UNIMEP: caminhando pelos descaminhos
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UNIMEP: caminhando pelos descaminhos
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○○ ○○ ○○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Quarenta anos do golpe de Estado de 1964 UNIMEP: caminhando pelos descaminhos Um relato de experiência UNIMEP: taking detours A recounting of experience Elias Boaventura Doutor em Educação pela UNICAMP Reitor da UNIMEP entre 1978 e 1986 Docente e pesquisador do Programa de Mestrado em Educação da UNIMEP R e s u m o Este artigo discorre sobre a trajetória da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), em especial no que diz respeito à sua atuação política e social no contexto do regime militar. Fala da importância da criação da UNIMEP para o metodismo brasileiro. O texto menciona, ainda, a criação dos campi Taquaral e Santa Bárbara. Reconhece-se que a instituição cometeu muitas falhas mas, mesmo com uma série de percalços, passou por experiências que contribuíram para a evolução da Igreja Metodista. Unitermos: UNIMEP, criação, trajetória, atuação social, atuação política, crise. Synopsis This article discusses the growth of the Methodist University of Piracicaba (UNIMEP) focusing on its social and political actions made during the military regime in Brazil. Well as emphasizing the importance of its creation for Brazilian Methodists, the article also mentions the development of two additional UNIMEP campuses in the district of Taquaral and the city of Santa Bárbara do Oeste. While taking into account the many mistakes made by UNIMEP and the difficulties it went through, the article makes a point of highlighting the many important contributions UNIMEP has made in the evolution of the Methodist Church in Brazil. Terms: UNIMEP, creation, trajectory, social action, political action, crisis. Resumen Este artículo habla sobre la trayectoria de la Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), especialmente en lo que dice respecto a su actuación política y social en el contexto del régimen militar. Trata la importancia de la creacción de la UNIMEP para el metodismo brasileño. El texto menciona, todavía, la creacción de los campi Taquaral y Santa Bárbara. Se reconoce que la institución ha tenido sus fallos pero que, aun con una serie de percances, ha pasado por experiencias que han contribuido para la evolución de la Iglesia Metodista. Términos: UNIMEP, creacción, trayectoria, actuación social, actuación política, crisis. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 71 ○ ○ ○ Ano 13 - n0 24 - junho / 2004 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ presente texto tem como objetivo tecer algumas considerações sobre a trajetória da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), a partir de seu reconhecimento na década de 1970 pelo Conselho Federal de Educação no governo militar. Tenta explicar o que ela revelou de mais importante nesse período vivido, que foi sua atuação social e política, considerada pelos seus críticos como desvio de sua finalidade essencial, e reflete sobre as razões que a levaram a essa postura. Neste texto, meu pressuposto é o de que a criação da UNIMEP foi considerada o maior feito educacional metodista no Brasil no século XX e, contraditoriamente, um de seus grandes problemas, que acabou não só por provocar mudanças substanciais no pensamento e na identidade dos metodistas no País, como também os levou a um processo de reorganização estrutural de enorme repercussão. Tem-me parecido que essa realização, para o metodismo brasileiro extraordinária, se fez possível devido a três fatores, que, em função de conjunturas históricas, confluíram na década de 1970: Em primeiro lugar, concretizou, no metodismo brasileiro, uma forte inspiração histórica iniciada no fim do século XIX, cujo vestígio mais atestador pode ser encontrado no modo como se trabalhou a idéia de universidade no Granbery em Juíz de Fora e que ficou parcialmente registrado nos anais daquela Casa como um modelo de Universidade do Espírito: ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Deus, que se torne a primeira Universidade Metodista do Brasil. Nos anos vindouros os moços educados neste estabelecimento ocuparão os primeiros lugares nas indústrias e profissões, no Estado, na Igreja de Cristo, nos lares e na vida social do País.” Nesse projeto, não se destacava a formação de mão-de-obra, mas a ênfase básica, à semelhança das universidades inglesas nos primórdios, era dada à formação do homem integral: “formemos primeiro o homem, depois o médico e o advogado”, o cidadão que devidamente orientado viria a assumir os destinos da nação brasileira. A segunda inspiração veio da rica cidade de Piracicaba, que vinha, historicamente, clamando por uma universidade sua, não obstante a presença de unidades com pesquisa de ponta da Universidade de Campinas (UNICAMP) e da Universidade de São Paulo (USP). Críticos da UNIMEP consideram que sua presença, em grande parte, resulta desse anseio piracicabano, além de um imperdoável cochilo da Igreja Católica na cidade. O apoio oficial de Piracicaba ao projeto de fundação da UNIMEP foi contundente e a cidade se juntou à liderança metodista para que o projeto se concretizasse, de modo parecido ao que já havia ocorrido no fim do século XIX com a implantação do Colégio Piracicabano. Por fim, destacamos como fator também muito forte a pérfida política de privatização do ensino superior levada a efeito pelos militares golpistas de 1964. A Igreja Metodista, não obstante seu Credo Social e toda sua postura A criação da UNIMEP foi considerada o maior feito educacional metodista no Brasil no século XX A cidade se juntou à liderança metodista “É nosso desejo e nossa esperança que o Colégio Granbery prospere na sua alta missão e na providência de Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ 72 ○ ○ ○ Ano 13 - n0 24 - junho / 2004 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ liberal historicamente comprovada, caiu na graça dos militares, que a tinham em alta conta, nela confiavam e apreciavam sua presença na educação superior. Durante o período do governo autoritário os metodistas ocuparam uma cadeira no Conselho Federal de Educação (CFE), com o conselheiro B. A. Bittencourt, fizeram presença nos Conselhos Estaduais de Minas Gerais, com o professor Ulisses Panisset, e do Rio de Janeiro, com o professor Achiles Barreto, além de participarem de assessorias importantes na área educacional. Como instituição confiável aos militares, a Igreja Metodista logrou aprovação de vários cursos e se tornou parceira importante, embora pequena, na política de educação do País. É dessa confluência de fatores que surge a UNIMEP, para logo despontar como uma universidade de médio porte, de razoável qualidade de ensino e contundente postura de contestação e resistência ao governo militar e a qualquer tipo de autoritarismo. Nossa atenção neste trabalho, como já o dissemos, se voltará para esse fenômeno, de modo especial na tentativa de entender como uma instituição criada em momento de autoritarismo militar se rebelou tão rapidamente e se voltou de modo tão contundente contra o próprio governo que a criou. Inicialmente, convém que se ressalte que o reconhecimento da UNIMEP não se deu de modo fácil e tranqüilo. Foi algo trabalhoso, que exigiu negociações, mediações demoradas, concessões e assunções doídas, que envolveram governo, outras igrejas e universidades. Refiro-me, Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Como instituição confiável aos militares, a Igreja Metodista logrou aprovação de vários cursos Como uma instituição criada em momento de autoritarismo militar se rebelou tão rapidamente ○ ○ ○ 73 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ por exemplo, ao que relatou João dos Reis Silva em sua tese de doutorado, dando conta de que a instituição teria se comprometido a formar um tripé de resistência ao lado da Universidade de Mogi das Cruzes e da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), no sentido de neutralizar o ímpeto grevista da Universidade Federal de São Carlos e da PUC de São Paulo. Por outro lado, se fazia visível a generosidade do Conselho Federal de Educação na avaliação e julgamento das instalações oferecidas pela instituição, o que resultou em grave problema para ela mesma já no primeiro ano de seu reconhecimento, em função da precariedade de seu espaço físico, aprovado sem restrição pelo CFE. Em determinado momento o que se viu era: curso de educação física sem piscina, campos e quadras; cursos da área de saúde sem laboratórios e locais para estágios; engenharias sem oficinas; e, até mesmo, falta de salas de aula para os cursos de humanas, além de limitadíssima biblioteca, o que provocava insistentes protestos dos discentes e docentes. Além disso, seu reconhecimento se deu em cima de uma verticalizada e frágil estrutura de poder, que dificultava a prática da democracia e criava um centralismo do processo decisório na Reitoria, que emperrava o crescimento e a criatividade da academia. Não se trabalhava com os colegiados, que de fato eram praticamente inexistentes: departamentos, colegiados de cursos, conselho universitário ou qualquer outro órgão acadêmico formal. A essas insuficiências, deve-se acrescentar a ausência de administraAno 13 - n0 24 - junho / 2004 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ dores e corpo docente qualificados. Na academia, apenas um embrião de pósgraduação com a oferta de grande número de áreas, com pouquíssimos doutores, todos de fora, vindos a maioria da PUC de São Paulo e alguns da UNICAMP, os quais, entretanto, deixaram positiva contribuição, apesar de permanecerem na instituição apenas um dia por semana. O grosso do professorado dos cursos de graduação era constituído de jovens pós-graduandos, em boa parte de formação marxista, alunos da USP, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), da UNICAMP e da PUC, excessivamente críticos, militantes em organizações de tendência política como PC do B, Libelu, MR-8 Centelha e também da JUC. Na administração, o quadro apresentava características semelhantes, exceto ideológicas. Com os cargos administrativos ocupados por jovens inexperientes, via de regra conservadores ingênuos, idealistas e de precária formação, tanto administrativa quanto acadêmica, embora detentores de enorme entusiasmo missionário. Esses jovens, em função de suas gritantes limitações, assustados, só viam no professorado os inimigos esquerdistas, que precisavam ser vigiados, uma vez que punham em perigo a obra iniciada. Essa dicotomia travou enormemente o processo, mas, dialeticamente, concorreu para seu avanço. Nesse período, pode-se dizer, da Igreja Metodista, que ela não se dava conta do monstro que pariu e vivia um momento de encantamento pela vitória que conseguiu, uma espécie de fecho de uma aspiração histórica e grande perplexidade com os sinais de desejo de autonoRevista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Começaram as crises A Igreja Metodista não se dava conta do monstro que pariu ○ ○ ○ 74 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ mia, que se podiam perceber no cotidiano da casa, algo impensável para os metodistas da época. Em meio a todas essas insuficiências, explodiu o número de alunos, multiplicou-se a oferta de cursos, fatores que forçaram a instituição a criar novos campi, como o Taquaral e o Santa Bárbara, e a entrar em perigosa situação financeira, que fragilizava todo o processo de encaminhamento. Em função desse quadro, começaram as crises – ora nos frágeis departamentos, ora nos desorganizados colegiados de cursos, algumas ocasiões no descontentamento discente e na Associação dos Professores – que via de regra resultavam em dolorosas frustrações pela impotência da administração em dar respostas adequadas a elas. Esses embates proporcionaram o crescimento das organizações estudantis, a mobilização do professorado via ADUNIMEP, a entrada da própria cidade no debate e, na segunda metade da década de 1970, em plena realização do Concílio Geral da Igreja Metodista em Piracicaba, explodiu a maior crise, que culminou com o afastamento do então reitor, Richard Eduard Senn, que se viu sem apoio interno, por parte tanto dos alunos como dos professores, e também da Igreja Metodista, que sempre o acompanhava com reservas em função de sua filiação à Igreja Cristã Evangélica. A virada da década de 1970 na UNIMEP não se explica só em função de micro iniciativas, mas de uma conturbação mais ampla, o início de uma vigorosa busca de novos valores e de crise paradigmática, como 1968 em Paris já havia demonstrado. Ano 13 - n0 24 - junho / 2004 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ No Brasil, os jovens marxistas se sentiam com a “História na frente e a certeza na mão” e a própria juventude metodista revelava seu desencantamento com o conservadorismo e manifestava esse desconforto como o fez na crise de 1968 em Rudge Ramos. Na UNIMEP, jovens administradores ainda permaneciam arraigados às suas convicções idealistas e conservadoras, que insistiam em chamar de evangélicas. Esses jovens, progressistas e conservadores, protegidos em seus redutos, assistiam perplexos ao desabamento de suas certezas, mas ainda se consideravam pólos privilegiados do saber com capacidade de emissão de mensagens objetivas capazes de salvar o presente e ordenar o futuro. De certo, estávamos entrando no que se convencionou denominar pósmodernismo, produto de fortes desilusões da década de 1960, provocadas pela Guerra do Vietnã, pelo enfraquecimento das guerras de guerrilhas, pelo início do esvaziamento das Comunidades Eclesiais de Base, pelo recrudescimento dos golpes militares e por tantos outros fiascos, já se fazendo presentes na América Latina. Nesse momento conturbado, segunda metade da década de 1970 e princípio da década de 1980, pode-se afirmar que jovens administradores e acadêmicos assumiram o poder na UNIMEP e a empurraram na direção de uma inserção mais compromissada nos movimentos políticos e sociais, tanto no âmbito local, como no nacional e até no internacional. A Igreja Metodista Brasileira, embora tomada de perplexidade, emitia também seus sinais, ainda que tíbios, como se podia notar nos Planos QuaRevista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A juventude metodista revelava seu desencantamento com o conservadorismo O convívio com a Igreja Metodista em geral, embora tenso, era sadio, com diálogo franco e aberto ○ ○ ○ 75 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ drienais, no Credo Social e, já na década de 1980, com mais firmeza, nas “Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista”, inseridas no Plano Vida e Missão. Esperar que a juventude se mantivesse circunscrita nos limites institucionalizados da universidade e da Igreja, parece-me, seria querer demais, como a prática acabou por demonstrar. Até porque o conselho diretor do Instituto Educacional Piracicabano (IEP), que representava a Igreja Metodista junto à instituição universitária, desconhecia essa juventude e não possuía o mínimo preparo para entender e agir em uma situação tão complexa. Ele estava composto por pensadores conservadores por princípio, socialmente estáticos e fixados. O convívio com a Igreja Metodista em geral, embora tenso, era sadio, gratificante, com diálogo franco e aberto, provocado sobretudo pela UNIMEP, que comparecia a concílios, oferecia explicações, atraía grande número de quadros metodistas e procurava demonstrar que sua caminhada vinha se dando nos limites do Credo Social, dos Planos Quadrienais e, mais tarde, no Plano Vida e Missão, só aprovado em 1982. Hoje estou seguro de que, nesse período, em função do descaminho, se fez metodismo na UNIMEP como talvez em nenhum outro momento na história da instituição, o que diversas iniciativas indicam. • Primeiramente, os documentos metodistas tiveram circulação intensa e provocaram persistentes debates. • O Credo Social e o “Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista”, entre outros, chegaram às mãos Ano 13 - n0 24 - junho / 2004 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ dos professores e alunos e deram motivo a profícuas reflexões em muitos seminários. • O quadro metodista recebeu reforço significativo de intelectuais e militantes, que vieram de outras instituições de diferentes plagas. Limito-me apenas a alguns deles: Park Renshaw, Clori Trindade, Nilo e Alba Belotto, Eli Eser Barreto César, José Gomes de Campos, bispo Osvaldo Dias da Silva, John Guerrisson, John Dawsey, Miguel Montaña e muitos outros. Pode ter sido esse período aquele em que mais encontros metodistas foram realizados na instituição e também o de maior envolvimento de metodistas nos problemas sociais de Piracicaba junto aos periféricos, fato que considero, entre todos, o mais significativo. Não obstante isso, a ala conservadora do metodismo se pôs a campo e procurou atropelar o processo em nome da preservação de valores espirituais. Nessas circunstâncias só restou à inexperiente e jovem se academia lançar à abertura de picadas, à emissão de sinais que revelassem seus propósitos considerados libertadores, dentro dos parcos recursos financeiros disponíveis, mas com enorme empenho de todos. Com a substituição do reitor, ato que expressou o inconformismo da academia com a situação de opressão vigente no País e na própria instituição, novos rumos foram traçados na direção de emissões de vigorosos sinais, que apontassem para uma inserção mais contundente na sociedade tanto no âmbito local, como no nacional e até no internacional. No âmbito local, a Universidade abriu frentes de atuação, que cobriu Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A ala conservadora do metodismo se pôs a campo Tudo isso era feito em função de uma forte utopia ○ ○ ○ 76 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ por meio de funcionários, professores e alunos estagiários. Entre essas frentes, merecem destaque: • Projeto Periferia, com dez pré-escolas para filhos de favelados e vigoroso programa de alfabetização de adultos. • Apoio e assistência prática à Associação dos Favelados de Piracicaba (ASFAP) em defesa de moradia. • Acompanhamento junto às delegacias de polícia em casos de torturas e prisões injustas, por meio de assessoria jurídica gratuita e da própria assessoria da UNIMEP. • Combate à poluição do Rio Piracicaba por meio de amplas campanhas publicitárias, que incluíam seminários, passeatas e outras iniciativas. • Assistência aos cortadores de cana de açúcar. • Acolhimento e cobertura a meninos de rua, perseguidos pela polícia e pelos comerciantes. Em função desses programas, era comum e muito freqüente a presença de favelados e marginais nos campi da Universidade e visível a irritação de autoridades locais, comerciantes e policiais conservadores. Tudo isso era feito em função de uma forte utopia, de uma visão de sinais do Reino de Deus, mas que pouco tinha a ver com a idéia convencional de universidade, razão pela qual a direção era acusada de desvios de finalidade e descaso acadêmico. Em âmbito nacional, os sinais iam em outras direções, como passamos a analisar: • Comparecimento ao maior número possível de reuniões de protesto contra o golpe militar, com posição bem definida. Ano 13 - n0 24 - junho / 2004 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Apoio ostensivo ao projeto de anistia política e claro engajamento na campanha “Diretas Já!”. • Campanha aberta contra os abusos do governo militar e seus desmandos, como se deu na morte de Vladimir Herzog em São Paulo. Em várias ocasiões, houve celebração de atos ecumênicos e passeatas pela cidade por iniciativa da pastoral universitária. • Apoio às organizações colocadas na clandestinidade pelo autoritarismo. A UNIMEP abriu suas instalações a dois congressos da União Nacional dos Estudantes (UNE) e protestou várias vezes contra a perseguição a Sindicatos no ABC e também abriu seu campus a reuniões sindicais. • Na década de 1970, por meio do acordo MEC-USAID, o Estado aderiu ao ensino profissionalizante e tecnicista, mantinha postura de censura a professores e estudantes com o truculento AI-5 e por todos os meios restringia a prática da liberdade, postura que a UNIMEP rejeitou e, com os meios a seu alcance, combateu. Com essas iniciativas de âmbito nacional, a UNIMEP se tornou suspeita ao militarismo, que procurou desqualificá-la e a incluiu no rol de entidades subversivas e comunistas, como atesta a imprensa da época. Essa postura governamental não só agradou aos jovens progressistas como os estimulou fortemente. Na área internacional, na qual pouco se podia fazer, algumas iniciativas indicavam a utopia da instituição. • Apoio irrestrito à Revolução Sandinista da Nicarágua, para onde ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ • 1 • • • ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ o reitor foi convidado como observador político nas eleições. Além disso, vários professores em caravana visitaram Nicarágua e Cuba. Solidariedade aos exilados políticos da Bolívia, perseguidos pelo governo García Meza. Mais de dez bolivianos metodistas perseguidos vieram cursar a UNIMEP na condição de exilados políticos e diversos intelectuais, que atuavam na Bolívia, por aqui passaram. Entre eles, o uruguaio Mortimer Aries. Apoio à OLP e à Juventude Palestina contra os abusos de Israel e realização de encontros na própria UNIMEP em defesa da causa palestina, o que irritou a Federação Israelita, que protestou nos grandes jornais do País e sensibilizou muitas igrejas metodistas locais. Realização de seminários de educação popular em convênio com Nicarágua, Cuba, Bolívia e El-Salvador. Algumas observações A UNIMEP se tornou suspeita ao militarismo Uma análise mais crítica da universidade no País nos revela, como afirmou Álvaro Vieira Pinto1, que ela é “instrumento eficiente para a assegurar o comando ideológico da classe dirigente, porque ela absorve e amortece o susto da consciência popular...”. Ao manter uma instituição universitária, qualquer Igreja, se não tomar a sério providências contundentes e se não assumir postura crítica muito clara, corre o risco de referendar, por meio dela, perversidades sociais incompatíveis com sua finalidade missionária. Não se trata de desertar nem de abandonar a área de ensino superior, Álvaro Vieira Pinto. A Questão da Universidade Universidade, 1986. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 77 ○ ○ ○ Ano 13 - n0 24 - junho / 2004 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ mas de se manter em constante vigília contra eventuais tendências e tentações de ceder acriticamente à pressão de forças estranhas e demoníacas, reprodutoras de injustiças sociais. Assegurar a saúde financeira de uma instituição escolar, por exemplo, é imprescindível e se faz absolutamente necessário, mas é insuficiente para a confirmação de uma postura evangélica. Hoje há, no Brasil, um massacre demoníaco da classe trabalhadora, do qual nossas instituições escolares correm o risco de participar. O relato de experiência rápida e superficialmente elaborado nos revela que, na década de 1970, a UNIMEP fugiu dos trilhos e, como universidade convencional, caminhou por descaminhos em um gigantesco esforço de não se prestar ao jogo reprodutivista injusto. Como universidade, ainda que confessional, teria sido mais cômodo se submeter às exigências maléficas do autoritarismo militar e usufruir de suas iníquas benesses cooptativas. Por força de circunstâncias que escaparam ao mando autoritário e às pressões da ala conservadora de sua mantenedora, cumpriu marcante papel de contestação, que acabou por lhe dar identidade libertadora e colocá-la no âmbito nacional e até internacional como instituição capaz de contribuir para as transformações sociais e políticas do País por força de sua utopia. Esse esforço desafiou a Igreja Mantenedora, concorreu para a existência de um período de desejável instabilidade nela e contribuiu para o repensar de sua caminhada, para a revisão de equívocos e mudanças de Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Tão nefasto quanto o autoritarismo, é a subserviência Instituição capaz de contribuir para as transformações sociais e políticas por força de sua utopia ○ ○ ○ 78 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ rumos, como acabou por explicitar o Plano Vida e Missão. No empenho de transformar, não se pode desconhecer que a jovem equipe cometeu muitas falhas, errou mesmo, caminhou por descaminhos, mas registrou e vivenciou posturas, que contribuíram para a paz nacional e para a caminhada da Igreja Metodista. Cada época traz em si seus demônios, agentes da morte, contra os quais se tem de lutar aberta e decididamente. Naquele período, a face mais visível desses agentes era o truculento autoritarismo do Estado, sem nenhum respeito aos direitos humanos. Hoje, tão nefasto quanto o autoritarismo, é a subserviência das instituições educacionais à força do mercado, que, pelo seu alto grau de contaminação, pode conduzi-las a maldades sociais sem limites. Não se pode negar que é dever dos administradores zelar pelas finanças das escolas e mantê-las viáveis, para que prossigam suas caminhadas, mas não se pode encerrar aí suas atribuições, nem entender que, feito isso, está cumprida a missão. Pessoalmente, arrolo-me entre aqueles que entendem que é muito difícil, senão quase impossível, fazer metodismo em universidade no Brasil, onde somos minoria; nossas salas de aulas desconhecem o que é metodismo, nossas relações de trabalho no interior das instituições via de regra são anti-metodistas, pelo modo como os servidores são tratados em períodos de crise. Fica, às vezes, a impressão de que, pela inabilidade com que tentamos resolver as difiAno 13 - n0 24 - junho / 2004 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ culdades e responder às exigências frias do mercado, conseguimos salvar a escola e enterrar a utopia, o pensamento e até mesmo a força evangelizadora da Igreja. Apesar de todos esses obstáculos, creio que, com alguma genero○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ sidade e muito esforço, podemos encontrar espaço, ainda que por descaminhos, para deixar nossas marcas e emoldurar nossa caminhada educacional, sem o que toda nossa luta no projeto educacional é simplesmente vã. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Referência bibliográfica BOAVENTURA, Elias. PPGE-UNIMEP. Revista Comunicações Comunicações. Dezembro de 2003. ___________________. “Concepção de universidade do metodismo brasileiro: 1910-1930”. In: Revista do COGEIME COGEIME, ano 4, nº 6, 1995. PINTO, Álvaro Vieira. A Questão da Universidade Universidade. Cidade: Cortez Editora, 1986. SIGRIST, José Luiz. PPGE-UNIMEP. Revista Comunicações Comunicações. Dezembro de 2003. SILVA JR., João dos Reis. A Formação da Universidade Metodista de Piracicaba Piracicaba. Tese de doutorado. São Paulo: PUC, 1992. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 79 ○ ○ ○ Ano 13 - n0 24 - junho / 2004