre esse
grupo. Esses juízos em relação ao grupo de emigrantes são, a seguir,
ampliados para toda a nação por ele representada. As opiniões sobre
*
Traducido por Almir Gonçalvez
Entre outros, Emigracja polska w Brazylii. 100 lat osadnictwa [Emigrção polonesa no Brasil. 100
anos de colonização]. Warszawa 1971, pp. 551; Kalendarz «Ludu» 1971 [Calendario do «Povo»
1971], Kurytyba 1971, pp. 208.
1
os Polonêses, assim como sobre cada outro grupo nacional, eram e
são bastante diferenciadas. Nas publicaçoes polonesas,
frequentemente, encontram-se frases que falam simplesmente da
«missão civilizatória» dos Polonêses na América Latina, e
particularmente no Brasil. «O Brasil constitui uma região, na qual os
camponeses polonêses escreveram uma das mais belas páginas da
história da colonização pacífica de terras virgens. Eles, desde há cem
anos, no centro: dos tres estados sulinos do Brasil, nas enormes
extensões de terra das florestas virgens tropicais por eles
descortinadas, criaram e introduziram as bases da civilização baseada
na economia agraria. Sobre a grandeza da tarefa cumprida é
testemunho não so a área explorada pelos Polonêses [...], mas
igualmente o nível dessa exploração econômica. O campanês polonês
introduziu uma série de novos elementos econômicos, divulgando,
antes de tudo, o uso da carroçã puxada por cavalos; no que respeita
às plantas propagan os quatro principais cereais, a batata, o repolho,
o trêvo, a luzerna, o linho e outras; quanto as frutas – a maçã e a
pêra; animais – além do cavalo, o gado vermelho polonês juntamente
com a produção racional de leite, o gado suino e as aves, e além
disso a criação de abelhas e a produção do mel»2. Outro Polonês,
durante muitos anos ligado à emigração escreveu: «Com o nosso
colono no Brasil não se pode comparar qualquer outro»3. Essa
imagem pode ser completada ainda sòmente com o fato de que os
emigrantes polonêses eram fieis à religião católica e ao idioma
polonês. Esse mito provavelmente tinha como objetivo, em certo
gran, recompensar a baixa posição social dos emigrantes polonêses.
Por outro lado, surgem juízos contrários, destituindo com frequência
os Polonêses de quaisquer aspectos positivos.
Claro, existía diferençã entre os juízos das autoridades e os juízos
que funcionavam correntemente nas sociedades latinoamericanas.
A opinião dos governos sobre os Polonêses e outros
representantes
da
emigração
formava-se,
com
certeza,
dependentemente da situação tanto nos países alvos da emigração
cómo da situação internacional. Essa opinião encontrava a sua
2
3
A. Zarychta: Brazylia [Brasil], Warszawa 1972, p. 308.
B. Lepecki: Parana i Polacy [Paraná e Polonêses], Warszawa 1962, p. 194.
expressão nas leis e nos decretos que regulavam as questões
imigratórias. Esse sistema de leí modelava tanto as dimensões como
o caráter imigratório. Com o passar do tempo, os governos
latinoamericanos definiram, de maneira cada vez mais precisa, os
tipos de imigrantes.
Nos anos trinta surgiram tentativas de limitação das leis e das
possibilidades de imigração. Sem dúvida, isso era consequência do
nacionalismo que se desenvolvía sob a influência da grande crise.
Essas tentativas não terminaram com o final da crise, mas
continuaram a aumentar. No Brasil essas tendências frutificaram
através da ação nacionalista de 1938. Já anteriormente, em 1934, em
São Paulo se havia pensado se não se deveria criar uma inspeção
especial sobre os estrangeiros, entre antros, com ó objetivo de
«constatar a sua estadia legal e de investigar se a presençã daqueles
no territória do Estado não contrariava os interesses sociais e
políticos do Estado»4. Podemos relacionar isso com o temor das
autoridades brasileiras de que ao país não estivesse chegando
emigrantes políticos, cuja atividade seria prejudicial para o sistema
existente. Além disso, talvez o mais importante fator era a
diminuição da demanda da mão de obra em resultado da crise.
Mantinha atualidade somente a colonização agrícola. Assim
procurava-se da massa de emigrantes de diversas nacionalidades
escolher somente aqueles, em cujos países de origem a cultura
agrária se encontrava no mais alto nível. «A orientação da política
argentina imigratória, no presente momento, segundo o padre
Saavedra Lamas, tinha como objetivo atrair, antes de tudo, o
elemento colonizador dos países com alta cultura agrária; a defesa da
ordem social e dos bons costumes na Argentina»5. Nessa orientação
se encerrava, com certeza, um elemento hierarquizante da apreciação
das diversas nacionalidades. Parece que no ponto mais alto se
encontravam as nações da Europa Ocidental, por exemplo, os
Inglêses (pois «o Inglês na Argentina não trabalha, o Inglês organiza
4
T. St. Grabowski, Ministro-Plenipotenciário no Rio de Janeiro, ao Ministério das Questões
Estrangeiras na questão do projeto de inspeção sobre os estrangeiros em São PauJo, 1 de majo de 1934,
AAN MQE 10230, pasta 6.
5
Relatório do encarregado de negócios a.i. em Buenos Aires W. Dostal para o MQE quanto a questão
da convenção emigratória argentino-holandesa, 23 de abril de 1937, AAN MQE 3404, pasta 5 – 13.
o trabalho e o Inglês ganha dinheiro»6, os Francêses, os Alemães ou
Suiços. Considerava-se que a emigração daqueia parte da Europa
garantiria «a afluência do elemento colonizador saudável, isso sob
cada aspecto» (la profilaxis racial, moral, social y political)7.
Num grau significativamente mais baixo eram colocadas as
nações da Europa Central e Oriental, usando a seguinte
argumentação: «o Holandês é um trabalhador digno de admiração no
domínio da criação do gado e na indústria agrário-animal; além da
laboriosidade, distingue-se pela iniciativa, pelo amor a ordem,
previdência e pela grande educação social. Está distante do típico
atraso do homem da Europa Central, ocupando-se de idêntico
trabalho, cuja caraterística não é o amor particular pelo
progresso...»8.
Ainda mais abaixo nessa hierarquia específica das nações
encontravam-se as nacionalidades asiáticas e africanas, o que se
expressava através de uma Corte limitação da sua imigração nos
diversos países da América Latina (exceção constituiam os
Japonêses). Bem verdade, nem o Brasil nem a Argentina, que eram
os maiores países imigratórios não declararam nunca a divisão legal
em nações desejadas e não desejadas, mas isso o fazia, por exemplo,
a Colombia no decreto de 1936. A Colombia dividiu os imigrantes
em duas categorias, em que o nível do depósito de imigração exigido
dependia da inclusão numa delas. A primeira (a metade do depósito),
e portanto na categoria mais desejada, estavam incluidos, além das
nacionalidades latinoamericanas, os Alemães, Arménios, Checos e
Eslovacos,
Dinarmaquêses,
Espanholes,
Norteamericanos,
Filandêses, Francêses, Holandêses, Húngaros, Inglêses, Irlandêses,
Italianos, Japonêses, Luxemburguêeses, Norueguêses, Persos,
Portuguêses, Suecos e Suiços, e a partir de 1937 igualmente os
Iugoslavos. Na segunda categoria foram colocados: Bulgaros,
Chinêses, Egipcianos, Estões, Grecos, Hindus, Lituanos, Libanêses,
Letões, Marroquinos, Palestinos, Polonêses, Romenos, Russos, Sírios
6
K. Wrzos: Yerba Mate, Warszawa 1937, p. 213.
Relatório do encarregado de negócios a.i. W. Dostal,23 de abril de 1937, AAN MQE 3404, pasta 5 –
13.
8
Ciração do diário «El Mundo» (Buenos Aires), segundo do relatório do encarregado de negócios a.i
W. Dostal, 23 de abril de 1937, AAN MQE 3404, pasta 5 – 13.
7
e Turcos9. Talvez a origem dessa tendência para a avaliação das
diversas nacionalidades se encontrava não só nas tendências
modernizantes dos latinoamericanos, mas também no funcionamento
do mito da superioridade cultural da Europa Ocidental.
Ao lado dessas divisões oficiais, mais ou menos calculadas,
funcionavam ainda diversos juízos correntes, infelizmente pouco
agradáveis para os Polonêses. Expressão da má opinião sobre os
Polonêses era a compreensão corrente das palavras «polaco» e
«polaca», em muitos países relacionadas com as pessoas socialmente
marginais. Um dos Polonêses que visitou a Argentina escreveu: «o
leitor dos jornais argentinos não estranha quando ao lado do nome da
prostituta assassinada, do traficante da mercadoria viva detido ou do
assassino procurado, ou do ladrão, encontra a breve anotação
"Polaco"10. Uma das Polonesas, durante anos ligada com a emigração
no Paraná, escreveu que a expressão «Polaca» aí significava
prostituta11. A expressão «Polaca» em sua conotação pouco elogiosa
aplicava-se sobretudo às emigrantes da Polônia de descendência
judia, tornando-se as vezes a definição, principalmente, dos Judeus
Polonêses. A palavra «Polonêsa», que começou a ser usada no Brasil
e na Argentina no lugar de «Polaca», possibilitava evitar o sentido
pejorativo do termo.
Em autros países a situação não era melhor. Por exemplo, na
Venezuela a má opinião sobre os Polonêses difundiu-se até ao ponto
de não se querer inclusive deixá-los entrar no País. As autoridades
venezuelanas, identificando-se, nesse caso, com a opinião corrente,
estavam convencidas de que entre os que vinham da Polônia
«predominavam as prostitutas, gigolôs e escroques, e esses últimos
levaram os compradores locais a perdas que chegavam a algumas
centenas de bolivares...»12. Evidentemente tais juízos extremados não
eram os únicos e dominantes no conjunto de opiniões sobre os
Polonêses, mas sem dúvida desempenharam um papel significativo.
9
Relatório do consulado em Bogota para a Legaço do Mexico quanto a questão das mudanças dos
regulamentos referentes a viagem (entráda) de imigrantes para a Colombia, 22 de outubro de 1938,
AAN MQE 9684, pasta 29.
10
K. Wrzos: op. cit. p. 47.
11
M. Ficińska: 20 lat w Paranie [20 anos no Paraná], Warszawa 1938, p. 19.
12
Legacão no Mexico para o MQE quanto a questão das restricões imigratórias nos países
latinoamericanos, 25 de maio de 1934, AAN MQE 10210, pasta 3.
Os cablocos brasileiros com frequência usavam em relação aos
Polonêses o termo desprezante «Polaco burro»13. Das pesquisas
realizadas pelo sociológo brasileiro O. Ianni resulta que o grupo
polonês era colocado no nível mais baixo da hierarquia social, não
muito mais acima do que a depreciada população «de cor». Um dos
inquiridos por Ianni afirmo inclusive que «o Polaquinho [¡sic!] é o
Negro do Paraná»14. A consequência dessa apreciação dos Polonêses
era, por exemplo, a antipatia em relação a conclusão de casamento
coro pessoas de nacionalidade polonesa. Isso, por sua vez, dificultava
a assimilação mais plena do grupo polones, e por causa disso
limitavam-se as possibilidades de avanço social dos Polonêses no
Brasil.
Surge então a pergunta – donde vieram esses juízos tão negativos?
Não surgiram à base de informações sobre a Polônia e os Polonêses,
pois tais informações quase não existiam. A propaganda polonesa era
pequena e muito ronco eficiente. O Consul da República da Polônia
em São Paulo levou a cabo inclusive pesquisas «com o fim de
esclarecer o estado das informações sobre a Pôlonia» no Brasil15, e
portanto na zona onde, pelo simples fato de estar aí o maior número
de Polonêses, a população local deveria saber algo mais sobre os
mesmos. Constatou-se então que os museus e bibliotecas de São
Paulo «não possuiam uma só obra sobre a Polônia, seja passada ou
contemporânea».
O diretor da Biblioteca do Estado, padre Miguel Ferrari, passou
em, revista, pessoalmente, os catálogos e em nenhuma seção
encontrou qualquer caiga que se referisse a Polônia, apesar de aí se
encontrarem muitos livros sobre a história da França, Alemanha,
Inglaterra e outros países16. Dentre os numerosos manuais de
geografia um só continha notícias mais amplas sobre a Polônia, e
num dos atlas informava-se que a superfície da Polônia era de
13
Z. Uniłowski: Żyto w dżungli [Centeio da selva], Warszawa 1936, p. 13.
O. Ianni: Raças e classes no Brasil, Rio de Janeiro 1966, p. 131.
15
Consul em São Paulo, M. Świrski para o MQE quanto a questão do estado das informações sobre a
Polônia, 18 de setembro de 1929, AAN MQE 10114, pasta 5.
16
Consul em São Paulo, M. Świrski para o MQE, 18 de setembro de,1929, AAN MQE 10114, pasta 9.
14
500000 km2, e a informação de que os Polonêses são Eslavos e
Católicos17.
Em geral o nível do conhecimento sobre a Polônia era definido
pelas representações oficiais polonesas: «As informações sobre a
Polônia são aquí, sem dúvida, bastante insuficientes. Em geral, lá
onde existem não são falsas e simultaneamente não se observa uma
apresentação tendenciosa da questão, desfavoravelmente ao nosso
país. Contudo, em todas as partes. impressiona a estreiteza dessas
informações em relação as existentes sobre outros países.
Concretamente, falta informações sobre a Polônia contemporânea,
sobre as suas reservas naturais, comércio e indústria, sobre o papel
que desempenha no conjunto dos Estados europeus, na cultura, na
arte, na vida científica e intelectual»18.
Faltava sem dúvida propaganda em idioma português e espanhol,
que permitisse chegar com informações sobre a Polônia aos mais
amplos círculos das sociedades latinoamericanas. As tentativas feitas
nesse sentido eram ínfimas. Por exemplo, no Brasil, nos anos 1921 –
1923, aparecia a publicação mensal «Brasil-Polônia». A sua tiragem
atingia entretanto tão só 500 exemplares. Após o seu
desaparecimento o de Szymon Kossobudzki assumiu a tarefa de
divulgação de informações sobre a Polônia. Em 1925 fundou a
publicação mensal «Eco da Polônia», em Curitiba, mas os limites de
irradiação da mesma não ia alem da comunidade polono-brasileira19.
Nos anos 1926- 1931 não saia no Brasil qualquer publicação análoga
em idioma português. Nos anos 1932 – 1937 de novo começou a,
aparecer a publicação mensal «Brasil – Polônia». Desde 1937
começou-se igualmente a publicar no Rio de Janeiro o «Boletim
semanal da Camara de Comércio Polonêsa-Brasileira»20.
A imprensa polonesa que aparecía na América Latina era
principalmente endereçada à emigração polonesa, o que pelos
motivos de idioma estreitava fortemente o círculo dos seus leitores. E
17
Consul em São Paulo, M. Świrski para o MQE 18 de setembro de 1929, AAN MQE 10114, pasta 10 13.A superficie da Polônia em 1939 atingia 389,7 mil km2.
18
Consul em São Paulo, M. Świrski para o MQE18 de setembro de 1929 AAN MQE 10114, pasta 5.
19
Legação no Rio de Janeiro para o Departamento de Imprensa do MQE quanto a questão do «Eco da
Polônia», 2 de fevereiro de 1926, AAN MQE 7315, pasta 3.
20
Bibliografia prasy polskiej w Brazylii [Bibliografia da imprensa polonesa no Brasil], em: Kalendarz
«Ludu» 1971..., pp. 49 – 72.
essa imprensa não se situava num nível adequado, acima de tudo por
causa da grande flutuação dos títulos. ao mesmo lempo, esses títulos
não eram em grande quantidade. No pano de fundo da imprensa dos
outros grupos de imigrantes a Polonêsa era fraca. Como informava
em 1934 a Legação no Rio de Janeiro, para 145 publicações editadas
no Brasil em idiomas estrangeiros, os Alemães editavam 71, os
Italianos 24, os Inglêses 12 e os Polonêses 621. No Distrito Federal
aparecía, nesse mesmo período, somente um jornal polonês (o
mensal «Brasil-Polônia«), enquanto que os Alemães publicavam aí 3
jornais, os Italianos 4, os Inglêses 5, os Francêses 3, etc.22. A
imprensa polonesa aparecia, acima de tudo, no Paraná (cinco
publicações) e no Rio Grande do Sul (um jornal), portanto, lá onde
mais numerosa a imigração polonesa.
Face à pobreza de informações pode-se supor que os juízos sobre
os Polonêses tinham, em grande parte, o caráter de estereótipo.
Portanto o que influenciava na formação desses estereótipos? O mais
importante era a imagem da economia dos emigrantes polonêses,
assim como viam-nos os latinos. O problema é difícil, pois não foi
conduzida até agora qualquer investigação sobre a economia dos
colonos polonêses nos diversos países. Em relação ao Brasil, M.
Kula constatou que «em muitos aspectos os sucessos do grupo
polonês eram menores do que os sucessos de outros grupos de
imigrantes»23. A atividade dos emigrantes polonêses era mais
primitiva do que a economia dos imigrantes de outras
nacionalidades. Baseava-se nos sistema de queimadas, o que
intensificava o processo de infertilidade da terra. As diversas
propriedades estavam insuficientemente munidas de equipamentos
agrícolas. Os camponêses polonêses não elaboraram mêtodos de luta
contra os parasitos que os acossava. A criação animal era igualmente
primitiva, criava-se principalmente porcos. As vacas semi-selvagens
davam muito pouco leite. A falta de assistência veterinária
21
T. St. Grabowski, Ministro-Plenipotenciário no Rio de Janeiro para o MQE quanto a questão da
imprensa estrangeira no Brasil, 12 de fevereiro de 1934, AAN MQE 10230, pasta 8.
T. St. Grabowski, Ministro-Plenipotenciário no Rio de Janerio para o MQE, 12 de fevereiro de 1934,
AAN MQE 10230, pasta 8 – 9.
23
M. Kula: Sukcesy i porażki polskich osadników w Brazylii [Successos e derrotas colonospolonéses no
Brasil], ) «Przegląd Polonijny», Vol. III, 1977, no. 2, p. 75.
22
impossibilitava a rápida elevação do número de cabeças, após as
periódicas epidemias. A criação de abelha era realizada na base do
«quem tem abelhas, tem mel»24. O estado da maioria das
propriedades obscurecia os sucessos de um pequeno grupo de
Polonêses que chegaram a alguma coisa. O deplorável estado da
atividade econômica dos colonos polonêses não foi provocado pela
preguiça ou falta de querer, pois ao trabalho sempre estiveram
acostumados, mas pelo primitivismo dos modelos levados do seu
país natal. Estabelecidos distante das cidades (dos mercados de
venda) não estavam interessados na produção para a venda. Tinham
pouco contato com as propriedades que se encontravam num nível
mais elevado, não tinham de onde tirar os modelos positivos da
produção racional. Trabalhavam bastante, daí o dizer que os
Polonêses trabalham como mulas (polaco burro), mas os resultados
que alcançavam eram proporcionalmente pequenos. Identica situação
se apresentava na Argentina, ande os colonos polonêses viviam
igualmente em condições primitivas25.
Não é dé estranhar portanto que os latinos não apreciassem os
colonos polonêses e esses, por sua vez, desprezavamnos chamandoos de «selvagens». Nessa situação os imigrantes procuravam
melhorar o seu próprio prestígio com o lançamento da tese sobre a
introdução da cultura no Brasil. – «Um dos tumores sociais que
corroem o corpo da nossa colônia é a gigantesca vaidade, bilhando
como uma enorme bolha de vidro, vazia por dentro, partindo-se com
estrondo diante de uma fraca pancada [...]. Tudo entre nós é grande e
de mérito. Infeliz o jornalista que tem a coragem de dizer a amarga
verdade diretamente [...]. Um das nossas manias é a proclamaçãodo
que os agricultores polonêses fizeram para o Paraná, para o Brasil»26.
Outro fator que modelava o estereótipo do Polonês era a tradição
da atitude em relação a Polônia e sua mudança. A opinião sobre as
nações da Europa Ocidental sempre foi boa na América Latina. Essas
24
Tal juízo foi confirmado pelas pesquisas de M. Kula, ver Polonia brazylijska [Colônia polonesa do
Brasil], mimiografado, pp. 36 – 37.
25
Wł. Kicki, Relatório do Ministro-Plenipotenciário em Buenos Aires de 1931 para o MQE, 7 de julho
de 1932, AAN MQE 9618, pp. 112 – 113.
26
J. Ceha: Więcej autokratyzmu [Mais autocratismo!]. «Gazeta Polska w Brazylii», 10 III 1935
(segundo M. Kula: Polonia brazylijska..., pp. 30-31).
nações passavam inclusive como modelo para as sociedades
latinoamericanas. A atitude em relação a outras nações sofria,
contudo, significativas flutuações. No período da partilha a atitude
em relação a Polônia era positiva ou, antes diria, favorável. Em 1907,
o político brasileiro Rui Barbosa, na Conferência de Heska,
apresentou-se em defesa dos direitos da Polonia à independêndia e
soberania27. Entre os representantes das camadas brasileiras
superiores, que tinham amplos contatos com a Europa, sabia-se
bastante sobre a tradição das lutas polonesas de libertação e sobre a
«questão polonesa»28. Sensíveis a questão da independência, os
Latinoamericanos colocaram-se ao lado da Polônia dominada. Essa
atitude frutificou em 1917, quando durante os preparativos para a
Conferência de Versalhes, entre outras, tinha lugar a discussão sobre
a questão do reconhecimento à Polônia. da independência. O
ministro brasileiro das Relações Exteriores, Nilo Peçãnha justificou a
posição favorável do Brasil em relação à Polônia: «A sua submissão
ao dominio de imperios estrangeiros é uma das maiores injustiçãs de
Historia, e, entre os deveres impostos à consciencia pública. dos
povos que dão nesta hora o seu sangue pela independencia das
nações, nenhum sobreleva ao de restituir aos polacos o seu direito à
Patria. Si as gerações que se teem sucedido nessa nacionalidade
sofredora, nunca se conformaran com a usurpação do seu territorio e,
de tempos em tempos, buscam na homogeneidade dos sentimentos,
das aspirações, dos ideales comuns e tradições históricas o espirito
misterioso e sagrado de sua resistência [...] não é demais que entre as
condições da paz futura se imponha a libertação da Polônia, que
sofre duplamente pela humilhação do seu captiveiro e pela grandeza
do seu direito [...] mas tão somente pela restauração de uma
nacionalidade oprimida, e que não consentiu nunca na cessação de
sua soberania, interrompendo sempre com o sangue dos seus,
mártires a dominação estrangeira»29.
27
W. Breowicz: Drobiazgi z Parany [Detalhes do Paraná], Kurytyba 1962, mimiografado páginas não
numeradas.
28
Sobre o assunto no relatório para o MQE do consul em São Paulo M. Świrski. 18 de setembro de
1929, AAN MQE 10114, pasta 5.
29
Ministro brasileiro das Relações Exteriores. N. Peçanha, para Paul Claudel, representante de França
no Rio de Janeiro quanto a questão do reconhecimento da Polônia, 18 de agosto de 1917. Copia oficial,
AAN Warchałowski 38, pasta 13.
O período de entre-guerras trouxe modificação da atitude em
relação a Polônia. Essa mudança teve lugar em resultado da
transformação da Polônia de «heroica» em «potência». O
pensamento em germinação na Polônia sobre a posse de colônias
próprias levou ao surgimento do plano de criação no ponto de incisão
das fronteiras do Brasil, da Argentina e do Paraguai, de uma área de
colonização polonesa concentrada. Esses planos não entraram na fase
de realização, entretanto as autoridades brasileiras. souberam da sua
existência. Não se interessaram se eram sonhos irreais, mas
aproveitaram-nos na campanha contra os grupos imigrantes. Em
resultado da crescente onda de nacionalismo no Brasil, cujo ponto
culminante foram os decretos nacionalistas assinados pelo presidente
Getúlio Vargas.. em 1938, os imigrantes polonêses sofreram pesadas
perdas30.
A onda de nacionalismo teve lugar não só no Brasil, mas abrangeu
igualmente outros países da América Latina. Não atingia
necessariamente concretos grupos de imigrantes, frequentemente
eram baixados decretos que se referiam à imigração em geral, como
teve lugar, por exemplo, na Argentina ou no México31.
Por outro lado, a Polônia surgia, com frequência cada vez maior,
como país fraco, os seus intercâmbios comerciais com os países da
América Latina não eram grandes e pouco podía oferecer a seus
parceiros32.
O terceiro importante fator que modelava o estereótipo do Polonês
era a atividade antipolonesa de propaganda levada a cabo por outros
grupos de imigrantes na América Latina. Essa atividade vinha
principalmente de duas nacionalidades: ucraina e alemã. Estava
relacionada com o apoio do governo polones de antes da guerra à
emigração dos representantes das minorias nacionais. O governo
polones vía nisso um meio que conduzia à diminuição das tensões no
país e a mais rapida polonização das regiões orientais do país. Em
consequência dessa atividade, do outro lado do oceano encontraram30
Esse problema aborda amplamente M. Kula em Polonia brazylijska..., pp. 143 – 167.
Notas elaboradas pelo MQE no período de 1938 – 1939, AAN MQE 9906, pasta 98 – 99 e 10005,
pasta 32 – 34 (segundo M. Kula: Polonia brazylijska..., p. 166).
32
Consul em São Paulo, M. Świrski quanto a questão do estado das informações sobre a Polônia no
Brasil, AAN MQE 10114, pasta 5 – 6.
31
se grandes grupos da população ucraina da Pequena Polônia Oriental,
a qual se incorporaram os representantes dos círculos ucrainos
nacionalistas. Assim, iniciaram aí uma agitação antipolonesa33.
Dispondo de uma relativa liberdade de organização começaram a
atuar em favor da consolidação nacional na América Latina,
principalmente na Argentina e no Brasil. Em 1934, no Brasil
dispunham de tres publicaçoes (nos Estados do Paraná e Santa
Catarina)34 e um número maior ainda na Argentina. A emigração
ucraina pçrmanecia em contato ativo coro as organizações
nacionalistas de Lwów, de Stanisławów e Kołomyja o que tinha
influência sobre o desenvolvimento da sua consciência nacional e
política35.
As frações ucrainas nacionalistas continuavam sob forte influência
alemã, particularmente na Argentina. «Utilizando a atitude hostil em
relação a Polonia das massas ucrainas e de seus representantes, a
legação alema, através de seus agentes (principalmente cidadãos
polonêses, alguns trabalham no Banco Germânico na seção
germânica), apoiava também todos os experimentos que tinham
como fim desacreditar o imigrante Polonês e o Estado polonês na
Argentina. Isso acontecía ainda em 1933»36. A atividade
antipolonesa, mas não só, intensifican-se no período que antece-deu a
Segunda Guerra Mundial. Certamente, isso estava relacionado com
os planos mais amplos das atividades de propaganda realizadas pela
Alemanha fascista. Não se deve depreciar o papel desse fator,
quando agia principalmente sobre os grupos imigrantes, e em menor
gran sobre a população local.
O estereótipo do Polonês na América Latina surgiu em
consequência dos fatores considerados (a sua má situação
econômica, as mudançãs da atitude dos latinoamericanos em relação
a Polônia e propaganda antipolonesa) era negativo. Se entretanto o
33
Sobre o assunto lembra K. Wrzos: op. cit. p. 211.
T. St. Grabowski, Ministro-Plenipotenciário no Rio de Janeiro para o MQE quanto a questão da
imprensa estrangeira no Brasil, 12 de fevereiro de 1934, AAN MQE 10230, pasta 8 – 9.
35
R. Stemplowski: Zależność i wyzwanie. Argentyna wobec rywalizacji mocarstw anglosaskich i III
Rzeszy [Dependência e desafio. Argentina face a rivalização das potencias anglo-saxas e o III Rixo],
Warszawa 1975, p. 97
36
Relatório sobre o movimento nacionalista-ucraino na Argentina, encarregado de negocios a.i., W.
Dostal, 20 de setembro de 1935, AAN MQE 10340.
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estereótipo surgido fortemente se enraizou, isso teve lugar porque
permitia os latinoamericanos a compensar suas próprias fraquezas.
Não podiam fazer isso em relação, por exemplo, dos Alemães, atrás
dos quais se encontrava o III Eixo, forte economica e politicamente,
portanto isso o fizeram às custas do grupo nacional em geral mais
fraco e originário de um país, na época, fraco.

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