Publicação fo Complexo UNIFESP/SPDM - nº 17 - Ano 6
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Publicação fo Complexo UNIFESP/SPDM - nº 17 - Ano 6
SP17Capa.indd 1 6/29/06 5:01:41 PM Publicação fo Complexo UNIFESP/SPDM - nº 17 - Ano 6 - Abril/Julho 2006 Carta ao Leitor carta ao leitor É preciso deixar de lado capas e espadas, escudos, armas de raio laser e cintos de utilidade. Ao menos essa é a conclusão básica que se pode ter após a leitura da matéria de capa desta edição de Saúde Paulista. Habituados a bancar super-heróis, cada vez mais profissionais de saúde têm sido obrigados a reconhecer que não passam de seres humanos, com suas fraquezas e necessidades. Normalmente acostumados à idéia de que são obrigados a oferecer respostas e “consolação”, esses médicos, enfermeiros, psicólogos, farmacêuticos e outros profissionais começam a reconhecer que há momentos nos quais “eles” é que precisam de ajuda para conviver e superar a pressão do trabalho e a cobrança pelo fato de “não poder errar”, ao serem responsáveis por vidas humanas. Em outras reportagens, o leitor encontrará algumas das últimas novidades em diferentes campos do conhecimento. Este é o caso dos avanços técnicos e tecnológicos surgidos na área da oftalmologia e as descobertas que procuram entender melhor a origem e o funcionamento de uma doença neuromuscular, a Esclerose Lateral Amiotrófica. Na mesma linha, é apresentada a inovadora interface entre ciência, saúde e meditação, discutida em seminário que colocou frente a frente cientistas da Unifesp e o Dalai Lama, em sua última passagem pelo Brasil. Um programa de rádio desenvolvido por índios no Xingu, uma pesquisa avaliando o destino de menores egressos da Febem, os rumos das atividades de Extensão nas universidades brasileiras e ações de humanização do Hospital São Paulo estão entre os temas que mereceram matérias especiais da publicação. Boa leitura. 4 Saúde Paulista SP17p4-5.indd 4 7/10/06 5:55:41 PM 12 Capa BURNOUT: QUANDO O MÉDICO VIRA PACIENTE Depressão em profissionais da saúde leva hospitais a investir em prevenção 18 Prevenção PARA VENCER A ESCURIDÃO Oftalmologia da Unifesp se une a ONGs para erradicar a cegueira 22 Assistência ELA: A VITÓRIA DE CADA DIA Qualidade de vida deve ser meta em doença degenerativa 26 Humanização UM HOSPITAL MAIS ACOLHEDOR Iniciativas suavizam a estadia de pacientes e familiares no HSP 30 Avaliação POLÊMICA NA FORMAÇÃO MÉDICA Exame do Cremesp para avaliar faculdades gera debate 34 Meditação POR UMA MEDICINA MAIS HUMANA Em visita ao Brasil, Dalai Lama discute relação médico x paciente 36 Sociedade O DESAFIO DE VOLTAR PARA CASA Pesquisa acompanha o destino de ex-internos de instituições como a Febem expediente Universidade Federal de São Paulo Ministério da Educação Reitor: Ulysses Fagundes Neto Vice-reitor: Sérgio Tufik Pró-reitor de Administração: Sérgio Antonio Draibe Pró-reitor de Graduação: Luiz Eugênio Araújo de Moraes Mello Pró-reitor de Pós-Graduação e Pesquisa: Nestor Schor Pró-reitor de Extensão: Walter Manna Albertoni Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina Presidente: Ulysses Fagundes Neto Vice-presidente: Sérgio Tufik Saúde Paulista No 17 – Ano 6 –ABRIL/JUN2006 Publicação do Complexo Unifesp/SPDM ISSN 1519-647X Conselho Editorial: Ulysses Fagundes Neto, Ricardo Viveiros, Lucila Amaral Carneiro Vianna, Carlos Alberto Garcia Oliva, Samuel Goihman, José Roberto Ferraro e Nacime Salomão Mansur Departamento de Comunicação e Marketing Institucional Diretora: Regina Stella Responsabilidade editorial Ricardo Viveiros Oficina de Comunicação 6 8 11 Seções Jornalista responsável: Ricardo Viveiros (MTb. 18.141) Vitaminas Editor: Luiz Carlos Lopes (MTb 16.091) Fotografia: Stela Murgel Entrevista EXTENSÃO DEVE TER RECURSOS PRÓPRIOS Pró-reitor fala sobre projetos e conceitos de extensão Ensino ENFIM, JUNTAS Parceria entre Unifesp e USP visa aperfeiçoar a formação médica 40 Feitos e Efeitos RÁDIO XINGU FM: ROMPENDO BARREIRAS COM CRIATIVIDADE Programação leva informações sobre saúde para a comunidade indígena 32 Perfil UMA VIDA SEM FREIOS Helena Nader e sua luta incessante por qualidade no ensino 42 Livros Projeto e produção gráfica: Conceito Comunicação e Design Direção de arte: Sergio Merli Assistência de arte: Andréia Gualberto de Oliveira Impressão: Copypress Tiragem: 7 mil exemplares Periodicidade: trimestral Equipe de imprensa: Adriana Lanzi, Ana Cristina Cocolo, Lara Schulze, Luiz Carlos Lopes, Renata Toledo Piza, Renato Conte, Sacha Silveira, Stela Murgel e Suzana Ribeiro As opiniões veiculadas nos artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da revista SAÚDE PAULISTA. Não é permitida a reprodução dos textos desta publicação sem autorização do editor, por escrito. A revista SAÚDE PAULISTA não se responsabiliza pelo teor dos anúncios publicitários. Fale com a gente Redação, Publicidade e Administração Rua Botucatu, 740 – Vila Clementino CEP 04023-062, São Paulo (SP) Tel. (011) 5085.0279 / 5539.4746 / 5571.4359 / 5579.1328 e-mail: [email protected] www.unifesp.br/comunicacao/sp Capa: Ilustração de Sérgio Merli sobre foto de Stela Murgel Unifesp 5 SP17p4-5.indd 5 7/10/06 5:55:45 PM vitaminas Hospital São Paulo amplia Centro Cirúrgico Com 22 salas, as novas instalações já permitiram agilizar as cirurgias eletivas, que algumas vezes eram adiadas para dar vazão às intervenções de urgência que chegam ao pronto-socorro, um dos mais movimentados da capital. Em média, são realizadas cerca de 50 cirurgias por dia, em 15 especialidades, sendo 20% casos de urgência/emergência. A mudança vai aumentar a produtividade, particularmente em áreas como a de transplantes. Com mais salas, haverá também mais espaço para as cirurgias de interesse acadêmico. A reforma completa das instalações durou cerca de um ano e foi realizada com recursos doados pelo Bradesco, a um custo estimado em R$ 5 milhões. Além das novas salas, o Centro contará, em breve, com uma unidade de hemodinâmica, que ampliará as intervenções cardíacas. Unifesp realizou maior concurso docente de sua história No final de junho, foram homologados os resultados do maior concurso para admissão de docentes da história da Unifesp. Concorreram 816 candidatos, todos doutores, disputando 136 vagas abertas para professor adjunto em 63 especialidades, para os campi da Baixada Santista, Diadema e Guarulhos. Um processo que absorveu cerca de 200 pessoas diretamente envolvidas na organização e a presença de 504 participantes nas bancas examinadoras. Somando-se as quatro vagas remanescentes do concurso anterior e mais 11 vagas para professor titular na capital, a Unifesp tornou-se responsável por um dos maiores processos seletivos realizados entre as universidades federais do país, recebendo 151 novos docentes. Praia Grande doa terreno para Instituto de Ciências do Mar I Congresso de Enfermagem do HSP A Prefeitura de Praia Grande, município do litoral sul paulista, oficializou a doação à Unifesp de um terreno com 1,3 milhão de metros quadrados, que deverá abrigar parte do futuro Instituto de Ciências do Mar. A doação vai viabilizar a oferta de cursos como Engenharia da Pesca, Engenharia Portuária e Engenharia Ambiental, além de Oceanografia nas modalidades física, química, biológica e geológica. O projeto prevê a extensão das atividades para outras áreas afins, como as ligadas à indústria naval (exceto Engenharia). Cerca de 400 profissionais, estudantes e convidados estiveram reunidos no evento organizado pelo Departamento de Enfermagem, nos dias 10 e 11 de maio, no teatro Marcos Lindenberg. Sob o tema “Desenvolvendo competências: um desafio para a equipe de enfermagem”, foram discutidos aspectos técnicos, científicos e culturais da atividade, além de apresentadas diversas iniciativas no campo da humanização do atendimento no hospital. Definido projeto arquitetônico da Unifesp Diadema A Unifesp definiu os vencedores do concurso que escolheu o projeto arquitetônico do campus Unifesp Diadema. Além de um prêmio de R$ 30 mil, os arquitetos curitibanos Karlos Ervin Kaltmaier, Marlos Hardt, Günther Kaltmaier Júnior, Paulo José Te Vaarwerk Duarte e Eduardo Paranhos Coelho terão seu projeto executado no terreno de 393 mil m2, próximo à represa Billings, pelo valor de R$ 1,6 milhão. O concurso, que foi promovido pela Diretoria de Planejamento e Projetos (DIPPO) da Unifesp e organizado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), recebeu 57 projetos de equipes de todo o país. O campus Diadema receberá as primeiras turmas de alunos no início de 2007, oferecendo 50 vagas em cada um dos cursos de Química, Engenharia Química, Ciências Biológicas e Farmácia/Bioquímica. 6 Saúde Paulista SP17p6-11.indd 6 7/11/06 5:12:15 PM Inaugurado Instituto de Cirurgia da Mão Inaugurado em maio, o Instituto de Cirurgia da Mão Walter Manna Albertoni ampliou as instalações e a capacidade de atendimento da especialidade. Ocupando agora 817 m2, a chamada Casa da Mão tem condições para realizar até 4 mil cirurgias/mês. Cerca de 40 ortopedistas e mais uma equipe multidisciplinar atendem a diferentes patologias, como lesões nervosas, ósseas e musculares referentes à mão, antebraço, braço e lesões de tendão, além de especialidades de ombro e cotovelo. Convênio amplia atendimento a dependentes de drogas Convênio entre a Associação Fundo de Incentivo à Psicofarmacologia (AFIP) e a disciplina de Medicina e Sociologia do Abuso de Drogas (Dimesad), da Unifesp, colocou à disposição da Unidade de Dependência em Drogas (UDED) dois novos consultórios, dois laboratórios e sala de aula com 40 lugares, para atendimento a adolescentes e também para cursos de extensão, especialização e pós-graduação sobre dependência em drogas. O convênio vai intensificar as palestras de orientação a pais sobre como discutir o assunto drogas com os filhos, sejam eles usuários ou não. Presidente Lula inaugurou campus Guarulhos Com cerca de 5 mil pessoas presentes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva oficializou, no dia 29 de março, a instalação da Universidade Federal de São Paulo no bairro Pimentas, em Guarulhos (Grande São Paulo). A assinatura do convênio entre a Universidade e a Prefeitura faz parte do projeto do Governo Federal de expansão das universidades federais. A Unifesp é a instituição pública com expansão mais intensa, abrindo campi em Santos, Diadema e Guarulhos. Participaram da cerimônia o reitor Ulysses Fagundes Neto, os ministros Fernando Haddad (Educação) e Gilberto Gil (Cultura), os prefeitos de Guarulhos, Elói Pietá, e de Diadema, José Fillipi Júnior. O campus Guarulhos oferecerá, inicialmente, em área de 19 mil m2, os cursos de História, Ciências Sociais, Filosofia e Pedagogia, com 50 vagas em cada um deles no primeiro ano de atividades. Quando estiver plenamente implantado, deverá receber 1.800 alunos. No futuro, poderá abrigar, ainda, cursos de Artes Cênicas, Música, Física, Matemática e uma área de ciências da aviação, por conta da proximidade com o aeroporto internacional em Cumbica Unifesp 7 SP17p6-11.indd 7 7/11/06 5:12:20 PM entrevista Extensão deve ter r Walter Manna Albertoni, pró-reitor de Extensão da Unifesp, defende fontes exclusivas de financiamento para as ações de assistência e formas de valorização acadêmica para os profissionais que se dedicam a essas atividades. Entrevista a Luiz Carlos Lopes Fotos: Stela Murgel Qual o peso das atividades de extensão realizadas atualmente no âmbito das universidades brasileiras? WALTER ALBERTONI – Só a Unifesp mantém atualmente cerca de 50 programas, projetos e atividades de extensão, muitas delas com evidente enfoque social, como a Universidade Aberta à Terceira Idade; a orientação clínica ao Lar Escola São Francisco, um dos principais centros de reabilitação de São Paulo; o Projeto Quixote – que usa a arte para reintegrar jovens em situação de risco social e usuários de drogas – e o Projeto Cananéia, que oferece assistência e qualidade de vida a comunidades carentes daquele município. Um de nossos diferenciais é que nossas ações, além do impacto social, devem, necessariamente, gerar conhecimento. E nas outras instituições públicas e privadas? WA – Recentemente, participamos do encontro nacional do Fórum de Pró-Reitores de Extensão e organizamos, em Santos, o primeiro encontro regional do Sudeste. Nessas ocasiões, pudemos perceber que essas ações têm crescido nas instituições públicas e ganhado importância. Para uma instituição como a Unifesp, qual a importância de participar de iniciativas como o Fórum de Pró-Reitores de Extensão? WA – Uma de nossas preocupações é discutir como é feita a gestão das ações de Extensão nas universidades brasileiras e iniciar um processo de uniformização. A Unifesp trouxe uma contribuição importante, com ações na área da saúde, por sua própria história. Em outras instituições, quase sempre os pró-reitores são da área de Huma- nas. É fundamental discutir os rumos da Extensão no país, pois é responsável pela interface da universidade com a sociedade. Essa interface social tem acontecido de modo uniforme, com alguma padronização? WA – Não. Ainda há modelos muito distintos e talvez isto seja até positivo neste momento. O modo como os projetos têm atuado ao longo do tempo também foi se alterando. Em uma de nossas ações mais antigas, o Projeto Cananéia, a primeira visão foi mesmo assistencial, com nossos alunos e docentes visitando comunidades isoladas, só alcançáveis por meio de barcos, para efetuar vacinação e transmitir informações sobre prevenção. Com o tempo, o trabalho foi evoluindo para áreas como a da sexualidade e até a da organização econômica e politização não-partidária dos membros da comunidade. Uma atividade feita em parceria com outra instituição de ensino. Qual o próximo desafio da Extensão na Unifesp? WA – Queremos acompanhar mais de perto cada projeto. Criamos o Conselho de Extensão (Coex) e passamos a solicitar relatórios. O ponto central é que as atividades não podem ter só o perfil de extensão. Temos que estimular cada vez mais que impliquem simultaneamente na geração de conhecimentos. Um bom exemplo a seguir é o Programa de Integração Docente Assistencial (PIDA), desenvolvido há muitos anos no município de Embu, que une assistência ao ensino e também já deu origem a inúmeras publicações, como teses de mestrado e doutorado. 8 Saúde Paulista SP17p6-11.indd 8 7/11/06 5:12:21 PM r recursos próprios O financiamento das atividades de extensão é um problema já devidamente equacionado? WA – Não. Este é um dos maiores entraves ao crescimento da área. Enquanto o ensino tem as verbas orçamentárias da instituição, as atividades de extensão dependem basicamente do trabalho voluntário ou da ajuda de organizações não-governamentais. Em todo o país, milhares de estudantes e professores realizam ações com forte impacto social sem uma fonte de recursos previamente definida, como já acontece que a área de ensino e a de pesquisa, que conta com órgãos de fomento, como CNPq, Capes, Finep e Fapesp, entre outros. Qual seria o sistema ideal de financiamento? WA – O melhor seria ter um orçamento próprio. Muitas instituições estão partindo para esse caminho e, em algumas universidades, existe remuneração para as atividades. Quando isso não é possível, existe ao menos aquele tipo de valorização no momento de avaliar o profissional, como acontece com as publicações, no caso da pesquisa. Em maio, representantes das pró-reitorias de deuniversidades universidadesdodoSudeste Sudeste estiveram reuniExtensão de estiveram reunidos dosSantos em Santos para trocar experiências, num encontro em para trocar experiências, num encontro regioregional do Fórum de Pró-Reitores, e percebemos nal do Fórum de Pró-Reitores, e percebemos que estaque seestaa seria a melhor ria melhor solução.solução. Albertoni: docente envolvido em extensão deve ser valorizado Um de nossos desafios é ter um mapa detalhado de todas as ações realizadas e encontrar formas de valorizar o trabalho dos docentes nelas envolvidos, como por exemplo aumentar o peso da nota nos processos internos de auto-avaliação. Fazemos isso na Unifesp e descobrimos que outras instituições, como a USP, utilizam o mesmo critério. Esta área deve passar por um processo de expansão? Na verdade, verdade,acredito acreditoque queisto istoserá seráuma umaconseconWA –– Na seqüênciadodopróprio próprioprocesso processode deexpansão expansão da da Unifesp. qüência Quando passarmos a atuar no campo das ciências humanas, no futuro campus Guarulhos, nossas atividades devem crescer ainda mais. É inegável que o espaço dos grandes debates políticos está na extensão. “Um de nossos diferenciais é que nossas ações, além do impacto social, devem, necessariamente, gerar conhecimento.” Como valorizar internamente os trabalhos de extensão, assim como já acontece com o ensino e, principalmente, a pesquisa? WA – Na verdade, o ideal é que não haja extensão como uma atividade a parte, mas que a integração seja total entre as atividades de ensino, pesquisa e assistência. Quando esta situação for totalmente alcançada, o financiamento das ações hoje vistas como de extensão será uma conseqüência natural. Unifesp 9 SP17p6-11.indd 9 7/11/06 5:12:22 PM Ensino ensino Enfim, juntas... Acordo de cooperação entre os cursos de Medicina da Unifesp e da USP pretende aperfeiçoar formação dos futuros médicos Texto: Luiz Carlos Lopes fotos: Stela Murgel a formação de uma “frente” de resistência à queda na qualidade da formação oferecida aos futuros médicos. “Sabemos que, de cerca de 150 cursos hoje existentes no país, a avaliação feita por organismos como o Capes deEm fevereiro, o reitor da Unifesp e o ditecta que apenas uns quinze têm a qualidade desejada retor da Faculdade de Medicina da USP assinaram e isso é muito preocupante”. acordo de cooperação visando desenvolver maior inAo mesmo tempo, para os tegração entre dois dos mais estudantes e docentes de amimportantes cursos de Medibas instituições, pode significar cina do país. A idéia, que nasum compartilhamento de idéias ceu da preocupação em fixar capaz de potencializar a produas instituições como referênção acadêmica. Na opinião do cia de qualidade no ensino, diretor da FMUSP, é no campo diante de um mercado inflada pesquisa que esta aproximacionado pela multiplicação ção pode se tornar mais evidende cursos, pode, num futuro te, mas não descarta a possibilinão tão distante, evoluir para dade de que seus efeitos sejam uma parceria mais intensa, igualmente sentidos desde a com aproximação entre ligraduação, contribuindo para nhas de pesquisa e talvez até certa padronização – desde que no compartilhamento de insnatural, sem regras impostas de talações. cima para baixo – de currículos. Giovanni Guido Cerri, di“Na verdade, esta aproximação retor da FMUSP, acredita que já existe em certas disciplinas e esta aproximação, ainda que áreas, como a minha, que é a lenta, adquire um importante Cerri: rivalidade só existe em jogos Radiologia, em que há muitos simbolismo, pois representa como a Intermed 10 Saúde Paulista SP17p6-11.indd 10 7/11/06 5:12:23 PM Unifesp e USP, com seus hospitais-escola, asseguram a qualidade do ensino e podem propor políticas públicas de assistência trabalhos com interação. Mas queremos agora fazer isso de forma mais institucional”. Ainda no campo da pesquisa, um dos sonhos é, com o tempo, até mesmo compartilhar laboratórios, aproveitando da melhor maneira possível as instalações das duas escolas. Afinal, a própria evolução histórica de cada departamento ou disciplina fez com que suas estruturas caminhassem de modo nem sempre simétrico. “Há vocações melhor desenvolvidas em uma ou outra escola. O conceito de pesquisa mudou muito e não há mais lugar para rivalidades, que continua existindo só na Intermed. Na pesquisa, não costuma haver mais um único vencedor”, brinca Cerri. Saúde e ensino Na assistência à saúde, o intercâmbio entre os hospitais de ensino – Hospital São Paulo e Hospital das Clínicas, além de uma série de outros centros gerenciados mediante convênio – da Unifesp e da USP também abre perspectiva para otimizar o atendimento à população. “Juntos, somos responsáveis por quase 50% dos serviços de alta complexidade. Se padronizarmos procedimentos ou fecharmos questão em torno de alguma política pública, será um argumento quase irrecusável”, avalia o diretor da FMUSP. O psiquiatra Miguel Jorge, coordenador do curso de graduação em Medicina da Unifesp, acredita que um melhor conhecimento mútuo entre os dois cursos permitirá o aperfeiçoamento permanente da formação das novas gerações de médicos. “Poderemos avançar, inclusive, nas questões ligadas à avaliação dos alunos e da graduação”, imagina o docente. “Temos agora que acelerar essa aproximação e avaliar os resultados no período de um ano”, conclui Cerri. Unifesp 11 SP17p6-11.indd 11 7/11/06 5:12:25 PM capa Capa BURNOUT QUANDO O MÉDICO VIRA PACIENTE Desânimo, depressão e esgotamento nervoso são sintomas de um mal cada vez mais presente na vida dos profissionais de saúde. Hospitais estão em alerta e investem em ações para “cuidar de quem cuida”. 12 Saúde Paulista SP17p12-17.indd 12 7/12/06 8:20:32 PM Texto: Ada Caperuto Fotos: Stela Murgel A chamada Síndrome de Burnout é definida por alguns autores como uma das conseqüências mais marcantes do estresse profissional e se caracteriza por exaustão emocional, avaliação negativa de si mesmo, depressão e insensibilidade com relação a quase tudo e todos, operando até mesmo como defesa emocional. O termo inglês burnout é uma composição de burn=queimar e out=exterior, sugerindo assim que a pessoa com esse tipo de estresse sente-se consumida física e emocionalmente, passando a apresentar um comportamento agressivo e irritadiço. Essa síndrome se refere a um tipo de estresse ocupacional e institucional com predileção por profissionais que mantêm uma relação constante e direta com outras pessoas, principalmente quando esta atividade é considerada de ajuda e de grande relevância para o usuário, como é o caso de médicos, enfermeiros e professores. A Síndrome de Burnout (BO) é um quadro de apatia extrema, desinteresse e não só sinônimo de algum tipo de estresse, podendo ter conseqüências bastante sérias. Foi definida por Herbert Freudenberguer, em 1980, como um “estado de fadiga ou frustração derivado da devoção a uma causa, modo de vida ou relação que não produz a recompensa desejada”. Seja qual for a interpretação, o burnout já está classificado entre as doenças comportamentais. De fato, esta síndrome foi observada, originalmente, em profissões predominantemente relacionadas a um contato interpessoal mais exigente, tais como médicos, psicanalistas, enfermeiros, assistentes sociais, professores e atendentes públicos. Hoje, entretanto, as observações já se estendem a todos profissionais que interagem de for- ma ativa com o público, que cuidam ou solucionam problemas de outras pessoas, que obedecem a técnicas e métodos mais exigentes, fazendo parte de organizações de trabalho submetidas a avaliações. Definida como uma reação à tensão emocional crônica gerada a partir do contato direto, excessivo e estressante com o trabalho, essa doença faz com que a pessoa perca a maior parte do interesse em sua re- Fisioterapia e atividade física são armas contra o estresse Unifesp 13 SP17p12-17.indd 13 7/12/06 8:20:44 PM capa Capa h lação com o trabalho, de forma que jornalistas. “Na área da saúde, os mais as coisas deixam de ter importância e atingidos, em um primeiro momenqualquer esforço pessoal passa a pareto, seriam os enfermeiros, por estacer inútil. É caracterizada por exaustão rem mais vulneráreis; em segundo, emocional, redução da realização proo médico e os assistentes sociais; em fissional, da eficiência e da produtiviseguida, os fisioterapeutas e psicólodade, entre outros sintomas. gos; e, em quarto lugar, o terapeuta De acordo com Luiz Antonio Noocupacional e os biomédicos”, classigueira Martins, professor adjunto da fica o especialista. Disciplina de Psicologia Médica e PsiAs especialidades de alta comquiatria Social da Unifesp, a descrição plexidade, que trabalham com mais típica de um quadro de BO é a de um freqüência no limite entre a vida e a profissional, antes eficiente e particimorte, estão mais expostas ao risco. pativo, que se torna silencioso, busca Ou seja, os profissionais de urgêno isolamento e se mostra ressentido, cia/emergência, equipes de unidades desencantado, fatigado, entediado, críticas (UTIs) e especialidades de confuso. Em geral, essas pessoas fioncologia, cardiologia, cirurgia geral, cam arredias a contatos, têm reações obstetrícia e pediatria. Entra em jogo iradas, frustrando-se com fatos cortambém o tempo de exposição aos riqueiros. “Um profissional que está fatores emocionais e ambientais que ‘burning out’ tende a criticar tudo e geram esse problema. Quanto mais todos que o cercam, incluindo a instempo se é bombardeado por situtituição onde trabalha, e reage com ações críticas e de altos índices de ceticismo em face de sugestões ou sofrimento, mais numerosos serão os tentativas de ajuda”, aponta Martins. fatores de agravamento. Nesses termos, o profissional Sebastiani avalia que a relação que está sofrendo de BO tem pouca com pacientes e familiares gera, fatalenergia para as diferentes solicitações mente, um “caminhão” de cobranças de seu trabalho, todos os dias. Basicadesenvolve uma es- Depoimento de residente: mente, são esperadas pécie de frieza e inquatro respostas posi“... mais difícil foi diferença para com tivas: que o problema as necessidades e o trabalhar com pacientes tenha cura, que seja insofrimento dos oudolor, que seja rápido e terminais, devido à tros, sente-se decepque não deixe seqüelas. cionado e frustrado impotência pelo fato de “Aí começa uma miríprofissionalmente, ade de fatores insalunão poder curar” com comprometibres no dia-a-dia desse (R1, masculino, Clínica Médica). mento da auto-esprofissional. Ele está tima. “Freqüentelidando com a morte, a mente seus colegas e família mantêm impotência, o medo, a frustração, a uma espécie de conspiração do silênansiedade e a angústia de pacientes e cio, acreditando no mito de que méde familiares”, diz o psicólogo. dicos deveriam ser capazes de curar a si próprios”, declara Martins. Formação e residência De fato, há uma incidência sigConcentrando-se no aspecto nificativa de BO em indivíduos cujo pessoal dos fatores de incidência do exercício da profissão implica em BO, Ricardo Sebastiani localiza na uma relação intensa com o ser humaformação dois grandes problemas: no, alta responsabilidade e tomadas a ênfase no modelo biomédico, que de decisão críticas. De acordo com contempla o paradigma de curar e a o psicólogo Ricardo Sebastiani, que visão de que ser médico é estar acima freqüentemente apresenta palestras do bem e do mal, ser mais que humasobre o tema, as categorias mais afeno; e a falta de espaço para discutir tadas pelo mal seriam, em primeiro os limites e promover o autoconhelugar, os profissionais da saúde e cimento do profissional/estudante. É professores; em segundo, os policiais assim que tem início a relação de onie pessoas que trabalham com o respotência (o profissional sempre terá gate, como bombeiros; e, depois, os êxito na cura) x impotência (quando não há mais nada a ser feito e o paciente piora ou falece, o que traz a sensação de ter fracassado). O especialista aponta como primeiro passo para a diminuição do burnout a mudança nas regras da formação, introduzindo nos currículos questões que contemplem os dois paradoxos: o cuidar em substituição ao salvar; e o biopsicossocial em substituição ao biomédico. “Ao mesmo tempo, é preciso vencer resistências e a primeira delas vem do próprio médico, que, em geral, se recusa a aceitar que pode estar enfrentando um distúrbio emocional”, diz. “Ele precisa aprender a manejar, com relaxamento, arte, lazer, enfim, abrir um ferramental a partir da consciência. É o que chamamos de ‘cuidados com o cuidador’, a prevenção como salvaguarda”, diz Sebastiani. Considerado um período estressante, a residência médica foi o tema da tese de doutorado de Luiz Antonio Martins. O trabalho resultou no livro Residência médica, estresse e crescimento, lançado em 1994, e na criação, dois anos depois, do Napreme – Núcleo de Assistência e Pesquisa em Residência Médica. “É um serviço pioneiro no Brasil e houve uma grande procura espontânea dos alunos. Atualmente, ampliamos para cerca de três mil pós-graduandos atendidos. Além disso, introduzimos um curso no 5º ano da graduação para tratar desses sofrimentos psíquicos e estresse psicológico na formação e no exercício profissional”, informa. Mudanças institucionais É do conhecimento de grande parte da população a crise no sistema de saúde pública do País, ainda que existam iniciativas do Ministério da Saúde para tentar reverter parte dos problemas, com ações voltadas à humanização dos serviços, mas que esbarram em questões institucionais, econômicas e políticas. Ainda assim, avalia Ricardo Sebastiani, esses programas não contemplam os profissionais, que, em última instância, são a principal referência dos usuários para classificação da qualidade dos hospitais e demais unidades de saúde. “Em momento algum as propostas são pensadas para o agente de saúde, 14 Saúde Paulista SP17p12-17.indd 14 7/12/06 8:20:46 PM para o sujeito que deveria ser o prinMais qualidade, menos estresse cipal foco dessa humanização. Como O complexo Unifesp/SPDM vem resolver esse dilema se ele se sente investindo em programas de saúde tratado de forma desumana?”, quesmental e qualidade de vida para seus tiona. É fato que a maioria desses protrabalhadores, sejam eles servidores fefissionais trabalha no esquema 12/36 derais concursados ou aqueles contrahoras e que muitos tados pela instituição. têm dois empregos. Depoimento de residente: Desde 2004, o ProExige-se que a maior grama Pró-Qualidade “... difíceis foram as parte dos profissionais de Vida (PQV) tem tenha conhecimento implementado ações situações onde criei de equipamentos, de junto aos diversos púvínculo afetivo e tecnologia, mas pratiblicos da instituição camente não existem inevitavelmente ‘assumi’ – servidores, funcioverbas, espaço, diálogo terceirizados, o sofrimento dos pais nários, e iniciativas para proalunos, clientes, for(me colocando no lugar necedores, comunimover a capacitação. Esse cenário pleno deles) e as crianças em dade do entorno do de limitações traz prescampus –, considesão intensa ao profis- questão vieram a falecer rando suas demansional da saúde – já foi ou tinham diagnóstico e das e desenvolvendo detectada maior incique visem prognósticos fechados” atividades dência de BO em promelhorar a qualida(R2, feminino, Pediatria). fissionais vinculados à de de vida e buscar a saúde pública. Nesse qualidade total dos ambiente, o indivíduo serviços prestados está infinitamente mais exposto às Cristina Capobianco, psicóloga mazelas do dia-a-dia, como a falta e coordenadora do PQV, revela que de remédios, de leitos e até mesmo uma das mais recentes iniciativas a presença de conflitos pessoais que, nesse sentido está na série de levanem absoluto, não deveriam afetar o tamentos sobre as necessidades da médico, mas afetam. Exemplo? Lidar comunidade, uma proposta do dicom a impotência de querer tratar retor administrativo do Hospital São pessoas que sequer podem ir a um Paulo, Ulysses Fagundes. hospital por falta de dinheiro para De acordo com Cristina, foi realitomar um ônibus. “Se você tem 25 zado um levantamento em diferentes candidatos para cada leito de UTI áreas do hospital, iniciando pelo Núdisponível na cidade de São Paulo, é cleo de Atendimento aos Servidores o médico quem decide essa loteria. e Funcionários (Nasf), por ser o “local Sempre são pacientes graves, mas onde uma equipe de saúde cuida de o médico praticamente assina uma outras equipes de saúde”; depois a sentença de morte”, diz Sebastiani. área Operacional – incluindo o setor de Nutrição e a Divisão de Serviços Operacionais (DSO); e as chefias. Nesses levantamentos, o principal foco foi avaliar o clima organizacional, saber o que é qualidade de vida na visão dos entrevistados e os caminhos que poderiam melhorar esse aspecto para cada um dos participantes. Não foi surpresa perceber que algumas das respostas mais freqüentes estiveram relacionadas a dificuldades de relacionamento com colegas, com chefias e com o ambiente em si. A proposta de solução para isso também foi quase uma unanimidade: a capacitação é uma das principais ferramentas para melhorar a qualidade de vida. Com esses dados em mãos, foi possível partir para a ação. No Nasf, para combater o grave problema da “informalidade na gestão”, a solução foi abrir treinamentos e cursos de capacitação. No Setor de Nutrição, a resposta para os entraves veio na forma de gestão dos problemas cotidianos, que criavam pequenos e grandes transtornos no ambiente, e na adoção de programas de ginástica laboral e orientação nutricional para combater um índice considerável de obesidade e doenças. Na área da chefia, percebeu-se a dificuldade de amparo para lidar com os funcionários. Faltava também um processo de qualificação das lideranças para exercer melhor esse papel, que veio com os cursos “Planejamento estratégico” e “Liderança”, realizados em parceria com a empresa de consultoria Integração. Na Unifesp, lazer e cultura aliviam tensão do trabalho Unifesp 15 SP17p12-17.indd 15 7/12/06 8:20:47 PM capa Capa h Programa Pró-Qualidade de Vida promove ações para valorizar trabalhadores e melhorar a auto-estima O PQV, em parceria com a Diretoria Administrativa do Hospital São Paulo, implantou um programa de ginástica laboral, duas vezes por semana. Atualmente, esta atividade está em andamento na Central de Nutrição e Dietética (CND) com planejamento de ampliação para a Farmácia e a Central de Processamento de Roupas (CPR). Além destas atividades setoriais, o PQV oferece à comunidade aulas de yoga, judô (para crianças e adolescentes), dança do ventre, samba rock e capoeira. “Em algumas áreas, temos um alto índice de sedentarismo. De forma a combater este problema, criamos, em parceria com a Diretoria Financeira da SPDM, o Projeto Agita Unifesp na Dose Certa, que reúne corredores e caminhantes, com alternativas de horários para que os funcionários possam sair para andar com um educador físico no Parque do Ibirapuera três vezes por semana”, afirma Cristina Capobianco. Outra ação é o Programa de Álcool e Drogas (PAD), que dá atenção integral aos usuários desse tipo de substância desde 2004. Reestruturado pela equipe do PQV, o serviço agora contempla um trabalho de promoção e contato com as chefias, buscando a sensibilização para os problemas dos funcionários. Além disso, o PQV se preocupa em oferecer outros benefícios aos colaboradores, como descontos em instituições de educação, serviços e lazer. Mais recentemente, o comAtenção psicológica plexo Unifesp/Hospital São Paulo A área de saúde mental do Núcleo lançou o Programa de Auxílio Educade Assistência à Saúde do Funcionário cional (PAE), que firma parcerias com (Nasf) oferece atendimento psicológico instituições de ensino para oferecer individual e em grupo a todos os intedescontos em cursos, para servidoressados. Atualmente, cerca de 200 pesres, funcionários e seus dependentes. soas participam semanalmente desses Cristina lembra que, desde 2004, grupos – estendidos a cônjuges e filhos vêm sendo realizadas palestras sobre dos trabalhadores – sob orientação de qualidade de vida dentro dos cursos de cinco psicólogas. Entre as queixas mais capacitação, com temas como Saúde freqüentes relacionadas ao trabalho Mental – em parceria com o Deparestão as dificuldades no contato direto tamento de Psiquiatria, abordando com pacientes e seus familiares, pesquestões como depressão, ansiedade, soas momentaneamente fragilizadas burnout, relações humanas no trabaou submetidas a pressão extrema, que lho, estresse pós-traumático, psicossodescontam sua frustração sobre os promatização, hipocondria, paternidade, fissionais da saúde. O serviço garante, alcoolismo e dependência química –; ainda, um atendimento especializado a Atividade Física (com funcionários que enfrentem o programa Agita Uniproblemas com drogas e alDepoimento de fesp); e Violência no coolismo. Ambiente de Trabalho, A equipe de psicólogas residente: mostrando como lidar realiza um trabalho focado “... falhas minhas com reações angusno sujeito, na sua singulatiantes e estabelecer ridade, trabalhando além podem custar melhor relacionamen- vidas ou prejudicar dos sintomas inicialmente to com seus colegas de apresentados. Para participar trabalho. “Os gestores pessoas com seqüelas não é necessário encaminhaprecisam saber da immento médico; basta apenas importantes” portância de reuniões vencer as resistências internas (R1, feminino, Cirurgia Geral). semanais para resolver suscitadas por um trabalho conflitos; precisam fadesse tipo, bem como pelos zer circular a palavra. Sei que não é de próprios preconceitos que existem. Os um dia para outro que as coisas vão benefícios, porém, são imediatos – é um mudar, são anos e anos dentro de um espaço no qual todos podem falar e ser modelo de gestão. Mas é importante ouvidos, dando um sentido de amparo sugerir mudanças e apresentar solue de organização de si mesmo, em que ções”, conclui Cristina Capobianco. se pode nomear o desconforto. 16 Saúde Paulista SP17p12-17.indd 16 7/12/06 8:20:49 PM A psicóloga Regina Célia de Carvalho é responsável pelo Centro de Referência da Infância e da Família (CRIF), que atende filhos de servidores e funcionários com até 11 anos de idade, intervindo por meio de ações que assegurem o desenvolvimento máximo de suas potencialidades, atendendo atualmente, em média, 30 crianças. Os filhos na faixa etária de 11 a 21 anos recebem atendimento psicológico no Centro de Referência do Adolescente e do Jovem (CRAJ), sob responsabilidade da também psicóloga Jaqueline Pinto Cardoso. Depoimento de residente: “... em GO o que é muito estressante é ter que tomar decisões imediatas em circunstâncias que envolvem duas vidas [mãe e feto] e estas decisões [condutas] podem ser acertadas ou não e freqüentemente irreversíveis...” (R2, masculino, GO). A proposta de trabalho do CRIJ e do CRAJ envolve atendimentos psicológicos diversos, como psicoterapia de crianças e adolescentes, orientação aos pais, psicoterapia de casais e de família, além de avaliações psicológicas. Também utilizam como ferramentas de intervenção outros meios de expressão, como a arte e o esporte, que ampliam a atenção a saúde. Focadas no trabalho com os grupos de adultos – sejam profissionais da saúde ou seus familiares – as psicólogas Nádia Pacheco e Dulce Dedino têm uma experiência mais próxima com a Síndrome de Burnout. Seu trabalho considera cada pessoa como um sujeito único, ou seja, enquanto uma rede complexa de diferenciação e produções e não apenas como “sintomas” ou “transtornos” que se apresentam para serem “curados” ou “suprimidos”. Juntas, atendem cerca de cem pessoas por semana. “Os nossos cuidados levam em conta a complexidade do viver. Uma complexidade di- ferenciadora, viabilizadora de modos singulares de estar no mundo e que podem ser potencializados por diferentes dispositivos de atenção e trabalho. Por isso, além da psicoterapia, usamos recursos artísticos e culturais”, esclarece Dulce Dedino. Cuidando da equipe Preocupados com o agravamento dos problemas de estresse, alguns setores do HSP passaram a dedicar a seus funcionários uma atenção similar à dispensada aos pacientes. O Setor de Obstetrícia oferece sessões semanais de acupuntura, relaxamento, meditação e fisioterapia, ministradas por especialistas voluntários. “Em uma unidade que se dedica exclusivamente a casos de gravidez de risco, os problemas são muitos. É uma angústia para o médico ter que informar a paciente quando ela perde a criança. Ao longo do tempo, com a repetição desse fato, a pessoa acaba entrando em confronto. Os sintomas mais notados são depressão e uma certa sensação de ‘incompetência’ por parte do profissional”, diz a médica Mary Uchiyama Nakamura, chefe do Departamento de Obstetrícia. O trabalho de prevenção ao BO e estresse começou em agosto de 2005 e atualmente envolve 10% a 20% do total de profissionais. Enfermeiros e auxiliares de enfermagem são os principais participantes de um programa realizado por uma equipe multiprofissional, que oferece sessões de acupuntura e medicina antroposófica, fisioterapia, relaxamento e meditação. Mary explica que a intenção desse grupo não é apenas oferecer um trabalho terapêutico, mas também trazer informações, a partir de um programa trimestral de palestras aberto a qualquer pessoa interessada. Nesses encontros, são abordados temas como o BO, administração do tempo e marketing pessoal. “Em um desses encontros, trouxemos uma equipe de médicos-palhaços, o que contribuiu para tirar o estresse, trazer leveza para a vida dessas pessoas. Nos participantes mais assíduos dos tratamentos percebo diferenças. Uma das pessoas, que tem Síndrome do Pânico, já está em condições de realizar trabalhos que antes não conseguia”, comemora. 7 estímulos emocionais que podem provocar a Síndrome de Burnout: 1. Contato íntimo e freqüente com a dor e o sofrimento; 2. Lidar com a intimidade corporal e emocional; 3. Contato íntimo e freqüente com a perspectiva de morte e com o morrer; 4. Lidar com enfermos difíceis – queixosos, rebeldes e não aderentes ao tratamento, agressivos, hostis, reivindicadores, autodestrutivos, cronicamente deprimidos; 5. Lidar com as incertezas e limitações do conhecimento técnico que se contrapõe às demandas e expectativas dos enfermos que desejam certezas e garantias em: cura, rapidez, indolor, sem seqüelas; 6. Enfrentar um contexto de trabalho paradoxal: alta demanda x poucos recursos materiais e humanos; 7. Alto índice de exigências e ansiedades depositadas no profissional pela sociedade, enfermo, família, colegas, instituição e ele mesmo. Unifesp 17 SP17p12-17.indd 17 7/12/06 8:20:51 PM novidades Novidades Para vencer a escuridão Oftalmologia da Unifesp alia-se a ONGs para encarar um desafio: erradicar, até 2020, toda forma de cegueira evitável. Texto: Ana Cristina Cocolo Fotos: Stela Murgel Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) revelam, assustadoramente, que, a cada ano, cerca de 500 mil novos casos de cegueira infantil somam-se a 1,5 milhão já existentes no mundo. Um número que só não é maior por conta de outra estatística estarrecedora: entre 70% e 80% dessas crianças morrem durante os primeiros anos de vida, em conseqüência de doenças associadas ao seu comprometimento visual. Para mudar esse panorama, países do mundo todo estão se unindo à organizações sem fins lucrativos que atuam na luta contra essa “escuridão”, em um projeto conduzido pela OMS e pela Agência Internacional de Prevenção à Cegueira (IAPB) que pretende erradicar, até 2020, um problema que é prevenível ou tratável em 80% a 90% dos casos. Há mais de 20 anos a Unifesp vem focando as doenças que comprometem a visão, não apenas em crianças, como também em idosos. Pioneiro nesse tipo de assistência no País, o Ambulatório de Retinopatia da Prematuridade, hoje chamado de Ambulatório de Recém-nascidos, foi criado em 1985, sob a coordenação de Nilva Moraes, chefe do Setor de Retina e Vítreo do Departamento de Oftalmologia. De lá para cá, o Hospital São Paulo não registrou mais nenhum caso de cegueira em decorrência desse problema. Na mira da OMS, a retinopatia da prematuridade é uma das doenças oculares que encabeçam a luta contra a cegueira infantil e que foi amplamente discutida no I Fórum de Organizações Não-Governamentais sobre Visão e Prevenção da Cegueira, reunião que abriu o 1º Congresso Mundial de Oftalmologia, realizado em fevereiro, em São Paulo. 18 Saúde Paulista SP17p18-29.indd 18 7/10/06 6:17:55 PM Parcerias que dão certo Com os mutirões, a Unifesp já atendeu cerca de 235 mil pessoas desde 1997 Problema que acomete a formação dos vasos sanguíneos da retina de recém-nascidos prematuros, a retinopatia da prematuridade pode levar à cegueira irreversível se não for diagnosticada e tratada precocemente. “Os vasos sangüíneos que irrigam a retina só terminam de se desenvolver quando o bebê completa 40 semanas de gestação”, explica Nilva. “Quanto mais prematura a criança, em especial antes de 32 semanas ou peso inferior a 1.500 gramas, mais aumenta a probabilidade de alterações e risco de hemorragia, tração e descolamento da retina”. Níveis de oxigênio mal administrados nas incubadoras, transfusões sangüíneas e infecções são outros fatores de risco que podem desencadear o problema. É nessa hora que entra a importância da atuação multidisciplinar, com a participação dos oftalmologistas nos berçários de prematuros. Semanalmente, profissionais da Unifesp realizam exames específicos nos bebês internados no Hospital São Paulo e, caso diagnosticada a retinopatia, o tratamento de cauterização a laser da retina é feito imediatamente. Apesar de o ambulatório dispor da tecnologia do laser há apenas 12 anos, a conduta que antecedeu seu uso – o congelamento da retina ou crioterapia – também foi eficaz e garantiu resultados semelhantes aos de países de Primeiro Mundo. De acordo com a oftalmologista, de cinco anos para cá, as autoridades estão se conscientizando que, apesar de estarmos no século 21, ainda temos crianças cegas pela retinopatia por falta de assistência adequada. “Nos últimos dois anos, recebemos cerca de 30 crianças cegas pelo problema, encaminhadas por outros serviços”, afirma. “Esse número é muito alto, se considerarmos que elas serão cegas pelo resto da vida”, analisa Nilva. Além da forte ligação com ONGs, a Unifesp também acredita na responsabilidade social e na cidadania. Voluntariamente, profissionais do Departamento de Oftalmologia ajudam no diagnóstico precoce da retinopatia da prematuridade visitando UTIs neonatais de algumas maternidades públicas da cidade de São Paulo e da Grande São Paulo, encaminhando a criança ao serviço da universidade, quando necessário. Paulo Henrique Morales, coordenador médico dos mutirões que a Unifesp realiza para tratar de forma ambulatorial problemas visuais como a catarata, explica que, em países subdesenvolvidos, geralmente o neonato não sobrevive, mas que a América Latina está exatamente na transição. “Ela tem o método para o neonato sobreviver, mas ainda não aplicou toda a tecnologia necessária para que a criança sobreviva sem seqüelas que comprometam sua qualidade de vida”, afirma. “São técnicas relativamente simples. E é aí que entra a importância das ONGs na saúde, não apenas ocular, mas geral da população”. De acordo com Morales, várias ONGs realizam encontros anuais com oftalmologistas para levar informação e novas metodologias de prevenção e diagnóstico para a população e, assim, ajudar a mudar a realidade de cada local. “Com isso, as maternidades do País inteiro uniformizam o diagnóstico, a conduta e o seguimento de cada doença ocular de forma consensual, pois acreditam no resultado do trabalho que está sendo realizado”, diz. Uma das conquistas que exemplificam o sucesso desses encontros anuais e parcerias foi a criação, há dois anos, de uma lei municipal em São Paulo que obriga as maternidades a realizarem o teste do reflexo vermelho no recémnascido. Esse exame é essencial para diagnosticar precocemente tanto a catarata congênita – principal causa de cegueira na infância –, quanto o glaucoma congênito. Ao contrário da catarata, o glaucoma, se não diagnosticado e tratado precocemente, pode levar à cegueira irreversível. Dentro da prioridade da OMS de combater a cegueira infantil, que inclui a correção de problemas oculares pelo uso de óculos, há três anos a organização não-governamental Lions Club International, com apoio da iniciativa privada, criou o projeto “Visão para Crianças”. Implantado inicialmente na Ásia, o projeto chegou em 2006 ao Brasil e a Unifesp está incumbida de adequar o método à realidade brasileira e da América Latina. No dia 6 de maio, em homeUnifesp 19 SP17p18-29.indd 19 7/10/06 6:18:00 PM oftalmologia Oftalmologia Projeto “Visão para crianças” está sendo implantado em todo o Brasil, com ajuda da Unifesp nagem ao Dia do Oftalmologista, ocorreu o primeiro atendimento do projeto, no Hospital Alípio Correia Neto, na zona leste da cidade. O planejamento é assistir cerca de 30 mil crianças, realizando exames oftalmológicos e doação de óculos. “Com esse trabalho, além de conhecer os erros refrativos de crianças matriculadas no ensino fundamental, distribuir óculos e dar assistência direta, também pretendemos capacitar outras equipes com uma metodologia que possa ser reproduzida pelo SUS ou por ONGs”, afirma Morales. Desde 1997 a Unifesp também contabiliza a realização de 59 mutirões para o tratamento de várias doenças oftalmológicas, nos quais foram atendidas cerca de 235 mil pessoas. Os resultados favoráveis de parcerias com ONGs em projetos sociais em todo o mundo levaram o Banco Mundial, um dos principais financiadores desse tipo de trabalho, a aplicar, atualmente, 54% de seus recursos em projetos ligados a essas organizações. No Brasil, as ONGs surgiram entre as décadas de 60 e 80, ligadas aos movimentos populares e sindicais, para amenizar problemas nas áreas da saúde, moradia e educação que atingiam os menos favorecidos. O chamado Terceiro Setor cresceu e, atualmente, favorece 12 milhões de pessoas no País. Uma pesquisa feita em 2000 com as 400 maiores entidades desse setor no país apontou que quase R$ 2 milhões foram investidos pelas ONGs naquele ano, empregando 87 mil funcionários e tendo, como voluntários, 400 mil pessoas. Catarata e diabetes Apesar de ambicioso, o objetivo do Projeto 2020 – cujo nome também é referência à visão 20x20, considerada ideal em oftalmologia – da OMS de erradicar a ce- gueira daqui a 14 anos é possível. Mais que isso, para Paulo Henrique Morales, é algo necessário. “Isso não significa que até 2.020 não existirão mais cegos, por exemplo, por catarata, pois a doença não vai deixar de existir”, explica. “Mas o que se pretende é fazer com que uma cegueira recuperável retroceda num curto espaço de tempo”. A mesma opinião é compartilhada por Rubens Belfort Jr., professor titular do Departamento de Oftalmologia da Unifesp e presidente do último Congresso Mundial. De acordo com ele, o que mais incomoda é que entre 80% e 90% dos casos de cegueira são evitáveis com tratamento. “O que a OMS está tentando mostrar é que para resolver esse problema mundial é preciso dar óculos à população, tratar a catarata e controlar o diabetes”, diz. Responsável pela opacidade do cristalino do olho, a catarata origina 50% dos casos tratáveis de cegueira. Segundo estimativas da OMS, entre 12 e 15 milhões de pessoas estão cegas no mundo todo devido a essa doença. Cerca de 500 mil novos casos de catarata são registrados por ano na África. Desses, somente um a cada dez portadores chega a ser operado. Na Índia, o panorama é ainda pior. Oitenta por cento dos cegos sofrem desse mal, com mais de 3,8 milhões de novos casos reportados anualmente. No Brasil, a cada ano, 240 mil pessoas desenvolvem o problema. O diabetes é outra doença que está na mira da OMS para conter a cegueira no mundo. Uma das complicações crônicas mais freqüentes da doença é a retinopatia diabética, que provoca alterações vasculares no olho, lesionando a retina e ocasionando a perda da acuidade visual. Dados mundiais da Organização PanAmericana de Saúde (OPAS) mostram que 171 milhões de pessoas têm diabetes e que este quadro deve dobrar em 2030. Só nos países em desenvolvimento, o número de portadores deverá aumentar 150% nos próximos 25 anos. Esse crescimento global, ainda segundo a OPAS, ocorrerá devido ao envelhecimento e ao crescimento da população. A obesidade e o sedentarismo também contribuirão para esse quadro. Belfort explica que cerca de 10% dos portadores de diabetes correm o risco de perder a visão por conta da doença. Entretanto, exames de rotina, como o de fundo do olho, podem detectar precocemente as anormalidades e indicar o tratamento, geralmente, com laser. Outras doenças como glaucoma, perda de visão por traumas – em geral ocasionados por acidentes domésticos com objetos perfurocortantes ou com produtos químicos e acidentes automobilísticos – e maus-tratos na infância também colaboram para ampliar os números da cegueira mundial. A violência contra os pequenos surge com a chamada Síndrome dos MausTratos e a Síndrome da Criança Chacoalhada. Outros tipos de abusos, como queimaduras oculares ocasionadas por cigarros e traumas oculares causados quando crianças são jogadas contra paredes também acarretam seqüelas irreversíveis, com sangramento intra-ocular e perda da visão causada pela secção do nervo após um traumatismo craniano. “Na Síndrome da Criança Chacoalhada, que geralmente atinge crianças antes do primeiro ano de vida, a violência do movimento da cabeça para frente e para trás faz com que ocorra o desprendimento de estruturas oculares”, afirma Nilva. “O chacoalhão também pode ocasionar sangramentos intracranianos graves”. Muitas vezes, explica a oftalmologista, o exame ocular faz o primeiro diagnóstico de maus-tratos na infância. Segundo ela, as histórias de que o bebê caiu da escada ou que tropeçou no tapete, contadas pelas pessoas que levam essas crianças ao médico, nem sempre se encaixam com as lesões encontradas. “É nessa hora que entra a obrigação do médico de denunciar, mesmo que anonimamente, o ocorrido aos órgãos competentes, para que haja investigação e punição, se confirmado o fato”, conclui a especialista. • Anualmente, cerca de 500 mil crianças ficam cegas no mundo. • Entre 70% e 80% delas morrem durante os primeiros anos de vida em conseqüência de doenças associadas a seu comprometimento visual. • Em 1992, o número de cegos menores de 16 anos no mundo era de 1,5 milhão. Destes, 90% viviam em países em desenvolvimento. • Atualmente, 60% das causas de cegueira ou comprometimento visual severo na infância são preveníveis ou tratáveis. • A OMS adotou, desde 1996, o conceito de anos de cegueira multiplicando o número de cegos no mundo pelo número de anos que a pessoa vive sem enxergar. • O Projeto da OMS pretende reduzir, até 2020, o número de pessoas cegas no mundo de 45 milhões para 25 milhões. Se nada for feito até essa data, estimase que esse número atinja a marca de 75 milhões de pessoas cegas ou com comprometimento visual grave. • 75% de todos os casos de cegueira no mundo são encontrados na África e Ásia. 20 Saúde Paulista SP17p18-29.indd 20 7/10/06 6:18:05 PM Congresso Mundial apresentou poucas novidades “Nem tudo o que reluz é ouro”. A advertência é dada pelo próprio presidente do Congresso Mundial de Oftalmologia. “Muitas coisas são apresentadas de uma forma que promete solucionar inúmeros problemas, mas na maioria das vezes é puro marketing, criando uma falsa expectativa nas pessoas”, afirma Rubens Belfort Jr. Apesar de a oftalmologia ser uma das áreas que mais se desenvolveu nos últimos anos, não apenas com relação a métodos diagnósticos, mas também a tratamentos, Belfort avalia que no evento mundial não foi apresentado nenhum produto, técnica ou pesquisa que se sobressaia muito ao que já existe atualmente. O docente explica que a grande explosão de conhecimento na área ocorreu nos últimos quatro anos, com o início do tratamento da degeneração macular senil, hoje chamada de doença macular relacionada à idade (DMRI). Deterioração grave da retina do olho, essa doença surge, principalmente, após os 60 anos de idade. “Temos trabalhos realizados na Unifesp mostrando que 40% dos pacientes com mais de 70 anos, moradores da região de Vila Clementino, tinham o problema”, afirma o oftalmologista. Até 2005, estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontavam que cerca de 20% dos 185 milhões de brasileiros tinham mais de 55 anos. Com base nesses dados e em estudos da literatura internacional, Marcos Ávila, chefe do serviço de Oftalmologia da Universidade Federal de Goiás, realizou um cálculo que estima que 14% desse grupo, aproximadamente cinco milhões de brasileiros, tenham DMRI em pelo menos um dos olhos e cerca de 500 a 800 mil deverão desenvolver a forma mais grave da doença até 2010. A novidade nessa área foi o surgimento de drogas que podiam ser injetadas diretamente nos olhos para conter a doença. O problema, entretanto, era o custo. Há cerca de um ano, uma nova porta se abriu, revolucionando o tratamento nos EUA. Estudos mostraram que pequenas doses de uma substância, utilizada para conter metástases de câncer de pulmão e intestino, trouxe resultados surpreendentes e, o melhor, a um custo muito baixo. Apesar de a droga ainda não estar disponível no Brasil, a Unifesp importa a medicação. Atualmente, cerca de 300 pacientes já foram beneficiados, com resultados altamente satisfatórios. Outro assunto muito discutido no congresso foi o desenvolvimento de ge- néricos no Brasil – único país da América Latina que dispõe desse tipo de medicamento – a um custo muito baixo para a população, principalmente para o tratamento do glaucoma. Já para tipos mais severos da doença, uma nova técnica desenvolvida na Unifesp, o ciclotubo, tem mostrado resultados animadores. A introdução de um tubo minúsculo no globo ocular é capaz de drenar o excesso de líquido do seu interior, responsável pelo aumento da pressão intra-ocular. Uma substância que também está sendo muito explorada na oftalmologia é a toxina botulínica, o botox. A droga, capaz de reduzir rugas ao redor dos olhos, também corrige alguns casos de estrabismo e de espasmo ocular. Na área de diagnóstico, a ênfase foi dada a um novo aparelho, desenvolvido por Jarbas de Castro, físico da Universidade de São Paulo (USP), que é capaz de mostrar com maior precisão os defeitos no sistema óptico que impedem uma visão perfeita. Longe do “olho biônico” Para a diminuição da capacidade do olho de focalizar imagens de perto em decorrência da idade, a chamada “vista cansada” ou presbiopia, Belfort ressalta que ainda não existe outro tipo de tratamento que não o uso de óculos ou lentes de contato bifocais. “O congresso também mostrou que não temos nenhuma novidade com relação às cirurgias refrativas”, diz. “Esses lasers que prometem uma ‘super visão’ mostraram, na prática, que não funcionam tão bem quanto o esperado”. O presidente do congresso desmistificou o uso de vitaminas como forma de evitar a cegueira. De acordo com ele, uma pesquisa realizada nos EUA mostrou que, para pessoas com drusas moles – espécie de rugas na retina que favorecem o desenvolvimento de degeneração macular –, a suplementação de algumas vitaminas como a C e a E foram capazes de diminuir as chances de perder a visão. “Entretanto, isso não vale para todo mundo, mas sim para um seleto grupo de menos de 0,5% dos idosos que apresentam o problema”, afirma. Quem buscava novidades como o “olho biônico”, uma espécie de prótese que tem como intuito devolver aos indivíduos cegos a capacidade de enxergar, vai ter que esperar, e muito, para que a técnica se torne realmente viável. Paulo Schor, chefe do Setor de Bioengenharia do Departamento de Oftalmologia da Unifesp, aponta o peso como um dos problemas dessa prótese. “A retina não suporta o peso do chip e acaba tendo suas células comprometidas”, explica. “Além disso, o máximo que conseguimos até agora com ela foi a visualização de alguns pontos, como, por exemplo, a noção de que existe um objeto no ambiente ou se o mesmo está claro ou escuro”. Rubens Belfort: “Cerca de 40% dos idosos da Vila Clementino têm degeneração grave da retina” Como conservar a visão Rubens Belfort Jr., que também é membro do Conselho Internacional de Oftalmologia, dá algumas dicas para tentar chegar à terceira idade com uma visão de qualidade: • Lembre-se dela sempre. É muito comum as pessoas só perceberem que estão perdendo a visão quando o segundo olho já está acometido por algum problema. • Tape, periodicamente, um olho e depois o outro para verificar alguma alteração da acuidade visual, como vista embaçada ou embaralhada e o alinhamento de letras e linhas. O procedimento é simples e pode indicar até mesmo o aparecimento de uma doença grave. • Acima dos 40 anos de idade, vá ao oftalmologista periodicamente para medir a pressão ocular. • Tenha o bom senso de evitar acidentes. Não dirija sem o uso de cinto de segurança; mantenha instrumentos perfurantes ou pontiagudos, fogos de artifícios e produtos químicos longe do alcance de crianças. • Nunca se automedique. O uso indevido de colírios pode camuflar ou piorar um problema ocular. • Percebendo qualquer alteração da acuidade visual, vermelhidão ou desconforto ocular, procure um médico. • Exija, acima de tudo, assistência médica de qualidade, seja ela pública ou privada. Unifesp 21 SP17p18-29.indd 21 7/10/06 6:18:08 PM assistência Assistência ELA: a vitória d Mais do que aprender a conviver com a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), o foco do paciente deve estar em melhorar sua qualidade de vida. Uma batalha diária, compartilhada com profissionais da saúde, familiares e cuidadores. Texto: Ana Cristina Cocolo Fotos: Stela Murgel e divulgação Novembro de 2004. O executivo de um grande banco do país começa a perder a força na mão direita. Procura um ortopedista achando que pudesse se tratar de um problema muito comum em quem trabalha com computadores: a tendinite. Após algumas tentativas de tratamento e piora dos sintomas, A.N.F., 54 anos, é encaminhado a um neurologista. Diagnóstico: Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Assim como A.N.F., a maioria dos portadores de ELA – uma doença neurodegenerativa que afeta os neurônios motores, com progressão rápida e sem perspectiva de cura – começam a apresentar sintomas que incluem cãibras, tremores nos membros, fraqueza muscular e atrofia. Apesar de sua evolução comprometer as funções vocais e respiratórias, as capacidades psíquicas e mentais permanecem intactas e todos os sentidos são preservados. Acary Souza Bulle Oliveira, chefe do Setor de Investigações de Doenças Neuromusculares da Disciplina de Neurologia da Unifesp, explica que a ELA não é somente uma doença do indivíduo, mas também da família e, sobretudo, do cuidador. “A velocidade e a piora progressiva da doença fazem com que o estresse psicológico e emocional seja vivenciado intensamente por todos”, afirma o neurologista. “Durante toda a evolução da doença, o cuidador tem sua vida alterada devido à necessidade de assumir várias funções, tanto sociais quanto jurídicas e terapêuticas. O acompanhamento e a retaguarda psicológica, além do atendimento multidisciplinar, assumem um papel importante para ajudar a administrar cada etapa da doença e as deficiências que se acumulam”. De acordo com Acary Oliveira, estima-se que já exista comprometimento de cerca de 50% dos neurônios motores quando os primeiros sintomas aparecem. Enquanto a ciência não encontra uma resposta para a cura da ELA, profissionais da saúde e entidades sem fins lucrativos buscam melhorar a qualidade de vida de seus portadores. É sob esse lema que o Ambulatório de Doenças Neuromusculares da Unifesp vem trabalhando desde 2000, quando criou o Ambulatório de Esclerose Lateral Amiotrófica e ampliou os serviços e as alternativas terapêuticas para essa doença, que leva o indivíduo a óbito num período entre três e cinco anos após o início dos sintomas. Além do acompanhamento médico, também são oferecidos no ambulatório serviços de supervisão de fisioterapia motora e respiratória, fonoaudiologia, acupuntura, orientação nutricional e psicológica e assistência social. Dos 350 atendimentos semanais realizados pelo Ambulatório de Doenças Neuromusculares da Unifesp, 35 são de portadores de ELA. Marco Antonio Chiéia, neurologista responsável pelo Ambulatório de 22 Saúde Paulista SP17p18-29.indd 22 7/10/06 6:18:17 PM a de cada dia SP17p18-29.indd 23 7/10/06 6:18:23 PM assistência Assistência Esclerose Lateral Amiotrófica, compara a assistência multidisciplinar prestada a esses pacientes na Unifesp à de países desenvolvidos. “Somos os únicos no estado de São Paulo a conseguir, por meio de uma parceria com a Secretaria de Estado da Saúde e o Instituto do Sono, fornecer o BiPAP, um ventilador mecânico pequeno e portátil para situações em que a insuficiência respiratória já se instalou”, explica. “Entretanto, mesmo com a necessidade do uso do ventilador ou da realização de uma traqueotomia, muitos indivíduos conseguem ter boa qualidade de vida e até manter a atividade profissional”. A.N.F é exemplo disso. Um ano e oito meses após o diagnóstico e já com dificuldades de locomoção e uso de ventilação mecânica, o executivo continua trabalhando e participando ativamente das reuniões na empresa. Para lidar com a angústia e os medos que a doença impõe, A.N.F. e sua família passaram a encará-la como qualquer outra doença incurável. “Aprendemos a viver o dia de hoje. Não pensamos no dia de amanhã”, afirma sua esposa M.E.N., de 51 anos. “A única esperança desses pacientes está nas pesquisas com células-tronco, mas infelizmente a burocracia e a falta de investimentos necessários por parte do governo emperram qualquer busca de cura”, reclama a esposa. Desde outubro de 2003, Luiz Eugênio Mello, pró-reitor de Graduação da Unifesp e professor do Departamento de Fisiologia, sente o drama imposto por burocracias para dar continuidade às pesquisas sobre ELA com ratos transgênicos. “Demora na liberação de verbas por parte de agências de fomento, greves no setor público que impedem o processo de importação e a enorme burocracia exigida pelos ministérios da Saúde e da Fazenda fazem com que os prazos dos papéis caduquem ou acabam matando os animais antes mesmo de chegarem a seu destino”, explica o pesquisador. Qualidade de vida Dizer a verdade, sem exageros e gradualmente. É assim que as informações devem ser transmitidas tanto para o paciente quanto para os familiares, segundo Chiéia. “Em nenhum momento é escondido o diagnóstico de uma doença degenerativa da qual ainda não se encontrou a cura”, diz. “Temos conseguido excelentes resultados com esses pacientes, fazendo-os Preservar ao máximo as funções motoras é fundamental entender que é mais fácil lutar para ter qualidade de vida, participando das oficinas de terapias e orientação multiprofissional oferecidas no ambulatório”. A percepção dos primeiros sintomas geralmente acontece em atividades simples do cotidiano, como abotoar uma blusa, virar uma chave na porta, escrever por um longo período. Já nessa fase, a terapia ocupacional indica mudanças ergonômicas e no mobiliário domiciliar, estimula o uso de órteses para prolongar a autonomia e prevenir deformidades e ensina técnicas de conservação de energia, para não sobrecarregar a musculatura. Outro trabalho importante realizado com os portadores de ELA é ajudar na manutenção da amplitude dos movimentos e do tônus muscular, para prevenir as complicações decorrentes da redução no uso de determinados músculos. “Indicamos a realização de exercícios de moderada e baixa resistência, sempre buscando evitar quadros de fadiga e dor, técnicas de relaxamento muscular, equilíbrio postural, alongamentos e massagem, além do encaminhamento desses pacientes para universidades e serviços especializados nesse tipo de terapia”, explica Martina Araújo Duran, chefe do Setor de Fisioterapia Motora do Ambulatório de Esclerose Lateral Amiotrófica da Unifesp. A qualidade e a eficácia dos exercícios realizados fora do ambulatório é monitorada a cada retorno do paciente. Os portadores de ELA atendidos na Unifesp também recebem orientação quanto a fisioterapia respiratória, com indicação de exercícios e acompanhamento do uso de ventilação mecânica, quando necessário. Como a atrofia e fraqueza da língua, lábios, músculos faciais, faringe e laringe afeta 80% dos portadores da doença e dificulta a expressão oral, a reabilitação fonoaudiológica tenta maximizar as habilidades de comunicação alternativa destes pacientes, já que a perda da voz é muitas vezes a causa do isolamento social. “Também tentamos minimizar o impacto da doença na deglutição”, afirma a fonoaudióloga Ana Lúcia Chiappetta. De acordo com Marco Chiéia, cerca de 60% dos pacientes perdem a capacidade de mastigação e deglutição, resultando em perda de peso, desidratação e complicações pulmonares. Para evitar a piora do quadro clínico, Patrícia Stanich, nutricionista do ambulatório, indica o suporte nutricional a esses pacientes quando há perda de 5% do peso habitual no último trimestre. Alterar a consistência alimentar é a conduta mais freqüentemente adotada, com oferta de alimentos pastosos, fracionamento das refeições e restri- 24 Saúde Paulista SP17p18-29.indd 24 7/10/06 6:18:33 PM ção de líquidos ralos. Aliviar as angústias e os medos que vão surgindo a cada fase da doença é uma ação imprescindível. O suporte psicológico é fornecido a partir do momento em que há suspeita do diagnóstico e a pessoa é encaminhada ao ambulatório de ELA. O atendimento ocorre de forma individualizada, tanto para o paciente como para os familiares e cuidadores, ou na forma de oficinas, em que são realizados trabalhos lúdicos, com a participação de todos os envolvidos. “Quando somos alertados do agravamento do quadro do paciente, nos reunimos com a família para tentar tornar o processo um pouco menos doloroso, se é que isso é possível”, afirma Ligia Masagão Vitali, responsável pelo Setor de Psicologia do ambulatório. Com a progressão da ELA, dificuldades financeiras podem surgir, devido ao afastamento do trabalho. Nesse momento, a atuação da Assistência Social visa facilitar o acesso a recursos materiais (cesta básica, fraldas descartáveis, cadeiras de rodas etc), financeiros (orientações previdenciárias, locomoção, entre outras) e humanos (tratamentos, exames e cuidados no domicílio) que atendam às necessidades dos pacientes e seus familiares. Mensalmente, a Unifesp realiza cerca de duzentos atendimentos desse tipo, para pacientes com diversas doenças incapacitantes tratadas no Ambulatório de Doenças Neuromusculares. “Dar suporte à família também é uma forma de tratar o paciente”, afirma Élica Fernandes, coordenadora voluntária do serviço social no ambulatório e coordenadora executiva e social da Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica (AbrELA). Uma doença a esclarecer Caracterizada por comprometimento dos neurônios do cérebro e da medula nervosa relacionados com a motricidade, a Esclerose Lateral Amiotrófica compromete duas vezes mais os homens que as mulheres. Os primeiros sintomas aparecem por volta dos 57 anos de idade, segundo estatísticas levantadas nos países desenvolvidos. Um estudo realizado em 1999, no Brasil, mostra que a doença se manifesta, em média, cinco anos antes por aqui e sua incidência é de 2,5 mil novos casos por ano. Os fatores que desencadeiam a doença ainda não estão totalmente esclarecidos pela ciência. Pesquisas, entretanto, mostram que em 5% a 10% dos casos a causa é genética. Porém, também há sinais de que a exposição a fatores como inflamações, agentes tóxicos ou atividade física excessiva funcionaria como um “gatilho” para o processo neurodegenerativo. A idade média dos primeiros sintomas, nesse caso, ocorre mais cedo, podendo, inclusive, aparecer no adolescente ou adulto jovem. Na outra forma, classificada como esporádica, não há nenhum fator isolado que seja fortemente associado, mas há indícios que seja uma síndrome decorrente de várias agressões ao sistema nervoso central. De acordo com o neurologista Acary Souza Bulle Oliveira, fundador e diretor administrativo da AbrELA, os homens manifestariam a doença mais freqüentemente, mas, “no período pós-menopausa, as mulheres começam a desenvolver o problema numa prevalência semelhante à do homem”, afirma. Abrahão Augusto Quadros, fisioterapeuta e presidente da AbrELA, destaca que um estudo realizado na cidade italiana de Turim mostrou uma estreita relação entre atividade física intensa e ELA. Dos cerca de mil jogadores de futebol analisados, 1,72% desenvolveram a doença. “A maior prevalência nos jogadores de futebol pode estar relacionada com os micro-traumas repetitivos na cabeça e nos músculos”, explica. “Esses micro-traumas liberam substâncias potencialmente tóxicas, que podem desencadear uma cascata de processos degenerativos e morte dos neurônios motores”, conclui Quadros. Apoio e tratamento Conheça alguns Institutos e ONGs que lutam para melhorar a qualidade de vida dos portadores de ELA e que buscam parceiros AbrELA – Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica A associação oferece gratuitamente informações e recursos que possibilitam melhor enfrentamento das situações que a doença traz. Site: www. tudosobreela.com.br, e-mail: [email protected], tel.: (0xx11) 5579-2668 Instituto Pro Bono O instituto presta serviços gratuitos de advocacia para garantir os direitos de assistência e tratamento médico necessários. Site: www.institutoprobono.org.br, faleconosco@in stitutoprobono.org br, tel.: (0xx11) 3889-9070. Projeto Verde Vida Saúde Promove atividades recreativas, lúdicas e de autoconhecimento dentro do Ambulatório de Doenças Neuromusculares da Unifesp, transformando o tempo ocioso de pacientes e cuidadores em uma oportunidade de reflexão sobre a vida. Também oferece cursos de empreendedorismo e saúde e busca voluntários. Informações no tel.: (0xx11) 5579-4902. Ambulatório oferece atendimento multidisciplinar e orientação no cuidado ao paciente Projeto Apoiar Promove apoio emocional domiciliar a portadores, familiares e cuidadores, além de intervenções terapêuticas pontuais numa segunda fase. O projeto, que também busca parcerias com outras instituições, tem o apoio da AbrELA e é ligado ao Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP. Informações no tel.: (0xx11) 3064-3876 Unifesp 25 SP17p18-29.indd 25 7/10/06 6:18:41 PM humanização Humanização U m hospital mais acolhedor Multiplicam-se no Hospital São Paulo iniciativas que tornam o ambiente mais suave e contribuem para melhorar a qualidade de vida de pacientes e familiares. A terapia com animais é uma das novidades, que começou na pediatria e agora chega a outros setores Texto: Lara Schulze Fotos: Stela Murgel Antes mesmo de a Política Nacional de Humanização (PNH) ser implantada no SUS em 2002, o Hospital São Paulo já abrigava diversos trabalhos voluntários de funcionários e colaboradores, como o Grupo de Tabagismo, que completou 15 anos em janeiro de 2006. Atualmente, em todo o complexo existem cerca de 48 projetos de Humanização que funcionam diariamente nas dependências do hospital, nos ambulatórios e nos departamentos. Para atender os milhares de funcionários e pacientes do complexo, foi criada em 2000 a Comissão de Humanização do Hospital São Paulo, composta por profissionais de enfermagem, serviço social, hotelaria, engenharia, administração, recursos humanos e relações públicas, com objetivo de desenvolver novos projetos e implementá-los. Algumas iniciativas independentes, como as da Associação Paulista Feminina de Prevenção ao Câncer e o Serviço de Atenção Psicossocial Integrada em Saúde (Sapis), coordenado pelo Departamento de Psiquiatria, foram então agregadas ao trabalho da comissão. Dessa primeira etapa de trabalho, surgiram atividades como as feiras e eventos na Praça Viva, aulas de tai chi chuan, apresentações de música no horário do almoço e exposições de artistas da comunidade, voltadas exclusivamente aos funcionários, e que continuam acontecendo. Em 2004, a Comissão passou por uma reorganização estrutural e assim formou-se o Grupo de Trabalho de Humanização (GTH), com dois subgrupos que atendem separadamente funcionários, pacientes (crianças e adultos) e seus familiares. “A intenção de todas essas ações é oxigenar o cotidiano de quem está internado no hospital, amenizar a angústia da família dos pacientes, além de ser uma tentativa de atenuar a idéia de que o hospital é sempre um ambiente carregado”, 26 Saúde Paulista SP17p18-29.indd 26 7/10/06 6:18:45 PM afirma a diretora de Enfermagem, Maria Isabel Sampaio Carmagnani. De acordo com o Ministério da Saúde, humanizar a assistência significa agregar valores éticos, como respeito e solidariedade, à eficiência técnica e científica. No âmbito da PNH, o planejamento da assistência deve sempre valorizar a vida humana e a cidadania, considerando as circunstâncias sociais, étnicas, educacionais e psíquicas que envolvem cada indivíduo. Essa assistência deve ser pautada no contato humano, de forma acolhedora e sem juízo de valores, contemplando a integralidade do ser humano. Os resultados previstos são: redução de filas e do tempo de espera; atendimento acolhedor e resolutivo; implantação do modelo de atenção; garantia dos direitos dos usuários; valorização do trabalho na saúde; e gestão participativa nos serviços. Uma das primeiras mudanças, após a readequação do GTH em 2004, foi a medida que ampliou o tempo de visita dos pacientes internados de uma hora para três horas, além de estipular mais um horário no turno da noite. “Para conseguirmos isso, tivemos quase um ano de reuniões, porque essa medida necessitava um número maior de funcionários, alterações nos horários de entrada e saída. Mas as mudanças vieram e, além de facilitar a vida dos familiares, também conseguimos diminuir as filas de espera para entrar no hospital”, explica o enfermeiro Flávio Trevisani Fakih. “Essa conquista foi um marco para o Grupo de Humanização. “Cada atividade realizada é um estímulo para os coordenadores continuarem trabalhando e criando. É o nosso retorno”, analisa a assistente social do Hospital São Paulo, Márcia Regina da Silva. Alegria e descontração auxiliam na recuperação dos pacientes Outra ação marcante foi o Projeto Nomeando Leitos. Um espaço é separado ao lado do número do leito para a inserção do nome do paciente. Assim, toda a equipe pode chamá-lo pelo próprio nome. “Isso trouxe uma satisfação enorme para os doentes e segurança para os profissionais, pois a medida também reduz o risco de enganos ao ministrar medicamentos. O paciente não se sente um número e sim uma pessoa”, conta a assistente social. Um recadastramento dessas e outras atividades está sendo requisitado pelo GTH para mapear todas as ações realizadas nas diferentes enfermarias e unidades do hospital. “A idéia é fazer um raio-x do que é desenvolvido com bons resultados, para também utilizar em outros lugares e divulgar junto a outros departamentos e à comunidade”, declara Fakih. Terapia comunitária reúne pacientes e acompanhantes uma vez por semana O Hospital São Paulo abriga atualmente 37 atividades ligadas ao Grupo de Humanização. Conheça aqui algumas dessas iniciativas, que vêm apresentando ótimos resultados na recuperação dos pacientes e no aperfeiçoamento do ambiente hospitalar: Projeto Soninho Minimizar o barulho, diminuir o número de manipulações, abaixar a luminosidade, adequar o posicionamento no momento do sono e manter a presença dos pais. Estas são algumas medidas idealizadas por uma equipe multidisciplinar para este projeto, coordenado pela enfermeira Mary Kazumi Ikezawa Monomi, e que tem como objetivo “tranqüilizar” os recém-nascidos que ainda têm que ficar um tempinho na UTI neonatal. A mãe pode permanecer o tempo todo com o bebê e o pai pode ficar até as 21h. Durante o dia, são reservadas quatro horas para o “soninho” e descanso dos bebês: das 10h às 11h, das 16h às 17h, das 22h30 às 23h30 e das 4h às 5h da manhã. Terapia Comunitária Durante uma hora e meia, pacientes e familiares que passam pelo pronto-socorro podem contar seus dramas, alegrias, angústias e compartilhar dúvidas, todas as segundas-feiras, na Terapia Comunitária. Implantada pela coordenadora do Departamento de Assistência Social, Eliane Malheiro Ferraz de Carvalho, e pela professora de Saúde Pública da escola de Enfermagem, Ana Horta, a terapia recebe até 80 pessoas por sessão. Nem todos participantes são obrigados a falar. Quem prefere manter o silêncio, por vergonha ou timidez, tem a possibilidade de, ao final da sessão, ter uma conversa reservada por alguns minutos Unifesp 27 SP17p18-29.indd 27 7/10/06 6:18:47 PM Humanização humanização ro e maquiagem. Todo o atendimento acontece nas enfermarias e em unidades de cinco andares do Hospital São Paulo. “Considerando o longo período de internação que alguns pacientes enfrentam e a importância de se garantir cuidados pessoais relativos a aparência, higiene e estética, idealizou-se uma ação que pode contribuir com a melhoria da qualidade de vida dessas pessoas”, descreve a assistente social Márcia Regina da Silva. Além dos serviços, a intenção é proporcionar um momento de descontração para quem está envolvido no cotidiano das enfermarias e demais alas. “O objetivo é elevar a auto-estima, propiciando bem-estar”, diz Márcia. A ação tem como parceiros a empresa de cosméticos Payot e a Escola Profissionalizante de Cabeleireiros Nonaka. Cuidar da aparência melhora a auto-estima com as terapeutas. Após a explanação de alguns casos, o grupo escolhe uma história para aprofundar a discussão. A idéia de implantar a Terapia Comunitária foi a solução encontrada para atingir muitas pessoas e trabalhar vários temas dentro de um tempo limitado. “Esse trabalho faz parte das ações de humanização do hospital e agora estamos implantando a Terapia Comunitária para os novos alunos de Enfermagem”, explica Ana Horta. Encantando com as Mãos Concentração, manipulação e transformação de um pedacinho de papel em formas variadas têm ajudado os pacientes da enfermaria de Cirurgia Vascular a melhorar sua qualidade de vida. Como em geral esses pacientes têm dificuldades de locomoção, com problemas concentrados nos membros inferiores, desenvolver habilidades com as mãos torna-se um estímulo para que desenvolvam a consciência de que podem continuar sendo criativos e produtivos. Essa atividade começou com a enfermeira Magnólia Luz, que desde 1998 dedica diariamente até duas horas ensinando aos pacientes a arte da dobradura oriental origami. “Os erros e acertos da prática fazem com que a pessoa aprenda e descubra novas formas de viver e lidar com as dificuldades, o que conseqüentemente facilita a recuperação”, explica a enfermeira. Familiares, acompanhantes e funcionários também participam, uma vez que a idéia é criar um ambiente acolhedor e humano, proporcionando saúde física e mental. Toque de Beleza A idéia é oferecer quinzenalmente para os pacientes internados e seus acompanhantes serviços de corte de cabelo, manicure, pedicure, barbei- Amicão Joe Spencer, um simpático cachorro da raça Golden Retriver, também é um “voluntário” do Hospital São Paulo. Todas as quartas-feiras, ele visita a unidade de Pediatria semiintensiva para colocar em prática junto às crianças a Terapia Assistida por Animais. Quando as assistentes sociais avisam nos leitos que o cãozinho vai chegar, as crianças já esboçam sorrisos e aguardam com ansiedade no corredor. Sempre acompanhado das voluntárias Ângela Borges e Lucila Fusa, Joe já faz sucesso logo na portaria do hospital. As crianças mudam a expressão apreensiva quando vêem o cachorrinho felpudo. Todos já esticam as mãozinhas para tocá-lo e disputam um cantinho próximo do animal. Joe é treinado para ficar um pouco com cada criança. A terapia tem dado tão certo que já tem dois novos projetos para o voluntário: levá-lo aos departamentos de Psiquiatria e Geriatria. Projeto Amicão alegra crianças e até a equipe profissional 28 Saúde Paulista SP17p18-29.indd 28 7/10/06 6:18:50 PM educação Educação Polêmica na formação médica Exame do Cremesp avaliou 998 estudantes do 6º ano e recém-formados: só 286 aprovados na segunda fase Exame aplicado pelo Cremesp para avaliar faculdades de Medicina gera debate entre profissionais e graduandos, mas a população aprova. Texto: Renata Toledo Piza Fotos: Osmar Bustos Existem no Brasil 151 faculdades de Medicina credenciadas, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Com aproximadamente 180 milhões de habitantes, o País possui mais cursos médicos que a China, com sua população estimada em 1,3 bilhão, ou que os EUA, com 280 milhões, de acordo com a American Association Medical College. Enquanto projeções norte-americanas apontam que, dentro de no máximo duas décadas, aquele país poderá sofrer com a falta de médicos – o que tem motivado estudos para que seja ampliado o número de cursos nos EUA –, no Brasil ocorre exatamente o contrário. Aqui, boa parte da comunidade médica e as entidades da classe defendem, já há algum tempo, melhor controle sobre a abertura de faculdades e mais rigor na avaliação da qualidade do ensino. Isso porque, todo ano, 12 mil novos profissionais juntam-se ao contingente de aproximadamente 300 mil médicos em atividade no Brasil. Aliado à grande quantidade de profissionais disputando vaga no mercado, o que se percebe é um aumento desordenado dos cursos médicos – entre 2000 e 2006, nada menos que 58 faculdades foram inauguradas no país. Além disso, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) verificou que, em apenas dez anos, triplicaram as denúncias de erro médico no estado. Tendo em vista essas estatísticas, no final de 2005 o Cremesp aplicou uma prova que avaliou, por meio de exames teórico e prático, os egressos do ensino médico. Realizado em caráter experimental e voluntário, o exame foi dividido em duas fases. A primeira, em outubro de 2005, contou com a participação de 998 estudantes de sexto ano e recém-formados, que responderam 120 questões teóricas nas áreas de Pediatria, Ortopedia, Ginecologia e Obstetrícia, Cirurgia Geral, Clínica Médica, Saúde Pública, Saúde Mental, Bioética e Ciências Básicas. Dos 998 participantes, 685 foram aprovados para a segunda fase e 286 candidatos participaram da prova, que foi aplicada em 21 de dezembro. Todos foram aprovados. “Ao longo dos últimos anos, o Cremesp passou a ter evidências de deterioração na qualidade da formação dos egressos e contabilizou um aumento brutal nas denúncias de erro médico”, aponta Braulio Luna Filho, coordenador do exame de habilitação do Cremesp. “Por isso foi decidida a implantação de um exame que assegurasse a qualidade profissional dos recém-formados”. Luna Filho explica que o objetivo é mapear o ensino universitário, possibilitando um diagnóstico de cada área do ensino na instituição. Em países como Canadá, EUA e Inglaterra, o exame é pré-requisito para obtenção do diploma e, além disso, o mé- 30 Saúde Paulista SP17p30-39.indd 30 7/10/06 6:00:42 PM dico só começa seus atendimentos após três anos de residência obrigatória. No Brasil, apenas 40% dos formados passam por esse treinamento. “São poucos os cursos de residência, principalmente no Norte e Nordeste”, explica o médico. População aprova Enquanto o exame provoca polêmica entre Conselhos Regionais, graduandos e faculdades, o Cremesp encomendou uma pesquisa para saber o que a população pensa sobre essa avaliação. Realizado pelo Instituto de Pesquisas Datafolha, o levantamento constatou que h 95% da população é favorável ao exame. A pesquisa ainda questionou aqueles que vêm divergindo quanto à necessidade da avaliação e obteve um resultado que reforça sua validade. Entre os médicos em atividade no estado de São Paulo, 85% concordam e 65% dos alunos são a favor da aplicação do exame. “Acredito que aqueles que se pronunciam contra serão derrotados pela população”, conclui Luna Filho. Para o exame de 2006, outros Conselhos Regionais de Medicina já mostraram interesse em aplicar o exame em conjunto com o Cremesp. É o caso dos Conselhos do Paraná e de Minas Gerais. Resultados Pelo caráter voluntário da avaliação, enquanto algumas universidades tiveram alto índice de participação, outras foram representadas por menos de dez alunos, como a Universidade de Taubaté, com quatro, e a Universidade do Oeste Paulista, com oito. A grande diferença entre o número de participantes impede que seja feita uma comparação precisa entre as 22 escolas participantes. Para o coordenador do exame de habilitação, quando houver uma série histórica de resultados, o exame cumprirá seu dever de mapear o ensino. Pesquisa mostrou que 65% dos alunos concordam com a avaliação Exame de qualificação – 1a fase Instituição de ensino Centro Universitário Barão de Mauá Centro Universitário Lusíada Faculdade de Medicina da Santa Casa (SP) Faculdade de Medicina da USP Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp) Faculdade de Medicina de Catanduva Faculdade de Medicina de Jundiaí Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP) Faculdade de Medicina do ABC Faculdade de Medicina Santo Amaro (Unisa) Faculdade de Medicina de S. J. Rio Preto (FAMERP) PUC-Campinas PUC-SP Faculdade de Medicina de Sorocaba Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp) Unicamp / 84 / 73 / 80,88 Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Unimar (Marília-SP) Universidade de Mogi das Cruzes Universidade de Taubaté Universidade do Oeste Paulista Universidade Metropolitana de Santos Universidade São Francisco (USF) presentes aprovados média 28 40 77 75 10 28 26 104 80 53 31 65 6 22 5 32 49 71 7 09 17 82 52 32 25 41 15 12 62,61 76,35 73,88 83,65 80,20 69,00 73,85 78,56 74,53 73,89 76,97 74,26 71,50 70,23 92 11 42 04 08 21 71 84 03 24 02 03 08 39 81,08 64,36 73,12 75,00 65,25 70,43 71,90 presentes média 4 23 14 44 2 12 7 22 15 19 6 4 4 4 75 2 8 2 4 15 7,15 7,72 7,69 7,84 7,87 7,64 7,75 7,47 7,43 7,25 7,64 7,06 7,19 7,88 8,01 6,75 7,73 7,8 7,19 7,10 Exame de qualificação – 2a fase Instituição de ensino Centro Universitário Barão de Mauá Centro Universitário Lusíada Faculdade de Medicina da Santa Casa (SP) Faculdade de Medicina da USP Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp) Faculdade de Medicina de Jundiaí Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP) Faculdade de Medicina do ABC Faculdade de Medicina Santo Amaro (Unisa) Faculdade de Medicina de S. J. Rio Preto (FAMERP) PUC-Campinas PUC-SP Faculdade de Medicina de Sorocaba Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp) Unicamp Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Unimar Universidade de Mogi das Cruzes Universidade do Oeste Paulista Universidade Metropolitana de Santos Universidade São Francisco (USF) Unifesp 31 SP17p30-39.indd 31 7/10/06 6:00:48 PM perfil Perfil Uma vida sem freios Professora honoris causa, Helena Nader vive em ritmo vertiginoso e está sempre disposta a “brigar” pela qualidade do ensino. Texto: Renato Conte Foto: Stela Murgel “Nada pode impedir você de alcançar metas, a não ser os limites que você mesmo se impoe”. Esta frase, aprendida com seus pais, tornou-se uma espécie de lema, que é praticado diariamente pela professora Helena Bonciani Nader, paulistana nascida na Maternidade São Paulo (cuja desativação ainda lamenta), filha de pai formado em contabilidade e mãe só com a formação ginasial, que sempre a motivaram na busca do saber. Ela é a primeira a reconhecer que sempre foi muito acelerada. Lembra que, na infância, um otorrinolaringologista tentou fazer com que falasse mais devagar...Tudo em vão! Este perfil valeu-lhe alguns apelidos curiosos, como “Helena 220” e até mesmo o de “Tubarão” – “se parar de nadar, afunda”, explica – conferido por ninguém menos que sua filha Julia e pelo falecido marido, o também professor doutor Carl Peter Von Dietrich. 32 Saúde Paulista SP17p30-39.indd 32 7/10/06 6:00:50 PM O interesse pela área de saúde, em especial pela medicina, surgiu em 1964, aos 16 anos, quando saiu do País pela primeira vez, para cursar como bolsista o último ano do colegial nos EUA pelo programa American Field Sevice, que nasceu de ações voluntárias de assistência a partir da experiência das duas grandes guerras mundiais. Participou deste intercâmbio com destaque e, considerada boa aluna, ganhou uma bolsa de estudos para ficar nos EUA. Mas a pouca idade e a saudade da família fizeram com que preferisse voltar ao Brasil. Ela garante que não se arrependeu. Regressou em agosto de 1966 e, sempre com a idéia fixa de entrar na medicina, fez três meses de cursinho preparatório, inscreveu-se para os vestibulares da USP e da Escola Paulista de Medicina (EPM), onde assinalou como segunda opção o curso de Ciências Biomédicas, sendo aprovada para esta carreira. Inicialmente, ainda sonhando com a medicina, não ficou muito feliz. Mas, ouvindo o conselho de seus pais, decidiu freqüentar as primeiras aulas e, caso não gostasse, prestaria novo vestibular. Pouco tempo depois, no entanto, estava tão envolvida com a futura carreira, que acabou desistindo da mudança. Carreira acelerada No terceiro ano, ela e sua colega de turma Regina Pekeleman Markus foram encarregadas pelo professor Leal Prado para lecionar Bioquímica na Escola de Enfermagem. “Gostamos tanto da experiência que acabamos mudando tudo do curso. E terminamos sendo professoras homenageadas da turma”. No ano seguinte, ainda estudante, já estava dando aula teórica “pra valer” aos alunos de Medicina. Em 1971, partiu para a pós-graduação, com bolsa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Porém, mesmo com a tese já pronta e com uma série de trabalhos já publicados, não pôde defendê-la, pois dependia do auxílio financeiro como sua única fonte de renda. Surgiu em seguida, um concurso para auxiliar de ensino na Bioquímica, que lhe rendeu a vaga de docente, em abril de 1974. Na seqüência, defendeu doutorado e prestou concurso para professor assistente. No final de 1975, foi para Los Angeles começar o pósdoutorado como bolsista do Fogarty - National Institutes of Health, onde conviveu com importante grupo de pesquisadores, conhecendo uma nova realidade. “Assim que cheguei, verifiquei que o grupo era um verdadeiro caos. E o mais interessante é que, ao além de aprender, acabei ensinando”, comenta. Atualmente professora titular do Departamento de Bioquímica da Unifesp, tem orgulho dos trabalhos publicados, das pessoas que ajudou a formar e de muitas outras realizações profissionais. Um delas, entretanto, tem lugar de destaque em seu coração: a titulação dos docentes do Departamento de Bioquímica da Universi- dade Federal do Rio Grande do Norte, tarefa a que se dedicou arduamente, ao lado de seu marido, e que lhe rendeu em 2006 o título de Professor Honoris Causa pela UFRN. “Isto talvez tenha sido a nossa maior contribuição para a sociedade”. Sabores e revelações Mesmo quando está em casa e termina os seus afazeres, não fica parada. Adora ouvir música, assistir filmes e ler. Gosta de romances, em especial de Machado de Assis, mas também aprecia o humor de Luis Fernando Veríssimo, a poesia de Fernando Pessoa e, para relaxar, prefere livros de ficção científica e thrillers. “Nesse caso, leio sem ter de pensar e fico angustiada para ver o final”. Ela atribui o gosto pela leitura e também pela música os pais e a um tio que adorava música clássica. “Nós ficávamos sentados no sofá ouvindo as diferentes obras de Beethoven e Chopin, enquanto o meu tio lia e contava a história da música pra gente”. Assim, estudou e aprendeu a tocar piano, deixando de praticar somente quando entrou para a faculdade. Com indisfarçada satisfação, comenta que a filha Julia, estudante do quarto ano de Jornalismo, também aprecia leitura e música. “Adora as músicas da minha geração, como a Bossa Nova da década de 60”. Diz gostar de cultivar plantas e até conversar com elas. Na praia, plantou há alguns anos numa praça mudas de pés de jabuticaba e serigüela. Outra revelação é seu gosto pela culinária, talvez herdado dos avós maternos italianos e dos paternos, de origem sírio-libanesa. Entre as especialidades da chef, uma feijoada que não pode ser chamada exatamente de light, peixes, picanha no forno, macarrão, diferentes molhos de saladas, patês, aperitivos e alguns pratos da cozinha árabe, com exceção das óbvias esfihas. Em alguns domingos, recebe seus amigos e familiares e gosta de ir para o fogão. A lista de seus hobbies deve incluir ainda a fotografia, hábito adquirido em uma de suas permanências para estudo nos EUA. Além de fotografar, sabe revelar e ampliar, o que lhe permitiu unir esta paixão a suas atividades acadêmicas, uma vez que muitas das fotos em preto e branco publicadas em trabalhos da equipe do laboratório de Bioquímica foram reveladas por ela. Helena Nader é o tipo de intelectual que assume como tarefa pessoal a missão de transmitir às futuras gerações uma escola melhor que a herdada das mãos de seus antigos mestres, como os professores Leal Prado e Ribeiro do Valle. Para tanto, avisa que vai continuar dedicada, briguenta e “vestindo a camisa” para defender a instituição. “Os jovens têm que fazer sempre mais e melhor. Temos que correr para acompanhar as mudanças que estão acontecendo na ciência”, conclui, sempre com o pé no acelerador. Unifesp 33 SP17p30-39.indd 33 7/10/06 6:00:51 PM meditação Meditação Por uma medicina m Em abril, durante sua terceira visita ao Brasil, o monge Tenzin Gyatso, reconhecido pelos budistas como o 14o Dalai Lama, reservou um dia para debater com pesquisadores da Unifesp que investigam cientificamente práticas orientais milenares. Cientistas dividiram o palco com o líder espiritual diante de milhares de pessoas Texto: Renata Toledo Piza Fotos: divulgação Reclamações sobre a maneira como alguns profissionais da saúde abordam pacientes e familiares não são raras. Quem nunca ouviu alguma história a respeito de um médico que tenha passado informações a familiares e amigos de pacientes com frieza? Ou de um enfermeiro que, ao falar com o doente, parecia tratar de uma máquina com problemas? Infelizmente, queixas dessa natureza fazem parte do dia-a-dia de internos em hospitais particulares e públicos, seja no Brasil, nos EUA ou na África do Sul. Isto porque, antes do profissional, existe um ser humano que, por mais preparado que seja tecnicamente, nunca aprendeu a lidar com o sofrimento proporcionado pela dor que seus pacientes experimentam. “Por estar em contato diário com o sofrimento humano, muitos profissionais de saúde criam mecanismos de defesa, na tentativa de minimizar o próprio sofrimento”, explica Luiza Tanaka, professora do curso de Enfermagem e membro da equipe de humanização do Hospital São Paulo, ligado à Unifesp. “Essa atitude é facilmente interpretada como frieza pelo paciente e seus familiares”. Em 28 de abril, Luiza e outros seis profissionais da Unifesp envolvidos em estudos sobre práticas da medicina oriental estiveram reunidos com o Dalai Lama, no Palácio das Convenções do Anhembi, durante a terceira visita do líder budista ao país. Os ortopedistas Sérgio Nicoletti e Ysao Yamamura – chefe do Setor de Medicina Chinesa e Acupuntura da Universidade –, a bióloga Elisa Kozasa, o psicólogo José Roberto Leite e os pró-reitores de Graduação e Extensão 34 Saúde Paulista SP17p30-39.indd 34 7/10/06 6:00:54 PM a mais humana No budismo tibetano, a compaixão está relacionada aos sentimentos solidários e a atitudes que revelam calor humano. Desta forma, na medicina o ato compassivo teria o sentido da humanização das relações, principalmente da estabelecida entre o doente e seu cuidador. “Para os tibetanos, a eficácia de um tratamento de saúde está ligada aos valores que vêm do coração do médico”, afirmou o Lama, contando que, no Tibete, quando uma medicação prescrita não faz efeito, os pacientes costumam dizer que, apesar de capacitado, o médico “não está com o coração aberto”. Essa explanação, apesar de embasada na cultura do povo tibetano, vai ao encontro de um dado apresentado pelo psicólogo José Roberto Leite, do D epartamento de Psicobiologia da Unifesp. “Hoje se sabe que a cura de um paciente depende em aproximadamente 70% da relação de confiança que ele estabelece com seu médico”. A informação deixa evidente que, apesar das imensas diferenças culturais, o poder das relações é o mesmo para cristãos, judeus, muçulmanos, hindus, budistas ou ateus. Linhas de pesquisa da Unifesp, Luiz Eugênio Araújo Mello e Walter Albertoni, participaram do seminário “Compaixão e sabedoria – a construção da saúde pessoal e coletiva”. “Coração aberto” Em meio ao debate sobre estudos acadêmicos com acupuntura, meditação e pranayamas (exercícios respiratórios da yoga), o seminário enfocou um conceito aparentemente mais religioso que científico, porém diretamente ligado à relação entre os médicos e seus pacientes: a compaixão. Há mais de dez anos, a Unifesp deu início à investigação acadêmica de práticas relacionadas à medicina oriental. Em 1994, o ortopedista Ysao Yamamura comprovou cientificamente a eficácia do uso da acupuntura no tratamento de lombalgias com irradiação para membros inferiores, em sua tese de doutorado. Por intermédio de Yamamura, a Unifesp foi pioneira na criação de um setor de acupuntura, em 1992. A prática foi reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina como forma terapêutica em 1995. Ele também foi responsável pela implantação do primeiro pronto atendimento do gênero na América Latina, aberto aos pacientes que procuram o Hospital São Paulo. Seguindo essa linha de pesquisa, em 2002 a bióloga Elisa Kozasa defendeu sua tese de doutorado, que avaliou os efeitos da meditação Samadhi e dos pranayamas em pessoas com ansiedade e depressão. Ao final de três meses, os voluntários apresentaram significativa redução nos sintomas de depressão e ansiedade e melhora nos índices de bem-estar e atenção. O orientador da tese de Elisa, professor livre-docente José Roberto Leite, explica que os resultados da pesquisa ratificam dados obtidos em investigações internacionais que, desde a década de 70, pesquisam os efeitos da meditação em pessoas hipertensas. “Sabemos que, atualmente, 80% das mortes prematuras entre os norte-americanos são decorrentes de problemas comportamentais”, afirma, fazendo referência a problemas cardiovasculares, hipertensão, estresse, obesidade e dependência de drogas – não apenas as ilícitas, mas também tabaco e álcool. “Práticas de meditação e pranayamas são estratégias comprovadamente eficazes na prevenção e no tratamento dessas e de outras doenças”. Leite explica porque a Universidade se interessa pelo estudo de práticas orientais milenares. “Nosso objetivo é colocar essas estratégias orientais em laboratório, para desenvolver uma investigação científica. Se o resultado corroborar aquilo que a prática milenar defende, teremos o embasamento necessário para fazer uso dela”. Futuro Atualmente, estão em fase inicial ou já em andamento do Departamento de Psicobiologia da Unifesp diversas linhas de pesquisa que envolvem a meditação e os exercícios respiratórios da yoga. Um desses trabalhos vai avaliar o uso da meditação em pessoas da terceira idade como meio de prevenir a hipertensão, melhorar as funções cognitivas e analisar eventuais efeitos sobre o sistema imunológico dos idosos. Outro estudo, este em crianças, aborda os efeitos da prática meditativa sobre o rendimento escolar e o controle do Transtorno do Déficit da Atenção com Hiperatividade (TDAH). Patologias psiquiátricas comportamentais, como o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) também são foco de interesse dos pesquisadores da Unifesp. Unifesp 35 SP17p30-39.indd 35 7/10/06 6:00:56 PM sociedade Sociedade 36 Saúde Paulista SP17p30-39.indd 36 7/10/06 6:01:02 PM O desafio de voltar para casa Qual o destino dos jovens que saem de unidades de internação como a Febem? Para responder essa pergunta, pesquisadores acompanharam quase duzentos desses egressos durante um ano. Texto e fotos: Stela Murgel Etimologicamente, a adolescência se traduz como “o período da vida humana que se caracteriza por uma série de mudanças corporais e psicológicas”, estendendo-se aproximadamente dos 12 aos 20 anos. Para um jurista, adolescente pode ser apenas “... a pessoa entre 12 e 18 anos”. Seja como for, apesar das diferentes definições que se pode encontrar em dicionários, leis e teses de psicologia, existe a certeza de que a adolescência é uma etapa de grandes transformações biológicas, marcada por extrema ambigüidade no que concerne ao papel do indivíduo na família e no meio social. A própria sociedade parece não saber como tratar o indivíduo nessa fase da vida, mesclando momentos de total complacência, quando o compara a uma criança irresponsável, a outros em que é exercida forte cobrança por atitudes maduras. Quando um desses jovens comete ato contra a lei, sobretudo praticando violência, este debate se multiplica à exaustão e os partidários de ambos os lados se engalfinham em discussões sem fim sobre o tipo de punição cabível. O único consenso parece girar em torno da ineficiência do atual sistema de privação de liberdade – brando demais, para uns; agressivo demais, para outros – que não conseguiria alto índice de sucesso na tentativa de reeducar os jovens infratores. Mas quais fatores levariam o jovem a delinqüir e quais os desafios enfrentados pelos egressos de instituições como a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem)? Para tentar entender a complexa realidade dos ex-internos e como se dá sua integração à sociedade, pesquisadores da Unifesp vinculados ao Projeto Quixote acompanharam, durante um ano, 325 jovens que passaram pela Febem. A pesquisa foi coordenada pela pediatra Fátima Rigato e desenvolvida em parceria com as universidades canadenses de McMaster e Calgary. O trabalho identificou fatores que contribuem para a escolha do caminho tomado pós-desinternação pelos adolescentes. Tênis, carro e mulher É comum classificar os atos criminosos como resposta à exclusão social. Para alguns especialistas, no entanto, esse termo não define com muita precisão o fenômeno que ocorre com os jovens da periferia dos grandes centros urbanos, que estariam muito mais sujeitos ao que chamam de uma “inclusão perversa”. Afinal, esse adolescente até consegue ingressar em uma escola, mas, mesmo dentro da sala de aula, continua exposto às drogas e à violência. Ao mesmo tempo, é bombardeado pelas maravilhas da sociedade de consumo, criando desejos incompatíveis com seu poder aquisitivo. O tênis de marca, o carro e as roupas importadas custam caro e, para alguns, a maneira que parece mais rápida para obtê-los é aderir à criminalidade. Um atalho que, em grande parte das vezes, torna-se o passaporte para instituições de recuperação. “Comecei no crime do mesmo jeito que várias pessoas começam ... tipo querer usar Nike no pé, ter carro, mulher, só roupa importada, vários tipos de roupa. Muitas Unifesp 37 SP17p30-39.indd 37 7/10/06 6:01:05 PM Michael aposta no vídeo como futuro profissional pessoas falam que não têm necessidade, mas a fita é a seguinte: não é necessidade, é a ganância do barato de querer ser mais que o outro, de querer andar melhor que o outro, mais bonitinho que o outro”, conta um dos menores acompanhados pelo estudo, quando questionado sobre a motivação para ingressar na rotina da criminalidade. No estado de São Paulo, os infratores são encaminhados para a Febem, que presta assistência a aproximadamente 18 mil adolescentes, inseridos em programas socioeducativos específicos – privação de liberdade, semi-liberdade e liberdade assistida – dependendo do grau infracional e da idade. Em abril de 2006, cerca de 6.800 menores estavam em circuito fechado, distribuídos em 77 unidades. Assim, afastados da criminalidade, porém privados de liberdade, jovens em conflito com a lei podem permanecer internados durante um período máximo de três anos. Quando “recuperados” ou depois de transcorridos esses três anos – o que ocorrer primeiro –, os jovens voltam ao convívio social. Na maior parte das vezes, o retorno acontece para o mesmo cenário do qual saíram. E aí está seu primeiro grande desafio. Afinal, a rua não mudou, a casa não mudou, a família é a mesma e os riscos ligados ao ambiente, onde “falta de tudo um muito” , permanecem inalterados. Liberdade forçada Se a liberdade é o maior bem do ser humano, não é difícil imaginar que o enclausuramento involuntário, ainda que com caráter socialmente punitivo ou recuperacional, pode ser a pior sensação experimentada por um indivíduo. Para o adolescente infrator que cumpriu seu período de internação, sair pelo portão da instituição, trajar um jeans, um relógio no pulso e ganhar a rua sem monitores é reconquistar o direito de ser novamente um cidadão, responsável e dono de seus atos. Mas, para gerir este patrimônio recém-conquistado, às vezes junto com a maioridade, o jovem não conta com nenhum preparo e nem com a compreensão social. Na verdade, o egresso da Febem enfrenta barreiras imensas para ser reintegrado à sociedade, principalmente em função do preconceito. As dificuldades para voltar à escola, conseguir um emprego ou ser bem aceito na família são questões de difícil equacionamento para aquele que, há até pouco tempo, não era considerado responsável por seus atos. Estigmatizados, rodeados de carências e sem dignidade, somente 192 (59%) dos jovens que fizeram inicialmente parte da pesquisa da Unifesp foram localizados. Um terço dessas crianças e adolescentes estavam internados e sete morreram durante o acompanhamento. Óbitos, reincidência de delitos e tentativa frustrada de reinserção na sociedade foram alguns dos desfechos motivados pelos fatores de risco que envolvem a realidade de muitos ex-internos. Ainda segundo dados da pesquisa, após 12 meses de internação, 40% deles freqüentavam escolas mas, destes, 29% tinham problemas de aprendizado. Durante o acompanhamento, 39% estavam trabalhando, a maioria em bicos, e – o mais grave – 40% haviam retornado à criminalidade. Longe da escola e fora do mercado de trabalho, muitos desses jovens se viram novamente expostos a um cenário em que a ociosidade acaba se associando à violência e ao fácil acesso a drogas e armas. Dos adolescentes entrevistados, 87% já haviam presenciado cenas de violência; 66% viram alguém ser baleado; 47% sofreram violência física em casa; 71% relataram a facilidade em conseguir maconha no bairro; 55% achavam fácil adquirir cocaína na vizinhança; e 49% afirmavam poder adquirir armas facilmente. A falta de ocupação, o crime virando a esquina e a boca de tráfico na porta de casa configuram o pano de fundo ideal para que os ex-internos apresentem reincidência dos atos infracionais. Segunda chance Felizmente, algumas medidas e ações pontuais voltadas ao amparo e reintegração dos ex-iternos à sociedade funcionam para um pequeno percentual desses jovens, que assim conseguem reescrever a própria história. Para virar a página, é preciso ter coragem e vontade de abraçar a chance de um novo desfecho, mas é preciso, antes de tudo, o auxílio e a oferta de oportunidades. 38 Saúde Paulista SP17p30-39.indd 38 7/10/06 6:01:14 PM Oficinas orientaram jovens a filmar a própria realidade Ex-interno agora atua nas oficinas do Projeto Quixote, na antiga “cracolândia” A produção do vídeo Exilados do Mundão, uma das etapas da pesquisa da Unifesp, mostrou uma dessas alternativas. Cinco adolescentes que passaram pela Febem e um expresidiário saíram com uma câmera na mão para filmar um pouco de suas vidas, sob sua própria óptica. O objetivo do experimento é fazer com que a sociedade “consiga enxergar a vida como ela é, além de nossos preconceitos”, como define o coordenador do Projeto Quixote, Auro Lescher, responsável pelas oficinas, junto com o cineasta Daniel Rubio. A idéia básica do trabalho era desvincular a imagem de menores egressos daquela de meninos despidos e acuados feito bichos, agachados junto aos muros de pátios sujos e frios de uma unidade de internação qualquer. Cenas como estas e notícias de rebeliões constantes alimentam e cultivam os preconceitos em relação a adolescentes que cometem atos infracionais e são encaminhados para instituições como a Febem. Na experiência desenvolvida pelo Projeto Quixote, a câmera foi usada como ferramenta para que os seis jovens contassem suas histórias e para que essa realidade fosse vista e ouvida, mostrando a comunidade da qual fazem parte, suas carências, os fatores de risco e a extrema vulnerabilidade a que estão expostos. Tudo isso surge no documentário, de forma clara e até cruel. Afinal, não existe poesia na falta de dignidade. Apenas uma força quase heróica na tentativa de resgatá-la. O retorno ao mesmo ambiente carente de origem, a dificuldade de retomar os estudos e, principalmente, a falta de oportunidades atrapalham a integração social de um ex-interno. Porém, não existe inevitabilidade nesta situação. Com o apoio adequado, alguns jovens entendem que não são “obrigados” a voltar para a criminalidade, as dogras ou para a margem da sociedade. “Foi só angustia, tristeza e lamento”, comenta Michael dos Santos – 19 anos e um dos protagonistas de Exilados do Mundão – sobre os oito meses em que foi privado de sua liberdade. Ao contrário do que acontece com a maior parte dos ex-internos, Michael saiu da Febem com emprego garantido. Era a sociedade lhe dando uma segunda chance. Convicto de não ser “obrigado” a voltar para o crime, Michael procura seguir em frente e superar as dificuldades. Decidido, não foge do passado e nem dos velhos conhecidos. “A amizade continua a mesma, não dá para virar a cara, não. Você tem que ser forte. E é o que eu fui”, diz ele. Com um jeito simpático e extremamente carismático, o jovem sentiu na pele o preconceito de ter passado por uma unidade de internação quando foi se matricular na escola, mas nada que o fizesse desistir. As dificuldades foram e serão muitas, mas para Michael as oportunidades também fazem parte de sua vida. Depois que participou da pesquisa, fez estágio de três meses como assistente de câmera na TV Unifesp, além de fazer a documentação das atividades do Projeto Quixote na área central da cidade conhecida como “cracolândia”. Há quase dois anos desinternado, trocou a arma pela câmera. “Pegava uma arma e achava que era ‘o cara’. Hoje em dia, é a câmera”, compara. A reintegração de uma parcela infelizmente ainda pequena de ex-internos é feita inexoravelmente com a criação de oportunidades e do apoio de programas sociais. Só dessa forma o jovem desenvolve discernimento e consciência para não se conformar com a condição subumana encontrada ao sair dos portões da instituição. “Essas pessoas que saem da Febem, saem da cadeia, têm que ser ajudadas. Dá para mudar, sim, porque eu mudei, graças a Deus”, fala Michael, com a sabedoria de quem soube abraçar as oportunidades, prerrogativa daqueles que as tiveram. Criado há dez anos, o Projeto Quixote é um dentre os muitos projetos sociais que se propõem a resgatar a cidadania de crianças e de adolescentes em situação de risco. Oferece apoio psicossocial, materializado em ações como a promoção de oficinas lúdicas, acompanhamento famíliar, atendimento médico e psicológico, formação para o trabalho, suporte pedagógico e jurídico. Os jovens com um sorriso no rosto e uma câmera na mão que participaram do documentário Exilados do Mundão são apenas um tênue reflexo de uma medida pontual, ainda que até agora bemsucedida. De um lado, a oportunidade; de outro, um jovem plenamente consciente e disposto a abraçá-la. Unifesp 39 SP17p30-39.indd 39 7/10/06 6:01:17 PM Feitos e efeitos feitos e efeitos Rádio Xingu FM: rompendo barreiras com criatividade Programação feita para a comunidade indígena traz entrevistas, música local, informações sobre saúde e até “propagandas” educativas. O produtor e locutor Kamikiá (esq.) em seu estúdio no Xingu Texto: Lara Schulze Fotos: divulgação “É um prazer enorme estar em sua companhia! É bom estar com você na sua casa, na sua aldeia e no seu trabalho, sempre em boa companhia. Um grande abraço para você que está sintonizado comigo”! É assim que o simpático locutor Kamikiá Trumai Kisedje, de apenas 21 anos, inicia a programação da Rádio Xingu FM. Uma idéia que surgiu a partir de reuniões de um grupo de amigos que identificaram a necessidade de divulgar aos 5 mil moradores do Parque Indígena do Xingu (MT) ações de saúde, edu- cação e outros projetos desenvolvidos nos módulos dos cursos de Formação de Agentes Indígenas de Saúde e Gestão em Saúde Indígena, desenvolvidos pela Unifesp, além de informar sobre eventos no parque. Sempre interessado em trabalhar com equipamentos de som, computadores toda a tecnologia que consegue alcançar, Kamikiá estudou e hoje é responsável pela edição e apresentação dos programas da única rádio do Parque Indígena do Xingu. O primeiro programa da rádio, que demorou cinco dias para ser produzido, foi realizado por Kamikiá e sua equipe de reportagem composta por mais seis pessoas. Após muitas reuniões, o programa foi concluído em abril de 2005, com o tema desnutrição. “O impacto foi imenso. Todas as aldeias passaram a pedir cópias dos CDs. Depois deste sucesso absoluto de audiência, outros programas têm sido feitos, com diferentes temas”, conta o locutor. Marcos Schaper, um dos coordenadores do Projeto Xingu na Unifesp, acompanhou de perto toda a batalha de Kamikiá para realizar o projeto. “A equipe fez entrevistas com professores indígenas, pajés, lideranças, alunos e profissionais de saúde. Para completar a matéria, também incluíram um programa 40 Saúde Paulista SP17p40-44.indd 40 7/10/06 6:02:53 PM de receitas tradicionais da culinária indígena destinada às crianças, além de chamadas e vinhetas relacionadas ao tema”. Cópias deste programa foram distribuídas para as 60 aldeias durante as ações de vigilância de saúde realizadas pela equipe local. Segundo Schaper, estes CDs foram escutados inúmeras vezes, revelando-se um excelente material de divulgação junto às comunidades. “Muitas vezes, levamos dois dias de barco para chegar até um povo e os CDs ajudam a ampliar as discussões, socializar informações e prevenir doenças”, relata o médico, que viveu seis anos no Xingu. Após o sucesso dessa primeira tentativa, outros programas abordaram temas como as Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids, o Encontro de Mulheres e até a Conferência Nacional de Saúde. As pautas, além dos acontecimentos internos, são sugeridas e discutidas após pesquisas realizadas pela internet. “Navegamos nos sites da Funai, Funasa, governo e ONGs que trabalham com índios e associações indígenas. Aí é só baixar as notícias mais importantes e divulgar”, conta o locutor. Com programação variada, a grade da rádio conta com entrevistas no estúdio ou gravadas in loco, durante a cobertura de eventos. A rádio tem quase todos os elementos de uma emissora comercial: participação de ouvintes, além de vinhetas remixadas e propagandas educativas, alertando sobre incêndios nas matas, uso da camisinha, produtos artesanais do Xingu, além da música dos povos xinguanos. “A rádio está aberta para receber qualquer morador do parque que queira participar ou sugerir temas”, afirma o locutor. Estrutura alternativa Diferentemente de outras rádios, a Xingu FM não dispõe de antenas transmissoras. Até porque, para alcançar todo o território do Parque do Xingu, seria necessário várias delas, representando um grande investimento. A saída criativa que o grupo conseguiu viabilizar para que sua rádio chegasse aos ouvidos de toda a comunidade foi a distribuição de cópias às aldeias. “Também gravamos reuniões, discussões e assembléias e, durante alguns eventos especiais, levamos equipamento de som e fazemos transmissão ao vivo”, explica Kamikiá. Eles ainda não têm a tecnologia necessária para incrementar as reportagens ou pelo menos para divulgar os programas em outros lugares, mesmo que próximos do Parque, mas, mesmo assim, as produções da rádio já foram ouvidas por comunidades do Maranhão e Acre. Há perspectiva de que a equipe receba mais computadores ligados à internet, o que aumentaria os recursos para captação de notícias e também colaboraria na disseminação de informações sobre saúde. “Com certeza, estes programas auxiliam no trabalho da equipe de saúde, ajudam a levantar os problemas, alimentam a discussão e a participação das comunidades nas intervenções relacionadas a saúde e prevenção de doenças”, ressalta Marcos Schaper. Na avaliação da médica sanitarista e antropóloga Sofia Mendonça, integrante da equipe que coordena o Projeto Xingu, a rádio cumpre um papel importante na comunidade e o projeto está plenamente integrado ao trabalho da Unifesp na região, que mais do que assistência à saúde, pretende fornecer instrumentos e formar os índios, para que atuem junto à sociedade dos “brancos”. De fato, o material produzido por Kamikiá e sua equipe pode influenciar o comportamento dos índios, por meio de esclarecimentos, sugerindo temas para conversas sobre diferentes aspectos relacionados a saúde e as vantagens da interação entre as comunidades. A história de um autodidata Kamikiá Trumai Kisedje, o locutor e idealizador da Rádio Xingu FM, também é contratado pela Unifesp para dar assistência em computação em três aldeias: Diauarum, Pavuru e Ngojhwere. Quando não está gravando e editando um programa, está ensinando, consertando ou estudando novos softwares para edição e gravação de som. Desde que a internet foi instalada na aldeia, Kamikiá é um constante usuário. Tanto que, dois anos depois, ele deu início à Rádio Xingu FM. “Desde de criança eu ouvia a rádio de Canarana (cidade vizinha à aldeia) e a Rádio Nacional de Brasília”, conta Kamikiá, que aprendeu a mexer no programa Sound Forge (editor de som) com Cleiton Coelho, um médico da Unifesp que atua no Xingu. “Ele me ensinou e depois eu fiquei ‘fuçando’ para aprender mais. Ainda quero mexer com imagem para montar vídeos”, diz. A coragem do jovem Kamikiá, casado e pai de um filho de 2 anos, está mudando a rotina da região. “É uma forma de ajudar as pessoas e aproximar as aldeias. O programa da rádio que eu mais gosto é o Fala Comunidade, porque fico sabendo o que acontece na vizinhança”, explica. Unifesp 41 SP17p40-44.indd 41 7/10/06 6:02:54 PM Livros livros Parada Cardiorrespiratória Antonio Carlos Lopes, Hélio Penna Guimarães e Renato Delascio Lopes Editora: Atheneu A publicação mostra ao médico que o tema é um evento agudo, inesperado, que pode ocorrer em pessoa considerada sadia ou em doente de risco e que o pronto atendimento reduz sua alta mortalidade e suas mais habituais e graves seqüelas. O livro aborda os conceitos básicos para a otimização dos procedimentos de reanimação cardiorrespiratória e estuda as principais doenças relacionadas ao evento, de acordo com suas particularidades. O Erro Humano e a Segurança do paciente Maria de Jesus C.S. Harada, Mavilde L.G. Pedreira, Maria Angelica S. Peterlini e Sônia Regina Pereira Editora: Atheneu A partir da colaboração de eminentes pesquisadores e profissionais de saúde, o livro tem como propósito trazer o tema para discussão, a partir do ponto de vista de diferentes áreas do conhecimento, contribuindo com subsídios para um melhor entendimento do assunto, bem como oferecendo a profissionais da área da saúde, gestores e para a sociedade, informações capazes de gerar reflexões e ações transformadoras. Equilíbrio Ácido-Base e Hidroeletrolítico Antonio Carlos Lopes, Renato Delascio Lopes e Letícia Sandre Vendrame Editora: Atheneu O livro faz parte das publicações da Sociedade Brasileira de Clínica Médica (SBCM) sobre temas de relevância para o clínico, reunindo ciência e arte. O editor convidado, Antonio Carlos Lopes, contou com a colaboração de médicos e professores que contemplam a experiência clínica associada ao conhecimento atual sobre o assunto abordado. Manual de Exame Físico para a Prática da Enfermagem em Pediatria José Roberto da Silva Brêtas, Marinalva Dias Quirino, Conceição Vieira da Silva, Ana Llonch Sabatés, Circéa Amalia Ribeiro, Regina Issuzu Hirooka de Borba e Fabiane de Amorim Almeida Editora: Iátria Dada a praticidade com que seu conteúdo é apresentado, constituise uma contribuição para a prática e para o ensino da Enfermagem Pediátrica no País, tanto nos cursos de graduação como nos de pósgraduação, além de tratar das precauções necessárias à realização de um exame físico que respeite as peculiaridades da criança, tais como utilização de técnicas básicas de abordagem e o preparo da criança e da família para sua realização. Neuropsicologia do Desenvolvimento: Conceitos e Abordagens Claudia Berlim de Mello, Mônica Carolina de Miranda e Mauro Muszkat Editora: Memnon – Edições Científicas Este livro surgiu a partir dos desafios vivenciados na experiência clínica com crianças portadoras de transtornos do neurodesenvolvimento, contando com a contribuição de profissionais renomados neste campo de conhecimento. Os autores esperam contribuir com subsídios teóricos e clínicos que fundamentem uma prática mais integrativa para os profissionais que atuam ou que se interessam pela área do neurodesenvolvimento, sintonizados com as inovações das neurociências, sem negligenciar os aspectos sociais e culturais. Neuropsicologia Hoje Vivian Maria Andrade, Flávia Heloísa Dos Santos e Orlando F. A. Bueno Editora: Artes Médicas Recomendado para profissionais, professores e estudantes envolvidos com avaliação neuropsicológica, reabilitação cognitiva e os aspectos teóricos da neuropsicologia, apresenta os principais momentos da evolução humana, da infância até o envelhecimento, contemplando os principais quadros clínicos destas idades. A reabilitação é mostrada sob várias facetas e em diferentes indicações. Diagnóstico e Tratamento - Volume 2 Antonio Carlos Lopes (editor) Editora: Manole Diagnóstico preciso e tratamento adequado é o objetivo de todo médico. A obra, rica em tabelas, quadros e algoritmos para tomadas de decisão, é uma espécie de guia de consulta rápida para acadêmicos de medicina, residentes, pós-graduandos e médicos. Este segundo volume da série aborda Angiologia, Cuidados paliativos, Dermatologia, Distúrbios dos fluidos e eletrólitos, Endocrinologia, Geriatria, Hematologia, Infectologia, Obstetrícia e Psiquiatria. Todos os temas são baseados em evidências clínicas. Hepatite C: minha história de vida Natalia Mira de Assumpção Werutsky Editora: M. Books O livro relata a surpresa de uma jovem que, aos 22 anos, recebe o diagnóstico de ser portadora de hepatite C. A autora conta como buscou no conhecimento da doença e, principalmente, na nutrição as bases para enfrentar o problema. A obra, além de relatar uma experiência de vida, traz ensinamentos que podem ser úteis para que os portadores do vírus da hepatite C tenham mais qualidade de vida. 42 Saúde Paulista SP17p40-44.indd 42 7/10/06 6:03:01 PM