Untitled - Câmara Municipal do Tarrafal
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Untitled - Câmara Municipal do Tarrafal
Entrevista João Domingos, Presidente da Câmara Municipal do Tarrafal “Tarrafal um paraíso esquecido” mativa como a melhor saída para a juventude do concelho. Uma saída que visa promover a descolagem do Tarrafal no processo de desenvolvimento. Desde muito cedo começamos a trabalhar nesse sentido e, prova disso, são os protocolos assinados com varias instituições de ensino espalhados por esse mundo fora. É com esses jovens que temos que apostar no processo de desenvolvimento. Enviamos já este ano oitenta jovens para formação profissional em áreas técnicas. São jovens que quando regressarem vão trabalhar em sectores estratégicos para o desenvolvimento do município. O que tem feito para debelar a pobreza e o desemprego no concelho? São dois males estruturantes. Dois problemas de Cabo Verde, cuja resolução não depende apenas das Continuamos a acreditar que investimentos estruturantes têm que ser feitos nos domínios do turismo, da pesca e da agricultura para que as famílias consigam ter rendimentos a partir desses sectores económicos. câmaras municipais. Quando se tratam de políticas estruturantes de desenvolvimento nós temos que assumir isso sem complexos. Cabe ao Governo delinear essas políticas e apresentar meios para resolvê-los. Temos estado a criar auto-emprego porque o emprego público não resolve o problema das pessoas. O problema do emprego resolve-se com a promoção da iniciativa privada. Está à frente de um dos Municípios mais pobres do país há quase sete anos. Enfrenta vários problemas, mas, nem por isso, desiste da ideia de fazer de Tarrafal um dos concelhos com uma considerável taxa de cidadania. Minimiza o diálogo de surdos que o Governo mantém com a sua câmara e diz não ficar à espera de ajudas provenientes do Palácio da Várzea. Pelo contrário, garante que esse relacionamento lhe ensinou a lutar, desafiando a pobreza e o desemprego que afligem Tarrafal. Como é gerir um dos concelhos mais pobres do país? Quarenta e três por cento (43%) da população do Tarrafal é pobre, o que significa que quase metade tem dificuldades de sobreviver. Temos estado a lutar para conseguir criar postos de trabalho embora saibamos que esta não seja a melhor opção para a condução do processo de desenvolvimento. Contudo, pode ser uma alternativa para minimizar os problemas das populações. Continuamos a acreditar que investimentos estruturantes têm que ser feitos nos domínios do turismo, da pesca e da agricultura para que as famílias consigam ter rendimentos a partir desses sectores económicos. Qual é a razão que o leva a apostar tanto na formação dos recursos humanos do concelho? Sou daqueles que pensa que é preciso pensar o país a médio e longo prazos. Nós elegemos a vertente for- Não podemos esperar pelo Governo Considera-se de mãos atadas em matéria de emprego? Não! Não me considero de mãos atadas e já disse isso várias vezes. Nós não podemos esperar eternamente pelo Governo. Temos que assumir alguns desafios. Nós temos estado a gerir algumas frentes de trabalho com contrapartida produtiva. Por exemplo, a rede viária urbana tem sido a Câmara Municipal a fazer; Infra-estruturas comunitárias têm sido feitas também pela câmara. Fazendo isso, nós geramos emprego. Temos estado a gerar pequenas actividades geradoras Janeiro de 2007 • Tarrafal • Entrevista O melhor desafio que Cabo Verde podia de rendimento como a pecuária, artesanato, comércio informal junto das comunidades e temos conseguido resultados positivos. numa outra vertente: a qualidade, na formação das monitoras dos jardins para que o ensino pré-escolar seja um ensino no verdadeiro sentido da palavra. A nível de abastecimento de água e energia eléctrica, Tarrafal apresenta indicadores razoáveis quando comparados com o resto do país. Orgulha-se disso? É claro que sim. A nível da qualidade de electricidade estamos bem. A Nossa meta nesse domínio visa a electrificação de sete comunidades rurais do concelho. Mas em termos de qualidade, Tarrafal não se queixa. A nível de abastecimento de água, a nossa situação é razoável. Temos 66% de ligação domiciliária. O nosso objectivo é levar a água canalizada a Lagoa e Achada Lagoa que são duas zonas sem acesso. A aposta na qualidade do ensino é um trunfo seu? Como é que tem sido possível essa excelente cobertura do pré-escolar tendo em conta a alta taxa de pobreza? Exactamente! Considero que a mudança que o país vai requerer nos próximos tempos tem que começar pela formação de base. Tenho estado a insistir junto de várias entidades que nós temos que promover uma revolução cultural se queremos dar um salto qualitativo. E essa revolução tem que começar pela educação de berço. Cobertura pré-escolar de 100% Como está o sector da educação no concelho? Temos responsabilidades no pré-escolar. Nesse aspecto temos uma cobertura territorial a cem por cento. Temos jardins infantis em todas as localidades do concelho, mesmo onde o numero de crianças não justifica a existência de um pólo. É que não trabalhamos com números, mas sim com pessoas. Queremos que essas crianças não fiquem lesadas em relação às outras. São dados que nos orgulham e que nos fazem apostar A propósito, continua a acreditar que existe um deficit de cidadania no concelho do Tarrafal? Existe um deficit de cidadania no concelho que não facilita o processo de desenvolvimento. Quando estava fora do concelho não tinha essa percepção. Depois que aqui cheguei constatei que as pessoas não tem informação de como é que as coisas se processam a nível da administração. Não sabem quem é quem, quem faz o que? Acho que todos aqueles que prestam serviço no Tarrafal devem ter consciência desse problema e contribuir para fazer com que isso mude. É preciso apostar na educação. Temos, nesse aspecto, estado a investir na educação de infância, construir centros comunitários e promover encontros entre associações comunitárias de base. orgulhar-se de vencer seria o de ter ho- O que pretende com isso? Envolver a população no processo de desenvolvimento do concelho. É que os poderes públicos não fazem desenvolvimento. Apenas criam condições. E se não partilhamos com as populações as responsabilidades da condução desse processo estaremos a cometer um erro grave porque gastamos milhões em recursos que não geram contrapartidas. Os centros comunitários, os polidesportivos são infraestruturas construídas não para diversão mas sim para formação das pessoas. Assim como não encaramos o desporto apenas como lazer mas como formação física e social do homem. Nessa perspectiva gastamos muito com o Desporto. Não é por acaso que nos sagramos campeão por duas vezes consecutivas. Nós financiamos as despesas dos clubes sempre a pensar na formação. missem a sua contrapartida no processo E a nível da saúde? Nos temos um posto sanitário construído em 1974. Com o tempo foi ampliado, mas na verdade, tal como está hoje não reúne as condições desejáveis para as demandas do município. Temos hoje um delegado de saúde e quatro médicos para 18 mil habitantes. Agora somos um pouco mais porque temos uma taxa de natalidade das mais altas do país (4,5%). Isto não é preocupante? É muito preocupante. E por isso temos vindo a apostar na educação sexual como forma de combater a gravidez precoce, a verdadeira causa dessa elevada taxa • Tarrafal • Janeiro de 2007 mens em cada canto do país que assude desenvolvimento. de crescimento da população. A nível da cobertura de saúde não estamos muito bem mas está-se a melhorar. Já se construiu um centro de saúde, dois postos sanitários: um no meio rural (na zona de Biscainhos) e outro em Chão Bom (a segunda maior localidade de Tarrafal. Temos ainda uma unidade sanitária de base e um grupo de agentes sanitários que se desloca para atender aos mais idosos e crianças das localidades mais afastadas. Temos dado muita atenção a este facto porque, por vezes, as pessoas não vão aos centros por falta de meios ou de consciência ou ainda porque recorreram a outros métodos de tratamento nomeadamente os tradicionais “Fomos ultrapassados no tempo” Tarrafal foi outrora considerado a menina dos olhos de Santiago a nível de turismo mas, ao que tudo indica, hoje, esta paragem parece ter caído um pouco no esquecimento dos operadores turísticos. Será que as autoridades municipais não têm sabido tirar proveito do potencial turístico do concelho? Não! Para já é preciso ter em conta que a visão inicial que se tem do Tarrafal é uma visão colonial. Dadas às condições que oferecia e ainda oferece. Entretanto, os poderes públicos não tem dado a devida atenção à questão. Janeiro de 2007 • Tarrafal • Novo Mercado Municipal tradas que temos não garante segurança a quem vem passar férias no concelho. Além do mais, o sistema de transportes existente não dá satisfação a ninguém, a não ser que seja de táxi, mas certamente não será para todos os bolsos. Apenas algumas agências prestam esse tipo de trabalho aos turistas. Aquele que vem por conta própria vai a sucupira procurar transporte para se deslocar ao Tarrafal encontra logo aquela desorganização e não terá uma viagem cómoda, nem tranquila porque todos nós sabemos como é viajar num Hiace de passageiros. Nós fomos ultrapassados no tempo pelos municípios do Sal e da Boa vista. Tarrafal situa-se na ilha de Santiago e sabemos que enquanto não for resolvido o problema do aeroporto e da rede viária o turismo no concelho não conseguira desenvolver-se. Tarrafal não tem sido vendido convenientemente. Estamos a tentar impulsionar o desenvolvimento do turismo. Há um grupo de escoceses e irlandeses interessados no Tarrafal e, nesse aspecto, temos já projectos bem delineados. Um deles é a construção de um hotel com 319 camas. Há mais um grupo de cabo-verdianos (emigrantes) com cerca de 10 mil metros quadros, mas ainda sem projecto aprovado e um outro grupo nacional detentor de 16 mil metros quadrados de terrenos para a construção de um empreendimento turístico. Reservamos toda a orla marítima do tarrafal para investimentos turísticos. Mas, curiosamente, Tarrafal é um dos concelhos que mais turista interno tem recebido? É verdade. A nível nacional. Talvez porque não conseguimos posicionarmos na escala internacional, essa foi a saída possível. Tarrafal é, de facto, o concelho com mais número de visitantes nacionais. A sua gestão está a apresentar resultados positivos aos tarrafalenses? Estou a fazer o meu máximo para que quando de cá sair ter a consciência tranquila. Presumo que o que era possível fazer no contexto em que encontramos estou a fazer. “Governo tem estado a sacrificar Tarrafal” Município com mais turistas internos E qual é a espinha que trás trancada na sua garganta? Olha! Nós não temos tido um relacionamento nada saudável com o Governo. Diria que é o relacionamento possível. Quase que íamos perdendo o financiamento para a construção do mercado municipal devido à interferência de alguns departamentos governamentais. Temos tido um grande problema financeiro. Só a título de exemplo digo-lhe que o ultimo contrato programa assinado com o Governo foi em 2003 e foi de apenas sete mil contos. Temos estado a fazer estradas de penetração com recursos da câmara municipal porque o Governo não tem estado a contribuir. O governo tem estado a sacrificar o município do Tarrafal. Não entendo. Para mim esta é uma péssima opção de fazer politica, porque estão a prejudicar o país, o concelho e as pessoas que aqui vivem. Até que ponto a asfaltagem da estrada que liga cidade da Praia - Tarrafal pode mudar o rumo do turismo no concelho? (Risos)Nós poderíamos quadruplicar o volume do turismo no município do Tarrafal. É que o tipo de es- Como pensa inverter este clima? Tenho estado a fazer o meu trabalho tranquilamente. Não tenho estado a desafiar o Governo, nem a provocar. Para mim é uma maneira de estar e de evitar provocações politico-partidárias. Dá a mão a palmatória para assumir que precisa de ter uma postura mais agressiva em matéria de turismo no concelho? Creio que a Câmara Municipal tem tido culpa ou responsabilidade nesta manteria. Queremos estabelecer parcerias bem posicionadas no contexto do turismo nacional e internacional. Teria que ser uma parceria que perspectiva, acima de tudo, o desenvolvimento económico e social do concelho. Não queremos parceria apenas para ganhar dinheiro. Estamos neste momento em vários sites e feiras internacionais a tentar promover a imagem turística do concelho. • Tarrafal • Janeiro de 2007 Orgulho dos tarrafalenses É uma das obras com maior utilidade e destaque para a população local. O novo mercado municipal, aberto recentemente, é um orgulho para Tarrafal, seus comerciantes e suas gentes. Nos dias de feira (2ª e 5ª), o local enche-se de gente e barulho, com vendedores e compradores a misturarem-se num grande fervilhar. A menina dos olhos dos tarrafalenses é uma obra que custou cerca de 14 mil contos e comporta um total de 336 comerciantes. Com os seus 1051m2 da área total bruta, o mercado abriu as portas no passado dia 28 de Agosto último. Comporta duas alas: a reservada à venda de frescos/produtos alimentares e a outra dedicada ao vestuário, onde perfilam vinte Boutiques. Talho, Peixaria, Cabeleireiro e Barbearia são outros serviços prestados neste imóvel, munido de equipamentos modernos e funcionais. Uma gestão autónoma garante o funcionamento normal da nova infra-estrutura que contribuiu para diminuir, significativamente, o número de vendedores ambulantes nas ruas da Vila e descongestionou os arredores do antigo mercado Municipal, que vai ser transformado num espaço para exposição-venda de produtos artesanais. Com melhores condições de higiene e de conforto, o novo mercado trouxe mais valia ao Tarrafal de Santiago, um concelho cujas principais actividades económicas são a agricultura, a pesca, os serviços ligados ao turismo, à hotelaria e restauração, sem esquecer, obviamente, o comércio informal. À frente do mercado foi construído um parque de estacionamento. Associação de comerciantes Para além das excelentes condições para a prática do comércio informal, o mercado do Tarrafal conta com uma Associação de Comerciantes que ali laboram. Nos dois dias de feira a taxa de ocupação do mercado ultrapassa de longe os dias normais de venda. Os comerciantes querem que os seus interesses sejam devidamente salvaguardados com critérios bem definidos na cobrança de taxas, armazenagem dos produtos, segurança nocturna das mercadorias e melhores relações humanas com os fiscais da Câmara Municipal. Para o bom funcionamento do mercado em causa, é fundamental que a Câmara e os utentes do espaço, principalmente os comerciantes, estejam sintonizados. E os consumidores agradecem, tanto mais que o mercado é um espaço agradável tanto para os clientes habituais, como para os visitantes ocasionais deste município que recebe o maior número de turistas internos. Vale a pena dizer que o novo mercado municipal da Vila do Mangui é cómodo, útil, seguro, bonito e agradável. Por tudo isso, não admira que seja o orgulho dos tarrafalenses. Janeiro de 2007 • Tarrafal • Bolsa de Valores de Cabo Verde Venda de Acções Câmara ganhou 150 mil contos multiplicadores na economia local permitindo assim à autarquia arrecadar um valor muito superior aos dividendos parcelares que recebe anualmente”, argumenta o edil Tarrafalense. João Domingos faz questão de salientar que a Câmara Municipal do Tarrafal recebia inicialmente um lucro de três mil contos por ano resultante da compra das acções da sociedade cabo-verdiana de tabacos. “Posteriormente passamos a receber 13 mil contos” contabiliza. “Vender acções foi uma boa opção” Vender acções da Câmara Municipal do Tarrafal foi uma ideia pensada e amplamente debatida pela equipa liderada por João Domingos. A conclusão foi unânime e acertada: um concelho com 43 % da população pobre não pode dar-se ao luxo de continuar a ter 24 mil acções na Bolsa de Valores de Cabo Verde. As necessidades do município e das suas gentes falam mais alto. Na verdade, a ideia de vender as acções da Câmara Municipal do Tarrafal não tem a ver apenas com a penúria de recursos. Segundo conta João Domingos, uma câmara pobre como a do Tarrafal, com problemas graves por resolver a nível do concelho, nomeadamente o abastecimento de água, de saneamento e com uma taxa de pobreza considerável não pode ter investimentos consideráveis numa empresa como a Bolsa de Valores. 10 • Tarrafal • Janeiro de 2007 “Não podemos de maneira nenhuma ter acções na sociedade cabo-verdiana de tabacos e receber fraccionadamente dividendos que não dão para resolver os problemas do município. Eu acredito que investindo no abastecimento de água, no saneamento básico nas infra-estruturas desportivas, estaremos a desempenhar um trabalho em prol do bem-estar imediato das populações. É que esses investimentos terão efeitos O presidente da Câmara Municipal do Tarrafal não tem dúvidas quanto à realização do negócio que efectuou. Considera que a venda das acções da câmara foi um boa opção e diz estar disposto a trabalhar para provar esse facto à população. Tem as contas devidamente feitas e na ponta da língua. “Ao todo vendemos 24 mil acções que valeram 456 mil contos. Deduzindo os custos de venda, a câmara acabou por arrecadar 150 mil contos líquidos” explica. João Domingos avança ainda que a ideia de vender as acções foi discutida várias vezes com a sua equipa e que, antes da concretização, do negócio foram promovidos vários encontros com o pessoal da Câmara. Aliás, faz questão de salientar que, raras vezes, toma decisões importantes sem consultar a sua equipa. Conta que depois da decisão tomada, o primeiro passo foi a transformação da sociedade. “Era inicialmente por quotas e transformamo-la em sociedade anónima. Seguidamente surgiu então a ideia de desfazermos dessas acções. Isto a pensar também nalguns riscos associados a esse tipo de transacções. Com o fim do monopólio em 2012 já não teríamos garantias de dividendos. Além do mais o Estado também pretendia desfazer-se das suas acções e não sabíamos a quem ia entregar ou vender”. A partir daí começaram a ficar com algumas dúvidas, “porque não tínhamos a certeza se que os investidores iriam continuar a distribuir dividendos”. “O lucro será investido no concelho” João Domingos está mais do que nunca determinado e consciente do negócio que fez. Com o dinheiro resultante da venda das acções o autarca vai investir no abastecimento de água, na rede viária de penetração, na educação e na formação. “Esses recursos não vão ser utilizados em investimentos rotineiros. Aliás, nós estamos a pensar em fazer uma engenharia financeira de modo a não utilizarmos directamente esses recursos. Vamos constituir um depósito a prazo e solicitar recursos para investimentos. Contamos com o retorno desses investimentos efectuar realizações concretas. “Senti que a venda foi um sucesso” revela João Domingos, acrescentando que o presidente da Bolsa de Valores não tem parado de fazer elogios à decisão tomada pela Câmara Municipal e a maneira como as coisas aconteceram.” Janeiro de 2007 • Tarrafal • 11 Grandes obras Electrificação rural é o grande sonho O desenvolvimento de qualquer município faz-se através de obras e de realizações. A materialização de infra-estruturas assume-se como marca indelével de qualquer equipa camarária. No Tarrafal de Santiago, a realidade, carregada de necessidades básicas, impõe um grande objectivo: a electrificação rural do concelho mais a norte da maior ilha do arquipélago. O Vereador do Pelouro de Infra-estruturas e Obras da Câmara Municipal do Tarrafal, Ifegénio Tavares, reconhece a difícil realidade que se vive no seu concelho. “Na verdade, no nosso município, é necessário fazer-se quase tudo para se conseguir satisfazer as populações, porque temos muita carência de infra-estruturas”, realça aquele responsável. Um dos sonhos que se deseja tornar realidade, antes do final do presente mandato, é a electrificação das zonas rurais. “Temos agendado, para o final do ano de 2007, realizar este grande sonho”. Estádio Municipal Outra das grandes obras de que o município sempre precisou e que a juventude local merece é a construção do estádio municipal, que já se encontra em exe12 • Tarrafal • Janeiro de 2007 cução, estando a sua conclusão prevista para finais de Maio de 2007. Trata-se de um estádio projectado para ter 15 mil lugares, mas, como ultrapassa as necessidades do concelho, a obra vai ser materializada por fases. “Vamos fazê-lo, primeiramente, com uma capacidade para cerca de 2000 lugares, que é a lotação da bancada central, e, depois, num próximo passo, iremos fazer as bancadas laterais, explica. É um estádio que está orçamentado em quase 50 mil contos, montante que ultrapassa as capacidades financeiras do município, e, daí, a opção de se avançar faseadamente”. A relva sintética, a iluminação artificial e outras melhorias ficam para uma segunda fase. A infra-estrutura situa-se entre o Museu de Resistência e o Campo de Concentração do Tarrafal, mais concretamente entre Chão Bom e Vila do Mangui, sede do Município. Construção de estradas Num concelho em que praticamente tudo está por fazer, a grandeza das obras mede-se pelo nível da satisfação das populações. No Tarrafal, a construção de estradas e a abertura de vias de acesso assumem uma importância fundamen- tal. É neste quadro que se insere a abertura de vias de acesso a algumas localidades que estavam encravadas, como a ligação com Mato Brasil e Chã de Junco e o acesso à Achada de Moirão, através de Biscainhos. O Vereador Tavares concretiza: “uma das nossas ambições era fazer uma estrada que dava a volta a Biscainhos. Assim, quando alguém viesse da Praia, via Calheta, em vez de ir para Achada Carreira, antes de chegar a Achada Moirão, entrava através de Biscainhos e ficava mais perto ir para a Achada Moirão ou para o Mato Brasil”. Enfim, são formas de facilitar o acesso a localidades. “Fizemos alguns arranjos nas estradas que dão acesso à zona piscatória e turística de Fazenda e queremos criar condições para que as pessoas possam ir até lá e, depois, então fazer um projecto turístico a sério que propicie o desenvolvimento local”. Infra-estruturas sociais Uma das apostas da actual equipa camarária prende-se com a construção de infra-estruturas sociais, como centros comunitários e unidades sanitárias de base. De entre as localidades já contempladas com centros comunitários operacionais, apontam-se Biscainhos, Trás-os-Montes e Curral Velho. Em fase de conclusão, estão os centros comunitários de Ribeira Prata e Achada Longueira. Relativamente aos apoios no domínio da habitação social, salienta-se que, anualmente, nos orçamentos camarários, são previstas verbas para o efeito, apoiando-se, desta forma, as famílias mais carenciadas em materiais de construção. Segundo o Vereador, a parceria neste domínio foi mais efectiva com o Programa Nacional de Luta contra a Pobreza do que com a Operação Esperança, desenvolvida pela Fundação Cabo-verdiana de Solidariedade. Asfaltagem da estrada Assomada-Tarrafal Sobre a asfaltagem da estrada Assomada/Tarrafal, ainda por materializar, o Vereador de Infra-estruturas e Obras da edilidade tarrafalense mostra-se esperançado que tal aconteça brevemente. “Já foi feito o levantamento topográfico e acreditamos que, possivelmente, em 2007, o Governo dê continuidade à asfaltagem e seja contemplada a via Assomada/Tarrafal”. O Vereador não quer acreditar que o seu município seja tido como ‘fidjo di fóra’ nesta questão de dotar o país de uma moderna rede de estradas. “A Câmara Municipal do Tarrafal acredita no bom senso e razoabilidade governamental no sentido de não penalizar qualquer concelho do país pela sua cor política”, remata. Terrenos para investimentos turísticos Tendo em conta que o município possui consideráveis potencialidades turísticas, existe uma grande demanda de terrenos para construção de empreendimentos turísticos. Porém, para o Vereador de Infra-estruturas e Obras da Câmara Municipal, “o constrangimento maior prende-se com a necessidade de infra-estruturação do concelho, uma vertente fundamental para o sucesso de qualquer empreendimento turístico”. Por outras palavras, há necessidade de boas estradas de acesso e de penetração, boas condições sanitárias locais, entre outras exigências. Até lá, continua-se à espera da concretização dos projectos. A questão essencial que se apresenta é que, sendo o incremento do turismo fundamental para o desenvolvimento do concelho, sem a criação das infra-estruturas básicas, os investimentos turísticos ficam a aguardar por dias melhores. Daí que seja fundamental uma efectiva parceria com o Governo e o estabelecimento de parcerias público-privadas para ajudar o concelho a descolar rumo ao seu efectivo desenvolvimento. As potencialidades estão aí, mas, segundo o Vereador, um cabal incremento turístico do Tarrafal implica um desenvolvimento da ilha de Santiago no seu conjunto. Janeiro de 2007 • Tarrafal • 13 Saúde, Educação e Cidadania Educação para a cidadania O analfabetismo, aliado a um considerável deficit de cidadania e civismo, tem estado a comprometer o desenvolvimento de Tarrafal. Um dos maiores constrangimentos ao desenvolvimento do Concelho do Tarrafal é a deficiente participação da população no processo de desenvolvimento do concelho. O presidente da edilidade revela que existe um certo “deficit de cidadania e de civismo, motivados por algum analfabetismo ainda existente no seio da população” que faz com que os munícipes maltratem os bens e as infra-estruturas públicas colocadas à sua disposição. A aposta, segundo o autarca, continua a recair na contenção das despesas de funcionamento, para se investir mais em infra-estruturas comunitárias, enquanto canais de comunicação e sensibilização das populações menos esclarecidas. Educação comunitária O Delegado do Ministério da Educação no Tarrafal assegura que têm sido levadas a cabo acções de educação comunitária, com resultados positivos em termos de postura dos munícipes perante os bens públicos. 14 • Tarrafal • Janeiro de 2007 Como exemplo, Manuel Tavares avança, que nas localidades mais afastadas da Vila, já não são precisos guardas nas escolas. O mesmo já não acontece em Chão Bom e na Vila de Mangui, onde actos de vandalismo contra as escolas, perpetrados por jovens tarrafalenses influenciados por comportamentos desviantes continuam a acontecer. Acções conjuntas Desenvolver projectos de formação pessoal com os jovens e as famílias, orientando-lhes para a melhoria das suas próprias vidas e para o exercício da cidadania, implica o engajamento de todas as forças vivas do concelho, defende o responsável pela educação no concelho. Nesta matéria, o concelho sofreu um grande revés este ano, com o fim do projecto no sector da alfabetização e educação de adultos, que permitiu alfabetizar cerca de trezentos pessoas por ano, desde 2003. A delegação está a envidar esforços no sentido de se retomar o projecto e reintegrar os 13 animadores cívicos dispensados. Professores mais qualificados O Concelho do Tarrafal “está a caminhar a um bom ritmo” no sector da educação, traduzidas em mais infra-estruturas físicas e melhores condições logísticas de funcionamento. Um dos maiores desafios tem a ver com a necessidade de mais professores com formação superior para o Ensino Secundário (ES) e atingir os 100% de docentes com formação pedagógica para o Ensino Básico Integrado (EBI). O Delegado do Ministério da Educação, Manuel Tavares pretende ainda que todos os alunos que terminem com sucesso o 6º Ano integrem o ensino secundário no concelho. Por razões de indisponibilidade financeira, muitos adolescentes, das localidades mais dispersas do município, não dão continuidade aos seus estudos, por não possuírem meios financeiros. O fundo de apoio ao transporte à disposição da delegação escolar é insuficiente e, segundo Manuel Tavares, não responde às demandas, apesar da colaboração da Câmara Municipal, do ICASE, da Bornefonden e do Programa de Luta Contra a Pobreza, neste sector. Novo liceu A construção de mais 12 salas de aulas para o EBI devidamente equipadas e a recuperação de mais 22 ditou o fim do sistema de tresdobramento que vinha funcionando em algumas escolas do Tarrafal. A nível do secundário a grande novidade é o arranque da construção de mais um pólo de ensino em Chão Bom de modo a descongestionar do único liceu existente no concelho. De há três anos a esta parte, o responsável pela educação no concelho, preocupa-se em dotar todas as escolas com energia eléctrica, de pelo menos um computador, para a iniciação das crianças e adolescentes em novas tecnologias de informação e da comunicação. Melhoria dos índices de saúde A cobertura sanitária do concelho do Tarrafal, com cerca de vinte mil habitantes, está a cargo de 5 médicos e 8 enfermeiros coadjuvados por agentes sanitários que exercem tarefas auxiliares, nos vários postos sanitários espalhados pelo município. Com o apoio da Câmara local, tem sido possível aproximar os cuidados básicos de saúde à população, através da activação de Unidades Sanitárias de Base (USB), em quase todas as localidades. O delegado Júlio Monteiro garante que Tarrafal está acima da média nacional, com indicadores muito favoráveis, a nível da cobertura vacinal e baixa taxa de mortalidade infantil. Para continuar no “caminho certo”, Júlio Monteiro afirma que “a prevenção é a chave da melhoria dos índices de saúde no concelho”. Uma atenção especial tem sido dada às vertentes ligadas á saúde reprodutiva e às doenças infecto-contagiosas como a tuberculose e o VIH-SIDA. A entrada em funcionamento do novo Centro de Saúde no Tarrafal poderá fazer do concelho uma referência em toda a região norte da ilha de Santiago. Janeiro de 2007 • Tarrafal • 15 Turismo Como promover Tarrafal? O grande entrave à promoção de Tarrafal, enquanto destino turístico, é a falta de dados sobre o concelho. A própria Câmara Municipal do Tarrafal (CMT) assume que não sabe, ainda, quantos turistas visitam o concelho e nem o perfil desses visitantes. trumento fundamental para a promoção de Tarrafal e para dar mais informações aos turistas que nos procuram”, afirma a vereadora Ana Isabel Sousa e Silva. A par do guia turístico, a CMT projecta a abertura de um centro de informação turística, para ajudar os turistas a orientarem-se. Outra lacuna verificada no leque de ofertas turísticas do Tarrafal é a ausência de um ponto de venda de artesanato. “Nós produzimos peças de cerâmica, bijutarias, doces, licores, cestaria, rendas e bordados. Além de termos artistas que produzem discos e podem também ser vendidos neste tipo de loja que será, digamos assim, de produtos Made In Tarrafal”, garante Ana Isabel Sousa e Silva. A vereadora anuncia também, para 2007, o lançamento da página da CMT na Internet. Serviços, precisam-se Sem esses dados, o município não sabe quais são os interesses dos turistas e dos potenciais investidores. Por isso, ainda não se definiu uma estratégia de desenvolvimento do turismo. Um desafio que se impõe, já que o turismo surge como a actividade preponderante do município do norte da Ilha de Santiago. E mesmo neste quesito, a ausência de dados não permite saber, com exactidão, qual o impacto do turismo na performance económica de Tarrafal, considerado um dos concelhos mais pobres de Cabo Verde. Consciente dessa lacuna, o Pelouro do Turismo, das Actividades Económicas e Emigração traça um conjunto de acções para promover o concelho. O Pelouro 16 • Tarrafal • Janeiro de 2007 planeia organizar, com a parceria dos operadores turísticos, um fórum para reunir subsídios para a elaboração do plano estratégico do turismo no Tarrafal. Aliás, o processo de elaboração já decorre, com a coordenação de dois técnicos da Universidade de Coimbra, de Portugal. Ao mesmo tempo, anuncia-se o lançamento, para breve, do guia turístico do Tarrafal. “Está em fase de preparação e deve ser lançado em pouco tempo. É um ins- Tarrafal é o único ponto turístico do país onde a maioria dos turistas é formada por nacionais. No verão e, sobretudo aos fins-de-semana, a Vila de Mangui é “invadida” por centenas de turistas, oriundos de todos os cantos da ilha, desde Praia a Calheta. Assim como os nacionais, os turistas estrangeiros chegam à procura das praias, da tranquilidade e do sol do Tarrafal. Outro período de alta do turismo coincide com o fim-de-ano e as festas do município, que culminam a 15 de Janeiro, dia de Nho Santo Amaro. É quando o concelho regista maior movimentação, para a qual contribuem a afluência dos emigrantes. Apesar das potencialidades e da procura turística, Tarrafal ainda precisa aumentar a sua oferta em termos de serviços e de lazer. A Vila tem apenas dois hotéis em funcionamento, o Baia Verde e o Tarrafal, sendo que este último enfrenta dificuldades de funcionamento, estando neste momento a prestar serviços mínimos. A Vila de Mangui tem ainda algumas pensões e restaurantes, que servem pratos típicos da terra. O que faz falta são opções de lazer, como um espaço de música ao vivo e um centro cultural. Tarrafal é uma terra de música, onde nasceram Mário Lúcio, Princesito, Chando Graciosa, Batucadeiras Pó di Terra, Bibinha Cabral, Tchota Soares, entre outros. Contudo, há poucos certames musicais ao longo do ano. A Vereadora Ana Isabel Sousa e Silva lança um desafio aos músicos de Tarrafal: “os artistas têm de se organizar e se o fizerem podem contar com a parceria da Câmara Municipal do Tarrafal”. Investimentos a passos lentos O Plano de Actividades da Autarquia também prevê a institucionalização de um fórum de concertação com os operadores turísticos, para cooperação e troca de informações sobre o sector. Segundo a CMT, há operadores turísticos interessados, mas os processos desenrolam-se a um ritmo lento. “Alguns operadores turísticos já têm lote e aguarda-se o início das obras. São nacionais, britânicos, canários. Há potenciais investidores que procuram a Câmara e manifestam-se interessados no Tarrafal, mas as coisas acontecem a um ritmo lento”, afirma a vereadora da área. A ausência de infra-estruturas viárias pode estar no cerne da questão. A asfaltagem da estrada que liga o sul e o norte da Ilha de Santiago ainda não chegou a Tarrafal, que está no extremo da ilha. Praias do Tarrafal Ouro branco e ouro negro Duas praias de areia fina e água cristalina, aquecidas pelo sol, situadas em baías concavas, delineadas por montes que as protegem do vento. Duas faixas de litoral ornamentadas com coqueiros, na linha de frente de hor- tas que crescem em ribeiras onde imperam bananeiras, cana-de-açúcar, árvores fruteiras, hortaliças e cereais. No litoral oeste do município do Tarrafal, a Praia da Vila do Mangui e a da Ribeira das Pratas ofeJaneiro de 2007 • Tarrafal • 17 Turismo recem as condições ideias para a prática do turismo balnear. Por conta dos caprichos da natureza, as duas praias são idênticas até no recorte – uma faixa extensa, contígua a uma praia pequena. A diferença está na cor da areia: o azeviche de Ribeira da Prata e o dourado da Vila do Mangue. Praia de Ribeira das Pratas Logo à entrada do povoado de Tchon Bom, faz-se um desvio para a esquerda na estrada principal. Chegar a Ribeira das Pratas leva menos de 10 minutos de carro. A caminhada pode ser uma boa opção, já que não exige muito esforço. E pode sempre contar com a brisa refrescante do mar, já que o caminho contorna o litoral. Na última curva da estrada, a praia de areia negra revela-se por inteiro, convidativa. Ribeira das Pratas é uma aldeia piscatória e agrícola, que vive da pesca, da agricultura e ultimamente da apanha de areia. Esta actividade, praticada essencialmente por mulheres chefes de família, já destruiu por completo a praia dos pescadores. Segundo o Pelouro do Turismo, das Actividades Económicas e Emigração da Câmara Municipal do Tarrafal (CMT), a apanha de areia não compromete a prin18 • Tarrafal • Janeiro de 2007 cipal praia de Ribeira das Pratas. “A Câmara, em parceria com o Ministério da Agricultura, colocou um guarda nessa praia. Também temos um protocolo com a Associação Comunitária de Ribeira da Prata, para proteger a desova das tartarugas e a própria praia”, informa a vereadora Ana Isabel Sousa e Silva. Praia da Vila do Mangui Uma das praias mais apreciadas da ilha de Santiago, por turistas nacionais e estrangeiros, a Vila do Mangui tem nas adjacências a praia do Presidente, a preferida dos campistas. Não raro, vêemse tendas montadas à sombra das acácias, à boca do mar. A Praia do Presidente é tão tranquila como uma piscina natural. As águas transparentes, de um azul esverdeado, também convidam ao mergulho desportivo. Chamada de “jóia da coroa” do turismo no Tarrafal, a CMT garante que a apanha de areia é estritamente proibida na Praia da Vila do Mangui. “Nós temos guardas na Praia. Pode ser que alguém apanhe um balde de areia, uma vez ou outra, mas é raro”, assegura a Vereadora do Turismo, das Actividades Económicas e Emigração da Câmara Municipal do Tarrafal. Fazenda, uma beleza selvagem Numa manhã ventosa de Dezembro, partimos à descoberta de Fazenda, uma das maravilhas do litoral do Tarrafal de Santiago, situado no sopé do Monte Graciosa. Num todo-o-terreno, iniciámos o trajecto a partir da Vila de Mangui, sede do Município do Tarrafal. O primeiro ponto de passagem foi a povoação de Achada Carreira, seguindo-se Trás-os-Montes, em oito quilómetros percorridos aos solavancos. Contudo, o mais difícil estava por vir. A partir de Trás-os-Montes, o trajecto na estrada de terra batida, de cerca de quatro quilómetros, fazse entre o pó e o baloiçar constante da viatura. Da paisagem, avistam-se acácias plantadas aqui e acolá, o castanho da terra ressequida e o verde das pequenas hortas, situadas estrategicamente ao longo da estrada, que aguarda, desesperadamente, pelo calcetamento. Quando se chega finalmente ao destino, todo o esforço valerá a pena. As 27 casas habitadas do povoado de Fazenda, albergando 137 pessoas, dão-nos as boas-vindas, ao sabor do vento e da maresia. Pequenas e pobres habitações revelam o viver de uma população humilde, mas acolhedora, característica das gentes do campo. Percorre-se pachorrenta e calmamente o pequeno povoado, com crianças espreitando das janelas e os adultos assomando-se, timidamente, ao portal para saudar os visitantes, com os tradicionais convites para chegar, entrar e “tomar um cafézinho”. Pedra M’pena: um espectáculo! O professor Aristides, o nosso guia turístico, conduz-nos através de um tortuoso caminho de pedras, quais cabras escarpando-se pelos atalhos, ‘obrigando-nos’ a fazer o jogo do equilíbrio. Mesmo ao pé do majestoso Monte Graciosa, esperava-nos um espectáculo digno dos maiores elogios. “Pedra M’pena” é um aglomerado de grandes pedras, dispostas em forma de mosaicos, formando um todo de difícil descrição. No sopé da pedra maior, a “Pedra M’pena”, disfarçada por pedras mais pequenas, esconde-se a fonte da vida local: a água cristalina, natural, que a população consome. Isto porque no povoado há um chafariz ainda à espera da água potável em rede, fornecendo, por ora, apenas água para rega e para os animais. Ao redor da “Pedra M’pena”, florescem acácias, que consomem muita água e têm reduzido o caudal de água ali existente. A solução passa pela plantação de árvores fruteiras, criando um pomar neste recanto do paraíso. Mas também seria de todo conveniente abrirse uma estrada até “Pedra M’pena”, para permitir a descoberta desta maravilha pelos amantes da natureza. Janeiro de 2007 • Tarrafal • 19 Turismo Apanha de areia destrói praia Descendo o caminho escarpado, chegamos à praia de Fazenda. Ali assiste-se a um espectáculo desolador: mulheres e homens, dentro do mar, extraem areia para vender e sustentar a família. Contudo, o preço da sobrevivência é alto e o resultado, desolador para o ambiente. A antiga praia de areia negra, na qual vinham desovar tartarugas, transformou-se num autêntico pedregulho. Torna-se assim, imperiosa, a criação de alternativas de emprego para a população de Fazenda, sob pena de degradação irreversível da praia local, provocando a morte instantânea do turismo, ainda em fase incipiente. A salvo está, ainda, uma pequena praia de areia negra, mesmo no sopé do Monte Graciosa, devido à falta de acesso. Isto porque só é possível chegar lá a pé. Pesca desportiva, turismo balnear e de montanha, tudo isso é possível em Fazenda. É só mobilizar vontades e dar os passos que se impõem. Até lá, Fazenda espera ser descoberta por desconhecidos e revisitada por admiradores de uma bela paisagem, da praia de areia negra; apreciadores do espectáculo da desova das tartarugas, de uma escalada de Montanha ou do simples curioso de ver e conhecer algo diferente. A descoberta é possível de carro, um todo-o-terreno preferencialmente, de barco, a partir da vila do Mangui e, obviamente, a pé, estando a uma distância de uma hora da sede do Município, contornando-se o Monte Graciosa. Boa descoberta e fantástica aventura neste lugar de uma beleza selvagem! As necessidades da população de Fazenda O desenvolvimento tarda em chegar à localidade piscatória de Fazenda, onde residem 137 moradores. Em conversa com o professor Aristides Gomes de Pina, 49 anos, professor primário há 31 e líder comunitário, fica-se com a sensação de que muito precisa ser feito pelas autoridades para melhorar as condições de vida dos moradores de Fazenda. Reunidos em torno da Associação de Agricultores e Criadores de Fazenda (Agro-Fazenda), os moradores reclamam o calcetamento da via de cerca de quatro quilómetros que liga a localidade a Trás-os-Montes, já que na época das chuvas, a estrada torna-se intransitável. 20 • Tarrafal • Janeiro de 2007 Reivindicam igualmente a abertura do emprego público para acabar com a extracção de areia e a consequente degradação ambiental. Ao mesmo tempo, urge melhorar a protecção ambiental, com a construção de mais diques de retenção de água, e promover o turismo local. A Agro-Fazenda quer ver também concluído o projecto de sistema de rega gota-a-gota: faltam sete famílias, para completar o rol de 25 aglomerados familiares beneficiários. A associação pede ainda a reabertura do jardim infantil local, a construção de uma unidade sanitária para a prestação dos primeiros socorros e energia eléctrica durante 24 horas, já que o pequeno gerador apenas permite o fornecimento de electricidade durante algumas horas. A maioria da população residente é jovem e predominantemente feminina. O próprio Aristides afiança que muitos jovens locais estão interessados em desenvolver pequenos projectos nas áreas da panificação, culinária, canalização, corte e costura/rendas e bordados. Contudo, só será possível com o fornecimento de energia eléctrica em regime permanente. Uma realidade espinhosa que mostra o quão difícil é a vida para os moradores de Fazenda. Turismo rural, ainda um sonho Quem visita Tarrafal e não vai além das praias, perde a oportunidade de ser surpreendido. Além dos montes que emolduram a Vila do Mangui e Chão Bom, as localidades mais visitadas por turistas, pode-se, igualmente, desfrutar de uma outra vivência de Tarrafal, mais rural. Mato Brasil, Achada Longueira, Biscainho, Fazenda e Trás-os-Montes são algumas comunidades que representam uma vivência mais ligada à terra, enquanto chão de agricultura e pecuária, e ao mar, por causa da pesca. Traduzido em termos de turismo, uma vivência “pitoresca”. São localidades onde a pobreza salta à vista, bem como a luta quotidiana por água e pão. Aqui, tudo é aproveitado em nome da sobrevivência. No terraço das casas, as espigas de milho seco e os molhos de palha, indicam que é tempo de guardar o que a terra deu, sob pena de um amanhã incerto. Sobretudo no Tarrafal, onde pouco chove dado á aridez do clima. Nas zonas altas, que beneficiam de microclimas mais húmidos, o céu é mais generoso. Em Mato Brasil, por exemplo, há uma nascente de água doce, uma verdadeira bênção para as suas gentes. A pequena localidade, formada por pequenos agricultores e pastores, toca a vida com tranquilidade. As casas estão dispostas numa encosta inclinada que oferece uma vista espectacular para o litoral leste do Tarrafal, desde o extremo norte da ilha de Santiago, até Calheta de São Miguel. Em Mato Brasil, as moradias respeitam o mesmo desenho quadrangular: as divisões, cobertas de telha marselhesa, são organizadas em torno de um pátio interno. As varandas têm vista para um vale profundo, onde está a nascente. As suas gentes sabem rece- ber quem chega e há sempre um café ou um pedaço de cuscuz para os visitantes. Por tudo isso, Mato Brasil oferece todas as condições para a prática do turismo rural e de montanha, assim como toda a zona alta do concelho do Tarrafal. A Câmara Municipal do Tarrafal (CMT) está consciente dessa potencialidade, mas argumenta que o seu desenvolvimento é complexo. A intenção é criar albergues para promover o exoturismo. Nessas zonas, há várias casas abandonadas ou fechadas, por causa de conflitos de herança ou porque os donos estão emigrados. A CMT tem tentado negociar com os proprietários de casas, mas o processo revela-se difícil. “Não conseguimos contactar os proprietários. Em Fazenda, há casos de turistas que vêm e ficam nas casas das pessoas e convivem com a comunidade. Queremos alargar essa experiência, mas é difícil”, lamenta a vereadora Ana Isabel Sousa e Silva. Janeiro de 2007 • Tarrafal • 21 Património Ex-Campo de Concentração do Tarrafal Um monumento de carácter universal Pedro Martins O recente reconhecimento pelo World Monument Fund (WMF) do Ex-campo de Concentração do Tarrafal como património arquitectónico de caracter universal vem confirmar a sua importância política, cívica e cultural que muitos de nós tem vindo a defender, e que deverá ser perpetuado pela sua adaptação num Museu de Resistência. O WMF é uma organização internacional prestigiada que se tem dedicado à preservação de patrimónios mundiais tão significativos como algumas catedrais na Europa, a murallha da China, templos budistas em Cambodja e tanto outros. Se por um lado esse reconhecimento abre portas à possibilidade de se obter fundos a nível mundial para a preservação da sua estrutura arquitectónica, por outro expõe o ritmo lento das autoridades competentes na valorização de um património de tal envergadura. Nunca é demais lembrar-se que o Ex-Campo do Tarrafal é o maior símbolo da luta pela emancipação e conquista dos direitos democráticos dos povos de Angola, Cabo Verde, Guiné e Portugal. Nas suas masmorras também estiveram presos anti-fascistas da Alemanha, Espanha e Polónia. Soldados moçambicanos chamados «tropa Landim», foram utilizados como guardas auxiliares das tropas portuguesas. Sendo o acto de emancipação de um povo um evento histórico de impacto fundamental para o advir do seu desenvolvimento sócio-económico, a transformação do Ex-Campo num museu de resistência, covertêlo-á num centro de celebração da liberdade de quatro povos, e marcará um dos períodos mais importantes 22 • Tarrafal • Janeiro de 2007 na história da civilização humana no século XX, que foi a da luta contra o fascismo na Europeu e contra o colonialismo em África. A causa da liberdade Aconselham os grandes pensadores que se deve enfatizar o lado positivo dos factos para servir de referência e de fonte de inspiração às gerações vindouras. Falar-se do Ex-Campo sem se referir aos ex-prisioneiros políticos que o emprestaram a notoriedade, é uma atitude cínica e conveniente que não deve ser tolerada. É preciso ter bem alto na memória, que os prisioneiros políticos do Tarrafal foram homens que se dedicaram generosamente à causa da liberdade, expondo-se às terríveis consequências da ditadura colonial-fascista. Esses homens, jovens, pais de famílias, intelectuais e trabalhadores não procuravam nenhum benefício pessoal, nenhum estatuto particular e nem um reconhecimento pela sua coragem e sentido de dignidade. Procuravam sim a liberdade e uma vida melhor para os povos que representavam. Entretanto, num país que copia quase tudo do master colonial, convenientemente, os seus responsáveis se esquece- ram que a Assembleia Nacional de Portugal, o órgão máximo de soberania do Estado Português, teve a iniciativa e dignidade de condecorar e reformar devidamente todos os seus ex-prisioneiros políticos. Em Cabo Verde, somente alguns que passaram pelo Ex-Campo receberam uma pensão mínima, e ainda que isso não bastasse, a mesma é feita no quadro da luta contra a pobreza, isto é, como caridade em relação a mendigos. Contrariamente ao intuito da ditadura salazarista o Campo uniu os povos de Angola, Cabo Verde, Guiné e Portugal através das suas respectivas lutas para conquista dos seus direitos fundamentais que eram interligados e comuns a todos. Indubitavelmente, o Ex-Campo é um símbolo incontornável dos povos que hoje se encontram organizados nos PALOPs. Os símbolos têm sido instrumentos poderosos na passagem de testemunhos históricos e na educação dos povos. Recordemos o caso dos obeliscos egípcios, cujas réplicas foram aparecendo através dos séculos na Europa, América e demais continentes simbolizando o poder de estado. Inclusive os extremistas da Al-Qaeda compreenderam o valor do simbolismo quando seleccionaram «World Trade Center» como alvo do seu ataque contra o Ocidente. Monumento de carácter universal O reconhecimento do Ex-campo como um monumento de carácter universal, foi uma chamada de atenção aos países que formam os PALOPs, pela falha de capitalização duma oportunidade de salvaguarda de um património histórico que os une e que mostra o mais belo que os homens desses países fizeram, desafiando o monstro da repressão da PIDE para fazer triunfar a liberdade dos seus povos. A assumpção pelos PALOPs do projecto de transformação do Ex-Campo num Museu de Resistência dos povos que lutaram contra a ditadura salazarista e triunfaram, parece ser o caminho mais eficaz para a obtenção desse objectivo. Essa iniciativa seria benéfica para a sua própria organização que labuta procurando projectos comuns para países que representa. Fundos necessários poderão ser encontrados no âmbito dessa organização, para além de outros esforços que vêm sendo feitos no quadro do reconhecimento do WMF. Esforço de preservação Tem havido algum esforço de preservação do património através de um fundo de trinta mil contos fornecidos pelo governo português, e de outro de cinco mil contos do governo de Cabo Verde. Na utilização do primeiro financiamento, certas intervenções arquitectónicas foram incorrectas e lesivas ao património que se pretende preservar. Houve a tentação deliberada de restaurar o Excampo como foi construído logo no início. Nessa lógica a gigantesca muralha de pedra teria que ser destruída, por não ter sido construída no início do funcionamento do complexo. A construção do mesmo, a fortificação das suas defesas e, sobretudo, das muralhas, assim se processou até a queda do Campo no dia 1 de Maio de 1974. Esse tipo de intervenção referida visou minimizar a presença da luta contra o colonialismo, e o período em que aí estiveram encarcerados os patriotas africanos. O exemplo dessa incorrecção é o edifício onde funcionava a direcção administrativa do Campo; o mandatário dessa intervenção chegou ao ponto de sugerir que as telhas originais de lusalete fossem substituídas por telhas marselhesas por motivos de estética turística! Por outro lado, houve pequenas intervenções aqui e acolá, no sentido de reverter o desmoronamento de vários elementos arquitectónicos tais como vigas, lintéis, alvenarias, rebocos, portas e etc. Apesar desse esforço, e tendo em consideração a dimensão do património, tem-se a sensação de que o mesmo está abandonado. Ainda nas suas instalações, no exterior das muralhas, vivem refugiados que mendigam aos visitantes, reforçando uma imagem pouco dignificante do complexo. Informalmente, através do Embaixador de Portugal soubemos que há uma iniciativa do Presidente de Cabo Verde junto aos seus homólogos dos PALOPs no sentido da busca de uma estratégia e de fundos para Janeiro de 2007 • Tarrafal • 23 Património o futuro Museu de Resistência. Sugeríamos que essas ideias fossem compartilhadas com as organizações e individualidades que se têm dedicado aos mesmos objectivos. O processo ganhará com a inclusão dos vários parceiros interessados num desenlace positivo, de um símbolo tão importante como o da luta pela liberdade. Um novo fôlego Um novo fôlego parece ter soprado com a inclusão do Ex-Campo na lista dos 100 patrimónios mundiais em perigo pela WMF. É de se louvar o diploma do governo de Cabo Verde, que finalmente considera o património do Ex-Campo como um monumento nacional. Também a escolha de um dia como o da resistência contra o colonialismo e fascismo, merece o aplauso de todos os amantes da liberdade. Entretanto, a data escolhida deve ser revista, pois a de 29 de Outubro simboliza a abertura do Campo. Deve-se comemorar a vitória e não uma acção de triste memória. Coincidentemente, o dia da queda do Campo, o dia 1 de Maio de 1974, de acordo com uma entrevista num jornal cabo-verdiano do poeta e nacionalista Osvaldo Osório, nos anos oitenta, foi o palco da maior manifestação do povo jamais visto em Cabo Verde. Essa data que carrega um simbolismo tão grande como o da queda de Bastille na história francesa, deve ser preservada por que foi compartilhada por todos os cabo-verdianos, mesmo por aqueles que não estavam na ilha de Santiago. De facto, o significado da libertação é tão simples de entender e tão poderoso, para fazer tremer os alicerces de sistemas opressivos. Por isso, o 1º de Maio também tinha sido indicado pela Associação dos Ex-Presos Políticos como o dia de todos os ex-presos políticos. Benefícios para Tarrafal O concelho do Tarrafal irá beneficiar-se imenso com a transformação do Ex-Campo num museu de resistência, e deve preparar-se para capitalizar nos consequentes benefícios. Tarrafal hoje tem um monumento histórico de carácter universal reconhecido internacionalmente que poderá, em concertação com outras fontes de atracção turística como as suas praias, o seu clima diverso 24 • Tarrafal • Janeiro de 2007 Cultura e Desporto Chando Graciosa, Artista e etc, atrair uma nova gama de turistas. É uma potencial mais valia que exige uma planificação urbana, sobretudo em zoneamento, nas imediações do complexo, e preparação de recursos humanos. Conhecer a experiência dos municípios polacos, alemães e outros em cujos territórios foram construídos Treblinka, Dauchau e outros campos de concentração nazistas, hoje transformados em museus, permitirá preparar-se atempadamente para promover de forma organizada os serviços que brotarão à volta desse empreendimento. Falha nos curricula académicos Os ministérios do governo com a responsabilidade de formação académica e cultural nos sucessivos governos constituídos desde a independência, têm falhado ao povo de Cabo Verde na transmissão à nova geração a história recente de Cabo Verde, a de maior importância para o reforço do carácter nacional e de desenvolvimento do país. Os curricula escolares nessa matéria parecem dar maior importância ao período em que éramos escravizados por um poder colonial retrógrado, do que o período em que os cabo-verdianos recusaram a canga e buscaram o seu destino como um povo livre e independente. O concelho do Tarrafal está em posição privilegiada para assumir conjuntamente com outras vozes contra o status quo, no sentido de alterar essa grande falha que existe nos curricula académicos em Cabo Verde. A celebração do Ex-Campo de Concentração é uma obrigação colectiva de memória e de dignidade de todas as nacionalidades dos governos envolvidos, de todas as instituições responsáveis pelo sector cultural e académico, e de todas as individualidades que respeitam a dignidade humana. Abstraindo-se do seu passado tenebroso e apoiando-se na generosidade e na beleza dos ideias dos presos políticos, o Ex-Campo pode ser considerado como catedral da independência e da liberdade. Casa da Cultura para breve Festival homenageia Chando Graciosa Chando Graciosa vai ser homenageado no Festival da Vila do Mangui, onde se prevê a actuação de outros grandes nomes da música nacional. O concelho do Tarrafal está em festa. Tudo por causa das festividades do Dia do Município e de Nhô Santo Amaro Abade, celebrado a 15 de Janeiro. Em termos culturais, o grande destaque é a realização do festival de música nos dias 13 e 14 de Janeiro com artistas tarrafalenses residentes e da diáspora. Este ano, o intérprete e compositor Chando Graciosa, filho da terra, vai ser o grande homenageado, num certame que conta com artistas de peso, uns naturais do concelho como Beto Dias e Mário Lúcio, outros santiaguenses de gema com projecção nacional como Gil Semedo e Kino Cabral. Dos Estados Unidos virá o grupo Afrika Rainbow, constituído por filhos no Tarrafal. Isto para além da ‘prata da casa’, com actuações de grupos e artistas que procuram o seu lugar ao sol. São razões de sobra para que, conforme espera o Vereador do Pelouro da Cultura e do Desporto, Inácio Gomes Borges, “Tarrafal registe uma grande afluência de pessoas de todos os recantos da ilha de Santiago e do estrangeiro”. Concurso de Batuque Outro ponto alto das festividades é o concurso de Batuque que decorre entre 23 de Dezembro e 20 de Janeiro, com doze grupos locais. O vencedor terá direito à gravação de um CD. No tocante ao Batuque, Tarrafal tem estado muito activo. A Câmara já apoiou os grupos Pó di Terra e Rótcha na gravação dos respectivos CD’s. Pedro Rolando dos Reis Martins, Arquitecto Janeiro de 2007 • Tarrafal • 25 Cultura e Desporto Uma grande marca cultural foi o apoio camarário na concretização do projecto “Tarraf ’All Stars”, que juntou artistas consagrados e jovens talentos musicais. Casa da Cultura Em termos culturais, um grande projecto desponta no horizonte para o município do Tarrafal. A edilidade concebeu um projecto de criação de uma Casa da Cultura para a dinamização da vida cultural no concelho. Trata-se de um projecto orçado em cerca de dez mil contos que pretende transformar a antiga cadeia, perto do complexo Baía Verde, na Vila, num espaço funcional para a efectivação de eventos culturais. Será uma intervenção faseada que permitirá aos artistas tarrafalenses e não só dar largas à sua veia criadora. ro semestre de 2007 e comportará bancada central, balneários e piso pronto para a prática do futebol. A segunda fase, a concluir até ao fim do mandato, vai incluir a relva sintética e outras melhorias. O estádio terá capacidade para 4 mil pessoas e custará cerca de 40 mil contos. Outras infra-estruturas Desporto Estádio Municipal para 2007 Inácio Borges, Vereador No primeiro semestre de 2007, o município do Tarrafal terá operacional a primeira fase do Estádio Municipal. A infra-estrutura custará 40 mil contos e terá, numa segunda fase, relva sintética. Actividades desportivas em curso animam a juventude local. Torneios de futebolinho, futebol de 11, basquetebol, surf, bodyboard, atletismo – masculino e feminino – ciclismo e natação são um sem número de modalidades que dão ritmo e cor às comemorações nas festividades do Dia do Município e de Nhô Santo Amaro. O vereador da Cultura e Desporto reconhece que existem algumas deficiências em termos de infra-estruturas desportivas no concelho. Para Inácio Borges, “alguns espaços desportivos não reúnem todas as condições, pelo que, estamos a trabalhar para que, 26 • Tarrafal • Janeiro de 2007 paulatinamente, sejam melhoradas as infra-estruturas para a prática do desporto”. Para já, a aposta na construção de um estádio municipal é um grande passo neste sentido. A primeira fase desta infra-estrutura estará concluída no primei- Actualmente encontram-se em fase de conclusão as obras do polivalente de Ponta Furna. Para 2007, projectam-se novos polivalentes em Achada Moirão, Ribeira da Prata e Achada Longueira. Isto para além dos outros espaços desportivos em funcionamento, como os polidesportivos de Ponta Ribeira e Lém Mendes, em Chão Bom, Biscainhos, Achada Tenda e Trás-os-Montes e os polivalentes de Monte Iria e Colhe Bicho na Vila do Mangui. Barcelona promove formação desportiva A edilidade tarrafalense apoia pontualmente os grupos desportivos e clubes de futebol. O Barcelona do Tarrafal é dos clubes que recebe pontualmente apoio camarário. Manuel Ulisses Amarante, Presidente do Clube Desportivo Barcelona do Tarrafal, fundado em 1995, diz que, “temos participado em muitos campeonatos, inclusive nós somos o primeiro campeão do interior de Santiago. Estamos a preparar o próximo campeonato e o objectivo é promover atletas e dar oportunidades aos jovens”. E os resultados têm aparecido: “no ano passado, no campeonato, jogamos todos os jogos na Praia e ficamos na terceira posição. Este ano, estamos a pensar na camada mais jovem, temos pensado em fazer torneios de andebol, e também do futebol, mas num outro escalão, já que temos muitos adolescentes que praticam a modalidade”. Uma excelente parceira Indagado a pronunciar-se sobre a parceria com a Câmara, o presidente do Barcelona responde: “a Câmara tem sido uma excelente parceira para o desenvolvimento do futebol no interior de Santiago, mais concretamente no Tarrafal. “No interior de Santiago temos muitas despesas e a Câmara tem sido a nossa parceira número um”, alerta o Presidente do Barcelona, congratulando-se, por outro lado, com os esforços da edilidade visando a construção de um espaço condigno que é o Estádio Municipal. “A Câmara Municipal do Tarrafal está empenhada em dignificar mais atletas, dando um passo gigante, com a construção do Estádio Municipal”, salientou. O Barcelona ainda não tem uma sede, mas para lá caminha, já que, segundo Manuel Amarante, “estamos a fazer esforços para obter um espaço próprio para a construção da nossa sede, estamos numa fase muito avançada fica num espaço nos arredores da Vila, numa área que favorece a pratica do desporto”. Os cerca de 50 atletas inscritos no clube praticam futebol de 11, andebol e futebol feminino. Janeiro de 2007 • Tarrafal • 27 Ambiente e Saneamento Escola de Mergulho Mundo subaquático de Tarrafal Tarrafal reúne condições vantajosas para a prática de mergulho. De todos os mares do país, Tarrafal tem o mérito de ter, durante todo o ano, condições climáticas que permitem que o mar esteja permanentemente tranquilo para ser explorado. O melhor de todo o país São três as grandes vantagens apresentadas pelo mundo subaquático do Tarrafal. A primeira relaciona-se com o facto das praias estarem situadas em zonas abrigadas pelo vento, o que proporciona uma certa acalmia ao local. O segundo aspecto tem a ver com a inexistência de correntes de ar e de ondulação. Mas o extremo norte de Santiago apresenta ainda uma terceira vantagem para a prática de mergulho. É que apesar da praia estar perto da população ou da vila, o fundo do mar do concelho está ainda relativamente bem povoado em termos de espécies marinhas. “Tarrafal foi relativamente poupado pela onda de «pesca de garrafa», daí uma interessante concentração de vida marinha no fundo dos seus mares. Esta caracterização foi feita por um “expert” em matéria de mergulho. É cabo-verdiano e conhece o mundo subaquático nacional melhor do que ninguém. Chama-se Emanuel Charles de Oliveira, já efectuou várias investigações no fundo dos mares destas ilhas e actualmente lidera um clube de mergulho sediado nas instalações do aparthotel King Fisher – Tarrafal. É autor de dois livros: um sobre naufrágios em Cabo Verde e outro na área de cine-antropometria. 28 • Tarrafal • Janeiro de 2007 Monaia, como é conhecido pelos amigos, garante que o fundo do mar de Tarrafal é bem interessante. “O que falta são espécies de grande porte, tipo mamíferos, tubarões, mantas e outras. Mergulho atrai turistas alemães “Para que os turistas venham a Cabo Verde, concretamente ao Tarrafal para praticar mergulho, muito trabalho tem sido feito a nível da promoção do país lá fora”. A aposta, segundo Monaia, tem recaído na abordagem feita a turistas que, não fosse o mergulho, em princípio, não viriam a Cabo Verde. Na verdade, até agora, tudo tem sido feito a título individual. Ao todo, o clube custou cerca de dez mil contos e conta neste momento com três embarcações. Recebe durante o ano dois tipos de turistas: os que aparecem espontaneamente e aqueles que fazem reservas, via Internet, a partir do estrangeiro. São na maior parte provenientes da Alemanha. O centro de mergulho King Bay está devidamente credenciado. Está sob os auspícios de uma empresa denominada Eco Sport Services pertencente a Emanuel Oliveira. O professor é hoje reconhecido lá fora pela qualidade do trabalho que tem prestado. Tem seguro internacional que cobre acidentes relacionados com os desportos náuticos. “São exigências que nos garantem uma certa segurança no nosso trabalho”. A escola cobra 35 euros por cada sessão de mergulho. Pela salvaguarda da consciência e património ambientais Ana Isabel Sousa, Vereadora No Tarrafal de Santiago, o Programa Ambiental Municipal (PAM) preconiza a existência de um elevado nível de consciencialização social, uma efectiva participação cívica dos cidadãos e a salvaguarda do património ambiental do concelho. À semelhança do que acontece nos outros municípios do país, no Tarrafal, o PAM tem um orçamento de cerca de 18 mil contos anuais, até 2014, no quadro do PANA II, financiado pela Holanda. Mas, com o surgimento de cinco novos municípios, deverá haver uma redução da verba global, já que o bolo orçamental deverá contemplar, igualmente, os novos concelhos. O PAM projecta uma vida ambiental saudável, pugna por uma consciência cívica ambiental e salvaguarda patrimonial ambiental. Segundo a Vereadora do Pelouro de Actividades Económicas, Meio Ambiente e Emigração, Ana Isabel Sousa e Silva, no ano 2006, “os objectivos do PAM foram cumpridos na quase totalidade”. Ficaram para 2007 a criação de um Parque Natural, na zona do Colonato em Chão Bom, e a construção de uma Praça na zona de Achada Baixo, Vila do Tarrafal. Com a criação dos referidos espaços verdes, pretendese a melhoria das condições ambientais nos dois principais centros populacionais do concelho. Ainda em 2006, foram adquiridos mais um camião, um Dump para a recolha de lixo, bem como a aquisição e distribuição de 10 contentores de plástico de 800 litros e 110 de 240 litros. Projectos ambientais para 2007 Por se tratar de um processo transversal e contínuo, o saneamento vai continuar a merecer uma atenção permanente, com acções concertadas abrangendo diversas vertentes em simultâneo. Assim, vai-se continuar a apostar no reforço da campanha de sensibilização, formação e educação ambientais, tanto nas escolas como nas comunidades, para além da aposta na capacitação do pessoal afecto aos serviços de saneamento. Os pescadores receberão apoios na aquisição de equipamentos modernos de captura, no âmbito da gestão sustentável da biodiversidade marinha. Serão adquiridos mais equipamentos de recolha dos resíduos sólidos. Estão, ainda, em curso trabalhos de ligação à rede de esgotos no sentido de fazer funcionar a Estação de Tratamento de Águas Residuais. Por outro lado, a edilidade tarrafalense está a elaborar um projecto no sentido de apoiar as famílias mais carenciadas na construção de casas de banho. A criação de espaços verdes é outra aposta na estrada principal e zona de Perdigoto, em Chão Bom, junto ao centro comunitário de Ponta de Gato, na Vila e na via principal de Ponta Lagoa. Recolha domiciliária do lixo na Vila Com os dois camiões de lixo que agora dispõe, o município prepara-se para implementar a recolha domiciliária do lixo nas principais ruas da Vila e Chão Bom. Isto para além de uma recolha mais sistemática dos resíduos sólidos em comunidades como Achada Moirão, Ponta Furna, Trás-os-Montes, Ribeira da Prata e Achada Biscainho. Posteriormente, haverá uma recolha semanal do lixo em Achada Tenda. Janeiro de 2007 • Tarrafal • 29 Tarrafal visto por Mário Lúcio Oh Nha Santo Amado Mário Lúcio Foi aqui no Tarrafal que numa Quarta-feira às dez da manhã, numa zona chamada Monte Iria, que eu vim ao Mundo, sem nada imaginar ou esquecer. Monte Iria então era ermo, tinha muitas purgueiras de um e de outro lado da estrada, um funco onde morava um homem chamado Xalino, tinha o Dji com o seu cavaquinho, o nosso vizinho Tutu, que perdeu o bote na costa de um peixe maior do que a maior baleia, que muita gente aqui já viu e apelidou de pintadona, monstro esse que só existe no mar do Tarrafal. Monte Iria ficou definitivamente encantador quando a Titia Bibinhia Cabral veio do Curral de Baixo morar com a irmã Tchitcha atrás da nossa casa. Na igreja matriz do Santo Amaro Abade fui baptizado, não me lembro com que pompas e circunstâncias, Isto porque muitas crianças recebiam o baptismo como acto de última unção, para não morrerem mouras, como então se dizia. Nhu Joaquim de Teia, o sacristão mais querido do Mundo, fazia muitas vezes esse trabalho, tanta era a mortalidade infantil. Ao lado da igreja estava a única escola da Vila. Comecei lá, e depois fui para o Edifício do Instituto Feminino, para as aulas do Professor Cirilo António Moreira. Mais tarde fui receber aulas no Salão anexo à residência do Padre Cruz. Ao fundo ficava o armazém de cimento da Câmara Municipal que, não sei por que encanto, era o nosso esconderijo predilecto. Mesmo em frente era a sede do PAIGC e da JAAC, famosa pelas latas de leite condensado que de vez em quando nos eram sorteadas. O Salão foi inteiramente calcetado por presos políticos e comuns que viviam no chamado Campo da Morte. Trajavam fardas de caqui azul e pareciam-nos heróis de banda desenhada. O mais temido campo de futebol do Tarrafal ficava a cinquenta metros da nossa casa, frente ao barracão de Djosé Tabari, o Papai. Quando as cheias entravam no mar, colocávamos seda branca no anzol e íamos pescar chicharrinhos entre uma aula e outra. 30 • Tarrafal • Janeiro de 2007 Tarrafal era inocente. A missa congregava toda a gente e aos domingos todos passavam a saber de tudo o que se passava com todo o mundo. E na Farmácia, dois quartos que queriam dizer “Hospital”, o Senhor Gastão Enfermeiro fazia todos os dias milagres. Quando os presos políticos saíram, vieram os militares para o mesmo Campo, agora apelidado Campo de Instrução. E as moças do Mangue e do Chão Bom souberam o que era gente das ilhas em liberdade. Um pastor nazareno chamado José permitiu ao seu filho Zito tocar funaná no acordeão cromático e no órgão a pedal da igreja. Entusiasmados com a descoberta, o Hélder arranjou teias de aranha e um pedaço de carriço e fez o clarinete mais gemedor que alguma vez escutei. Depois, o Zé beata reuniu umas latas de banha e fez uma bateria. O Bitoco conseguiu duas latas de compal, encheu-as de cascalho fino e entrou no conjunto como chocalhista. O Ilídio, nosso manager, achou que o nome que nos ficava bem era Águia Vermelha. E partimos para o voo da fama. A Brincadeira virou séria, e tivemos de trocar a igreja nazarena pelo edifício dos leites condensados. Fomos buscar o Adriano Xica, que era magro de meter medo, e dissemos-lhe que ele era o nosso baixista. Aprendeu a tocar o violão ignorando as três cordas mais agudas. O Zé Levy, também da nossa turma no Ciclo, dissenos que tinha uma viola em casa e fomos ver. Era de tabopan e linhas de pescar. Mas o Zé deu-nos uma bela demonstração de uma música de moda chamada Aké. Então, tu és o viola ritmo, dissemos-lhe. E claro, eu andava a aprender no quartel como é que se dispinicava uma cantiga, para ser o viola solo do grupo. Bitoco passou para tumba, o Zé Beata desapareceu, dando lugar a Zé de Luísa na bateria. E fundamos o conjunto Abel Djassi do Tarrafal. Fizemos Teatro com o Recardito e com o Renascer, e sempre que o Bulimundo vinha ao Tarrafal para as festas de Santo Amaro, Catchás autorizava que nós tocássemos durante o intervalo, com os seus instrumentos. Assim vivíamos, esquecidos e felizes. Deixei o Tarrafal. E anos depois quando regressei, parecia que uma bomba tinha aqui caído. As ruas eram como aquelas espigas em que os grãos de milho nasceram desordenadas, e os carros andavam aos ziguezagues. O velho e clássico mercado municipal tinha-se transformado num conjunto de divisórias, a igreja matriz exibia uma cruz, que se Cristo visse desatava a rir, a praça, a única de Cabo Verde que não tem coreto, era um triste espectáculo de tartarugas marinhas dentro de um tanque com água doce. Nhu Joaquim avisara que o tecto da sacristia iria cair e caiu, os músicos se desconjuntaram, o Cine teatro estava selado a cadeado, as batucadeiras andavam tristes e queixavam-se da falta de apoio, e havia um monte de doidos e avariados da cabeça a deambularem de bar em bar. Só o meu amigo José Cardoso é que andava a teimar com uma equipa de andebol. Que coisa estranha! Tinha havido anos de seca, já não havia chicharrinhos, a auto-estima estava por terra. Os Tarrafalenses, esses que gabam mais o Tarrafal do que a Terra Santa estavam como que resignados. Apenas diziam que Tarrafal era azarado. Diante de tal cenário, emprestei-me à política, pensando que assim podia virar o rumo do azar. Depois aprendi que essa não era a minha via, porque não fora por ali que eu entrei pela primeira vez em cena no Tarrafal. E, então, volvi à minha freguesia como menino que fora e menino que sou do meu Santo Amado. E hoje contemplo o meu berço com muitas saudades, do passado e do futuro: O mais temido campo de futebol agora é lá para cima do Monte Iria. Na igreja matriz do Santo Amaro Abade, Nhu Joaquim de Teia, o sacristão mais querido do Mundo, cuida da sua igrejinha renovada, A única escola da época tem hoje computadores para uso público, e no antigo edifício do Instituto Feminino mora hoje o enfermeiro Fernando, filho do Sr. Gastão. Cirilo é conhecido por Teatcher, nome mimado que o povo pronuncia Tchitcha, O armazém de cimento da Câmara Municipal tem vocação para se transformar numa escola de dança e de teatro. Mesmo em frente, onde era a sede do PAIGC e da JAAC, hoje é a Biblioteca Municipal. O chamado Campo da Morte é um museu, que devia estar sob a alçada do Município do Tarrafal, talvez através de um contrato programa com o Ministério da Cultura. E há dias, quando as cheias entraram no mar, fui feliz da vida nadar no meio da meninada que, de seda branca no anzol, pescavam chicharrinhos, para o espanto dos turistas. Tarrafal continua inocente. As notícias dão-se ainda na missa, mas também através das parabólicas e da Internet. O Hélder emigrou. Não tenho visto meninos a tocarem clarinetes de teias de aranha e carriço. Mas podemos incentivá-los. Tarraf all Stars é um exemplo disso. Pois, acredito que o Zé beata ainda sabe reunir umas latas de banha e fazer uma bateria. O Bitoco, vio na Brava quando fui lá lançar o meu disco mar e luz. Como ficou feliz de me ver a tocar. O Adriano Xica, que era magro de meter medo, é agora Vereador. Há dias, convidei-o a ir comigo ao Brasil, e apresentei-o a Gilberto Gil como sendo aquele meu amigo de infância e meu primeiro baixista. Olha só, e agora tem em mãos o destino de preservar a beleza do Tarrafal de ontem e de hoje: estancar a construção desatinada, travar a tentação demolidora dos prédios antigos, expandir as zonas verdes, melhorar os bairros degradados. As ruas estão alinhadas. E já se anda de patins pelo Mangue. O velho e clássico mercado municipal continua clássico e velho. Vai recuperar a sua postura antiga e deixar ao novo mercado o fru fru da modernidade. A igreja matriz é o espelho, os olhos e a alma desta Vila. Os Tarrafalenses, esses que gabam mais o Tarrafal do que a Terra Santa, parecem ter recuperado a inocência perdida entre os escombros. Monte Iria tinha purgueiras, de cujos frutos se fazia o azeite para alimentar candeeiros e podogós. Hoje tem postes de electricidade de um lado e de outro da estrada. Eu continuo a preferir as minhas purgueiras. Mas prefiro o Tarrafal de hoje. Mário Lúcio Sousa Janeiro de 2007 • Tarrafal • 31 Lenda Lenda da Noiva Branca O Monte Graciosa, que se impõe com imponência sobre a Vila do Mangue, é motivo de respeito, quase veneração, por parte dos tarrafalenses. Quando se avista a achada onde se situam Tarrafal e Chão Bom, do alto da Serra Malagueta, é o Monte Graciosa que lhe dá perspectiva. De todos os cantos do município, a montanha é uma presença constante. A Praia da Vila do Mangui, o Campo de Concentração e o Monte Graciosa são as três grandes referências de Tarrafal. Contudo, é com Graciosa que os tarrafalenses têm uma relação mais afectiva. A ponto de o imaginário colectivo lhe devotar histórias e lendas, entre as quais a da Noiva Branca. “Reza a lenda que uma noiva tarrafalense, aban- 32 • Tarrafal • Janeiro de 2007 donada no altar, sucumbiu ao desespero e à humilhação perante uma vila inteira. Ferida, subiu ao Monte Graciosa, atirou-se ao mar, morrendo afogada. Ainda hoje, quando o luar se espelha no mar, cria-se uma espécie de áurea naquele Monte, levando com que as pessoas acreditem que é o brilho do espírito da desafortunada Noiva Branca, que há-de vir para alegria, gozo e satisfação dos tarrafalenses”. In www.tanboru.org/mito Este mito, praticamente desconhecido das novas gerações, motivou uma exposição do artista plástico cabo-verdiano Mito, radicado em Portugal. Timenti lua ka subi (Enquanto a lua não sobe) é uma mostra com sete quadros, em formato 70x100 centímetros, em técnica mista sobre tela. Mito homenageia o Monte Graciosa e a lenda da Noiva Branca e estreia a sua exposição na escola primária da vila do Tarrafal. O quadro Lua Nha Noiba é motivo e tela de um poema de Mito: “Nu xinta na tchon/Nu papiá dretu di kunpanhêru/Si krê nós amizadi /Ê tchuba na bindi/Ê ta tchuputi runhu sima malagueta/Ma é ka ta mata”. O tarrafalense, também ele poeta da sua mundividência, também canta a lenda: “Nu ai ta bai Graciosa riba la pisca spritu di noiva branca”. Publicidade Janeiro de 2007 • Tarrafal • 33