A Literatura Portuguesa. MOISES, Massaud

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A Literatura Portuguesa. MOISES, Massaud
Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
MOISES, Massaud.
A LITERATURA PORTUGUESA.
São Paulo: Cultrix, 2008.
I - Introdução
Segundo Massuad Moisés, pela sua posição
geográfica no mapa europeu, Portugal como se
estivesse empurrado contra o mar, toda a sua história, literária e não, atesta o sentimento de busca
dum caminho que só ele representa e pode representar. Recebe influências exclusivas e marcantes
tanto étnicas como culturais (árabes, germânicas,
francesas, inglesas, etc.), e por essa razão gerou
uma literatura com características próprias e permanentes, além da "fatalidade" de ser a Língua
Portuguesa seu meio de comunicação, o que ajuda
a completar e explicar o quadro.
A Literatura Portuguesa reflete essa angústia
geográfica: “o escritor português opta pela fuga ou
pelo apego a terra, matriz de todas as inquietudes e
confidente de todas as dores, centro de inspiração e
nutridora de sonhos e esperanças. A fuga dá-se
para o mar, o desconhecido, fonte de riqueza algumas vezes, de males incríveis e de emoção quase
sempre; ou, transcendendo a estreiteza do solo
físico, para o plano metafísico, à procura de visualizar numa dimensão universal e perene a inquietação particular e egocêntrica”.
Após a morte de D. Henrique, D. Teresa assume
o governo e se aproxima da Galiza. Seu filho, o
Infante, Afonso Henriques, rebela-se contra a mãe e
inicia uma revolução que culmina com a vitória dos
revoltosos, na batalha de S. Mamede, nos arredores
de Guimarães e o Infante é declarado seu soberano. Porém, somente em 1143, na Conferência de
Samora, D. Afonso VII reconhece Afonso Henriques
como rei. Portugal está politicamente autônomo. A
data utilizada como marco do início da Literatura
Portuguesa é 1198 (ou 1189), quando o trovador
Paio Soares de Taveirós compõe uma cantiga, Cantiga de Garvaia, palavra que designava um luxuoso
manto de Corte, dedicada a Maria Pais Ribeiro,
também chamada A Ribeirinha, favorita de D. Sancho I. Tudo indica que já havia uma atividade literária anterior, porém desaparecida.
II - TROVADORISMO (1198-1418)
O Trovadorismo Português foi o movimento literário caracterizado por seu caráter popular, sem
relação com a cultura da Antiguidade Clássica greco-latina. Era uma arte literária simples, voltada
para o entretenimento, e devido a essa simplicidade
e natureza popular tem a preferência pelo idioma
galaico-português em vez de latim, que era a língua
da literatura erudita da época. Recebe considerável
influência da cultura provençal, através dos artistas
nômades oriundos daquela região que chegaram à
Península Ibérica naquela época. A lírica trovadoresca teve grande força na França naquela época, e
sua influência acabou se espalhando por vários
países da Europa.
Para o autor, é uma literatura rica em poetas Camões, Bocage, Antero, Fernando Pessoa, entre
outros - “(...) A poesia é o melhor que oferece a
Literatura Portuguesa, dividida entre o apelo metafísico, que significa a vivência e a expressão de problemas fundamentais e perenes (a existência ou
não de Deus, o ser e o não-ser, a condição humana,
os valores do espírito, etc.), e a atração amorosa da
terra (representada por temas populares, folclóricos), ou um sentimento superficial, feito da confissão de estados de alma provocados pelos embates
amorosos (...)”.
Massaud Moisés destaca quatro teses para a
origem da poesia trovadoresca:
A riqueza da poesia contrasta com a pobreza do
teatro que somente algumas poucas vezes saiu “do
nível medíocre ou meramente razoável” através de
Gil Vicente, Garrett e António José da Silva.
3) A tese médio-latinista. A poesia trovadoresca
teria se originado a partir da literatura latina produzida na Idade Média. Essa literatura teria chegado à
Península Ibérica e influenciado a produção literária
local.
O romance decai após a morte de Eça de Queirós, em 1900. Voltando a viver uma época de esplendor após 1940, pela quantidade e qualidade de
seus autores configura-se no ponto forte da literatura lusa. A crítica literária, como o teatro, pobre, somente nos últimos anos começa a despontar com
rigor científico.
A Literatura Portuguesa nasceu quase simultaneamente com a nação. Em 1094, Afonso VI, Rei de
Leão, um dos reinos em que a Península Ibérica era
dividida (os outros: Castela, Aragão e Navarra),
casa suas filhas, Urraca com o Conde Raimundo de
Borgonha, e Teresa com D. Henrique. Ao primeiro
genro, doa uma extensa região de terra correspondente à Galiza; ao segundo, o território compreendido entre o rio Minho e o Tejo, com o nome de "Condado Portucalense".
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1) A tese arábica. Relaciona a poesia trovadoresca
à cultura árabe em virtude das invasões mouras à
Península Ibérica.
2) A tese popular ou folclórica. Segundo essa linha
de estudo a poesia trovadoresca foi uma manifestação literária de “espontânea”, surgido naturalmente
a partir das manifestações e cultura do povo da
época.
4) A tese litúrgica. A poesia trovadoresca surgiu a
partir da literatura cristã/sacra da época.
Entretanto, parece que nenhuma das teses citadas acima é suficiente para determinar com certeza
a origem da lírica trovadoresca, dando-nos a possibilidade de aceitar todas elas de modo conjunto.Todavia a influência da Provença na poesia trovadoresca portuguesa é incontestável e se deu
principalmente pelo fato de que muitos dos trovadores portugueses tiveram certa relação com a França. (D. Afonso Henriques e D. Sancho I foram casados com princesas criadas em cortes ligadas à Provença). Além disso, muitos artistas nômades oriundos daquela região passaram pela península, e,
ainda, as relações comerciais e os movimentos
militares (cruzadas) são fatores de influência.
Bibliografia para Língua Portuguesa
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O Trovadorismo Português inicia-se em 1189 (ou
1198) com a “Cantiga da Guarvaia” ou “Cantiga da
Ribeirinha”, de Paio Soares de Taveirós e se estende até 1418, quando Fernão Lopes é nomeado
Guarda-mor da Torre do Tombo por D. Duarte.
A POESIA TROVADORESCA
Na Provença, o poeta era chamado de troubadour, cuja forma correspondente em Português é
trovador, da qual deriva trovadorismo (que serve de
rótulo geral dessa primeira época medieval), trovadoresco, trovadorescamente. O poeta deveria ser
capaz de compor, achar os versos e a melodia para
sua cantiga. Eram poemas cantados e acompanhados por instrumentos musicais e às vezes danças.
A poesia trovadoresca classifica-se em: líricoamorosa e satírica. A primeira divide-se em cantiga
de amor e cantiga de amigo; a segunda, em cantiga
de escárnio e cantiga de maldizer. O idioma empregado era o galego-português, em virtude da então
unidade lingüística entre Portugal e a Galiza.
CANTIGAS DE AMOR
Poesia lírica onde o trovador, de acordo com a
“arte de trovar” confessa seu amor por uma dama
inacessível aos seus apelos, entre outras razões por
ser de classe social mais elevada, geralmente nobre, enquanto ele era, quando muito, um fidalgo
decaído. O poema é um lamento suplicante, os apelos do trovador “colocam-se alto, num plano de espiritualidade, de idealidade ou contemplação platônica”. Trata-se de um fingimento poético, de acordo
com as regras de conveniência social e da moda
literária vinda da Provença. Retratam um sofrimento
interior (coita de amor).
Geralmente é o próprio trovador quem confessa
seus sentimentos, dirigindo-se em vassalagem e
subserviência à dama (mia senhor ou minha senhora), e rendendo-lhe o culto que o "serviço amoroso"
lhe impunha: as regras do "amor cortês", recebidas
da Provença: o trovador teria de mencionar comedidamente o seu sentimento (mesura), a fim de não
incorrer no desagrado (sanha) da bem-amada; teria
de ocultar o nome dela ou recorrer a um pseudônimo, e prestar-lhe uma vassalagem que apresentava
quatro fases: a primeira correspondia à condição de
fenhedor, de quem se consome em suspiros; a segunda é a de precador, de quem ousa declarar-se e
pedir; entendedor é o namorado; drut, o amante.
Segundo Moisés, “(...) O trovador, portanto, subordina todo o seu sentimento às leis da Corte amorosa, e ao fazê-lo, conhece das dificuldades interpostas pelas convenções e pela dama no rumo que
o levaria à consecução dum bem impossível. Mais
ainda: dum' bem (e "fazer bem" significa corresponder aos requestos do trovador) que ele nem sempre
deseja alcançar, pois seria por fim ao seu tormento
masoquista, ou início dum outro Maior. Em qualquer
hipótese, só lhe resta sofrer, indefinidamente, a
coita amorosa”.
O sofrimento segue uma ordem crescente, através das estrofes (cobra ou talho) sendo reforçado
no estribilho ou refrão, onde o trovador pode rematar cada estrofe, reforçando a angustiante idéia fixa
para a qual ele não encontra consolo.
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Em síntese, nas Cantigas de Amor, o trovador
destaca todas as qualidades da mulher amada,
colocando-se numa posição inferior (de vassalagem) a ela. A mulher é colocada num patamar elevado, idealizada, em geral por se encontrar em uma
posição social superior. As cantigas de amor não
possuem variedade temática, sendo a temática mais
comum o amor não correspondido. Além disso, reproduzem o sistema hierárquico do feudalismo, pois
o trovador passa a ser o vassalo da amada (suserana) e espera receber um benefício em troca de seus
“serviços” (as trovas, o amor dedicado, o sofrimento
pelo amor não correspondido).
CANTIGAS DE AMIGO
As cantigas de amigo focalizam o outro lado da
relação amorosa entre ele e uma dama: o fulcro do
poema é agora representado pelo sofrimento amoroso da mulher, em geral pertencente às camadas
populares (pastoras, camponesas, etc.). O drama é
o da mulher, mas quem ainda compõe a cantiga é o
trovador.
Massuad Moisés diz que o “(...) trovador vive
uma dualidade amorosa, de onde extrai as duas
formas de lirismo amoroso próprias da época: em
espírito, dirige-se à dama aristocrática; com os sentidos, à camponesa ou à pastora.
Por isso, pode expressar autenticamente os dois
tipos de experiência passional, enquanto ele próprio, e enquanto a mulher que por ele desgraçadamente se apaixona. É digno de nota que essa ambigüidade, extremamente curiosa ainda como psicologia literária ou das relações humanas, não existia
antes do trovadorismo nem jamais se repetiu depois”.
O “eu-lírico” (quem fala) é a própria mulher, dirigindo-se em confissão à mãe, às amigas, aos pássaros, aos arvoredos, às fontes, aos riachos. O teor
da confissão é sempre uma paixão não correspondida, mas a que ela se entrega de corpo e alma.
Traduz um sentimento espontâneo, natural e
primitivo por parte da mulher, e um sentimento donjuanesco e egoísta por parte do homem, que geralmente está “(...) no fossado ou no bafordo, isto é, no
serviço militar ou no exercício de armas. Por isso, a
palavra amigo pode significar namorado e amante”.
Trata-se de uma poesia de caráter narrativo e
descritivo e se classifica de acordo com o lugar
geográfica e as circunstâncias em que decorrem os
acontecimentos (serranilha, pastorela, barcarola,
bailada, romaria, alva ou alvorada - surpreende os
amantes no despertar dum novo dia, depois de uma
noite de amor).
CANTIGAS DE ESCARNIO E DE MALDIZER
A Cantiga de Escárnio revela uma sátira que se
constrói indiretamente, por meio da ironia e do sarcasmo, usando palavras ambíguas, de duplo sentido.
Na Cantiga de Maldizer, a sátira é feita diretamente, com agressividade, com palavras chulas e
muitas vezes obscenas.
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Em geral escritas “(...) pelos mesmos trovadores
que compunham poesia lírico-amorosa, expressavam, como é fácil depreender, o modo de sentir e
de viver próprio de ambientes dissolutos, e acabaram por ser canções de vida boêmia (...) poesia
"forte", descambando para a pornografia ou o mau
gosto, possui escasso valor estético, mas em contrapartida documenta os meios populares do tempo,
na sua linguagem e nos seus costumes, com uma
flagrância de reportagem viva”.
Em geral, cultivadas por jograis de “má vida”,
eram acompanhadas pelas soldadeiras (= mulheres
a soldo), cantadeiras e bailadeiras, de vida dissoluta
que faziam coro com as “chulices” presentes nas
letras das canções.
CANCIONEIROS
Cancioneiros são coletâneas de canções, compiladas por ordem e graça de algum mecena ou soberano. Dos vários cancioneiros que existiram, três
merecem destaque:
1) Cancioneiro da Ajuda, composto no reinado de
Afonso III (fins do século XIII), o que exclui a contribuição de D. Dinis (reinou entre 1268 e 1325 e foi
chamado Rei Trovador); contém 310 cantigas, quase todas de amor;
2) Cancioneiro da Biblioteca Nacional (também
chamado Colocci-Brancuti, homenagem a seus dois
possuidores italianos, dos quais Brancuti foi o último), é, uma cópia italiana do século XVI, possivelmente de original do século anterior; contém 1 647
cantigas, de todos os tipos, e engloba trovadores
dos reinados de Afonso III e de D. Dinis;
3) Cancioneiro da Vaticana (o nome lhe vem de
ter sido descoberto na Biblioteca do Vaticano, em
Roma), também cópia italiana do século XVI, de
original do século anterior, inclui 1205 cantigas de
escárnio e de maldizer, de amor e de amigo.
PRINCIPAIS TROVADORES
Moisés destaca como principais trovadores:
- João Soares de Paiva, considerado o mais antigo, nascido em 1141.
- Paio Soares de Taveirós, autor da cantiga mais
antiga de que se tem registro.
TERMINOLOGIA POÉTICA
A poesia medieval utilizava requintados recursos
formais, apesar da aparência primitiva, espontânea,
e de ser composta para ser cantada, com regras e
estruturas peculiares.
Cantigas de atafinda ou de maestria, cantigas nas
quais ocorre o que chamamos hoje de encadeamento, ou “enjambement”, que consiste na continuação da idéia de um verso no verso seguinte, estabelecendo uma ligação de sentido entre os versos.
Esse esquema de organização das cantigas é considerado mais difícil e intelectualizado, por nele não
ocorrer o recurso do refrão. Acontece mais comumente nas cantigas de amor.
Cantigas paralelísticas, cantigas nas quais ocorre
o paralelismo, recurso que consiste na repetição de
vocábulos, na forma de sinônimos, no decorrer da
cantiga.
Cantigas de refrão, estrutura típica da poesia popular, na qual ocorre a presença do refrão, verso ou
par de versos que se repete após cada estrofe (que
era chamada de cobra, cobla ou talho, de acordo
com a Poética Fragmentária). O recurso do paralelismo e do refrão ocorre mais freqüentemente nas
cantigas de amigo e às vezes de amor.
Tenções, também chamadas cantigas dialogadas,
por apresentarem diálogos, ou seja, alternância
entre as vozes de interlocutores na cantiga. Ocorre
principalmente nas cantigas de amigo.
Além dos trovadores, havia outros tipos de artistas envolvidos nas manifestações artístico-literárias
da época, como os segréis, os jograis e os menestréis.
Simplificando, o trovador era o artista completo:
compunha, cantava e podia instrumentar as cantigas; as mais das vezes, era fidalgo decaído. Jogral
era uma designação menos precisa: podia referir o
saltimbanco, o truão, o ator mímico, o músico e até
mesmo aquele que compunha suas melodias; de
classe social inferior, por seus méritos podia subir
socialmente e ser classificado como trovador. Segrel designava um artista de controvertida condição:
colocado entre o jogral e o trovador, era o trovador
profissional, que ia de Corte a Corte interpretando
cantigas próprias ou não, a troco de soldo. Menestrel era como se chamava o músico e cantor da
Corte.
NOVELAS DE CAVALARIA
- D. Dinis, autor de aproximadamente 140 cantigas, entre líricas e satíricas.
- João Garcia de Guilhade escreveu 54 composições líricas e satíricas. Considerado um dos mais
originais trovadores do século XIII.
- Martim Codax, trovador da época de Afonso III,
escreveu 7 cantigas de amigo, as quais tem o mérito de constituir as únicas peças da lírica trovadoresca cuja pauta musical permaneceu até hoje.
- Outros trovadores: Afonso Sanches, Aires Corpancho, Nuno Fernandes Torneol, Bernardo Bonaval, Aires Nunes, João Zorro, etc.
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O Trovadorismo ainda se caracteriza pelo aparecimento e cultivo das novelas de cavalaria.
Originárias da Inglaterra ou/e da França surgiram
a partir das canções de gesta, antigos poemas de
temas guerreiros, que em Portugal foram traduzidos, com algumas modificações que buscavam
adaptar as novelas à realidade de Portugal.
Circulava entre a nobreza e, traduzidas do Francês, era natural que na tradução e cópia sofressem
voluntárias e involuntárias alterações com o objetivo
de adaptá-las à realidade histórico-cultural de Portugal.
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Convencionou-se agrupar as novelas de cavalaria em três ciclos:
1) ciclo bretão ou arturiano, tendo o Rei Artur e
seus cavaleiros como protagonistas;
2) ciclo carolíngio, em torno de Carlos Magno e os
doze pares de França;
3) ciclo clássico, referente a novelas de temas greco-latinos.
As novelas de cavalaria têm uma forte conotação
religiosa e eram permeadas por ensinamentos cristãos implícitos no enredo das histórias, refletiam o
culto à vida espiritual, a busca pela perfeição moral,
e a valorização de qualidades como a honra, a bravura, a castidade, a lealdade, a generosidade, a
justiça entre outras. Chegaram aos nossos dias as
seguintes novelas: Amadis de Gaula, História de
Merlim, José de Arimatéia e A Demanda do Santo
Graal.
Amadis de Gaula marca com relevância a ficção
da época, através do enredo amoroso e guerreiro,
bem ao gosto do gênero, do cavaleiro perfeito, destruidor de monstros, tímido e heróico, apaixonado e
fiel a sua amada Oriana, seguindo o modelo dos
cantares de amor. A novela surpreende, sobretudo,
pela atmosfera de sensualidade que une o par amoroso, em especial pelo fato da amada ter-se oferecido, gentilmente, antes do casamento.
A Demanda do Santo Graal é uma novela mística, tem começo numa visão celestial de José de
Arimatéia e no recebimento dum pequeno livro (A
Demanda do Santo Graal). José parte para Jerusalém; convive com Cristo, acompanha-lhe o martírio
da Cruz, e recolhe-lhe o sangue no Santo Vaso.
Deus ordena-lhe que o esconda. Tendo-o feito, morre em Sarras. O relato termina com a morte de Lancelote: seu filho, Galaaz, irá em busca do Santo
Graal.
Conforme Moisés “(...) A Demanda do Santo
Graal contém o seguinte: em torno da "távola redonda", em Camelot, reino do Rei Artur, reúnem-se
dezenas de cavaleiros. É véspera de Pentecostes.
Chega uma donzela à Corte e procura por Lancelote
do Lago. Saem ambos e vão a uma igreja, onde
Lancelote arma Galaaz cavaleiro e regressa com
Boorz a Camelot. Um escudeiro anuncia o encontro
de maravilhosa espada fincada numa pedra de
mármore boiando n'água. Lancelote e os outros
tentam arrancá-la debalde. Nisto, Galaaz chega
sem se fazer anunciar e ocupa a seeda perigosa (=
cadeira perigosa) que estava reservada para o cavaleiro "escolhido": das 150 cadeiras, apenas faltava preencher uma, destinada a Tristão. Galaaz vai
ao rio e arranca a espada do pedrão. A seguir, entregam-se ao torneio. Surge Tristão para ocupar o
último assento vazio.
Em meio ao repasto, os cavaleiros são alvoroçados e extasiados com a aérea aparição do Graal
(= cálice), cuja luminosidade sobrenatural os transfigura e alimenta, posto que dure só um breve momento. Galvão sugere que todos saiam à demanda
(= à procura) do Santo Graal. No dia seguinte, após
ouvirem missa, partem todos, cada qual por seu
lado.
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Daí para frente, a narração se entrelaça, se emaranha, a fim de acompanhar as desencontradas
aventuras dos cavaleiros do Rei Artur, até que, ao
cabo, por perecimento ou exaustão, ficam reduzidos
a um peque no número. E Galaaz, em Sarras, na
plenitude do ofício religioso, tem o privilégio exclusivo de receber a presença do Santo Vaso, símbolo
da Eucaristia, e, portanto, da consagração de uma
vida inteira dedicada ao culto das virtudes morais,
espirituais e tísicas.
A novela ainda continua por algumas páginas,
com a narrativa do adulterino caso amoroso de Lancelote, pai de Galaaz, e de D. Ginebra, esposa do
Rei Artur. Tudo termina com a morte deste último”.
CRONICÕES E LIVROS DE LINHAGEM
Além da poesia e das novelas de cavalaria no
trovadorismo, ainda foram cultivados outras manifestações literárias: os cronicões, as hagiografias e
os nobiliários ou livros de linhagem.
Os cronicões, de pouco valor literário, deram
origem à historiografia portuguesa e serviram de
material de suporte para Herculano compor sua
Portugaliae Monumenta Historica. Crônicas Breves
do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, Crónica
Geral de Espanha (1344), provavelmente elaborada
por D. Pedro, Conde de Barcelos, filho bastardo de
D. Dinis.
As hagiografias (= vidas de santos), escritas em
Latim, possuem ainda menos significado literário.
Os livros de linhagens eram relações de nomes,
especialmente de nobres, com o objetivo de estabelecer graus de parentesco que serviam para dirimir
dúvidas em caso de herança, filiação ou de casamento em pecado (= casamento entre parentes até
o sétimo).
Ao lado de informações tipicamente genealógicas revelam veleidades literárias: nas referências às
ligações genealógicas se intercalam, com realismo,
colorido e naturalidade, narrativas breves, mas de
especial interesse, como a da Batalha do Salado.
III – HUMANISMO (1418-1527)
Em Portugal, o Humanismo inicia-se quando
Fernão Lopes, guarda-mor da torre do Tombo desde 1418, é encarregado por D. Duarte (filho de D.
João I) de “por em crônica as histórias de seus antepassados. e ou da sua promoção a Cronista-Mor
do Reino, em 1434, e encerra-se em 1527, quando
Sá de Miranda regressa da Itália trazendo a medida
nova (ou o decassílabo).
Pela primeira vez, é demonstrada uma preocupação com a História documentada, envolvendo a
descrição dos fatos sociais fora dos parâmetros da
Corte.
OS CRONISTAS: FERNÃO LOPES
Autodidata, de origem humilde, foi um dos legítimos
representantes do saber popular, embora já no seu
tempo um novo tipo de saber começava a surgir: de
cunho erudito-acadêmico e humanista.
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Das várias crônicas que teria escrito sobre os
reis portugueses da primeira dinastia (Dinastia de
Avis) e do começo da segunda, várias se perderam,
só restando três de autoria indiscutível: Crônica d'ElRei D. Pedro, Crônica d'El-Rei D. Fernando e Crônica d'El-Rei D. João I. Outras, ainda lhe são atribuídas, como a Crônica do Condestável (publicada em
1526).
Decididamente vocacionado para a historiografia,
Fernão Lopes tem sido considerado o "pai da História" em Portugal. Sua visão abrangente e lúcida de
Fernão Lopes torna possível o “nascimento” da História documentada de Portugal compilando fatos
como a Dinastia de Avis, a expansão marítima portuguesa.
Seu valor como historiador reside acima de tudo
no fato de procurar ser "moderno", desprezando o
relato oral em favor dos acontecimentos documentados.
Do ponto de vista da forma, o seu estilo representa uma literatura de expressão oral e de raiz
popular. Ele próprio diz que nas suas páginas não
se encontra a formosura das palavras, mas a nudez
da verdade. “(...) nosso desejo foi em esta obra
escrever verdade, sem outra mistura, deixando nos
bons aquecimentos todo fingido louvor, e nuamente
mostrar ao povo, quaisquer contrárias cousas, da
guisa que avieram."
Iniciador da historiografia da expansão ultramarina, Azurara não tinha o mesmo talento de Fernão
Lopes, escreve numa linha ufanista (que culminará
n’ Os Lusíadas). Ao contrário de Fernão Lopes,
preocupa-se com pessoas, individualidades, e não
com grupos sociais, onde a ação isolada do cavaleiro predomina sobre à da massa popular e já encontramos em sua obra certa influência da cultura clássica.
Foi sucedido por Vasco Fernandes de Lucena,
que nada escreveu apesar de ocupar o cargo mais
ou menos 30 anos.
RUI DE PINA
Quarto cronista-mor, Rui de Pina escreveu nove
crônicas a propósito de monarcas da 1.ª e 2.ª dinastias: Sancho I, Afonso II, Sancho II, Afonso III, D.
Dinis, Afonso IV, D. Duarte, Afonso V, e D. João II.
Contesta-se a autoria integral dessas crônicas: “as
seis primeiras seriam a refundição duma obra contemporânea cujos originais só muito recentemente
foram descobertos (na Biblioteca Pública do Porto e
na casa do Cadaval), ou, ainda, calcadas nas crônicas perdidas de Fernão Lopes”. Suas crônicas possuem valor historiográfico, em especial pelos novos
e diferentes dados sobre a sociedade portuguesa de
seu tempo e pela sobriedade da linguagem, de influência clássica.
A PROSA DOUTRINÁRIA
Fernão Lopes enquadra-se nitidamente nas estruturas culturais da Idade Média. Todavia, alguns
pormenores fazem dele um homem avançado para
o seu tempo.
Dotado dum estilo maleável, coloquial, primitivo,
saborosamente palpitante e vivo, não escondia o
seu gosto acentuado pelo arcaísmo, talvez em decorrência de sua origem plebéia e seu amor ao povo, à "arraia-miúda".
Fernão Lopes possui incomum sentido plástico
da realidade, procurando oferecer ao leitor um instantâneo "vivo", "atual", dos acontecimentos. Incorporou em sua obra alguns recursos da novela, como
por exemplo, nos retratos psicológicos das personagens, a cerrada cronologia, o emprego dos diálogos, constituem soluções estruturais que trouxe da
novela e caldeou com seu próprio pendor literário.
Sua carreira como historiador é provavelmente a
mais longa, sendo sucedido por Gomes Eanes de
Zurara após a aposentadoria.
GOMES EANES DE ZURARA
Gomes Eanes de Azurara (ou Zurara) sucedeu a
Fernão Lopes e continuou o propósito de escrever a
crônica de todos os reis portugueses até àquela
data.
Escreveu a 3.ª parte à Crônica de D. João I (conhecida como Crônica da Tomada de Ceuta, sua
obra mais importante), Crônica do Infante D. Henrique ou Livro dos Feitos do Infante, Crônica de D.
Pedro de Meneses, Crônica de D. Duarte de Meneses, Crônica dos Feitos de Guiné, Crônica de D.
Fernando, Conde de Vila-Real (desaparecida).
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A prosa de caráter religioso girou em torno de
traduções de episódios bíblicos, muitas vezes ampliadas com comentários ou derivações ficcionadas,
e de obras de caráter hagiográfico (vidas de santos). Escrita pelos monarcas portugueses, a Prosa
Doutrinária era direcionada à educação da nobreza
objetivando orientá-la no convívio social e no adestramento físico para a guerra. Conforme Moisés “O
culto do desporto, especialmente o da caça, ocupa
o primeiro lugar nessa pedagogia pragmática. As
virtudes morais também se lembram e se enaltecem, mas sempre visando a alcançar o perfeito
equilíbrio entre a saúde do corpo e a do espírito”.
Destaca:
Livro da Montaria, de D. João I, em que se ensina
a caça ao porco montes, considerado o desporto
ideal para a fidalguia;
Leal Conselheiro e Livro da Ensinança de Bem
Cavalgar Toda Sela, de D. Duarte: na primeira,
recopila e adapta com independência e novidade
reflexões filosóficas e psicológicas de várias e contraditórias fontes, desde Cícero até S. Tomás de
Aquino; na outra, faz a apologia da vida ao ar livre,
mas não esquece de exaltar as virtudes do espírito,
especialmente a vontade;
O Livro da Virtuosa Benfeitoria, do Infante D.
Pedro, o Regente (nascido em 1392 e morto em
1449, na batalha de Alfarrobeira, era filho bastardo
de D. João I), contém a tradução e adaptação da
obra De Beneficiis, de Séneca, realizada com a
ajuda de Frei João Verba, e que trata das numerosas modalidades e virtudes do "benefício", sobretudo na educação dos nobres;
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Livro de Falcoaria, de Pero Menino, em que se
ensina a tratar das doenças dos falcões.
Outras obras de destacam, como o Boosco Deleitoso, obra com forte influência de Petrarca nos
primeiros capítulos, em que se narra a peregrinação
da alma em busca da salvação, etc.
Com relação às incertezas da vida do mestre,
Saraiva deixa a questão de lado, achando muito
mais pertinente destacar o gênio vicentino e sua
autenticidade como criador: “Se ele está vivo no
meio das múmias que assinalam a história do teatro
português, isso se deve certamente ao fato de que
ele era Gil Vicente, o grande teatrólogo e não qualquer outra pessoa”.
A POESIA DO CANCIONEIRO GERAL
A poesia portuguesa quatrocentista, do reinado
de D. João II e D. Manuel, foi compilada por Garcia
de Resende no seu Cancioneiro Geral (1516). São
composições escritas em português e castelhano.
Contém aproximadamente mil composições, de 286
poetas, cerca de 150 são escritas em Espanhol.
A poesia do período se caracteriza pelo divórcio
entre a "letra" e a música. O ritmo é alcançado com
os próprios recursos da palavra disposta em versos,
estrofes, etc., e não com a pauta musical.
O Cancioneiro Geral introduziu o emprego do
verso redondilha (redondilha menor, com 5 sílabas,
e redondilha Maior, com 7 sílabas) e trouxe novidades temáticas: a influência clássica (Ovídio), o influxo italiano (Dante e Petrarca: o lirismo centrado no
conhecimento do amor e suas contradições. internas) e o espanhol (Marques de Santilhana, Juan de
Mena, Gómez Manrique, Jorge Manrique).
Há, ainda, registros de poesia épica, religiosa e
satírica.
Entretanto, o ponto alto do Cancioneiro Geral é
representado pela poesia lírica.
Poetas que se destacam no Cancioneiro Geral:
João Ruiz de Castelo-Branco representa-se com a
"Cantiga sua partindo-se", Garcia de Resende, com
as Trovas à Morte de Dona Inês de Castro, graças
ao forte sentimento de adesão ao "caso" da amante
de D. Pedro, a ponto de possivelmente o poema
haver estado presente no espírito de Camões quando este desenhou igual episódio em Os Lusíadas,
além de Bernardim Ribeiro e Sá de Miranda.
O TEATRO POPULAR DE GIL VICENTE
Anteriormente a Gil Vicente, o teatro em Portugal
consistia na representação de breves quadros religiosos alusivos a cenas bíblicas e encenados em
datas festivas, como o Natal e a Páscoa. Geralmente falados em Latim, eram encenados nas igrejas.
Posteriormente, surge o teatro profano, de caráter
não religioso.
A biografia de Gil Vicente é muito enigmática.
Seria ele o ourives autor na famosa cruz de Belém?
Nobre arruinado? O enigma continua a possibilitar
teses a favor e contra, na busca de esclarecer as
incertezas biográficas do grande teatrólogo português.
O concreto é que Gil Vicente mantinha proximidade aos integrantes da corte, em especial à rainha
D. Maria, cuja homenagem ao nascimento do filho
da monarca, mais tarde D. João III, Rei de Portugal,
escreveu e interpretou o Auto da Visitação (também
conhecido como Monólogo do Vaqueiro), no ano de
1502.
Bibliografia para Língua Portuguesa
Com relação a Gil VICENTE não ter estudado
formalmente, não ter bebido das fontes clássicas
(...) “Seu auto-didatismo possibilitou-lhe as condições de originalidade de sua estrutura artística,
dando-lhe uma expressão singular, predispondo-o a
representar de maneira objetiva, os valores culturais
de seu momento histórico”.
Recebeu influências do teatro medieval e também de Juan Del Encina, dramaturgo castelhano,
seu contemporâneo, e pode ser constatada na pintura dos quadros sociais ou através de citações
direta ao mestre espanhol.
Durante trinta e quatro anos de produção dramatúrgica, pontilhados de algumas trovas, sermões e
epístolas, ele nos legou 44 peças, sendo a primeira
em 1502, com o Monólogo do Vaqueiro e a última
Floresta de Enganos, no ano de 1536.
No teatro de Gil Vicente, conviveram elementos
característicos do medievo e do humanismo. “Em
seu teatro desfilava uma verdadeira fauna humana,
conforme Saraiva, sendo suas personagens muito
mais tipos que se comportam segundo automatismos inveterados”.
Dentre os ‘tipos’ sociais que desfilam nas peças
vicentinas, podemos mencionar como mais recorrentes: a alcoviteira, o escudeiro pobre, o clérigo
corrupto, a viloa casadoira, o almocreve, o sapateiro, os pajens etc. Todos são descritos com mordacidade pelo dramaturgo.
Gil Vicente foi autor e ator e suas representações, cheias de improvisos já previstos, são ricas,
densas e variadas.
Sua galeria de tipos humanos é imensa: o padre
corrupto, o cardeal ganancioso, o sapateiro que
explora o povo, a beata, o médico incompetente, os
aristocratas decadentes, etc.
Seus personagens não têm nome - são sempre
designados pela profissão, assim registrando os
tipos sociais que faziam parte da sociedade da época.
O teatro era sua arma de combate e de denúncia
contra a imoralidade. Sua linguagem, bastante simples, espontânea e fluente. Assim como os cenários
e as montagens.
A relevância das quarenta e quatro peças de Gil
Vicente não se exauriu até os nossos dias, fossem
elas autos ou farsas, tratassem de temas cotidianos,
fantásticos ou religiosos.
A genialidade e habilidade de Gil Vicente fizeram
dele o maior dramaturgo português de todos os
tempos. Trata-se do princípio intemporal que, segundo SARAIVA, caracteriza a arte de forma geral.
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Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
Didaticamente, pode-se dividir em fases o teatro
vicentino:
a) 1.ª fase, de 1502 a 1514, em que a influência de
Juan del Encina é dominante, sobretudo nos primeiros anos, atenuando-se depois de 1510;
b) 2.ª fase, de 1515 a 1527, começando com Quem
tem farelos? e terminando com o Auto das Fadas:
corresponde ao ápice da carreira dramática de Gil
Vicente, com a encenação de suas melhores peças,
dentre as quais a Trilogia das Barcas (1517-1518), o
Auto da Alma (1518), a Farsa de Inês Pereira
(1523), o juiz da Beira (1525);
c) 3.ª fase, de 1528, com o Auto da Feira, até
1536, com a Floresta de Enganos, fase em que o
dramaturgo intelectualiza seu teatro sob influência
do classicismo renascentista.
Os temas do teatro vicentino também variam:
Teatro tradicional, predominantemente medieval: são as peças de caráter religioso (Auto da Fé, o
Auto da Alma), peças de assunto bucólico (Auto
Pastoril Castelhano, o Auto Pastoril Português), as
peças de assunto relacionado com as novelas de
cavalaria (D.Duardos, Auto de Amadis de Gaula).
Teatro atual: caracteriza-se por conter o retrato
satírico da sociedade do tempo, em seus vários
estratos, a fidalguia, a burguesia, o clero e a plebe
(Farsa de Inês Pereira e em Quem tem farelos? (ou
Farsa do Escudeiro), ou pelo teatro alegórico-crítico,
como a Trilogia das Barcas.
Sua obra, compilada por seu filho, Luís Vicente
segue a seguinte divisão:
1) Obras de devoção (Monólogo do Vaqueiro, Auto
Pastoril Castelhano, Auto da Alma, Auto da Feira,
Trilogia das Barcas, etc.);
2) Comédias (Comédia do Viúvo, Comédia de Rubena, Divisão da Cidade de Lisboa, Floresta de
Enganos);
3) Tragicomédias (Exortação da Guerra, Cortes de
Júpiter, Frágoa de Amor;
4) Farsas (Quem tem farelos?, Auto da índia, O
Velho da Horta, Inês Pereira, Juiz da Beira, Farsa
dos Almocreves, etc.).
Segundo o autor, “o teatro de Gil Vicente caracteriza-se, antes de tudo, por ser rudimentar, primitivo e popular, muito embora tenha surgido e se tenha desenvolvido no ambiente da Corte, para servir
de entretenimento aos animados serões oferecidos
pelo Rei”.
IV – CLASSICISMO (1527-1580)
PRELIMINARES
O marco inicial do Classicismo português é em
1527, quando se dá o retorno do escritor Sá de Miranda de uma viagem feita à Itália, de onde trouxe
as idéias de renovação literária e as novas formas
de composição poética, como o soneto.
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O período se encerra em 1580, ano da morte de
Luís Vaz de Camões e do domínio espanhol sobre
Portugal.
Para Massaud Moisés, o Renascimento foi decisivo para a Literatura Portuguesa. O Humanismo
antecedeu ao Classicismo e preparou o movimento
cultural, em especial “pela descoberta dos monumentos culturais do mundo greco-latino, de modo
particular as obras escritas, em todos os recantos
do saber humano, e por uma concepção de vida
centrada no conhecimento do homem, não de
Deus”.
A descoberta do caminho marítimo para as Índias, em 1498 por Vasco da Gama, e dois anos
depois o "achamento" do Brasil, permitiram a Portugal gozar de um prestígio cultural e econômico,
mesmo que momentâneo, no reinado de D. Manuel.
Este otimismo ufanista chega ao fim com a batalha em Alcácer-Quibir, no ano de 1578, quando
morre D. Sebastião e Portugal passa ao domínio
espanhol. Sob Felipe II, Camões reflete essa atmosfera de exaltação épica e desafogo financeiro que
cruza as primeiras décadas do século XVI, mas não
deixa de refletir também o desalento dos lúcidos
perante a efêmera superioridade portuguesa através
da fala do Velho do Restelo e do epílogo d’ Os Lusíadas.
Do Classicismo ao teocentrismo medieval, vai
opor-se uma concepção antropocêntrica do mundo,
em que o "homem é a medida de todas as coisas".
Enfatiza-se a imitação dos autores clássicos gregos
e romanos da antiguidade: Homero, Virgílio, Ovídio,
etc.; uso da mitologia: Os deuses e as musas, inspiradoras dos clássicos gregos e latinos aparecem
também nos clássicos renascentistas (Em Os Lusíadas: (Vênus) = a deusa do amor e (Marte) o deus
da guerra, protegem os portugueses em suas conquistas marítimas; predomínio da razão sobre os
sentimentos: a linguagem clássica não é subjetiva
nem impregnada de sentimentalismos e de figuras,
porque procura coar, através da razão, todos os
dados fornecidos pela natureza e, desta forma expressou verdades universais; linguagem sóbria,
simples, sem excesso de figuras literárias; idealismo: o classicismo aborda os homens ideais, libertos
de suas necessidades diárias, comuns.
Os personagens centrais das epopéias (grandes
poemas sobre grandes feitos e atos heróicos) nos
são apresentados como seres superiores, verdadeiros semideuses, sem defeitos. amor Platônico: Os
poetas clássicos revivem a idéia de Platão de que o
amor deve ser sublime, elevado, espiritual, puro,
não-físico; busca da universalidade e impessoalidade. A obra clássica torna-se a expressão de verdades universais, eternas e despreza o particular, o
individual, aquilo que é relativo. O saber concreto,
"científico" e objetivo, tende a valorizar-se em detrimento do abstrato; notável avanço opera-se no
campo das ciências experimentais; a mitologia greco-latina, esvaziada de significado, passa a funcionar apenas como símbolo ou ornamento; em suma:
o humano prevalece ao divino.
Em 1527, depois de ausente seis anos, Sá de
Miranda regressa da Itália, impregnado das novas
idéias.
Bibliografia para Língua Portuguesa
Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
Introduziu, ou colaborou para introduzir o verso
decassílabo, o terceto, o soneto, a epístola, a elegia, a canção, a ode, a oitava, a écloga, a comédia
clássica (escreveu Os Estrangeiros em 1526). Tornou-se o principal divulgador do Classicismo, mas o
papel de teórico do movimento coube a Antonio
Ferreira.
A LÍRICA CAMONIANA
Camões é grande, dentro e fora dos quadros
literários portugueses, por sua poesia.
Escreveu versos tanto na medida velha quanto na
medida nova. Seus poemas heptassílabos, geralmente são compostos por um mote e uma ou mais
estrofes que constituíam glosas (ou voltas a ele).
A ESTÉTICA CLÁSSICA
Para Moisés, o classicismo consistia, antes de
tudo, numa concepção de arte baseada na imitação
dos clássicos gregos e latinos, considerados modelos de suma perfeição estética.
Imitar não significava copiar, mas criar obras de
arte segundo as fórmulas, as medidas, empregadas
pelos antigos.
Estabelece-se, ou deseja-se, um equilíbrio entre
Razão e imaginação, no afã de criar uma arte universal e impessoal. Todavia, a universalidade e a
impessoalidade implicavam uma concepção absolutista de arte onde provém que os clássicos renascentistas procurem a Beleza, o Bem e a Verdade,
com maiúsculas iniciais, em virtude dessa concepção absolutista e idealista de arte. Percebe-se por
isso que os clássicos atribuíam à arte objetivos éticos, identificados com o Bem e a Verdade.
O Classicismo português se inicia e termina com
um poeta: Sá de Miranda e Camões. Numa visão de
conjunto, este último é o grande poeta, enquanto os
demais se colocam em plano inferior, naturalmente
ofuscados pelo seu brilho.
Os sonetos são a parte mais conhecida da lírica
camoniana.
As composições líricas de Camões oscilam entre
dois pólos: o lirismo confessional, em que o autor dá
vazão à sua experiência íntima, e a poesia pura
arte, em que pretende transpor os sentimentos e os
temas a um plano formal, lúdico. Em outras palavras, Camões demonstra, em seus sonetos, uma
luta constante entre o amor material, manifestação
da sensualidade e do desejo, e o amor idealizado,
puro, espiritualizado, capaz de conduzir o homem à
realização plena.
Isso faz que o poeta abstraia a mulher, ou as
mulheres, em favor da Mulher. Camões pinta com o
auxílio da Razão o retrato da Mulher, formado da
reunião de todas e de nenhuma em particular, porque subordinado a um ideal de beleza perene e
universal. . Nessa perspectiva, o poeta concilia o
amor como idéia e o amor como forma, tendo a
mulher como exemplo de perfeição, ansiando pelo
amor em sua integridade e universalidade.
O poeta procura conhecer, conceituar o Amor, o
que só consegue realizar lançando mão de antíteses e paradoxo.
LUIZ VAZ DE CAMÕES
Pouco se conhece da vida de Luís Vaz de Camões. Escritor de dados biográficos muito obscuros,
Camões é o maior autor do período. Teria nascido
em 1524 ou 1525, talvez em Lisboa, Alenquer, Coimbra ou Santarém. Pelo seu talento e cultura, teria
provocado paixões entre damas da Corte, dentre as
quais a lnfanta D. Maria, filha de D. Manuel e irmã
de D. João III, e D. Catarina de Ataíde. Por causa
desses amores proibidos, é "desterrado" algum
tempo para longe da Corte, até que resolve "exilarse" em Ceuta (1549), como soldado raso. Perde um
olho, e regressa a Lisboa. Em 1552, na procissão
de Corpus Christi, fere Gonçalo Borges, é preso e
solto, em seguida, sob a condição de engajar-se no
serviço militar ultramarino. Com efeito, em fim 1553,
chega à Índia. Em 1556, dá baixa, e é nomeado
"provedor mor dos bens de defuntos e ausentes",
em Macau. Ali, teria escrito parte d'Os Lusíadas.
Acusado de prevaricação, vai à Goa defender-se,
mas naufraga na foz do rio Mecon: salva-se a nado,
levando Os Lusíadas mas perdendo sua companheira, Dinamene. Em 1572, Camões publica Os
Lusíadas, poema épico que celebrava os recentes
feitos marítimos e guerreiros de Portugal. A obra fez
tanto sucesso que o escritor recebeu do rei D. Sebastião uma pensão anual – que mesmo assim não
o livrou da extrema pobreza que vivia. Camões morre pobre e abandonado, em 10 de Junho de 1580.
Escreveu teatro ao modo vicentino (Auto de Filodemo e El-Rei Seleuco) e ao clássico (Anfitriões), mas
sem alcançar maior nível, relativamente à sua poesia e aos comediógrafos do tempo. Sua correspondência contém valor biográfico ou histórico-literário.
Bibliografia para Língua Portuguesa
A longa e dramática meditação acerca dos mistérios do Amor, Camões acrescenta idêntica reflexão
a propósito da condição humana. A vida, tema muito
mais vasto que o da mulher e o amor, é que agora
lhe interessa. Para tanto, porém, o poeta somente
conta com o recurso da auto-sondagem, pois em si
encontra a súmula da tragédia humana espalhada
pelos quatro cantos do mundo. E à proporção que
aprofunda a análise, vai reparando que uma espécie
de fatalismo, o "fado", o impede mesmo de recorrer
ao desespero. A mente se debate num mar de paradoxos e pensamentos desencontrados, e não
pode interromper o processo nem com a ajuda da
desesperação: é o desconserto do mundo.
Em síntese, o núcleo da poesia reflexiva de Camões: “a vida não tem razão de ser, e descobri-lo e
pensá-lo incessantemente é inútil, além de perigoso,
pois apenas acentua quão irremediavelmente miserável é a condição humana”.
A POESIA ÉPICA DE CAMÕES
Os Lusíadas representam a faceta épica da poesia camoniana. Considerada o "Poema da Raça",
"Bíblia da Nacionalidade", etc., a epopéia constrói a
visão do mundo e dos homens quinhentistas portugueses, retratando o exato momento em que Portugal atingia o ápice de sua evolução histórica.
Recorre a todo material produzido por escritores
portugueses anteriormente: Fernão Lopes, Gomes
Eanes de Zurara, Garcia de Resende e Antonio
Ferreira.
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Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
O cerne da ação desenvolve-se em torno da
viagem de Vasco da Gama às Índias. A palavra
“lusíada” é um neologismo inventado por André de
Resende para designar os portugueses como descendentes de Luso (filho ou companheiro do deus
Baco).
Contém 10 cantos, 1102 estrofes ou estâncias e,
portanto, 8816 versos; as estâncias estão organizadas em oitava-rima,
Após grande banquete, Tethys conduz Vasco da
Gama ao ponto mais alto da ilha e desvenda-lhe a
"máquina do mundo" e o futuro glorioso dos portugueses. Partida. Chegada a Portugal.
Os Lusíadas representam o espírito novo trazido
pela Renascença.
A começar do herói, como o título indica, o herói
desta epopéia é coletivo, os Lusíadas, ou seja, os
filhos de Luso, os portugueses.
Divide-se em três partes:
1ª parte: Introdução
PAPEL E SIGNIFICADO DA MITOLOGIA
EM “OS LUSÍADAS”
Estende-se pelas 18 estrofes do Canto I e subdivide-se em:
Camões utiliza a mitologia pagã pelas seguintes
razões:
Proposição: é a apresentação do poema, com a
identificação do tema e do herói (constituem as três
primeiras estrofes do canto I): o poeta se propõe
cantar as façanhas das "armas e os barões assinalados", isto é, os feitos bélicos de homens ilustres;
Invocação: o poeta invoca as Tágides, musas do rio
Tejo, pedindo a elas inspiração para fazer o poema.
Dedicatória: o poema é dedicado a D. Sebastião, rei
de Portugal, que custeou a publicação e uma pensão vitalícia para seu autor.
- Obedece às regras da epopéia clássica: conter um
plano mitológico com os deuses da sua civilização,
e tal ato apenas revela o enorme conhecimento e a
profunda admiração que Camões nutria pela Antiguidade Clássica;
2ª parte: Narração - (da estrofe 19 do Canto I até a
estrofe 144 do Canto X), o poeta relata a viagem
propriamente dita dos portugueses ao Oriente.
3ª parte: Epílogo. É a conclusão do poema (estrofes
145 a 156 do Canto X), onde o poeta pede às musas que o inspiraram para calarem a voz de sua lira,
pois está desiludido com uma pátria que já não merece as glórias do seu canto.
- Assegura a ação interna do poema épico ao opor
deuses e humanos, possibilitando a demonstração
de emoções sem por isso enfraquecer o seu poder;
- Embeleza a intriga, tornando a obra mais do que
um especial relato de viagem, e criando outro ponto
de interesse sem, porém, tirar a importância ao plano da narração; "enfeita", dando mais emoção à
história, tornando-a mais uma espécie de “novela”
do que apenas um “relatório”;
- Mostra que até mesmo os deuses conseguem
exprimir sentimentos como o amor, ódio, inveja e
sensualidade;
Síntese do poema: quando a ação do poema começa (estância 19), as naus estão navegando pelo
meio da viagem, em pleno Oceano Indico. No Olimpo, os deuses se reúnem em concílio, para decidir a
sorte dos navegantes. Júpiter, Vênus e Marte são
favoráveis à sorte dos portugueses e Baco é o opositor ferrenho que fará o que puder para atrapalhar o
feito daqueles que ofuscariam suas façanhas. As
agressões são poderosas, porém Vênus está atenta
para protegê-los sutilmente. Durante a viagem, onde
aportam, Vasco da Gama vai narrando a história
dos portugueses, a partir da fundação da pátria,
prosseguindo com uma série de episódios históricos: o de Egas Moniz, Inês de Castro, a batalha de
Ourique, a batalha do Salado, a batalha de Aljubarrota, a tomada de Ceuta, o sonho profético de D.
Manuel, os aprestos da viagem, a fala do Velho do
Restelo e a largada; a seguir, o Gama conta a primeira parte da viagem, cujas peripécias mais importantes são: o fogo de Santelmo, a tromba marinha, a
aventura de Veloso, o Gigante Adamastor, chegada
a Melinde.
-Glorifica o povo português ao colocá-lo em cenários adversos criados pelos deuses, mas que ainda
assim conseguem ser superados, criando uma
comparação entre a força de ambos;
Com a chegada a Calecut, Gama desembarca e
é recepcionado pelo Samorim. Enquanto isso, Paulo
da Gama recebe a bordo da nau capitania o Catual,
a quem comunica o significado das figuras desenhadas nas bandeiras; uma última tentativa de Baco
é desfeita e os navegantes devem regressar à Pátria. Na Ilha dos Amores, os navegantes são favorecidos pelas ninfas em recompensa do heróico feito
praticado.
SÁ DE MIRANDA
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- Evidencia a grandeza dos feitos portugueses como: vencer o mar (Netuno), ultrapassar o gigante
Adamastor e vencer as guerras (Marte);
- Demonstra que os portugueses enquanto heróis
são deuses, pois se tornam "imortais" pelos feitos
praticados.
Na verdade, o poeta se viu obrigado a colocar
maior ênfase naquilo que era marginal ao eixo central da epopéia, como se pode observar na fisionomia de alguns episódios fundamentais: a Ilha dos
Amores, os Doze de Inglaterra, Inês de Castro, o
Gigante Adamastor, a fala do Velho do Restelo.
Essas inovações ressaltam a criatividade de Camões e a edificação duma epopéia renascentista,
moderna.
Escritor português, natural de Coimbra. De família fidalga, surge no Cancioneiro Geral de Garcia de
Resende (1516), onde colaborou com poesias em
português e em castelhano (como era habitual nos
escritores da época). Em 1521, fez uma viagem à
Itália, lá permanecendo até 1516 onde foi introduzido ao Renascimento italiano.
Bibliografia para Língua Portuguesa
Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
Sá de Miranda foi o introdutor, na Literatura Portuguesa, do soneto, do terceto, da oitava, de subgêneros poéticos como a canção, a carta, a écloga e a
elegia, do verso decassílabo e da comédia clássica.
Sá de Miranda concebeu as primeiras comédias
clássicas portuguesas (Estrangeiros e Vilhalpandos), embora não tenha sido bem recebido pelo
público, habituado aos autos à moda de Gil Vicente.
Sá de Miranda deixou uma importante obra epistolográfica e uma série de éclogas, entre outros textos. A sua obra foi publicada postumamente, em
1595. Influenciou decisivamente escritores, seus
contemporâneos e posteriores, como António Ferreira, Diogo Bernardes, Pero Andrade de Caminha,
Luís de Camões, D. Francisco Manuel de Melo ou
ainda, mais recentemente, Jorge de Sena, Gastão
Cruz e Ruy Belo, entre outros.
A HISTORIOGRAFIA DE JOAO DE BARROS
João de Barros é geralmente considerado o primeiro grande historiador português. Sua carreira
literária iniciou-se muito jovem, com pouco mais de
vinte anos, ao escrever um romance de cavalaria, a
Crónica do Emperador Clarimundo, donde os Reys
de Portugal descendem, dedicado ao soberano e ao
príncipe herdeiro Dom João. Como A Demanda do
Santo Graal, a novela é dominada por um tom messiânico: O advento do império português.
Por sugestão de por Dom Manuel I, iniciou a
escrita de uma história que narrava os feitos dos
portugueses na Índia - as Décadas da Ásia (Ásia de
Ioam de Barros, dos feitos que os Portuguezes fizeram na conquista e descobrimento dos mares e
terras do Oriente).
Enquanto historiador e lingüista, João de Barros
merece a fama que começou a correr logo após a
sua morte. As "Décadas" são não só um precioso
manancial de informações sobre a história dos portugueses na Ásia, mas, principalmente o início da
historiografia moderna em Portugal e no Mundo.
Obras de João de Barros: Crónica do Imperador
Clarimundo, Rhopica pneuma ou Mercadoria Espiritual , Grammatica da Língua Portuguesa com os
Mandamentos da Santa Madre Igreja, Diálogo da
Viciosa Vergonha, Diálogo sobre Preceitos Morais,
Diálogo Evangélico sobre os Artigos da Fé, Panegíricos: de D. João III e da Infanta D. Maria , Décadas
da Ásia. Volumes I a IV entre outros.
A LITERATURA DE VIAGENS
Quanto à literatura de viagens é importante ressaltar o objetivo maior: transmitir a beleza deslumbrante das descobertas de novas esferas e paisagens. Dessa forma, nascem os relatos de viagens,
roteiros, diários ou equivale, "reportagens" do mundo que se alargava incrivelmente.
Exemplos do gênero: História Trágico-Marítima,
coletânea de relatos e naufrágios ocorridos nos
séculos XV, XVI e XVII, organizada por Bernardo
Gomes de Brito.
As crônicas de viajantes como Francisco Álvares, autor da Verdadeira Informação das Terras do
Preste João (Abissínia); Fernão Cardim, autor dos
Tratados da Terra e Gente do Brasil.
Bibliografia para Língua Portuguesa
Fernão Mendes Pinto é o maior representante do
gênero e autor de uma das obras mais significativas
do século XVI e de toda a literatura de viagens de
qualquer tempo: Peregrinação (tudo começa em
águas Portuguesas continentais, quando a caravela
em que vai o narrador de Lisboa a Setúbal é aprisionada por piratas Franceses. Daí para frente, segue um rol de complicadas e pitorescas aventuras
pelo Oriente).
Fernão Mendes Pinto deixou um relato vivo e
saboroso duma quase mítica experiência humana
por terras e gentes da África e Ásia.
O CONTO
Segundo Massaud Moisés, “(...) o conto, de remota e vaga origem, cujas primeiras manifestações
se localizam nas Mil e Uma Noites, foi pouco apreciado em Portugal antes do Romantismo’. O primeiro nome que merece ser lembrado historicamente é
o de Gonçalo Fernandes Trancoso, que escreveu
breves narrativas de fundo moral, logo publicadas
sob o título de Contos e Histórias de Proveito e Exemplo. O êxito que de imediato conheceu não se
alterou durante o século XVII, inclusive no Brasil,
especialmente no Nordeste, onde passaram a chamar-se de "estórias de Trancoso" as narrativas populares de imaginação e exemplo moral.
Numa prosa desataviada, coloquial, ingênua,
Trancoso mistura o sobrenatural com o real sem
medo à inverosimilhança, aproveitando-se da tradição oral e dos ensinamentos de contistas espanhóis, como D. Juan Manuel, e italianos, como
Boccaccio, autor do conhecido Decamerone, do
inglês Geoffrey Chaucer, autor de The Canterbury
Tales, entre outros.
A NOVELISTICA
A novelística segue o espírito da cavalaria, que
ainda teimava em subsistir em Portugal. A matéria
cavaleiresca, que tinha sido cultivada na Idade Média, agora se nacionaliza e se aportuguesa, uma
vez que surgem novelas de autores portugueses e
de espírito português.
Caracteriza-se por tentar manter vivo um ideal de
vida próprio da Cavalaria medieval, mas adaptada
ao Renascimento. O individualismo bélico cede
lugar à guerra coletiva, aos torneios, em flagrante
concessão ao aprimoramento operado na confecção
de armas e às novidades em matéria de tática militar. Já não se considerando como valoroso e digno
de admiração o cavaleiro que luta mas o que ama.
Embora de larga circulação na Espanha e Itália,
em Portugal a novela bucólica e sentimental é representada por Menina e Moça (ou Saudades,
1554), de Bernardim Ribeiro. Ao mistério que envolve a vida do escritor, é preciso acrescentar a dúvida
que ainda paira sobre a identidade da novela. A
narrativa divide-se em duas partes, a primeira com
trinta e um capítulos, a segunda com cinqüenta e
oito. Seu caráter bucólico e sentimental se revela
pelo tom melancólico e pessimista que varre toda a
novela.
Duas são as interlocutoras, a Menina e Moça,
que funciona como narradora, e a Senhora idosa.
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Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
Ao contrário das novelas de cavalaria em que o
protagonista é sempre o cavaleiro, a narrativa de
Bernardim tem como centro de interesse a mulher e
sua psicologia amorosa: evidente prenúncio da psicose romântica.
A obra do padre Vieira compreende:
a) Cartas, sermões e obras de profecia (de interesse documental), Vieira trata de diversos assuntos
relacionados à sua atuação e à questões políticas
do momento em que vivia no Brasil).
O TEATRO CLÁSSICO
O teatro clássico, quando comparado com o
vigor, o brilho e a espontaneidade do teatro vicentino é secundário. De inspiração clássica (Plauto,
Terêncio e Sêneca) teve como expoentes:
Sá de Miranda (Os Estrangeiros, Os Vilhalpandos),
Antonio Ferreira (A Castro, Bristo e Cioso), Jorge
Ferreira de Vasconcelos (Aulegrafia, Eufrosina,
Ulissipo).
Merece destaque A Castro (Tragédia de D. Inês
de Castro - publicada em 1587), de Antonio Ferreira, que é a primeira tragédia clássica em português
e uma verdadeira obra-prima no gênero.
V – BARROCO (1580-1756)
Em 1578, quando Dom Sebastião desaparece na
batalha de Alcacer-Quibir é chegado o ocaso melancólico da pátria portuguesa. O barroco em Portugal desenvolve-se entre 1580 quando Portugal
perde sua autonomia política, passando a integrar o
reino da Espanha e vai até 1756 com a fundação da
Arcádia Lusitana – uma academia poética -, e tem
início um novo estilo: o Arcadismo.
b) Sermões. O sermão consistia em interpretar o
texto sagrado citado à cabeça do sermão. Segundo
a exegética tradicional, o texto tinha quatro sentidos:
o sentido literal ou histórico, o alegórico (maneira
velada de manifestar uma verdade da fé), o moral
(ensinamento sobre como se comportar na vida), o
anagógico, relativo à outra vida.
Os sermões vieirianos seguem a estrutura clássica tripartida: Intróito (ou exórdio), em que o orador
declara o plano a utilizar na análise do tema em
pauta: desenvolvimento (ou argumento), em que se
apresentam os prós e os contras da proposição e os
exemplos que os abonam; peroração, em que o
orador finaliza a prédica conclamando os ouvintes à
prática das virtudes que nela se enaltecem.
Dono de uma linguagem dramática, ainda hoje a
leitura dos sermões demonstram o autor e ator
cheio de vigor e que surpreende a cada passo pelas
respostas paradoxais que dá às perguntas que ele
próprio faz ao texto pregado e a si mesmo.
Para ele, o Barroco procurou conciliar o espírito
medieval, considerado de base teocêntrica, e o espírito clássico, renascentista, de essência pagã,
terrena e antropocêntrica. Entendendo que conhecer é identificar-se com, assimilar o objeto ao sujeito, parece evidente que a dicotomia barroca (corpo
e alma, luz e sombra, etc.) corresponde a dois modos de conhecimento. cultismo e conceptismo:
Uma das virtudes da eloqüência de Vieira é a
chamada “propriedade”, ou a arte de encontrar as
palavras mais próprias para o que se quer significar.
A mais famosa criação da sua imaginação é a teoria
do quinto império do mundo, sob a égide do rei de
Portugal, que seria inaugurado com a segunda vinda de Cristo a Terra e com a chegada do messias
dos judeus: “seria D. João IV, quem estava destinado a derrotar definitivamente os turcos e reconduzir
os judeus dispersos no mundo à sua terra de origem, a Palestina.” O quinto império tem a ver com a
crença na missão providencial dos Portugueses
(equivalente à dos Hebreus no seu tempo). A doutrina do quinto império, tal como é tratada por Vieira,
especialmente na sua obra incompleta História do
Futuro, tem um lado prático: obter o regresso a Portugal dos judeus fugidos e seus capitais.
1. Cultismo ou gongorismo - valorização de forma e imagem, jogo de palavras, uso de metáforas,
hipérboles, analogias e comparações. Manifesta-se
uma expressão da angústia de não ter fé.
Sua imaginação verbal, e o estilo de pensar, com
os seus paradoxos, aproximam o Padre Antonio
Vieira de Fernando Pessoa, que o considerava seu
mestre e “imperador da língua portuguesa”.
2. Conceptismo ou quevedismo - valorização do
conteúdo/conceito, jogo de idéias através do raciocínio lógico. Há o uso da parábola com finalidade
mística e religiosa.
D. FRANCISCO MANUEL DE MELO
Moisés afirma que o movimento barroco, iniciado
na Espanha e introduzido em Portugal durante o
reinado filipino, corresponde a uma profunda transformação cultural, cujas raízes constituem ainda
objeto de discussão e divergência.
PADRE ANTONIO VIEIRA
Nasceu em Lisboa e viveu no Brasil. Adquiriu
prestígio junto à Corte por ser o confessor real. Perseguido pela Inquisição por defender os judeus,
volta ao Brasil onde passa a combater a escravidão
dos indígenas e, com outros jesuítas, é expulso do
Maranhão.
Preso pela Inquisição, é proibido de pregar e
condenado à prisão domiciliar. Sua atuação política,
intimamente associada à sua obra, centralizou-se
na defesa dos judeus, negros e índios.
100
Deixou uma obra vastíssima em português e em
castelhano, repartida por todos ou quase todos os
gêneros cultivados na época, até agora só parcialmente publicados. Suas poesias são em parte castelhanas, em parte portuguesas, ao gosto gongórico.
Escreveu, ainda, nas duas línguas tratados morais, o mais célebres dos quais é a Carta de Guia de
Casados, muito apreciada em Portugal, porque é a
expressão mais completa de um certo modelo português de vida conjugal. Deu a sua contribuição ao
teatro com O Fidalgo Aprendiz, ao gosto vicentino,
mas com personagens suas contemporâneas. Sobre o Brasil escreve: “paraíso de mulatos, purgatório de brancos e inferno de negros”.
Bibliografia para Língua Portuguesa
Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
PADRE MANUEL BERNARDES
A EPISTOLOGRAFIA
Nasceu em Lisboa e compôs sua obra no silêncio claustral. Sua existência e sua obra opõem-se
às do Padre António Vieira. Era um contemplativo e
místico por natureza, e as obras que escreveu, refletem essa condição e sua fé inquebrantável: “escreveu suas obras com os olhos voltados para o
plano transcendente, embora não se esquecesse
de os dirigir igualmente para os seus semelhantes,
dentro e fora dos mosteiros”.
Durante o século XVII, a epistolografia ganhou
fisionomia literária autônoma, como exercício literário, onde o epistológrafo imaginava um destinatário
qualquer ou dirigia-se a uma audiência fictícia.
Deixou Nova Floresta (5 vols), Pão Partido em
Pequeninos, Luz e Calor, Exercícios Espirituais,
Últimos Fins do Homem, Armas da Castidade, Sermões e Práticas (2 vols, 1711), Estímulo prático
para seguir o bem e fugir o mal.
Segundo Moisés, o Padre Manuel Bernardes
tornou-se um autêntico modelo da prosa literária
seiscentista através da linguagem, conceptista, elegante, espontânea e precisa.
A HISTORIOGRAFIA.
A HISTORIOGRAFIA ALCOBACENSE
Observa-se nítida regressão na historiografia
seiscentista. É o que se nota claramente no caso da
"historiografia alcobacense", assim chamada por ser
escrita por algumas gerações de sacerdotes do
Mosteiro de Alcobaça.
Na obra coletiva, intitula-se Monarquia Lusitana,
está presente uma concepção medieval e imaginosa
da História, pois “seus autores não temeram incluir
tudo quanto era fábula e mitologia relacionada com
a história de Portugal, a começar de Adão e Eva, ao
mesmo tempo que davam por verdadeiros documentos apócrifos, ou inventavam-nos quando necessários ao panorama que pretendiam oferecer”.
FREI LUIS DE SOUSA
Antes de entrar para a vida religiosa, chamavase Manuel de Sousa Coutinho. Nasceu em Santarém, por volta de 1555, e faleceu em 1632. Depois
de prestar serviços a Filipe II em Espanha, regressa
a Portugal e casa-se com D. Madalena de Vilhena,
viúva de D. João de Portugal, desaparecido em
Alcácer-Quibir com D. Sebastião. Anos mais tarde,
quer a lenda que um peregrino vem ter a Lisboa
para dizer a D. Manuel que o primeiro marido de D.
Madalena ainda é vivo em Jerusalém. A morte da
filha do casal apressa a execução dum propósito
anterior, e ambos tomam hábito, ele no Convento de
S. Domingos de Benfica, onde assume o nome por
que é conhecido, e ela, no do Sacramento. Essa
história inspirou Garrett na composição de sua tragédia Frei Luís de Sousa, obra-prima no teatro romântico. Escreveu: Vida de D. Frei Bartolomeu dos
Mártires, História de São Domingos Particular do
Reino, Conquistas de Portugal e Anais de D. João
III.
Contrariamente aos processos empregados em
Alcobaça, Frei Luís de Sousa compõe sua obra com
rigor e severidade na interpretação dos fatos e documentos. Linguagem castiça, fluente, plástica,
evitou os excessos barrocos, procurou a sobriedade
na variedade, e acabou sendo um modelo da melhor prosa do século XVII.
Bibliografia para Língua Portuguesa
SÓROR MARIANA ALCOFORADO
Nasceu em Beja e ingressa no Convento de
Nossa Senhora da Conceição em sua cidade natal.
Conhece e enamora-se por Chamilly, oficial Francês servindo em Portugal durante as guerras da
Restauração e quando ele volta para a França trocaram correspondência e suas cartas são publicadas como “Lettres Portugaises”, sem declarar o
nome do destinatário e o tradutor.
No texto das cartas vinha o nome da remetente:
Mariana.
As cartas retratam segundo Moisés, “a sincera,
franca e escaldante confissão duma mulher que se
desnuda interiormente para o amante cínico, ingrato
e ausente, com fúria de fêmea abandonada, sem
qualquer rebuço ou pudor. (...) As Cinco Cartas de
Amor, escritas por uma mulher, que alcança dizer
com rara precisão os seus transes íntimos (via de
regra mantidos ocultos ou disfarçados pelo comum
das mulheres), ganham maior relevo ainda como
documento "humano" e literário precisamente porque não visavam à publicação nem a ser encaradas
como peça literária (...)”.
A POESIA BARROCA
A poesia barroca corresponde mais ao culto da
forma, do verso, que da essência, do conteúdo, do
sentimento, da emoção lírica, ao contrário da literatura doutrinária e moralista.
A poesia barroca em Portugal apresenta-se em
poetas isolados e em antologias organizadas com
idêntico espírito ao que presidiu à compilação dos
cancioneiros medievais.
A "Fenix Renascida" e o "Postilhão De Apolo"
são as duas antologias mais importantes da poesia
seiscentista em Portugal.
O TEATRO DO SÉCULO XVIII
Após Gil Vicente, o teatro português decai, apesar das obras e do empenho de alguns escritores
como o Fidalgo Aprendiz, de D. Francisco Manuel
de Melo, voltando a brilhar com o surgimento de
Antônio José da Silva, alcunhado "o judeu".
Nascido no Rio de Janeiro em 1705, criou um
novo tipo de teatro. Sua primeira peça, A Vida do
Grande D. Quixote de la Mancha e do Gordo Sancho Pança.
Em “Guerras do Alecrim e Manjerona”, ele critica
e satiriza “os fidalgos pretensiosos que galanteiam
as primas aperaltadas no rebuscado estilo gongórico enquanto de caminho apalpam os braços roliços
das criadas”. Antonio José satiriza o costume e,
através dele, a sociedade lisboeta nos começos do
século XVIII.
101
Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
Escreveu ainda: Esopaida ou Vida de Esopo,
Encantos de Medéia, Anfitrião ou Júpiter e Alcmena,
Labirinto de Creta, Precipício de Faetonte, além de
outras peças que lhe tem sido atribuídas, como a
Ninfa Siringa, e a novela O Diabinho da Mão Furada.
Suas peças recebem o nome de óperas, pois
eram acompanhadas de música e de canto.
ARCADISMO (1756-1825)
As primeiras manifestações anti-barrocas vem de
longe: já na Fénix Renascida começaram a aparecer notas satíricas contra alguns exageros barrocos
e em 1756 é fundada a Arcádia Lusitana (símile da
Arcádia Romana, fundada em Roma, em 1690), por
iniciativa de Antonio Dinis da Cruz e Silva, Manuel
Nicolau Esteves Negrão e Teotónio Gomes de Carvalho. A Arcádia Lusitana vigora até 1774.
Seu lema - inutilia truncat - desejam testemunhar
seu repúdio às "coisas inúteis" que adornavam pesadamente a poesia barroca, o objetivo é restaurar
a autêntica poesia clássica. Assim, empreendem
uma espécie de viagem no tempo, em busca das
fontes originárias do Classicismo, aceitam o pastoralismo e a poesia camoniana, por coincidirem com
o ideal que eles, os árcades, pretendem realizar.
Vão em busca da Antiguidade greco-latina, na
ideal e mitológica Arcádia, região grega de pastores
e poetas vivendo em meio a uma natureza sempre
idílica, localizam seus sonhos de plenitude poética.
Trata-se de um exílio voluntário, uma vida em "torrede-marfim".
Segundo Moisés “é com base no mito da Arcádia
que erguem suas doutrinas (...) procuram realizar
obra semelhante à dos clássicos antigos (...) imitarão dos modelos greco-latinos (...) elogio da vida
simples, sobretudo em face da natureza, no culto
permanente das virtudes do espírito; fuga da cidade
para o campo (fugere urbem), pois a primeira é considerada foco de mal-estar e corrupção; desprezo
do luxo, das riquezas e de todas as ambições que
enfraquecem o homem; elogio da vida serena, plácida, pela superação estóica de todos os apetites
menores; elogio da velhice como exemplo desse
ideal tranqüilo da existência, da aurea mediocritas;
elogio da espontaneidade primitiva, pré-civilizada;
por outro lado, o gozo pleno da vida, minuto a minuto, na contemplação da beleza e da natureza, pressupõe certo epicurismo, que equilibra as tendências
estóicas do movimento; por fim, a incidental presença da Virgem Maria se explica por sua condição de
neoclássicos católicos.
Seguem os modelos antigos (defendem a separação de gêneros, a abolição da rima, o emprego de
metros simples, o despojamento do poema, a importância da mitologia), ao mesmo tempo em que procuram aproveitar-se da orientação racionalista de
teóricos do tempo.
Para que o "fingimento" poético seja completo,
imaginam-se vivendo num mundo habitado por deuses e ninfas, numa natureza e num tempo absolutamente fictícios e adotam pseudônimos pastoris.
102
POETAS DA ARCÁDIA LUSITANA
Os poetas da Arcádia Lusitana são figuras menores em comparação com os poetas de outras escolas portuguesas.
António Dinis da Cruz e Silva, cujo pseudônimo
arcádico era Elpino Nonacriense, foi juiz durante o
inquérito em torno da Inconfidência Mineira, escreveu Poesias (6 vols.), Metamorfoses (doze) em que
o poeta mitifica a natureza brasileira, misturando
realidade observada com imaginação e lenda. Hissope, poema herói-cômico em que faz a sátira do
espírito feudal, escolástico e clerical.
Pedro Antonio Correia Garção, ou Córidon Erimanteu, mesclando a influência clássica com a quinhentista, nos legou: Obras Poéticas, Discursos
Acadêmicos (proferidos nas reuniões da Arcádia
Lusitana onde espelha suas principais idéias acerca
das doutrinas arcádicas). O principal de sua obra é
o teatro, para o qual escreveu a comédia Teatro
Novo, e a comédia de costumes intitulada Assembléia ou Partida.
A NOVA ARCADIA
Fundada em 1790 por Domingos Caldas Barbosa tem como companheiros Belchior M. Curvo Semedo, J. S. Ferraz de Campos e Francisco J. Bingre, Bocage, José Agostinho de Macedo, Luís Correia França e Amaral, Tomás Antonio dos Santos e
Silva, e outros. Predominou na Nova Arcádia a oratória e a poesia, desaparecendo divergências internas, sobretudo entre Macedo e Bocage, em 1794.
OS DISSIDENTES
Outras arcádias existiram como a Arcádia Portuense, a Arcádia Conimbricense e os Árcades de
Guimarães, além Arcádia Ultramarina, organizada
em Minas Gerais, por Cláudio Manuel da Costa.
Paralelamente, alguns poetas renegaram a Arcádia (como Bocage), ou fundaram outras agremiações para combatê-la (como Filinto Elísio, líder do
Grupo da Ribeira das Naus), enquanto outros criaram obra autônoma, de onde o nome "dissidentes"
ou "independentes", que por suas características
podem ser classificados como pré-românticos, especialmente a José Anastácio da Cunha, a Marquesa de Alorna e Bocage.
Filinto Elísio, pseudônimo arcádico do Pe. Francisco Manuel do Nascimento é considerado o último
legítimo árcade. Freqüentou a roda literária da marquesa de Alorna. Foi um dos autores da “guerra dos
poetas”, ao lado do chamado “grupo da Ribeira das
Naus”.
Preceptor da futura Marquesa de Alorna e de sua
irmã, cai na desgraça da Inquisição e evade-se para
Paris, onde vive até o fim da vida e publica sua obra
poética: Versos de Filinto Elísio. Pré-romântico pelo
tom confessional de alguns poemas exerceu notável
influência em vida e depois da morte, inclusive em
Garrett.
Em posição semelhante se coloca a Marquesa
de Alorna (Leonor de Almeida de Portugal Lorena e
Lencastre), adotou o pseudônimo de Alcipe.
Bibliografia para Língua Portuguesa
Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
Importante pela vida que levou e pela atividade
sócio-literária que exerceu, inclusive por influência
à obra de Alexandre Herculano. Sua poesia, publicada em 1844, Obras Poéticas, oscila entre o culto
dos clássicos e o dos românticos.
BOCAGE
O maior poeta do século XVIII português foi Manuel Maria de Barbosa du Bocage, concorrente de
Camões na vida e na obra. Foi membro da Nova
Arcádia, teve uma vida aventurosa e inquieta, que
ele próprio comparou com a de Camões, de quem
admirava o lado “romântico” (avant la lettre) da sua
vida e obra. Bocage foi talvez o autor dos melhores
sonetos da língua portuguesa depois do seu modelo, foi também grande repentista e improvisador em
assembléias e tornou-se efetivamente o autor mais
popular e mais lembrado em Portugal até hoje, talvez por certa facilidade de verso e por certa vulgaridade de situações em que se apresenta. Os românticos consideraram-no seu precursor e Herculano
resumiu, provavelmente, um juízo coletivo quando
escreveu que Bocage trouxe a poesia dos salões
para a praça pública. Morre na miséria e arrependido pela vida desregrada que levou. Seu pseudônimo arcádico era Elmano Sadino, formado com as
letras do seu prenome e do rio Sado, que banha
Setúbal, sua terra natal. Em sua vida, Bocage publicou Idílios Marítimos recitados na Academia das
Belas-Artes de Lisboa e as Rimas. Postumamente,
Obras Poéticas e Verdadeiras Inéditas Obras Poéticas. Segundo Moisés “existem dois Bocages: o que
o vulgo fixou através de anedotas, verdadeiras algumas e falsas outras, mas todas raiando na obscenidade grosseira, e o que a tradição literária nos
legou. Este é que importa, pois o primeiro segue
trajetória secundária e infensa a qualquer configuração, visto o povo atribuir-lhe todos os ditos picantes
que, não tendo paternidade conhecida, devem forçosamente pertencer a alguém. (...) O segundo
Bocage escreveu uma vasta obra poética fracionada
em dois sectores fundamentais: o satírico e o lírico.
Quanto ao primeiro, Bocage alcançou ser estrela de
primeira grandeza, ao lado dum Gregório de Matos,
graças ao temperamento agressivo, impulsivo, cortante, amparado no dom da improvisação feliz e
certeira. Contudo, a sátira ocupa lugar menos relevante em sua obra, seja porque de cunho pessoal e
bilioso, seja porque dura tanto quanto o acontecimento que lhe dá causa e sentido”.
VII – ROMANTISMO (1825-1865)
O Romantismo é a expressão literária e plástica
da consciência burguesa. Acredita no progresso,
porque o progresso foi a mola econômica da burguesia; entoa o canto da liberdade, porque para o
burguês parece evidente que a liberdade não é senão o exercício do poder por ele próprio; exalta o
sentimento contra a barreira das convenções, porque o sentimento é ele e as convenções são as
sobrevivências das barreiras sociais que ainda se
opõem à sua caminhada triunfal; inventa a alma do
povo, ou o espírito nacional, porque se considera o
legítimo representante desses mitos; reinventa a
história porque a história lhe permite reconstituir um
pergaminho coletivo e apresentar-se como sendo
ele o verdadeiro nobre, o representante das gerações que, durante séculos, desbravaram o caminho
da liberdade.
Bibliografia para Língua Portuguesa
O romantismo português normalmente é associado à revolução liberal de 1834. Essa revolução
representa um corte com a tradição, pois confiscou
os bens da nobreza, da Igreja e aboliu as ordens
religiosas. Era necessário criar uma nova literatura,
com novas formas e novos temas, para uma nova
sociedade, uma vez que os românticos da primeira
geração ainda estavam muito ligados aos árcades.
Garrett e mesmo Herculano, ambos conheceram
“in loco” o novo gosto literário, porque foram forçados a emigrar para a Inglaterra, como refugiados
políticos. Antônio Feliciano de Castilho procurou
mostrar-se ao corrente da moda romântica em obras como A Noite do Castelo, de cenário afetadamente medieval.
Didaticamente, costuma-se dividir o romantismo
em três fases:
a) 1ª fase (de 1825 a 1838): momento, ainda, em
que atuam os valores neoclássicos. São representantes dessa fase Almeida Garret, Alexandre Herculano e Antônio Feliciano de Castilho.
b) 2ª fase (de 1838 a 1860): há, então, a incorporação do chamado movimento ultra-romântico. Camilo
Castelo Branco é seu principal representante.
c) 3ª fase (de 1860 a 1865): fase de transição para
o Realismo. Tem como representantes Júlio Dinis e
João de Deus.
Além das características gerais (individualismo e
subjetivismo, ânsia de liberdade, culto da natureza,
idealização da mulher, insatisfação ou “mal do século”, etc.), convém destacar que o Romantismo português caracteriza-se por um retorno ao passado.
Os escritores portugueses procuram ambientar seus
romances na Idade Média, tentando recuperar ideais de hora e coragem. Esta tendência dá forte cunho nacionalista às obras do Romantismo português, pois ao evocar o passado, exalta-se a Pátria,
cultuam-se as tradições lusitanas. Trata-se da evocação saudosista de um passado de glórias.
O PRIMEIRO MOMENTO DO ROMANTISMO
O primeiro "momento" romântico, que se desenvolve mais ou menos entre 1825 a 1838. O Romantismo foi introduzido em Portugal por Almeida Garret, com a publicação, em 1825, do poema Camões,
obra que, apesar de não representar fielmente os
ideais românticos, traz consigo algumas características deste movimento literário.
GARRETT
O Romantismo, em Portugal, teve como marco a
publicação do poema “Camões”, de Almeida Garrett, em 1825, a partir do exílio, na Inglaterra e posteriormente na França. Garrett, através destas circunstâncias, parece ter compreendido a necessidade de existir um novo gênero de relações entre o
escritor romântico e o novo público, isto é, os espectadores do escritor passam a ser o povo e burguesia, e a sua obra a maneira de chegar até este. Segundo Garrett, o novo público desejava assuntos
sentimentais e focados na recuperação do nacionalismo posto de lado pela cultura clássica. O seu
principal modelo literário é Filinto Elísio.
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Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
Em Camões, poema narrativo em torno de um
herói byroniano, Garret canta as amarguras e a
saudade da pátria. As descrições remetem ao cenário romântico, os versos brancos (não rimados). Já
no prefácio, o autor afirma o seu nacionalismo e
declara não ser clássico, nem romântico, repudiando, tanto as regras de Aristóteles e Horácio, como a
imitação de Byron, anunciado seguir apenas "o coração e os sentimentos da natureza".
É a fase mais intensa de sua atividade literária,
e política, na defesa das idéias liberais. Interpretando com desassombro e espírito crítico alguns fatos
da história de Portugal, como a batalha de Ourique,
cujo aspecto lendário destrói com sólida argumentação, acaba provocando enérgica reação do clero.
Junto com Garrett, foi um intelectual que atuou bastante nos programas de reformas da vida portuguesa.
Em “D. Branca”, obra contemporânea de “Camões”, reconta a história em verso de uma infanta
portuguesa raptada pelo último rei mouro, introduzindo ingredientes exóticos, folclóricos e mágicos,
orientais e medievais.
Herculano é o verdadeiro teorizador do Romantismo em Portugal. Pensava que uma revolução
política e social se devia refletir na literatura. Assim,
na ficção de Herculano, prevalece o caráter histórico
dos enredos voltados para a Idade Média, enfocando as origens de Portugal como nação, temas de
caráter religioso e na sua obra não-ficcional, renovou a historiografia, introduzindo o conflito de classes sociais para explicar a dinâmica da história.
A obra Viagens na minha terra, em seu conjunto,
narram um passeio pelas paisagens portuguesas.
Obra híbrida em que impressões de viagem, de
arte, paisagens e costumes se entrelaçam com uma
novela romântica sobre fatos contemporâneos do
autor e ocorridos na proximidade dos lugares descritos. A naturalidade da narrativa disfarça a complexidade da estrutura desta obra, em que alternam e se
entrecruzam situações discursivas, estilos, narradores e temas muito diversos, em especial críticas
sociais e políticas.
Garrett inovou também na poesia.
Em Flores sem fruto e Folhas caídas, introduz a
espontaneidade e a simplicidade como em "Pescador da barca bela", pela proximidade com a poesia
popular ou das cantigas medievais. A liberdade
métrica, o vocabulário corrente, o ritmo e a pontuação são marcas de sua obra.
Garrett empenhou-se intensamente na renovação do teatro em Portugal, objetivando uma produção de qualidade que elevasse o gosto e a cultura
do povo. Sua vocação pela dramaturgia está representada pelas obras: Um Auto de Gil Vicente, O
Alfageme de Santarém, Frei Luís de Sousa, D. Filipa de Vilhena, além das comédias, Falar verdade a
mentir, Profecias do Bandarra, Um Noivado no Dafundo, entre outras. Frei Luís de Sousa é indubitavelmente o que melhor realiza o seu ideal de sobriedade artística, combinando o fato da tragédia clássica e a atualidade do drama familiar, permanece
ainda hoje um texto modelar da literatura dramática
nacional. É, segundo Saraiva, “um dos pontos mais
altos atingidos pela Literatura Portuguesa”.
ALEXANDRE HERCULANO
Alexandre Herculano nasceu em Lisboa, em
1810. De família modesta, não pode fazer curso
universitário, entretanto, fez vários cursos entre os
quais o curso de Diplomática na Torre do Tombo,
onde conhece a Marquesa de Alorna.
Herculano exilou-se na Inglaterra e na França,
criando polêmica com o clero, por participar da lutas
liberais.
Em 1836, inicia sua carreira de prestígio intelectual com a publicação d’ A Voz do Profeta. Nos anos
seguintes, inicia a publicação de suas obras de ficção: as Lendas e Narrativas, O Bobo, o Monge de
Cister.
104
Segundo Moisés, “Alexandre Herculano é diametralmente oposto a Garrett em todos os aspectos:
personificação da sobriedade, do equilíbrio, do rigor
crítico; espírito germânico, dir-se-ia, enquanto o
outro é latino, sobretudo francês. A obra de Herculano reflete-lhe o temperamento e o caráter: manteve-se imperturbável na posição de homem que apenas se julga convicto das idéias que defende depois
de longa e cuidadosa meditação. Daí sua intransigência e sua indignação diante da pouca receptividade de suas idéias”.
Suas principais obras são: poesia (A Vox do
Profeta, mais adiante incluído na Harpa do Crente),
romances (O Bobo, O Monge de Cister, Eurico, o
Presbítero), contos (Lendas e Narrativas), historiografia (História de Portugal, História da Origem e
Estabelecimento da Inquisição em Portugal, Portugaliae Monumenta Historica).
Impõe-se observar que o forte de Herculano era
a historiografia, por se identificar com o mais íntimo
de seu temperamento e formação, e a tal ponto que
tudo quanto escreveu reflete essa afinidade e predisposição.
Para Massaud Moisés, “embora romântica pelos
temas, a poesia de Herculano caracteriza-se por
uma contensão que jamais cede a qualquer impulso
para o derramado. Antes, solene, hierática, teatral,
majestosa, é mais poesia pensada que sentida,
denotadora duma inautêntica inclinação para o gênero: tendo-a cultivado apenas nos anos juvenis
(...). De sua poesia merece algum destaque o poema "A Cruz Mutilada", onde perpassa, apesar de
tudo, muito pensamento sem emoção, além de subsistir a tendência para o declamatório altissonante”.
Em sua essência, Herculano era demasiado historiador para se entregar a uma visão poética do mundo e dos homens: faltava-lhe a necessária imaginação transfiguradora da realidade sensível, e sobejava-lhe o espírito crítico e a erudição.
ANTONIO FELICIANO DE CASTILHO
Castilho nasceu em Lisboa, em 1800 e aos seis
anos, acometido de sarampo, fica praticamente
cego para o resto da vida. Com a ajuda de seu irmão Augusto Frederico de Castilho, faz o curso
secundário e ingressa na Faculdade de Cânones de
Coimbra.
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Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
Publica as Cartas de Eco e Narciso e A Primavera e se torna figura central da Sociedade dos Amigos da Primavera, organizada em sua homenagem.
Em 1865, provoca a Questão Coimbrã com sua
carta-posfácio ao Poema da Mocidade, de Pinheiro
Chagas. Cercado de glória e do carinho de seguidores fiéis, falece em 1875, em Lisboa.
A carreira poética de Castilho inicia-se sob a
égide do Arcadismo, especialmente de Bocage,
quando escreve Cartas de Eco e Narciso, A Primavera e Amor e Melancolia. Em 1836, publica suas
obras sob a influência romântica: A Noite do Castelo
e Os Ciúmes do Bardo, seguidos mais adiante de
Escavações Poéticas.
O SEGUNDO MOMENTO DO ROMANTISMO
O segundo "momento" romântico, que se desenvolve mais ou menos entre 1838 e 1860, diverge
segundo Moisés, do anterior: desfeitos os laços
arcádicos que inibiam os escritores do tempo, entra
um período que corresponde ao pleno domínio da
estética romântica.
Soares de Passos nasceu no Porto, de família
burguesa, vê-se obrigado a trabalhar no balcão do
armazém paterno enquanto faz seus estudos. Vai
estudar Direito em Coimbra, onde funda O Novo
Trovador. Já formado recolhe-se no seu quarto meses a fio, indiferente a tudo, inclusive à poesia, em
virtude da tuberculose adquirida nos tempos da
faculdade.
Soares de Passos reuniu suas composições num
volume, Poesias, onde se entrega a um negro pessimismo, a um desalento derrotista, próprio de quem
sente a morte próxima e cultiva sua presença, um
tanto por morbidez, um tanto por "literatura": é a
poesia da decomposição, do cemitério, como em "O
Noivado do Sepulcro."
Segundo Herculano, o poeta estaria “destinado
a ser o primeiro poeta lírico português deste século”.
Soares de Passos constitui a encarnação perfeita
do "mal-do-século", pois viveu segundo Moisés, “na
própria carne os desvarios de que se nutria sua fértil
imaginação de tuberculoso narcisista e misantropo,
sua vida e sua obra espelham claramente o prazer
romântico da fuga, fuga, no caso, das responsabilidades concretas do mundo social”.
CAMILO CASTELO BRANCO
Camilo transita do Ultra-Romantismo para um
Naturalismo coerente com suas tendências de cronista da sociedade burguesa da segunda metade do
século XIX. Reflete a angústia do ideal romântico e
o desmontar das novas correntes ideológicas de
origem Francesa. A biografia de Camilo é uma novela camiliana. Filho bastardo, órfão de pai e mãe
desde a infância, ficou aos cuidados de parentes
religiosos em Trás-os-Montes, onde foi iniciado no
latim e conheceu a literatura dos seiscentistas e
onde, também, “aprendeu a caçar bichos e raparigas, iimpulsivo participou de guerrilhas miguelistas.
Batia-se com freqüência em jornais e duelos por
amores e por rixas literárias. Viveu amores passageiros e escândalos pessoais até seu grande romance da vida real, quando conheceu Ana Plácido.
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Ela fugiu do marido para viver com ele, o que era
neste tempo um escândalo passível de ação judiciária. O casal passa algum tempo como fugitivos,
escondendo-se de terra em terra, até que os dois
amantes se vêem forçados a entregar-se à prisão,
onde Camilo escreveu seu romance “Amor de Perdição”. Julgados e absolvidos, posteriormente se
casaram. Por fim, a cegueira, o levou a matar-se.
Na vastíssima produção de Camilo, é possível
distinguir o romance-folhetim, à maneira de Eugênio
Sue ou Alexandre Dumas: Mistérios de Lisboa, Livro
Negro do Padre Dinis; o romance do amor trágico:
Amor de Perdição; o romance-sátira: A Queda de
Um Anjo, O Que Fazem Mulheres; o romance de
costumes aldeãos: Novelas do Minho, Brasileira de
Prazins; o romance histórico: O Judeu, O Olho de
Vidro; o romance naturalista, que caricaturou: n’A
Corja e n’O Eusébio Macário.
O pensamento mais profundo dos enredos camilianos pode talvez considerar-se como tipicamente
pré-romântico. Quem quer que se interponha no
caminho dos amantes aparece sob uma capa de
ridículo ou de odioso. A mulher de todas as condições é quase sempre o anjo adorável, capaz de
todas as abnegações e sacrificada ao egoísmo, à
vaidade ou ao simples capricho masculino. Os heróis dos seus romances, freqüentemente, são manequins que vestem sentimentos emprestados pelo
autor, e a sua vida psicológica desenvolve-se de
maneira forçada e incoerente.
Camilo é talvez o único escritor português da
estirpe de Balzac. No entanto, falta-lhe objetividade
e o espírito analítico que caracterizam o escritor
realista. Tende a oscilar entre o lirismo e o sarcasmo. Freqüentemente, em vez de retrato, faz caricatura. Não é por acaso que a expressão “novela camiliana” é freqüentemente usada, em vez de romance de Camilo: a diferença entre um e outro é
que na novela camiliana a ação é uma sucessão de
acontecimentos independente da dimensão tempo,
que tem grande importância no romance de Dickens
ou de Balzac.
O TERCEIRO MOMENTO DO ROMANTISMO
Esse período é marcado pela presença de autores como os poetas João de Deus, Tomás Ribeiro,
Bulhão Pato, Xavier de Novais e Pinheiro Chagas, e
do romancista Júlio Dinis.
João de Deus foi um lírico de vibração interior
ficando à margem das marcas do tempo e do meio.
Mantendo-se fiel até o fim a um desígnio estético e
humano que lhe transcendia a vontade e a vaidade.
Contemplativo por excelência, sua poesia é a dum
"exilado" na terra a mirar coisas vagas e por vezes a
se deixar estimular concretamente. Cultiva os mestres Tomás Antonio Gonzaga, Camões, Dante, Petrarca e a Bíblia. Entre suas obras, destacam-se
Campos de Flores.
Manuel Pinheiro Chagas teve em Castilho seu
grande mestre. Seu Poema da Mocidade motivou a
Questão Coimbrã, começo da batalha entre românticos e realistas, em virtude da apresentação escrita
por Castilho, onde tece elogios aos ultra-românticos
e critica os jovens que começam a fazer a literatura
realista.
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Júlio Dinis
Os seus enredos ambientam-se entre o meio
mercantil do Porto ou a vida doméstica no campo
em casa de proprietários-lavradores. Nos romances
ambientados no Porto como “Uma Família Inglesa”,
a ação gira em torno da praça, onde pululam o
grande e o pequeno comerciante, o guarda-livros, o
rapaz dos recados, o caixeiro, o capitalista reformado, o rico filho-família herdeiro de uma grande firma.
Quando nos transporta para a aldeia como em
“As Pupilas do Senhor Reitor”, “A Morgadinha dos
Canaviais”, “Os Fidalgos da Casa Mourisca”, o ambiente é mais convencional: a casa do lavrador abastado, pintada de maneira muito vaga, com cores
frescas, novas, e principalmente o coração dos mexericos da terra: a venda, onde se reúnem os lavradores, o brasileiro, o morgado decadente, o candidato a deputado e, de passagem, a beata da aldeia
ou a criada do Senhor Abade, o ambiente burguês
do proprietário ou ao solar do velho fidalgo.
Seus tipos são magistralmente caracterizados
com uma leve formação caricatural e humorística, o
que não exclui a ternura.
Júlio Dinis deu um passo decisivo na nossa prosa de ficção ao criar em Portugal o gênero burguês
e moderno por excelência, o romance “contemporâneo”, amparado certamente por um público que
tivera tempo de amadurecer desde os primeiros
ensaios do romance histórico.
O TEATRO NA ERA ROMÂNTICA
O teatro português retorna no romantismo, graças ao esforço despendido por Garrett, a grande
figura da época. Com seu dinamismo e imaginação
reformou o gênero através de suas obras de feição
nacional e de alto sentido patriótico, uma das quais
é obra-prima da dramaturgia Portuguesa e européia,
o Frei Luís de Sousa.
VIII – REALISMO (1865-1890)
Nos anos seguintes a 1860, o Romantismo entra
em declínio e sofre os primeiros ataques por parte
da nova geração que surge, os rebeldes estudantes
de Coimbra.
Em 1861, Antero de Quental funda a Sociedade
do Raio, com cerca de duzentos estudantes de Coimbra, com o objetivo de instaurar a aventura do
espírito no seio do convencionalismo acadêmico e
político. Num gesto de ousadia, Antero em 1862,
escolhido para saudar o Príncipe Humberto da Itália,
exalta a Itália livre e Garibaldi, então ferido em combate.
Empolgados pelas novas idéias revolucionárias,
Teófilo Braga publica dois volumes de versos, a
Visão dos Tempos e as Tempestades Sonoras, e
Antero edita as Odes Modernas.
Enquanto isso, no ultra-romantismo, Pinheiro
Chagas escreve o Poema da Mocidade e Castilho,
seu mestre nas Letras, escreve em um posfácio
onde exalta o fiel discípulo e critica os jovens de
Coimbra, em especial Antero e Teófilo, afirmando
que lhes falta talento e gosto refinado.
106
Estava armada a polêmica, que passou a chamar-se Questão Coimbrã: uma intensa polêmica em
torno do confronto literário entre os ultra românticos
liderados por Castilho e os jovens estudantes de
Coimbra, cujo líder era Antero de Quental, iniciada
após a publicação do livro Poema da Mocidade, de
Pinheiro Chagas, onde Castilho escreve um posfácio ironizando os jovens de Coimbra com o título
"Bom senso e Bom gosto". Os jovens reagem: Antero escreve o folheto "A Dignidade das Letras e as
Literaturas Oficiais", Teófilo de Braga escreve o
folheto "Teocracias Literárias". Ramalho Ortigão e
Camilo Castelo Branco destacam-se na defesa de
Castilho. Esta polêmica durou meses, com freqüentes publicações críticas de ambos os lados, terminou com a vitória dos ideais da Geração de 1870, o
que provocou uma autêntica renovação cultural e a
afirmação do realismo.
Mais tarde, este grupo com alguns acréscimos
promove, em 1871, As Conferências Democráticas
do Cassino Lisbonense, objetivando colocar Portugal na modernidade, “estudando as condições de
transformação política, econômica e religiosa da
sociedade portuguesa".
Com a Questão Coimbrã, estava definida a crise
de cultura que inicia o Realismo em Portugal.
POESIA DA ÉPOCA DO REALISMO
A poesia do Realismo retoma o prestígio lírico de
Bocage e Camões seguindo várias direções: a poesia "realista", a poesia do quotidiano, a poesia
metafísica e a poesia de aspiração parnasiana. Sem
se confundir com o Parnasianismo, teve caráter
revolucionário, serviu como arma de combate, de
ação, em suma, poesia "a serviço" da causa realista. Entre os poetas destacam-se Guerra Junqueiro,
Gomes Leal, Antero de Quental, Teófilo Braga e
outros.
A POESIA METAFÍSICA: ANTERO DE QUENTAL
Contrapondo-se à poesia, a poesia metafísica ou
transcendental busca responder às indagações que
a consciência do homem formula: "que sou?", "por
que sou?", "de onde vim?", "para onde vou?", "que é
que vale?", "por que a morte?", etc. Nessa época,
esse gênero de poesia encontra o seu mais alto
representante, Antero de Quental, porém continua
presente em Fernando Pessoa, Mário de SáCarneiro, José Régio, Miguel Torga e outros.
Para Moisés, “a poesia metafísica nasceria sempre como uma via de escape à angústia geográfica
histórica e cultural em que vive o homem português,
encurralado num território diminuto entre o continente europeu e o Oceano Atlântico, a sonhar glórias
perdidas no século XVI”.
De educação católica e de família conservadora,
de caráter profundamente religioso, sofreu um profundo abalo ao encontrar-se num meio onde penetravam idéias e leituras que confrontavam sua crença tradicional.
Crente na razão e na justiça, como o tinha sido
na fé, questionou e promoveu marchas e protestos
contra a academia, a sociedade, a literatura.
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A publicação de seus primeiros versos confirmalhe o renome e insinua-lhe um caminho para o futuro. Publica em 1865 uma obra intitulada Odes Modernas, em cujo prefácio declara que “a Poesia é a
voz da Revolução” e o poeta é o arauto do futuro
que, juntamente com as Tempestades Sonoras e a
Visão dos Tempos, de Teófilo Braga, publicadas no
ano anterior, desencadeiam a revolução literária
chamada Questão Coimbrã.
Em 1871, organiza as Conferências do Casino
Lisbonense e nos anos seguintes, procura instalar
em Portugal o pensamento socialista. Desiludido,
afasta-se do convívio social, imerso em seu drama e
na meditação das idéias igualitárias que idealizara
concretizar, já sentindo os sintomas duma misteriosa moléstia que o acompanhará até o fim dos dias.
Antero viveu uma vida torturada procurando conciliar idéias opostas, entretanto não obteve resultados
concretos uma vez que sua vocação seguia para a
contemplação ou para a especulação metafísica, e
não para o combate ativo.
Suicida-se em 11 de setembro de 1891, com
dois tiros na boca, desalentado, deprimido, sentindo
fechadas as portas que o conduziria de regresso
aos mitos da infância.
Antero cultivou a poesia e a prosa polêmica e
filosófica. No primeiro caso, temos: Odes Modernas
(1865), Primaveras Românticas. Versos dos Vinte
Anos (1871), Sonetos Completos (1886), Raios de
Extinta Lux (1892). No segundo, seus escritos estão
coligidos em três volumes: Prosas (1923, 1926,
1931). Para a compreensão do caso anteriano, ainda possuem interesse as Cartas de Antero de
Quental (1921), as Cartas Inéditas de Antero de
Quental a Oliveira Martins (1931) e as Curtas a Antonio de Azevedo Castelo Branco (1942).
Segundo Moisés, a poesia de Antero é para sentir e compreender ao mesmo tempo, pois só assim,
vendo as duas formas de conhecimento fundidas, é
possível entender e julgar seu autor, um dos maiores ícones poéticos de Portugal, ao lado de Camões, Bocage e Fernando Pessoa.
A PROSA REALISTA. O ROMANCE
No Realismo, o romance abandona o esquema
do Romantismo, segundo o qual a prosa de ficção
era baseada na intriga e visava ao entretenimento, e
passa a ser obra de combate e arma de ação reformadora da sociedade burguesa dos fins do século XIX, ressurgindo como instrumento de ataque e
demolição. Procurando mostrar os erros básicos da
mentalidade romântica, o romance realista (e o naturalista) propõe-se a desmascarar que os três poderes sobre os quais se apoiava o estilo de vida em
moda no Romantismo, não tinham mais consistência e força suficientes para resistir ao impacto das
novas descobertas científicas e filosóficas da segunda metade do século XIX. Em síntese, a Burguesia, como classe social dominante, a Monarquia,
como classe imperante e reinante, e o Clero, como
força ideológica desse organismo social, não eram
capazes de transformar-se e adaptar-se aos novos
tempos. A esse intento reformador se juntava a
preocupação de criar obra artística, o que implicava
em considerar o romance com muita seriedade.
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A criação artística não se fazia mais em clima de
febre ou de fogosa inspiração. O trabalho estético
passa a ser encarado como sendo tão demorado e
paciente quanto o científico, nos laboratórios ou nas
pesquisas de campo. Por isso, o entrecho, a intriga,
é sempre, ou quase sempre, comum, trivial, girando
em torno do casamento frustrado e do conseqüente
adultério. O valor do romance está nessa análise e
na intriga e na preocupação com o estilo. O grande
expoente foi Eça de Queirós.
EÇA DE QUEIRÓS
José Maria Eça de Queirós nasceu na Póvoa de
Varzim, estuda Direito em Coimbra, liga-se a uma
ruidosa geração acadêmica, conhece Antero e inicia
sua carreira literária com a publicação de folhetins,
mais tarde reunidos sob o título de Prosas Bárbaras.
Não participa diretamente da Questão Coimbrã,
porém mais tarde liga-se ao grupo do Cenáculo e
participa das Conferências do Cassino Lisbonense
em 1871.
Eça de Queirós tornou-se um dos maiores prosadores em Língua Portuguesa, sendo considerado
por Massaud Moisés um divisor de águas lingüístico
entre a tradição e a modernidade. Cultivou o romance, o conto, o jornalismo, a literatura de viagens e a
hagiografia.
Moisés organiza sua rica produção em três fases:
a) A primeira fase, de indecisão, preparação e procura, traz um escritor ainda jovem e romântico, começa com Prosas Bárbaras, e termina em 1875,
com a publicação de O Crime do Padre Amaro.
Pertencem ainda a essa fase: Prosas Bárbaras, O
Mistério da Estrada de Sintra, As Farpas.
b) A segunda fase onde o autor adere às teorias do
Realismo passa a escrever obras de combate às
instituições vigentes (Monarquia, Igreja, Burguesia).
São romances comprometidos com a geração de
1870 e traçam um retrato da sociedade Portuguesa
contemporânea, erguido em linguagem original,
plástica, já impregnada daquelas qualidades características de seu estilo: naturalidade, fluência, vigor
narrativo, precisão, "oralidade" além de certo lirismo
melancólico, da sátira e a ironia. Pertencem a esta
fase: O Crime do Padre Amaro, O Primo Basílio, A
Relíquia e Os Maias.
c) A terceira e última fase da carreira de Eça de
Queirós onde o escritor resolve erguer uma obra de
sentido construtivo, fruto da dolorosa consciência de
ter investido inutilmente contra o burguês e a família. Ao derrotismo e pessimismo analítico da etapa
anterior, sucede um momento de otimismo, de esperança e fé, mas tendo por base o culto dos valores da Alma e do Espírito. A Ilustre Casa de Ramires, A Correspondência de Fradique Mendes e A
Cidade e as Serras.
“Prosas Bárbaras” exibe o mais fantasmagórico
romantismo, em que os seres da Natureza se transfiguram e antropomorfizam. Eça faz um levantamento, uma análise crítica da sociedade portuguesa
do seu tempo. Em “O Crime do Padre Amaro”, o
foco é a vida de uma cidade provinciana e a influência clerical.
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Em “O Primo Basílio”, fortemente influenciado
pela obra “Madame Bovary”, tem por enredo uma
família supostamente típica de Lisboa: a mulher
casada, “sem formação moral e sem outra cultura
além da leitura de romances românticos, que lhe
abrem uma fuga para o tédio da vida conjugal”. A
obra critica a deficiente educação feminina e uma
literatura que exalta os valores romanescos e pinta
com cores atraentes o adultério.
Em “Os Maias”, o enredo trata de uma elite capaz de diagnosticar os males da pátria. O grupo que
convive no palácio do Ramalhete é, provavelmente,
um auto-retrato da geração de 70 na fase da desilusão: dois irmãos que não se conhecem, filhos de
uma paixão romântica e fatal, acabam por encontrar-se em Lisboa e por ter amores incestuosos. É
uma variante da história de Édipo.
“A Correspondência de Fradique Mendes” é a
estória de uma personagem cosmopolita e que manifesta as suas opiniões em cartas literárias por
vezes satíricas dirigidas a vários destinatários.
“A Ilustre Casa de Ramires”, é uma obra construída em dois planos: um heróico, que conta os feitos
de um Ramires medieval, novela que está escrevendo um Ramires contemporâneo, acomodado
com a mediocridade e se corrompe ao solicitar os
votos dos vizinhos para se eleger deputado.
Enquanto escritor, Eça se mantém extraordinariamente vivo e atuante no espírito de grande massa
de leitores ainda hoje. Está entre os mais lidos em
Língua Portuguesa: aí reside, sem dúvida, seu
grande e imperecível mérito.
IX – SIMBOLISMO (1890-1915)
ORIGENS DO SIMBOLISMO
Para Massaud Moisés, as origens remotas do
movimento simbolista devem ser procuradas no
Romantismo: o primeiro é uma espécie de continuação do segundo, mas com algumas características
próprias.
As origens próximas do Simbolismo estão na
França, na obra de Baudelaire que inicia um processo de modernização da poesia, ressuscitava o
culto do vago em troca do culto da forma e do descritivo.
O Simbolismo surge como reação às correntes
materialistas e cientificistas da sociedade industrial
do início do século XX. Os simbolistas, negando os
parnasianos, aboliram o culto à forma de suas composições.
Concorre para a formação da atmosfera simbolista uma série de influências estéticas e filosóficas:
Baudelaire, que os simbolistas acolhem como a
um mestre, por seu espírito rebelde e original, inimigo da moral e da poesia convencionais, sacerdote
de cultos satânicos que desvendavam mundos interiores e exteriores até então insuspeitados.
A Filosofia do Inconsciente, de Hartmann, que
explicava o mundo pela existência dum espírito
inconsciente que tudo regia onipotentemente.
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A filosofia de Schopenhauer, centrada sobre a
idéia de que o mundo é uma "representação".
A invasão de novas teorias idealistas e metafísicas, do romance russo pleno de misticismo, e da
música de Wagner, a aliança com a poesia e a música.
A pintura impressionista, adquirindo luminosidade e fixando estranhas paisagens que logo se assemelham aos ideais simbolistas.
CARACTERÍSTICAS DO SIMBOLISMO
O Simbolismo tem início em Portugal com a publicação de Oaristo (que em grego significa "Diálogo
intímo"), de Eugênio de Castro e vai até 1915, com
a publicação da Revista Orpheu.
A poesia simbolista está ligada à idéia de decadência, daí seu primeiro nome ter sido Decadentismo. Os simbolistas buscavam integrar a poesia na
vida cósmica, usando uma linguagem indireta e
figurada.
Essa corrente literária deu atenção exclusiva à
matéria submersa do "eu", explorando-a por meio
de uma linguagem pessimista e musical, na qual a
carga emotiva das palavras é ressaltada; a poesia
aproxima-se da música usando aliterações.
Além disso, podemos destacar as seguintes
característica do Simbolismo:
Misticismo e espiritualismo: Os simbolistas negam o espírito científico e materialista dos realistas/naturalistas, valorizando as manifestações místicas e mesmo sobrenaturais do ser humano.
Subjetivismo: Os simbolistas terão maior interesse
pelo particular e individual do que pelo geral e universal. A visão objetiva da realidade não desperta
mais interesse, e sim a realidade focalizada sob o
ponto de vista de um indivíduo.
Tentativa de aproximar a poesia da música: para
conseguir aproximação da poesia com a música, os
simbolistas lançaram mão de alguns recursos, como
a aliteração, por exemplo.
Expressão da realidade de maneira vaga e imprecisa.
Ênfase na sugestão: Um dos princípios básicos
dos simbolistas era sugerir através das palavras
sem nomear objetivamente os elementos da realidade. Ênfase no imaginário e na fantasia;
Percepção intuitiva da realidade: Para interpretar
a realidade, os simbolistas se valem da intuição e
não da razão ou da lógica.
INTRODUÇÃO E EVOLUÇÃO DO SIMBOLISMO
EM PORTUGAL
A introdução do Simbolismo em Portugal deveuse a Eugénio de Castro e à publicação de seu primeiro livro de poesia, Oaristos, em 1890. Compunha-se de 15 poemas, antecedidos de um manifesto
em forma de prefácio sobre a nova tendência.
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De suma importância, esse prefácio constitui a
plataforma doutrinária do Simbolismo português,
definindo forma e conteúdo. O vocabulário dos Oaristos é escolhido e variado, apresentando inclusive
vocábulos raros.
Os poetas portugueses receberam o nome de
"nefelibatas" (pessoas que andam nas nuvens) e o
nefelibatismo tornou-se uma espécie de adaptação
Portuguesa do Decadentismo e do Simbolismo
Francês.
EUGÊNIO DE CASTRO
Sua obra recebe influência de sua estada na
França, inaugura o Simbolismo português com Oaristo, cuja técnica é baseada na poesia de Paul Verlaine.
Segundo Massaud Moisés, apesar de fazer uso
de prefácios polêmicos e agressivos para inserir os
pressupostos da estética simbolista em seus livros,
revela uma tendência inata para o equilíbrio clássico, para a contenção e para o formalismo de tradição. Essa tendência vai substituindo de forma gradativa a postura simbolista.
A produção literária de Eugênio de Castro apresenta versos livres, vocabulário erudito, pessimismo
e ambigüidade nos temas trabalhados (blasfêmiasliturgia; ocultismo-catolicismo). Suas principais obra
são: Oaristo (1890), Horas (1891), Silva e Interlúdio
(1894).
ANTÔNIO NOBRE
Publica sua obra mais importante, Só, uma coletânea de poemas em que utiliza uma linguagem
coloquial, para voltar ao passado, à infância. Restaura uma hipersensibilidade, um forte sentimento
de tristeza e de completa inadaptação ao mundo.
Suas descrições são preenchidas por ambientes
vagos ou nebulosos, razão pela qual é chamado de
“poeta crepuscular”, isto é, voltado para as horas de
recolhimento.
A produção literária de Antônio Nobre apresenta
vocabulário simples, temas coloquiais, apego a terra, às raízes populares, descrição de seu exílio parisiense e egocentrismo. Suas principais obras são:
Só (1892), Despedidas (1902), Primeiros Versos
(1921) e Alicerces (1983).
CAMILO PESSANHA
Pessanha, estudioso da civilização chinesa, morreu em Macau. É considerado o maior simbolista
português.
Alguns de seus poemas foram publicados na
revista Centauro em 1916, graças ao interesse e
esforço de João de Castro Osório. Mais tarde, em
1920, conseguindo outras composições às quais
reuniu as já publicadas, publicou Clepsidra. O nome
da obra significa relógio movido à água.
Suas composições trabalham temas sentimentais, apresentam uma musicalidade marcante e uma
postura de resignação diante da adversidade. Esse
quadro compõe imagens fugidias, carregadas de
pessimismo, e transitoriedade da vida.
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X – SAUDOSISMO (1910-1915)
No ano de 1910 surgiu, em Portugal, a revista
mensal "A Águia", dirigida por Teixeira Pascoaes. O
objetivo dessa revista era ressuscitar a Pátria Portuguesa a partir do saudosismo, ou seja, por uma
espécie de retomada das tradições do País. Movimento literário, essencialmente poético, introduzido
através do movimento "Renascença Portuguesa",
fundada por Jaime Cortesão, Álvaro Pinto, Teixeira
de Pascoaes e Leonardo Coimbra, cujo órgão de
divulgação foi a revista "A Águia".
Pascoaes (mentor do grupo), afirmou que "o
movimento da Renascença Portuguesa se realizaria
dentro da Saudade revelada, dentro dela Portugal,
sem deixar de ser Portugal, poderá realizar os maiores progressos de qualquer natureza."
Assim, o Saudosismo foi encarado como uma
atitude perante a vida que definia a "alma nacional"
em todo o seu idealismo transcendentalista.
Pascoaes, apoiado por Leonardo Coimbra, preconizou um Portugal agrário, uma organização municipalista e uma Igreja independente, e identifica o
Saudosismo como sendo um Sebastianismo esclarecido, revelado pelos novos poetas.
Fernando Pessoa, colaborador da "A Águia",
afirma que os poetas saudosistas anunciam o pensamento da "futura civilização européia", que corresponderia à "civilização lusitana", e é neste clima
de exaltação sebastianista que escreve "Mensagem".
António Sérgio e Raul Proença acusam Pascoaes de "utópico e passadista, fechado num lusitanismo xenófobo, provinciano, incompatível com o moderno espírito europeu", gerando bastante polêmica
no seio do grupo.
Quanto ao tipo de linguagem, os Saudosistas
preferem uma expressão mais tradicional e clássica
("verso escultural" de Pascoaes), não se preocupando muito com a análise do subconsciente.
Por ser um momento de transição, uma vez que
em 1915 surge a revista "Orpheu", marco inicial do
Modernismo português, esse período também pode
ser classificado como Pré-Modernismo.
O Modernismo em Portugal é difícil de ser estruturado.
Massaud Moisés adota a seguinte divisão: Primeiro Momento ou Orphismo e Segundo Momento
ou Presencismo. As duas outras fases são classificadas como Neo-realismo e Surrealismo.
Os escritores da fase Neo-realista repudiam a
literatura psicológica e propõem uma literatura de
caráter social, muito próxima à praticada pelos autores Realistas.
Já os escritores da fase Surrealista são influenciados pelas teorias de Andre Breton, idealizador do
Surrealismo. Devido a todas estas circunstâncias, o
ano de 1940, quando o grupo da Presença se desintegrou, é considerado o término do período Modernista em Portugal.
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Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
XII – ORFISMO (1915-1927)
O Modernismo em Portugal tem início oficial no
ano de 1915, quando um grupo de escritores e artistas plásticos, (Mário de Sá-Carneiro, Raul Leal, Luís
de Montalvor, Almada Negreiros, o brasileiro Ronald
de Carvalho e Fernando Pessoa) lança o primeiro
número da "Orpheu", revista trimestral de literatura.
Esses jovens artistas, também conhecidos como
Orfistas, foram influenciados pelo Futurismo de Marinetti, pelos ensinamentos de Martin Heidegger,
que colocava a existência individual como determinação do próprio indivíduo e não como uma determinação social.
Os objetivos principais dos orfistas eram:
- Chocar a burguesia com sua obra irreverente (poesias sem metro, exaltando a modernidade);
- Tirar Portugal de seu descompasso com a vanguarda do resto da Europa.
Portanto, os traços marcantes da Geração Orpheu são as tendências futuristas (exaltação da
velocidade, da eletricidade, do "homem multiplicado
pelo motor"; antipassadismo, antitradição, irreverência). Agitação intelectual, "escandalizar o burguês",
o moderno como um valor em si mesmo.
O primeiro número da revista Orpheu, publicado
em Abril de 1915, causa grande polêmica graças a
críticas violentas, encontradas nos poemas "Ode
triunfal" de Álvaro de Campos (Heterônimo de Fernando Pessoa) e "Manucure" de Mário de SáCarneiro.
O segundo e último número da revista foi lançado em julho de 1915, com conteúdos bem mais
futuristas. O terceiro número chegou a ser planejado, mas não foi editado por causa do suicídio de
Mário de Sá-Carneiro, responsável pelos custos da
revista.
Os orfistas foram influenciados pelos vários manifestos de vanguarda europeus e, apesar do precoce desaparecimento da "Orpheu", a revista deixou
uma rica herança, uma vez que surgiram várias
outras revistas.
Ainda nesse primeiro momento do Modernismo
português, surgiram as figuras de Aquilino Ribeiro e
Florbela Espanca, nomes de destaque na Literatura
Portuguesa, que não tiveram ligação com nenhum
dos momentos modernistas.
Para o professor de Literatura Portuguesa Massaud Moisés, esses dois poetas são enquadrados
em um momento literário que classifica como "Interregno".
FERNANDO PESSOA
Nascido em Lisboa, Fernando Pessoa perdeu o
pai aos cinco anos de idade. Em 1896, a família se
transfere levada pelo segundo marido de sua mãe,
para a cidade de Durban, na África do Sul. Lá, cursa
o secundário, cedo revelando seu pendor para a
literatura. Em 1903, ingressa na Universidade do
Cabo.
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Entra em contato com os grandes escritores da
língua portuguesa. Impressiona-se sobremaneira
com os sermões do Padre Antônio Vieira e a obra
de Cesário Verde.
Para situar Pessoa na história da literatura ocidental, é necessário colocá-lo ao nível de Dante,
Shakespeare, Goethe, Joyce. Ele é o único poeta
português que pode comparar-se a Camões.
Apesar da obra de Fernando Pessoa representar
uma literatura inteira, não teve, em vida, o reconhecimento que merecia.
Viveu modestamente, em relativa obscuridade.
Em vida, teve apenas dois livros publicados: alguns
poemas em inglês e Mensagem.
Pessoa, em 8 de março de 1914, faz surgir seus
heterônimos (cada um dos quais tem um estilo e
uma atitude que os distingue dos demais), escrevendo de uma só vez, os 49 poemas de O Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro. Escreve também os seis poemas de Chuva Oblíqua, que assina
com seu próprio nome.
Fernando Pessoa ortônimo (ele-mesmo), seguia
os modelos da poesia tradicional portuguesa, usa o
verso tradicional, rimado, admiravelmente musical.
Poeta introvertido e meditativo, anti-sentimental,
refletia inquietações e estranhezas que questionavam os limites da realidade da sua existência e do
mundo.
A temática de Pessoa ortônimo gira em torno da
identidade perdida; da consciência do absurdo da
existência, revela tensão sinceridade/fingimento,
consciência/inconsciência, sonho/realidade, dualidade e oposição sentir/pensar, pensamento/vontade,
esperança/desilusão),
antisentimentalismo (intelectualização da emoção, estados negativos (solidão, cepticismo, tédio, angústia, cansaço, desespero, frustração), inquietação
metafísica (dor de viver) e auto-análise.
Autor de Mensagem, um conjunto de poemas de
inspiração ocultista e épico-messiânica, de exaltação ao sebastianismo denota certo desalento, uma
expectativa ansiosa de ressurgimento nacional,
revela uma faceta misteriosa e espiritual do poeta,
manifestada também nas suas incursões pelas ciências ocultas. É o único livro publicado pelo autor
nas vésperas da sua morte, em 1934.
Os heterônimos são concebidos como individualidades distintas da do autor, com biografia e horóscopo próprios. Traduzem a consciência da fragmentação do eu, reduzindo o eu “real” de Pessoa a um
papel que não é maior que o de qualquer um dos
seus heterônimos na existência literária do poeta.
Alberto Caeiro é o Mestre, inclusive do próprio
Pessoa ortônimo. Nasceu e morreu em Lisboa, tuberculoso, embora tenha vivido a maior parte de sua
vida no campo, numa quinta no Ribatejo, onde foram escritos quase todos os seus poemas. Para
Caeiro, “o único sentido íntimo das coisas é não
terem sentido íntimo nenhum”, o poeta nega qualquer forma “de religiosidade, qualquer coisa em si”.
Não desempenhava qualquer profissão e teria apenas a instrução primária.
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Caeiro era, segundo ele próprio, “o único poeta
da natureza”, procurando viver a exterioridade das
sensações e recusando a metafísica, isto é, recusando saber como eram as coisas na realidade,
conhecendo-as apenas pelas sensações, pelo que
pareciam ser. Adotou o verso livre.
É nessa fase em que se enquadram: "Lisbon
Revisited", "Apontamento", "Poema em Linha Reta"
e "Aniversário", que trazem, respectivamente, como
características, o inconformismo, a consciência da
fragilidade humana, o desprezo ao suposto mito do
heroísmo e o enternecimento memorialista.
Caeiro escreve numa linguagem simples com o
vocabulário limitado de um poeta camponês pouco
ilustrado. Procura perceber as coisas como elas
são, sem refletir sobre elas e sem atribuir a elas
significados ou sentimentos humanos. Em perfeita
consonância com sua busca de simplicidade e espontaneidade.
Seus poemas são marcados pela oralidade e
pela prolixidade que se espalha em versos longos,
próximos da prosa. Despreza a rima e a métrica
regular.
São da sua autoria as obras O Guardador de
Rebanhos, O Pastor Amoroso e os Poemas Inconjuntos.
Ricardo Reis nasceu no Porto, foi educado num
colégio de jesuítas, ou seja, recebeu uma educação
clássica (latina), formado em medicina nunca exerceu a profissão. Dedicou-se ao estudo do helenismo, isto é, o conjunto das idéias e costumes da
Grécia antiga e adota Horácio como seu modelo
literário. Sua formação clássica reflete-se em sua
obra (nível formal, temas tratados) e na própria linguagem que utiliza, de um purismo exacerbado.
Apesar de ser formado em medicina, não exercia. Dotado de convicções monárquicas, emigrou
para o Brasil após a implantação da República. Caracterizava-se por ser um pagão intelectual lúcido e
consciente (concebia os deuses como um ideal
humano), limitava-se a viver o momento presente,
evitando o sofrimento (“Carpe Diem”) e aceitando o
caráter efêmero da vida.
Álvaro de Campos nasceu em Tavira e era um
homem viajado, formado em engenharia mecânica
e naval na Escócia e, numas férias, fez uma viagem
ao Oriente (de que resultou o poema “Opiário”).
Viveu em Lisboa, dedicou-se à literatura, intervindo
em polêmicas literárias e políticas. É da sua autoria
o “Ultimatum”, manifesto contra os literatos instalados da época. Até com Pessoa ortônimo polemizou.
Defensor ferrenho do modernismo era o cultor da
energia bruta e da velocidade, da vertigem agressiva do progresso, sendo a Ode Triunfal um dos melhores exemplos, evoluindo depois no sentido de um
tédio, de um desencanto e de um cansaço da vida,
progressivos e auto-irônicos. Representa a audácia
suprema a que Pessoa se permitiu (experiências
futurista e até no campo da ação político-social).
A trajetória poética de Álvaro de Campos está
compreendida em três fases: a primeira, da morbidez e do torpor, é a fase do "Opiário" (oferecido a
Mário de Sá-Carneiro e escrito enquanto navegava
pelo Canal do Suez, em março de 1914), a segunda
fase, mais mecanicista, é onde o Futurismo italiano
mais transparece, é nesta fase que a sensação é
mais intelectualizada.
A terceira fase, do sono e do cansaço, aquela
que, apesar de parecer um pouco surrealista, é a
que se apresenta mais moderna e equilibrada ("Não
sou nada. / Nunca serei nada. / Não posso querer
ser nada. / À parte isso, tenho em mim todos os
sonhos do mundo.").
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Segundo Moisés, a temática dos heterônimos só
pode classificar-se como metafísica: o que é a realidade daquilo a que chamamos realidade? Há algum
significado nas coisas, além do seu simples ser?
Que espécie de coisa se manifesta no que supomos
ser a nossa consciência? “O que em mim sente está
pensando”: este verso é uma das chaves para compreendê-la. O pensar é já a forma que toma o sentir,
independentemente de doutrinas com as quais o
sentimento da realidade seja contrastado. O que
interessa, escreveu ele a propósito de outro poeta,
não são os sentimentos, mas o uso que se faz deles.
MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
Um dos escritores portugueses mais identificado
com a obra de Pessoa, de quem foi amigo. Projetou
e editou conjuntamente com os seus amigos, em
especial Fernando Pessoa, a revista Orpheu.
Sofrendo de crises depressivas, sentimentais e
financeiras do poeta (já por várias vezes tinha escrito a Fernando Pessoa comunicando o seu suicídio),
Sá-Carneiro suicida-se, com vários frascos de estricnina, a 26 de abril de 1916, num Hotel de Nice,
suicídio esse descrito por José Araújo, que Mário
Sá-Carneiro chamara para testemunhar a sua morte. Deixou a Fernando Pessoa a indicação de publicar a obra que dele houvesse, onde, quando e como melhor lhe parecesse.
O delírio e a confusão dos sentidos, marcas da
sua personalidade, sensível ao ponto da alucinação,
com reflexos numa imagística exuberante, definem
a sua procura de exprimir o inconsciente e a dispersão do eu no mundo.
Como escritor, Mário de Sá-Carneiro demonstra,
na fase inicial da sua obra, influências do decadentismo e até do saudosismo, numa estética do vago,
do complexo e do metafísico.
Escreveu algumas das páginas mais importantes
da Literatura Portuguesa: A Confissão de Lúcio
(novela), Dispersão (poesia), Princípio (coetânea de
contos) Indícios de Ouro (póstumo) e Cartas a Fernando Pessoa (reunidas em dois volumes).
JOSÉ DE ALMADA NEGREIROS
O escritor e pintor José de Almada Negreiros
levou mais longe algumas tendências implícitas no
futurismo: textos e atitudes de provocação do conformismo burguês e de academismo literário. “Nome de Guerra” é um dos grandes textos narrativos
de toda a Literatura Portuguesa. A maior parte do
livro trata das relações entre um homem e uma mulher.
111
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Conta a estória na linguagem dos “rapazes” de
Lisboa com uma desenvoltura elegante, sem buscar
aparentemente efeitos de estilo, mas com achados
inesperados e felizes, resultantes justamente da
vontade com que se juntam numa frase natural coisas desencontradas habitualmente no pensamento.
Almada manifesta neste seu romance uma forte
vocação teatral.
Orpheu abriu caminho a outras revistas igualmente efêmeras, e dez anos depois, em Coimbra,
para a revista Presença, que duraria de 1927 a
1940 e com a qual a Literatura Portuguesa vai definitivamente libertar-se da tutela do século XIX e do
simbolismo de escola. À frente da revista encontram-se notáveis poetas: José Régio, Casais Monteiro, Miguel Torga e Antônio de Navarro.
XIII – O PRESENCIALISMO (1927-1940)
O segundo momento Modernista surgiu da herança deixada pelo orphismo. A revista literária
"Presença", que teve o primeiro exemplar publicado
1927, foi o meio divulgador das idéias desse grupo,
também conhecido como presencismo.
Dentre os seus principais colaboradores, destacam-se as figuras de José Régio, Adolfo Rocha,
João Gaspar Simões, Miguel Torga, Irene Lisboa,
entre outros.
Além de dar continuidade às idéias do orphismo
e de eleger os membros desse período como "mestres", os presencistas pregavam uma literatura mais
intimista e artística, ou seja, a literatura defendida
por esse grupo estava voltada para uma análise
interior e para a introspecção.
Recebeu críticas e dissidências em virtude de
exageros do individualismo e do esteticismo.
A revista Presença foi, em Portugal, o principal
veículo divulgador das principais obras e escritores
europeus da primeira metade do século.
No ano de 1940, em plena Segunda Guerra
Mundial, o grupo da Presença encerra suas atividades e considera-se encerrando também o Modernismo em Portugal.
XIV – NEO-REALISMO (1940-1974)
Movimento literário do qual fizeram parte, entre
outros, Alves Redol, Manuel da Fonseca, Afonso
Ribeiro, Joaquim Namorado, Mário Dionísio, Vergílio
Ferreira, Fernando Namora, Mário Braga, Soeiro
Pereira Gomes ou Carlos de Oliveira.
Desenvolveu-se num contexto histórico-social
conturbado (crise econômica, totalitarismo, guerra
civil espanhola e o início da Segunda Guerra Mundial) e encontrou como elemento aglutinador determinante para a definição dos seus objetivos, a polêmica com os intelectuais da revista Presença,
fechados, segundo os neo-realistas, “num egotismo
e esteticismos estéreis”.
As revistas Seara Nova, Sol Nascente e O Diabo
difundiram seus objetivos (o pensamento marxista,
as concepções do materialismo diabético e a rejeição do socialismo utópico).
112
O neo-realismo tem no romance brasileiro nordestino, os modelos para uma literatura de denúncia
social e de intenção pedagógica, marcada pelo forte
anseio de atingir uma transformação histórica que
resultaria da consciencialização de um destinatário
que deveria incluir proletariado e campesinato.
O marco de afirmação da estética neo-realista,
respectivamente, nos domínios da poesia e da prosa, a edição, entre 1941 e 1944, do Novo Cancioneiro e a publicação de Gaibéus, por Alves Redol,
em 1939.
Na ficção, destacam-se romances que encontram um fio condutor em algumas características
como "o primado da objetividade [...], tendência para
a exteriorização consumada pelo privilégio de certos
espaços normalmente de inserção rural (Ribatejo,
Alentejo, Gândara), valorização de personagens de
clara incidência socioeconômica, representação
dinâmica de processos de transformação históricosocial", conjugados com "uma concepção de romance que acentuava a necessidade de verossimilhança e cunho documental de que deveria revestirse". (Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes, Uma Casa
na Duna, de Carlos de Oliveira, Cerromaior, de Manuel da Fonseca, Vagão J, de Vergílio Ferreira, ou
Casa da Malta, de Fernando Namora).
Quanto à poesia neo-realista caracterizada pela
denúncia e de ação que preside à ficção, combinado com um otimismo que decorre da confiança nas
possibilidades de transformação que a fraternidade
humana pode alcançar encontra a sua especificidade num sentido de imanência e num consciente
equilíbrio precário entre a esfera da subjetividade e
a esfera coletiva. (João José Cochofel, Joaquim
Namorado, Carlos de Oliveira, Mário Dionísio ou
Manuel da Fonseca).
CARACTERÍSTICAS DO ROMANCE
NEO-REALISTA PORTUGUÊS
1. A ação do romance neo-realista normalmente é
aberta, sem progresso dramático linear, composta
em geral por uma acumulação de fatos, de quadros
panorâmicos, ligados entre si pelo narrador e pela
homogeneidade de situações que são muitas vezes
encaradas como símbolos.
2. As personagens são quase sempre coletivas,
grupos antagônicos constituídos, de um lado, por
representantes do capital e, de outro, por conjuntos
de trabalhadores agrícolas e de operários oprimidos
pelo capital, localizados em zonas bem determinadas: o regionalismo alentejano, temas citadinos e
outros ligados à burguesia rural (O Dia Cinzento de
Mário Dionísio, Anúncio de Alves Redol, Casa da
Duna e Pequenos Burgueses de Carlos de Oliveira,
Fuga de Faure da Rosa).
3. As personagens são tipos de uma classe. Se há
um protagonista que merece destaque, é por ser o
mais atingido entre a multidão ou por refletir as reações do todo. Diante dos fatores materiais e das
forças sociais que as bloqueiam, as personagens
neo-realistas não esboçam qualquer atitude de espiritualidade.
4. O autor observa as situações com neutralidade,
coloca os protagonistas em seu ambiente, deixa-os
agir e viver uma vida real. Depois faz jornalismo,
reportagem, entretanto analisa e interpreta fatos
escolhidos em virtude de determinado objetivo.
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5. Os neo-realistas minimizam o cuidado da forma,
colocando na fala das personagens a linguagem
popular regional. Leva o diálogo muitas vezes a
assumir funções narrativas. Emprega frases curtas,
bem adaptadas ao pensamento conciso que o domina, tende para a substantivação do real, usa moderadamente o adjetivo.
XV – SURREALISMO (1947-1974)
Surgido de um grupo de poetas liderados por
André Bretón, na França, o surrealismo torna-se um
movimento artístico que defendia a volta a um primitivismo infantil. É um movimento que pretendia manifestar espontaneidade de ordem racional ou moral. Pretendeu definir uma prática artística alternativa à tradicional.
Este movimento pretendia também que os artistas mostrassem o pensamento de maneira livre,
espontânea e irracional, levado além da realidade
(fantasia, sonho).
A pintura pode ser considerada a principal manifestação artística do surrealismo.
O movimento divide-se em duas vertentes. Uma
mantém o caráter figurativo, mas produz formas
inusitadas a partir da distorção ou justaposição de
imagens conhecidas. É comum figuras que “flutuam”
no quadro ou que estabelecem uma nova proporção
entre objetos e pessoas. Um exemplo é “A persistência da Memória”, de Salvador Dali. Os artistas da
outra vertente radicalizam o automatismo psíquico,
para que o inconsciente se expresse livremente,
sem controle da razão. O surrealismo atrai alguns
escultores.
Em Portugal, o Surrelismo é concepção de literatura baseada nos conteúdos oníricos e do inconsciente, predomina a “escrita automática” - automatismo verbal e escrito, ilogismo, livre associação de
idéias e de palavras, além da modificação das estruturas da realidade.
Massaud Moisés destaca alguns representantes
do Grupo Surrealista de Lisboa: Antônio Pedro,
José Augusto França, Alexandre O’Neill, Mário Cesariny de Vasconcelos e outros como Natália Correa, Henrique Rasques Pereira, Artur do Cruzeiro
Seixas, Antonio José Forte, Fernando Alves dos
Santos e Isabel Meyrelles.
XVI – TENDENCIAS CONTEMPORÂNEAS I –
(1950-1970)
Massaud Moisés destaca alguns escritores que,
embora não filiados a nenhum grupo, são influenciados pelas tendências em voga (Neo-realismo, Surrealismo e às tendências contemporâneas). Ressalta a importância das revistas literárias, em torno das
quais se congregaram algumas das vozes literárias
da atualidade.
O autor destaca a obra e acrescenta minibiografias dos poetas Rui Cinatti, José Blanc Portugal,
Tomaz Kim e António Ramos Rosa, Raul de Carvalho, Sebastião da Gama, Albano Martins, Fernando
Guimarães, Fernando Echevarria, Alberto de Lacerda, Luís Amaro, José Terra e Hélder Macedo.
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XVI – TENDENCIAS CONTEMPORÂNEAS –
(GERAÇAO DE 70)
A denominada geração de 70 é a prova cabal da
efervescência cultural que dominou a Literatura
Portuguesa permitindo o surgimento de uma constelação de poetas e prosadores inspirados, provavelmente em função dos ares de liberdade política
trazidos pela revolução de abril de 1974, que pôs
fim a um regime fascista que durava desde os anos
20.
O autor destaca vários autores, tanto a poesia
como a prosa de ficção, dentre os quais na poesia
experimental, figuras como E.M. de Melo e Castro,
Ana Hatherly e Salette Tavares.
Simultaneamente às correntes de vanguarda,
Moisés não deixou de assinalar a presença nos
anos 60 de uma nova onda neorrealista, reunindo
nomes bem conhecidos como Fernando de Assis
Pacheco, José Carlos de Vasconcelos e Manuel
Alegre.
Moisés enfatiza o nome de Vasco Graça Moura,
poeta erudito, estudioso das formas da poesia, romancista, autor de ensaios e peças teatrais, cuja
obra transita com facilidade pelas formas tradicionais como a sextina e o soneto, assim como prática
à intertextualidade, dialogando com poetas canonizados como Camões, Dante, Shakespeare entre
outros.
AGUSTINA BESSA-LUÍS
Agustina Bessa-Luís é um dos nomes consagrados na Literatura Portuguesa contemporânea.
Estreou-se como romancista em 1948, com a
novela Mundo Fechado, tendo desde então mantido
um ritmo de publicação pouco usual nas letras portuguesas, contando até ao momento com mais de
meia centena de obras.
Consagrada internacionalmente, representa Portugal junto a diversos órgãos culturais em diversos
países.
A consagração vem em 1954, com o romance A
Sibila. Agustina é senhora de um estilo absolutamente único, paradoxal e enigmático. Sua obra, de
caráter pessoal, possui grandeza e luz próprias,
alheia a influências estrangeiras ou mesmo portuguesas de caráter introspectivo, marcada por uma
imaginação fecunda e pelo senso de observação e
análise.
Empreende a fusão entre o regionalismo e o
universalismo na análise psicológica das personagens, cujas peculiaridades desvenda aos poucos.
Vários dos seus romances foram já adaptados
ao cinema pelo realizador Manoel de Oliveira, de
quem é amiga e com quem tem trabalhado de perto.
Estão, neste caso, Fanny Owen ("Francisca"), Vale
Abraão e As Terras do Risco ("O Convento"), para
além de "Party", cujos diálogos foram igualmente
escritos pela escritora. É também autora de peças
de teatro e para televisão.Em 2004, recebe, aos 81
anos, o Prêmio Camões, o mais importante prêmio
literário da língua portuguesa.
113
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Principais obras: Os incuráveis; A muralha; O
Sermão do Fogo; As relações humanas; Os quatro
rios; Canção diante de uma porta fechada; A dança
das espadas, com destaque para A sibila, sua obraprima.
JOSÉ DE SOUSA SARAMAGO
José de Sousa Saramago nasceu em 1922, em
Azinhaga, autodidata, possui apenas o curso industrial. Iniciou-se na literatura como poeta, em 1966,
mas cultivou também a crônica e o teatro, além da
prosa de ficção (romance), o melhor de sua obra.
No plano político-social, ideologicamente ligado à
esquerda militar em defesa dos trabalhadores, contra a opressão capitalista e identificação com as
camadas populares. Recebeu em 1998, o Prêmio
Nobel de Literatura, o primeiro para um autor da
língua portuguesa. É escritor, roteirista, jornalista,
dramaturgo e poeta. Também ganhou o Prêmio
Camões, o mais importante prêmio literário da língua portuguesa.
Saramago é considerado o responsável pelo
efetivo reconhecimento internacional da prosa em
língua portuguesa, sendo o autor português mais
conhecido da literatura contemporânea, traduzido
para várias línguas. O seu livro Ensaio Sobre a Cegueira (Blindness, em inglês) foi adaptado para o
cinema e lançado em 2008, produzido no Japão,
Brasil e Canadá, dirigido por Fernando Meirelles.
Características da obra: ironia sutil, fina; estilo
vigoroso, vivo, marcado pela síntese de diferentes
níveis lingüísticos, lembrando as características do
Barroco (língua culta, erudita, mesclada à linguagem oral, popular; uso de arcaísmos; preferência
por parágrafos longos, muitas vezes ocupando páginas seguidas; frase desenvolta, elástica, exprimindo sutilezas de forma e de sentido; eliminação
da pontuação convencional; emprego da vírgula
como principal sinal de pontuação; narrativa ora
ágil, fluente, ora lenta, intrincada, de acordo com a
intenção do narrador.
Retoma na ficção a história de Portugal, entretanto através de uma visão crítica da história e da
atualidade de Portugal; da atualização da visão
histórica de Camões, Antônio Vieira e Alexandre
Herculano; numa perspectiva diferente da de Alexandre Herculano (para Saramago, a história é viva,
e está sempre se modificando).
Considera que o século mais importante para
Portugal não é o XVI (expansão ultramarítima), mas
o XVIII, por causa do ouro do Brasil - a euforia e o
excesso de deslumbramento teriam influenciado a
decadência portuguesa posterior. A abrangência
temática de sua obra vai da Idade Média aos problemas do homem português contemporâneo, refletindo sobre temas universais e atemporais (as contradições das relações humanas; a solidão, a falta
de) solidariedade, o amor, a incomunicabilidade do
ser humano; a opressão dos poderosos sobre as
camadas mais humildes; o papel do povo na construção da história da sociedade. Suas principais
obras são: Jangada de pedra; Memorial do Convento; O Ano da morte de Ricardo Reis; O Evangelho
segundo Jesus Cristo; Ensaio sobre a cegueira;
Todos os nomes, entre outras.
114
QUESTÕES:
Os textos abaixo se referem à questão 1
Texto I
Cantiga dos olhos que choram
(À maneira de Garcia de Resende)
A meu corpo perguntara
(pois que triste nada achara
mais do que eu):
“Esses olhos tão-somente
“por que choram tristemente,
“corpo meu?
“Não tem lágrimas a boca
“que tanta palavra louca
“disse a alguém;
“e o coração tão coitado,
“de tanta coisa alongado
“não nas tem;
“nem as há na mão dorida
“que teve na despedida
“tanto dó...
“Por que assim só os olhos choram?
“Por que é que as lágrimas moram
“neles só?...”
É que os olhos são janelas
e há duas meninas nelas,
sempre em vão.
É que as meninas-dos-olhos
Nos olhos e só nos olhos
É que estão...
(Guilherme de Almeida)
Texto II
Cantiga, partindo-se
Senhora, partem tão tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tam triste vistes
outros nenhuns por ninguém.
Tam tristes, tam saudosos,
tam doentes da partida,
tam cansados, tam chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tam tristes os tristes,
tam fora d’esperar bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.
(Garcia de Resende)
1) Uma das conceituações para “intertextualidade”
seria a “influência de um texto sobre outro que o
toma como ponto de partida, e que gera a atualização do texto citado”.
O primeiro dos textos acima é de um poeta modernista e o segundo pertence ao “Cancioneiro Geral”,
da poética trovadorista.
É correta, a propósito, a seguinte observação :
a) O texto I teria influenciado o texto II, já que ambos tratam da mesma temática e exploram a imagem dos olhos como agentes da tristeza.
b) A “atualização” do texto II se daria, entre outras
razões, pela utilização, no texto I, de métrica e vocabulário próprios do “Cancioneiro”.
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c) Não se pode afirmar a existência de intertextualidade nesse caso, já que o enfoque temático é diferente.
d) A forma como os olhos são tratados, nos dois
poemas, é razão suficiente para afastar, no caso, a
idéia de intertextualidade.
e) Ao escolher o subtítulo para o seu poema, o autor
do texto I pretendeu reverenciar a figura do autor do
texto II, sem qualquer propósito de “atualização”.
6) (UM-SP) A respeito de Fernando Pessoa, é incorreto afirmar que:
2) (FUVEST) Aponte a alternativa correta em relação a Gil Vicente:
c) Ricardo Reis simboliza uma forma humanística
de ver o mundo do espírito da Antigüidade Clássica.
a) Compôs peças de caráter sacro e satírico.
b) Introduziu a lírica trovadoresca em Portugal.
c) Escreveu a novela Amadis de Gaula.
d) Só escreveu peças em português.
e) Representa o melhor do teatro clássico português.
d) junto com Mário de Sá-Carneiro, dirige a publicação do segundo número de Orpheu, em 196.
a) não só assimilou o passado lírico de seu povo,
como refletiu em si as grandes inquietações humanas do começo do século.
b) os heterônimos são meios de conhecer a complexidade cósmica impossível para uma só pessoa.
e) a Tabacaria, de Alberto Caeiro, mostra seu desejo de deixar o grande centro em busca da simplicidade do campo.
3) (FESL-SP) Em Os Lusíadas, Camões:
a) narra a viagem de Vasco da Gama às Índias.
b) tem por objetivo criticar a ambição dos navegantes portugueses que abandonam a pátria à mercê
dos inimigos para buscar ouro e glória em terras
distantes.
c) afasta-se dos modelos clássicos, criando a epopéia lusitana, um gênero inteiramente original na
época.
d) lamenta que, apesar de ter domado os mares e
descoberto novas terras, Portugal acabe subjugado
pela Espanha.
e) tem como objetivo elogiar a bravura dos portugueses e o faz através da narração dos episódios
mais valorosos da colonização brasileira.
4) ESAL-MG - Assinale a alternativa que contém
características incompatíveis com o estilo de época
conhecido por Barroco:
a) contradições, sobrenatural humanizado, céu e
terra ligados.
b) gosto pela polêmica, pelo panfleto, colisão de
cores e excesso de relevos.
c) sentido de universalidade, racionalismo e objetividade.
d) as coisas, pessoas e ações não são descritas
mas apenas evocadas e refletidas através da visão
das personagens.
e) largo sentimento de grandiosidade e esplendor,
de pompa e grandeza heróica, expressos na tendência ao exagero e nos hiperbólico.
5) Segundo alguns críticos, as obras de Eça de
Queirós possuem um talento raro para combinar a
ironia e a sátira com certo lirismo melancólico, o que
lhes dá graça e sutileza, apesar do tom caricato de
que se revestem algumas passagens, por demais
exemplares da hipocrisia social a ser denunciada.
São romances de tese, isto é, que denunciam a
hipocrisia social, do escritor:
a) O Crime do Padre Amaro; O Primo Basílio;
Os Maias.
b) A Ilustre Casa de Ramires; Prosas Bárbaras;
O Primo Basílio.
c) O Crime do Padre Amaro; O Primo Basílio;
Prosas Bárbaras.
d) O Crime do Padre Amaro; As Farpas; Prosas
Bárbaras.
e) A Relíquia; Os Maias; A Cidade e as Serras.
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7) (FUVEST) “Já vai andando a récua dos homens
de Arganil, acompanham-nos até fora da via as
infelizes, que vão clamando, qual em cabelo, o doce
e amado esposo, e outra protestando, o filho, a
quem eu tinha só para refrigério e doce amparo
desta cansada já velhice minha, não se acabavam
as lamentações, tanto que os montes de mais perto
respondiam, quase movidos de alta piedade (...)”
(José Saramago, Memorial do Convento)
Em muitas passagens do trecho transcrito, o narrador cita textualmente palavras de um episódio de Os
Lusíadas, visando criticar o mesmo aspecto da vida
de Portugal que Camões, nesse episódio, já criticava.
O episódio camoniano e o aspecto criticado são,
respectivamente:
a) O Velho do Restelo; a posição subalterna da
mulher na sociedade tradicional portuguesa.
b) Aljubarrota; a sangria populacional provocada
pelos empreendimentos coloniais portugueses.
c) Aljubarrota; o abandono dos idosos decorrente
dos empreendimentos bélicos, marítimos e suntuários.
d) O Velho do Restelo; o sofrimento popular decorrente dos empreendimentos dos nobres.
e) Inês de Castro; o sofrimento feminino causado
pelas perseguições da Inquisição.
1-B
2-A
GABARITO
3-A 4-C 5-A
6-E
7-C
115
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SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim.
GÊNEROS ORAIS E ESCRITOS NA ESCOLA.
Campinas/São Paulo: Mercado de Letras, 2004.
PARTE I – OS GÊNEROS DO DISCURSO
E A ESCOLA
1 - GÊNEROS E TIPOS DE DISCURSO:
CONSIDERAÇÕES PSICOLÓGICAS
E ONTOGENÉTICAS
O texto aborda os aspectos psicológicos da aprendizagem, ou seja, a forma como pessoas aprendem, e seus aspectos ontogenéticos, isto é, o
desenvolvimento da capacidade de um indivíduo de
adquirir conhecimentos desde a concepção até a
idade adulta.
Em síntese, seria obter respostas às seguintes
questões: o que aprendemos nas trocas com outros
indivíduos, nas relações sociais, pode interferir em
nosso desenvolvimento? Ou o desenvolvimento das
pessoas é um fato biológico, independente das relações sociais? Se for um fato biológico, algumas
pessoas são mais dotadas do que outras, já nascem
com uma capacidade inicial que outras não possuem? Se forem, podemos concluir que algumas pessoas nascem com "dom" para certas aprendizagens
e outras não?
Essa reflexão sobre aprendizagem - da aprendizagem x desenvolvimento - que ocorre naturalmente, se aplica à capacidade de aprender dos indivíduos em qualquer disciplina e em relação à aprendizagem da escrita questionamos: O que se aprende socialmente interfere no desenvolvimento cognitivo? Aprender gêneros textuais amplia nossas capacidades de linguagem?
Gêneros e o desenvolvimento da linguagem
O desenvolvimento se dá por continuidade e por
ruptura: Gêneros primários e secundários.
Aproximando essa visão instrumental do gênero
à concepção de gênero de Bakhtin, os autores refletem sobre como se dá a articulação do gênero a
uma situação concreta e como se dá o processo de
transformação profunda no desenvolvimento da
linguagem com a entrada da criança na escola e
que vai se estender por toda a escolaridade. Resumidamente, o que ele diz é o seguinte:
a) “Os gêneros primários nascem na troca verbal
espontânea. Estão fortemente ligados à experiência
pessoal. Eles se aplicam a uma situação, à qual
estão ligados de maneira quase indissociável, por
assim dizer automática, sem real possibilidade de
escolha [...] é uma relação inconsciente e involuntária”.
Podem-se definir as seguintes dimensões para
os gêneros primários:
- Troca, interação, controle mútuo pela situação;
- Funcionamento imediato do gênero com entidade
global controlando todo o processo, como uma só
unidade;
116
- Nenhum ou pouco controle metalingüístico da ação lingüística em curso;
- Utilizado pela criança nas múltiplas praticas de
linguagem.
b) “Os gêneros secundários não são espontâneos.
Seu desenvolvimento, sua apropriação implica em
outro tipo de intervenção nos processos de desenvolvimento, diferente do necessário para o desenvolvimento dos gêneros primários”. Eles introduzem
uma ruptura importante na medida em que não
estão mais ligados de maneira imediata a uma situação de comunicação; “sua forma é freqüentemente
uma construção complexa de vários gêneros cotidianos [...] tratados como sendo relativamente independentes do contexto imediato”. Em decorrência
disso, sua apropriação não pode se fazer diretamente partindo de situações de comunicação concretas e precisas. Os gêneros secundários não resultam “direta e necessariamente da esfera de motivações já dadas do aprendiz, da esfera de suas
experiências pessoais, mas de um outro mundo
que tem motivações mais complexas”.
Para os gêneros secundários, atribuiríamos às
seguintes dimensões:
- Modos diversificados de referência a um contexto
lingüisticamente criado;
- Modos de desdobramento do gênero. Se os meios
de referência a um contexto lingüisticamente criado
caracterizam, por assim dizer, os gêneros secundários do interior, asseguram sua coesão interna e sua
autonomia em relação ao contexto, outros meios
asseguram do exterior, seu controle, sua avaliação,
sua definição.
c) “A aparição de um novo sistema – o dos gêneros
secundários, não anula o precedente, nem o substitui [...] mesmo sendo diferente, o novo sistema apóia-se sobre o antigo em sua elaboração, mas
assim fazendo, transforma-o profundamente.”
d) Dessa forma, os gêneros primários são os instrumentos de criação dos gêneros secundários numa passagem que se dá num processo, ao mesmo
tempo, de continuidade e ruptura. Continuidade
porque a passagem para um novo sistema pressupõe toda a experiência vivida na apreensão do sistema anterior e ruptura porque as condições de
produção dos gêneros de um e de outro sistema
são diferentes: os gêneros primários se desenvolvem no ambiente natural das relações cotidianas e
estão diretamente ligados à situação de enunciação,
e os gêneros secundários são autônomos em relação à situação imediata de enunciação e, por isso,
são, em geral, adquiridos em ambiente formal, a
escola.
A escola é, portanto, o lugar institucional em que
se opera a passagem de um sistema para outro.
Na operacionalização dessa passagem, o trabalho com a noção de gênero é uma ferramenta didática interessante na medida em que os aprendizes
já carregam um conhecimento sobre os gêneros,
incorporado “ao menos como representação difusa
ou confusa, às vezes, antes mesmo de sua entrada
na escola”.
Bibliografia para Língua Portuguesa
Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
Para concluir, os autores propõem algumas hipóteses sobre tipos e gêneros de textos. Eis algumas
hipóteses sobre tipos de textos:
a) psicologicamente um tipo de texto é o resultado
de uma ou de várias operações de linguagem, efetuadas no curso do processo de produção;
b) essas operações podem, em especial, dizer respeito às seguintes dimensões:
- definição da relação à situação material de produção, tendo como possibilidades uma relação
de implicação ou uma relação de autonomia;
-definição de uma relação enunciava com o dito,
tratado como disjunto pertencente a um outro
mundo, lingüisticamente criado, ou tratado como
conjunto, pertencente a esse mundo;
-provavelmente a isso se somam decisões sobre
os modos de geração de conteúdos (como tentamos mostrar com Joaquim Dolz 1987), que podemos descrever, por exemplo, referindo-nos
aos tipos de seqüencialidade distinguidos por
Adam(1992);
c) levando-se em conta o que foi dito anteriormente, fazemos ainda a hipótese suplementar de que
essas operações não se tornam disponíveis de uma
só vez, mas que se constroem no curso do desenvolvimento.
Segundo os autores, os tipos de textos – ou,
psicologicamente falando, as escolhas discursivas
que se opera em níveis diversos do funcionamento
psicológico de produção – seriam, portanto, construções ontogenéticas necessárias à autonomização
dos diversos tipos de funcionamento e, de modo
mais geral, da passagem dos gêneros primários aos
gêneros secundários. Portanto, constituiriam, dito de
outra maneira, construções necessárias para gerar
uma maior heterogeneidade nos gêneros, para oferecer possibilidades de escolha, para garantir um
domínio mais consciente dos gêneros, em especial
daqueles que jogam com a heterogeneidade. Podemos, de fato, considerá-los como reguladores
psíquicos poderosos, gerais, que são transversais
em relação aos gêneros.
Citando Coll, os autores dizem que as principais
funções de um currículo são:
a) Descrever e explicitar o projeto educativo (as
intenções e o plano de ação) em relação às finalidades da educação e às expectativas da sociedade;
b) Fornecer um instrumento que oriente as práticas
dos professores;
c) Levar em conta as condições nas quais se realizam essas práticas;
d) Analisar as condições de exeqüibilidade, de modo a evitar uma descontinuidade excessiva entre os
princípios e as restrições colocadas pelas situações
de ensino.
Um currículo para o ensino da expressão deveria
fornecer aos professores, para cada um dos níveis
de ensino, informações concretas sobre os objetivos
visados pelo ensino, sobre as práticas de linguagem
que devem ser abordadas, sobre os saberes e habilidades implicados em sua apropriação.
Entre os diversos componentes do currículo, a
organização temporal do ensino é um problema
complexo, difícil de resolver. É preciso que nos lembremos de que as decisões relativas à ordem temporal que se deve seguir no ensino situam-se essencialmente em dois níveis:
a) progressão interciclo: divisão dos objetivos
gerais entre os diferentes ciclos do ensino obrigatório;
b) progressão intraciclo: seriação temporal dos
objetivos e dos conteúdos disciplinares em cada
ciclo.
As propostas de progressão curricular propõem
agrupamentos de gêneros Narrar, Expor, Argumentar, Instruir e Relatar, organizados pelas semelhanças que as situações de produção dos gêneros de
cada um dos agrupamentos possuem.
No agrupamento Narrar, são colocados os gêneros da cultura literária ficcional, como contos, lendas, romances, fábulas, crônicas. A situação de
produção desses gêneros sempre envolve a ficção
e a criação.
2- GÊNEROS E PROGRESSÃO ORAL E ESCRITA
ELEMENTOS PARA REFLEXÕES SOBRE UMA
EXPERIÊNCIA SUÍÇA
Currículo e progressão
Os autores trabalham com a concepção de currículo por oposição à de programa escolar.
Enquanto programa escolar supõe um foco maior
sobre a matéria a ensinar, é recortado segundo a
estrutura interna dos conteúdos, no currículo, esses
mesmos conteúdos disciplinares são definidos em
função das capacidades do aprendiz e das experiências a ele necessárias e, além disso, os conteúdos são sistematicamente elaborados em relação
aos objetivos de aprendizagem e aos outros componentes do ensino.
Bibliografia para Língua Portuguesa
No agrupamento Expor, estão agrupados os
gêneros científicos e de divulgação científica, e os
didáticos constituídos para o ensino das diversas
áreas de conhecimento. Estão nesse agrupamento
os artigos científicos de todas as áreas do conhecimento, os relatos de experiências científicas, as
conferências, os seminários, textos explicativos dos
livros didáticos, os verbetes de enciclopédia e outros afins. A situação de produção desses gêneros
sempre envolve a necessidade de divulgar um conhecimento resultante de pesquisa científica.
No agrupamento Instruir ou Prescrever, figuram os
gêneros com manuais de instrução de diferentes
tipos, as bulas de remédio, as receitas culinárias, as
regras de jogo, os regimentos e estatutos e todos os
demais gêneros cuja função é estabelecer formas
corretas de proceder.
117
Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
A situação de produção desses gêneros sempre
envolve a necessidade de informar como deve ser o
comportamento daqueles que vão usar um equipamento ou medicamento ou realizar um procedimento.
No agrupamento Relatar, estão os gêneros relacionados com a memória e a experiências de vida,
como memórias literárias, diários íntimos, diários de
bordo, depoimentos, reportagens, relatos históricos,
biografias e outros semelhantes. Nas situações de
produção desses gêneros, está a necessidade de
contar alguma coisa que realmente ocorreu, o que
torna os relatos diferentes das narrativas, que são
ficcionais.
No agrupamento Argumentar, ficam os gêneros
que têm origem nas discussões sociais de assuntos
polêmicos, que provocam controvérsias. Estão nesse agrupamento as cartas de solicitação, cartas de
leitor, cartas de reclamação, os debates políticos, os
artigos de opinião jornalísticos, os editoriais e outros
semelhantes. Nas situações de produção desses
gêneros, existem questões polêmicas que estão
sendo discutidas em sociedade, e que exigem dos
autores um posicionamento e a defesa desse posicionamento.
Os agrupamentos podem facilitar a escolha de
gêneros adequados para cada série do Ensino Fundamental, possibilitando uma progressão em espiral
para seu ensino. A expressão "progressão em espiral" significa que podemos criar eixos no planejamento do ensino de gêneros, um eixo para cada
agrupamento. Criados os eixos, é possível escolher
os mais adequados de cada agrupamento para cada série, retomando gêneros do mesmo agrupamento a cada ano que passa, para que os alunos
possam ampliar, gradativamente, o domínio das
capacidades de narrar, argumentar, expor, instruir e
relatar.
Contra o soliptismo
Construção conjunta intencional
É fundamental que se considere a relação existente entre a aprendizagem e o desenvolvimento.
Vygotsky propõe uma concepção segundo a qual a
aprendizagem é condição prévia necessária às
transformações e qualitativas que se produzem ao
longo do desenvolvimento. Para Vygotsky, “a aprendizagem humana pressupõe uma natureza
social específica e um processo por meio do qual as
crianças acedem à vida intelectual daqueles que a
cercam”, portanto, contra o soliptismo do sujeito – o
sujeito não pode estar só sem ver o pólo ativo que
representa sua relação com os outros. Tanto a aprendizagem incidental – advinda acessoriamente
no curso da realização de uma ação, quanto a aprendizagem intencional – em que o sujeito está
implicado numa situação que visa a um efeito, freqüentemente se realiza por meio institucional são
construções sociais. No que diz respeito às praticas
de linguagem, sua apropriação começa no quadro
familiar, mas certas práticas, em particular aquelas
que dizem respeito à escrita e oral formal, realizamse essencialmente em situação escolar, na nossa
sociedade, graças ao ensino, por meio do qual os
alunos conscientizam-se dos objetivos relativos à
produção e à compreensão.
118
Neste caso, mais ainda que em outras aprendizagens, a cooperação é fator determinante das
transformações e dos progressos que ocorrem.
Concluindo, os autores propõem a organização
de uma progressão temporal do ensino, construída
sobre a base de um agrupamento de gêneros e
levando em conta os diferentes níveis de operações
de linguagem.
Trata-se de uma proposta provisória de um currículo aberto e negociado:
a) Aberto, pois não recobre a totalidade das atividades possíveis em expressão oral e escrita; não
pode antecipar todos os problemas de aprendizagem e, assim, os professores devem adaptá-lo em
função de situações concretas de ensino.
b) Negociado, pois esse caráter aberto de um currículo pede contínuos ajustes não somente no nível
local, mas também no de progressão interciclos e
intraciclos e porque diferentes atores participam nas
diferentes fases de elaboração e de ajuste.
A progressão curricular resultante da estratégia
discutida acima ainda deverá ser testada: entrar nas
práticas e ser avaliada do ponto de vista da validade
didática.
3 – OS GÊNEROS ESCOLARES –
DAS PRÁTICAS DE LINGUAGEM AOS
OBJETOS DE ENSINO
Neste capítulo, os autores defendem que o gênero é utilizado como meio de articulação entre as
práticas sociais e os objetos escolares — mais particularmente, no domínio do ensino da produção de
textos orais e escritos.
A Idéia será abordada em três etapas: a noção
de gênero em relação à de prática de linguagem e
de atividade de linguagem; seu funcionamento no
quadro escolar e o caminho melhor é conhecer e
precisar este funcionamento.
Práticas, gêneros e atividades de linguagem
Se considerarmos a apropriação do conhecimento historicamente construído, veremos que há uma
relação intrínseca entre a noção de prática social
(que diz respeito ao funcionamento da linguagem)
com a de atividade (esta mais centrada na construção interna da linguagem, ou seja, nas capacidades
necessárias para produzir e compreender a linguagem).
A apropriação diz respeito tanto a uma quanto a
outra, na medida que a aprendizagem que conduz
à interiorização das significações de determinada
prática social implica levar em conta suas características, além das aptidões e capacidades iniciais do
aprendiz.
Práticas de linguagem
Com relação às práticas de linguagem, o conceito visa às dimensões particulares do funcionamento
da linguagem em relação às práticas sociais em
geral, tendo a linguagem como mediadora em relação a estas últimas.
Bibliografia para Língua Portuguesa
Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
Segundo Bautier, as práticas sociais “são o lugar
de manifestações do individual e do social na linguagem”, portanto, as práticas de linguagem pressupõem tanto dimensões sociais como cognitivas e
lingüísticas do funcionamento da linguagem numa
situação de comunicação particular e em sua análise as interpretações feitas pelos agentes de situação são essenciais. Essas interpretações dependem
da identidade social dos atores, das representações
que têm dos usos possíveis da linguagem e das
funções que eles privilegiam.
3. as configurações específicas de unidades de
linguagem, traços, em especial, da posição enunciativa de enunciador e dos conjuntos particulares de
seqüências textuais e de tipos discursivos que formam sua estrutura.
O gênero, portanto, é um megainstrumento que
dá suporte para a atividade, nas situações de comunicação, e uma referência para aos aprendizes.
Sua natureza é heterogênea e os papéis, ritos,
normas e códigos, que são próprios à circulação
discursiva, são dinâmicos e variáveis.
A escola sempre trabalhou com os gêneros, pois
toda forma de comunicação cristaliza-se em formas
de linguagem específicas. Seu objetivo, no contexto
escolar, é ensinar os alunos a escrever, a ler e a
falar.
A relação dos atores com as práticas de linguagem também varia, e a distância que pode separálos ou aproximá-los têm efeitos importantes nos
processos de apropriação.
A escola é eminentemente lugar de comunicação
e as situações escolares são ocasiões de produção/recepção de textos, com seus pontos fortes e
fracos.
Estudar o funcionamento da linguagem como
práticas sociais significa analisar as diferenciações
e variações, em função de sistemas de categorizações sociais à disposição dos sujeitos observados.
Os autores fazem uma análise sobre os pontos
fortes e fracos dos gêneros em virtude da importância dos mesmos para o desenvolvimento da linguagem.
Atividade de linguagem
As atividades de linguagem funcionam como
uma interface entre o sujeito e o meio, e responde a
um motivo geral de representação-comunicação.
Tem sempre origem nas situações de comunicação e se desenvolve em zonas de cooperação social determinadas e, sobretudo, atribui às práticas
sociais um papel determinante na explicação de seu
funcionamento.
De acordo com Dolz, Pasquier e Bronckart, uma
ação de linguagem consiste em produzir, compreender, interpretar e/ou memorizar um conjunto organizado de enunciados orais ou escritos (um texto).
Toda ação de linguagem demanda diversas capacidades da parte do sujeito:
a) adaptar-se às características do contexto e do
referente (capacidades de ação);
b) mobilizar modelos discursivos (capacidades discursivas);
c) dominar as operações psicolingüísticas e as
unidades lingüísticas (capacidades lingüísticodiscursivas).
Gêneros de linguagem
É através dos gêneros que as práticas de linguagem se materializam nas atividades dos aprendizes.
Para definir gênero como suporte de uma atividade
de linguagem, três dimensões parecem essenciais:
1. os conteúdos e os conhecimentos que são enunciados por meio dele;
2. os elementos das estruturas comunicativas e
semióticas partilhadas pelos textos reconhecidos
como pertencentes ao gênero;
Bibliografia para Língua Portuguesa
PONTOS FORTES
- Necessidade
de
criações de objetos
escolares para um ensino/aprendizagem eficaz;
- Pensamento
em
progressão.
- Leva muito em conta
a particularidade das
situações escolares e
utilização destas;
- Importância do sentido da escrita;
- Tônica na autonomia
dos processos de aprendizagem
nestas
situações.
- Evidencia as contribuições das práticas de
referência;
- Importância do sentido da escrita;
- Insistência na dimensão comunicativa e
na variedade das situações.
PONTOS FRACOS
- Progressão
como
processo linear, do simples para o complexo,
definido através do objeto descrito;
- Abordagem
puramente representacional,
não comunicativa.
- Não leva em conta
explicitamente e não
utiliza modelos externos;
- Não
modelização
das formas de linguagem e, portanto, ausência de ensino.
- Negação da particularidade das situações
escolares como lugares
de comunicação que
transformam as práticas
de referência;
- Ausência de reflexão
sobre a progressão e
desenvolvimento.
PARTE II
PLANEJAR O ENSINO DE UM GÊNERO
4 – SEQÜÊNCIAS DIDÁTICAS PARA O ORAL
E O ESCRITO
Como ensinar a expressão oral e escrita? Se,
hoje em dia, existem várias pistas para responder a
essa questão, nenhuma satisfaz, simultaneamente,
as seguintes exigências:
- Permitir o ensino da oralidade e da escrita a partir
de um encaminhamento, a um só tempo, semelhante e diferenciado;
- Propor uma concepção que englobe o conjunto
da escolaridade obrigatória;
119
Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
- Centra-se, de fato, nas dimensões textuais da
expressão oral e escrita;
- Oferecer um material rico em textos de referência, escritos e orais, nos quais os alunos possam
inspira-se para suas produções;
- Ser modular, para permitir uma diferenciação do
ensino;
-
Favorecer a elaboração de projetos de classe.
Sem pretender, de forma alguma, cobrir a totalidade do ensino de produção oral e escrita, ele fundamenta no seguinte postulado: é possível ensinar
a escrever textos e a exprimir-se oralmente em situações públicas, escolares e extra-escolares.
Criar contextos de produção precisos, efetuar
atividades ou exercícios múltiplos e variados: é isso
que permitirá aos alunos apropriarem-se das noções, das técnicas e dos instrumentos necessários
ao desenvolvimento de suas capacidades de expressão oral e escrita, em situações de comunicação diversas.
O procedimento a ser seguido é “Seqüência
Didática”.
Uma seqüência didática é um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito.
Tem como principal característica:
- Ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de
texto – escrever e falar de maneira adequada;
A estrutura de base de uma seqüência didática pode ser representada pelo seguinte esquema:
...
Apre
sentação
da
situação
Pro
dução
Inicial
Exemplificando:
M
ó
d
ul
o
1
M
ó
d
ul
o
2
M
ó
d
ul
o
n
Pro
dução
final
a. apresentação de situação ‘– descrição da tarefa de
expressão oral ou escrita que os alunos deverão realizar.
1ª. Dimensão - projeto coletivo de produção - de maneira bastante explícita para que eles compreendam a situação de comunicação e como devem agir, que problemas deverão resolver. Nesta dimensão, deve-se responder às questões: Qual é o gênero que será abordado? A
quem se dirige a produção? Que forma assumirá a produção? Quem participará da produção?
2ª. Dimensão – dos conteúdos – preparar e selecionar
os conteúdos que serão trabalhados na produção do
texto. É vital que o aluno perceba sua importância desses conteúdos e com quais irá trabalhar.
b. produção inicial – os alunos elaboram o primeiro
texto inicial oral ou escrito. A primeira produção tem
papel regulador, tanto para o aluno como para o professor. Ao professor permite avaliar as capacidades adquiridas e ajustar as atividades e os exercícios, adaptando as
seqüências às necessidades dos alunos, revendo e reestruturando o trabalho.
c. os módulos – o formato modular, constituídos de
várias atividades ou exercícios, oferecem ao aluno os
instrumentos necessários para esse domínio, que se
apresenta das dificuldades mais simples às mais complexas. Devem-se observar os módulos – o formato modular, constituídos de várias atividades ou exercícios,
oferecem ao aluno os instrumentos necessários para
esse domínio, que se apresenta das dificuldades mais
simples às mais complexas. Deve-se observar os níveis
produção de textos: Representação da situação de comunicação. - para quem se dirige, qual a finalidade, sua
posição enquanto autor ou locutor e do gênero visado.
Elaboração dos conteúdos. Buscar, elaborar ou criar
conteúdos diferem muito em função dos gêneros: técnicas de criatividade, discussões, debates e tomada de
notas, citando apenas os mais importantes. Planejamento do texto. A estrutura do texto depende da finalidade
que se deseja atingir ou do destinatário visado. Cada
gênero é caracterizado por uma estrutura mais ou menos
convencional. Realização do texto. Envolve a escolha da
linguagem: utilizar um vocabulário apropriado a uma
dada situação, variar os tempos verbais em função do
tipo e do plano do texto, recorrer aos organizadores
textuais para estruturar ou introduzir argumentos no
texto.
d. produção final – o aluno pode por em prática os
conhecimentos adquiridos (O que aprendi? O que resta a
fazer?) Serve para regular e controlar a revisão e a reescrita e avaliar os progressos realizados no transcorrer
do trabalhado; o professor, medir os progressos alcançados. A produção final serve, também, para uma avaliação de tipo somativo, que incidirá sobre os aspectos
trabalhados durante a seqüência.
Orientação metodológica:
O trabalho com a escrita e oralidade tem suas
especificidades: possibilidade de revisão, observação do próprio comportamento e de textos de referência, trabalha com seqüências e atividades de
estruturação da língua em uma perspectiva textual,
explorar questões de gramática e sintaxe (ortografia, revisão ortográfica, escolhas lexicais, etc.), o
agrupamento de gêneros e a progressão entre as
séries/ciclos. (ver quadros abaixo)
Concretizar uma proposta na forma de material
didático é por vezes, correr o risco de torná-la estática ou mesmo vê-la desviada dos princípios sobre
os quais se apóia.
É por essa razão que é importante insistir ainda
em alguns pontos de ordem metodológica.
120
Bibliografia para Língua Portuguesa
Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
No material proposto, as seqüências não devem
ser consideradas como um manual a ser seguido
passo a passo. Para o professor, a responsabilidade
é efetuar escolhas, e em diferentes níveis.
Quadro 1
Domínios sociais de comunicação
Domínios
sociais de
comunicação
ASPECTOS
TIPOLÓGICOS
Capacidades de
linguagem dominantes
NARRAR
Cultura
literária
ficcional
Mimesis da ação
através da criação de intriga
RELATAR
Documentação
e memorização de ações
humanas
Discussão de
problemas
sociais
controversos
Representação
pelo discurso de
experiências
vividas, situadas
no tempo
ARGUMENTAR
Sustentação,
refutação e negociação de tomadas de posição
EXPOR
Transmissão e
construção de
saberes
Instruções e
prescrições
Apresentação
textual de diferentes formas dos
saberes
DESCREVER
AÇÕES
Regulação mútua
de comportamentos
Exemplos de gêneros orais
e escritos
Conto maravilhoso
Fábula
Lenda
Narrativa de aventura
Narrativa de ficção
científica
Narrativa de enigma
Novela fantástica
Conto parodiado…
Relato de experiência vivida
Relato de viagem
Testemunho
Curriculum vitae
Notícia
Reportagem
Crônica esportiva
Ensaio biográfico…
Texto de opinião
Diálogo argumentativo
Carta do leitor
Carta de reclamação
Deliberação informal
Debate regrado
Discurso de defesa (adv.)
Discurso de acusação (adv.)
Seminário
Conferência
Artigo ou verbete
de enciclopédia
Entrevista de
especialista
Tomada de notas
Resumo de textos
"expositivos" ou
explicativos
Relatório científico
Relato de experiência científica
Instruções de
montagem
Receita
Regulamento
Regras de jogo
Instruções de uso
Instruções
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Quadro 2
Seqüências didáticas para expressão oral e escrita: modelo
Agrupamento
1ª – 2ª
3ª – 4ª
1.O livro
para
completar
1.O
conto
maravilhoso
Narrar
Relatar
2.A
narrativa de
aventura
1. O
relato de
experiência
vivida*
(Apresentação
em áudio)
1. A carta
de solicitação
Argumentar
Transmitir
conhecimentos
Regular
comportamentos
1. Como
funciona?
(Apresentação
de um
brinquedo e de
seu funcionamento)
1. A
receita
de cozinha*
(Apresentação
em áudio)
5 seqüências
(sendo 2
orais)
1. O
testemunho
de uma
experiência
vivida
1. A
carta
de
resposta ao
leitor
2. O
debate
regrado*
1. O
artigo
enciclopédico
2. A
entrevista
radiofônica*
1. A
descrição de
um
itinerário*
8 seqüências
(sendo
3 orais)
Ciclo
5ª – 6ª
7ª- 8ª – 9ª
1.O
conto
do
porque
e do
como
1. A paródia
de conto
2.A
narrativa de
aventura
1. A
notícia
3. A novela
fantástica
2. A narrativa de ficção
científica
1. A nota
biográfica
2. A reportagem radiofônica*
1. A
carta
de
leitor
2. A
apresentação de
um
romance*
1. A
exposição
escrita
2. A
nota de
síntese
para
aprender
3. A
exposição
oral*
1. As
regras
de jogo
9 seqüências
(sendo
2 orais)
1. A petição
2. A nota
crítica de
leitura
3. O ponto
de vista
4. O debate
público*
1. A apresentação de
documentos
2. O relatório científico
3. A exposição oral*
4. A entrevista radiofônica*
13 seqüências
(sendo 4
orais)
121
Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
5 – PALAVRA E FICCIONALIZAÇÃO:
UM CAMINHO PARA O ENSINO
DA LINGUAGEM ORAL
O texto trabalha com questões formuladas através de pesquisa a professores sobre as representações habituais do oral e do ensino sobre oralidade.
Dolz & Schneuwly acrescentam que nos gêneros
orais será necessário também considerar alguns
meios não-lingüísticos que, durante “a interação
comunicativa, vêm confirmar ou invalidar a codificação lingüística e/ou prosódica e mesmo, às vezes,
substituí-la”.
Entre esses meios não-lingüísticos destacamos:
Embasado em fundamentações teóricas, o autor
conclui que toda atividade de linguagem complexa
supõe uma ficcionalização, uma representação interna, cognitiva, da situação de interação social. É
necessário que se faça uma representação abstrata
que se ficcionalize a situação. Ela se revela como
uma operação geradora da “forma do conteúdo” do
texto: ela é o motor da construção da base de orientação da produção, colocando certas restrições
sobre a escolha de um gênero discursivo.
Assim, conclui o autor, há ficcionalização nos
gêneros complexos a serem trabalhados em sala de
aula. A particularidade do oral em relação à escrita
reside no fato de que essa ficcionalização deve se
articular com uma representação do aqui e agora,
gerenciada simultaneamente, graças especialmente
a meios de linguagem que são o gesto, a mímica, a
corporalidade, a prosódia. Palavra, implicação material e corporal na situação de produto de linguagem
e ficcionalização, a necessidade de construir, ao
mesmo tempo, uma representação da situação abstrata, constituem os dois vetores a partir dos quais
se constroem as novas capacidades de linguagem.
O fato de que essa construção não pode ocorrer
sem uma intervenção mais ou menos maciça da
escrita mostra o poder desse instrumento e prova
que é necessário que se forje uma concepção dialética dos diferentes aspectos do ensino da língua
materna.
6 – O ORAL COMO TEXTO:
COMO CONSTRUIR UM OBJETO DE ENSINO
De acordo com os autores, apesar de a linguagem oral estar bastante presente no cotidiano das
salas de aula, nas rotinas, nas leituras, na correção
de exercícios, ela não é ensinada a não ser incidentalmente, durante atividades diversas e pouco controladas.
O paradoxo, entretanto, consiste na análise de
que o oral está presente nas duas pontas do sistema escolar: na pré-escola e nos primeiros anos do
ensino fundamental, onde os professores consolidam os usos informais da linguagem e no ensino
superior onde se requer um domínio da palavra em
público (jornalista, advogado, empresários, professores, etc.).
O oral como objeto de estudo não poderia ser
incluído entre as duas pontas?
Inicialmente, os autores apresentam e discutem
aspectos indubitavelmente relacionados à linguagem oral, por sua materialidade fônica, como a produção sonora vocal, a voz como suporte acústico da
fala através da articulação de vogais e consoantes,
as sílabas, os fatos prosódicos, a música, a entonação, acentuação e ritmo, as falas espontâneas, os
meios não-lingüísticos da comunicação oral, etc.,
até chegarem à interação entre o oral e o escrito.
122
- meios paralingüísticos: qualidade da voz, melodia, ritmo, risos, sussurros, respiração etc.;
- meios cinésicos: postura física, movimentos de
braços ou pernas, gestos, olhares, mímicas faciais
etc.;
- posição dos locutores: ocupação de lugares,
espaço pessoal, distâncias, contato físico etc.;
- aspecto exterior: roupas, disfarces, penteado,
óculos, limpeza etc.;
- disposição dos lugares: lugares, disposição,
iluminação, disposição das cadeiras, ordem, ventilação, decoração etc.
Dessa forma, na análise de um texto oral de um
dado gênero que se tornará objeto de ensino, deveremos verificar o seu contexto de produção, a sua
organização textual, as marcas lingüísticas e os
meios não-lingüísticos que o caracterizam, para que
assim possamos ensinar ao aluno em que situações
poderão usar esse gênero, como estruturá-lo, qual
linguagem e postura utilizar, ou seja, poderemos
levá-lo a desenvolver as capacidades de linguagem
e as capacidades não-verbais de que ele precisará
para participar plenamente das situações comunicativas.
Essas capacidades de linguagem são de três
tipos, segundo Dolz & Schneuwly: capacidade de
ação que será desenvolvida com o trabalho com a
situação de produção; capacidade discursiva, com a
organização textual; e capacidade lingüísticodiscursiva, com os aspectos lingüístico-discursivos.
Prosseguem os autores afirmando que na escola, para que se possa fazer um bom trabalho com os
gêneros de modo geral, e com os orais mais especificamente, será necessário, construir um modelo
didático do gênero, ou seja, um levantamento de
suas características no nível do contexto de produção, da organização textual, da linguagem e dos
meios não lingüísticos.
A construção desse modelo requer a análise de
vários exemplares desse gênero, a consulta a textos
de especialistas que discorrem sobre ele, além da
consulta aos autores desses gêneros. Partindo dessas informações, conseguiremos fazer um modelo
didático que contemplará a situação de produção
desse gênero, sua organização textual, seus aspectos lingüístico-discursivos, seus meios nãolingüísticos.
Essas características nos indicarão as dimensões ensináveis do gênero estudado e nos mostrarão também que outros recursos podem ser necessários para que o aluno aprenda a agir por meio
desse gênero.
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Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
Por exemplo, ao se trabalhar com seminários,
requer além do ensino da apresentação em si mesmo, como ler os textos e pesquisar para fundamentar a apresentação de cada um dos seminaristas;
como fazer as transparências / slides, sinopse para
distribuir ao público; como organizar o tempo antes
do seminário, para que o grupo pudesse se reunir
para fazer as leituras e pesquisas, distribuir as tarefas, verificar os recursos técnicos, treinar a apresentação para adequação do tempo etc.
Feito esse modelo didático, as intervenções escolares devem ser organizadas em seqüências didáticas, ou seja, um conjunto de atividades elaboradas a partir de um modelo didático que visa levar o
aluno ao domínio de um gênero e ao desenvolvimento.
Enfim, o papel da escola é levar os alunos a
ultrapassar as formas de produção oral cotidianas
para confrontá-las com outras formas mais institucionais, mediadas, parcialmente reguladas por restrições exteriores.
PARTE III –
PROPOSTAS DE ENSINO DE GÊNEROS
Os textos da última parte do livro “Gêneros orais
e escritos na escola” (“7 – Em busca do culpado.
Metalinguagem os alunos na redação de uma narrativa de enigma”, “8 – A exposição oral” e “9 – Relato
da elaboração de uma seqüência: o debate público”)
relatam atividades práticas, elaboradas a partir de
um gênero, orais ou escritas, e utilizando como modelo a sequenia didática comprova a tese dos autores da obra de que se aprende a escrever a partir
da apropriação dos utensílios da escrita, no sentido
vygotskiano de que essa apropriação permite transformar a relação com o próprio processo psíquico
da produção de linguagem.
A análise do produto texto, ao longo dos três
capítulos, mostrou que um trabalho com seqüências
didáticas em torno de gênero textual determinado
tem conseqüências muito produtivas nos textos dos
alunos.
O papel do professor na seqüência didática é
importantíssimo em todos os momentos. Ainda mais
que é ele que pode, pelo menos em parte, definir o
sentido dado a uma seqüência numa determinada
turma.
Esse papel fica ainda mais difícil de definir, à
medida que compreende, no ensino do oral, duas
dimensões que é preciso administrar simultaneamente: a de criar uma situação de comunicação
interessante para o aluno (por exemplo, debate
sobre as classes mistas diante de uma câmara de
vídeo, sendo que a gravação realizada poderá ser
vista por outras salas) e a de ensinar, ou seja, desenvolver tão eficazmente quanto possível as capacidades de argumentação dos alunos, dando-lhes
instrumentos para fazê-los e avaliando tais capacidades.
Para permitir aos professores assumir o melhor
possível um papel tão complexo como o seu, os
autores orientam, nos encontros de formação, dois
aspectos essenciais:
Bibliografia para Língua Portuguesa
1. As diferentes atividades e trabalhos levados a
efeito ao longo da seqüência ganham em relação ao
projeto global que a classe realiza. Para chegar a
isso, cada etapa de trabalho termina numa síntese,
construída em interação com os alunos, na qual o
que foi feito é resumido em forma de regras ou de
constatações. Isso permite compreender, localmente, o sentido do que foi realizado; ao mesmo tempo,
essa síntese cria a ligação com o projeto global no
qual a turma estará envolvida; cria os meios para
melhor argumentar.
2. Como elaborar essas sínteses? Como capacitar
o trabalho sobre a oralidade que é tão fugidia? Qual
é o estatuto da escrita no ensino da oralidade? Essas questões difíceis foram inúmeras vezes colocadas nos encontros de preparação. O trabalho desenvolvido nesses encontros permitiu delinear algumas respostas.
a) Ensinar o oral implica em desenvolver o hábito
de registrar, para ter o traço das produções dos
alunos, assim como na escrita que, naturalmente,
deixa traços duráveis. O registro permite escutar-se,
reescutar os outros, observar, analisar, criticar-se,
fazer proposta para melhora dos outros. Esse tipo
de trabalho implica, necessariamente, um trabalho
em grupo, um procedimento que não permite o silêncio absoluto, nem o trabalho solitário de cada um
no seu canto. Muitas vezes, os professores relataram, após terem realizado a seqüência, que o trabalho com o oral era mais cansativo, precisamente
pelo fato de que a gestão da sala de aula tornava-se
mais diferenciada, mais intangível, mais interativa.
b) O trabalho de observação e de análise não é
possível sem a ajuda da escrita: é necessário anotar
as observações para lembrar-se delas ou para
transmiti-las aos outros. Mesmo que a escrita não
seja o mediador do processo de ensinoaprendizagem do oral, acaba por se construir num
instrumento muitas vezes indispensável.
c) A escrita é particularmente importante quando se
trata de capitalizar as construções à medida que a
seqüência avança e que ela funciona como memória externa, controlável. Entretanto, passar pelo
escrito permite colocar em comum o que foi aprendido, facilita uma construção coletiva e progressiva
das aprendizagens e explicita as exigências às
quais ao fim da seqüência os alunos deverão responder.
Em síntese, os autores apresentam três papéis
essenciais do professor no desenvolvimento do
trabalho conforme relatado acima:
• o de explicitar as regras e constatações, por
meio das observações e análises das gravações
efetuadas, utilizando, parcimoniosamente, a escrita
como instrumento;
• o de intervir pontualmente, em momentos escolhidos, para lembrar as normas que é preciso ter em
conta e para avaliar a produção dos alunos;
• o de dar um sentido às atividades levadas a efeito na seqüência, situando-as em relação ao projeto
global da classe.
123
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QUESTÕES
1) Assinale a alternativa correta. Segundo os autores do livro “Gêneros orais e escrito na escola”, as
principais funções de um currículo são:
a) Descrever e explicitar o projeto educativo (as
intenções e o plano de ação) em relação às finalidades da educação e às expectativas da sociedade;
b) Fornecer um instrumento que oriente as práticas
dos professores;
c) Levar em conta as condições nas quais se realizam essas práticas;
d) Analisar as condições de exeqüibilidade, de modo a evitar uma descontinuidade excessiva entre os
princípios e as restrições colocadas pelas situações
de ensino.
e) Todas as alternativas estão corretas.
II. No agrupamento Expor, estão agrupados os
gêneros científicos e de divulgação científica, e os
didáticos constituídos para o ensino das diversas
áreas de conhecimento. A situação de produção
desses gêneros sempre envolve a necessidade de
divulgar um conhecimento resultante de pesquisa
científica.
III. No agrupamento Instruir ou Prescrever, figuram os gêneros cuja função é estabelecer formas
corretas de proceder. A situação de produção desses gêneros sempre envolve uma expectativa em
relação a comportamento do receptor.
IV. No agrupamento Relatar, estão os gêneros relacionados com a memória e a experiências de vida.
Nas situações de produção desses gêneros está a
necessidade de contar alguma coisa que realmente
ocorreu, o que torna os relatos diferentes das narrativas, que são ficcionais.
V. No agrupamento Argumentar, ficam os gêneros
que têm origem nas discussões sociais de assuntos
polêmicos, que provocam controvérsias.
Assinale a alternativa correta:
2) Apenas uma das alternativas abaixo não contemplam os estudos sobre gêneros textuais, conforme
Schneuwly e Dolz.
a) As alternativas I, II, III e IV estão corretas.
a) É através dos gêneros, orais ou escritos, que as
práticas de linguagem se materializam nas atividades dos aprendizes.
c) As alternativas I, III, IV e V estão corretas.
b) A escola sempre trabalhou com os gêneros, pois
toda forma de comunicação cristaliza-se em formas
de linguagem específicas. Seu objetivo, no contexto
escolar, é ensinar os alunos a escrever, a ler e a
falar.
e) n.d.a.
c) A escola é eminentemente lugar de comunicação
e as situações escolares são ocasiões de produção/recepção de textos, especificamente de produção e recepção de textos orais, com seus pontos
fortes e fracos.
d) Uma seqüência didática é um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito.
e) Toda atividade de linguagem complexa supõe
uma ficcionalização, uma representação interna,
cognitiva, da situação de interação social.
b) As alternativas II, III, IV e V estão corretas.
d) Todas as alternativas estão corretas.
4) Segundo Dolz & Schneuwly, no trabalho com os
gêneros orais será necessário considerar aspectos
que, durante “a interação comunicativa, vêm confirmar ou invalidar a codificação lingüística e/ou prosódica e mesmo, às vezes, substituí-la”. Assinale a
alternativa incorreta.
a) meios lingüísticos: qualidade da voz, melodia,
ritmo, risos, sussurros, respiração etc.;
b) meios cinésicos: postura física, movimentos de
braços ou pernas, gestos, olhares, mímicas faciais
etc.;
c) posição dos locutores: ocupação de lugares,
espaço pessoal, distâncias, contato físico etc.;
d) aspecto exterior: roupas, disfarces, penteado,
óculos, limpeza etc.;
3) As propostas de progressão curricular, segundo
Joaquim Dolz e Bernard Schneuwly, propõem agrupamentos de gêneros organizados pelas semelhanças que as situações de produção dos gêneros de
cada um dos agrupamentos possuem. Considerando as afirmativas abaixo, assinale a alternativa correta.
I. No agrupamento Narrar, são colocados os gêneros da cultura literária ficcional, como contos, lendas, romances, fábulas, crônicas. A situação de
produção desses gêneros sempre envolve a ficção
e a criação.
124
e) disposição dos lugares: lugares, disposição,
iluminação, disposição das cadeiras, ordem, ventilação, decoração etc.
1-E
GABARITO
2-C
3-D
4-A
Bibliografia para Língua Portuguesa
Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
SOUZA, Mauro Wilton de (org.).
SUJEITO, O LADO OCULTO DO RECEPTOR.
São Paulo: Brasiliense, 1995.
Assim, em nível empírico, o sujeito da comunicação é uma peça que dá suporte à ordem do sistema
social; nível teórico, ele é a própria ordem do sistema social funcionando. É a fase hipodérmica norteamericana.
Teoria da dependência
Sujeito, o lado oculto do receptor, escrito em
1994, é uma coletânea dos textos sobre os assuntos tratados em um seminário na USP, um novo
olhar lançado sobre a recepção na comunicação.
Traz dois textos extremamente teóricos, referência
sobre as novas tendências e estudos que serviram
de base à pesquisa sobre a recepção. Os outros
textos analisam em torno do novo enfoque a produção midiática, às vezes fazendo um histórico sobre
o que já se discutiu e apresentando novos enfoques
teóricos.
RECEPÇÃO: UMA QUESTÃO ANTIGA EM UM
PROCESSO NOVO
RECEPÇÃO E COMUNICAÇÃO:
A BUSCA DO SUJEITO
(Mauro Wilton de Souza)
O autor, professor da Escola de Comunicação e
Artes da Universidade de São Paulo, onde leciona
na graduação, na pós-grduação, além de atuar como pesquisador do Núcleo de Pesquisas sobre Recepção.
Neste texto, ele propõe reflexões a respeito das
questões relacionadas ao receptor e à comunicação, tomando como ponto de referência as seguintes questões “quem é, afinal, o homem no processo
de comunicação social contemporâneo? Onde se
colocar para melhor visualizá-lo?”.
Inicialmente, ele faz uma introdução sobre o
assunto-tema, explicita o novo lugar do receptor na
comunicação onde ele passa a ser considerado
como sujeito, parte do processo comunicacional.
Fazendo uma retrospectiva sobre os caminhos
percorridos (entre 1950 e 1980), o autor situa o final
dos anos 50, o início dos primeiros trabalhos ligados
ao sujeito e à comunicação no Brasil, assim como o
princípio das primeiras intervenções do meio acadêmico brasileiro com estudos inicialmente nas áreas de ciências sociais e humanas, e mais tarde
nas escolas de comunicação.
Nesse período, os modelos importados para a
comunicação estavam situados em dois paradigmas
básicos: o positivista e o marxista, razão pela qual
não permitiram uma produção nacional mais autônoma.
Modelo norte-americano funcionalista
de análise da comunicação
O modelo norte-americano funcionalista de análise em comunicação, que surge com a expansão
das agências norte-americanas de publicidade e
dos institutos de pesquisa e opinião pública e se
sustentava no trabalho com o indivíduo, e não com
a massa, porém recusa a análise das causas sociais em nível estrutural, preservando e sustentando a
lógica do sistema sócio-econômico de produção.
Bibliografia para Língua Portuguesa
Teoria gerada nos anos 60, onde os meios de
comunicação impunham uma reificação ao sujeito,
mantendo não apenas os padrões econômicos,
tecnológicos e culturais, como também os de linguagem e os estilos de concepção da vida pessoal
e da social.
Essa teoria procurava explicitar como as relações dos países centrais com os periféricos iam
além de questões econômico-financeiras, mas envolviam tecnologia, cultura, saber e concepções de
vida.
Nesse contexto, os meios de comunicação eram
concebidos como agentes desse processo cabendo
a nós resgatar o receptor dessa reificação impingida
pelo sistema, mediante sua conscientização para
lutar contra a dominação do Estado capitalista, aliado aos interesses estrangeiros. Esse paradigma
materialista é reforçado pela instalação do regime
militar nos país.
Essa concepção histórica da relação homem–
sociedade vai se desdobrar na teoria crítica.
Modelo frankfurtiano (indústria cultural)
Entre as décadas de 60 e 80, o modelo frankfurtiano, em especial a concepção de “indústria cultural” apontava a não-linearidade na relação de dominação entre as sociedades capitalistas desenvolvidas e subdesenvolvidas. A racionalidade técnica,
base da modernidade, acaba se transformando em
principal instrumento de dominação. O mercado é o
eixo explicativo do sistema, onde comunicação e
cultura interagem.
No nível teórico, o receptor era a razão técnica;
no empírico, o sujeito reificava-se em indivíduo/
objeto/ mercadoria/ instrumento.
Estruturalismo
Segundo Habermas, se a razão técnica não havia dado respostas ao processo de dominação, dever-se-ia buscar outra forma de uso da razão, a
razão comunicativa (teoria da ação comunicativa).
O sujeito, sendo deslocado do homem para a
estrutura, gerava o sujeito como “estrutura estruturante”, trazendo a necessidade de estudos sobre
esse sujeito, seu funcionamento, sua linguagem e
seus códigos, cujos desdobramentos se tornaram
fundamentais para o pós-modernismo e para os
pensadores do pós-68.
Na produção teórica e empírica em comunicação, entre os anos 50 e 80, percebe-se o movimento pendular entre o individual e o social, e a decorrente dificuldade em identificar o receptor nesse
processo, pois não se abdicou do social nem se
resgatou o receptor como indivíduo.
125
Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
Neste contexto, foi inevitável surgirem crises,
rupturas e buscas de alternativas.
O descompasso entre o conhecimento epistemológico, as posturas teórico-metodológicas e as práticas de vida geram desdobramentos.
Pós-modernismo
Sob a ótica pós-moderna, o receptor é por um
lado sujeito-indivíduo – que desbrava a si mesmo, e
por outro sujeito-social, ou seja, o consumidor social.
Trata-se de uma visão focada na negação dos
parâmetros que sustentavam teorias generalizantes
e marcoexplicativas, como o marxismo e a psicanálise freudiana.
Embora não se constituíram como um grupo de
estudiosos ou uma corrente de pensamento, alguns
autores se destacam por suas contribuições ao estudo das novas práticas contemporâneas. São os
pensadores que constituíram o movimento pós-68,
entre os quais Souza destaca:
- Touraine – trabalha os movimentos sociais como
formas mediadoras do encontro do homem como
ator social;
- Maffesoli – destaca o lugar crescente das novas
tribos urbanas na definição do tempo presente;
- Bourdieu – pesquisa como as desigualdades sociais se reproduzem na cultura;
- Deleuze – coloca a filosofia na costura dos fragmentos que fazem a diferença da linguagem do
homem moderno;
- Foucault – escava nos fundamentos científicos da
história do pensamento social as bases do saber
que se constrói nas micro-unidades da vida social;
- Guttari – inter-relaciona psicanálise e tecnologia
como eixos explicativos das formas contemporâneas do desejo.
Essas várias tendências, bem diferentes entre si,
em geral, apresenta as seguintes considerações em
comum:
- são voltadas para o espaço do cotidiano de pessoas e grupos sociais;
- lidam com a fragmentação da vida social e individual;
- buscam capturar as contradições, desigualdades
de diferenças sociais;
- pesquisam os condicionantes da relação do sujeito
com o mundo moderno, admitindo a interdisciplinaridade como caminho.
Uma terceira vertente, a do marxista Antonio
Gramsci, vai investigar a negociação e o exercício
do poder político nas modernas sociedades, destacando os interlocutores do processo de negociação
política nas classes sociais e identificando os espaços dessa negociação, redirecionando a relação
entre ideologia e cultura. Além disso, buscam no
âmbito da comunicação os condicionantes do sujeito, as mediações que vão além do determinismo
entre emissor e receptor, sujeito e objeto.
126
Na esfera teórica, a explicação da sociedade
atual passa pela primazia da razão ou por uma nova
lógica, ligada à sensibilidade. Da mesma forma,
passam por dificuldades as questões ligadas ao
papel da comunicação na vida social. Portanto, não
se pode falar de um conhecimento contínuo e linear
nessa área de estudo, mas de pistas sobre as questões em curso.
Na esfera da ideologia e da cultura, está a retomada do estudo sobre o sujeito, na admissão da
pluralidade e da diversidade de lógicas, que seguem
práticas específicas e remetem a novas interpretações.
A partir destas últimas correntes, o receptor começa a ser visto como em situações e condições, e
cada vez mais a comunicação busca na cultura a
forma de compreendê-lo.
É o fim da rígida concepção de lógica social sistêmica que fazia da cultura uma entidade macro,
pouco explicativa no reconhecimento de práticas
empíricas.
Volta-se ao estudo do sujeito, em especial na
América Latina, analisando-se as culturas populares
em sua interação com a cultura de massa.
Dessa forma, é possível perceber que não existe
mais um cenário único de Terceiro Mundo, possível
de ser compreendido apenas sob a ótica de uma
lógica global, pois existem realmente diversos Terceiros Mundos. Uma análise apenas sob a ótica do
mercado também se mostra falha, pela ampliação
da sociedade de serviços e pelos espaços ocupados pelos movimentos sociais, políticos e religiosos,
que criam novos agentes sociais advindos não somente da estrutura de mercado, mas também de
outras práticas de vida.
Esses desenvolvimentos chegariam à própria
comunicação, vista agora não como veículos, mas
no processo em que os veículos atuam o que dá a
essa comunicação um lugar social, de parceiro da
vida. Uma forma de captar também o que foge à
expressão do lógico; o que, na sociedade excede à
ordem da razão institucional.
Os meios não existem isolados, nem as pessoas
se expõem a eles isoladamente: compõem uma
prática conjugada. A intermídia está tanto na esfera
da produção quanto na do consumo.
É preciso reconhecer a diversidade de gêneros,
linguagens e formatos presentes na interação entre
a produção e o consumo, é preciso identificar o
mundo das imagens estáticas, como a imprensa
escrita, trabalhadas por analogia, no caso dos rádios e dos discos, imagens em movimento ou ainda
a interação entre imagem, escrita e eletrônica.
É preciso pensar a tecnologia não somente como
fonte de informações, mas também como aquela
que sugere velocidade, está na vida das pessoas e
na maneira de ser do mundo e das coisas.
Bibliografia para Língua Portuguesa
Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
Dessa forma, a comunicação deixa de ser apenas representação e se torna interação enquanto
componente do processo social.
A partir da consideração de novas formas de
subjetivação no meio social, surge um novo prisma
de estudo:
- Cotidiano: a comunicação e a cultura vivem no
mundo plural das práticas cotidianas, nos modos de
viver e fazer. Como as pessoas encontram elos
para relacionar-se consigo mesmas, como se vêem
a si mesmas e como constroem sua identidade de
sujeito.
- Popular: elaboração e reelaboração das práticas
sociais e dos conteúdos da comunicação de massa.
Como trabalhar com a subjetividade numa sociedade em que o indivíduo já não existe mais, é simulacro de si mesmo?
- Meios de comunicação: espaços de processos
de construção de valores grupais, não apenas como
expressão do sentido dado pelo produtor ou receptor, mas no processo em que ocorre. Enfim, a saturação dos meios de comunicação e de informação
nos dias atuais não levaria à impossibilidade de
construção da subjetividade, que pode vir a ser uma
“subjetividade saturada”?
O caminho dos estudos de comunicação, principalmente nos países da América Latina, está deixando um pouco de lado suas vinculações com a
sociologia e a política, e se ocupando das ligações
dessa comunicação com o mundo plural das práticas culturais cotidianas, mas não somente na busca
das significações e usos sociais e sim com uma
visão de cultura, de como a comunicação pode ser
vista com base nessas práticas. Os meios de comunicação são, na verdade, o lugar onde a sociedade
é simbolizada, por um lado ela é refletida, e por
outro são apresentados aos sujeitos os padrões e
as possibilidades de ser.
O termo “recepção” em si se torna insuficiente,
pois traduz visões de um sujeito que, em determinado momento, é tido como “receptor” e em outros
como “construtor” e “colaborador” das mensagens.
A ruptura da trajetória generalizadora para uma
percepção mais ligada ao processo, na qual o sujeito começou a ser “visto”, surgiu a partir do momento
em que a visão do sujeito-objeto passou a não funcionar mais, pois os desejos desses sujeitos se
tornaram o ponto de mudança nesse olhar que passou a admitir vários ângulos, visualizando tanto o
sujeito/indivíduo como suas relações. Segundo Martin-Barbero, “o emissor e o receptor se situam (...)
não tanto com relação a um canal, a um meio, porém em relação a necessidades e problemas”.
AMÉRICA LATINA E OS ANOS RECENTES:
o estudo da recepção em comunicação social
JESÚS MARTÍN-BARBERO
Jesús Martín-Barbero é um dos mais instigantes
pesquisadores latino-americanos da atualidade.
Seus trabalhos versam sobre o fenômeno da comunicação massiva, embora ele se dedique a outras
questões como a configuração das cidades e a emergência dos novos sujeitos sociais.
Bibliografia para Língua Portuguesa
Para
Martín-Barbero,
os países latinoamericanos vivem com muita freqüência movimentos pendulares, esquecendo muito rapidamente tudo
que se recuperou em determinado momento e às
vezes até a complexidade de nossa sociedade. É
um dos pioneiros no tema da recepção em comunicação.
Para ele, a recepção não é só uma etapa no
interior do processo de comunicação, mas um de
rever e repensar os estudos e a pesquisa em comunicação, o processo inteiro da comunicação.
Significa, portanto, explodir o modelo mecânico,
hegemônico atualmente nos estudos da comunicação onde não há verdadeiros atores nem intercâmbios. Neste contexto, comunicar é fazer chegar a
informação, onde a recepção é o ponto de chegada
daquilo que já está concluído.
Esta concepção epistemológica condutista está
centrada no emissor, enquanto ao receptor caberia
apenas reagir aos estímulos do emissor. Esta concepção está intimamente relacionada a outra, a
iluminista, onde educação era a transmissão de
conhecimento para que nada sabia.
O receptor era um depósito vazio que receberia
conhecimentos originados e produzidos em outro
lugar. Segundo o autor, dos anos 60 até pouco tempo atrás, o que percebemos na AL é a contradição
entre dois elementos: a politização absoluta da análise das mensagens e a despolitização, a dissociação do receptor que é pensado apenas individualmente.
O receptor não é vítima manipulada como quer a
visão de crítica social de esquerda, que vê o dominador politicamente, mas vê o receptor individualmente, isoladamente.
Esta contradição, este descompasso configurase, segundo Barbero, no ângulo novo por onde devemos rever e repensar o processo da comunicação
em nossos países, culturas e sociedades.
Mediações da recepção:
- A heterogeneidade da temporalidade. Requer atenção às temporalidades diferentes de cada grupo
dentro de uma mesma sociedade, em um mesmo
país, em uma mesma região.
- As fragmentações sociais e culturais: o que faz
com que as pessoas se juntem e se reconheçam ou
não? Aqui, significando as tradicionais e estruturais
divisões sociais. Ex: divisão entre a informação e a
cultura dirigidas para os que tomam decisões na
sociedade e a informação e a cultura dirigida às
massas. Essa divisão reforça a divisão entre os que
detêm o poder e a imensa maioria a quem os meios
de comunicação se dirigem.
- Um novo organizador perceptivo, um reorganizador das experiências sociais: os diferentes sensorium: elite x popular, sexo, idade, público x privado,
etc.
Os valores de nossa sociedade estão sendo
refragmentados e rearticulados.
127
Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
Exclusões culturais:
De acordo com o autor, não se pode estudar a
recepção nem observar a comunicação com base
na recepção sem analisar o processo de exclusão
cultural, ou seja, a desqualificação e a deslegitimação, destacando:
- Desqualificação do gosto popular como “mau gosto”.
Concluindo, Jesús Martín-Barbero diz que “o
gênero é hoje lugar-chave da relação entre matrizes
e formatos industriais e comerciais. (...) O Gênero é
lugar de osmose, de fusão e de continuidades históricas, mas também de grandes rupturas, de grandes
descontinuidades entre essas matrizes culturais,
narrativas, gestuais, estenográficas, dramáticas,
poéticas em geral, e os formatos comerciais, os
formatos de produção industrial”.
- Deslegitimação da cultura dos gêneros narrativos
como “pobre”.
RECEPÇÃO: PESQUISA INTERDISCIPLINAR,
INCIPIENTE E POLÊMICA
- Deslegitimação dos modos populares de recepção
mais afetivos e expressivos.
GÊNEROS FICCIONAIS:
materialidade, cotidiano, imaginário
SILVIA HELENA SIMÕES BORELLI
Artifícios e tentações
Segundo Martín-Barbero, o estudo da recepção
está atualmente ameaçado pela crença no slogan
publicitário de que o consumidor é quem tem a palavra. Essa idéia é falsa. Acredita-se que o poder de
decisão é dele: ele decide o que vê, o que lê e o
que escuta. Entretanto, ele não detém o poder sobre a produção do que ele consome. Portanto, depende do que ele consome e também de como ele
consome. Não se faz boa comida com ingredientes
ruins. Para democratizar os meios de comunicação,
é preciso descer do pedestal intelectual e fazer pesquisas para dar forma às demandas sociais. Mas
sem achar que o receptor, já que ativo, pode fazer
coisas boas de qualquer “lixo” que lhe for oferecido.
Por fim, o autor aponta as chaves da trama conceitual de onde investigar a recepção:
- Estudos da vida cotidiana, local onde os atores
sociais se fazem visíveis do trabalho ao sonho, da
ciência ao jogo. Aqui reside o grande desafio: que
papel exerce a práxis cotidiana na comunicação? A
vida cotidiana é espaço de reconhecimentos socialmente importantes?
- Estudos sobre o consumo:
- consumo como prática de apropriação dos
produtos sociais;
- consumo como lugar da distinção simbólica,
por meio do que consumimos materialmente e
dos modos de consumir: lugar de diferenciação
social, de demarcação das diferenças, de distinções, de afirmação da distinção simbólica;
- consumo como sistema de integração e de
comunicação de sentidos;
- consumo como cenário de objetivação de desejos;
- consumo como lugar de processo ritual segundo os diferentes atores sociais, grupos,
classes, etnias e gerações.
- Estudos sobre estética e semiótica da leitura: a
leitura como interação.
- História social e cultural dos gêneros artísticos/narrativos. O gênero não é algo que passa ao
texto, mas que passa pelo texto. Não é só uma estratégia de produção e de escrita, mas uma estratégia de leitura.
128
O texto apresentado de Silvia Helena Simões
Borelli fala dos gêneros e da facilidade que estes
trazem tanto para a produção quanto para a recepção. Para a autora, os gêneros funcionam como
possíveis indutores de “pré-leitura”, ou seja, eles
resgatam a memória e o leitor, a partir de conhecimentos que este já possui.
Para ela, a análise dos gêneros ficcionais deve
ser entendida como um momento mais geral de
reflexão sobre manifestações de massa e produtos
culturais industrializados, sobre a forma como eles
foram produzidos em seus respectivos campos e
distribuídos e consumidos no interior da sociedade.
A autora faz um estudo sobre as diferentes interpretações sobre o significado dos gêneros, ressaltando
que no campo literário o próprio conceito desperta
dissensos, controvérsias e divide opiniões. A noção
de gênero como agrupamento de obras literárias
segundo uma classe e subordinado à estética, ocasionaria uma limitação no espaço, segundo alguns
autores.
Nos espaços audiovisuais, a reflexão sobre gêneros permite interpretações variadas.
A transposição de uma obra literária para o cinema e a televisão, mesmo que no processo mantenham suas características globais, se apropriam
de algumas das características da linguagem dos
portadores utilizados.
Portanto, no campo audiovisual, gênero é uma
categoria abrangente capaz de classificar uma série
bem diversificada de elementos e servir como elo
dos diferentes momentos da cadeia que une espaço
de produção, anseios dos produtores culturais e do
receptor: verdadeiros modelos culturais.
Os gêneros ainda podem ser percebidos como
“construções ideológicas” indutoras de uma “préleitura” que restringe a livre atribuição de significados por parte da “comunidade interpretante”.
Nesta concepção, os gêneros são instituições
com função de caráter ideológico, construindo significações e subjetividade capaz de relacionar “arte e
sistema”.
Podem, também, ser entendidos como “estratégias de comunicabilidade”, “fato cultural” e “modelo
dinâmico” articulados às dimensões históricas de
espaço onde são produzidos e apropriados.
Bibliografia para Língua Portuguesa
Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
Possuem, na mesma matriz cultural, referenciais
comuns tanto a emissores e produtores como ao
público receptor.
Segundo a autora, o padrão dos produtos culturais industrializados pressupõe, além dos gêneros
ficcionais, outros padrões específicos: tecnológicos,
de produção, distribuição, gerenciamento burocrático-administrativo das industriais culturais.
Outra questão que se coloca diz respeito às alternativas de renovação ou de esgotamento. Neste
contexto, os gêneros são modelos dinâmicos, com
estruturas variadas resultantes da conexão entre um
ou mais gêneros, entre formas ou através da introdução de novos elementos.
Alguns fatores de contextualização influenciam
no direcionamento e dinamicidade dos gêneros. O
gênero telenovela, fundamental para a consolidação
da televisão no Brasil, iniciou de maneira melodramática nos anos 50 e 60, passando, progressivamente a responder às necessidades de uma sociedade que se moderniza e respondeu pela ampliação
do mercado de bens simbólicos, aumento do consumo de aparelhos de televisão, modernização das
técnicas de estruturação empresarial e desenvolvimento tecnológico, entre outros.
Por último, a autora cita que com relação à receptação, as preocupações giram em torno da análise de quem é esse receptor, como se processa a
produção de seu universo simbólico e quais são as
especificidades da cultura popular em suas condições de uso e relações com a cultura de massa.
A TELENOVELA AO VIVO –
MARTA MARIA KLAGSBRUNN
No texto A telenovela ao vivo, Marta Maria
Klagsbrunn fala do desenvolvimento da televisão
enquanto tecnologia e como novo aporte de estudos
da recepção. Diz que a partir de 1963, a utilização
do videoteipe na produção das novelas brasileiras
transformou a concepção desse produto cultural
consumido por grande maioria da população. (A
morte sem espelho, de Nelson Rodrigues, pela TV
Rio e 205499, ocupado em São Paulo, pela TV Excelsior).
A princípio, com o slogan “o rádio com imagem”,
a televisão foi introduzida no país na década de 50
e a partir daí assumiu um papel social tanto dentro
do espaço doméstico como objeto conotativo de
status social ao proprietário e canalizando para suas
residências um público específico, os televizinhos.
No princípio, a televisão era feita “em direto”, ao
vivo, o que colocava uma responsabilidade muito
maior sobre o desempenho dos profissionais: “errou
ficou errado”. A improvisação dava o tom daqueles
tempos: “aprender fazendo”. O objetivo era dominar
a técnica e conquistar o público.
O teatro televisivo era o produto nobre de maior
prestígio, apresentando obras de peso universal em
geral de conhecimento do público.
Em todos os programas ao vivo, o tempo da
emissão/atuação e o da recepção era o mesmo.
Bibliografia para Língua Portuguesa
Assim as dificuldades enfrentadas na transmissão tanto dos teleteatros como das telenovelas eram as mesmas. Porém, os primeiros exigiam mais
ensaios, quantidades de meios técnicos e disponibilidade de pessoas para o mesmo programa.
Assim, na evolução da ficção na televisão brasileira aglutinaram-se dois fatores, sendo o primeiro, o
elemento dramatúrgico exercendo papel fundamental na relação do público, como aconteceu com o
folhetim na ampliação e formação do público leitor
do jornal no século XVIII. O segundo fator diz respeito às especificidades do próprio meio televisivo:
as dimensões da telinha, seu lugar de prestígio em
meio à vida das pessoas pediam produtos formatados com apelo intenso, curta duração e cujo tom
indicasse proximidade com o telespectador, como
acontece com as novelas em capítulos.
Mesmo apesar das dificuldades, esses dois fatores determinaram a exigência de se criar uma linguagem específica e original para o veículo. Também com relação à temática e à interpretação, foram tratadas segundo as dimensões características
da telinha, a proximidade com o receptor e a inserção no núcleo familiar.
A telenovela, neste contexto, surge com um formato de dramaturgia próprio para atender, agradar
ao público e garantir o sucesso.
No início, o número de personagens era bem
pequeno e apesar da incorporação das características do folhetim não desenvolvia tramas paralelas.
Os produtores não se contentavam com os scripts importados e fórmulas prontas e sentiram a
necessidade de adaptações. Ao trabalhar a sua
própria linguagem, a telenovela brasileira lança uma
expressão própria e diferenciada para a ficção popular.
Assim, na constante busca da qualidade e centrada na estrutura do folhetim em capítulos, aberta a
experimentos e inovações aprimora uma linguagem
específica para o produto televisivo, conjugando
linguagem, temas universais com aspectos do cotidiano brasileiro, tanto nos temas como na forma de
representação.
A televisão concedia prestigio social à família: a
casa era o centro de convivência familiar que se
ampliou com a incorporação da vizinhança, pois seu
público-alvo incluía os televizinhos.
A crítica era feita pelo público diretamente às
revistas especializadas em televisão. Denotam que
o público participava ativamente do processo de
desenvolvimento do meio, exercendo o papel de
crítico com o objetivo de modificar tanto em termos
de programação, de técnica, de escolha de atores,
cenários, etc.
O público do novo veículo se situava nas classes
A e B e somente depois incorporou o público do
rádio, representado pelas camadas populares.
Dessa forma, a telenovela, assim com o folhetim
no século XVIII, liderou e consolidou a televisão
como veículo de comunicação de massa no Brasil.
129
Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
COMPORTAMENTO E RECALL NA AUDIÊNCIA
DE TV
ANTONIO MANUEL TEIXEIRA MENDES
Partindo da análise do desenvolvimento da televisão enquanto tecnologia e como novo veículo de
recepção, o texto de Antônio Manuel Teixeira Mendes tece uma análise sobre o comportamento do
receptor, tanto diante da programação quanto dos
comerciais inter-programação.
Qualificação
da audiência
nos
intervalos
Apresenta duas pesquisas que não apontam
grandes divergências na audiência, contudo apresenta diferenças em relação ao tempo de exposição
diante da tevê e a penetração de cada gênero de
programa conforme o público estudado.
Para o autor, é possível que a disputa por audiência nos próximos anos se intensifique entre as
redes de TV, principalmente entre os consumidores
urbanos de alta renda (que consomem outros produtos: filmes, videocassete (DVD), jogos eletrônicos, controle remoto, etc.).
Apresentação das pesquisas
Primeira pesquisa: realizada em 18/05/1990 sobre
hábitos de audiência, tempo médio de exposição à
TV, conhecimento da programação, comportamento
nos intervalos comerciais, etc., com 1080 telespectadores da cidade de São Paulo.
Segunda pesquisa: realizada entre 19 e
20/05/1990 com o objetivo de detectar o comportamento dos telespectadores que assistiam à programação durante os intervalos comerciais, nível de
atenção, lembrança de comerciais, recall de marcas
de produtos, etc. envolvendo 494 telespectadores
residentes em áreas nobres da cidade de São Paulo, por telefone (pesquisa flagrante).
Exposição à
TV
Índice de
conhecimento da
programação
Audiência
nos intervalos comerciais (pesquisa flagrante)
130
Mais de 3h00 em média e 3h45 aos domingos: 20% do tempo em que a pessoa
permanece acordada. As mulheres ficam
mais 20’. Os mais jovens se expõem
mais à TV. Quanto a escolaridade, os de
nível universitário se expõem menos que
os de nível médio, assim como é menor a
exposição daqueles com renda familiar
mais alta.
Em todas as classes, o tempo de exposição aumenta nos fins de semana.
51% demonstraram conhecimento (22%
conhecimento baixo e 27% alto conhecimento). As mulheres atingiram nível médio de conhecimento maior que os homens. Os mais idosos (com mais de 41
anos) conhecem menos a programação
que os mais jovens e apesar de menos
exposto à TV os mais escolarizados estão mais informados que os outros.
TV com controle remoto: 66 % entre os
mais abastados possuem, contra 33%
dos de todas as outras sociais. 55 % dos
telespectadores ficaram vendo os comerciais e quanto mais jovens, a tendência é
permanecer menos diante da TV durante
os comerciais.
Lembrança
dos
comerciais
I) audiência completa:13%; II) audiência
compartilhada: 22%; III) audiência não
uniforme: 3%; IV) afastamento do vídeo:
55%; V) mudança de canal: 7%
Os homens ficam mais tempo diante da
TV nos intervalos, mas dividem a atenção
com outra atividade. Nos intervalos inseridos nos programas, a atenção é maior.
22% dos expectadores vêem TV concomitantemente a outra atividade sendo
mais freqüente a conversa, porém varia
de acordo com cada faixa de horário e
idade. O controle remoto impacta nos
hábitos do telespectador.
74 % não se lembrou do último comercial apresentado. As taxas de
lembrança das marcas são ainda
menores não havendo diferença entre homens e mulheres e diminuem
ainda entre os mais jovens. Quem
possui controle remoto lembra menos
dos comercias e marcas de produtos.
As taxas são similares quanto à lembrança se os comerciais são similares nos diferentes horários. A probabilidade de lembrança de um comercial é maior quando o programa é
mais longo ou está inserido no meio
do programa, sendo bem menor nos
intervalos entre programas.
RECEPÇÃO: PESQUISA INTERDISCIPLINAR,
INCIPIENTE E POLÊMICA
ETNOGRAFIA DE AUDIÊNCIA:
UMA DISCUSSÃO METODOLÓGICA
ONDINA FACHEL LEAL
No texto, “Etnografia de audiência: uma discussão metodológica”, Ondina Fachel Leal, antropóloga
de formação, disserta sobre os métodos de pesquisa para um estudo de recepção na análise do impacto social da novela das oito. As mediações com
fundamentos teóricos são cruciais para a análise da
interpretação da mensagem recebida pelo telespectador.
Segundo ela, esse produto é aberto aos estudos
de recepção por que a mesma mensagem é decodificada por grupos diferentes, “negociação do significado”.
Ela busca empreender uma discussão metodológica a respeito dos estudos de etnografia da audiência em relação à recepção da telenovela.
A autora diz que é o olhar antropológico que
conduz o direcionamento de sua análise sobre o
objeto, no caso, a telenovela: “eu não sou da comunicação, mas a tenho como objeto”.
Assim sendo, embora seja um estudo de comunicação, é também um exercício antropológico e
etnográfico. Sua base de discussão é o diário de
campo, feito sistematicamente no curso dos trabalhos, segundo ela o instrumento ideal para esse tipo
de estudo.
Escolhe a novela das “oito”, telenovela do horário
nobre da Globo, justificando sua escolha em função
do grande número de audiência que esta telenovela
possui.
Bibliografia para Língua Portuguesa
Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
Segundo dados da autora, 50 milhões de pessoas assistem à telenovela por dia. Sua intenção primeira com a análise de campo é observar como tal
telenovela é entendida, decodificada, vivenciada por
grupos diferenciados de pessoas.
A delimitação do objeto se dá a partir da classe
social. O local escolhido para a pesquisa de campo
é um boteco, muito embora sua intenção inicial seja
observar a recepção da telenovela por uma classe
social, de forma secundária, ela deseja obter alguns
dados particulares, através da audiência masculina
da telenovela.
Na escolha do recorte pela classe social, por
exemplo, Fachel se encontra com um problema de
ordem metodológica que é: “se o receptor é necessariamente segmentado, torna central toda a problemática metodológica de investigação a respeito
de a recepção dar conta dessa segmentação.”
Ondina Fachel fala, em seu texto, como se processou a escolha de parâmetros e pressupostos
que orientaram sua pesquisa.
A partir da definição da classe social como parâmetro básico para a análise, outras questões com
relação ao seu estudo sobre a recepção da telenovela vão surgindo. Dessa forma, é possível fazer
proposições a respeito desse tema, promover interpretações e entender certos sentidos implícitos no
universo do objeto analisado.
Três procedimentos metodológicos foram utilizados para o empreendimento de sua investigação.
Primeiro, a escolha de parâmetros relativizadores, para nortear o cruzamento dos dados apresentados.
O segundo foi fazer uma etnografia da audiência
e não da recepção em si, já que o termo recepção
abrange um universo bem mais amplo, enquanto a
audiência é considerada a partir de um evento específico.
O terceiro ponto foi o que se considera na antropologia como ‘evento de fala’, ou seja, analisar a
partir do gestual, dos comentários, das intervenções
ou não feitas pelos receptores/audiência no momento da situação receptiva.
Um último procedimento da autora foi a análise
da experiência de recontar a novela.
Ela fundamenta seu presente trabalho com a
categoria de cultura a partir das idéias propostas por
Geertz.
Enfocando a narrativa da telenovela, a autora
tece considerações sobre a fórmula do mito, familiar
ao antropólogo: o mito tem relação com a crença.
Assim, o que é apresentado pela mídia passa
por um filtro que leva em conta o contexto social e
doméstico de envolvimento dos receptores acerca
do mito apresentado.
Concluindo, na análise dos dados fornecidos no
diário de campo, a autora evidencia sua angústia
em perceber as pistas encontradas em sua pesquisa: a pertinência de um receptor ativo no processo
de codificação e decodificação da mensagem midiática é desconsiderada por uma comunidade acadêmica da comunicação e a literatura disponível nesse
meio que não tratam dessa questão.
Isso revela seu entendimento dos estudos de
comunicação tradicionais, que desconsideram a
questão da recepção em comunicação e, através do
desenvolvimento da pesquisa etnográfica, ela pretende comprovar sua hipótese contrária a essa idéia
tradicional.
A DECODIFICAÇÃO DO DISCURSO ADULTO DA
TELEVISÃO PELO PÚBLICO INFANTIL
ROSELI STIER AZAMBUJA
Roseli Stier Azambuja fala em seu texto da audiência infantil de produtos desenvolvidos para o público adulto, além de falar da recepção da criança e
da necessidade de que o conteúdo tenha características de verdade para que ela o aceite.
Segundo a autora, é necessário entender como a
criança decodifica o discurso adulto da TV uma vez
que ela passa muito tempo em frente à TV.
Dados de pesquisas apontam que:
- Não há diferenças significativas em termos de
sexo, idade e classe social: crianças assistem em
média 4 horas/dia.
- Embora seja a atividade mais freqüente, não é a
preferida, para elas, ver TV é a atividade para momentos em que estão dentro de casa, e elas vêem
mais em dias frios e de chuva.
- A TV é companhia preferida nos momentos de
solidão, sendo que os meninos, quando sozinhos
gostam mais de ver TV que as meninas. Estas gostam tanto de ver TV quanto de ouvir música.
Para justificar a escolha de um objeto da comunicação, ela parte da noção de cultura como um
sistema de significados que transforma em secundária a questão de quem é o produtor legítimo de
um bem cultural, pondo em evidência assim as relações do consumo cultural e não da produção.
- Os pais interferem pouco sobre o tempo de exposição da criança à TV. Aumenta um pouco em
relação ao tipo de programa assistido. Esse controle
é exercido proporcionalmente à idade da criança: os
menores e as meninas são mais controlados, especialmente sobre cenas de terror e sexo muito mais
do que sobre cenas de violência, tiros, brigas, explosões, etc.
Do ponto de vista da antropologia, ela considera
a televisão e a telenovela são objetos fundamentais
do espaço doméstico sendo essa característica
essencial para o fazer etnográfico.
- A TV opõe e ratifica, aos olhos infantis, uma
ação masculina (que envolve força) a uma expressão feminina (à base de sensibilidade e comunicabilidade).
Bibliografia para Língua Portuguesa
131
Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
- A forma como a criança decodifica o discurso
adulto na TV é muito afetada pela decodificação do
discurso dos pais. Segundo a autora, mães passivas em relação às propagandas de TV estimulam os
filhos a uma alta predisposição ao consumo.
Segundo a autora, a recepção infantil do mundo
da televisão indica que diante desta não existe apenas um receptor infantil, mas uma célula familiar
que afeta todas as condições de recepção.
Contra a TV, é dito que o contínuo de imagens
seguidas – novela seguida de noticiário, noticiário
seguido de novela, etc. – confunde as crianças e
elas constroem imagens desconexas por isso. Pesquisas mostram que a criança decodifica essa gama
de imagens, aparentemente desarticuladas, segundo uma lógica própria. Notícia, por exemplo, sinaliza
a predominância da “má-notícia”.
A análise do discurso publicitário reforça e/ou
ilustra pontos dessa lógica infantil, pois as crianças,
sobretudo as menores, tendem a interpretações
literais, mas lidam muito bem com simbolismos que
sejam de fácil compreensão e que sejam intrínsecos
e adequados àquilo que determinada propaganda
está querendo comunicar.A criança precisa de mensagens claras e enredos pertinentes. Ela é crítica: o
qu e não é verdadeiro, ela rejeita.
Segundo a autora, outros pontos importantes:
- A criança gosta de informação;
- A criança gosta de se divertir à custa do mundo
dos adultos;
- A criança gosta do produto ou da propaganda
que a faça sentir-se mais velha.
Enfim, a criança gosta do discurso adulto, na TV
ou não, capaz de respeitá-la como ela é.
“Tem gente que trata a gente como gente grande. Eu gosto de ser tratada como criança. Porque é verdade.” (Daniela – 9 anos)
MINHA TERRA TEM PANTANAL
ONDE CANTA O TUIUIÚ...
A GUERRA DE AUDIÊNCIA NA TV BRASILEIRA
NO INÍCIO DOS ANOS 90
ANA MARIA BELOGH
Neste texto, Ana Maria Belogh faz uma análise
da novela Pantanal com relação a outros produtos
midiáticos da época. A autora credita as causas do
sucesso da novela Pantanal, em detrimento da repaginação que os outros canais fizeram para atrair o
público, às inovações nos elementos narrativos e
discursivos, na abordagem da temporalidade da
saga, no enredo, na locação, nos recursos técnicoexpressivos empregados e na seleção de atores,
entre outros.
Fazendo uma análise bem detalhada, a autora
descreve o sucesso da novela Pantanal (1990, TV
Manchete, 21h30), escrita por Benedito Ruy Barbosa e dirigida por Jayme Monjardim, que resgata as
paisagens incríveis, a beleza bucólica e idílica do
Pantanal Mato-grossense, tudo filmado num plano
cinematográfico que encantados abandonam o SBT
e a Globo, após anos de hegemonia da segunda.
132
Está detonada a guerra por audiência mais feroz
da história da televisão brasileira.
A Globo permaneceu na liderança absoluta por
mais de vinte anos, exceto por momentos pontuais
(Dona Beija – Manchete e Pássaros Feridos – SBT),
com os maiores índices de audiência da história.
Sua fórmula consistia num mosaico de programação que mantém ofertas e formatos e gêneros
que quase não se modificaram no decorrer dos anos: novela das seis, novela das sete, Jornal Nacional, novelas das oito. Cada novela destinava-se a
um público específico:
A novela das seis era direcionada a jovens, idosos e donas de casa que presumivelmente não trabalhavam fora, trama água com açúcar em doses
homeopáticas em que as questões amorosas prevaleciam sobre as sociais.
A novela das sete jogava com outras linguagens
e gêneros, alguns previamente adaptados para a TV
sempre com o tempero do humor.
A novela das oito direcionava-se ao público adulto, trazia temas mais fortes e polêmicos. Neste horário, não só o aspecto temático era tratado de forma mais contundente como os conflitos entre as
personagens eram abordados de forma mais densa
e mais realista. Por exemplo, somente personagens
de segundo escalão eram punidas, a maioria de
ricos corruptos escapa ilesa. Em linhas gerais, esse
era o mosaico da Globo quando Pantanal entra e
abala sua liderança.
Como e por que a Manchete consegue tal proeza?
Disputavam a liderança Globo, Manchete e SBT.
A guerra pela audiência no horário gerava cenas de
violência e sexualidade exacerbadas para a época e
Pantanal veio como um alento para abrandar o estado das “coisas na telinha”. Para retomar a audiência, a Globo mudou várias vezes sua programação,
convocou seus profissionais de maior gabarito, (Rainha da Sucata não emplacou como deveria), criou
novidades de última hora, filmes de violência e a
nudez parcial de Claudia Raia não altera a situação
junto ao Ibope.
Enquanto isso, a Manchete, com o slogan “O
Brasil que o Brasil não conhece passa pela Manchete” continuava na liderança do horário nobre e prepara o telespectador para sua futura novela de ficção (Ana Raio e Zé Trovão).
Considerada do ponto de vista narrativo, Pantanal contrapõe um processo brutal de degradação
com outro de melhoria. Ao contar a história da família de José Leôncio e as das famílias com as quais
ela se relaciona em três gerações sucessivas, segue uma tendência da época (Os Waltons, Bonanza, Dinastia e Dallas).
A novela traz o realismo mágico (Maria e Juma
Marruá transformam-se em onças, Xeréu Trindade
tem pacto com o Cramulhão, o Velho do Rio transforma-se em sucuri), os contadores de causos e os
violeiros cantores de modinha (Sergio Reis e Almir
Satter).
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Traz também um elenco de experientes atores
(Claudio Marzo, Jussara Freire e Ângela Leal), jovens e alguns desconhecidos carismáticos e que
deram certo (Cristiana de Oliveira, Paulo Gorgulho).
Pantanal cria ainda um micro universo paralelo: a
volta do paraíso perdido e o mito do bom selvagem.
A exploração do espaço amplo, belo e exótico do
Pantanal, as tomadas aéreas cinematográficas, os
amanheceres e entardeceres, enfim, a superstar de
Pantanal é a própria natureza, sua fauna, sua flora.
O tratamento da temporalidade também se diversifica. A primeira fase da novela, nos anos 40, ocorre
no Paraná e corresponde às lutas pela terra por
parte dos posseiros a degradação de Gil e Maria
Marruá. A edição é rápida.
A segunda parte da novela se passa nos anos
90, retrata a melhoria de José Leôncio e corre lenta
à moda do Pantanal, contrapondo-se ao ritmo frenético e fragmentário das novelas da Globo.
Além dos elementos narrativos e discursivos e
dos recursos técnico-expressivos em Pantanal, há
uma escassez de merchadising na 1ª. fase (aparece
na 2ª. – cremes de beleza e insumos e máquinas
agrícolas).
Para retomar seu filão no horário nobre, a Globo
teve de se render a mudanças e inovações, além de
convocar estrelas e sex-symbols made in Pantanal
para sua constelação.
As grandes concorrentes do horário nobre continuam na disputa: a Manchete se “ecologiza”, a Globo se “moderniza” e o SBT se “mexicaniza”. Mas
isso será objeto dos próximos capítulos.
PESQUISA DE RECEPÇÃO E
CULTURA REGIONAL
NILDA JACKS
Em pesquisa de recepção e cultura regional,
Nilda Jacks afirma que o receptor é o sujeito do
processo e da pesquisa.
Para ela, o recente desenvolvimento dos estudos
de recepção no Brasil está muito vinculado ao cenário latino-americano, que em meados da década de
1980 trouxe para o debate as preocupações que
circulavam entre parte dos pesquisadores norteamericanos e europeus. O Brasil carece de pesquisas sobre o tema.
A produção brasileira ainda está por ser analisada de forma mais sistemática e o levantamento sobre os estudos de recepção dos meios de comunicação ainda estão em andamento.
Nesse contexto, parte para a análise da recepção.
A mensagem é uma forma cultural aberta a diferentes decodificações. Já a audiência é formada por
indivíduos ativos, produtores de sentido. Os estudos
de recepção envolvem, assim, uma leitura comparativa entre os discursos da mídia e da audiência.
A cultura e a identidade influenciam os indivíduos
em seus comportamentos, sentimentos e atitudes.
Bibliografia para Língua Portuguesa
A identidade cultural desempenha papel fundamental entre sujeito, indivíduo e sociedade; ela diferencia o ser que apenas está diante da oferta e aquele que atua no produto que recebe da mídia.
Cultura Regional, questão de mediação
A estratégia das grandes redes de TV pretende
entrar no mercado nacional através da regionalização: produção descentralizada ou emissão de caráter regional. O foco coloca nas mãos da indústria
cultural um projeto cultural ligado às manifestações
específicas de cada região.
Para Jacks, o foco no cotidiano regional amplia
as possibilidades de compreensão das inúmeras
condições de recepção a que estão sujeitas as
mensagens massificadas, acrescentando às diferenças socioculturais determinadas pelas classes a
questão da inserção do receptor em um contexto
histórico-geográfico com especificidades próprias.
Identidade Cultural como mediação simbólica
Jacks afirma que a identidade cultural sempre
realiza a contextualização do homem com seu meio,
seu grupo social, sua história, em um processo de
consciência que impede sua alienação.
Para ela, a identidade cultural desempenha um
papel fundamental na interação entre sujeito, individual ou social, e a realidade circundante, mediando
os processos de produção e de apropriação dos
bens culturais.
É essa mediação que garante o significado da
produção cultural e o sentido do consumo de bens
simbólicos, sem o qual esse consumo torna-se um
processo vazio, podendo vir a ser um ato alienado e
alienador. (...) a identidade cultural é a expressão do
imaginário e das condições materiais de uma população historicamente determinada, de uma comunidade de interpretação.
Região, território a conhecer
Estudar as mediações significa incursões a campos cujos objetos não são os tradicionalmente trabalhados pela pesquisa de comunicação. Significa
focalizar a região em todos os seus contextos, realizar a compreensão total de seu território para que a
mediação seja apreendida na sua amplitude e complexidade. A cultura regional admite a coexistência
de sub-culturas, sendo ela mesma uma sub-cultura
em relação à cultura geral.
RECEPÇÃO:
O MUNDO POLÊMICO DAS MEDIAÇÕES
SOCIAIS
MARIA RITA KEHL
No texto seguinte, Maria Rita Kehl, diz que desde
que a TV foi inventada, ela produz efeitos no espectador.
Segundo ela, há uma relação imaginária entre
recepção de informação e produção de resposta
que segue a ordem de realização de desejos que se
dá a partir do discurso televisivo.
133
Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
A interdisciplinaridade dos estudos da comunicação social mostra-se evidente, como no texto da
psicóloga, Maria Rita Kehl, que analisa, sob o prisma da psicologia de Freud, a recepção de telespectadores por meio de um enfoque no público infantil.
A autora utiliza-se desta experiência de fruição para
explicar o predomínio da “cultura do espetáculo” nos
meios de comunicação.
A relação da televisão com o espectador em
geral, e com a criança em especial, é uma relação
de sedução. O sedutor diz: “Eu sei o que você deseja”, e insinua: “Eu tenho o que você deseja”.
Kehl afirma que o discurso televisivo assumiu um
papel importante demais na mediação da relação
das pessoas com o que é real e vem substituindo,
de forma crescente, outras dimensões da experiência, atingindo de forma violenta todas as classes
sociais.
Essa violência é difícil de detectar e combater
porque vem travestida de sedução e produz uma
insatisfação generalizada, um desconforto crescente
que seria a forma atual do mal-estar na civilização
segundo a teoria freudiana.
Citando Freud, ela diz: se ele apontava a repressão sexual como causador desse mal-estar, o encolhimento da dimensão da experiência é o principal
fator de redução das possibilidades humanas nas
sociedades industrializadas, dos países ricos ou
dos, como o Brasil, de desenvolvimento desigual.
VIOLÊNCIA, FICÇÃO E REALIDADE
SERGIO ADORNO
O sociólogo e professor Sérgio Adorno tem como
temas centrais de seus estudos a violência urbana.
Para ele, a violência é uma constante na sociedade
brasileira, cuja democracia, afirma o pesquisador,
ainda não está consolidada. Em “Violência, ficção e
realidade”, Sérgio Adorno realiza uma relevante
análise da importância dos dados da imprensa e de
como a maneira de recepção dos espectadores
molda o foco das mensagens transmitidas, em relação ao tema da violência.
Em sua obra, constata-se que a imprensa é fonte
indispensável de investigação que trata das percepções sociais. Muitas vezes, a imprensa é um retrato
do social, mas também há uma dramatização de
construção de realidades que não correspondem
aos dados oficiais, por exemplo.
À medida que o crime foi se tornando tema cada
vez mais presente no cotidiano do cidadão e na
mídia, é necessário analisar alguns aspectos do
perfil da violência tal como ela se apresenta na imprensa e na mídia eletrônica.
1º) A violência é qualificada de um modo geral como
violência criminal, porém há outras formas de violência, não tão citadas pelas mídias como a violação
dos direitos humanos, violência no campo, violência
contra as crianças, violência nas relações interpessoais.
2º) A imprensa como fonte de informação e pesquisa. O autor defende a confiabilidade da imprensa
como uma das fontes, porém havendo outras.
134
3º) A imprensa cumpre seu papel de divulgar, disseminar e veicular informações inacessíveis nas
chamadas fontes oficiais.
Assim é de fundamental importância o papel da
imprensa como fonte indispensável de investigação.
Trata-se de importante veículo de expressão das
percepções sociais quanto à criminalidade, ao crime, ao criminoso e ao modo como a sociedade
transforma o assunto num problema de interesse
público.
Quais imagens a imprensa expressa sobre criminalidade?
1) A criminalidade não só aumentou como se tornou mais violenta, além disso, aparece em grande
escala a criminalidade organizada.
2) Há um consenso nas causas da criminalidade,
na associação entre pobreza e criminalidade: aumenta a pobreza, cresce a criminalidade.
3) A imprensa refere-se ao perfil dos criminosos
como desocupados, vindos de famílias desorganizadas, maioria de negros, pobres e migrantes do
norte e nordeste.
4) Atitude crítica acentuada às agências de contenção da criminalidade, à polícia, à justiça e às prisões. (...) falar em direitos humanos hoje é falar
também no enfrentamento do crime. (...) uma política de segurança pública adequada deve estar conectada com sólidas políticas de direitos humanos.
(...) se para conter a violência há abuso de autoridade, o resultado será sempre violência sobre violência, numa espiral crescente e de difícil solução.
(...) se nesse combate não forem aplicadas com
toda a precisão a lei e as regras da sociedade e não
for punido convenientemente o criminoso, teremos
um vácuo de autoridade e o crescimento geométrico
da impunidade.
Segundo Adorno, “é parte do nosso projeto de
pesquisa entender por que se pune de maneira tão
insatisfatória neste país. Entender como a democracia brasileira ainda convive com os desafios colocados pelo controle da violência e do crime.”
Para isso, ele tem seguido algumas linhas de
estudo:
1) Para ele, é necessário compreender a violência
na sociedade, a violência de civis contra civis, e
como isso se vincula à carência de direitos econômico-sociais, de instituições, de um processo civilizacional completo.
2) Além disso, o pesquisador constata, com preocupação, certa indiferença com relação ao que se
passa nas periferias. Falta de respeito à diferença e
indiferença são as duas faces de uma mesma moeda.
3) Se uma pequena parcela da população pobre
está de alguma maneira ligada ao tráfico de drogas
e outras atividades criminosas, a maioria dela assiste silenciosa à violência, sofrendo, também silenciosamente, suas duras conseqüências. Para ele, “a
miséria fragiliza essa parcela substantiva da população.
Bibliografia para Língua Portuguesa
Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
Por isso, enquanto nos bairros de classe média e
média alta as taxas de crimes contra o patrimônio
são mais altas e as de crime contra a vida, muito
mais baixas, nos bairros da periferia a situação é
exatamente inversa”.
4) A justiça é morosa e lenta para a expedição de
sentenças e a um custo elevado.
5) As prisões são escolas de crimes.
Os estudos de Sérgio Adorno indicam que a
soma de fatores como a ausência de instituições de
proteção social, um contingente muito grande de
população jovem, um congestionamento habitacional e um espaço social público degradado, ou seja,
a ausência de políticas abre caminho para a chegada do crime organizado, para o tráfico de drogas, e
para a violência tanto de grupos da sociedade civil
como da própria polícia. A solução para tudo isso,
como diz o pesquisador, “é fazer com que as pessoas tenham uma relação de reciprocidade caracterizada pela justiça e pelo mínimo de igualdade, além
de criar políticas de segurança eficientes, muito
diferentes das que temos hoje”. Porém, segundo o
autor, a imprensa não se ocupa dessa questão.Finalizando, ele tece comentários sobre a dramatização da criminalidade afirmando que a imprensa não a cria, ela é a expressão de profundos
sentimentos populares.
MODERNIDADE E CULTURA
RENATO ORTIZ
Renato Ortiz fala da modernidade e de suas
conseqüências para a vida no âmbito geral, das
mudanças e alterações que retiraram o indivíduo do
campo de espectador passivo para o de receptor
atuante. A noção de modernidade pertence ao domínio da racionalidade, ela implica uma dimensão
da sociedade na qual é possível atuar, desta ou
daquela maneira. Neste sentido, ela não é constitutiva da sociedade. Trata-se de uma concepção datada historicamente. A modernidade é ocidental e
carrega um padrão de excelência em relação ao
que todos os outros deveriam ser comparados. Assim povos, países e regiões “mais” ou “menos” modernos. A modernidade é realmente ocidental?
Para o autor, ela apenas realiza-se historicamente
em determinados lugares da “Europa”.
Para Ortiz, a esfera da cultura é um domínio dos
símbolos, e sabemos, o símbolo tem a capacidade
de apreender e relacionar as coisas. Neste sentido,
o homem é um animal simbólico, e a linguagem
uma das ferramentas imprescindíveis que define
sua humanidade. Não existe, portanto, sociedade
sem cultura, da mesma maneira que linguagem e
sociedade são interdependentes. Ele afirma que a
cultura é constitutiva da sociedade e tem como objetivo marcar uma dimensão às vezes esquecida do
debate intelectual. Ela caracteriza um registro de
compreensão muito diferente da idéia de “política
cultural”. Supõe-se a existência de uma esfera, denominada cultura, e um ato cognitivo capaz de separá-la de suas outras conotações. Uma ação cultural parte de uma concepção determinada, traça
objetivos e visa alcançá-los. O problema é que o
domínio da cultura como dimensão constitutiva da
sociedade não coincide com a esfera da ação política. É isso que explica porque “o que foi planejado
não deu certo”.
Bibliografia para Língua Portuguesa
QUESTÕES
1) Leia as afirmativas abaixo a assinale a alternativa
correta:
I. No texto “Minha terra tem Pantanal onde canta o
tuiuiú... A guerra de audiência na TV brasileira no
início dos anos 90”, Ana Maria Belogh faz uma análise da novela Pantanal com relação a outros produtos midiáticos da época. Ela credita as causas do
sucesso da novela Pantanal, em detrimento da repaginação que os outros canais fizeram para atrair o
público, às inovações nos elementos narrativos e
discursivos, na abordagem da temporalidade da
saga, no enredo, na locação, nos recursos técnicoexpressivos empregados e na seleção de atores,
entre outros.
II. O sociólogo e professor Sérgio Adorno, em “Violência, ficção e realidade”, realiza uma relevante
análise da importância dos dados da imprensa e de
como a maneira de recepção dos espectadores
molda o foco das mensagens transmitidas, em relação ao tema da violência. Para ele, a violência é
uma constante na sociedade brasileira, cuja democracia, afirma o pesquisador, ainda não está consolidada. Em sua obra, ele afirma o papel da imprensa
como fonte de informação e investigação.
III. Renato Ortiz, no texto “Modernidade e Cultura”,
fala da modernidade e de suas conseqüências para
a vida no âmbito geral, das mudanças e alterações
que retiraram o indivíduo do campo de espectador
passivo para o de receptor atuante. Para ele, a noção de modernidade pertence ao domínio da racionalidade, implica uma dimensão da sociedade na
qual é possível atuar, desta ou daquela maneira.
IV. Em “Recepção: o mundo polêmico das mediações sociais”, Maria Rita Kehl, diz que desde que a
TV foi inventada, produz efeitos no espectador. Segundo ela, há uma relação imaginária entre recepção de informação e produção de resposta que segue a ordem de realização de desejos que se dá a
partir do discurso televisivo. A relação da televisão
com o espectador em geral, e com a criança em
especial, é uma relação de sedução. O sedutor diz:
“eu sei o que você deseja”, e insinua: “eu tenho o
que você deseja”. Ela afirma que o discurso televisivo assumiu um papel importante demais na mediação da relação das pessoas com o que é real e vem
substituindo, de forma crescente, outras dimensões
da experiência, atingindo de forma violenta todas as
classes sociais.
V. No texto “A telenovela ao vivo”, Marta Maria
Klagsbrunn afirma que a telenovela, assim com o
folhetim no século XVIII, liderou e consolidou a televisão como veículo de comunicação de massa no
Brasil. A televisão concedia prestigio social à família: a casa era o centro de convivência familiar que
se ampliou com a incorporação da vizinhança, pois
seu público-alvo incluía os televizinhos. A crítica aos
programas era feita diretamente pelo público às
revistas especializadas em televisão e denotam que
o público participava ativamente do processo de
desenvolvimento do meio, exercendo o papel de
crítico com o objetivo de modificar tanto em termos
de programação, de técnica, de escolha de atores,
cenários, etc.
a)
b)
c)
d)
e)
As alternativas I, II, III e IV estão corretas
As alternativas II, III, IV e V estão corretas
As alternativas I, III, IV e V estão corretas
Apenas a alternativa V não está correta
Todas as alternativas estão corretas
135
Apostilas Solução - Professor Educação Básica – PEB II
2) Assinale a afirmação que não reflete as afirmações de Roseli Stier Azambuja em “A decodificação
do discurso adulto da televisão pelo público infantil”:
a) A criança precisa de mensagens claras e enredos pertinentes. Ela não é crítica e não sabe distinguir o verdadeiro do falso. Entretanto, ela gosta de
informação e do produto ou da propaganda que a
faça sentir-se mais velha, assim a criança gosta do
discurso adulto, na TV ou não, capaz de respeitá-la
como ela é.
b) Crianças assistem a programas na TV em média
4 horas/dia. Embora seja a atividade mais freqüente, não é a preferida do público infantil, porém é a
companhia preferida nos momentos de solidão,
sendo que os meninos, quando sozinhos gostam
mais de ver TV que as meninas. Estas gostam tanto
de ver TV quanto de ouvir música.
c) Os pais interferem pouco sobre o tempo de exposição da criança à TV. Aumenta um pouco em
relação ao tipo de programa assistido. Esse controle
é exercido proporcionalmente à idade da criança: os
menores e as meninas são mais controlados, especialmente sobre cenas de terror e sexo muito mais
do que sobre cenas de violência, tiros, brigas, explosões, etc.
d) A forma como a criança decodifica o discurso
adulto na TV é muito afetada pela decodificação do
discurso dos pais. Segundo a autora, mães passivas em relação às propagandas de TV estimulam os
filhos a uma alta predisposição ao consumo.
e) A análise do discurso publicitário reforça e/ou
ilustra pontos dessa lógica infantil, pois as crianças,
sobretudo as menores, tendem a interpretações
literais, mas lidam muito bem com simbolismos que
sejam de fácil compreensão e que sejam intrínsecos
e adequados àquilo que determinada propaganda
está querendo comunicar.
3) De acordo com Silvia Helena Simões Borelli, em
“Gêneros Ficcionais: materialidade, cotidiano, imaginário” só não está correto afirmar:
a) A transposição de uma obra literária para o cinema e a televisão, mesmo que no processo mantenham suas características globais se apropriam
de algumas das características da linguagem dos
portadores utilizados.
b) Os gêneros são instituições com função de caráter ideológico, construindo significações e subjetividade capaz de relacionar “arte e sistema”. Porém
não podem ser entendidos como “estratégias de
comunicabilidade”, “fato cultural” e “modelo dinâmico” articulados às dimensões históricas de espaço
onde são produzidos e apropriados.
c) No campo audiovisual, gênero é uma categoria
abrangente capaz de classificar uma série bem diversificada de elementos e servir como elo dos diferentes momentos da cadeia que une espaço de
produção, anseios dos produtores culturais e do
receptor.
d) O gênero telenovela, fundamental para a consolidação da televisão no Brasil, iniciou sua trajetória
de maneira melodramática e, progressivamente, foi
se modificando para responder às necessidades de
uma sociedade que se moderniza.
e) O gênero telenovela é responsável pela ampliação do mercado de bens simbólicos, pelo aumento
do consumo de aparelhos de televisão, pela modernização das técnicas de estruturação empresarial e
desenvolvimento tecnológico, entre outros.
136
4) No texto Ämérica Latina e os anos recentes: o
estudo da recepção em comunicação social, Jesús
Martín-Barbero, aponta caminhos que deverão ser
percorridos numa pesquisa que busque investigar a
recepção em comunicação, a saber:
I. Através de estudos da vida cotidiana, local onde
os atores sociais se fazem visíveis do trabalho ao
sonho, da ciência ao jogo. Aqui reside o grande
desafio: que papel exerce a práxis cotidiana na comunicação? A vida cotidiana é espaço de reconhecimentos socialmente importantes?
II. Através de estudos sobre o consumo como prática de apropriação dos produtos sociais; como lugar
da distinção simbólica, por meio do que consumimos materialmente e dos modos de consumir: lugar
de diferenciação social, de demarcação das diferenças, de distinções, de afirmação da distinção simbólica;
III. Através de estudos sobre o consumo como sistema de integração e de comunicação de sentidos;
como cenário de objetivação de desejos; como lugar
de processo ritual segundo os diferentes atores
sociais, grupos, classes, etnias e gerações.
IV. Através de estudos sobre estética e semiótica da
leitura: a leitura como interação e da história social e
cultural dos gêneros artísticos/narrativos.
Assinale a alternativa correta:
a) As alternativas I, II, e III estão corretas
b) As alternativas II, III e IV estão corretas
c) As alternativas I, II e IV estão corretas
d) Todas as alternativas estão corretas e se complementam
e) Nenhuma das alternativas
5) Segundo Mauro Wilton de Souza, no texto “Recepção e Comunicação: a busca do sujeito” só não
está correto afirmar:
a) Sousa propõe reflexões a respeito das questões
relacionadas ao receptor e à comunicação, tomando
como ponto de referência as seguintes questões
“quem é, afinal, o homem no processo de comunicação social contemporâneo? Onde se colocar para
melhor visualizá-lo?”.
b) O caminho dos estudos de comunicação, principalmente nos países da América Latina, está em
deixar um pouco de lado suas vinculações com a
sociologia e a política, e se ocupar das ligações
dessa comunicação com o mundo plural das práticas culturais cotidianas, mas não somente na busca
das significações e usos sociais e sim com uma
visão de cultura, de como a comunicação pode ser
vista com base nessas práticas.
c) De acordo com a teoria da dependência em nível
empírico, o sujeito da comunicação é uma peça que
dá suporte à ordem do sistema social; nível teórico,
ele é a própria ordem do sistema social funcionando. Essa teoria procurava explicitar como as relações dos países centrais com os periféricos iam
além de questões econômico-financeiras, mas envolviam tecnologia, cultura, saber e concepções de
vida.
d) O modelo norte-americano funcionalista de análise em comunicação se sustenta no trabalho com o
indivíduo, e não com a massa, porém recusa a análise das causas sociais em nível estrutural, preservando e sustentando a lógica do sistema sócioeconômico de produção.
1-E
2-A
GABARITO
3-B
4-D
5-C
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