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Editorial | & Comunicação Cultura n.º 6 | outono-inverno 08 | Catarina Duff Burnay Comunicação & Cultura Directora Isabel Capeloa Gil Editor José Alfaro Conselho Consultivo Ansgar Nünning (Justus-Liebig-Universität Giessen), Arjun Appadurai (New York University), Gabriele Brandstetter (Freie Universität Berlin), Elisabeth Bronfen (Universität Zürich), Marcial Murciano (Universitat Autònoma de Barcelona), Christiane Schönfeld (Huston School of Film, National University of Ireland), Michael Schudson (Journalism School, Columbia University, University of California, San Diego), Michel Walrave (Universiteit Antwerpen), Barbie Zelizer (Annenberg School for Communication, University of Pennsylvania) Conselho Editorial Aníbal Alves, Carlos Capucho, Estrela Serrano, Fernando Ilharco, Gustavo Cardoso, Isabel Ferin, Jorge Fazenda Lourenço, José Augusto Mourão, José Miguel Sardica, José Paquete de Oliveira, Manuel Pinto, Maria Augusta Babo, Maria Luísa Leal de Faria, Mário Jorge Torres, Mário Mesquita, Roberto Carneiro, Rogério Santos Conselho de Redacção Carla Ganito, Catarina Duff Burnay, Fátima Patrícia Dias, Maria Alexandra Lopes, Nelson Ribeiro, Rita Figueiras, Verónica Policarpo Arbitragem Aníbal Alves, Carlos Capucho, Fernando Ilharco, Isabel Ferin, Jorge Fazenda Lourenço, José Augusto Mourão, José Paquete de Oliveira, José Miguel Sardica, Manuel Pinto, Manuel Portela, Maria Augusta Babo, Maria Luísa Leal de Faria, Mário Jorge Torres, Rita Figueiras, Roberto Carneiro, Rogério Santos Coordenação deste número Mário Jorge Torres e Catarina Duff Burnay Revisão Conceição Candeias Edição Com uma periodicidade semestral, Comunicação & Cultura é uma revista do Centro de Estudos de Comunicação e Cultura (Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa), editada pela editora Quimera. O CECC é apoiado pela FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia. Artigos e recensões A revista Comunicação & Cultura aceita propostas de artigos para publicação que se enquadrem na área das Ciências da Comunicação e da Cultura. Todos os elementos relativos a essas colaborações – normas de apresentação de artigos, temas dos próximos números, princípios gerais de candidaturas, contactos e datas – devem ser consultados no final desta publicação. Assinatura anual Custo para Portugal e Espanha: 20 euros. Para outros países, contactar a editora. Os pedidos de assinatura devem ser dirigidos à editora Quimera: [email protected] | www.quimera-editores.com | R. do Vale Formoso, 37, 1959-006 Lisboa | telefone: 21 845 59 50 | fax: 21 845 59 51 Impressão: Rolo & Filhos II, SA | Depósito legal: 258549/07 | ISSN: 1646-4877 Solicita-se permuta. Exchange wanted. On prie l’échange. Editorial | & Comunicação Cultura n.º 6 | outono-inverno 08 culturalite Quimera | Catarina Duff Burnay Índice Editorial Culturalite............................................................................................................................... 9 Catarina Duff Burnay dossier................................................................................................................................... 15 Será que os estudos culturais têm futuros? E deverão tê-los? (ou o que se passa com Nova Iorque?)....................................................................... 17 Lawrence Grossberg Este ensaio examina o estado actual dos estudos culturais, primordialmente nos Estados Unidos e na Europa do Norte. Sustentando uma visão radicalmente contextual e conjuntural do projecto dos estudos culturais, sugere que estes emergiram sob formas particulares como resposta a uma conjuntura geo-histórica igualmente particular. Contudo, ao passo que a conjuntura se alterou significativamente, estas formas antigas de estudos culturais foram solidificadas num «centro» que tem limitado a sua capacidade de contribuir para uma melhor compreensão «daquilo que se passa», do futuro possível e das realidades e possibilidades da dominação e da contestação. O ensaio sugere uma visão da conjuntura presente como uma luta, quer da direita quer da esquerda, contra a modernidade liberal e uma tentativa de moldar uma modernidade alternativa como futuro. Sugere também alguns dos modos em Editorial | que os estudos culturais se deverão repensar a si próprios se pretenderem dar resposta a esta conjuntura. Palavras-chave: Conjuntura, Contexto, Estudos culturais, Modernidade, Modernidades alternativas The violence of money.................................................................................................. 53 Elisabeth Bronfen Este artigo oferece uma leitura de três filmes contemporâneos de Hollywood, There will be Blood (Anderson), No Country for Old Men (Coen) e Eastern Promises (Cronenberg), abordando a violência subjacente às criações cinematográficas do capitalismo criativo. Simultaneamente, a leitura destes filmes é confrontada com a discussão de Richard Sennet sobre a cultura do novo capitalismo, expondo a sua própria nostalgia de uma forma prévia de capitalismo antigo. Finalmente, este artigo também aborda a representação visceral e violenta da ganância financeira, reclamando uma ética de uma linguagem cinematográfica afectiva. Palavras-chave: Capitalismo criativo, Género e dinheiro, Hollywood, Sonho americano e dinheiro, Violência Cultura light televisiva: o fenómeno da telenovela................................................... 67 Mário Jorge Torres O texto aborda a origem e o impacto da telenovela desde 1977, quando Gabriela Cravo e Canela, emitida na RTP, alterou o quotidiano dos portugueses. Essa e as telenovelas seguintes foram fornecidas pela TV Globo, uma empresa brasileira. O fenómeno da telenovela atingiu importantes sectores de produção e criou no Brasil um star sytem. Desde 2000, à semelhança da Globo, a TVI criou também um star system, algo que nunca tinha existido em Portugal. O autor analisou telenovelas como A Outra e Olhos nos Olhos, e comparou as suas estruturas com a dos reality shows. Palavras-chave: Estrelas, Reality show, Telenovela, Televisão Usos e consumos da televisão e da Internet por imigrantes................................... 81 isabel ferin Apresentamos neste artigo dados relativos a usos e consumos dos media por imigrantes. A investigação decorreu de 2007 a 2008, no âmbito do Estudo de Recepção dos Meios de Comunicação Social em Portugal, que contemplou a realização de uma sondagem nacional e dez sessões de grupos de foco, na Grande Lisboa, com imigrantes de diversas origens. A exposição centra-se nos dados sobre o uso e o consumo da Internet e da televisão, nomeadamente sobre as telenovelas, obtidos nas sessões de grupo de foco. Com base | Catarina Duff Burnay em trabalhos anteriores com estas populações, estruturamos as nossas interpretações em torno dos conceitos de «identidade», «diferença», «diáspora», «campo dos media» e «cidadania». Os resultados revelam que os usos e consumos da televisão e da Internet são condicionados de forma efectiva pelas trajectórias de vida, pela nacionalidade, pelo domínio da língua portuguesa e pelas condições socioeconómicas deste público. Palavras-chave: Imigrantes, Internet, Telenovelas, Televisão, Usos e consumos Mulheres em tempos de modernidade líquida....................................................... 105 Lucia Santaella As novas identidades do feminino têm sido um tema freqüente entre os estudiosos da cultura contemporânea. Para alguns, os meios de comunicação massivos, especialmente as revistas dedicadas ao público feminino, são grandemente responsáveis pelos ideais de identidade, sucesso, liberdade, maternidade, sexualidade, moralidade e cidadania a que as mulheres aspiram. Assim, as identidades femininas são construídas por aconselhadores psicológicos e agentes do mercado que se apresentam como especialistas em desejos, paixões, perplexidades, sonhos, mas que, na realidade, se constituem em «tecnólogos do eu». Este artigo visa discutir que, embora não se possa negar esse poder de influência sobre as mulheres, existem hoje outras fontes de informação que competem com as revistas femininas e que abrem novas e mais ricas possibilidades para a formação identitária das mulheres. Palavras-chave: Identidade, Meios massivos, Mercado, Revistas femininas Escola e mercado de bens simbólicos na formação cultural dos jovens............. 115 Maria da Graça Setton Este artigo tem como objetivo discutir a centralidade da escola e das mídias enquanto matrizes legitimadoras de práticas de cultura entre os jovens. Tomando a escola como espaço capaz de produzir disposições de habitus, um modus operandi de idéias e comportamentos frente às escolhas em matéria de cultura e lazeres, considero importante identificar e analisar o alcance e o limite desta instituição no contexto das sociedades do século xxi. Por outro lado, ciente da forte presença das mídias no universo juvenil, seja ela televisiva, fonográfica e/ou ficcional, penso problematizar as relações de interdependência que mantém com a escola, bem como sua força no processo formativo de um segmento social precocemente socializado por ela. Para desenvolver este argumento, vou fazer uma breve análise do gosto cultural entre jovens oriundos de uma escola privada da cidade de São Paulo, Brasil. Palavras-chave: Escola, Jovem, Legitimidade cultural, Mídia, Socialização Editorial | perspectivas: Estudos de Cultura................................................................................. 135 O que significa Estudos de Cultura? Um diagnóstico cosmopolita sobre o caso da cultura alemã............................... 137 Isabel Capeloa Gil O artigo discute a formação do campo de Estudos de Cultura relativamente a duas formações geralmente a ele associadas, os Estudos Culturais e as Ciências da Cultura, de vertente literário-hermenêutica. A partir do estudo de caso da subdisciplina Cultura Alemã, argumenta-se que os Estudos de Cultura se definem como campo de estudos metadisciplinar e organizado de forma temática, respondendo à exigência de complexidade das sociedades contemporâneas e demonstrando a relevância das Humanidades para a produção de sentido nas sociedades democráticas. Palavras-chave: Cultura Alemã, Estudos Culturais, Estudos de Cultura Sobre a disciplina de Literatura Portuguesa nos cursos de licenciatura da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa....................................................................... 167 jorge fazenda lourenço Baseado em excertos do relatório de um concurso para Professor Associado, este artigo apresenta, de um modo objectivo, quantificado, o declínio da disciplina de Literatura Portuguesa nos cursos de licenciatura da FCH, terminando com uma breve nota propedêutica. Palavras-chave: Declínio, Ensino, Literatura Portuguesa, Sobrevivência Cultura portuguesa/culturas da Europa: aporias e interrogações de Eduardo Lourenço....................................................... 177 MIGUEL-PEDRO QUADRIo Neste ensaio tenta sinalizar-se a evolução recente do pensamento de Eduardo Lourenço acerca da cultura portuguesa. A decisão do ensaísta de recentrar este debate, considerando um processo de integração europeia que leva já vinte e dois anos (e que tem tido por horizonte uma forte tendência institucional centrípeta), leva-me à tentativa de definir novos quadros conceptuais e procedimentos metodológicos que sustentem esta pertinente e irrecusável horizontalização. Palavras-chave: Cultura europeia, Cultura portuguesa, Declaração de Berlim, Eduardo Lourenço, Estudos culturais, Integração europeia | Catarina Duff Burnay entrevista........................................................................................................................... 203 Entrevista a Lawrence Grossberg.............................................................................. 205 sónia pereira recensões............................................................................................................................ 215 Carlos Capucho, Magia, Luzes e Sombras 1974 -1999: Vinte Cinco Anos de Filmes no Circuito Comercial em Portugal (João Francisco Pupo Correia) Eduardo Cintra Torres, Mais Anúncios à Lupa (Carlos Capucho) Rita Figueiras, O Comentário Político e a Política do Comentário (José Pacheco Pereira) José Miguel Sardica, Twentieth Century Portugal. A Historical Overview (Rogério Santos) montra de livros................................................................................................................ 229 agenda................................................................................................................................ 239 abstracts............................................................................................................................. 243 próximos números........................................................................................................... 249 normas para o envio de artigos e recensões............................................................. 254 Editorial | Editorial Culturalite Catarina duff burnay * «Televisão lite» e «literatura lite» são expressões comummente usadas para designar os produtos das indústrias culturais. Numa altura em que impera a super abundância de informação e proliferam os não-lugares (Augé, 1994), o adjectivo lite assume um estatuto depreciativo, muitas vezes associado a «lixo» (Cádima, 2006), a produtos cuja origem e qualidade são duvidosas; no fundo, a conteúdos vazios de conteúdo. Filha dos tempos modernos, a cultura popular – nascida e criada dentro de uma sociedade de massas – é o pano que serve de fundo à emergência destes produtos, que, cada vez mais, são actores de uma peça global. A Revolução Industrial e a expansão do capitalismo consagraram a emergência de uma nova sociedade, caracterizada pela organização e padronização de tarefas, pelo aumento da produtividade e pelo consequente aumento da circulação e oferta de produtos. Este modelo de organização vem a permitir, paulatinamente, uma melhoria do nível de vida dos indivíduos, que, ao passarem a ter mais tempo livre, têm a possibilidade de o usar em momentos de lazer. Estamos, assim, perante uma sociedade ou cultura de massas, que ganha a sua legitimação no acto dialógico entre a dança da exaltação dos bens e o(s) momento(s) de permuta (Baudrillard, 2005). _______________ * Assistente da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa. 10 | Catarina Duff Burnay É também a partir desta altura que os meios de comunicação ganham impulso. Dos espectáculos ao vivo passa-se para o cinema, depois para a rádio, acabando por se chegar, nos anos 50 do século xx e um pouco por todo o mundo, à televisão. Estas evoluções tecnológicas (Winston, 2000) potenciam a disseminação dos produtos culturais e permitem o seu consumo em larga escala de forma simultânea. Mas o que à partida poderia ser mais uma pedra na estrada do progresso ganha massa crítica nos centros da intelectualidade. Assim, e de acordo com os estudiosos, caminha-se para uma individualização das massas, dado que o indivíduo se basta sozinho e, tendo por base mais o prazer do que a necessidade, consome e recebe directa e acriticamente a informação. É nesta sequência que surge o conceito de «indústria cultural», pelas mãos da Escola de Frankfurt, com Adorno e Horkheimer (1998). A corrente crítica à sociedade desenvolve uma visão apocalíptica (Eco, 1991) do estado do mundo, assente na dissolução de fronteiras entre a fruição e o consumo dos objectos culturais1. A estabilização deste modelo comunicacional, no fundo, cultural, leva posteriormente ao desenvolvimento de análises, legitimadas pela Academia, sobre o impacto desses produtos de grande consumo nos indivíduos. O Centre for Contemporary Cultural Studies da Universidade de Birmingham é um marco dessa realidade. Aqui, empreende-se uma viragem, ao olhar-se e interpretar-se o indivíduo como agente activo e não passivo e ao encarar-se os produtos como textos e o momento da sua recepção como leitura2. Não obstante a proliferação de estudos e análises sobre a cultura popular e os seus produtos, que exploram as visões positiva, negativa e mista, mantém-se uma constante tensão entre o gostar e o odiar, entre o aceitar e o rejeitar o modelo societal vigente, levando a que todos nós nos sintamos impelidos a jogar ao «ser e parecer» de acordo com o momento vivido. Nesta linha de pensamento, o imperativo da produção e o consequente imperativo do consumo acabam por criar um arquétipo de vida que é, simultaneamente, desvalorizado pela sociedade e estratificante para a sua existência. Esta contradição (nada aparente) tem na sua base um duplo enfoque: do lado da produção, assiste-se ao nascimento de conteúdos apelidados de light ou lite (leve), em oposição, mas com carácter simultâneo, aos conteúdos mais tradicionais, ditos mais pesados; do lado da recepção, dá-se uma espécie de ruptura com a divisão cirúrgica da sociedade em classes e consumos correspondentes, surgindo novos conceitos aplicados, como «democratização cultural» e «eclectismo» (Gomes, 2004). O sexto número da revista Comunicação & Cultura, longe de quaisquer preconceitos, propõe-se reflectir sobre o lado lite da vida, através da apresentação de Editorial | 11 seis artigos que exploram as revistas femininas, o cinema de Hollywood, a televisão e a telenovela, enquanto dispositivos antropologicamente válidos e essenciais para uma análise actualizada do estado da arte das ciências da comunicação e dos estudos de cultura. Dentro desta perspectiva, Lawrence Grossberg, na qualidade de estudioso dos estudos culturais e sujeito moderno, discursa sobre a necessidade de se fazer uma reflexão contextual sobre o estado(s) e o(s) futuro(s) dos estudos culturais. Em «Será que os estudos culturais têm futuros? E deverão tê-los? (ou o que se passa com Nova Iorque?)», o autor defende que este projecto deverá, por um lado, ter em conta a multidisciplinaridade e a transdiciplinaridade nas suas análises, assumindo um carácter englobante e contextual, e, por outro lado, deverá moldar-se aos tempos contemporâneos, em que predominam realidades e modernidades alternativas. Lucia Santaella, investigadora da Pontif ícia Universidade Católica de São Paulo, debruça-se sobre as «Mulheres em tempos de modernidade líquida» (Baumann). Partindo da análise da imprensa feminina como espaço de construção das identidades, Santaella propõe-se esboçar o perfil da mulher contemporânea, tendo em conta a multiplicidade de estímulos simbólicos a que esta está exposta. Para tal, embarca num discurso integrado (Eco, 1991) sobre os produtos das indústrias culturais e da sua relação com a formação da primeira, segunda e terceira mulheres (Lipovetsky) ao longo dos tempos. Chegados a uma era pós-moderna, o consumo feminino assume um estatuto mais lite, nas palavras da autora, mais cool, sem quaisquer preconceitos ou juízos de valor. No artigo «The violence of money», Elisabeth Bronfen explora o conceito de capitalismo através de um olhar sobre a indústria cinematográfica de Hollywood. Com base na desconstrução de filmes como Gold Digger of 1933, Eastern Promise, There will be Blood e No Country for Old Men, a autora procura compreender a articulação entre a busca da felicidade através do poder económico e a violência, cujos danos colaterais subjacentes estão indexados à ambição. «Escola e mercado de bens simbólicos na formação cultural dos jovens» discute o papel das instituições educacionais e dos media na formação das práticas culturais dos mais jovens. Partindo da acepção pedagógica dessas instâncias, Maria da Graça Setton defende a sua relação estreita com o conceito de socialização. Tendo por base os pensamentos de Bourdieu e Lahire, intui que os indivíduos procuram o eclectismo e não o gosto direccionado e, de modo a fundamentar a sua exposição teórica, recorre à observação no terreno, apresentando dados empíricos sobre os gostos e práticas culturais de núcleos sociais distintos. Chega à conclusão de que a escola não é o agente formador de hábitos e gostos com mais peso na vida dos jovens e sublinha a omnipresença dos media, o que leva à existência de 12 | Catarina Duff Burnay uma multiplicidade de agentes formadores e à existência de uma cultura de gosto diversificada, híbrida. Isabel Ferin, em «Usos e consumos da televisão e da Internet por imigrantes», apresenta os resultados de um estudo sobre os usos e consumos desses dois media por cidadãos dos PALOP, brasileiros e da Europa de Leste, as maiores comunidades residentes em Portugal, de acordo com os dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Os conceitos «identidade», «diferença», «diáspora», «mediascape» e «cidadania» servem de base estrutural aos guiões usados com os grupos de foco. Dessas «conversas» ressalta o papel da televisão na vida dos entrevistados, ao funcionar como janela para uma nova sociedade, que, de acordo com as suas opiniões, acolhe e exclui, ou seja, coloca no mesmo plano os sonhos e as expectativas, independentemente de raças ou credos, e explora os elos mais fracos da teia social da emigração. Uma entrevista a Mário Jorge Torres, por Rogério Santos, é aqui apresentada sob a forma coloquial. Tendo como tema central a telenovela, Torres deambula pelos caminhos deste produto tão próprio da cultura popular e, como tal, relegado para um plano alternativo de gosto e de interesse, especialmente nos meios académicos. De forma lite, o entrevistado apresenta o percurso das narrativas televisivas em Portugal, evocando os seus momentos mais marcantes. O presente número da revista Comunicação & Cultura apresenta ainda um espaço de diálogo intitulado «Perspectivas: Estudos de Cultura». Esta secção é constituída por três textos: dois adaptados de relatórios apresentados à Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa para concurso a Professor Associado nas áreas de estudos de Cultura Alemã e de Línguas e Literaturas – Literatura Portuguesa, de Isabel Capeloa Gil e Jorge Fazenda Lourenço, respectivamente, e o artigo de Miguel-Pedro Quadrio, intitulado «Cultura portuguesa/culturas da Europa: aporias e interrogações de Eduardo Lourenço». Em «O que significa Estudos de Cultura? Um diagnóstico cosmopolita sobre o caso da cultura alemã», Isabel Capeloa Gil olha a disciplina de Cultura Alemã, dirigida aos alunos dos cursos de Línguas Estrangeiras Aplicadas, como um não-lugar (Augé, 1994). Ao vivermos e actuarmos num espaço globalizado, onde dominam as trocas culturais, é necessário atentar, por um lado, no alcance da Cultura Alemã, que não se limita a um espaço geográfico, e, por outro lado, na heterogeneidade do corpo discente. A autora acredita na importância das disciplinas de Cultura, não como mero meio de contextualização, mas como ferramenta essencial para o desenvolvimento de competências interculturais, comunicativas e hermenêuticas. Jorge Fazenda Lourenço disserta sobre a disciplina de Literatura Portuguesa nos cursos de licenciatura da Faculdade. Leccionada desde 1991, esteve e está ao Editorial | 13 serviço de diferentes cursos, com diferentes conteúdos programáticos, contribuindo para a formação crítica, cultural e humanista dos estudantes. Embora pese a importância da disciplina, esta foi sofrendo adaptações em função das alterações do sistema de ensino, acabando, na opinião do autor, por cumprir, hoje em dia, uma função auxiliar de enquadramento cultural. Miguel-Pedro Quadrio, em «Cultura portuguesa/culturas da Europa: aporias e interrogações de Eduardo Lourenço», debate o conceito de Europa através, essencialmente, de subsídios intelectuais de Jan Nederveen Pieterse, Eduardo Prado Coelho e Eduardo Lourenço. Mediante um olhar crítico, o autor apresenta diversos pontos de vista sobre o espaço europeu como lugar de agregações e desagregações políticas, sociais e culturais, que potencia um discurso identitário assente no binómio «nós/outro». Com a apresentação destes textos, esperamos contribuir para uma visão de cultura enquanto entidade global, cujas distinções qualitativas não se constituem como moldura banal, mas como caminhos válidos de interpretação da realidade. NOTAS 1 2 Ver, entre outros, Adorno & Horkheimer, 1998; Benjamin, 1992. Ver, entre outros, Morley, 1986, 1992; Alasuutari, 1999; Hall, 1996. 14 | Catarina Duff Burnay BIBLIOGRAFIA Adorno, T., Horkheimer, M. (1998), Dialéctica de la Ilustración, Valladolid: Trotta. Alasuutari, P. (1999), Rethinking the Media Audience, Londres: Sage. Augé, M. (1994), Não-Lugares: Uma Antropologia da Sobremodernidade, Lisboa: Bertrand. Baudrillard, J. (2005), A Sociedade de Consumo, Lisboa: Edições 70. Benjamin, W. (1992), Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política, Lisboa: Relógio d’Água. Cádima, F. R. (2006), A Televisão Light Rumo ao Digital, Liboa: Media XXI. Eco, U. (1991), Apocalípticos e Integrados, Lisboa: Difel. Featherstone, M. (1991), Consumer Culture & Posmodernism, Londres: Sage. Gomes, R. T. (org.) (2004), Públicos da Cultura, Lisboa: OAC. Hall, S.; Hobson, D.; Lowe, A.; Willis, P. (eds.) (1996), Culture, Media, Language: Working Papers in Cultural Studies, 1972-1979, Londres: Routledge, pp. 128-138. Morley, D. (1986), Family Television: Cultural Power and Domestic Leisure, Londres: Routledge. Morley, D. (1992), Television, Audiences and Cultural Studies, Londres: Routledge. Winston, B. (2000), Media, Technology and Society: A History – from the printing press to the superhighway, Londres: Routledge.