UNIMEP: caminhando pelos descaminhos

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UNIMEP: caminhando pelos descaminhos
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Quarenta anos
do golpe
de Estado de 1964
UNIMEP: caminhando pelos descaminhos
Um relato de experiência
UNIMEP: taking detours
A recounting of experience
Elias Boaventura
Doutor em Educação pela UNICAMP
Reitor da UNIMEP entre 1978 e 1986
Docente e pesquisador do Programa de Mestrado em Educação da UNIMEP
R e s u m o
Este artigo discorre sobre a trajetória da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), em especial no que diz
respeito à sua atuação política e social no contexto do regime militar. Fala da importância da criação da UNIMEP para
o metodismo brasileiro. O texto menciona, ainda, a criação dos campi Taquaral e Santa Bárbara. Reconhece-se que a
instituição cometeu muitas falhas mas, mesmo com uma série de percalços, passou por experiências que contribuíram
para a evolução da Igreja Metodista.
Unitermos: UNIMEP, criação, trajetória, atuação social, atuação política, crise.
Synopsis
This article discusses the growth of the Methodist University of Piracicaba (UNIMEP) focusing on its social and political
actions made during the military regime in Brazil. Well as emphasizing the importance of its creation for Brazilian
Methodists, the article also mentions the development of two additional UNIMEP campuses in the district of Taquaral and
the city of Santa Bárbara do Oeste. While taking into account the many mistakes made by UNIMEP and the difficulties it
went through, the article makes a point of highlighting the many important contributions UNIMEP has made in the
evolution of the Methodist Church in Brazil.
Terms: UNIMEP, creation, trajectory, social action, political action, crisis.
Resumen
Este artículo habla sobre la trayectoria de la Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), especialmente en lo que
dice respecto a su actuación política y social en el contexto del régimen militar. Trata la importancia de la creacción de
la UNIMEP para el metodismo brasileño. El texto menciona, todavía, la creacción de los campi Taquaral y Santa Bárbara.
Se reconoce que la institución ha tenido sus fallos pero que, aun con una serie de percances, ha pasado por experiencias
que han contribuido para la evolución de la Iglesia Metodista.
Términos: UNIMEP, creacción, trayectoria, actuación social, actuación política, crisis.
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presente texto tem como objetivo tecer algumas considerações sobre a trajetória da Universidade Metodista de Piracicaba
(UNIMEP), a partir de seu reconhecimento na década de 1970 pelo Conselho Federal de Educação no governo militar. Tenta explicar o que ela
revelou de mais importante nesse
período vivido, que foi sua atuação
social e política, considerada pelos
seus críticos como desvio de sua finalidade essencial, e reflete sobre as
razões que a levaram a essa postura.
Neste texto, meu pressuposto é o
de que a criação da UNIMEP foi considerada o maior feito educacional
metodista no Brasil no século XX e,
contraditoriamente, um de seus grandes problemas, que acabou não só por
provocar mudanças substanciais no
pensamento e na identidade dos
metodistas no País, como também os
levou a um processo de reorganização
estrutural de enorme repercussão.
Tem-me parecido que essa realização, para o metodismo brasileiro
extraordinária, se fez possível devido a três fatores, que, em função de
conjunturas históricas, confluíram na
década de 1970:
Em primeiro lugar, concretizou,
no metodismo brasileiro, uma forte
inspiração histórica iniciada no fim
do século XIX, cujo vestígio mais
atestador pode ser encontrado no
modo como se trabalhou a idéia de
universidade no Granbery em Juíz
de Fora e que ficou parcialmente registrado nos anais daquela Casa
como um modelo de Universidade
do Espírito:
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Deus, que se torne a primeira Universidade Metodista do Brasil. Nos anos
vindouros os moços educados neste
estabelecimento ocuparão os primeiros lugares nas indústrias e profissões,
no Estado, na Igreja de Cristo, nos lares e na vida social do País.”
Nesse projeto, não se destacava
a formação de mão-de-obra, mas a
ênfase básica, à semelhança das universidades inglesas nos primórdios,
era dada à formação do homem integral: “formemos primeiro o homem,
depois o médico e o advogado”, o cidadão que devidamente orientado
viria a assumir os destinos da nação
brasileira.
A segunda inspiração veio da
rica cidade de Piracicaba, que vinha, historicamente, clamando por
uma universidade sua, não obstante
a presença de unidades com pesquisa de ponta da Universidade de
Campinas (UNICAMP) e da Universidade de São Paulo (USP). Críticos
da UNIMEP consideram que sua presença, em grande parte, resulta desse anseio piracicabano, além de um
imperdoável cochilo da Igreja Católica na cidade.
O apoio oficial de Piracicaba ao
projeto de fundação da UNIMEP foi
contundente e a cidade se juntou à
liderança metodista para que o projeto se concretizasse, de modo parecido ao que já havia ocorrido no fim
do século XIX com a implantação do
Colégio Piracicabano.
Por fim, destacamos como fator
também muito forte a pérfida política de privatização do ensino superior
levada a efeito pelos militares golpistas de 1964.
A Igreja Metodista, não obstante
seu Credo Social e toda sua postura
A criação da UNIMEP
foi considerada o
maior feito
educacional
metodista no Brasil
no século XX
A cidade se juntou à
liderança metodista
“É nosso desejo e nossa esperança
que o Colégio Granbery prospere na
sua alta missão e na providência de
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liberal historicamente comprovada,
caiu na graça dos militares, que a tinham em alta conta, nela confiavam
e apreciavam sua presença na educação superior.
Durante o período do governo
autoritário os metodistas ocuparam
uma cadeira no Conselho Federal de
Educação (CFE), com o conselheiro
B. A. Bittencourt, fizeram presença
nos Conselhos Estaduais de Minas
Gerais, com o professor Ulisses
Panisset, e do Rio de Janeiro, com o
professor Achiles Barreto, além de
participarem de assessorias importantes na área educacional.
Como instituição confiável aos militares, a Igreja Metodista logrou aprovação de vários cursos e se tornou
parceira importante, embora pequena,
na política de educação do País.
É dessa confluência de fatores
que surge a UNIMEP, para logo despontar como uma universidade de
médio porte, de razoável qualidade de ensino e contundente postura de contestação e resistência ao
governo militar e a qualquer tipo
de autoritarismo.
Nossa atenção neste trabalho,
como já o dissemos, se voltará para
esse fenômeno, de modo especial na
tentativa de entender como uma instituição criada em momento de autoritarismo militar se rebelou tão rapidamente e se voltou de modo tão
contundente contra o próprio governo que a criou.
Inicialmente, convém que se
ressalte que o reconhecimento da
UNIMEP não se deu de modo fácil
e tranqüilo. Foi algo trabalhoso, que
exigiu negociações, mediações demoradas, concessões e assunções doídas, que envolveram governo, outras
igrejas e universidades. Refiro-me,
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Como instituição
confiável aos militares,
a Igreja Metodista
logrou aprovação de
vários cursos
Como uma instituição
criada em momento
de autoritarismo
militar se rebelou tão
rapidamente
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por exemplo, ao que relatou João dos
Reis Silva em sua tese de doutorado,
dando conta de que a instituição teria se comprometido a formar um tripé de resistência ao lado da Universidade de Mogi das Cruzes e da
Pontifícia Universidade Católica de
Campinas (PUC-Campinas), no sentido de neutralizar o ímpeto grevista
da Universidade Federal de São
Carlos e da PUC de São Paulo.
Por outro lado, se fazia visível a
generosidade do Conselho Federal de
Educação na avaliação e julgamento
das instalações oferecidas pela instituição, o que resultou em grave problema para ela mesma já no primeiro ano de seu reconhecimento, em
função da precariedade de seu espaço físico, aprovado sem restrição
pelo CFE.
Em determinado momento o que
se viu era: curso de educação física
sem piscina, campos e quadras; cursos da área de saúde sem laboratórios e locais para estágios; engenharias sem oficinas; e, até mesmo, falta
de salas de aula para os cursos de
humanas, além de limitadíssima biblioteca, o que provocava insistentes
protestos dos discentes e docentes.
Além disso, seu reconhecimento
se deu em cima de uma verticalizada
e frágil estrutura de poder, que dificultava a prática da democracia e
criava um centralismo do processo
decisório na Reitoria, que emperrava
o crescimento e a criatividade da academia. Não se trabalhava com os
colegiados, que de fato eram praticamente inexistentes: departamentos,
colegiados de cursos, conselho universitário ou qualquer outro órgão
acadêmico formal.
A essas insuficiências, deve-se
acrescentar a ausência de administraAno
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dores e corpo docente qualificados. Na
academia, apenas um embrião de pósgraduação com a oferta de grande número de áreas, com pouquíssimos doutores, todos de fora, vindos a maioria
da PUC de São Paulo e alguns da
UNICAMP, os quais, entretanto, deixaram positiva contribuição, apesar de
permanecerem na instituição apenas
um dia por semana.
O grosso do professorado dos
cursos de graduação era constituído
de jovens pós-graduandos, em boa
parte de formação marxista, alunos
da USP, da Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar), da UNICAMP e
da PUC, excessivamente críticos, militantes em organizações de tendência
política como PC do B, Libelu, MR-8
Centelha e também da JUC.
Na administração, o quadro apresentava características semelhantes,
exceto ideológicas. Com os cargos administrativos ocupados por jovens
inexperientes, via de regra conservadores ingênuos, idealistas e de precária formação, tanto administrativa
quanto acadêmica, embora detentores
de enorme entusiasmo missionário.
Esses jovens, em função de suas
gritantes limitações, assustados, só
viam no professorado os inimigos
esquerdistas, que precisavam ser vigiados, uma vez que punham em perigo a obra iniciada. Essa dicotomia
travou enormemente o processo,
mas, dialeticamente, concorreu para
seu avanço.
Nesse período, pode-se dizer, da
Igreja Metodista, que ela não se
dava conta do monstro que pariu e
vivia um momento de encantamento pela vitória que conseguiu, uma
espécie de fecho de uma aspiração
histórica e grande perplexidade
com os sinais de desejo de autonoRevista de Educação do Cogeime
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Começaram as crises
A Igreja Metodista
não se dava conta do
monstro que pariu
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mia, que se podiam perceber no
cotidiano da casa, algo impensável
para os metodistas da época.
Em meio a todas essas insuficiências, explodiu o número de alunos,
multiplicou-se a oferta de cursos, fatores que forçaram a instituição a
criar novos campi, como o Taquaral
e o Santa Bárbara, e a entrar em perigosa situação financeira, que fragilizava todo o processo de encaminhamento.
Em função desse quadro, começaram as crises – ora nos frágeis departamentos, ora nos desorganizados colegiados de cursos, algumas
ocasiões no descontentamento discente e na Associação dos Professores – que via de regra resultavam em
dolorosas frustrações pela impotência da administração em dar respostas adequadas a elas.
Esses embates proporcionaram o
crescimento das organizações estudantis, a mobilização do professorado via ADUNIMEP, a entrada da própria cidade no debate e, na segunda
metade da década de 1970, em plena realização do Concílio Geral da
Igreja Metodista em Piracicaba, explodiu a maior crise, que culminou
com o afastamento do então reitor,
Richard Eduard Senn, que se viu sem
apoio interno, por parte tanto dos
alunos como dos professores, e também da Igreja Metodista, que sempre o acompanhava com reservas
em função de sua filiação à Igreja
Cristã Evangélica.
A virada da década de 1970 na
UNIMEP não se explica só em função
de micro iniciativas, mas de uma conturbação mais ampla, o início de uma
vigorosa busca de novos valores e de
crise paradigmática, como 1968 em
Paris já havia demonstrado.
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No Brasil, os jovens marxistas se
sentiam com a “História na frente e a
certeza na mão” e a própria juventude metodista revelava seu desencantamento com o conservadorismo e
manifestava esse desconforto como
o fez na crise de 1968 em Rudge Ramos. Na UNIMEP, jovens administradores ainda permaneciam arraigados
às suas convicções idealistas e conservadoras, que insistiam em chamar
de evangélicas.
Esses jovens, progressistas e conservadores, protegidos em seus redutos, assistiam perplexos ao desabamento de suas certezas, mas ainda
se consideravam pólos privilegiados
do saber com capacidade de emissão
de mensagens objetivas capazes de
salvar o presente e ordenar o futuro.
De certo, estávamos entrando no
que se convencionou denominar pósmodernismo, produto de fortes desilusões da década de 1960, provocadas pela Guerra do Vietnã, pelo
enfraquecimento das guerras de
guerrilhas, pelo início do esvaziamento das Comunidades Eclesiais de
Base, pelo recrudescimento dos golpes militares e por tantos outros fiascos, já se fazendo presentes na
América Latina.
Nesse momento conturbado, segunda metade da década de 1970 e
princípio da década de 1980, pode-se
afirmar que jovens administradores e
acadêmicos assumiram o poder na
UNIMEP e a empurraram na direção
de uma inserção mais compromissada
nos movimentos políticos e sociais,
tanto no âmbito local, como no nacional e até no internacional.
A Igreja Metodista Brasileira, embora tomada de perplexidade, emitia
também seus sinais, ainda que tíbios,
como se podia notar nos Planos QuaRevista de Educação do Cogeime
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A juventude metodista
revelava seu
desencantamento com
o conservadorismo
O convívio com a
Igreja Metodista em
geral, embora tenso,
era sadio, com diálogo
franco e aberto
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drienais, no Credo Social e, já na década de 1980, com mais firmeza, nas
“Diretrizes para a Educação na Igreja
Metodista”, inseridas no Plano Vida
e Missão.
Esperar que a juventude se mantivesse circunscrita nos limites
institucionalizados da universidade
e da Igreja, parece-me, seria querer
demais, como a prática acabou por
demonstrar. Até porque o conselho
diretor do Instituto Educacional
Piracicabano (IEP), que representava a Igreja Metodista junto à instituição universitária, desconhecia essa
juventude e não possuía o mínimo
preparo para entender e agir em uma
situação tão complexa. Ele estava
composto por pensadores conservadores por princípio, socialmente estáticos e fixados.
O convívio com a Igreja Metodista
em geral, embora tenso, era sadio,
gratificante, com diálogo franco e
aberto, provocado sobretudo pela
UNIMEP, que comparecia a concílios,
oferecia explicações, atraía grande
número de quadros metodistas e procurava demonstrar que sua caminhada vinha se dando nos limites do Credo Social, dos Planos Quadrienais e,
mais tarde, no Plano Vida e Missão,
só aprovado em 1982.
Hoje estou seguro de que, nesse
período, em função do descaminho,
se fez metodismo na UNIMEP como
talvez em nenhum outro momento na
história da instituição, o que diversas iniciativas indicam.
• Primeiramente, os documentos
metodistas tiveram circulação intensa e provocaram persistentes
debates.
• O Credo Social e o “Diretrizes para
a Educação na Igreja Metodista”,
entre outros, chegaram às mãos
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dos professores e alunos e deram
motivo a profícuas reflexões em
muitos seminários.
• O quadro metodista recebeu reforço significativo de intelectuais e
militantes, que vieram de outras
instituições de diferentes plagas.
Limito-me apenas a alguns deles:
Park Renshaw, Clori Trindade, Nilo
e Alba Belotto, Eli Eser Barreto
César, José Gomes de Campos, bispo Osvaldo Dias da Silva, John
Guerrisson, John Dawsey, Miguel
Montaña e muitos outros.
Pode ter sido esse período aquele
em que mais encontros metodistas foram realizados na instituição e também
o de maior envolvimento de metodistas
nos problemas sociais de Piracicaba
junto aos periféricos, fato que considero, entre todos, o mais significativo.
Não obstante isso, a ala conservadora do metodismo se pôs a campo e procurou atropelar o processo
em nome da preservação de valores
espirituais.
Nessas circunstâncias só restou
à inexperiente e jovem se academia
lançar à abertura de picadas, à emissão de sinais que revelassem seus
propósitos considerados libertadores, dentro dos parcos recursos financeiros disponíveis, mas com enorme
empenho de todos.
Com a substituição do reitor, ato
que expressou o inconformismo da
academia com a situação de opressão vigente no País e na própria instituição, novos rumos foram traçados
na direção de emissões de vigorosos
sinais, que apontassem para uma inserção mais contundente na sociedade tanto no âmbito local, como no
nacional e até no internacional.
No âmbito local, a Universidade
abriu frentes de atuação, que cobriu
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A ala conservadora do
metodismo se pôs a
campo
Tudo isso era feito
em função de uma
forte utopia
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por meio de funcionários, professores e alunos estagiários. Entre essas
frentes, merecem destaque:
• Projeto Periferia, com dez pré-escolas para filhos de favelados e vigoroso programa de alfabetização
de adultos.
• Apoio e assistência prática à Associação dos Favelados de Piracicaba
(ASFAP) em defesa de moradia.
• Acompanhamento junto às delegacias de polícia em casos de torturas e prisões injustas, por meio
de assessoria jurídica gratuita e
da própria assessoria da UNIMEP.
• Combate à poluição do Rio
Piracicaba por meio de amplas
campanhas publicitárias, que incluíam seminários, passeatas e
outras iniciativas.
• Assistência aos cortadores de
cana de açúcar.
• Acolhimento e cobertura a meninos de rua, perseguidos pela polícia e pelos comerciantes.
Em função desses programas, era
comum e muito freqüente a presença
de favelados e marginais nos campi da
Universidade e visível a irritação de
autoridades locais, comerciantes e
policiais conservadores.
Tudo isso era feito em função
de uma forte utopia, de uma visão
de sinais do Reino de Deus, mas
que pouco tinha a ver com a idéia
convencional de universidade, razão pela qual a direção era acusada de desvios de finalidade e descaso acadêmico.
Em âmbito nacional, os sinais iam
em outras direções, como passamos
a analisar:
• Comparecimento ao maior número possível de reuniões de protesto contra o golpe militar, com posição bem definida.
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Apoio ostensivo ao projeto de anistia política e claro engajamento na
campanha “Diretas Já!”.
• Campanha aberta contra os abusos do governo militar e seus desmandos, como se deu na morte de
Vladimir Herzog em São Paulo. Em
várias ocasiões, houve celebração de atos ecumênicos e passeatas pela cidade por iniciativa da
pastoral universitária.
• Apoio às organizações colocadas
na clandestinidade pelo autoritarismo. A UNIMEP abriu suas instalações a dois congressos da
União Nacional dos Estudantes
(UNE) e protestou várias vezes
contra a perseguição a Sindicatos
no ABC e também abriu seu
campus a reuniões sindicais.
• Na década de 1970, por meio do
acordo MEC-USAID, o Estado aderiu ao ensino profissionalizante e
tecnicista, mantinha postura de
censura a professores e estudantes com o truculento AI-5 e por
todos os meios restringia a prática da liberdade, postura que a
UNIMEP rejeitou e, com os meios
a seu alcance, combateu.
Com essas iniciativas de âmbito
nacional, a UNIMEP se tornou suspeita ao militarismo, que procurou desqualificá-la e a incluiu no rol de entidades subversivas e comunistas,
como atesta a imprensa da época.
Essa postura governamental não só
agradou aos jovens progressistas
como os estimulou fortemente.
Na área internacional, na qual pouco se podia fazer, algumas iniciativas
indicavam a utopia da instituição.
• Apoio irrestrito à Revolução
Sandinista da Nicarágua, para onde
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o reitor foi convidado como observador político nas eleições. Além
disso, vários professores em caravana visitaram Nicarágua e Cuba.
Solidariedade aos exilados políticos da Bolívia, perseguidos pelo governo García Meza. Mais de dez
bolivianos metodistas perseguidos
vieram cursar a UNIMEP na condição de exilados políticos e diversos
intelectuais, que atuavam na Bolívia, por aqui passaram. Entre eles,
o uruguaio Mortimer Aries.
Apoio à OLP e à Juventude Palestina contra os abusos de Israel e realização de encontros na própria
UNIMEP em defesa da causa palestina, o que irritou a Federação Israelita, que protestou nos grandes jornais do País e sensibilizou muitas
igrejas metodistas locais.
Realização de seminários de educação popular em convênio com Nicarágua, Cuba, Bolívia e El-Salvador.
Algumas observações
A UNIMEP se tornou
suspeita ao militarismo
Uma análise mais crítica da universidade no País nos revela, como afirmou Álvaro Vieira Pinto1, que ela é “instrumento eficiente para a assegurar o
comando ideológico da classe dirigente, porque ela absorve e amortece o
susto da consciência popular...”.
Ao manter uma instituição universitária, qualquer Igreja, se não tomar
a sério providências contundentes e
se não assumir postura crítica muito
clara, corre o risco de referendar, por
meio dela, perversidades sociais incompatíveis com sua finalidade
missionária.
Não se trata de desertar nem de
abandonar a área de ensino superior,
Álvaro Vieira Pinto. A Questão da Universidade
Universidade, 1986.
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mas de se manter em constante vigília contra eventuais tendências e tentações de ceder acriticamente à pressão de forças estranhas e demoníacas,
reprodutoras de injustiças sociais.
Assegurar a saúde financeira de
uma instituição escolar, por exemplo,
é imprescindível e se faz absolutamente necessário, mas é insuficiente
para a confirmação de uma postura
evangélica.
Hoje há, no Brasil, um massacre
demoníaco da classe trabalhadora,
do qual nossas instituições escolares
correm o risco de participar.
O relato de experiência rápida e
superficialmente elaborado nos revela que, na década de 1970, a UNIMEP
fugiu dos trilhos e, como universidade convencional, caminhou por descaminhos em um gigantesco esforço
de não se prestar ao jogo reprodutivista injusto.
Como universidade, ainda que
confessional, teria sido mais cômodo se submeter às exigências maléficas do autoritarismo militar e usufruir de suas iníquas benesses
cooptativas.
Por força de circunstâncias que
escaparam ao mando autoritário e às
pressões da ala conservadora de sua
mantenedora, cumpriu marcante papel de contestação, que acabou por
lhe dar identidade libertadora e
colocá-la no âmbito nacional e até
internacional como instituição capaz
de contribuir para as transformações
sociais e políticas do País por força
de sua utopia.
Esse esforço desafiou a Igreja
Mantenedora, concorreu para a existência de um período de desejável
instabilidade nela e contribuiu para
o repensar de sua caminhada, para a
revisão de equívocos e mudanças de
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Tão nefasto quanto o
autoritarismo, é a
subserviência
Instituição capaz de
contribuir para as
transformações
sociais e políticas por
força de sua utopia
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rumos, como acabou por explicitar
o Plano Vida e Missão.
No empenho de transformar, não
se pode desconhecer que a jovem
equipe cometeu muitas falhas, errou
mesmo, caminhou por descaminhos,
mas registrou e vivenciou posturas,
que contribuíram para a paz nacional e para a caminhada da Igreja
Metodista.
Cada época traz em si seus demônios, agentes da morte, contra
os quais se tem de lutar aberta e decididamente. Naquele período, a
face mais visível desses agentes era
o truculento autoritarismo do Estado, sem nenhum respeito aos direitos humanos. Hoje, tão nefasto
quanto o autoritarismo, é a subserviência das instituições educacionais à força do mercado, que, pelo
seu alto grau de contaminação,
pode conduzi-las a maldades sociais sem limites.
Não se pode negar que é dever
dos administradores zelar pelas finanças das escolas e mantê-las viáveis, para que prossigam suas caminhadas, mas não se pode encerrar
aí suas atribuições, nem entender
que, feito isso, está cumprida a
missão.
Pessoalmente, arrolo-me entre
aqueles que entendem que é muito difícil, senão quase impossível,
fazer metodismo em universidade
no Brasil, onde somos minoria;
nossas salas de aulas desconhecem o que é metodismo, nossas
relações de trabalho no interior
das instituições via de regra são
anti-metodistas, pelo modo como
os servidores são tratados em períodos de crise. Fica, às vezes, a
impressão de que, pela inabilidade
com que tentamos resolver as difiAno
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culdades e responder às exigências
frias do mercado, conseguimos salvar a escola e enterrar a utopia, o
pensamento e até mesmo a força
evangelizadora da Igreja.
Apesar de todos esses obstáculos, creio que, com alguma genero○
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sidade e muito esforço, podemos
encontrar espaço, ainda que por
descaminhos, para deixar nossas
marcas e emoldurar nossa caminhada educacional, sem o que toda nossa luta no projeto educacional é
simplesmente vã.
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Referência bibliográfica
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Revista de Educação do Cogeime
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