fundamentos de geofisica

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fundamentos de geofisica
FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA
J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos
Capítulo 2 - SISMOLOGIA
Uma das mais devastadoras catástrofes naturais, pelo número de vítimas e pelos danos materiais que origina, é a
causada pelos sismos que periodicamente atingem a Terra. Alguns sismos têm chegado a causar um número de
mortos que ultrapassa as centenas de milhar e os seus efeitos destruidores têm-se sentido em áreas muito amplas,
abrangendo centenas de milhar de quilómetros quadrados.
Segundo Bolt [1999] “O tremor de terra que durante longo tempo ocupou o lugar entre os maiores dos tempos
modernos foi o sismo de Lisboa de 1755”. O sismo ocorreu cerca das 9h 30 min, em Lisboa, causando fortes danos
ao longo das costas da Península Ibérica e de Marrocos, destruindo Lisboa e afectando uma área de três milhões
de quilómetros quadrados. A dimensão catastrófica deste fenómeno causou um tremendo impacto na cidade de
Lisboa e em algumas povoações da costa do Algarve. A Intensidade Macrosísmica (ver capítulo posterior)
estimada para a cidade de Lisboa é de X-XI e de cerca de X (escala de Mercalli) no sudoeste Algarvio (Pereira de
Sousa, 1919). Este sismo gerou ainda um tsunami cujas ondas destrutivas foram observadas em Lisboa, na zona
do Cabo de S. Vicente, no Golfo de Cadiz e no noroeste de Marrocos.
Outros exemplos conhecidos são os do sismo de Assam, na Índia, a 12 de Junho de 1897 que afectou uma área
de 350 000 km2, ou o de Kwanto, no Japão, a 1 de Setembro de 1923, em que as cidades de Tokio e Yokohama
foram atingidas pelo fogo, causando um número de mortos superior a 100 000. A China é, também, uma região
sujeita a grandes sismos catastróficos, como o de 1920 que afectou uma área de cerca de 1 milhão de km 2, nas
províncias de Kansu e Schansi, e causou 80 000 mortos e, o mais recente sismo de Sichuan, em 2008, que causou
quase 90 000 mortos.
O sismo de São Francisco, que destruiu esta cidade da Califórnia a 18 de Abril de 1906, abriu uma grande fractura
com mais de 300 km de comprimento. Um dos sismos que causou mais vítimas, aconteceu também na China, na
província de Tangshan, a 27 de Julho de 1976, causando aproximadamente 650 000 mortos e 780 000 feridos. Nos
últimos anos, o sismo que causou mais mortos foi o do Haiti, em 2010, com cerca de 316 000 vítimas.
Quando ocorre um sismo, a energia libertada é propagada em todas as direcções sob a forma de ondas elásticas
que, neste caso, se denominam ondas sísmicas. Estas ondas são em parte semelhantes às provocadas na água
quando deixamos cair uma pedra, ou às ondas sonoras que se propagam no ar quando falamos.
2.1 TEORIA DA ELASTICIDADE
2.1.1 Comportamento elástico, anelástico e plástico dos materiais
Quando uma força é aplicada a um material o resultado é que se ele se deforma: as suas partículas são
deslocadas das suas posições originais. Em muitas situações, os deslocamentos são reversíveis: quando a força é
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removida as partículas voltam às suas posições inicias e, por isso, não resulta nenhuma deformação permanente
do material. Chama-se a isto um comportamento elástico.
O exemplo seguinte ilustra bem a lei do comportamento elástico. Considere-se um cilindro de altura h e área A
sujeito a uma força F que actua de modo a esticar o cilindro de uma quantidade h (fig 2.1). A experiência mostra
que, para uma deformação elástica, h é directamente proporcional à força aplicada e à dimensão “não
deformada” do corpo, mas que é inversamente proporcional à secção do cilindro. Esta relação pode ser traduzida
pela seguinte equação:
F
h
E
A
h
F
  lim
h
h
  lim
F
A
h 0
A0
(2.1)
Figura 2.1 – Relação tensão-deformação 1D para um corpo elástico
Quando a área A se torna infinitesimalmente pequena o valor limite da força por
Fig. 2.1 área (F/A) é designado por tensão  . A unidade da tensão é a mesma da
unidade
pressão, ou seja Pascal (Pa). Quando h se torna infinitesimal a variação fraccional da
dimensão ( h / h ), que é uma grandeza adimensional, é designada por deformação  . A equação (2.1) diz que,
para um comportamento elástico, a deformação de um corpo é proporcional à tensão a ele aplicada:
  E
(2.2)
Esta relação linear é conhecida por lei de Hooke, e é a base da teoria da elasticidade. A constante de
proporcionalidade E designa-se por Módulo de Young
Para além de um certo limite da tensão, a lei de Hooke
deixa de se verificar (fig 2.2). Ainda que o material se
comporte de modo elástico, a relação tensãodeformação já não é linear. Se o sólido for deformado
para além de um certo limite, conhecido por limite
elástico, ele já não recuperará a forma original quando a
tensão for removida. Neste intervalo um pequeno
aumento da tensão aplicada provoca um elevado
aumento da deformação. Esta diz-se então que é
plástica e quando a tensão for removida a deformação
não regressa a zero; o material foi deformado de modo
permanente. Se eventualmente a tensão ultrapassar o
limite de resistência do material este “cede”. Em algumas
rochas a cedência pode acontecer abruptamente, ainda
dentro do limite elástico; a isto chama-se comportamento
frágil.
Limite elástico
O comportamento não-frágil, ou dúctíl, dos materiais sob tensão depende da escala de tempo da deformação. Um
material elástico deforma-se imediatamente quando a ele se aplica uma tensão e mantém a deformação constante
até que a tensão seja removida, após o que a deformação regressa ao estado inicial.
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2.1.2 A matriz das tensões
Considere-se a força F que actua numa das faces de um cubo cujas arestas estão orientadas de acordo com os
eixos x, y e z num sistema de referência Cartesiano ortogonal (figura 3.3). A componente de F que actua na
direcção x designa-se Fx e as restantes duas componentes, Fy e Fz, definem-se de forma análoga. A dimensão de
um pequeno elemento de superfície é caracterizado pela área A e a sua orientação é descrita pela direcção normal
a essa superfície. Por exemplo Ax representa a área A cuja normal está orientada ao longo do eixo dos xx (ou
seja, que a área assenta no plano yz, como seja a face A do cubo da figura 2.3). A componente da força Fx que
actua (perpendicularmente) sobre a área Ax produz uma tensão normal  xx . Das componentes dessa força ao
longo dos eixos y e z resultam as tensões de corte (ou cisalhantes) xy e xz.
Figura 2.3 - À esquerda, representação da matriz das tensões que actuam na face x de um elemento de volume.
Na figura da direita representam-se todas as componentes do tensor das tensões (onde está  deve-se ter  , e em
vez de x1,x2,x3 deve-se ter xyz para manter a simbologia adoptada nesta unidade).
O conjunto das tensões que actuam na face x de um elemento de volume são dadas por:
 Fx 
 Fy 
F 
,  yx  lim   ,  zx  lim  z 

Ax 0 A
Ax 0 A
Ax  0 A
 x
 x
 x
 xx  lim 
(2.3)
De um modo semelhante, mas usando desta vez as áreas Ay e Az , se definem as outras tensões normais,
 yy e  zz , bem como as restantes tensões de corte  xy ,  zy ,  xz e  yz . As nove componentes da tensão
definem completamente o estado de tensão a que o corpo está sujeito e podem ser convenientemente descritas
pela matriz das tensões (ver figura 2.3):
 xx  xy  xz 


 yx  yy  yz 
 zx  zy  zz 


(2.4)
Se as forças que actuam no corpo estiverem compensadas de modo a não provocarem rotações, esta matriz de
3  3 é simétrica (i.e.  xy   yx ; yz   zy ; zx   xz ) e só contém seis elementos independentes.
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2.1.3 A matriz de deformação
Tal como o estado de tensão é descrito por uma matriz, também a deformação infinitesimal sofrida por um corpo
pode representadas por uma matriz 3x3.
2.1.3.1 Deformação Longitudinal
Consideremos primeiro o caso unidimensional representado na figura 2.4 centrando a nossa atenção nos pontos x
e ( x  x ). Se o ponto x fôr deslocado uma quantidade infinitesimal u na direcção do eixo dos xx, o ponto
( x  x ) será deslocado de ( u  u ), onde u , em aproximação de primeira ordem, é igual a  u x  x . A
deformação longitudinal, ou apenas extensão, na direcção x é a variação fraccional do comprimento do elemento
ao longo do eixo dos xx. A separação original dos dois pontos era x , mas um ponto foi deslocado de u e o outro
de ( u  u ), por isso a nova separação será dada por ( x  u ).
Figura 2.4 - Deslocamentos infinitesimais de dois pontos de um corpo inicialmente localizados em x e x+ x.
A componente da deformação paralela ao eixo dos xx,  xx , é então dada por
 xx
 xx
u 

x 
x   x
variação da separação 
x 


separação original
x
u

x
(2.5a)
Podemos estender esta descrição da extensão ao caso mais real das três dimensões. Se um ponto (x, y, z) for
deslocado de uma quantidade infinitésimal para a posição
( x  u, y  v, z  w ), as outras duas deformações
longitudinais  yy e  zz são definidas por
 yy 
v
y
e
 zz 
w
z
(2.5b)
Num corpo com comportamento elástico as deformações  yy
e  zz não são independentes de  xx . Considere-se a
variação de forma da barra representada na figura 2.5. O
alongamento na direcção paralela a x é acompanhado por
uma contração nas direcções paralelas aos eixos dos yy e zz
(esta última não está obviamente representada na figura, pois
ela apenas representa o que se passa no plano x-y). As
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deformações  yy e  zz têm um sinal oposto, mas são proporcionais à extensão  xx , sendo dadas por
 yy   xx e  zz   xx
(2.6)
A constante de proporcionalidade  é chamada Razão de Poisson. Os valores das constantes elásticas dos
materiais restringem a gama de variação de  entre 0 (não existe contracção lateral) e um máximo de 0.5 (não
existe variação de volume) para fluidos incompressíveis. Em rochas muito rijas como é, por exemplo, o caso dos
granitos  vale cerca de 0.24 - 0.27, enquanto para sedimentos pouco consolidados o seu valor já se encontra no
intervalo 0.34 - 0.40. Um corpo para o qual o valor de  seja de 0.25 é designado por corpo de Poisson ideal.
2.1.3.2 Dilatação
A dilatação é definida como sendo a variação fraccional de volume de um elemento no limite em que a sua área
tende para zero. Considere-se um elemento de volume não deformado que tem de lados x, y e z , e volume
V  xyz . Em resultado de deslocamentos infinitésimais u, v e w as arestas aumentam,
respectivamente, para x  u , y  v e z  w . A variação fraccional de volume é então dada por
V  x  u  y  v  z  w  x y z

V
xyz
xy z  u y z  v z x  wx y  x y z

xy z
u v w



x y z
(2.7)
onde as quantidades muito pequenas (de segunda ordem) como uv , vw , wu e uvw foram
desprezadas. No limite, quando x, y e z tendem para zero, obtemos a dilatação (ou dilatação cúbica):
u v w
 
x y z
   xx   yy   zz

(2.8)
2.1.3.3 Deformação de corte
Geralmente durante a deformação um corpo experimenta não só a deformação longitudinal descrita anteriormente,
mas também uma deformação de corte (ou cisalhante) produzida pelas componentes da tensão de corte (  xy ,
 yz ,  zx ), que se manifesta por uma variação das relações angulares entre as diferentes partes do corpo. É
mais fácil ilustrar este fenómeno no caso bi-dimensional. Considere-se o rectângulo de lados x e y deformado
devido à aplicação de uma tensão de corte actuando no plano x  y (fig 2.6a). Tal como no exemplo prévio da
deformação longitudinal, o ponto A é deslocado paralelamente ao eixo dos xx de uma quantidade u. Contudo,
devido à deformação de corte, os pontos entre A e D experimentam deslocamentos tanto maiores quanto mais
afastados estiverem de A. O ponto D, que dista de y na vertical de A é deslocado de uma quantidade de
 u y  y na direcção do eixo dos xx. Isto provoca uma pequena rotação 1 no sentido horário do lado AD
dada por
tan 1 
 u y  y
y

u
y
(2.9a)
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D’
C
D
D
D’
C’
C’
B’
B’
A
A’
A’
A
B’
A
A’
B
B
Figura 2.6 – Deformação de corte
De um modo semelhante, o ponto A é deslocado paralelamente ao eixo dos yy de uma quantidade v, enquanto o
ponto B que está a uma distância horizontal x de A é deslocado de  v x  x na direcção do eixo dos yy (fig
2.6b). Em consequência disto, o lado AB é sofre uma pequena rotação 2 no sentido anti-horário dada por
tan 2 
 v x  x  v
x
(2.9b)
x
As deformações elásticas processam-se através de deslocações e deformações infinitésimais, por isso os ângulos
são normalmente pequenos, o que nos permite fazer a aproximação de que tan 1  1 e tan 2  2 . A
deformação de corte no plano x-y (  xy ) dfine-se como sendo metade da deformação angular total (ou a média das
duas deformações)
1  v u 
 xy    
2  x y 
(2.10a)
Transpondo x e y e os deslocamentos correspondentes u e v obtemos a componente  yx
1  u v 
 yx    
2  y x 
(2.10b)
que é idêntica a  xy . A distorção angular total no plano x-y é (  xy   yx ). Mais uma vez, de modo análogo as
componentes da deformação  yz   zy e  xz    zx  são definidas, respectivamente, nos planos y-z e z-x por


1  w v 
 
2  y z 
 yz   zy  
 zx   xz
1  u w 
 

2  z x 
(210c)
Finalmente, as deformações longitudinais e de corte definem uma matriz 3  3 simétrica, chamada a matriz das
deformações
 xx

 yx
 zx

 xy  xz 

 yy  yz 
 zy  zz 
(2.10d)
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2.1.4 As constantes elásticas
No intervalo de deformação elástica a lei de Hooke diz-nos que existe uma relação linear entre a tensão e a
deformação, sendo que o quociente entre estas duas grandezas define uma constante elástica. Como por sua vez
as deformações já são dadas por quocientes entre comprimentos (por isso são adimensionais) as constantes
elásticas têm as mesmas dimensões que a tensão (Nm -2 ou Pa). Os módulos elásticos (outro nome dado às
constantes elásticas), definidos para diferentes tipos de deformações, são o módulo de Young, o módulo de rigidez,
o módulo de volume (ou incompressibilidade) (“bulk modulus”) e a Razão de Poisson.
O módulo de Young (E) define-se a partir da deformação extensional. Cada deformação longitudinal é proporcional
à componente da tensão correspondente, ou seja
 xx  E xx , yy  E yy , zz  E zz
(2.11)
O módulo de rigidez (  ) define-se a partir da deformação de corte. Tal como na deformação longitudinal cada
deformação de corte é proporcional à componente da tensão de corte correspondente, ou seja
 xy   xy , yz   yz , zx   zx
(2.12)
O módulo de volume, ou incompressibilidade, (K) define-se a partir da dilatação sofrida por um corpo quando sob o
efeito de uma pressão hidrostática. Em condições hidrostáticas as componentes da tensão de corte são nulas
(  xy   yz   zx  0 ) e a pressão é igual em todas as direcções (  xx   yy   zz   p ). Isto acontece
porque, em condições hidrostáticas, a pressão p resulta apenas do peso por unidade de área da coluna de fluido
que encontra acima de um determinado nível. O módulo de volume é dado pela razão entre a pressão hidrostática
e a dilatação, isto é
p   K
(2.13)
Ao inverso do módulo de volume chama-se compressibilidade.
2.1.4.1 As constantes de Lamé
Para se tratar convenientemente com a teoria da elasticidade é conveniente utilizar a notação tensorial. Nesta
notação, as componentes da tensão e da deformação são escritas na forma  ij e  ij , onde os índices i e j podem
tomar os valores de x, y ou z. Podemos então escrever a lei de Hooke para um sólido elástico e isotrópico na forma
 ij   ij  2 ij
(2.14)
Nesta expressão  continua a representar a dilatação e ij é chamado de símbolo de Krönecker. Este símbolo vale
zero se i for diferente de j e vale 1 caso i seja igual a j, ou seja,  ij  0 se i  j e  ij  1 se i  j . As
constantes  e , são denominadas de constantes de Lamé e estão relacionadas com as constantes elásticas
definidas anteriormente.  é equivalente ao módulo de rigidez e K e E podem-se exprimir em termos de  e .
2.1.4.2 Relação entre os vários parâmetros elásticos
Dos 5 parâmetros elásticos estudados, apenas 2 são independentes, podendo-se todos os outros deduzir a partir
deles. Apresenta-se aqui a dedução das relações entre o módulo de Young, a razão de Poisson e as constantes de
Lamé, deixando-se as outras deduções para realizar como exercício. Na tabela 2.I apresenta-se uma síntese das
relações que existem entre os diversos parâmetros elásticos.
Como se viu atrás, o módulo de volume (K) descreve-nos a variação volumétrica de um corpo quando sujeito à
acção das tensões normais  xx ,  yy e  zz . Expandindo a equação tensorial da lei de Hooke para estas
componentes da tensão obtém-se
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 xx    2  xx
 yy    2  yy
(2.15)
 zz    2  zz
que adicionadas e assumindo condições hidrostáticas (  xx   yy   zz   p ) dá
 xx   yy   zz  3  2  xx   yy   zz 
3 p  3  2
e usando a definição de K   p  , vem
2
K  
3
(2.16)
Tabela 2.I - Relações existentes entre os diversos parâmetros elásticos

3( K   )
2


1  2
2
3K

K

1  2
2  2
K
2(1   )
3(1  2 )

E
2(1   )
2
3
2
3
2 
1  2
1
3
3K

1
E
(1   )(1  2 )
E
3(1  2 )
E

9 K
3K  

2(   )
2 (1   )

3  2

3K (1  2 )

3K  
3K  2 
2(3K   )
3K  E
6K
Como vimos antes, o sólido de Poisson ideal corresponde a se ter   0.25 . Em termos dos parâmetros de
Lamé, esta situação é equivalente a considerar-se que se tem    . A tabela 2.II mostra os valores dos
parâmetros elásticos para alguns materiais comuns e componentes da crosta e manto.
Tabela 2.II - Valores de constantes elásticas (e densidades) para alguns materiais comuns
Material
 (GPa)
K (GPa)
 (GPa)

ρ (kg/m3)
Água
0
2.1
2.1
0.5
1000
Areia
6
17
13
0.34
1900
Olivina
83
129
74
0.24
3200
Perovskite
153
266
164
0.26
4100
2.1.4.3 Anisotropia
A discussão precedente apresentou-nos os parâmetros elásticos como sendo constantes, o que corresponde a
considerar os materiais homogéneos. Contudo, na natureza isto não é estritamente verdadeiro, pois eles
dependem de condições tais como a pressão e a temperatura e só poderão ser considerados constantes em
circunstâncias específicas. Dada esta dependência com a pressão e a temperatura os parâmetros elásticos têm
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que variar com a profundidade. O Globo terrestre deve ser considerado como um meio geralmente heterogéneo.
Para além disso, na exposição apresentada admitiu-se também que a relação entre a tensão e a deformação era
igual para todas as direcções, uma propriedade que se chama de isotropia. O contrário disto, a anisotropia,
significa que se bem que a relação entre a tensão e a deformação continue a ser linear, as constantes de
proporcionalidade variam consoante a direcção em que estamos a “olhar”. Na verdade, é isto que acontece em
muitos minerais, especialmente se eles tiverem simetria uniaxial.
Considerando o caso mais real de uma substância anisotrópica, as relações entre as componentes das tensões e
deformações são bastante mais complexas e são neste caso necessários 21 parâmetros para descrever o
comportamento elástico anisotrópico (contrariamente aos dois,  e , que bastam para o caso isotrópico). Como
iremos ver nos parágrafos seguintes, a velocidade das ondas sísmicas depende apenas dos parâmetros elásticos
(e da densidade) pelo que num meio anisotrópico a velocidade das ondas vai depender da sua direcção de
propagação (fig 2.7).
Figura 2.7 - Ilustração dos conceitos de heterogeneidade e anisotropia. a) meio homogéneo e isotrópico; b) meio
heterogéneo e isotrópico; c) meio anisotrópico homogéneo; d) meio anisotrópico e heterogéneo.
2.2 AS ONDAS SÍSMICAS
A descrição da propagação de ondas sísmicas através de meios heterogéneos é extremamente complexa por isso,
para se obterem equações que descrevam essa propagação adequadamente, é necessário admitir condições
simplificadoras. Uma delas consiste em assumir que o meio heterogéneo pode ser convenientemente modelado
por uma sucessão de camadas paralelas, no interior das quais se podem assumir condições de homogeneidade.
Uma escolha conveniente da espessura, densidade e propriedades elásticas de cada camada permite fazer uma
aproximação realista das condições naturais. Contudo, a mais importante consiste em admitir que a perturbação
sísmica se propaga através de um deslocamento elástico do meio. Apesar de isto não ser verdadeiro nas
imediações da fonte sísmica (onde as partículas são deslocadas permanentemente em relação à posição das sua
vizinhas – senão não haveria ruptura), para além de uma certa distância desta é muito razoável admitir que a
amplitude da perturbação diminui a um nível para o qual o meio apenas se deforma elasticamente, permitindo a
passagem a onda sísmica.
Vejamos agora o que sucede quando a energia sísmica é libertada a partir de um ponto P pertencente a um meio
homogéneo, mas localizado perto da sua superfície (fig 2.8). Nestas circunstâncias, parte da energia propaga-se
através do meio sob a forma de ondas que se designam por ondas volúmicas, e a parte restante da energia
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desloca-se ao longo da superfície sob a forma de ondas que se designam por ondas superficiais. Uma analogia
apropriada para descrever este último tipo de ondas é o das ondículas que se geram e propagam na superfície livre
da água em repouso quando a ela se atira, por exemplo, uma pedra.
Figura 2.8 - Propagação de ondas sísmicas a partir de uma fonte pontual num meio homogéneo. Neste exemplo a
energia propaga-se como ondas volúmicas.
2.2.1 Ondas volúmicas
Para ondas sísmicas de volume que se propagam num espaço a três dimensões, a energia espalha-se por uma
superfície progressivamente maior (ver fig. 2.8), sendo a área proporcional ao quadrado da distância à fonte ( r2).
Recordando que a energia da onda é proporcional ao quadrado da sua amplitude, tem-se que nas ondas de
volume, devido à dispersão geométrica, se deve ter que a amplitude é inversamente proporcional à distância à
fonte, i.e. A1/r.
À semelhança do que ocorre na óptica, designa-se por frente de onda a superfície definida por todos os pontos
que se encontram no mesmo estado de vibração (i.e. têm a mesma fase). A direcção perpendicular à frente de
onda designa-se por raio sísmico.
A frente de onda tem uma forma esférica para pequenas distâncias à fonte e é em geral uma superfície curva. No
entanto, se consideramos uma região limitada da frente de onda ela pode-se ser aproximada pelo plano tangente.
Esta aproximação será tanto mais exacta quanto mais nos afastarmos da fonte. Nestas condições a frente de onda
pode ser aproximada por uma onda plana. A aproximação da onda plana permite a utilização de um sistema de
coordenadas Cartesiano e ortogonal para descrever o movimento harmónico no plano da frente de onda, o que
constitui uma simplificação bastante conveniente. No entanto, mesmo com esta aproximação, a descrição
matemática dos movimentos tridimensionais do meio elástico é bastante complexa. Não iremos fazer aqui esse
tratamento completo, mas apenas uma descrição mais simples e menos rigorosa, que permite ainda assim
compreender os fundamentos da propagação das ondas volúmicas.
2.2.1.1. Ondas longitudinais ou compressivas
Tratemos primeiro o caso de uma onda compressiva unidimensional (fig 2.9). Para isso, vamos considerar um
sistema de eixos cartesianos em que o eixo x aponta na direcção de propagação da onda e os eixos y e z
assentam no plano da frente de onda (fig 2.10). Na direcção x o movimento das partículas é o que se poderá
chamar de “para a frente e para trás”, resultando daqui que o meio é sucessivamente comprimido e distendido (figs.
2.9 e 2.10a). É a propagação deste movimento vibratório, ao longo de uma dada direcção (no nosso caso, a do
eixo dos xx), que constitui a onda longitudinal. Uma onda a propagar-se ao longo de uma mola constitui uma
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excelente analogia para este tipo de ondas sísmicas. Também o som se propaga no ar por meio de compressões e
rarefacções, isto é, através de ondas longitudinais.
Figura 2.9 - Movimento das partículas provocado pela passagem de uma onda longitudinal.
Na figura 2.10b Ax representa a área da frente de onda perpendicular à direcção de propagação. Numa posição
qualquer x (fig 2.10c), a passagem da onda produz um deslocamento u e uma força Fx na direcção x. Na posição
x  dx o deslocamento é u  du e a força Fx  dFx . Aqui, dx representa o comprimento infinitesimal de um
pequeno elemento de volume cuja massa é  dxAx . A força resultante que actua neste elemento de volume é
dada por
 Fx  dFx   Fx  dFx 
Fx
dx
x
(2.17)
Esta força Fx é causada pela componente da tensão  xx que actua na área Ax e que é igual a  xx Ax .
Podemos agora escrever a equação do movimento unidimensional, usando para isso a 2ª lei de Newton
  dxAx 
 xx
 2u
 dxAx
2
x
t
(2.18)
A definição do módulo de Young, E, e da deformação normal,  xx , permitem escrever
 xx  E xx  E
u
x
(2.19)
Substituindo na equação anterior obtemos a equação da onda unidimensional
2
 2u
2  u

V
t 2
x 2
(2.20)
onde V representa a velocidade da onda, dada por
V
E

(2.21)
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– O movimento de uma partícula numa onda P unidimensional
Figura Figura
2.10 - 2.9
O movimento
de uma partícula devido à passagem de uma onda P unidimensional é transmitido
é transmitido como uma série de rarefracções (R) e de contracções (C)
como
uma
série
paralelas ao eixo dos xx. de rarefacções (R) e contracções (C) paralelas ao eixo dos xx.
Este caso agora apresentado, da onda unidimensional, é na verdade bastante restritivo, pois não considerou o que
se passa nas direcções y e z. Recorde-se que num sólido elástico, as deformações numa direcção qualquer estão
sempre acopladas às deformações transversais através da razão de Poisson do meio. Quer isto dizer, por exemplo
neste caso, que a área Ax não poderia ter sido considerada constante. Para se ser rigoroso, o que se deve fazer é
olhar para o que acontece simultaneamente ao longo de cada uma das três direcções do espaço. Isto pode ser
feito analisando-se as variações de volume de um elemento do meio quando este é “atravessado” pela onda.
Fazendo isso, a equação da onda compressiva na direcção x é
2
 2
2  


t 2
x 2
(2.22)
onde  representa a velocidade de propagação da onda que, usando a equação (2.22) K    2 3  , é dada
por

  2
K  4 3



(2.23)
As ondas longitudinais são as mais rápidas de todas as ondas sísmicas e, como tal, quando ocorre um sismo estas
são as primeiras a chegar a um dado local, sendo por isso chamadas de ondas primárias, ou ondas P. A equação
(2.23) mostra também que as ondas P se deslocam tanto através de sólidos, como de líquidos e gases (neste
último caso, constituem as nossas conhecidas ondas sonoras), pois todos eles são compressíveis ( K  0 ). No
entanto, os líquidos e os gases não suportam tensões de corte e por isso   0 (equivalente a dizer que eles não
têm rigidez). Logo, a velocidade destas ondas nos fluidos é dada apenas por

K

(2.24)
2.2.1.2 Ondas transversais, ou de corte
Nas ondas transversais o movimento de vibração dá-se no plano definido pela frente de onda e, como tal,
perpendicularmente à direcção de propagação (figs 2.11 e 2.12). Vamos começar por estudar apenas o que se
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passa no plano vertical definido pelos eixos x e z.
Figura 2.11 - Movimento das partículas provocado pela passagem de uma onda transversal.
Figura 2.12 - a) Deformação de corte provocada pela passagem de uma onda transversal; b) deslocamento e forças
segundo a direcção z nas posições x e x+dx.
Também como boa analogia a este tipo de ondas se pode citar o exemplo da corda da roupa bem esticada, que é
posta a vibrar com uma perturbação exercida na vertical. A passagem da onda transversal obriga a que os planos
verticais do meio se movam “para cima e para baixo” e que por isso os elementos adjacentes do meio sofram
variações de forma, alternando esta entre a de um rectângulo e um losango (figs 2.11 e 2.12a).
Centremo-nos apenas sobre o que sucede a um elemento de volume (fig 2.12b) cujos planos verticais estão
separados de dx . A passagem da onda ao longo da direcção x produz um deslocamento w e uma força Fz na
direcção do eixo dos zz. Na posição x  dx o deslocamento é de w  dw e a força Fz  dFz . A massa do
pequeno elemento de volume ladeado por planos de área Ax é  dxAx e a força resultante que nele actua,
segundo a direcção z
 Fz  dFz   Fz  dFz 
Fz
dx
x
(2.25)
A força Fz resulta da aplicação da tensão de corte  xz na área Ax e é igual a  xz Ax . A equação do
movimento vem então dada por

2w
  dxAx  2  dxAx xz
x
t

 2 w  xz
 22
t
x
(2.26)
Dado que neste caso a área dos paralelogramos entre os dois planos verticais adjacentes é igual, não existe
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variação de volume. Assim sendo, a dilatação  é zero e a lei de Hooke (eq. 2.14) para a componente  xz dá
 xz  2 xz
(2.27)
Da definição das deformações em função dos deslocamentos (eq. 2.10) temos
1  w
u 
 xz  
 
2  x z 
Para uma onda transversal unidimensional não há variação da distância horizontal dx entre os planos verticais; du
e u z são zero e  xz é igual a (w / x) / 2 . Substituindo em (2.27) vem
 xz  
w
x
(2.28)
E, substituindo em (2.26) e rearranjando, vem
2
2w
2  w


t 2
x 2
(2.37)
onde  é a velocidade da onda transversal, dada por



(2.30)
Por esta expressão vê-se que a única propriedade elástica que condiciona a velocidade das ondas transversais é a
rigidez, . Como nos líquidos e gases  é zero, neste tipo de meios não é possível propagarem-se ondas
transversais. Se agora compararmos a velocidade das ondas longitudinais e transversais nos sólidos (eqs. (2.23) e
(2.30)) vemos que
4
3
2  2 
K

(2.31)
o que significa que  é sempre maior que , ou seja, as ondas transversais deslocam-se mais lentamente que as
ondas P e são por isso registadas nos sismogramas como ondas mais tardias. Por esta razão as ondas
transversais são conhecidas por ondas secundárias, ou ondas S.
A razão entre a velocidade das ondas P e das ondas S, /, apenas depende da razão de Poisson do meio ,
 2 2(1   )

 2 1  2
Para um sólido ideal de Poisson tem-se que =0.25 e então a razão / vale
muitas das rochas que constituem a crosta e manto terrestres.
(2.32)
3 . Este é um valor indicativo para
A descrição das ondas S que foi feita nos parágrafos anteriores referia-se ao caso unidimensional de uma onda que
se desloca ao longo da direcção x, e para a qual o movimento das partículas se processa ao longo da direcção z.
Por esta razão se costuma chamar a este tipo de ondas S, ondas polarizadas no plano vertical, de ondas SV.
Uma equação em tudo semelhante descreve a onda transversal que se desloque também na direcção x, mas com
movimento das partículas segundo a direcção y. Estas são ondas que estão polarizadas no plano horizontal e por
isso se designam por ondas SH.
Porém, tal como no caso das ondas P, este tratamento da transmissão das ondas S foi simplificado. A passagem
de uma onda transversal envolve uma rotação dos elementos de volume no plano da frente de onda, sem contudo
alterar o volume desses elementos. Por esta razão, as ondas transversais são algumas vezes designadas por
ondas rotacionais. A rotação é dada por um vector  cujas componentes são
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x 
w v
u w
v u
 ;y 

;z 

y z
z x
x y
(2.33)
O conjunto mais completo de equações para ondas transversais que se deslocam na direcção x é
2
2
2  


t 2
x 2
(2.34)
onde  continua a representar a velocidade das ondas S tal como esta é dada pela eq. (2.30).
A tabela 2.III apresenta valores típicos para a velocidade de propagação das ondas P e S em materiais comuns e
rochas constituintes da crosta.
Tabela 2.III - Velocidades das ondas sísmicas para alguns materiais da crosta.
Material
Velocidade P (m/s)
Velocidade S (m/s)
Zona superficial aterada
300 – 700
100 – 300
Água
1450 – 1500
0
Gelo
3400 – 3800
1700 – 1900
Areia seca
400 – 1200
100 – 500
Areia saturada c/ água
1500 – 4000
400 – 1200
Marga
2000 - 3000
750 – 1500
Grés
3000 – 4500
1200 – 2800
Calcário - dolomite
3500 – 6500
2000 – 3300
Sal
4500 – 5500
2500 – 3100
Granito
4500 – 6000
2500 – 3500
Basalto
5000 - 6000
2800 - 3800
2.2.2 Ondas superficiais
Uma perturbação exercida na superfície livre de um meio propaga-se, a partir da fonte, sob a forma de ondas
sísmicas superficiais. O facto da Terra apresentar uma superfície livre e superfícies de descontinuidade no seu
interior, torna possível a geração e propagação deste tipo de ondas, que resultam do acoplamento entre as ondas
P e S. As frentes de onda destas ondas superficiais propagam-se perpendicularmente à superfície e, em geral, a
sua amplitude diminui com a profundidade. Existem no entanto certos modos de ondas superficiais que causam
movimento mesmo no núcleo interno, sendo por isso elementos essenciais para a compreensão do Interior da
Terra, da crosta ao núcleo. Existem dois tipos principais de ondas superficiais: as ondas de Rayleigh e as ondas de
Love (fig 2.13).
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Figura 2.13 - Movimento das partículas do solo devido à passagem de ondas superficiais de Rayleigh (em cima) e
de Love (em baixo).
2.2.2.1 Ondas de Rayleigh na superfície livre de um semi-espaço
As ondas de Rayleigh ocorrem devido ao efeito da superfície livre na propagação de ondas elásticas. A existência destas
ondas foi proposta por Lord Rayleigh, em 1885, ao considerar a propagação de ondas num semi-espaço homogéneo
limitado por uma superfície plana. Na superfície livre o deslocamento das partículas do solo pode ser arbitrário mas as
tensões têm de se anular (condições fronteira). A primeira observação sistemática deste tipo de ondas foi feita por R. D.
Oldham em 1900.
O movimento das partículas na frente de onda de uma onda de Rayleigh está polarizado no plano vertical e pode
ser visualizado como uma combinação de vibrações do tipo P e SV. Se o sentido de propagação se der para a
direita do observador (fig 2.13), o movimento das partículas individuais descreve uma elipse retrógada alinhada no
plano vertical. O eixo maior desta elipse está alinhado segundo a vertical e o eixo menor na direcção de
propagação da onda. Se a relação de Poisson se aplicar (i.e.   0.25 ), a teoria das ondas de Rayleigh prevê
uma velocidade (VLR) para estas ondas igual a 0.92 da velocidadde () das ondas-S. É isto que se verifica
aproximadamente na Terra.
Tal como nas ondas do mar, o deslocamento das partículas não está confinado apenas à superfície livre do meio.
Abaixo deste, as partículas são também afectadas pela passagem da onda. Num semi-espaço homogéneo, a
amplitude do movimento das partículas decresce exponencialmente com o aumento da profundidade (fig 2.14).
Para a profundidade de penetração deste tipo de ondas é usual tomar o valor para o qual a amplitude é atenuada
para um valor de e-1 do seu valor à superfície. Ondas com comprimento de onda  têm uma profundidade de
penetração característica de 0.4 .
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Figura 2.14 - Geração de ondas de Rayleigh por interacção de ondas P e SV com a superfície livre: movimento das
partículas do meio
2.2.2.2 Ondas de Love
Desde a obtenção dos primeiros registos sísmicos foi possível observar a presença de ondas com um movimento
horizontal transversal que precediam de pouco as ondas superficiais de Rayleigh mas que não podiam ser explicadas pelos
mesmos princípios. As condições fronteira que governam as componentes da tensão na superfície livre de um
espaço elástico semi-infinito não permitem a propagação de ondas SH ao longo dessa superfície. Contudo, A. Love
demonstrou (em 1911) que se existir uma camada horizontal entre a superfície livre e o semi-espaço semi-infinito,
então as ondas SH que são reflectidas pelo topo e base dessa camada com um ângulo superior ao ângulo crítico
(veremos mais tarde o que isto significa) podem interferir constructivamente para produzir uma onda superficial
com movimento de partículas na horizontal (figs 2.13 e 2.15). A velocidade (1) das ondas S na camada junto à
superfície tem que ser menor que a do semi-espaço subjacente (2), e a velocidade das ondas de Love (VLQ) está
compreendida entre os dois valores extremos: 1  VLQ   2
Figura 2.15 - Geração de ondas de Love por interferência construtiva de ondas SH numa camada guia de ondas de
baixa velocidade.
Esta camada guia de ondas poderá ser a crosta terrestre sendo, neste caso, o manto subjacente a camada inferior. As
ondas de Love, que são mais rápidas que as ondas de Rayleigh, têm uma velocidade de propagação (VLQ) próxima de
0.96 a velocidade das ondas-S (VLQ ≈ 0.96 ). São ondas evanescentes, isto é, a sua amplitude diminui com a
profundidade (propriedade das ondas superficiais).
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2.3 PROPAGAÇÃO DE ONDAS SÍSMICAS
Na interface entre duas camadas rochosas existe normalmente uma variação da velocidade de propagação das
ondas sísmicas resultante da diferença das propriedades físicas dos materiais que compõem essas duas camadas.
Nessa interface a energia da onda sísmica incidente é dividida numa fracção transmitida e noutra reflectida. As
amplitudes relativas das partes reflectida e transmitida são descritas pela equação de Zoeppritz (Telford, 1976), em
termos das velocidades e densidades das duas camadas.
2.3.1 Lei de Snell-Descartes
Quando uma onda plana encontra uma superfície de descontinuidade, isto é, uma superfície que separa dois meios
elásticos com propriedades diferentes, ela vai dar origem a ondas reflectidas e transmitidas que podem ser de dois tipos
(fig 2.16). Nesta situação aplica-se a lei de Snell-Descartes (ou apenas lei de Snell) que diz o seguinte:
i) os raios incidente, reflectidos e transmitidos estão todos no mesmo plano;
ii) os ângulos de incidência e de reflexão para o mesmo tipo de ondas são idênticos;
iii) para os ângulos de transmissão e ondas convertidas tem-se:
sin i1
1

sin i2
2

sin j1
1

sin j2
2
p
(2.35)
Nesta expressão o símbolo i é usado para os ângulos das ondas P enquanto o símbolo j é usado para os ângulos das
ondas S. O símbolo p representa o parâmetro sísmico (ou parâmetro do raio). Se a onda atravessar apenas camadas
horizontais, então a propagação é feita mantendo-se sempre o parâmetro sísmico constante.
2.3.2 Incidência crítica
Quando a onda passa de um meio com menor velocidade para um meio de maior velocidade (como no exemplo da figura
2.16) existe um ângulo de incidência para o qual o ângulo de transmissão vale exactamente 90º. Nestas condições diz-se
que a incidência é crítica. Para ângulos de incidência maiores deixa de haver raios transmitidos. A este ângulo limite
chama-se ângulo crítico. No caso de uma incidência tipo P temos um ângulo crítico para a onda refractada P dado por
sin ic 
1
2
(2.36a)
Figura 2.16 - Definição dos ângulos de incidência, reflexão e transmissão / refracção para aplicação da lei de SnellDescartes. A velocidade das ondas P e S no meio (2) é superior à velocidade das ondas no meio (1). Os raios
transmitidos (do mesmo tipo) afastam-se da normal.
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No caso de uma incidência de tipo S teremos dois ângulos críticos, um para a onda refractada P e outro para a onda
refractada S
sin jPc 
1
2
e
sin jc 
1
2
(2.36b)
Quando se tem a incidência crítica a onda refractada viaja com a velocidade do segundo meio, ao longo da
superfície de descontinuidade. No entanto a fronteira entre os dois meios fica sujeita, em cada ponto, a uma tensão
oscilatória que envia ondas secundárias de tal modo que a energia emerge na camada superior ao longo de raios
com um ângulo idêntico ao da incidência crítica, de acordo com a lei de Snell. São as chamadas ondas cónicas,
"head waves" ou simplesmente ondas refractadas criticamente (fig 2.17).
Figura 2.17 - Geração e propagação de ondas refractadas criticamente.
2.3.3 Curvas tempo-distância numa camada plana assente num substrato rígido
Por simplicidade iremos discutir os princípios da propagação de ondas numa terra plana considerando apenas um
único tipo de ondas (sem conversão) que se propaga no interior de uma camada homogénea caracterizada por
uma velocidade V1 sobre um semi-espaço de velocidade V2. Neste modelo iremos considerar 3 tipos principais de
ondas: a onda directa, a onda reflectida e a onda refractada criticamente. A propagação efectua-se sempre na
direcção positiva do eixo dos XX, sendo a distância entre a fonte e o receptor identificada pelo símbolo X. A curva
tempo-distância será então descrita por uma função T(X) que iremos deduzir para cada caso.
2.3.3.1 A onda directa
O tempo de percurso para a onda directa deduz-se facilmente a partir da figura 2.18
Figura 2.18 - A onda directa. Para um foco superficial (azul) e para um foco profundo (a vermelho).
No caso de se ter um foco superficial (F na fig. 2.18) o tempo de percurso vem dado por
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T(X ) 
X
V1
(2.37)
Esta equação representa uma recta que passa pela origem e cujo é igual ao inverso da velocidade da camada (ver
figura 2.21).
No caso do foco ser profundo (F' na fig. 2.18) então a distância total entre a fonte e o receptor obtém-se pelo
teorema de Pitágoras e o tempo de percurso vem dado por
T(X ) 
h2  X 2
V1
(2.38)
Esta equação representa uma hipérbole, com uma intersecção na origem que vale To=h/V1 e cuja assímptota é
precisamente a equação (2.37) com declive 1/V1 .
2.3.3.2 A onda reflectida
O tempo de percurso para a onda reflectida deduz-se facilmente a partir da figura 2.19 para o caso de um foco
superficial. Considerando o trajecto do raio reflectido que une os pontos FDE teremos então que a distância total
percorrida pelo raio vale
 2
  FD  D E  2 H 2  X
2
 4H 2  X 2
Figura 2.19 - Reflexão sub-crítica, super-crítica, raio refractado criticamente
O tempo de percurso da onda reflectida vem então dado pela expressão
T(X ) 
1
4H 2  X 2
V1
(2.39a)
Esta equação representa uma hipérbole, cuja intersecção na origem é igual a To=2H/V1 e cuja assímptota é a
equação (2.37), uma recta que passa na origem com declive 1/V1. A equação da hipérbole fica melhor expressa na
forma
T 2(X ) 
4H 2 X 2
 2
2
V1
V1
(2.39b)
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A representação gráfica desta função encontra-se na figura 2.21.
2.3.3.3 A onda refractada criticamente
Como vimos anteriormente, quando um raio passa de um meio com velocidade menor para outro com velocidade
maior, a lei de Snell mostra que existe uma incidência crítica para a qual o raio refractado viaja ao longo da
superfície de descontinuidade com a velocidade do meio inferior. Esta energia regressa à superfície dando origem
às ondas refractadas criticamente. O ângulo de incidência crítico foi apresentado nas equações (2.36).
Tomando em atenção o raio refractado criticamente mostrado na figura 2.20 com o trajecto FABE, podemos
escrever para os sub-trajectos as expressões
FA 
H
cos iC
e
A B  X  2H tan iC
Observando que FA  BE obtém-se, para o tempo de percurso do raio refractado criticamente, a seguinte
expressão
T(X ) 
2H
X  2 H tan iC

V1 cos iC
V2
Figura 2.20 -Trajecto dos raios refractados criticamente.
Esta expressão pode-se escrever de uma forma mais simples como
T(X ) 
X 2 H cos iC

V2
V1
(2.40a)
Ou ainda, usando a expressão (4.2) para o seno do ângulo crítico
2
2
X 2 H V2  V1
T(X )  
V2
V1 V2
(2.40b)
Esta expressão representa a equação de uma recta com declive igual ao inverso da velocidade da camada inferior,
1/V2 , e com ordenada na origem dada por
2 H V22  V12
tI 
V1 V2
(2.41)
A representação gráfica desta função encontra-se na figura 2.21.
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Devemos salientar ainda as seguintes propriedades da onda refractada criticamente. Esta onda apenas pode ser
observada para além da distância crítica, dada por
X C  2 H tan iC  2 H
V1
V  V12
2
2
(2.42)
Neste ponto os tempos de chegada da onda reflectida e da onda refractada coincidem (fig. 2.21). As reflexões que
são observadas antes da distância crítica designam-se por reflexões pré-críticas, ou sub-críticas, enquanto as
ondas reflectidas para além da distância crítica se designam por reflexões pós-críticas ou super-críticas (fig. 2.19).
Finalmente devemos constatar que para a incidência crítica a curva tempo-distância da onda cónica é
precisamente tangente à curva tempo-distância da onda reflectida.
2.3.3.4 Interpretação das odócronas
Devemos salientar nesta ocasião que o estudo efectuado para a propagação de ondas numa camada plana não
considerou outros tipos de ondas que se podem observar nesta situação. É o caso das ondas convertidas, P em S
ou S em P, e dos múltiplos que se podem gerar por reflexões sucessivas (com ou sem conversão) no topo e base
da camada.
Considerando apenas os 3 tipos de ondas estudadas anteriormente, a figura 2.21 apresenta uma síntese das
respectivas curvas tempo-distância que também se costumam designar por odócronas.
Figura 2.21 - Odócronas das principais ondas que se podem propagar no interior de uma camada assente sobre um
semi-espaço com velocidade superior.
Vamos agora ver como é que a interpretação das odócronas nos pode ajudar a inferir as propriedades das
camadas nas quais se propagam estas ondas.
Quando se observa um sismograma, as ondas mais fáceis de identificar são, em geral, as primeiras chegadas. No
modelo de uma camada, a primeira chegada será a onda directa até uma certa distância, a distância de "crossover" ou intersecção, e depois será a onda refractada criticamente. Os declives das respectivas odócronas
permitem-nos determinar a velocidade de propagação na camada e no semi-espaço, V1 e V2. Sabendo as
velocidades, pela expressão (2.36a) podemos determinar o ângulo de incidência crítica. A distância de "cross-over",
ou de intersecção, obtém-se igualando as equações para a onda directa e a onda refractada criticamente,
X CR  2 H
V2  V1
V2  V1
(2.43)
Pag 40
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Esta expressão pode ser usada directamente para determinar a espessura da camada, conhecidas as duas
velocidades de propagação:
H
X CR V2  V1
2 V2  V1
(2.44)
Se prolongarmos a odócrona da onda refractada criticamente até ao eixo dos tempos, obtemos um tempo de atraso
(tI) cujo valor também pode ser usado para determinar a espessura da camada, conhecidas as duas velocidades de
propagação:
H
t I V1 V2  V1 
2 V22  V12
(2.45)
As ondas reflectidas, sendo ondas secundárias, nem sempre são fáceis de identificar. No entanto em prospecção
sísmica de reflexão são usadas técnicas sofisticadas de processamento que permitem realçar as ondas reflectidas
em detrimento de todas as outras. Quando for possível observar de forma clara uma onda reflectida então é
possível usar a sua odócrona para determinar as propriedades da camada onde se propaga. Se recordarmos a
equação (2.39b) que exprime a odócrona de uma onda reflectida, salientando a sua forma como uma hipérbole
T 2(X ) 
4H 2 X 2
 2
2
V1
V1
(2.46)
podemos ver que numa representação gráfica de T2 em função de X2 obtemos a equação de uma recta cujo declive
vale
1 2 e cuja ordenada na origem vale 4 H 2 2 . Estas expressões permitem calcular a velocidade de
V1
V1
propagação no interior da camada e a sua espessura.
As expressões usadas neste parágrafo apenas se aplicam a situações em que o foco sísmico se encontra à superfície.
Para um foco à profundidade h as odócronas das ondas reflectida e refractada criticamente são dadas, respectivamente,
pelas expressões
TR ( X ) 
TRC ( X ) 
2H  h2  X 2
V1
2
2
X 2 H  h  V2  V1

V2
V1 V2
(2.47)
(2.48)
2.3.4 Meio verticalmente heterogéneo
No caso de se ter uma sucessão de camadas planas horizontais é possível obter uma expressão algébrica para a
odócrona da onda refractada criticamente no topo da camada n de velocidade Vn
Tn ( X ) 
2
2
X n 1 2 H i Vn  Vi

Vn i 1
Vn Vi
(2.49)
Estas equações iriam permitir, em princípio, determinar as propriedades das sucessivas camadas, velocidade e espessura.
No entanto devemos estar alerta para as diversas situações em que as primeiras chegadas não permitem "ver" uma
camada que tenha uma velocidade inferior à da camada que está acima; é o problema da camada escondida.
2.3.5 Partição de energia numa descontinuidade
De acordo com a lei de Snell, sabemos que qualquer onda (P ou S) incidente numa superfície de separação de 2 meios,
pode dar origem a ondas reflectidas e transmitidas (ou refractadas) P e S. O modo como é feita a partição de energia, isto
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é, como se distribui a energia da onda incidente pela diferentes ondas reflectidas e transmitidas, vai depender do ângulo de
incidência e das propriedades físicas dos dois meios, e é expresso em função de coeficientes de reflexão e de transmissão.
Estes coeficientes podem ser simplesmente definidos como a razão entre a amplitude da onda considerada (reflectida ou
transmitida) e a amplitude da onda incidente. Contudo, para os deduzir, teremos de considerar a propagação de ondas
planas, cuja formulação matemática está fora do âmbito deste curso.
Vamos apenas considerar o caso simples de uma incidência vertical (i = 0o). Neste caso, o coeficiente de reflexão, RC,
definido como a razão entre a amplitude do raio reflectido e a amplitude do raio incidente, vem dado por:
RC =
Ar =  2 V 2 -  1 V 1
Ai  2 V 2 +  1 V 1
(2.50)
onde i é a densidade do meio i. Isto indica que o coeficiente de reflexão depende do contraste de impedância acústica ( 
iVi). Se  1 V 1 >  2 V 2 , vem RC < 0, o que quer dizer que a onda reflectida apresenta uma variação de fase de 180o,
ou seja, uma fase compressiva é reflectida como uma fase dilatacional e vice-versa. De um modo geral,
 2 V 2 >  1 V 1 , pelo que a maior parte das reflexões é positiva e não produz variação de fase.
Contudo, quando a incidência não é vertical, a partição de energia varia também com o ângulo de incidência. Na figura
2.22 apresentam-se alguns exemplos de partição de energia e de coeficientes de reflexão, para diferentes casos com
propriedades físicas distintas.
Figura 2.22 - (a) Partição da energia no
caso de uma onda P incidente numa
interface de separação de dois meios:
RPP reflexão P, TPP transmissão P, RPS
reflexão S e TPS transmitida S. As
propriedades elásticas estão indicadas no
esquema. (b) Coeficientes de reflexão e
transmissão para as amplitudes, na
mesma situação de (a)
É possível simular vários casos nesta
página:
http://www.crewes.org/ResearchLinks/Ex
plorerPrograms/ZE/ZEcrewes2_2.html
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2.4 ONDAS SÍSMICAS E A ESTRUTURA DO INTERIOR DA TERRA
2.4.1 Variação das propriedades elásticas e descontinuidades principais
No Globo são registados, por ano, cerca de 18 sismos fortes (de magnitude superior a 7) e várias centenas de
sismos médios (de magnitude superior a 5). Acrescentando a estes sismos as milhares de perturbações que
ocorrem associadas a ajustamentos menores em todos os níveis obtêm-se, na totalidade, mais de um milhão de
sismos suficientemente fortes para serem registados na rede de estações sismográficas espalhadas pela Terra. É o
estudo dos diferentes tipos de onda que se propagam no seu interior que conduz ao conhecimento da estrutura da
Terra.
No princípio do século XX, os primeiros sismologistas debruçaram-se sobre as diferentes fases sísmicas presentes nos
diversos sismogramas. O facto do tempo de percurso, entre o foco de um sismo e uma estação, depender apenas da
distância hipocentro-estação, e não da posição geográfica dos dois pontos, mostra que a Terra apresenta simetria esférica
nas suas propriedades elásticas. A medida do tempo de percurso em função da distância permite deduzir a velocidade em
função da profundidade. A análise de diversos sismogramas, resultantes de diferentes pares sismo-estação, permitiu a
identificação de várias descontinuidades no interior da Terra, separando zonas com características diferenciadas.
Em 1906 Oldham propôs a existência de um núcleo no interior da Terra, devido ao estudo das velocidades de propagação
das ondas P e S. Em 1909 Mohorovicic propôs a existência de uma descontinuidade, a cerca de 50 km de profundidade,
onde as propriedades físicas da Terra sofriam uma variação brusca que se reflectia num aumento das velocidades de
propagação das ondas sísmicas (corresponde à fronteira entre a crosta e o manto). Em 1936, Inge Lehmann, descobriu a
existência do núcleo interno da Terra. Pela observação contínua, ao longo de muitos anos, das fases que atravessavam o
núcleo, Lehmann classificou-as em três tipos: P'1(3), P'2(2a) e P'3(5). Explicou as duas primeiras fases como raios
deflectidos, na fronteira manto - núcleo, e focados para os antípodas. Para a interpretação de P'3 ela rejeitou, depois de
muito reflectir, a hipótese de difracção e interpretou esta fase como uma reflexão a partir de uma outra descontinuidade no
interior do núcleo. Estas ondas, reflectidas pelo núcleo interno, emergem a distâncias compreendidas entre os 105o e 142o.
Após a descoberta do núcleo interno, o modelo simplificado do interior da Terra ficou bem definido e, desde 1970, que se
assume uma estrutura composta por três grandes zonas bem diferenciadas (fig. 2.23):

A Crosta (ou crusta). É a camada exterior da Terra, heterogénea, constituída por rochas com
diferentes propriedades e cuja espessura varia entre 25 a 60 km sob os continentes (a média é de 40
km) e 5 a 10 km sob os oceanos (a média é de 7 km). A velocidade de propagação da onda P no
interior da crusta é bastante variável (dependente da constituição geológica das formações
atravessadas), mas pode dizer-se que vai desde 4,0 km/s (junto à superfície) até 6,5-7,0 km/s (na sua
base).

O Manto. Está separado da crosta pela descontinuidade de Mohorovicic (muitas vezes designada
apenas por Moho) e vai até uma profundidade de 2900 km. A velocidade das ondas P aumenta
desde 8,1 km/s, imediatamente abaixo da Moho, até cerca de 13,6 km/s na proximidade da fronteira
com o núcleo.

O Núcleo. Está separado do manto pela descontinuidade de Gutenberg e tem um raio
correspondente a cerca de 55% do raio da Terra. É constituído por ferro e níquel e divide-se em
núcleo externo e núcleo interno. O núcleo externo vai desde 2900 km até 5140 km de profundidade
e comporta-se como um líquido não sendo por isso possível a propagação de ondas transversais. A
velocidade da onda P varia desde 8,1 km/s até cerca de 10,0 km/s. O núcleo externo está separado
do núcleo interno pela descontinuidade de Lehmann. O núcleo interno é sólido e a velocidade da
onda P atinge 11,5 km/s no centro da Terra.
A variação das velocidades de propagação das ondas sísmicas no interior da Terra, assim como de outras variáveis físicas
(densidade, aceleração da gravidade, pressão e propriedades elásticas), em função da profundidade, estão representadas
esquematicamente na figura 2.24 para o modelo PREM (Preliminary Reference Earth Model).
Para além desta diferenciação do interior da Terra segundo a sua composição química e estado físico, a figura 2.23 mostra
ainda uma outra divisão para as camadas mais externas da Terra baseada nas suas propriedades reológicas: litosfera e
astenosfera (abaixo dos ~350 km temos a mesosfera).
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Figura 2.23 - Representação esquemática das principais camadas e fronteiras constituintes do interior da Terra.
Figura 2.24 - Variação da velocidade de propagação das ondas sísmicas, da densidade, aceleração da gravidade,
pressão e algumas propriedades elásticas no interior da Terra de acordo com o modelo PREM.
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2.4.2 Classificação das ondas de acordo com o seu percurso no interior da Terra
2.4.2.1 Ondas no manto, núcleo externo e núcleo interno
Uma onda sísmica ao propagar-se no interior da Terra pode encontrar diversas superfícies de descontinuidade
correspondentes às superfícies de separação das diferentes zonas constituintes da Terra apresentadas anteriormente. Ao
encontrar uma superfície de descontinuidade as ondas sísmicas vão-se reflectir e refractar segundo a lei de SnellDescartes, podendo também alterar o seu tipo, convertendo-se de P para S ou de S para P.
Consoante o percurso efectuado, as ondas designam-se por diferentes símbolos, de modo a se poderem identificar.
Deixando as fases que se propagam no interior da crosta para o parágrafo seguinte, vamos ver como se designam as
ondas que atravessam o manto e o núcleo.
Na figura 2.25 estão exemplificadas algumas das fases que se propagam no interior do manto e núcleo a partir de um foco
superficial. Temos, em primeiro lugar, as ondas directas que se propagam no manto, P e S. Estas ondas podem sofrer
reflexões à superfície da Terra e continuar a viajar dentro do manto, mantendo o mesmo tipo, ou converter-se noutro tipo
de onda. Assim uma onda P pode dar origem, por reflexão, a uma onda PP ou PS. Do mesmo modo, para uma onda que
parta do foco com características S, pode dar origem a uma onda SP ou SS após reflexão na superfície da Terra. Se as
ondas sofrerem reflexões múltiplas, acrescentam-se tantos P ou S conforme a sua natureza e o número de percursos que
compõem o seu trajecto. Assim poderemos obter, por exemplo, as seguintes fases: PPP - onda com características
longitudinais, que sofreu 2 reflexões na superfície da Terra; SPS - onda S que sofreu uma primeira reflexão na superfície
da Terra, convertendo-se numa onda longitudinal e, ao sofrer uma segunda reflexão na superfície da Terra, voltou a
converter-se numa onda transversal.
Para o núcleo devemos considerar quer as fases que se propagam no seu interior quer aquelas que são reflectidas nas
suas fronteiras, tendo em conta que se tem um núcleo externo e um núcleo interno. A nomenclatura utilizada é a seguinte:
c - reflexão na superfície do núcleo externo.
K - propagação no interior do núcleo externo (recorde-se que no interior do núcleo externo não há propagação de ondas
tipo S, pelo que esta propagação terá de ser sempre tipo P)
i - reflexão na superfície do núcleo interno.
I - propagação de uma onda longitudinal no interior do núcleo interno.
J - propagação de uma onda transversal no interior do núcleo interno.
Assim, podem observar-se, por exemplo, as fases seguintes:
PcP - onda P que se reflectiu na superfície do núcleo externo e continuou a sua propagação com características P.
PKS - onda P que penetrou no interior do núcleo externo e, ao sair, converteu as suas características de propagação
(passou de P para S)
ScS - onda S que se reflectiu na superfície do núcleo externo e continuou a sua propagação com características S.
SKKS - onda S que incidiu na superfície que separa o manto do núcleo, propagou-se no núcleo externo (com
características tipo P), sofreu uma reflexão na sua superfície e, emergiu com características S.
PKIKP - onda P que atravessou o núcleo externo, entrou no núcleo interno com características P e, após sair do núcleo
externo, continuou a sua propagação com as mesmas características.
SKiKP - onda S que ao incidir na superfície de separação manto-núcleo converteu as suas características, propagou-se no
interior do núcleo externo (com características P), sofreu uma reflexão na superfície do núcleo interno e, continuou o seu
percurso emergindo depois com características P.
Podem ocorrer percursos ainda mais complicados como, por exemplo, a fase PKPScP; contudo, a nomenclatura utilizada
é sempre idêntica, acrescentando-se “letras” de acordo com o percurso efectuado pela onda sísmica.
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Figura 2.25 - Exemplos da notação usada para identificar as várias fases que atravessam o manto e núcleo.
No caso de se ter um foco profundo, a primeira reflexão das ondas sísmicas na superfície da Terra pode ser feita no ponto
imediatamente à superfície, isto é, por cima do foco (junto ao epicentro). Isto corresponde a uma incidência praticamente
vertical e vai dar origem a fases impulsivas, que se observam bem num sismograma, e que se designam por pP, pS, sS
ou sP, de acordo com as características de propagação (ver figura 2.26). Se estas ondas sofrerem uma segunda reflexão
vai obter-se uma nova fase que se designará, por exemplo, por pPS, sPS, etc. Estas fases são as fases características
de sismos profundos e, o seu aparecimento num sismograma é um indicador precioso na determinação da profundidade
do foco. A partir da diferença entre os tempos de percurso da onda P e da onda pP, por exemplo, é possível estimar a
profundidade do foco.
Figura 2.26 - Exemplo de fases que podem ocorrer em sismos de foco profundo.
Vê-se assim que pode existir uma grande variedade de fases sísmicas propagando-se no interior do Globo. No Anexo A
(ou na figura do problema proposto nº 7) apresentam-se as curvas tempo-distância para as principais fases possíveis de
serem registadas a partir de um sismo de foco superficial. Isto não quer dizer, contudo, que todas estas fases possam ser
simultaneamente observáveis no mesmo sismograma (além da distância epicentral, são também condicionantes das fases
observáveis, as características de propagação do meio entre a fonte e a estação sísmica de registo).
2.4.2.2 Ondas na crosta e manto superior
Quando se estudam sismos afastados, as grandes divisões da Terra em crosta, manto, núcleo externo e núcleo interno,
são suficientes para se interpretarem as diferentes fases sísmicas observadas numa estação sísmica. Contudo, para os
sismos próximos, torna-se necessário conhecer em pormenor a estrutura da crosta terrestre.
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A investigação da propagação das ondas sísmicas mostrou que em domínio continental esta é formada em geral por duas
camadas separadas por uma descontinuidade, a descontinuidade de Conrad. Estas duas camadas foram designadas
originalmente por "granítica" (a mais superficial) e "basáltica" (a mais profunda) embora se saiba hoje que esta designação
não tem correspondência com a verdadeira composição petrológica das camadas. As fases que se podem observar numa
estação próxima do epicentro são consequência do percurso efectuado pelas diferentes ondas, sendo atribuída uma
nomenclatura própria a cada tipo de onda de acordo com as camadas atravessadas. Na figura 4.18 apresenta-se um
esquema de modelo de crosta continental, indicando a nomenclatura associada aos diferentes tipos de onda. Supondo o
foco superficial localizado na camada "granítica" (crosta superior), as ondas directas, que se propagam através dessa
camada designam-se por Pg e Sg. As ondas que se refractam criticamente na base da crosta superior, viajando com a
velocidade da crosta inferior ("basáltica") ao longo da superfície de separação das duas camadas, designam-se por P* e S*.
As ondas que se refractam criticamente na base da crosta inferior e viajam por isso no manto superior junto à superfície de
descontinuidade de Mohorovicic, designam-se por Pn e Sn.
Em termos médios pode referir-se que a onda P apresenta uma velocidade próxima de 4,0 km/s à superfície, variando
entre 6,0 km/s e 6,5 km/s na crosta superior e entre 6,5 km/s e 7,0 km/s na crosta inferior.
A crosta oceânica é bastante menos espessa que a crosta continental, com cerca de 5 a 10 km de espessura e uma média
de 7 km. Os estudos sísmicos têm mostrado que, ao contrário da crosta continental, a crosta oceânica é bastante mais
homogénea reconhecendo-se de uma forma geral 3 camadas: a camada 1 coincide com a camada sedimentar, de
espessura e velocidade variável consoante a zona em estudo; a camada 2 possui uma espessura típica entre 1,5 e 2,0 km
e uma velocidade das ondas P, entre 4,5 e 5,6 km/s; e a camada 3 tem uma espessura entre 4,5 e 5,0 km e VP variando
entre 6,5 e 7,0 km/s. A base da camada 3 define a posição da Moho abaixo da qual se situa o manto superior, com
velocidades iguais ou superiores a 8,0 km/s. Aceita-se que a camada 2 é composta por rochas com características de
vulcanismo extrusivo e/ou intrusivo (basaltos), enquanto a camada 3 é considerada a camada “oceânica” de composição
plutónica (gabros).
Figura 2.27 - Trajectos e notação das fases que se propagam na crosta continental.
2.5 O SISMÓMETRO
Pode-se dizer que a ciência da sismologia nasce com a invenção do aparelho que permite converter os
movimentos de vibração do solo, mesmo aqueles que são demasiado fracos para os sentirmos, para um registo
visível. Esse instrumento, chamado sismógrafo, consiste num sensor que detecta e amplifica os movimentos do
solo que, por sua vez, se chama sismómetro, e num registador que produz um registo visivel do movimento,
chamado sismograma.
2.5.1 Princípio de funcionamento do sismómetro
Os sismómetros são desenhados para reagir ao movimento do solo numa dada direcção. Dependendo do desenho
assim eles podem responder a movimentos verticais ou horizontais. A maioria das concepções assenta em
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variações da aplicação de pêndulos simples.
2.5.1.1 Sismómetro de movimento vertical
O esquema típico utilizado nos sismómetros mecânicos de movimento vertical está representado na figura 2.28a.
Os sismómetros electromagnéticos (fig 2.28b) respondem ao movimento relativo entre um íman, que está solidário
com o solo, e uma bobine de fio conductor enrolada em torno de uma massa inercial suspensa por uma pequena
mola. Qualquer movimento da bobine no interior do campo magnético induz uma voltagem na bobine proporcional
à taxa de variação do fluxo magnético. Durante a passagem da onda sísmica, a vibração do solo relativamente à
bobine é transformada num sinal eléctrico que posteriormente é amplificado e registado.
(a)
mola
não se
move
pivô
massa
pesada
(b)
mola
massa
inercial
tambor
rotativo
tambor de
movimento
vertical
movimento
vertical da base
bobine
iman
fixo à
base
solo
Figura 2.28 - Diagramas esquemáticos que mostram o princípio do funcionamento do sismómetro vertical: (a) modelo mecânico;
(b) modelo electromagnético.
2.5.1.2 Sismómetro de movimento horizontal
Figura 2.29 Diagrama esquemático do sismómetro mecânico horizontal.
O princípio de funcionamento do sismómetro mecânico de movimento horizontal é idêntico ao do movimento
vertical. Tal como nesse caso, a massa inercial é montada numa barra horizontal, mas o seu fulcro está quase na
vertical, de tal modo que a massa está confinada a mover-se apenas num plano quase horizontal (fig 2.29). O
comportamento deste sistema é semelhante ao de uma porta cujas dobradiças estejam ligeiramente desalinhadas
da vertical, a “inclinar-se para a frente”. A posição de equilíbrio para uma porta nestas condições encontra-se onde
o centro de massa estiver, no ponto mais baixo. Para qualquer movimento da porta, a força gravitacional tenta
fazê-la voltar à posição de equilíbrio. O mesmo sucede com a massa inercial destes sismómetros.
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2.5.2 O sismograma
O sismograma representa a conversão do sinal do sismómetro para um registo temporal do evento sísmico. Nos
primeiros tempos da sismologia moderna, o modo mais comum de obter directamente um registo visível usava um
tambor que rodava a velocidade constante de modo a providenciar uma escala temporal no registo (ver figuras dos
sismómetros mecânicos). A invenção dos simómetros electromagnéticos permitiu a conversão do sinal sísmico em
sinal eléctrico que era então registado. Durante muitos anos usaram-se galvanómetros para converter o sinal
eléctrico de volta a uma forma mecânica que era posteriormente visualizada. Os sismómetros modernos porém,
convertem o sinal eléctrico para uma forma digital, através de circuitos electrónicos de conversão analógico-digital,
que são depois registados em suporte magnético. Para além dos registos digitais terem maior fidelidade que os
analógicos, eles apresentam como principal vantagem o facto de já estarem “prontos” para o processamento
numérico por computador.
2.5.2.1 Fases num sismograma
Deslocamento (x 105)
Deslocamento (x 105)
O sismograma de um sismo distante contém chegadas de numerosas ondas sísmicas que viajaram por vários
percursos diferentes através da Terra desde a fonte até ao receptor. Devido a este facto o aspecto do sismograma
costuma ser bastante complexo e a sua interpretação requer uma considerável experiência. São visíveis algumas
ondas que sofreram reflexões e refracções múltiplas e que se apresentaram no parágrafo anterior. Cada onda, cuja
chegada é registada no sismograma, designa-se por “fase”.
4
Componente
Horizontal
S ScS
2
0
-2
sS
SS
-4
LQ
4
2
Componente
Vertical
P
0
-2 pP
LR
-4
400
800
1200
Tempo (s)
1600
2000
Figura 2.30 Sismograma de banda larga de um sismo no Perú
(in Lowrie, 1997).
Como já vimos, as ondas P são aquelas que se
deslocam mais rapidamente e por isso são as
primeiras a chegar. Assim, a primeira fase de um
sismograma corresponde à chegada deste tipo
de ondas. Em seguida chegam as ondas S, que
habitualmente têm uma amplitude superior à das
ondas P. De seguida chegam as perturbações
associadas com as ondas superficiais (ondas
com comprimento de onda muito superior que,
por este motivo, se conhecem também por
“ondas longas”), e que se caracterizam por
possuírem uma amplitude e um período mais
elevados que os das ondas volúmicas. De entre
as ondas superficiais, as ondas de Love
deslocam-se com quase a mesma velocidade das
ondas S à superfície ( VLQ   ) e por isso
chegam mais rapidamente que as ondas de
Rayleigh ( VLR  0.92 ).
As fases detectadas nos sismogramas dependem do tipo de sensor utilizado e da orientação relativa deste em
relação à direcção de chegada das ondas sísmicas. Por exemplo, um sismómetro de componente vertical pode
detectar ondas P, SV e Rayleigh mas não as ondas SH e de Love, enquanto num sismómetro horizontal se podem
detectar as fases P, SH, Rayleigh e Love. Os dois sismogramas representados na figura 2.30 ilustram bem o que
acabámos de referir. Note-se que no sismograma da componente horizontal é praticamente impossível distinguir a
chegada das ondas-P. Tal facto deve-se a que a estação estava orientada quase perpendicularmente à direcção de
propagação do raio sísmico.
2.6 SISMICIDADE
2.6.1 Origem dos sismos - Teoria do ressalto elástico
Nos últimos 2 mil anos as principais opiniões quanto à origem dos terramotos dividiam-se em duas correntes: as
teorias neptunistas e as teorias vulcanistas. As primeiras atribuíam os terramotos ao colapso de cavernas
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subterrâneas escavadas por um oceano primordial, enquanto para as segundas seria o fogo interior da Terra a
desempenhar um papel central. Por exemplo, Aristóteles desenvolveu uma elaborada versão do modelo vulcanista,
defendendo que vapores subterrâneos eram postos a circular pela acção combinada do fogo interior e da radiação
solar. Ocasionalmente os "ventos" assim produzidos escapavam-se para o exterior da Terra, dando origem aos
tremores de terra.
O grande terramoto de Lisboa a 1 de Novembro de 1755, pelo enorme impacto que teve na cultura europeia, lançou uma
nova fase de interrogações sobre a origem dos sismos, sendo um dos exemplos o ensaio publicado por Emanuel Kant e
1756. Apesar de uma perspicaz crítica da teoria aristotélica, não se vislumbra nestes ensaios qualquer indicação da actual
explicação para a ocorrência de sismos. Apenas em 1760 o físico inglês Jonh Mitchell, também inspirado nos relatos da
época do terramoto de Lisboa, deu um passo decisivo ao recorrer pela primeira vez à propagação de ondas para justificar
os efeitos dos tremores de terra à distância (ibid.).
Contudo, só após o desenvolvimento da teoria da elasticidade na primeira metade do século XIX foi possível realizar a
interpretação do fenómeno sísmico baseando-se nas leis da Física. Em 1848 Robert Mallet publicou um tratado pioneiro
onde se apresentam as ondas elásticas como propagadoras da energia libertada por um sismo. Estava criado o paradigma
que deu origem à Sismologia Moderna (ibid.). Faltava no entanto uma peça fundamental: como é que eram geradas essas
ondas sísmicas? Foi preciso esperar pelo início do século XX para se obter uma resposta satisfatória a esta pergunta, que
ainda é aceite nos dias de hoje.
As investigações realizadas pelo sismólogo Harry Fielding Reid e seus colegas, na sequência do grande sismo que
destruiu S. Francisco em 1906, vieram confirmar as sugestões feitas anteriormente de que os sismos são gerados pela
movimentação brusca em falhas tectónicas. Foi na altura proposta uma teoria, o modelo do ressalto elástico de Reid,
que consiste no seguinte processo, ilustrado nas figuras 2.31 e 2.32.
Figura 2.31 - O modelo do ressalto elástico proposto por Reid e ainda hoje aceite para explicar a origem dos
sismos tectónicos.
No estado inicial temos uma falha tectónica (no exemplo é uma falha vertical, semelhante à falha de San André, na
Califórnia) que separa dois blocos rochosos A e B. As forças tectónicas forçam os blocos A e B a deslizarem um pelo outro
mas a falha encontra-se bloqueada (fig. 2.31a). Com evoluir do tempo (ciclo sísmico), os blocos A e B movem-se em zonas
afastadas da falha, mas esta mantem-se bloqueada. Temos uma acumulação de tensões e energia elástica neste
processo (fig. 2.31b). Finalmente, este processo atinge o seu limite e a zona de contacto não suporta mais o acumular de
tensões; dá-se a rotura brusca na falha sísmica. O ponto onde se inicia a rotura é o foco e a sua projecção à superfície é o
epicentro (fig. 2.31c). Atinge-se um novo equilíbrio que voltará a ser perturbado pelo acumular de tensões, dando-se início
a um novo ciclo sísmico.
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Na figura 2.32 apresentamos de forma simplificada a geração de ondas sísmicas pela rotura brusca numa falha
tectónica inversa. São apresentadas em sequência vários momentos do ciclo sísmico: de (1) a (4), acumulação de
tensões e energia elástica segundo o modelo do ressalto elástico de Reid; em (5) dá-se o início da rotura sísmica;
de (6) a (12) observamos a propagação da rotura ao longo da falha com a consequente progressiva emissão de
ondas sísmicas.
Figura 2.32 - Geração de sismos e propagação de ondas pelo modelo do ressalto elástico proposto por Reid.
Os esquemas das figuras 2.31 e 2.32 ilustram vários conceitos importantes da rotura sísmica, frequentemente
ignorados na literatura de divulgação:
1) Uma falha sísmica tem dimensões. Ela deve ter limites e a rotura deve parar em algum local (não representado
nas figuras). Um sismo não é um ponto.
2) A rotura sísmica não é instantânea. A rotura propaga-se habitualmente com uma velocidade um pouco inferior à
velocidade das ondas S no meio. Os grandes sismos, como o de Samatra a 26 de Dezembro de 2004, podem ter
uma rotura sísmica que demora mais de 10 minutos.
3) A energia sísmica liberta-se sob a forma de ondas elásticas ao longo de todo o plano de falha e não apenas a
partir do foco ou hipocentro do sismo.
4) A falha é heterogénea e a energia sísmica liberta-se de forma irregular ao longo dela.
2.6.2 Localização dos sismos
A distância epicentral é a distância entre uma estação sísmica e o epicentro do sismo e pode ser expressa tanto
em quilómetros km ao longo da superfície da Terra como pelo ângulo subentendido no centro da Terra. Os tempos
de percurso das ondas S e P desde o local do sismo até uma estação dependem da distância epicentral.
Existem nomogramas médios para conversão das diferenças S-P em distâncias epicentrais, se bem que os meios
de cálculo actualmente disponíveis permitem a utilização de modelos de velocidade adaptados a cada região. Um
nomograma deste tipo está representado na figura a baixo. Um exemplo poderia ser o seguinte:
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Estação Sismográfica
Tempo de
chegada P
Tempo de
chegada S
t S P
500
400
Lisboa
06:32:20.0
06:32:41.9
21.9
Manteigas
06:32:44.7
06:33:25.0
40.3
Faro
06:32:03.0
06:32:11.5
8.5
300
200
100
A conversão daria origem aos resultados seguintes:
50
40
Estação
t S P
Distância
Lisboa
21.9 s
190 km
Manteigas
40.3 s
380 km
Faro
8.5 s
75 km
20
5
Basta, então, traçar com o auxílio de um compasso três arcos de circunferência centrados nas estações
sismográficas e, a sua intersecção indicará de imediato o epicentro aproximado do sismo.
Geralmente os circulos não se intersectam exactamente num ponto. Isto resulta em parte de erros observacionais,
mas também porque o conhecimento teórico das curvas dos tempos de percurso das ondas S e P é imperfeito. No
entanto, a principal razão resulta do facto de as ondas sísmicas provirem do foco (hipocentro) e não do epicentro. A
profundidade focal do sismo, que pode ir até poucas centenas de quilómetros, tem que ser levada em
consideração.
2.6.3 Sismicidade global
Os epicentros de cerca de 30 000 sismos são divulgados anualmente por agências internacionais e algumas
universidades. A distribuição geográfica da sismicidade global (fig 2.33) ilustra de um modo inequívoco onde se
encontram as regiões tectonicamente activas da Terra. Os mapas da sismicidade constituem uma evidência
extremamente importante no suporte à teoria tectónica das placas.
Os epicentros dos sismos não se distribuem uniformemente sobre a superfície da Terra, mas aglomeram-se de um
modo predominante ao longo de zonas estreitas de actividade sísmica interplacas. O chamado arco circumPacífico, que é responsável pela libertação de cerca de 75–80 % da energia sísmica anual, forma uma cintura que
abarca as cadeias de montanhas da costa Oeste das américas e os arcos insulares ao longo das costas da Ásia e
da Austrália. A zona mediterrânica–transasiática é responsável pela libertação de cerca de 15–20 % da energia
sísmica anual. Esta zona começa na junção tripla dos Açores, continua pela zona de fractura Açores–Gibraltar (fig
2.34), pelo norte de África, encurva através da península da Itália, passa pelos Alpes, Grécia, Turquia, Irão,
Himalaias e termina finalmente nos arcos insulares do sudoeste da Ásia. O sistema das cristas oceânicas forma a
terceira zona de maior sismicidade, com 3–7 % da energia sísmica anual. Para além da sismicidade, cada uma
destas zonas é também caracterizada pela existência de vulcanismo activo.
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Figura 2.33 - Distribuição geográfica da sismicidade com magnitude superior a 5 para o período 1980-1999, que
identifica as zonas tectonicamente activas.
A restante parte da Terra é considerada como sendo assísmica. Contudo, nenhuma região se pode considerar
completamente livre da possibilidade da ocorrência de sismos. Cerca de 1 % da sismicidade global é devida a
sismicidade intraplacas, a qual ocorre em regiões remotas das principais zonas activas. Mas não se pense que
estes sismos são necessariamente insignificantes: sismos muito grandes e devastadores ocorreram no interior dos
Estados Unidos e da China.
Os sismos podem também ser classificados de acordo com a sua profundidade focal. Tremores com profundidades
focais inferiores a 70 km ocorrem em todas as zonas sismicamente activas, mas no sistema de cristas oceânicas
os focos têm profundidades inferiores a 10 – 15 km. A maior parte da energia anual, cerca de 85 %, é libertada
pelos sismos pouco profundos. A parte restante é libertada por sismos de profundidade focal intermédia, entre 70 e
300 km (cerca de 12 %) e por sismos com hipocentros superiores a 300 km (cerca de 3 %). Estes últimos
acontecem apenas no arco circum-Pacífico e na zona mediterrânica– transasiática e acompanham o processo de
subducção.
2.6.4. “Tamanho” dos tremores de terra
Existem dois parâmetros que permitem descrever a dimensão de um tremor de terra: a intensidade que é um
parâmetro qualitativo e cuja estimativa é baseada na análise dos efeitos do movimento do solo numa dada
localização; e a magnitude que é uma grandeza quantitativa, determinada instrumentalmente, e que está
relacionada com a quantidade de energia que é libertada pelo sismo. Sem grande razão de ser, é normalmente a
magnitude que é referida nas coberturas noticiosas dos grandes sismos, enquanto a intensidade, por ser um
parâmetro mais apropriado para descrever os efeitos nas construções edificadas, não é normalmente referida. Ou
então pior, é usado o termo intensidade quando na verdade se está a fazer referência à magnitude.
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Figura 2.34 - Sismicidade na zona da Península Ibérica até 1992. Note-se, porém, que a representação não está
feita proporcionalmente à magnitude de cada sismo, o que pode induzir uma ideia sobrestimada da sismicidade.
2.6.4.1 Intensidade
A intensidade de um sismo é baseada nos efeitos que ele provoca na superfície da Terra tal como eles são
testemunhados pelas pessoas. É por isso um parâmetro algo subjectivo que depende da precisão da observação
ou, mais concretamente, da do observador. Para uma dada localização, a intensidade é referida em numeração
romana de acordo com uma escala de intensidades. Na Tabela 2.IV estão descritos os critérios mais relevantes da
escala de Mercalli modificada.
Existem três factores que contribuem para definir a intensidade de um dado local: a magnitude do sismo, a
proximidade do foco e o grau de agregação do solo. A influência dos dois primeiros factores é evidente, mas a do
terceiro é igualmente importante. Por exemplo, solos arenosos pouco consolidados tendem a amplificar os
movimentos do solo, aumentando assim o grau de destruição. A situação pode ainda ser mais séria se os
sedimentos tiverem um elevado conteúdo em água, caso em que pode ocorrer a liquefacção do solo.
Logo após a ocorrência de um sismo sentido são distribuídos inquéritos às populações afectadas (claro que só para
aqueles que “vale a pena”) onde são pedidas informações que são depois utilizadas para determinar a intensidade
em cada local. Estas intensidades são depois representadas sob a forma de mapas onde são desenhadas isolinhas
de intensidade (chamadas isossistas) da mesma forma que as linhas de nível são usadas para fazer mapas
topográficos.
Actualmente utiliza-se a Escala Macrossísmica Europeia (EMS98) para avaliar o grau de intensidade a atribuir em
cada local. Contudo, a intensidade atribuída à maior parte dos sismos históricos e aos sismos que ocorreram
durante o século XX foi efectuada na Escala de Mercalli Modificada (MMI). As diferenças entre estas duas escalas
raramente ultrapassam 0,5 grau que, por sua vez, está dentro da ordem de grandeza da própria avaliação da
intensidade.
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Tabela 2. IV - Definição dos Graus de Intensidade sísmica na Escala de Mercalli Modificada
I
II
III
IV
V
VI
VII
VIII
IX
X
XI
XII
Imperceptível: Não sentido. Efeitos marginais e de longo período no caso de grandes sismos.
Muito Fraco: Sentido pelas pessoas em repouso nos andares elevados dos edifícios, ou favoravelmente
colocadas.
Fraco: Sentido dentro de casa. Os objectos pendentes baloiçam. A vibração é semelhante à provocada
pela passagem de veículos pesados. É possível estimar a duração mas não pode ser reconhecido com
um sismo.
Moderado: Os objectos suspensos baloiçam. A vibração é semelhante à provocada pela passagem de
veículos pesados ou à sensação de pancada duma bola pesada nas paredes. Carros estacionados
balançam. Janelas, portas e loiças tremem. Os vidros e loiças chocam ou tilintam. Na parte superior
deste grau as paredes e as estruturas de madeira rangem.
Forte: Sentido fora de casa; pode ser avaliada a direcção do movimento; as pessoas são acordadas; os
líquidos oscilam e alguns extravasam; pequenos objectos em equílibrio instável deslocam-se ou são
derrubados. As portas oscilam, fecham-se ou abrem-se. Os estores e os quadros movem-se. Os
pêndulos dos relógios páram ou iniciam ou alteram os seu estado de oscilação.
Bastante forte: Sentido por todos. Muitos assustam-se e correm para a rua. As pessoas sentem a falta
de segurança. Os pratos, as louças, os vidros das janelas, os copos, partem-se. Objectos ornamentais,
livros, etc., caem das prateleiras. Os quadros caem das paredes. As mobílias movem-se ou tombam. Os
estuques fracos e alvenarias do tipo D fendem. Pequenos sinos tocam (igrejas e escolas). As árvores e
arbustos são visivelmente agitadas ou ouve-se o respectivo ruído.
Muito forte: É difícil permanecer de pé. É notado pelos condutores de automóveis. Os objectos
pendurados tremem. As mobílias partem. Verificam-se danos nas alvenarias tipo D, incluindo fracturas.
As chaminés fracas partem ao nível das coberturas. Queda de reboco, tijolos soltos, pedras, telhas,
cornijas, parapeitos soltos e ornamentos arquitéctónicos. Algumas fracturas nas alvenarias C. Ondas nos
tanques. Água turva com lodo. Pequenos desmoronamentos e abatimentos ao longo das margens de
areia e de cascalho. Os grandes sinos tocam. Os diques de betão armado para irrigação são
danificados.
Ruinoso: Afecta a condução dos automóveis. Danos nas alvenarias C com colapso parcial. Alguns
danos nas alvenarias C com colapso parcial. Alguns danos na alvenaria B e nenhuns na A. Quedas de
estuque e de algumas paredes de alvenaria. Torção e queda de chaminés, monumentos, torres e
reservatórios elevados. As estruturas movem-se sobre as fundações, se não estão ligadas inferiormente.
Os painéis soltos no enchimento das paredes são projectados. As estacarias enfraquecidas partem.
Mudanças nos fluxos ou nas temperaturas das fontes e dos poços. Fracturas no chão húmido e nas
vertentes escarpadas.
Desastroso: Pânico geral. Alvenaria D destruída; alvenaria C grandemente danificada, às vezes com
completo colapso; as alvenarias B seriamente danificadas. Danos gerais nas fundações. As estruturas,
quando não ligadas, deslocam-se das fundações. As estruturas são fortemente abanadas. Fracturas
importantes no solo. Nos terrenos de aluvião dão-se ejecções de areia e lama; formam-se nascentes e
crateras arenosas.
Destruidor: A maioria das alvenarias e das estruturas são destruídas com as suas fundações. Algumas
estruturas de madeira bem construídas e pontes são destruídas. Danos sérios em barragens, diques e
aterros. Grandes desmoronamentos de terrenos. As águas são arremessadas contra as muralhas que
marginam os canais, rios, lagis, etc.; lodos são dispostos horizontalmente ao longo de praias e margens
pouco inclinadas. Vias férreas levemente deformadas.
Catastrófico: Vias férreas grandemente deformadas. Canalizações subterrâneas completamente
avariadas.
Danos quase totais: Grandes massas rochosas deslocadas. Conformação topográfica distorcida.
Objectos atirados ao ar.
2.6.4.2 Magnitude
A magnitude é baseada em medições precisas da amplitude das ondas sísmicas nos sismogramas, para distâncias
conhecidas entre o epicentro e a estação sísmica. Ela é expressa numa escala logarítmica, o que significa que o
aumento de uma unidade da magnitude corresponde a um aumento de 10 da amplitude das ondas sísmicas que
estiveram na base da sua determinação.
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A magnitude foi primeiramente definida por Richter, em 1937, do seguinte modo: a magnitude é dada pelo logaritmo
(decimal) da amplitude máxima do registo sísmico, expressa em mícrons, obtido por um sismómetro de Wood-Anderson
(W-A) situado a 100 km do epicentro. Esta é a definição de magnitude local ML e, como se vê está condicionada pelo
instrumento de medida e pela distância epicentral. O sismómetro de W-A é um sensor de deslocamento, com uma
amplificação estática de 2800, um período natural de 0.8. Uma vez que nenhum instrumento sísmico se encontrará
exactamente à distância de 100 km do epicentro, o cálculo da magnitude local de Richter exige a aplicação de uma função
de calibração,  log A0 , que é função da distância epicentral. A magnitude local de Richter calcula-se então pela
expressão
M L  log Amax  log A0
(2.51)
A amplitude A0 corresponde à amplitude máxima registada num sismómetro de W-A para um sismo de magnitude 0 (zero)
obtido à mesma distância epicentral. A escala de magnitude local de Richter pode ser aplicada para distâncias epicentrais
até 600 km, podendo haver alguns problemas na sua aplicação para distâncias pequenas, inferiores a 30 km.
Existem várias outras expressões para calcular a magnitude de um sismo, dependendo se se utiliza a amplitude
das ondas volúmicas ou das ondas superficiais para a sua determinação. Uma expressão muito utilizada para
calcular a magnitude a partir de ondas superficiais (Ms) de sismos pouco profundos, registados para distâncias
epicentrais superiores a 20º, é a seguinte
A
M s  log10  s
T

º
  1.66log10   3.3

(2.52)
onde As é amplitude máxima da componente horizontal em micrometros, T é o período da onda em segundos
(tipicamente à volta de 20 s, que é o período característico das ondas de Rayleigh usadas nesta determinação) e
º é a distância epicentral em graus. Existem ainda termos correctivos para compensar os efeitos da profundidade
do foco e do facto de as estações se poderem encontrar a distâncias inferiores a 20 º.
Como os sismos profundos geram poucas ondas superficiais, é conveniente utilizar-se uma escala de magnitude
que utilize as ondas volúmicas. A escala de Richter, muito popular nos meios de comunicação, é baseada na
amplitude das ondas P. Se Ab representar a amplitude máxima do movimento do solo associado às ondas P, cujo
período é de 1-5 s, então a magnitude das ondas volúmicas (mb) é
A 
mb  log10  b   0.01 º  5.9
T 
(2.53)
Nos sismos para os quais é possível calcular mb e Ms verifica-se que, apesar de variável de umas regiões para
outras, existe uma relação aproximada entre estas duas magnitudes
mb  0.56M s  2.9
(2.54)
Para sismos muito fortes as magnitudes mb e Ms saturam, ou seja, as amplitudes deixam de aumentar na mesma
proporção com o aumento da energia libertada. É então mais conveniente usar a magnitude do momento sísmico.
Como vimos no modelo do ressalto elástico, um sismo resulta de um deslocamento súbito de um segmento de
falha. A área A do segmento ao longo do qual se deu a fractura e o deslocamento sobre o plano de falha, s, podem
ser estimados. Estes parâmetros, conjuntamente com o módulo de rigidez  das rochas adjacentes à falha,
permitem definir o momento sísmico, M0, dado pelo seguinte produto:
M 0   As
(2.55)
M0 exprime-se em N.m. Este novo parâmetro permite definir uma magnitude de momento, Mw, dada por:
Mw 
2
log10 M 0  6
3
(2.56)
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As escalas de magnitude (mas não as de intensidade), em princípio, não têm limites nem superior nem inferior. É
perfeitamente lícito falarmos em magnitudes negativas (porque a escala é baseada numa escala logarítmica), mas
o limite de sensibilidade dos sismómetros impõem uma fasquia por volta dos –2. A magnitude máxima é limitada
pela resistência da crosta e manto superior e desde o início da sismologia instrumental nunca se observaram
sismos com M s  9 .
Nos casos em que a falha sismogénica provocou ruptura à superfície, é possível relacionar o comprimento L dessa
ruptura (L em km) com a magnitude através da seguinte relação empírica
M s  6.1  0.7log10 L
(2.57)
Ainda dentro das relações empíricas, existe uma outra que relaciona a intensidade máxima Imáx sentida e a
magnitude. Para distâncias focais inferiores a 50 km verifica-se aproximadamente que
I máx  1.5M s  1.8log10 h  1.7
(2.58)
onde h é a distância focal ou hipocentral (em km).
2.6.5 Frequência dos sismos
Todos os anos ocorrem muitos sismos pequenos e apenas um reduzido número de sismos fortes. Costuma-se
verificar normalmente que a relação entre a magnitude Ms e o logaritmo de N, onde N representa o número de
sismos com magnitude M s   M s / 2 que ocorrem num dada área por unidade de tempo, é do tipo linear
log N  a  bM s
(2.59)
O valor de a varia entre cerca de 8 e 9 de uma região para outra, enquanto b é uma medida da abundância relativa
de sismos fortes e fracos, sendo o seu valor perto de 1. Valores superiores a 1 indicam que os sismos fracos
acontecem mais frequentemente, valores inferiores a 1 indicam que os sismos fracos são menos frequentes e que
os sismos fortes são mais prováveis de ocorrer. A frequência média anual de ocorrência de sismos está tabelada
na Tabela 2.V. O número anual de sismos com magnitude M s  7 , entre os anos de 1900-1989, tem variado
entre extremos de 10 e 40, mas a longo termo o seu valor médio é de cerca de 20 por ano.
Tabela 2.V Frequência de sismos desde 1900 (dados da USGS) e estimativa da energia média anual libertada
obtida com a fórmula de Båth.
Magnitude Ms
 8.0
Número por ano
7 – 7.9
6 – 6.9
5 – 5.9
4 – 4.9
3 – 3.9
2 – 2.9
1 – 1.9
0–1
18
120
800
6 200
49 000
 350000
 3000000
Energia anual (1015 Joule/ano)
0 – 600
200
43
12
3
1
0.2
0.1
2.6.6 Energia libertada por um sismo
A definição da magnitude relaciona-a com o logaritmo da amplitude de certas ondas sísmicas. Dado que a energia
de uma onda é proporcional ao quadrado da sua amplitude é de esperar que a magnitude esteja também
relacionada com o logaritmo da energia. Gutenberg e Richter propuseram uma fórmula empírica que relaciona a
energia libertada E, em Joule, com a magnitude Ms
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log10 E  4.4  1.5M s
(2.60)
Uma versão alternativa, para magnitudes M s  5 , foi proposta por Båth em 1966
log10 E  5.24  1.44M s
(2.61)
A fórmula de Båth dá energias duas a seis vezes superiores às de Gutenberg-Richter e, provavelmente, ambas
sobre-estimam significativamente a quantidade de energia libertada. A natureza logaritmica destas fórmulas implica
que a energia libertada aumenta muito rapidamente com o aumento da magnitude. Por exemplo, a uma diferença
de 1 na magnitude corresponde uma diferença de energia de um factor de 28 (10 1.44), de acordo com a fórmula de
Båth, ou de 32 (101.5) segundo a de Gutenberg-Richter. Assim, um sismo de magnitude 7 liberta cerca de 760
(102.88) a 1000 (103) vezes mais energia que um outro de magnitude 5. Um outro modo de ler esta observação é o
de que são necessários de 760 a 1000 sismos de magnitude 5 para libertar a mesma energia que um único sismo
de magnitude 7. Multiplicando o número médio de sismos anuais pela estimativa da sua energia, dá-nos uma ideia
da importância dos sismos muito fortes. Os números da Tabela 2.V mostram que os sismos de magnitude
M s  7 são responsáveis pela maioria da energia sísmica libertada anualmente. Num ano em que ocorra um
sismo de M s  8 , a maioria da energia sísmica anual é libertada nesse único evento.
Para termos de comparação, a bomba atómica de 11 ktoneladas equivalente de TNT lançada em Hiroshima foi
aproximadamente equivalente, em termos de libertação de energia, a um sismo de magnitude 5. Uma bomba de 1
megatonetalada corresponderá a um sismo de magnitude 7.2. No outro extremo, um sismo de magnitude 1, tão
fraco que só pode ser detectado por via instrumental (por isso se chamam microssismos), corresponde apenas à
energia cinética de um automóvel médio de 1 500 kg a deslocar-se à velocidade de 130 km/h.
2.6.7 Previsão de sismos
Não se prevêm. Esta afirmação precisa obviamente de ser melhor explicada. Digamos, por agora, que se pode,
por vezes, ter uma ideia razoável de onde, mas não de quando.
2.7
Análise dos mecanismos focais
Através da análise do que se costuma designar por “primeiros movimentos” registados nos sismogramas é possível
interpretar o tipo de movimento que ocorreu na falha sismogénica. Considere-se um plano vertical perpendicular ao
plano de falha onde ocorreu um sismo cujo hipocentro está localizado no ponto H (fig 2.35).
Figura 2.35 – Regiões de compressão e dilatação em torno do
foco de um sismo. A linha contínua representa o plano de falha
e a linha a tracejado o plano auxiliar.
Quando a região acima da falha se move para cima, produz uma região de compressão à frente e uma região de
dilatação atrás. Conjuntamente com o movimento compensatório do bloco inferior que se desloca para baixo (estes
“para cima” e “para baixo” referem-se a movimentos ao longo do plano de falha), o sismo produz duas regiões de
compressão e duas de dilatação em torno do hipocentro. Estas quatro regiões estão separadas entre si pelo plano
de falha e por um plano auxiliar que passa pelo foco e é normal ao plano principal, ou plano de falha.
Quando a primeira onda P, que provém da região de compressão, atinge um observador (ou uma estação sísmica)
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em C, o seu efeito é o de elevar o solo. Diz-se que o primeiro movimento é para cima. Quando essa primeira onda
atinge um observador em D, ela provém de um sector de dilatação e o seu efeito é o de puxar o solo para baixo.
Diz-se então que o primeiro movimento é para baixo. Como já vimos anteriormente, as ondas P são as primeiras a
chegar a uma estação por isso, analisando os primeiros movimentos, para ver se correspondem a dilatações ou
compressões (se são para cima ou para baixo), numa série de estações distribuídas, tanto quanto possível, de
modo a garantirem uma boa cobertura azimutal do epicentro, podemos determinar o tipo de sismo e a geometria do
plano de falha. Vejamos como.
Figura 2.36 – Padrão azimutal de variação da amplitude das
ondas P
A amplitude das ondas sísmicas decresce com a distância à
fonte devido ao amortecimento das vibrações e ao facto de a mesma energia se dispersar por um volume
progressivamente maior. Contudo, a amplitude detectada numa dada estação depende também do ângulo com que
o raio sísmico partiu da fonte. Este factor geométrico pode ser calculado a partir de um modelo para o mecanismo
da fonte. No caso das ondas P, a representação da sua amplitude em função de θ (ângulo entre o raio sísmico r e
o plano da falha), produz o padrão de radiação representado na figura 2.36. Note-se que a amplitude máxima das
ondas P acontece a 45o do plano de falha. As direcções de amplitude máxima dos campos de compressão e
dilatação definem, respectivamente, os eixos de tensão, T, e de pressão, P. Geometricamente P e T são as
bissectrizes dos ângulos entre o plano de falha e o plano auxiliar. As orientações destes eixos e, por consequência,
a do plano de falha e auxiliar podem ser obtidos, mesmo para sismos muito distantes, via análise dos primeiros
movimentos. Esta análise é designada por solução do mecanismo focal.
Figura 2.37 – Método para determinar o mecanismo focal de um sismo. (a) esfera focal que engloba o foco com
dois raios S1 e S2 que interceptam a esfera em P1 e P2, respectivamente. (b) Os pontos P1 e P2 são
representados no estereograma do hemisfério inferior como compressões (símbolos a cheio) ou dilatações
(símbolos abertos). São traçados os grandes círculos que melhor separam as regiões de compressão das regiões
de dilatação. (c) O mecanismo focal fica assim definido pelo plano de falha e pelo plano auxiliar, que separam as
regiões de compressão (a escuro) das regiões de tracção (a branco). Os eixos T e P estão localizados,
respectivamente, no meio do quadrante compressivo e no meio do quadrante dilatacional.
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Acontece que a Terra é esférica, pelo que é necessário trabalhar em coordenadas esféricas, o que complica um
pouco a geometria, mas não o resultado. Imaginemos uma pequena esfera fictícia centrada no foco de um sismo
(fig. 2.37). Esta esfera é conhecida por esfera focal. O raio sísmico que viaja do foco até ao receptor tem uma
trajectória curva (porque a velocidade de propagação aumenta com a profundidade) e intercepta o hemisfério
inferior da esfera focal com um ângulo i e azimute A. O primeiro passo na solução do mecanismo focal consiste em
recalcular a trajectória do raio sísmico de volta até ao foco. Para determinar o ângulo i, inclinação medida
positivamente abaixo do plano equatorial da esfera focal, usam-se tabelas sismológicas standard. O azimute
calcula-se facilmente conhecendo a localização da estação e a do epicentro. O azimute e a inclinação são depois
representados como um ponto numa projecção estereográfica do hemisfério inferior da esfera focal. A direcção do
raio é representada por um círculo a cheio se o primeiro movimento for para cima, o que significa que a estação
está localizada na zona da compressão, e por um círculo aberto se o primeiro movimento for para baixo, o que
ocorre se a estação estiver localizada na zona de dilatação. A representação dos pontos no estereograma
provenientes de dados de várias estações, que devem estar alinhadas segundo direcções diferentes em relação ao
foco, mostra normalmente uma agregação em zonas, ou campos, de compressão e de dilatação. Seguidamente,
quer usando critérios numéricos de minimização do erro, quer mesmo manualmente, desenham-se dois planos
mutuamente ortogonais que delimitem esses campos. Estes dois planos correspondem, um ao plano de falha e o
outro ao plano auxiliar. Contudo, não é possível decidir, apenas a partir da análise dos primeiros movimentos das
ondas P, qual é qual. As regiões do estereograma que correspondem a primeiros movimentos compressivos
costumam-se representar a sombreado (ou preto). Os eixos P e T correspondem às linhas bissectrizes dos ângulos
entre o plano de falha e o plano auxiliar e estão localizadas, respectivamente, no campo da dilatação e da
compressão.
A localização dos eixos T e P, respectivamente nos sectores compressivo e dilatacional, pode parecer contraditória
à primeira vista. No entanto, deve recordar-se que a orientação dos eixos principais de tensão correspondem ao
estado de tensão antes da ruptura, enquanto a solução do mecanismo focal se refere ao movimento no plano de
falha depois (ou durante) a ocorrência do sismo.
Existem três tipos básicos de falhas tectónicas: falhas de
desligamento; falhas normais; e falhas inversas ou de
cavalgamento (fig 2.38). Quando o movimento dos dois
blocos, cada um do seu lado da falha, se processa na
horizontal e paralelamente ao traço da falha o movimento
é dito de desligamento. É neste caso necessário precisar
sobre o sentido relativo do movimento entre os dois
blocos. Se esse movimento for tal que um observador
num dos lados da falha tem a percepção de que o outro
se moveu para a sua direita, a falha é do tipo
desligamento direito. Se a percepção for de que o
movimento foi para a esquerda, a falha é do tipo
desligamento esquerdo, ou, derivado da palavra em latim
para esquerdo, falha sinistra. Note-se que nesta
definição não importa de que lado da falha se encontra o
observador para fazer a descrição do movimento.
Figura 2.38 – Os três tipos de falhas principais e os
mecanismos focais que lhes estão associados.
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Nas falhas normais e inversas também há deslizamento ao longo do plano de falha, mas a direcção do movimento
tem agora uma componente vertical. Quando o movimento se dá de modo a que o bloco superior desliza ao longo
do declive no sentido descendente, em relação ao bloco inferior, diz-se que temos uma falha normal. Quando a
situação se inverte, ou seja, quando o bloco superior sobe ao longo do declive, “cavalgando” o bloco inferior, diz-se
que temos uma falha inversa ou de cavalgamento.
Os mecanismos focais correspondentes a cada uma dos três tipos de falhas mencionadas estão representados na
figura 2.38.
2.7.1 Mecanismos focais nas margens activas
Alguns dos exemplos mais impressionantes de soluções focais são obtidos nas zonas de margens activas, onde os
resultados confirmam plenamente o que se esperaria a partir da teoria da tectónica de placas. Relembremos que,
de acordo com esta teoria, as fronteiras de placas podem ser do tipo divergente (ou constructivo), transformante
(ou conservativo) e convergente (ou destructivo). As dorsais oceânicas contêm os tipos divergente e transformante
e a sismicidade a elas associada distribui-se ao longo de uma faixa estreita que acompanha (e define) as dorsais.
Esta sismicidade é caracterizada por hipocentros pouco profundos, normalmente inferiores a 10 km em relação ao
fundo do mar.
A natureza extensional da tectónica das dorsais é documentada por soluções focais indicadoras de falhas normais
ao longo dos segmentos de dorsal e de falhas em desligamento nos troços (falhas transformantes) que ligam os
segmentos contíguos. Esquematicamente o tipo de soluções focais esperados estão representados na figura 2.39.
Na figura 2.40 estão representados vários mecanismos focais ao longo da dorsal médio-atlântica. Em cada caso o
plano de falha tem uma orientação paralela ao azimute local da dorsal. Num segmento de crista cuja orientação
seja praticamente normal à transformante mais próxima o mecanismo focal é simétrico, com os quadrantes
compressivos nas margens do estereograma. Repare-se que quando o segmento é oblíquo à transformante o
mecanismo focal não é simétrico. Isto significa que as placas não estão a ser “puxadas” numa direcção
perpendicular à da crista. Neste caso, a orientação do plano de falha é ainda paralela à direcção da crista, mas o
vector de deslizamento é oblíquo. Ou seja, o movimento da placa tem uma componente perpendicular e outra
paralela à crista.
Figura 2.39 – Soluções focais de sismos hipotéticos que tenham ocorrido num sistema de cristas oceânicas
separadas por transformantes
Ao longo das fronteiras transformantes o movimento relativo das placas adjacentes é horizontal e a solução do
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mecanismo focal correspondente é o típico de uma falha de desligamento. Note-se, contudo, que o sentido do
desligamento (se é esquerdo ou direito) do mecanismo focal é o contrário daquele que à primeira vista se poderia
pensar atendendo ao sentido
do rejeito dos dois segmentos
de crista. Esta situação está
bem expressa na figura 2.39
onde o rejeito entre os dois
segmentos é no sentido
esquerdo, mas o movimento
relativo entre as duas placas
dá-se no sentido direito, o que
por sua vez vem expresso no
tipo de mecanismo focal (em
desligamento direito). Na figura
2.41 estão representados vários
mecanismos focais de sismos
ocorridos
em
falhas
transformantes
da
região
equatorial da crista médioatlântica. Estes mecanismos
reflectem o facto de que a
placa africana se está a
deslocar para leste e a
americana para oeste.
Figura 2.40 – Mecanismos focais de sismos ao longo da dorsal MédioAtlântica. Os mecanismos são típicos de uma tectónica extensiva e com a
formação de falhas normais.
Figura 2.41 – Mecanismos focais de sismos ocorridos ao longo de uma transformante da dorsal Médio-Atlântica.
O conhecimento da orientação das falhas transformantes é muito importante porque elas constrangem a direcção
do movimento das placas que têm de se deslocar paralelamente as estas falhas. Quando um segmento de crista
não é perpendicular a uma falha transformante o movimento da placa terá uma componente que é paralela ao
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segmento de crista e o mecanismo focal revela isso pela sua pequena componente de obliquidade.
As margens convergentes, ou destructivas, são caracterizadas pela existência de zonas de subducção (a não ser
que sejam do tipo colisão continente-continente) onde a litosfera oceânica mergulha e é destruída sob a litosfera de
uma outra placa que pode ser continental ou também oceânica. Dado que nestas fronteiras ocorre convergência, as
soluções focais dos sismos que elas geram são típicos de regimes compressivos (ver figura 2.25). A região de
primeiras chegadas compressivas (o sector sombreado) está localizada no centro do estereograma, indicando que
corresponde a um mecanismo de falha inversa. O eixo P da compressão máxima é perpendicular ao azimute do
traço à superfície da zona de subducção.
2.8 BIBLIOGRAFIA
Fowler, C. M. R. (1990). The Solid Earth. Cambridge University Press, pp 460.
Lillie, Robert J. (1999). Whole Earth Geophysics, Prentice Hall, New Jersey, pp 361.
Lowrie, W. (1997): Fundamentals of Geophysics, Cambridge University Press, Cambridge, pp 354.
Matias, L., P. Teves Costa e J.M. Miranda. (2010). Sismologia. 2º Módulo do curso moodle do Instituto de
Meteorologia.
Miranda, J.M., P. Teves Costa e L. Matias (2010). Introdução à Física da Terra. 1º Módulo do curso moodle do
Instituto de Meteorologia.
Stacey, Frank D (1992). Physics of the Earth. Brookfield Press, Brisbane, Australia, pp 513.
Telford, W. M., L. P. Geldart, R. E Sheriff & D. A. Keys (1976). Applied Geophysics. Cambridge University Press,
pp 860.
Udias, A. (1999): Principles of Seismology, Cambridge University Press, Cambridge, pp 475.
Udias, A. y J. Mescua (1986). Fundamentos de Geofisica, Editorial Alhambra, S.A., Madrid, pp 418.
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2.9 EXERCÍCIOS PROPOSTOS
1.
As faces laterais do bloco de aço representado na figura têm a área de
0.09 m2 e a sua espessura é de 6 mm. Sabendo que o seu módulo de
Young é de 40 MPa determine a força necessária para o encurtar 0.2
mm.
2.
Considere uma camada geológica formada por rocha calcária de massa
volúmica 2x103 SI, de módulo de Young E = 1010 Pa e de razão de
Poisson  = 0.25. Sabendo que a pressão aumenta com a
profundidade, a rocha vai-se deformar. Qual a deformação da rocha, em
termos de variação de volume, em função da profundidade?
Determine os coeficientes de Lamé,  e , o módulo de Young, E, e a
razão de Poisson, , para um calcário onde se conhecem as
velocidades de propagação das ondas transversais e das ondas longitudinais: V T = 2.0 km/s; VL = 3.4 km/s.
Suponha a massa volúmica do calcário igual a 2 x 103 kg/m3.
3.
4. Observe os sismogramas apresentados na página seguinte. Identifique as diferentes fases e os respectivos
tempos de chegada.
5.
Considere a ocorrência de um sismo no Norte de África. Sismómetros localizados em diferentes pontos do
globo registaram as chegadas das ondas P, de acordo com a seguinte tabela:
Local
Dist. Epic. (km)
t para onda P
Cairo
340
00: 00: 38
Madrid
4850
00: 08: 05
Pequim
9600
00: 12: 37
Calcule a velocidade aparente das ondas P. Interprete os resultados em termos da estrutura da Terra.
6.
Um determinado sismo foi registado em 4 estações sísmicas do território continental. Em cada estação leu-se o
tempo de chegada das ondas P e das ondas S, obtendo-se os seguintes valores:
Estação
Onda P
Onda S
LIS
MTH
FAR
MTE
06: 32: 20.0
06: 32: 22.3
06: 32: 03.3
06: 32: 44.7
06: 32: 41.9
06: 32: 47.0
06: 32: 11.5
06: 33: 25.0
a) Calcule o instante de ocorrência do sismo.
b) Calcule a razão VP/VS.
c) Supondo VP = 8 km/s exemplifique, esquematicamente, como procederia para determinar a localização do epicentro.
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7. Na estação sísmica do Instituto Geofísico do Infante D. Luis, foi registado um sismo longínquo, onde se
identificaram as fases descritas na tabela seguinte.
Fases sísmicas
Tempo de chegada
P
pP
PP
PPP
S
PS
LR
13: 30: 11.5
13: 30: 26.4
13: 33: 31.6
13: 35: 28.9
13: 40: 30.0
13: 41: 20.0
13: 56: 46.0
a) Calcule, aproximadamente, a distância epicentral recorrendo às curvas tempo-distância apresentadas na figura Pb7a
(na página seguinte) .
b) Determine a profundidade aproximada do foco, com o auxílio do ábaco apresentado (figura Pb7b).
8. Considere os registos sísmicos apresentados na figura Pb8 (a). Leia as amplitudes máximas e respectivos períodos, e a
diferença entre os tempos de chegada das ondas P e das ondas S. A partir destes elementos e com o auxílio do ábaco
apresentado (figura Pb8 b) e da curva de amplificação (figura Pb8 c), determine a magnitude do sismo.
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Figura Pb7 (a)
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Figura Pb7 (b)
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Figura Pb8 (a)
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Figura Pb8 (b)
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Figura Pb8 (c)
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9. Uma onda P atravessa a interface entre duas formações rochosas diferentes caracterizadas por valores de
velocidade das ondas P, VP= 4.70 e VP= 3.00 km/s respectivamente. Sabendo que o ângulo de incidência é de 60º
determine o ângulo de refracção.
10. Determine a estrutura do terreno, correspondente aos seguintes dados experimentais, obtidos por meio de sísmica de
refracção:
x (m)
50
100
200
300
400
500
600
t(ms)
13.9
28.0
56.0
83.0
111.5
135.0
154.0
x (m)
700
800
900
1000
1100
1200
t (ms)
174.0
192.7
212.0
234.0
250.5
269.6
11. A magnitude de um sismo, determinada a partir das ondas superficiais, está relacionada com a energia
libertada no foco (em Joule) pelas seguintes relações empíricas:
log E  4.4  1.5 M s
para Ms ≤ 5.0
log E  5.24  1.44 M s
para Ms > 5.0
a) Calcule a energia libertada por um sismo de magnitude 9.
b) Calcule a energia térmica libertada por ano, em toda a Terra, sabendo que o seu valor é 1.4 cal/cm-2 s-1. (Raio da
Terra = 6370 km). Compare as duas energias.
c) Determine o momento sísmico associado a este sismo, supondo que Ms = Mw.
d) O consumo diário de energia eléctrica nos Estados Unidos foi, em média, durante o ano de 1985, 7 x 109 kW hora. Se
esta energia fosse libertada por um sismo, qual seria a sua magnitude?
12. Considere a seguinte situação: no decurso de investigações efectuadas num oceano inexplorado, foi
identificado um conjunto de estruturas lineares que não estão ainda qualificadas (figura da página seguinte).
Felizmente, foi possível localizar um conjunto de epicentros de sismos superficiais e de profundidade média sobre
cada uma das estruturas, tendo sido determinados os mecanismos focais destes sismos.
a) Para cada uma das estruturas lineares apresentadas na figura (de (a) a (f)) indique o tipo de fronteira a partir
dos mecanismos focais. Para cada mecanismo identifique, se possível, o plano de falha e represente o vector slip e os
eixos P e T.
b) Os três mecanismos restantes (de (g) a (i)), encontram-se na proximidade de uma zona de subducção
identificada pela batimetria. Use esta informação para obter toda a informação possível sobre a placa que está a
mergulhar. Desenhe um perfil da zona de subducção indicando, em cada segmento da placa descendente, o seu estado
de tensão.
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