Currículo Resumido – Prof. Dr. Pedro Demo É graduado em

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Currículo Resumido – Prof. Dr. Pedro Demo É graduado em
Currículo Resumido – Prof. Dr. Pedro Demo
É graduado em Filosofia e Doutor em Sociologia, com pós-doutorados na Alemanha e Estados
Unidos. É Professor Titular Aposentado do Departamento de Sociologia da Universidade de
Brasília, instituição que lhe conferiu também o título de Professor Emérito. É Bolsista 1B
de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Trabalha com Metodologia Científica, no contexto da
Teoria Crítica e de Pesquisa Qualitativa. Pesquisa principalmente a questão da aprendizagem
nas escolas públicas, por conta dos desafios da cidadania popular. No Ministério da Educação,
foi Secretário-Geral Adjunto de 1979 a 1983 e Diretor Geral do INEP (Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais) de 1984 a 1985. Orientou ao longo de sua carreira 22
dissertações de mestrado, 9 teses de doutorado, 15 trabalhos de conclusão de curso de
graduação e 11 de iniciação científica. Recebeu inúmeras homenagens nacionais e
internacionais; é autor de mais de 100 artigos completos em periódicos; mais de 70 livros;
dentre muitas outras contribuições.
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OUTRA UNIVERSIDADE
Pedro Demo (2010)
Para: Graciosa, do alto de seus 90 anos
Como sugere Duderstadt (2003), a universidade poderia ser, possivelmente, a instituição
mais relevante e estratégica deste século, tendo em vista que pessoas educadas e suas ideias
são a real riqueza das nações, em especial da riqueza globalizada. Formação primorosa é o
“capital intelectual” mais decisivo de hoje, porque planta a perspectiva permanentemente aberta
de desenvolvimento pessoal e social. É inegável o sabor neoliberal dessas expectativas, à
medida que se reduz facilmente formação aos ditames do mercado, sobressaindo a
“empregabilidade”. Manter-se “empregável” significa submeter-se docilmente ao mercado que a
nada se submete (desregulado, cada vez mais), como se fosse única razão de ser da sociedade.
O trabalhador precisa correr obsessivamente atrás do mercado globalizado e enlouquecido, sem
nunca o alcançar, já que, inovando-se por inovar, não há aonde chegar (Rosso & Fortes, 2007.
Rosso, 2008). Mesmo assim, a visão de Duderstadt é uma entre tantas outras bem mais afinada
com os tempos, sem falar que insiste adequadamente na formação para a vida, não só para o
mercado. Marca maior desta formação é a aprendizagem permanente, entendida como desafio
de desconstrução e reconstrução infinda das potencialidades de desenvolvimento. Por isso, uma
das características mais cruciais da universidade seria aprender a aprender, ao lado do domínio
de conteúdos.
Parto da metáfora de que a universidade é como o sarcófago. Por fora, pode até brilhar,
mas dentro contém um cadáver. Instituição quase milenar, tem problemas similares de igrejas
milenares: a fé arraigada perdeu completamente o senso de realidade. Os tempos passam,
inelutavelmente. O espírito pode (deve) persistir, também porque é algo flexível, como um sopro
não linear, mas as burocracias, os poderes, os arranjos e astúcias, não! Universidade é
instituição do século passado, para dizer o mínimo e lá está ancorada, plácida e altaneira.
Parece anunciar: os tempos que se lixem, ela está acima dos tempos! O mais ridículo é que, em
geral vendendo-se como fonte paradigmática da mudança, em especial da mudança bem
concebida e feita – diz-se isso sempre, monótona e vaziamente, da educação – é uma das
instituições que menos muda (Darder et alii, 2009). Fala tanto de mudança, para encobrir o
quanto a teme. Não é menos ridículo que, tendo sido um dos baluartes da queda do argumento
de autoridade por conta de seu método científico (Demo, 2005), a universidade hoje vive não
mais que de “autoridade”, num mundo onde só tem autoridade o que funciona. Não posso negar
o quanto isto tudo é ambíguo, mas a “autoridade do argumento” é referência extremamente mais
sadia e promissora.
Tento neste texto alinhavar algumas ideias – que valem o quanto pesam – em torno do que
seria a universidade do futuro, para o futuro. Entendo que é instituição central das oportunidades
de vida e trabalho. No entanto, não cabe mais o apelo reformista, que se contenta em ajeitar
mazelas, mas de salto radical, também para ser condizente com uma de suas referências mais
caras: conhecimento disruptivo e rebelde. A universidade estagnou na transmissão de conteúdos
envelhecidos e canônicos. Usando terminologia modista atual: não consegue arrumar-se como
web 2.0, persistindo como web 1.0: estática, reprodutiva, autoritária. Em minha visão, ao fundo,
está concepção específica de universidade, incompatível com a atual, e que representa uma
visão entre outras tantas. Por coerência, busco usar a autoridade do argumento em favor de
“outra universidade”, que deveria viver deste tipo de “autoridade”, ou, como diria Habermas, da
força sem força do melhor argumento (1989). Não estou, com isso, endossando o aporte teórico
de Habermas, por mais que o admire, porque entendo ser teoria “objeto” de uso, não de adoção.
Estudamos teorias para nos tornarmos autores, não porta-vozes. Minhas bases teóricas são
“remix” de outras, ainda que sempre reconstruídas pessoalmente (Weinberger, 2007. Latterell,
2006). Filiação teórica não é inteligente (Demo, 2010). Reconstruir teoria própria, plural, aberta,
em constante evolução e aprendizagem, parece mais hábil e capaz de acompanhar os tempos,
e, mesmo, de estar à frente deles. Dispensado dizer o quanto isso é polêmico. Falar de “outra
universidade” só pode ser polêmica. Vale, porém, apenas o que pesa, ou seja, pelo bom uso da
autoridade do argumento (Demo, 2004a).
DEFININDO UNIVERSIDADE
Entendo que universidade gira, institucionalmente, em torno de dois desafios mais básicos.
De um lado, produzir conhecimento próprio. De outro, formar alunos, produzindo
conhecimento. Ambos os desafios são de igual importância, e requerem a “universidade de
pesquisa”, na qual a tarefa decisiva é obra de pesquisadores educadores. Não dou importância
à extensão, nem ao ensino. Extensão é, como já disse em outros momentos (1996), a “má
consciência” da universidade: não sendo cidadania compromisso curricular (extensão é
tipicamente opcional, eventual, intermitente), arranja-se lugar colateral, no qual se fazem coisas
pouco significativas para a formação estudantil, também porque não faz parte da formação
docente. De fato, não faz parte do currículo a cidadania, pois está fundado em “ensino”, sem
mais. Ensino é referência de velhos tempos, quando o argumento de autoridade ainda valia (mui
contraditoriamente), consubstanciado tipicamente na aula sem autoria. O modelo que chamo de
“ibérico” de universidade – verboso, retórico, beletrista, filosofante – centra-se no ensino, quase
como função profética, ainda que não passe de porta-voz de fonte pretensamente indiscutível. A
vida implica ensino, porque não é viável extirpar relação de autoridade entre as pessoas, mas
não é formativo. Do ponto de vista da formação – forja do sujeito capaz de história própria,
individual e coletiva, e de convivência igualitária – a categoria mais apropriada é “aprendizagem”,
a mesma no professor e no aluno, embora em estágios diferenciados.
Processos formativos profundos implicam, naturalmente, o desenvolvimento da cidadania,
ou, como costumo sugerir, da qualidade política, o que dispensa extensão. Ao mesmo tempo,
implicam aprendizagem reconstrutiva e autopoiética, o que nada tem a ver com ensino, mas com
construção de habilidades autoras e autônomas. Do ponto de vista da sociedade, não é função
da universidade cuidar, por exemplo, da favela ao lado, ainda que possa, se nisto se produzir
conhecimento e se formar melhor os alunos. Mas não apenas como “função social” ou coisa
parecida, porque a função social por excelência da universidade é produzir conhecimento
sempre atualizado em favor da sociedade e, nisto, formar bem seus alunos para corresponderem
com cidadania esperada. A universidade não pode isolar-se, como se fosse parêntese na vida do
estudante e um lugar separado (campus). Sua relação com a sociedade é umbilical, porque retira
dela sua razão de ser. É a sociedade que demanda conhecimento e formação. Aí está uma das
críticas: hoje, é comum que as universidades não produzam conhecimento (ainda assim dão aula
alegremente), e não se cuida da formação dos estudantes, condenados a escutar e reproduzir
aulas, em especial apostilas (Goldacre, 2008. Frazier, 2009).
É imprescindível repensar o que se entende por conhecimento, que, aqui, formulo como
dinâmica disruptiva e rebelde, ao lado de também ambígua. Na visão vetusta, conhecimento é
pacote curricular, tendencialmente o mesmo de sempre (produtos sacralizados), estático, ou
patrimônio cultural a ser preservado caninamente. Ainda que conhecimento seja também
patrimônio cultural, facilmente divisado nas enciclopédias, currículo não pode ser museu, mesmo
porque os museus se entendem hoje como sinalização do futuro que o passado deveria sugerir.
A noção de identidade mudou substancialmente: só permanece o mesmo, o que muda. A
natureza ainda é aquela porque evolui. Evolução lhe é parte fundamental de sua identidade
intrinsecamente dinâmica. Nós próprios somos os mesmos, porque evoluímos, tanto assim que
nossa carteira de identidade precisa, de tempos em tempos, ser refeita. A universidade guarda a
noção de identidade como a dos museus antigos: trata-se de preservar a ferro e fogo. O que se
preserva a ferro e fogo apenas fica ainda mais velho e ultrapassado. Por outra, não se trata de
mudar por mudar, porque toda evolução decorre estruturalmente, ainda que dentro de padrões
flexíveis (Ulanowicz, 2009). O que não muda, não permanece “idêntico”, mas deformado
(Massumi, 2002). Conhecimento é uma das forjas mais incisivas da mudança, ao lado do
processo evolucionário. Embora ambíguo (pode ser facilmente colonizador) (Harding, 2008), usa
sua força questionadora rebelde para desconstruir e reconstruir interminavelmente a trajetória
histórica e evolucionária. Questionar e autoquestionar-se é sua habilidade maior, do que decorre
que não fabrica produtos definitivos.
Não faz mais sentido a universidade de ensino, porque não vai além de requentar
reprodutivamente o que sequer é seu patrimônio. É instituição tipicamente “colonizada” (Harding,
1998), e, como tal, tende a imbecilizar os estudantes. Sua maior pecha são professores não
autores e que, ainda assim, dão aula. Reprodução é a regra. Podem ter títulos, mas o que define
docência não é aula. É autoria. Autoria não provém de ensino, mas de pesquisa. Não segue que
bom pesquisador seja bom professor, mas um não vai sem o outro. Cuidar que o aluno aprenda
(Demo, 2004) não decorre, automaticamente, da condição de pesquisador. O pesquisador
precisa, também, ser educador e isto implica outras habilidades (Bain, 2004). Quem não
pesquisa, a rigor, nada tem a ensinar, a não ser praticar o plágio despreocupadamente.
Ademais, ensino implica, obsessivamente, presença física do aluno, sob o tacão do público
cativo. Não podendo a maioria dos alunos estudar de dia, resta a noite. Um direito, certamente.
O professor instrucionista se apressa, no entanto, em dar sua receita: como este aluno não vai
estudar em outra oportunidade, além de chegar cansado, cabe aula (só aula), através da qual se
repassam todos os conteúdos curriculares, como se fosse pacote a ser engolido friamente
(Schneider, 2007). Usa-se a expressão “ver matéria”, e não passa disso: a matéria é apenas
“vista”, pois não se estuda, pesquisa, elabora, argumenta. Do professor sem autoria decorre
aluno sem autoria. Para que serve aluno sem autoria? Não sabendo aprender e dominando, em
geral “mal e porcamente”, conteúdos ultrapassados e/ou mal arrumados, fica à deriva, não pode
assumir posto de comando e coordenação, não irá além de cumprir ordens, não fará parte da
economia globalizada competitiva, ou seja, só cabe na empresa atrasada. Mas esta desgraça
não é a maior. Mais comprometedora é a “deformação” à qual é submetido, arruinando suas
oportunidades de vida. Num surpreendente texto, Finkel (2000) sugere “ensinar com a boca
fechada”. Ou seja, não “ensinar”, mas cuidar que o aluno aprenda (Bain, 2004).
O mundo reconhece hoje pelo menos dois modos de presença: física e virtual. Ambas são
fundamentais e uma não se reduz à outra, embora possam se aproximar. Muitos jovens já quase
não distinguem, tamanha é sua atividade no mundo virtual (Castronova, 2005. Pitrat, 2009.
Shirky, 2008). Postular que somente se aprende escutando professor fisicamente presente é
velharia inconseqüente, golpe de professor que teme ficar sem aluno ou de figura autoritária que
precisa de ouvintes dóceis. A própria “educação à distância”, por mais que seja algo ainda malafamado e ambíguo, está destronando a presença física passo a passo, sem falar nos ambientes
virtuais de aprendizagem. Falamos de “presença virtual”, porque é presença. Primeiro, quem
estuda está sempre presente, pouco importa onde esteja estudando. Segundo, presença é
dinâmica maleável e multidimensional, não se restringindo ao contato físico direto. O jargão
acadêmico, no entanto, continua obsoleto: fala-se de curso presencial e não presencial, como se
os virtuais (ou à distância) não implicassem “presença”. Neste sentido, não cabe exigir que os
alunos compareçam toda noite, sem falar que não vale a pena comparecer para apenas escutar
aula. A tendência hoje é não oferecer curso só com presença física ou só com presença virtual,
mas de estilo mesclado (blended) (Mason & Rennie, 2008. Demo, 2009). De todos os modos, os
alunos comparecem à universidade, física ou virtualmente, para produzir conhecimento,
exercitando autoria, não para absorver sucata (Bonk & Graham, 2006.Shank, 2007. Oliver &
Trigwell, 2005. Sharpe et alii, 2006).
Universidade de pesquisa é, ao mesmo tempo, universidade comprometida com formação
primorosa. É preciso conjugar qualidade formal e política. No cenário da qualidade formal tratase de produzir conhecimento formalmente bem feito, dentro das referências da metodologia
científica, usando formalizações reconhecidas com devida perícia. Ainda que a noção de ciência
tenha sofrido questionamentos crescentes ultimamente (a título de pós-modernismo, sobretudo),
principalmente por conta de determinismo e reducionismo metodológico de tom linear (Haack,
2003. De Landa, 1997), bem como de experiências virtuais de “novas epistemologias”, a
exemplo da wikipedia (Lih, 2009. O’Neil, 2009. Ayers et alii, 2008), conhecimento científico
persiste como uma das expressões mais elevadas da mente humana e decisiva para a inovação.
Por mais que seja, igualmente, patrimônio eurocêntrico (Santos, 2009. Santos & Meneses,
2009), renhidamente colonialista (Harding, 1998. Smith, 1999), isto não retira o argumento de
que grande parte de sua relevância está na qualidade formal, representada pelo método
científico. Tem a seu favor a criação de todas as tecnologias mais decisivas dos últimos séculos,
até a do computador e internet. De cariz lógico-experimental, disciplinar e analítico (Demo, 1995;
2000), pratica facilmente o que Morin chama de “ditadura do método” (2002), guiada por
pressuposições excessivamente idealizadas e reducionistas, como seria o caso da economia
com sua proposta do equilíbrio perfeito. Este não existe na natureza e sociedade, mas assumiu o
papel de referência pétrea dos economistas “tradicionais” (Beinhocker, 2007. McKibben, 2007).
As “novas epistemologias” sugerem que conhecimento é dinâmica disruptiva e rebelde, sempre
em vir a ser, aberto a novos questionamentos porque adveio de questionamento, flexível como
toda dinâmica. Na wikipedia todo texto pode ser editado e reeditado, não conhecendo formato
final. Isto não deprecia a qualidade formal, tanto assim que a feitura de textos na wikipedia segue
regras metodológicas mais ou menos consensuais. Produzir conhecimento é desafio complexo e
exigente, amadores podem participar, mas expertos são insubstituíveis, versatilidade
metodológica é indispensável (Keen, 2007. Kittur et alii, 2007). Pesquisa não precisa ser
consequência de sofisticação obsessiva, já que, podendo todos aprender (Grossi, 2004), todos
podem pesquisar, mas implica procedimentos formais como parte de sua qualidade (Booth et alii,
2008).
No cenário da qualidade política trata-se de trabalhar pesquisa como componente
pedagógico da formação do aluno. Embora não se reduza à qualidade formal, forma com ela
dupla inseparável. Não pode, por isso, ser buscada fora da qualidade formal, mas dentro dela,
tomando-se em conta a politicidade do conhecimento (Demo, 2002; 2010). Por ser dinâmica
vinculada a inovações e alternativas de desenvolvimento, conhecimento é expressão de poder e
influência, sendo-lhe intrínseca esta marca (Mouffe, 2005). Sua politicidade não é corrupção
provinda de fora malevolamente, mas parte de sua estruturação e funcionamento. Faz bem o
método científico em propugnar em favor de postura distanciada, dita objetiva e neutra, mas isto
é apenas boa vontade (ou “princípio”). Na via real, nada alimenta mais a competitividade do que
conhecimento inovador. Entendendo-se pesquisa como atividade política também, torna-se mais
fácil aceitar sua função pedagógica, sem recair em proselitismo ou politicagem. Para
percebermos mais de perto o contexto educativo da pesquisa, é útil visualizar como qualidade
formal e política podem entrelaçar-se: quando o aluno aprende método científico, conduz
projeto de pesquisa, exercita leitura crítica, fundamenta tudo que propõe, desconstrói e
reconstrói teorias para tornar-se autor, escuta com atenção argumentos alheios e muda
de visão, se for o caso, não está apenas fazendo ciência; está igualmente forjando sua
cidadania, à medida que burila a cidadania que sabe pensar. Deixa de lado o argumento de
autoridade (não é a rigor argumento) para assumir a autoridade do argumento. Enquanto o
primeiro é deseducativo, o segundo é educativo, porque proporciona a oportunidade de construir
o tipo de autonomia e autoria que convive com outras autonomias e autorias. A disputa por
argumentos bem fundados e nunca cabalmente fundados (Demo, 2009a) pode ser igualitária
porque é capaz de convencer sem vencer, usando como estratégia a força sem força do melhor
argumento (Habermas, 1989). Podem-se negociar consensos inteligentes, sem gritaria,
vociferação ou imposição, descobrindo-se que a convivência social mais digna é aquela
orientada pela autoridade do argumento. Sendo todo argumento aberto (pede naturalmente
contra-argumentação), o fundamento do questionamento é o autoquestionamento. Esta
qualidade política pode ser motivada no próprio exercício da qualidade formal, sem pieguices.
Qualidade política pode, naturalmente, provir de fora, como é o caso comum da extensão,
quando traz um político profissional para falar aos estudantes ou se organizam greves e
movimentos. No entanto, a qualidade política mais profunda é aquela encaixada na própria
dinâmica disruptiva e rebelde do conhecimento formalmente bem feito. Ainda, leve-se em conta
que qualidade política é ambígua: não quer dizer que sempre se volte para o “bem”. Pode-se
usar ciência para mil finalidades, nem sempre eticamente aceitáveis. Conhecimento científico, ao
destronar o argumento de autoridade em nome da autoridade do argumento, tornou-se o tipo
dominante de conhecimento na sociedade eurocêntrica, posando crescentemente como nova
religião, tamanha é a fé que nele se deposita (García-Carpintero & Köbel, 2008). Quando a
crítica não é autocrítica, dispensa a crítica. Vale sozinha, reincidindo naquilo que condenou. Dáse, por isso, grande valor a epistemologias críticas e autocríticas, ao estilo de Sócrates, porque o
primeiro a ser questionado é o questionador, assim como o primeiro a ser avaliado é avaliador
(Copeland, 2005. Boylan, 2009. McCreery, 2010). É neste sentido que professor precisa ser
pesquisador e educador, conjugando bem qualidade formal e política. A universidade é lugar
privilegiado para este tipo de atividade, o que a torna instituição de proa da sociedade atual,
trabalhando a referência mais sensível na sociedade em termos de produção de oportunidades,
que é conhecimento academicamente bem elaborado.
Gestação de oportunidades pressupõe autoria. Produzir oportunidades contém, dentro de
sua estrutura, produzir-se como fator primeiro da própria oportunidade. Oportunidades não são
dadas, semeadas a esmo, ou impostas. São construídas, dentro das circunstâncias dadas.
Universidade seria, então, a casa das grandes oportunidades para todos os jovens que aí
estudam, sem falar na produção de conhecimento em favor da sociedade como um todo. Hoje
estão na contramão. Agarrada ao instrucionismo (reprodução de conhecimento via ensino),
torna-se porta-voz de acervos alheios e obsoletos. Principalmente, é urgente modificar o conceito
e a prática do professor: não se define por aula, mas por autoria. Neste sentido, universidade
nova só é nova se abrigar professores novos. Seguindo modelos atuais, reproduz-se o mesmo
atraso, mesmo em estabelecimentos novos (Lipman, 2007). Há principalmente dois modelos
vigentes muito questionáveis:
O modelo da universidade federal e assemelhados, não porque seja pública e gratuita
(defenderia esta marca, já que educação não se vende, nem se compra), mas porque perdulária
nos gastos, entupida de professores que apenas dão aula (menos da metade seria suficiente),
frequentada por número muito baixo de alunos, marcantemente a serviço da elite, com muito
pouca pesquisa e baixos salários, em vista da “dedicação exclusiva”; é troféu dos que, podendo
fazer curso secundário privado e de bom nível, consegue depois estudar de graça; plantada no
currículo extensivo, afoga o aluno em conteúdos disciplinares sem devida aprendizagem,
mantendo-se alheia ao desafio de saber pensar; problemas principais seriam: i) grande parte dos
professores não é autor e mesmo assim dá aula; ii) tempo de pesquisa é usado para outras
atividades ou fica na ociosidade; iii) compromisso com a formação do aluno é quase nulo,
também porque extensão é proposta inepta;
O modelo da universidade privada, em especial as empresas lucrativas, não só porque sua
oferta se orienta pelos preços cobrados aos alunos, mas sobretudo porque a oferta noturna (é a
mais típica) é abreviada e arranjada, para caber no tempo disponível do aluno, em geral em
contexto instrucionista clamoroso, e no seu bolso; dificilmente se pesquisa, porque parece luxo
manter o professor para tanto; predominam professores horistas, contratados apenas para dar
aula, ignorando-se que aula supõe pesquisa; a titulação, como regra, é a mínima exigida por lei,
para baixar custos; enchem-se salas com alunos que apenas escutam, tomam nota e fazem
prova; por conta dos custos, é difícil ou impossível manter adequadamente cursos nobres como
medicina e engenharias.
Como sempre, em cada caso há exceções importantes. Há departamentos nas
universidades federais que sabem montar ambiente instigante de pesquisa e formação, em geral
com apoio do CNPq (esta instituição tem o mérito de alimentar a noção de professor
pesquisador), mas são ilhas de excelência. No espaço privado, há alhos e bugalhos também. As
universidades confessionais (em especial as PUCs), têm merecido amplo respeito da sociedade,
também porque reinvestem o que arrecadam na própria instituição. Têm também obtido
financiamentos públicos importantes. Há que se levar em conta que a iniciativa privada em
educação é constitucional. Não questiono isso. Muitos questionam o modelo lucrativo
empresarial, recentemente introduzido no Brasil e em franco progresso (Bok, 2003. Washburn,
2005). De fato, por questão de lucro, tais universidades se curvam a ofertas menos exigentes
(em geral das humanidades e similares) (McGann, 2009), evitando entrar em campos que
demandam pesquisa, laboratório, materiais importados etc. Aula em grandes anfiteatros não
precisaria ser problema, se nela apenas se introduz o assunto, deixando para outro momento a
atividade de aprendizagem propriamente dita, implicando pesquisa, elaboração, fundamentação,
e, naturalmente, grupo pequeno de estudantes (Kirp, et alii, 2004. Davidson & Goldberg, 2009).
A universidade representa a culminância da “alfabetização científica” (Akdur, 2009. Grinnell,
2009. Flick & Lederman, 2006), considerada uma das habilidades mais cruciais do século XXI
(Fadel, 2009. Compayré, 2009). É desperdício astronômico manter instituições instrucionistas,
porque não conseguem preparar seus alunos para a vida, nem para o mercado. São obsoletas e
seu “produto” é obsoleto. Muitas universidades federais colocam-se em patamares bem
superiores, mas giram em torno do instrucionismo, à medida que se mantêm, basicamente, como
entidades de ensino. Poderiam abrigar número muito mais elevado de alunos, caso admitissem
flexibilidade de oferta mesclada (blended), combinando presença física e virtual e desfazendo a
aula como referência didática central (Young, 2002). O corpo docente poderia ser bastante
menor e muito mais bem pago, iniciativa essencial para cultivar universidade de pesquisa de
excelência inequívoca. Ao mesmo tempo, é importante encontrar caminhos para evitar a “quota
da elite”, que sempre foram, sem, porém, incidir em critérios impróprios de seleção, como é cor.
As “novas” universidades federais criadas no Governo Lula representam iniciativa importante,
também porque algumas foram alocadas em interiores estratégicos, mas, como regra,
organizadas por ex-reitores de federais, replicam nelas as mesmas precariedades. Como não
são, em geral, grandes pesquisadores (estes têm mais o que fazer do que ser reitores), não
conseguem admitir que a novidade provém, principalmente, de uma fonte: professor. O mesmo
professor faz a mesma universidade (Christensen et alii, 2008).
FORMAR-SE, APRENDER
Embora toda universidade tenha algum departamento de pedagogia ou coisa parecida,
dificilmente se dá ao trabalho de discutir o que seria formação e aprendizagem, também porque,
como regra, a pedagogia aí exercitada é feita à moda antiga, tipicamente instrucionista. Diria que
pedagogia é o curso mais importante da universidade em nossos tempos, porque define o que é
aprender. Mais que criticar, é urgente resgatar este curso marcantemente estratégico, por mais
que seja um dos mais fracos e fortemente carregado de seleção negativa dos alunos (Demo,
2009). Seria de todo recomendável que o professor não assuma a função docente sem antes
preparar-se no curso de pedagogia, onde teria de aprender a cuidar da aprendizagem dos
alunos. Na prática, isto não se vê como problema. Havendo titulação exigida formalmente, o
docente entra em sala de aula e começa a lecionar, mesmo que nunca tenha produzido
conhecimento próprio. Pode dar “qualquer aula” dentro de sua graduação, porque se supõe que
a titulação seja suficiente. A função docente é reduzida a transmitir conteúdos curriculares, em
geral com apoio de apostilas, nas quais tudo já está arrumado. Basta repassar. Não se imagina
que produção própria seja requisito fatal. Aposta-se muito mais em retórica, motivação, simpatia,
do que em expertise construída com mão própria. Isto denota que a universidade ainda não toma
a sério o que é formação e aprendizagem. Literalmente falando, seus professores são
formadores mal formados, à imagem e semelhança da própria pedagogia obsoleta.
Formação significa o processo pelo qual a pessoa é apoiada por outra, em geral mais
adulta, no sentido da construção da autoria e autonomia. A outra pessoa é apoio, porque, na
verdade, ninguém emancipa ninguém. Entretanto, ninguém se emancipa sozinho, porque
autonomia só pode ser arquitetada na convivência com outros (Demo, 2005b). O outro nos
constitui. Formar-se significa aprender a construir-se como referência central das próprias
oportunidades, no contexto social. Duas referências são relevantes: i) autoria – habilidade de
construir a vida como texto próprio, no plano individual e coletivo, e como expressão da
cidadania ativa; ii) autonomia – habilidade de gestar roteiro de aperfeiçoamento incessante da
personalidade, tendo como resultado a constituição de sujeito capaz de história própria. Autoria e
autonomia não podem ser completas, porque não somos seres completos. Formação elevada
implica capacidade de convivência com outras autorias e autonomias, igualitariamente. Embora
sempre objeto de polêmicas, muitos ainda usam o termo alemão, Bildung, para designar este
processo de autoconstrução. Costuma-se dizer que formação é o que resta, depois que se
esqueceu tudo1. Todo aforismo exagera. Este também. Mas realça a repulsa ao instrucionismo, à
medida que descarta memorizações opressoras, repasses autoritários, disciplinarizações
1
Bildung ist das, was übrig bleibt, wenn man alles vergessen hat.
obsessivas, mormente reproduções curriculares (Socratic Method, 2009. Critical Thinking
Community, 2009. Garlikov, 2009)
No contexto atual, uma das referências fundamentais da formação está na produção
própria de conhecimento, porque conhecimento está entre as instrumentações mais poderosas
da autonomia e autoria. Mais antigamente, formação tinha sabor mais “clássico”, de fundo
cultural, humanístico, e mesmo retórico. Hoje centra-se na alfabetização científica (Dakers,
2006), porque conhecimento científico é visto como alavanca principal das oportunidades (Akdur,
2009). Pessoa educada era, antes, aquela que sabe comportar-se, fina, de berço. Hoje é a
pessoa “formada”, no contexto da aprendizagem permanente. Formação e aprendizagem não
são sinônimos, embora sejam parentes próximos. Aprendizagem acrescenta as habilidades
relativas à produção do conhecimento, desconstrutivas e reconstrutivas, em especial a
capacidade de usar a autoridade do argumento, a par da reestruturação constante dos
esquemas mentais de interpretação da realidade. Aprender a aprender é desafio tipicamente
formativo, no sentido de que se calca na gestação de autoria e autonomia. Temos atualmente
inúmeras teorias da aprendizagem, muitas de considerável sofisticação e alicerçadas em
processo reconhecidos de pesquisa, embora sejam, em geral, desprezadas na universidade em
nome da aula. Não cabe aqui fazer excurso detalhado dessas teorias. Ofereço apenas uma
síntese ilustrativa:
a) Aprender é dinâmica reconstrutiva, através da qual, partindo de conhecimento existente,
refazemos versões interpretativas, à medida que desestruturamos e reestruturamos
esquemas mentais; a inspiração maior desta percepção é o construtivismo piagetiano e
que tem como proposta fundamental que conhecimento não se reproduz; se constrói; a
criança aprende enquanto é levada a rever esquemas mentais que ela já assentou em
sua mente, por conta de realidades que não se encaixam; ocorre, pois, processo de
desestruturação, seguido de reestruturação em patamar mais elaborado, que recebeu a
denominação de “equilibração” (Piaget, 1990; 2007);
b) Esta visão foi amplamente recepcionada pela “autopoiese”, teoria biológica que entende
o ser vivo como dinâmica sempre em formação autônoma e autorreferente, de dentro
para fora; mesmo que se quisesse reproduzir conhecimento, seria impraticável, porque
a mente autopoiética não procede assim; assim como não existe possibilidade de um
povo reproduzir a cultura do outro, não há condição de pretender apenas copiar;
reunindo um grupo de 10 pessoas em torno da mesa e contando para a primeira uma
história, que é contada para a segunda até a décima, veremos facilmente que a história
avança com deturpações crescentes, por conta da percepção autorreferente de cada
contador (Maturana, 2001. Demo, 2002a); como diz o povo sabiamente, quem conta um
conto, acrescenta um ponto;
c) A noção reconstrutiva é igualmente patrimônio do sociointeracionismo de Vygotsky
(1989; 1989a), amplamente utilizada nos ambientes virtuais de aprendizagem, em
especial nos videogames (considerados por alguns autores como os ambientes mais
promissores vigentes) (Gee, 2003; 2007; 2010), sob o conceito de “scaffolding”:
aproveitando a metáfora dos andaimes na construção de prédios (o debaixo apoia o de
cima, elevando-se a construção); designa a mediação docente, necessária para abrir
oportunidades e desafios sempre mais elaborados para o aluno (“zona do
desenvolvimento proximal”, ou seja, a condição do aluno que pode enfrentar desafios
mais exigentes com a mediação docente, para além dos que já faz sozinho); indica que
a formação da autonomia e autoria carece da mediação docente, não na posição
instrucionista, mas de apoio pedagógico; esta teoria valoriza sobremaneira o professor
como mediador da aprendizagem, indicando que é função docente cuidar que o aluno
aprenda, empurrando-o para estágios cada vez mais elaborados e exigentes;
d) Cita-se ainda bastante a visão maiêutica socrática, uma das primeiras projeções
pedagógicas (quase 500 anos antes de Cristo), porque ancorada na construção de
percepção crítica autocrítica; o primeiro objeto da crítica é o crítico, pois a coerência da
crítica estão na autocrítica (Demo, 2010); tem inspirado visões pertinentes como a
“teoria crítica” (Darder et alii, 2009), e a “pedagogia histórica-crítica” (Saviani, 2005),
realçando mais que tudo sua qualidade política emancipatória; serve para fundar a
conquista da autonomia, arquitetada, porém, como habilidade de convivência
autocrítica, bem como a construção de espírito crítico, considerado hoje como uma das
habilidades do século XXI (Copeland, 2005. Fadel, 2009); a maiêutica foi,
possivelmente, uma das primeiras versões do “sabe pensar” (Demo, 2000. Chaves,
2009. Copeland, 2005);
e) Há muitas outras referências que assinalo aqui sumariamente: i) aprendizagens
situadas, proposta elaborada em especial por Gee (no contexto dos videogames), cuja
marca maior é, através de simulações, oferecer ao aluno cenários que parecem
concretos e manipuláveis, em especial em áreas mais abstratas, como matemática
(2004); ii) aprendizagens por problematização, fundamentadas na organização curricular
em torno de problemas pertinentes e interessantes, capazes de representar desafios
motivadores para o aluno (Savin-Baden & Wilkie, 2006), a exemplo dos videogames que
são, com efeito, problemas excitantes; iii) aprendizagens significativas, orientadas para
a ideia de que somente nos motivamos e aprendemos o que nos parece relevante e
significativo para nossas vidas (Fink, 2003), tornando-se propostas abstratas difíceis de
manejar por parecerem distantes e não manipuláveis;
f) Caberia citar a pedagogia histórica-crítica, por ser patrimônio nosso e por incorporar
componentes emancipatórios próprios de autores como Gramsci e Paulo Freire (Saviani,
2005. Darder et alii, 2009), ressaltando a politicidade das aprendizagens; dedica-se
precipuamente à inclusão de alunos marginalizados, buscando tomar a sério a
problemática lancinante da escola pública onde estudam 90% dos alunos do ensino
fundamental; contrapõe-se à pedagogia dominante considerada neoliberal e alienante,
buscando espaços alternativos de formação discente e atuação docente; a discussão
sobre aprendizagens nem sempre é suficiente, guardando ainda certo ranço
instrucionista, à medida que toma a didática vigente como aparentemente adequada;
mesmo assim, é o que temos de melhor no cenário nacional, com a vantagem de ser
produção própria.
Em suma, todas essas proposições têm em comum, em maior ou menor grau, a noção
reconstrutiva das aprendizagens inspirada na autoria, postando o aluno como sujeito e o
professor como mediador crucial. Ressalta-se ainda a politicidade da aprendizagem, à medida
que o processo formativo resulta no forja do sujeito capaz de história própria, individual e
coletiva. Conhecimento se constrói, formação aposta na autoria e autonomia, educação alimenta
a cidadania. A percepção política das aprendizagens é menos visível em teorias mais clássicas,
como a piagetiana, não havendo, porém, obstáculo propriamente. Isto torna posicionamentos
críticos fundamentais para a formação do aluno e do professor (Hooks, 2009. McCreery, 2010).
Este cenário, entretanto, ficaria incompleto e envelhecido, caso não se tomassem em conta
os “ambientes virtuais de aprendizagem”, cuja presença nos processos formativos só tende a
aumentar e serão, um dia, predominantes (Demo, 2009. Pratt, 2009. Aldrich, 2009). Sendo o
aproveitamento educacional de plataformas virtuais ainda relativamente recente (Mason &
Rennie, 2008. Ertl, 2010), este horizonte pode causar algum susto e incompreensão, também
porque não faltam abusos, em especial no que se tem chamado de “educação à distância” (Clark
& Mayer, 2008. Horton, 2006). Muitos professores ainda duvidam que se possa aprender
adequadamente sem sua presença física, especialmente sem sua aula (Schneider, 2007).
Colocando-se no centro do sistema, postula o aluno como plateia cativa, cuja função é frequentar
aula, tomar nota e fazer prova, engolindo conteúdos em geral copiados. Outros temem o advento
das novas tecnologias, seja porque, ao lado de inovações pertinentes, há problemas e riscos
eminentes e iminentes (Siegel, 2008), seja porque sempre surge a ideia apressada de que
substituiriam os docentes, seja porque, colocando o aluno no centro, não haveria mais como
manter a “disciplina” em sala de aula. Facilmente as novas gerações veem computador e internet
como espaço de liberdade de expressão (Tapscott, 2009. Atton, 2004), também de seu abuso,
por mais que análises críticas apontem para o mundo virtual como mundo de controle sob outras
artimanhas (Galloway, 2004. Goldsmith & Wu, 2006. O’Neil, 2009. Fabos, 2008). A discussão em
geral admite que a tendência futura é de ajeitar a mescla entre cursos de presença física e
virtual, possivelmente com a predominância da última (Bracken & Skalski, 2010. Levinson, 2009).
Não seria o caso oferecer cursos apenas com presença física ou apenas com presença virtual
(Tomlison et alii, 2008. Kidd & Chen, 2009. Heider, 2009).
Também faz parte desta discussão que o professor não será substituído: ele continua
sendo a principal “tecnologia”, insubstituível na condição de mediador. Será, porém, substituído o
professor que, sem autoria, dá aula, porque, a rigor, inaproveitável. Apenas expor conteúdos,
mesmo que de modo não instrucionista, vai se tornando tarefa virtual, agregada em vídeos,
DVDs, ambientes eletrônicos, plataformas virtuais, portais, etc., onde os alunos podem encontrar
os conteúdos expostos, com a vantagem de que podem ser continuamente atualizados. O
professor mediador, em especial o professor maiêutico, não sai de cena. Ao contrário, vai ocupar
tanto mais e melhor seu lugar na cena, não no centro (o centro é do aluno), mas na função
mediadora. A grande questão, porém, é garantir em ambientes virtuais condições adequadas de
aprender bem. Ninguém questionaria a educação à distância, se nela se aprendesse bem. A má
fama advém da suspeita de que se trata de proposta ajeitada, apequenada, sumária, facilitada.
Muitas vezes é. Mas não precisa ser. Assim, o que está em jogo nos ambientes virtuais de
aprendizagem não é a questão das novas tecnologias (estas vão muito bem, obrigado!), mas até
que ponto seriam expressão de oportunidades pertinentes de aprender bem, com a vantagem de
implicarem habilidades do século XXI, como fluência tecnológica, textos multimodais, modos
coletivos de produzir conhecimento, mobilidade de participação (Demo, 2009).
Temos alguns exemplos concretos muito ilustrativos, em especial da wikipedia. Embora
também cercada de polêmicas e ambiguidades (guerra das edições, vandalismos, muitos textos
primários, hierarquias administrativas crescentes, etc.) (O’Neil, 2009. Nicotext, 2009. Criticism of
Wikipedia, 2009. Viegas et alii, 2007), está sendo autêntica “revolução” (Lih, 2009. Baker, 2008),
no sentido de inaugurar “novas epistemologias”, fomentar a produção coletiva desinteressada,
montar uma enciclopédia sempre atualizada e útil. Como todos podem editar, os textos são
sempre abertos, indicando que conhecimento não se conclui, ao contrário da crença modernista
linear. Muita gente aprendeu a fazer texto científico deste modo, aprimorando a perspectiva da
alfabetização científica, por mais que aí trabalhem amadores e surjam textos frívolos (é bem
mais comum texto sobre alguma estrela de televisão do que sobre Sócrates). A wikipedia não
substitui outras enciclopédias manejadas por expertos, mas é produto de valor reconhecido,
rivalizando claramente com outras, como a Britânica (Giles, 2005).
O ambiente da wikipedia pode ser visto como intensamente formativo, à medida que
promove a participação desinteressada (cultura do dom) (Benkler, 2006. Benkler & Nissenbaum,
2006), a produção e autoria coletiva, o exercício da autoridade do argumento (não vinga
qualquer argumento de autoridade, porque todo texto é, por definição, discutível), a negociação
de consensos possíveis, a convivência de autonomias e autorias diversificadas. Também em
blogs podem-se encontrar algumas dessas características, incentivando a autoria dos
participantes, como é comum na assim dita web 2.0. Exercitam-se “novas alfabetizações” (Coiro
et alii, 2008. Lankshear & Knobel, 2007. Sheridan & Inman, 2010), fluência tecnológica, feitura
de textos multimodais (para além do meramente impresso), o uso da imagem e movimento como
argumentação (não apenas ilustração), o que condiz com exigências e expectativas das novas
gerações, sem falar que são ambientes mais facilmente motivadores. Descortinam-se infinitas
oportunidades de autoria, inclusive seu questionamento (em especial do copyright), à medida
que as plataformas digitais impulsionam modos interativos e participativos de reconstrução
textual. Não havendo propriamente ideia original, pois as mentes não são (são produto
evolucionário, histórico e cultural), sempre aparece a preferência por acesso desimpedido a
todos os textos, facilitado pelo software livre (Lessig, 2004; 2005). No plano individual e
subjetivo, porém, todos somos autores autorreferentes, sinalizando o horizonte da autonomia
própria. Formação adequada promove ambos os horizontes da produção coletiva e individual
(Kittur et alii, 2007).
Esta apreciação dos ambientes virtuais de aprendizagem não pode recair no determinismo
tecnológico (Fuchs, 2008), na euforia dos amadorismos (Keen, 2007. Bauerlein, 2008) ou nos
modismos que apagam os passados em nome de futuros muito ambíguos (Levinson, 2009). O
“olhar do educador” torna-se essencial, para podermos filtrar o que realmente interessa para a
formação adequada e atualizada das novas gerações, sem apor resistências apenas antiquadas.
Tecnologia não é apenas “meio”, como em geral os pedagogos afirmam (também para livrar-se
dela). É alfabetização, sendo fluência tecnológica uma das habilidades do século XXI. Como
somos também tecnologia da natureza (a produção da vida e do ser humano no processo
evolucionário tem a marca da inovação tecnológica), nossa relação com tecnologia não se
esgota como mero meio (Ulanowicz, 2009. Fuchs, 2008). Podemos resumir o desafio das
aprendizagens como a busca por autoria individual e coletiva, dinâmica ressaltada por todas as
teorias mais consistentes e muito impulsionada pelas novas tecnologias. A atual universidade
está na contramão, tanto porque vegeta no instrucionismo, quanto porque ignora, em grande
parte, as habilidades do século XXI. Pesquisa, de novo, comparece como referência crucial.
TRAÇOS DA CONDIÇAO DOCENTE E DISCENTE
Utilizo alguns dados fornecidos pelo MEC/INEP, com o objetivo de conferir um pouco mais
de concretude à minha análise dos docentes (Ministério da Educação/Inep, 2009). Trata-se de
cifras muito gerais que permitem apenas um relance inicial, mas, ainda assim, importante para
divisarmos alguns traços desta realidade tão complexa. Aparece também terminologia
ultrapassada, como a designação de “graduação presencial”, que serve para distinguir de cursos
à distância. Fica a impressão de que em cursos à distância os alunos não estariam “presentes”,
por mais que esta modalidade esteja em franco progresso e reconhecimento oficial. Fica
igualmente a impressão de que aprendizagem vista como mais autêntica seria aquela
organizada em torno da presença física do aluno e do professor. Não caberia mais esta maneira
de ver, o que indica certa desatualização do Ministério da Educação.
Observando a Tabela 1, que oferece alguns indicadores da educação superior na
modalidade “presencial” para 2008, podemos retirar algumas referências analíticas, tais como:
a) A esfera pública (federal, estadual e municipal) é a que mostra razão mais elevada
referente a cursos por instituição: 26,5 na média total, 35,9 na esfera estadual, 26,5 na
federal e apenas 10,2 na municipal; este último indicador aproxima-se da esfera privada
(razão de apenas 8,3), sugerindo que a oferta municipal é um pouco estranha ao ninho
público, guardando modos mais próprios da oferta privada; a esfera estadual, como se
sabe, é muito híbrida, abraçando desde as melhores universidades do país (estaduais
paulistas – USP, UNICAMP, UNESP) até outras em estados menos avançados e
reconhecidamente de qualidade muito baixa; de todos os modos a oferta estadual tem
representado a manutenção de oferta pública e gratuita para a demanda em cada
estado; ademais, como aparece no total geral de apenas 10,3 cursos por instituição,
nota-se uma oferta restrita que uma análise mais detalhada iria descobrir que se trata de
cursos menos complexos e exigentes, algo bem comum na esfera privada;
Tabela 1. Indicadores da educação superior, graduação presencial - Brasil - 2008.
Graduação Presencial
Indicadores - razão
Pública
Total geral
Total
Federal
Estadual
Municipal Privada
Cursos/Instituição
10,3
26,5
28,6
35,9
10,2
8,3
Candidatos/Vaga
1,9
7,1
8
8,8
1,3
1,2
Matrículas/Docente em exercício
15,8
11,4
10,4
11,7
17,4
18,2
Matrículas Femininas
54,6
52
49,7
54,4
53,9
55,5
Matrículas - Turno Noturno
62,6
37,7
25,9
43,5
71,6
70,9
Docentes femininas (exercício e afastadas)
44,9
43,5
41,2
46,7
44,1
45,7
Docentes (exercício e afast.) - Tempo integral
39,1
76,7
85,8
73,7
21,2
18,6
Mestres em exercício
35,6
27,5
25,9
27,5
39,7
40
Doutores em exercício
24
44,3
49,5
42,1
16,3
13,1
Indicadores - percentual
Fonte: MEC/INEP/Deed.
b) A esfera estadual mostrava a melhor relação de candidato por vaga, de 8,8, com média
de 7,1 na esfera pública, muito diferente da situação privada e municipal (em torno de 1
apenas); esta relação baixíssima acaba influindo no total geral de apenas 1,9: não
comparecem sequer dois candidatos por vaga, indicando já alguma saturação do
sistema universitário; esta média, porém, distorce o fato de que na esfera pública (com
exceção da municipal), a demanda continua elevada, ao combinar, em geral, qualidade
mais convincente com gratuidade;
c) Já na relação de matrícula por docente em exercício, a maior encontrava-se na esfera
privada (18,2), sendo a mais baixa a da esfera federal (10,4), reforçando um
questionamento geralmente feito a ambos os casos: nas federais há número insuficiente
de alunos por professor, enquanto há demais nas privadas; note-se que a razão
municipal era bem similar à das privadas (17,4); ocorre que tais cifras encobrem práticas
instrucionistas que, em vez de cuidar da aprendizagem dos alunos, oferecem aulas a
salas cheias ou vazias;
d) Matrículas femininas superavam as masculinas, sendo a relação mais elevada nas
privadas; este dado guarda forte dubiedade: de um lado, aponta para tendência
fundamental de emancipação feminina, à medida que
esta avança claramente na
ocupação das matrículas, em especial em áreas nobres, como medicina; de outro, como
a relação mais elevada era a das privadas, isto poderia insinuar que a mulher ainda
tende a ocupar cursos menos nobres e mais “facilitados”, em especial os voltados para
docência básica e sem maiores exigências metodológicas formais;
e) A oferta noturna era amplamente dominante (de 62,6% no total geral), em especial nas
esferas municipal (71,6%) e privadas (70,9%); isto corresponde a um traço notório dos
alunos trabalhadores que não podem estudar durante o dia, concentrando-se
claramente nas duas ofertas menos qualitativas (privada e municipal); já as federais
apresentavam apenas 25,9% de matrículas noturnas, assinalando estilo elitista de oferta
(para alunos que não precisam trabalhar); por outra, sendo de 43,5% as matrículas
noturnas nas estaduais (chegando já perto da metade), denota estilo mais híbrido de
oferta, próprio deste sistema (mescla as melhores universidades do país – as paulistas
– com outras tantas muito precárias); é preocupante esta constatação: a oferta noturna
coaduna-se com demanda menos pretensiosa, na qual também se oferecem cursos
menos exigentes; em parte, é grande injustiça para com os alunos (não podem ser
prejudicados porque não conseguem deixar de trabalhar), em parte persiste como
referência de ofertas decaídas;
f)
A proporção de docentes femininas se aproxima daquela masculina (44,9% no total
geral), denotando avanço considerável e desejável, ainda mais se observarmos que as
cifras são similares em todas as esferas;
g) A proporção de docentes de tempo integral desvela diferenças notáveis: enquanto era
de 85,5% nas federais, chegava a apenas 18,6% nas privadas; a taxa das municipais
também era muito baixa (21,2%); assim, para o total geral esta relação não atingia 40%,
sugerindo que a profissão docente universitária ainda era, amplamente, de tempo
parcial, o que, desde logo, prejudica o compromisso com a pesquisa;
h) A proporção de doutores revela traço similar: enquanto eram 49,5% (praticamente
metade) nas federais, ficavam em meros 13,1% nas privadas, e 16,3% nas municipais;
nas privadas estaria o reino dos mestres (40%), nas federais o reino dos doutores; no
total geral, a proporção era de apenas 24,0% de doutores.
Desses dados muito gerais podemos concluir que persistem diferenças altissonantes entre
esfera pública e privada, por mais que na esfera pública a municipal demonstre traços mais
próprios da privada. Fica claro que a oferta noturna continua dominante, em especial em
sistemas menos qualitativos, apontando para injustiça flagrante contra alunos trabalhadores,
enquanto as federais insistem na oferta diurna, de tom elitista. A aversão à pesquisa torna-se
nítida no sistema privado e municipal, onde docentes de tempo integral são poucos. Embora
tempo integral não signifique necessariamente produção científica própria elevada, cabe
assinalar que a profissão docente ainda é marcada pelo tempo parcial. A Tabela 2 indica que o
regime de trabalho mais comum ainda era a “hora-aula” em 2008 (40,52%, para o total), um
pouco acima do tempo integral (39,06%). Nas Universidades o perfil do regime de trabalho era
muito diverso daquele dos Centros Universitários e Faculdades.
Tabela 2. Funções docentes (em exercício e afastados), por regime de trabalho - Brasil - 2008.
Regime de trabalho
Total
Universidades
Centros Universitários
Faculdades
Total
338890
52,57%
10,68%
36,75%
Integral
39,06%
57,89%
20,92%
17,41%
Parcial
20,42%
20,22%
24,74%
19,44%
Hora-aula
40,52%
21,89%
54,34%
63,15%
Fonte:MEC/INEP/Deed.
Nas universidades, o tempo integral se aproxima dos 60%, enquanto era de 20,92% nos
centros universitários e 17,41% nas Faculdades. Nessas, o regime da “hora-aula” atingia a
63,15% (quase dois terços dos docentes), insinuando que este é o regime típico de trabalho; nos
Centros Universitários, a hora-aula chegava a 54,34%, enquanto era de 21,89% nas
Universidades. Esta cifra já era absurda, porque a noção de hora-aula contém perversidade
afrontosa, à medida que se contrata “aula” desvinculada do pagamento pela preparação dela,
favorecendo a aula sem autoria. Embora o tempo integral nas Universidades se aproximasse já
dos 60%, não segue daí que todos os docentes deveriam alocar-se neste regime de trabalho.
Pode haver professores de tempo parcial, desde que inapelavelmente pesquisadores, o que
pode acontecer em esferas profissionais nas quais se cultivam perfis acadêmicos de
desempenho2. No entanto, pesquisa compatibiliza-se mais facilmente com tempo integral, e
jamais com “hora-aula”, que, na prática, é proposta de colonização de docentes. Professores
pesquisadores de tempo parcial podem carregar consigo a vantagem de introduzir na academia
o olhar da pesquisa vinculada à intervenção na realidade, algo que muitas vezes falta na
Universidade. Observar a sociedade apenas pela janela da Universidade pode acarretar
marcante miopia analítica.
A Tabela 3 apresenta cifras muito preocupantes em termos da titulação acadêmica dos
docentes, por conta de taxas elevadíssimas de docentes dotados de especialização apenas
(pós-graduação lato sensu). Em 2002, esses docentes eram ainda grande maioria nas
municipais (60,1%) e ainda maioria (50,2%) nas privadas, descendo para 44,0% e 46,9% em
2008, respectivamente. O sistema municipal, em 2008, ostentava cifra menor (44,0%) em
comparação com o privado (46,9%), denotando, talvez, política mais acertada. Espanta, porém,
que mesmo nas federais docentes com apenas especialização ainda eram 30,4% em 2002,
mantendo-se em 24,5% em 2008, apesar do relativo avanço (por volta de seis pontos
percentuais). As federais avançaram em docentes com doutorado: eram 41,2% em 2002, e
49,5% em 2008, já quase metade.
2
Para dar exemplo pessoal: Fui por longos anos professor de tempo parcial no Departamento de Sociologia da UnB,
enquanto era Técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA. No IPEA a função era marcantemente acadêmica, compatibilizandose bem com Sociologia na universidade, com a possível vantagem de poder observar a realidade social sob o ângulo de
intervenções práticas.
No sistema privado, contudo, doutores eram 12,0% em 2002 e 13,1% em 2008; mestres
eram 37,8% em 2002 e 40,0% em 2008, indicando que esta estrutura resiste bravamente, talvez
também por conta dos custos, sem falar na manutenção do especialista ainda como docente
apto (é mais caro contratar doutores). As federais movem-se melhor, mas não deixa de ser
constrangedor que, em 2008, ainda um quarto dos seus docentes tinha apenas especialização.
Esta discussão, porém, precisa ser posta com devida cautela, porque titulação não é referência
sagrada. A presença maior de doutores cumpre uma razão formal (necessária, naturalmente),
mas não tem automaticamente os efeitos de pesquisa e formação discente esperados.
Tabela 3. Docentes em exercício, titulação, dependência administrativa - Brasil - 2002 e 2008.
Ano
Titulação
Total
Federal
Estadual
Municipal
Privada
227844
45907
32481
5618
143838
44,4
30,4
35,6
60,1
50,2
Mestrado
34
28,4
25,5
30
37,8
Doutorado
21,6
41,2
38,8
9,9
12
321493
61783
42042
8069
209599
Até especialização
40,4
24,5
30,4
44
46,9
Mestrado
35,6
25,9
27,5
39,7
40
Doutorado
24
49,5
42,1
16,3
13,1
Total
2002
Até especialização
Total
2008
Fonte: MEC/INEP/Deed.
Há doutores que não pesquisam nada, além de oferecerem aulas incompetentes, bem
como há especialistas que cuidam bem da aprendizagem dos alunos, à medida que alimentam
produção própria condizente. Seja como for, essas cifras desvelam que a estrutura docente
universitária ainda é frontalmente instrucionista, combinando tempo integral exíguo e titulação
insuficiente como fatores mais tendenciais da mediocridade acadêmica e educacional. A horaaula ainda era pecha avassaladora do sistema. Existe alguma preocupação com a titulação
docente, em especial nos sistemas públicos, mas avança muito devagar. No sistema privado,
está quase estagnado, indicando que a oferta de mera aula é seu negócio.
A Tabela 4 revela que a estrutura da titulação mostra resistência histórica visível: em 2002,
docentes com apenas especialização eram 44,40%, caindo em 2008 para 40,37%, ou seja, uma
diminuição muito pequena. Isto pode ser função de que a formação de mestres e doutores seja
mais lenta do que se espera, sem falar em sua resistência a morar em interiores do país. A
proporção de mestres subiu de 33,07% em 2002, para 35,63% em 2008; a de doutores subiu de
21,63% em 2002, para 24% em 2008. Tudo parece muito devagar.
Tabela 4. Docentes em exercício, por titulação - Brasil - 2002 a 2008.
Ano
Total
Titulação
%Δ
Até especialização
%Δ
Mestrado
%Δ
Doutorado
%Δ
2002
227844
...
44,40%
...
33,97%
...
21,63%
...
2003
254153
10,4
43,43%
9,1
35,13%
13,3
21,44%
9,5
2004
279058
8,9
43,71%
10,5
35,35%
9,5
20,94%
6,7
2005
292504
4,6
42,42%
1,7
35,94%
6,1
21,64%
7,7
2006
302006
3,1
41,54%
1,1
36,08%
3,5
22,38%
6,3
2007
317041
4,7
41,36%
4,5
36,64%
3,6
23,00%
7,3
2008
321493
1,4
40,37%
-1
35,63%
1,4
24,00%
5,5
Fonte: MEC/INEP/Deed
Em 2008, a proporção de especialistas (40,37%) ainda estava bastante acima da dos
mestres (35,63%) e doutores (24%). Especialistas eram quase o dobro dos doutores. Nas
Universidades (Tabela 5) a proporção de doutores era a mais elevada (37,81%), enquanto ficava
em 13,04% nos Centros Universitários e em meros 9,24% nas Faculdades, em 2008.
Especialistas eram 30,90% nas Universidades, subindo para 43,76% nos Centros Universitários
e a mais da metade (52,63%) nas Faculdades. Como, por lei, Centros Universitários e
Faculdades não têm compromisso com pesquisa, apenas com ensino, neles apenas “se ensina”.
Tabela 5. Funções docentes em exercício, titulação, organização acadêmica - Brasil - 2008
Titulação
Total
Universidades
Centros Universitários
Faculdades
Total
321493
52,06%
10,76%
37,18%
Até especialização
40,37%
30,90%
43,83%
52,63%
Mestrado
35,63%
32,29%
43,12%
38,13%
Doutorado
24,00%
36,81%
13,04%
9,24%
Fonte: MEC/INEP/Deed.
Este perfil da titulação, ainda que deva ser tomado com alguma cautela, indica o quanto o
sistema permanece instrucionista, se levarmos em conta que a probabilidade do especialista
estar menos bem preparado e mais envolvido com o instrucionismo é elevada. Esta legislação,
infelizmente, representa atraso clamoroso, por mais que tenha a seu favor que não se pode
inventar pesquisa de qualquer maneira. Os problemas advêm de longe, desde a educação
básica, quando combinando a todo vapor atividades instrucionistas docentes e discentes, se
planta sistema apenas voltado para a aula reprodutivista. Não estaria fora de lugar afirmar que
este sistema é sistema monumental de plágio docente e discente (Blum, 2009). Prolifera, então,
a apostila, porque serve de bengala salvadora para quem não tem produção própria. Sobretudo,
alimentamos conceito e prática muito equivocados de docência. Regime de tempo parcial me
parece aceitável até certo ponto, dependendo da produção própria de cada docente, mas “horaaula” é algo incongruente com toda a expectativa da formação superior própria do século XXI.
Mais que aumentar a produção de pós-graduados lato sensu, em particular de doutores, é
preciso refazer o que se entende por professor. Na situação atual, as instituições se enchem de
aulas e de gente que dá e escuta aula, um espetáculo dantesco de atraso.
O sistema privado é bem mais vulnerável, tanto porque oferece grande parte dos cursos
noturnos, cobra dos alunos, como porque, adequando custos, tende a propor acessos menos
qualitativos. Isto se pode aquilatar pelas vagas ociosas (Tabela 6), que são uma montanha nas
entidades privadas: 1.442.593, em 2008, constituindo 97,52% de todas as vagas ociosas. A
ociosidade no sistema público parece residual, não chegando a 3% entre 2002 e 2008.
Tabela 6. Vagas ociosas na graduação presencial - Brasil - 2002 a 2008.
Ano
Total
Pública
Privada
Total
Federal
Estadual
Municipal
2002
567974
2,62
0,3
1,19
1,12
97,38
2003
739779
1,91
0,12
0,42
1,37
98,09
2004
1017311
2,09
0,1
0,61
1,27
97,91
2005
1038706
2,38
0,19
0,6
1,59
97,62
2006
1181089
2,85
0,2
0,73
1,92
97,15
2007
1341987
2,29
0,25
0,3
1,74
97,71
2008
1479318
2,48
0,5
0,3
1,69
97,52
Fonte: MEC/INEP/Deed.
Por tais dados, seria possível aventar que a gratuidade desempenha papel decisivo. A
condição do sistema municipal em geral se parece bastante com a do sistema privado. Neste
caso, porém, não. Vagas ociosas no sistema municipal eram muito pequenas (não chegavam a
2%) entre 2002 e 2008. Candidatos que não conseguem entrar em universidades de ponta e
gratuitas, procuram entidades públicas, mesmo de nível inferior, porque o “bolso” fala mais alto.
Não é assim que toda a oferta privada seja duvidosa, também porque existe no sistema público
igualmente. Entidades confessionais e algumas outras privadas guardam bom nome. Mas, no
contexto da concentração de renda do país, a capacidade de pagar por sua própria formação
superior parece restrita. Por isso, vagas ociosas no sistema privado apresentam números
impressionantes (aproximando-se, em 2008, de um milhão e meio).
A Tabela 7 toca a questão hoje candente da “educação à distância”, em parte ainda tabu,
mas em franco progresso. Sua evolução se mostra grandiosa: de 20.658 ingressos em 2002
para 430.259 em 2008 (crescimento superior a 20 vezes). Em 2005 ouve um salto de 407,9%
nos ingressos, denotando possivelmente o ano da virada. As matrículas cresceram por volta de
18 vezes no período. Os concluintes cresceram por volta de 41 vezes, saindo de 1.712 em 2002,
para 70.068 em 2008. Embora acuse um recuo em 2007 (crescimento de apenas 15,5%), em
2008 o crescimento foi de 235%. Quanto a ingressos, em 2003 ocorreu queda de 31,2%,
mostrando que a ideia da educação à distância ainda estava vacilante. Mesmo assim, no mesmo
ano aconteceu crescimento de 133,9% nos concluintes, indicando que a proposta poderia dar
certo. Em geral, quase todas as cifras de crescimento são impressionantes, bastando observar
as de 2008: 42,2% de crescimento nos ingressos, 96,9% nas matrículas e 135% nos concluintes.
Embora se constitua ainda em oferta restrita (por volta de 14%), a educação à distância, em que
pese esta denominação obsoleta, veio para ficar. Pesa sobre ela ainda certa “má fama”, porque
facilmente se descreve como oferta “ajeitada” para quem não quer escutar aula, ir à faculdade
toda noite, e despender tempo com os estudos. Em parte isto pode ser verdadeiro. No entanto,
o instrucionismo da oferta não é próprio desta modalidade; é patrimônio nacional, de alto a baixo.
No entanto, as conclusões são, entre outras dimensões, desafio urgente. Como aparece na
Tabela 7, a relação entre concluintes e ingressos, bem como entre concluintes e matrículas era
baixíssima, denotando nível escabroso de produtividade acadêmica. Esta relação precisa ser
tomada com cautela, porque é feita sobre ingressos e matrículas de quatro anos antes (para
cursos que duram quatro anos). No caso dos ingressos (comparação menos inconveniente), em
2008, a taxa foi de só 16,29%, mesmo tendo se expandido notavelmente com relação ao ano
anterior (9,85%). No início (2002), a taxa foi de 8,28%, mostrando o quanto a oferta era vista com
restrições. Nos dois anos subsequentes chegou a quase 30%, e nunca mais se repetiu.
Tabela 7. Evolução de Ingressos, Matrículas e concluintes na Educação à Distância - Brasil - 2008.
Ano
Ingressos (I)
%Δ
Matrículas (M)
%Δ
Concluintes (C)
%Δ
C/I
C/M
2002
20685
...
40714
...
1712
...
8,28%
4,20%
2003
14233
-31,2
49911
22,6
4005
133,9
28,14%
8,02%
2004
25006
75,7
59611
19,4
6746
68,4
26,98%
11,32%
2005
127014
407,9
114642
82,3
12626
87,2
9,94%
11,01%
2006
212246
67,1
207206
80,7
25804
104,4
12,26%
12,45%
2007
302525
42,5
369766
78,5
29812
15,5
9,85%
8,06%
2008
430259
42,2
727961
96,9
70068
135
16,29%
9,63%
Fonte: MEC/INEP/Deed.
Tomando-se em conta a taxa de concluintes da assim dita “graduação presencial” (Tabela
8), esta é extremamente mais favorável, mesmo no sistema privado. Primeiro, as cifras se
mantêm razoavelmente estáveis durante o período (2002 a 2008). Segundo, o sistema privado
acusava taxas sempre acima de 50%, que, embora pequenas, eram muito superiores àquelas da
educação à distância. Terceiro, no sistema público a taxa de conclusão é marcantemente mais
elevada3. Não é satisfatória, em especial quando se leva em conta sua gratuidade e o que isto
implica para a sociedade.
Tabela 8. Proporção de concluintes em relação a ingressantes quatro anos antes - graduação presencial - Brasil 2002 a 2008.
Ano
Total
Pública
Privada
Total
Federal
Estadual
Municipal
2002
59,2
69,5
69
76,2
52,5
55,3
2003
58,9
72,6
71,8
71,3
81,5
54
2004
60,4
82,7
72,7
95,9
79,8
53,6
2005
59,6
69,7
70,2
69,9
67,3
56,5
2006
58,3
68,6
69,4
70,3
60,6
55,6
2007
58,1
67,4
72,6
63,8
62,4
55,4
2008
57,3
65
67
64,3
61,2
55,3
Fonte: MEC/INEP/Deed.
A Tabela 9 mostra a evolução institucional da educação à distância: em 2002, eram apenas
25 Instituições de Ensino Superior (IES) envolvidas; seis anos depois, em 2008, já eram 115. Os
cursos oferecidos eram 46 em 2002, subindo para 647 em 2008, um crescimento de 14 vezes.
As vagas ampliaram-se em ritmo ainda mais veloz: eram 24.389 em 2002, e nada menos que
1.699.489 em 2008 (setenta vezes mais). Um fato surpreendente é que em 2002 houve mais
inscritos que vagas, o que talvez expressasse a pressão da demanda. No entanto, logo no ano
subsequente (2003), os inscritos caíram 26,4%, possivelmente indicando turbulências próprias
de uma novidade ainda incômoda. Em 2004, porém, os inscritos saltaram 131,8% e em 2005
nada menos que 360,7%. Nos anos seguintes a inscrição se acalmou visivelmente, embora
revelasse para 2007 e 2008 taxas por volta dos 30%. Isto se pode ver melhor na relação entre
inscritos e vagas: as vagas se multiplicam muito mais que as inscrições, desenhando-se o
cenário de vagas ociosas (veja acima).
3
estranha.
Consta na Tabela 8 que esta taxa chegou a 95,9% no sistema estadual em 2004, uma cifra surpreendente ou
Tabela 9. Evolução das IES, cursos, vagas e inscritos na Educação à Distância - Brasil - 2002 a 2008.
Ano
IES
%Δ
Cursos
%Δ
Vagas (V)
%Δ
Inscritos (I)
%Δ
I/V
2002
25
...
46
...
24389
...
29702
...
121,74
2003
37
48
52
13
24025
-1,5
21873
-26,4
91,04
2004
45
21,6
107
105,8
113079
370,7
50706
131,8
44,84
2005
61
35,6
189
76,6
423411
274,4
233626
360,7
55,18
2006
77
26,2
349
84,7
813550
92,1
430229
84,2
52,88
2007
97
26
408
16,9
1541070
89,4
537959
25
34,91
2008
115
18,6
647
58,6
1699489
10,3
708784
31,8
41,71
Fonte: MEC/INEP/Deed.
Os dados indicam evolução firme, sugerindo que educação à distância vai se estabilizar
como oferta normal, por mais que esteja envolta em inúmeros problemas. Alguns deles
aparecem nos dados acima, como baixa produtividade em termos de conclusões, ao lado de
solavancos erráticos. Outros problemas conhecidos são principalmente a má fama que a
acompanha, sob a suspeita de oferta facilitada, abreviada, sumária, ou mesmo fraudulenta. Isto
pode acontecer. Mas acontece igualmente na assim dita “graduação presencial”. Má
aprendizagem é comum em nosso sistema, em particular porque nossos formadores são
terrivelmente mal formados. É forte a tentação de rebaixar a oferta para o tamanho do tempo,
interesse, bolso do aluno, mas esta pecha pesa do mesmo modo sobre cursos noturnos: são
concebidos para quem não tem tempo para
estudar. É urgente mudar a nomenclatura,
afastando-se o termo “distância”, porque não é pedagógico. Nos tempos digitais, fala-se de
“presença virtual”, um tipo de presença, não de ausência (Ertl, 2010. Bracken & Skalski, 2010).
Afinal, quem estuda está presente. É tolo requerer que, para estudar, só pode ser feito na
presença do professor. O que o professor, no fundo, quer é manter sua plateia cativa.
Certamente é possível estudar no fim de semana, depois do trabalho, quando se tem folga, e no
ritmo que o bolso permite. Talvez uma conclusão que devesse retirar daí é que tais cursos não
poderiam ter a mesma duração daqueles feitos com presença física, em especial durante o dia.
Embora seja outra injustiça para quem precisa trabalhar, formação primorosa não se forja com
ajeitamentos.
Entre os maiores desafios está, porém, a questão docente, em especial na educação à
distância. Surgiu nesta oferta a figura do tutor ou mediador, e que, em geral, é alguém contratado
localmente. Kopp et alii, pesquisando o desafio da tutoria, anotam que existe já pletora de
nomes: teletutor, online-coach, e-moderador, teleprofessor, facilitador online, e-trainer...
(2010:214). Na prática está se tornando o mediador entre o professor acadêmico e o estudante,
conservando, em muitos casos, o tom de mero “monitor”. Como o professor não se presta a
acompanhar os estudantes fisicamente distantes e também não aprecia ser assediado pelos
alunos através de emails ou outras chances digitais, deixa isso para outrem4. O problema se
torna agudo, quando este “outrem”, sem produção própria, sem experiência de pesquisa, sem
tarimba pedagógica, assume funções de produção de conhecimento e de formação que estão
completamente além de suas forças. Kopp et alii sugerem que seria o caso “profissionalizar o
tutor”, ou, pelo menos oferecer oportunidade de formação. Muitos professores ainda resistem a
esta modalidade de educação superior, dando a entender que cuidar da aprendizagem do aluno,
em especial sem presença física, não é tarefa importante ou exequível. No máximo dariam aula,
em particular se a aula pudesse ser adornada de efeitos especiais digitais.
Passo decisivo é a educação à distância se aproximar (até se confundir) de ambientes
virtuais de aprendizagem, deixando de lado seu laivo artesanal que hoje ainda mantém. Primeiro,
é fundamental afastar a tentação de usar novas tecnologias para incensar defunto (a aula
instrucionista). Segundo, é indispensável construir ambientes de promoção da autoria, sendo
este desafio a alma do negócio. Por isso são fundamentais as plataformas digitais do tipo web
2.0, pois facultam este exercício e admitem avaliação constante por parte dos professores
(Harris, 2008. Lei et alii, 2008). Terceiro, ambientes virtuais precisam basear-se no compromisso
de produzir conhecimento e de formar estudantes produzindo conhecimento, para estar à altura
da formação tradicional. Quarto, é o caso sempre evitar cursos virtuais sem qualquer presença
física, porque não existe, propriamente, formação à distância. Todo processo formativo supõe
contato físico e sociabilidade física, como é caso da relação mãe/filho. Quinto, esta modalidade
precisa saber aproveitar a oportunidade de disseminar a fluência tecnológica e a inclusão digital,
horizonte que a colocaria facilmente acima da oferta tradicional. O que incomoda esta
modalidade é a acusação constante de que lhe falta mínima qualidade. Se, porém, pudéssemos
acertar este desafio, mostrando que é muito possível aprender bem virtualmente, as críticas
cessariam e esta modalidade (em formato híbrido, naturalmente, ou mesclado) poderia assumir a
dianteira. Uma das atrações desta modalidade é de transitar mais facilmente em ambientes
abertos oferecidos pelas plataformas digitais (embora esta abertura seja, em grande parte,
ambígua ou irreal) (Fuchs, 2008), fomentando o exercício saudável da autoridade do argumento
e das novas epistemologias (Lih, 2009). Assim, ambientes virtuais de aprendizagem são tão
importantes e irreversíveis que só nos resta construí-los bem.
4
Como não cabe oferta apenas virtual, é desafio sempre complexo encontrar bases locais para presença física, em
especial nos interiores. Aí, a questão do “tutor” se torna tanto mais difícil. Para exigir do aluno produção própria (autoria), seria
imprescindível contar com esta habilidade nos “tutores’.
ENSAIOS PRELIMINARES
Neste capítulo pretendo “ensaiar” algumas ideias do que seria “outra universidade”, tendo
como referência principal “outro professor”. Não se trata de receitas, também porque não as
tenho. Trata-se de ideias que poderiam inspirar outra configuração da universidade, para que
atenda adequadamente aos dois desafios maiores: pesquisar e educar. Assumo que
universidade deve ser “de pesquisa”, não de ensino, porque ensino sem pesquisa é plágio e
ninguém se prepara para a vida plagiando. Não cabe apostila como cartilha obrigatória, mas
apenas como material de pesquisa, tornando-se essencial que cada professor elabore – em
processo de pesquisa – seu material didático, transformando seus cursos em processos de
incessante
produção
própria
de
conhecimento.
Não
cabem,
igualmente,
facilitações,
simplificações, encurtamentos, ajeitamentos, ainda que devamos partir sempre do aluno e isto
implica também levar em conta suas limitações e dificuldades. No entanto, com apoio da visão
de Vygotsky acerca da zona de desenvolvimento proximal (“scaffolding”), função crucial da
mediação docente é “puxar” o aluno para cima, não deixá-lo largado na sarjeta. Cabe ao
professor desenhar crescentes desafios, que exigem cada vez mais pesquisa e elaboração, em
especial para traquejo acadêmico e metodológico, com vistas a cultivar capacidade produtiva,
crítica e criativa do aluno. Contudo, para que o aluno aprenda bem, antes o professor carece
aprender bem. Aqui reside o maior desafio (Harris & Sass, 2007. Rowan, 2004. Nye et alii, 2004).
1. Outro professor
Temos em mente o professor que alia as virtudes da pesquisa e da educação: produzir
conhecimento próprio com devida qualidade formal, e educar – produzindo conhecimento –
novas gerações com devida qualidade política. Podemos desenhar, para fins analíticos, três tipos
de professor: aquele que equilibra pesquisa e educação, conferindo a ambos os termos a mesma
dignidade; aquele que privilegia pesquisa, tomando educação como consequência – em muitos
casos, se possível fora, ficaria só com pesquisa; aquele que privilegia educação, assumindo
pesquisa como atividade auxiliar – em muitos casos apenas dá aula, sem pesquisar.
PESQUISADOR EDUCADOR
Equilíbrio dos termos
PESQUISADOR educador
Privilégio da pesquisa
Pesquisador EDUCADOR
Privilégio da educação
Embora o ideal seja o equilíbrio de ambos os termos, na prática podemos também
“justificar” o privilégio de um ou outro, desde que ambos os termos estejam devidamente
contemplados. O caso a ser rejeitado é da condição instrucionista, na qual nem se pesquisa,
nem se educa, apenas se dá aula copiada para ser copiada. Não faz sentido o discurso comum
entre professores que gostam de dar aula para alimentar o contato necessário com os
estudantes. Ainda que isto possa servir de ampla motivação – é ótimo ver-se cercado de jovens
estudantes – não é parte da universidade (nem da escola), porque não é instituição de
relacionamento social apenas, nem mesmo apenas de educação. É instituição que combina
produção de conhecimento com educação, uma função não substitui a outra, nem está por cima
ou por baixo. Quando não ocorre produção própria de conhecimento, pode haver contato com os
alunos, mas não é minimamente adequado porque a mediação docente se baseia em relação
fraudulenta (plágio). “Contato pedagógico” é termo crucial demais para ser assim banalizado.
Não se restringe – jamais – a alguém falar (na postura de argumento de autoridade) e a alguém
escutar (na condição de objeto). Pode-se, ainda armar, cenário animado de contato entre
professor e aluno, por vezes muito motivador. Não é suficiente, porque falta a autoria. Contato
pedagógico é lidimamente contato de autores, num lado autor mais experimentado, no outro
autores neófitos, mas ambos os lados praticando a mesma qualidade formal e política. Mesmo a
ideia importante de tratar bem os alunos não basta, porque isto é mandato de boa educação em
qualquer lugar. Tratar bem os alunos tem nome próprio na universidade: fazer deles produtores
autores de conhecimento, e, neste processo, oferecer oportunidades elevadas de formação
(Scardamalia & Bereiter, C. 2006).
Na posição de equilíbrio – PESQUISADOR EDUCADOR – ambos os termos são plenos,
ainda que qualidade formal seja da ordem dos meios; por mais importante que seja a produção
de conhecimento – é hoje a fonte principal das oportunidades – desempenha papel instrumental,
tendo como sentido maior a formação do estudante; ao estabelecer esta relação de meio e fim,
não segue que um dos termos seja “menor”; não se trata de hierarquia, mas de relação recíproca
complexa, no mesmo plano; assim, professor precisa ser pesquisador profissional, no sentido
mais forte desta expressão: saber fazer pesquisa com todas as suas virtudes metodológicas,
metódicas, teóricas, epistemológicas e formais; não faz pesquisa apenas eventualmente,
conforme a necessidade e motivação, ou por encomenda, mas sempre, como parte integrante de
sua docência; é movido pela convicção de que, sem pesquisa, não há nada para ensinar; só
ensina, o que pesquisa (não dá qualquer aula ou faz qualquer palestra); alguns pesquisadores
são mais propensos a procedimentos qualitativos, outros a quantitativos, sendo ambos
importantes e combináveis; decisivo é saber lidar com produção própria de conhecimento dotada
de qualidade formal nítida; ao mesmo tempo, precisa ser educador profissional, tomando a
sério a aprendizagem do aluno em sua elaboração mais elevada; não basta título acadêmico,
carece de formação pedagógica, para transformar mero “contato pedagógico” banalizado como
proposta instrucionista em ambiente inequivocamente formativo (qualidade política); a função de
educador não é superior à de pesquisador, mas detém a posição de fim; a “prova dos nove” é a
qualidade da aprendizagem discente, pois “ser professor é cuidar que o aluno aprenda” (Demo,
2004); a lide da pesquisa tem como objetivo maior manter o professor estudando e aprendendo,
para que possa alavancar essas virtudes no aluno;
Na posição que privilegia pesquisa – PESQUISADOR educador – encontramos muitos
professores habilidosos em pesquisa, mas que dão aula por obrigação, considerando a função
educativa menos importante; parece comum que pesquisadores mais renomados não vejam na
tarefa educativa referência fundamental da vida acadêmica, porque a reduzem ao processo de
produção de conhecimento; Aronowitz (2000) chamou a este vezo de “knowlege factory” (fábrica
de conhecimento), questionando a tendência de deixar o aluno à deriva, “virando-se” por si
mesmo; de fato, grandes professores, conhecidos por suas pesquisas impactantes, tocam sua
vida como managers do conhecimento, não dando muita atenção aos estudantes; estes
precisam correr atrás, também porque se tem a ideia (nórdica, sobretudo) de que autonomia se
conquista na dureza; tais pesquisadores apreciam deixar a função educativa docente para
auxiliares (assistentes ou coisa parecida), gostam de dar algumas aulas magnas para grandes
plateias onde o contato pessoal não é viável, e passam a impressão de que cuidar de estudante
é desperdício de tempo; não gostam de “orientar”, porque, além de correr o risco de alongar-se
desnecessariamente, isto os desvia do foco da pesquisa; pode ser comum que tais professores,
quando aparecem na sala de aula, assumam trejeitos do argumento de autoridade (embora não
necessitassem disso), mas por comodismo (para não ser questionado, molestado com perguntas
fora de lugar, interrompido no discurso, etc.); podem dar aula péssima, apenas para se livrar
dela; mas existe um nível que poderíamos razoavelmente justificar, ou seja, quando o
pesquisador, embora absorto em seu mundo da produção de conhecimento, ainda cuida do
aluno, mesmo que na ordem das consequências; sabe que sua função pedagógica é essencial,
mas lhe confere lugar subalterno, talvez ainda aceitável; o fato de ser pesquisador reconhecido
já é referência fundamental, porque instila o compromisso de continuar aprendendo sempre e
isto pode impactar favoravelmente os alunos, por mais que se sintam “abandonados” à própria
sorte; trata-se de pesquisador profissional que se mantém educador amador;
Na posição que privilegia educação – Pesquisador EDUCADOR – encontramos grande
maioria dos professores, ainda que numa condição equivocada, já que muitos imaginam que é
possível educar sem pesquisar na universidade (e na escola também); veem-se como
educadores profissionais e pesquisadores amadores, mantendo a produção própria de
conhecimento como mera instrumentação auxiliar; o equívoco maior está em confundir
aprendizagem com ensino, pressupondo que, dando aula reprodutiva, esteja fazendo educação;
esta confusão é pública e notória, tendo sido acobertada na nova LDB (Demo, 1997), onde se
aumentaram os dias letivos (200 ao ano), porque se postulou que aprender é ter mais aula; é
situação esdrúxula e em parte surpreendente: os professores se dizem educadores, embora
apenas deem aula, em geral copiada; acham que contato pedagógico é dar aula; no entanto, há
um plano no qual se poderia justificar a noção de pesquisa como instrumentação auxiliar, ainda
que não seja viável aceitar pesquisa como amadorismo; o fato de que grande parte dos
professores não sabe pesquisar não justifica pesquisa como qualquer coisa (Demo, 1996a);
ocorre que se “formaram” em cursos sem pesquisa e elaboração, por conta dos professores sem
pesquisa e elaboração; agora torna-se desafio complexo concertar esta mazela, mas é
imprescindível saber pesquisar minimamente para termos minimamente o que ensinar; não cabe
banalizar pesquisa para caber na miséria do professor.
Em sentido bem concreto, a universidade tem o professor que merece, porquanto o
professorado (de nível superior ou básico) é “formado” dentro dela. É produto de seus cursos e
dos professores desses cursos. Estamos ainda muito longe da condição necessária docente,
como mostram dados acima analisados. A presença de professores horistas ainda é
avassaladora, bem como de meros especialistas. Estamos produzindo mestres e doutores, em
passo acelerado (ainda não suficiente), mas há a impressão de que o nível estaria baixando –
exige-se cada vez menos (por exemplo, a modalidade do mestrado profissionalizante corre o
risco de rebaixamento da qualidade), estuda-se menos, pesquisa-se menos, aceitam-se
dissertações e teses que há algum tempo não aceitaríamos. Em educação parece ser fenômeno
comum: quando buscamos atendimento maior, a qualidade é menor. Assim foi na proposta de
universalização do ensino fundamental: cobrindo massas, nivelamos por baixo.
Mas o problema mais candente é outro: é a concepção e a prática da docência. Entendese ainda por docente quem, sem mais, dá aula. Repassar conteúdos. Na universidade exigem-se
títulos superiores para isso, mas o espírito continua o mesmo, porque não se veem estudo,
pesquisa, elaboração, leitura como parte da aprendizagem. Aprender ainda é escutar aula, tomar
nota e devolver na prova5. Professor universitário se forma na pós-graduação lato sensu, sem
exigência pedagógica nenhuma. Basta titulação. Outros, sem títulos, dão aula com enorme
motivação, e se encantam com o encanto dos alunos, esquecendo a outra metade: produzir
5
Em sua crítica ferina à aula, Schneider recoloca um quase provérbio: “Uma aula é um processo pelo qual as anotações
do professor se tornam as anotações dos estudantes sem passar pelas mentes de ambos” (2007:23).
conhecimento. Esta retórica ibérica não faz mais parte das habilidades para a vida e mercado.
Vivemos de estereótipos, entre eles:
a) O pesquisador do CNPq, adornado de títulos, avaliado por publicação canônica,
montado em contatos acadêmicos importantes nacionais e internacionais, participante
ativo de grupos de pesquisa, membro de associações de pesquisa, reconhecido na
comunidade acadêmica; precisamos desta figura impreterivelmente, mas a ela é
necessário agregar a qualidade do educador, quase sempre postergada como sequela
despreocupada; por isso mesmo, muitos não gostam de contato com os estudantes, dão
aula a contragosto, preferem a pós-graduação; faz bem o CNPq em promover a
pesquisa entre professores, porque entende – adequadamente – que não há ensino
sem pesquisa; falta, porém, a visão educacional;
b) O professor “comum” que dá aula, por vezes apenas especialista, e que faz disso sua
missão na terra; ganha em geral pouco, mas tudo é compensado pela oportunidade de
ser “professor” e assim chamado pelos alunos; não vincula educação e pesquisa,
também porque sequer saberia pesquisar – nunca foi parte de sua vida docente;
repassa conteúdos, muitas vezes assiduamente, e entende que aprender é escutar
aula, em especial “sua” aula, considerada amuleto sagrado; faltam nesta figura
pesquisa, produção própria de conhecimento, autoria – sem ser autor, dá aula; um
espanto; pode compensar com retórica, simpatia, marketing, mas, decididamente, aula
já não é referência importante da docência; “auleiro” barato é o sustentáculo de
instituições privadas que veem educação superior como mercado apenas;
c) O professor “tradicional”, por vezes dotado de grande qualidade (também em termos
de pesquisa), mas fora de época, por não transitar nos espaços das novas tecnologias e
discussões outras relativas ao que é universidade hoje, em especial ser professor hoje;
como diriam os jovens, são professores “desconectados”, distanciados das habilidades
do século XXI, também porque já não alimentam pretensões de autorrevisão; podem ter
cansado da vida docente, podem sentir-se fora da jogada em termos dos tempos atuais,
podem até mesmo considerar as novas tecnologias como invencionices deseducativas
(Setzer, 2008; 2008a); muitos professores correm o risco de ficarem para trás (Stevens,
2006. Veen, 2008. Prensky, 2001), e com isso contribuir para que a própria universidade
fique para trás como instituição do século passado (Alvin Toffler, 2009);
d) O professor “motivador”, encantado com figuras que movem plateias e provocam
faniquitos nos ouvintes, a gosto de posições atuais que defendem motivação como alma
do negócio; confunde-se facilmente profissionalismo com espetáculo: há professores
muito motivados, mas incapazes de pesquisar e educar, porque não se dedicam a
essas atividades essenciais para a docência hodierna; por vezes, usam-se novas
tecnologias para provocar “efeitos especiais”, não para aprimorar as oportunidades de
aprendizagem; por certo, não se aprende sem motivação, mas motivação não substitui
qualidade formal e política, muito embora deva fazer parte dela; nem sempre alunos
bem motivados são os que aprendem melhor, podem estar apenas encantados, em
especial com a possibilidade de não precisarem estudar muito e bem;
e) O professor verboso e retórico, carro-chefe do modelo ibérico de universidade,
distanciado da educação científica e da pesquisa, mas bom de verbo e falação; discursa
e apresenta-se bem, cuidando da fachada docente mais do que de sua qualidade;
imagina que, para repassar conteúdos, a estratégia fundamental é “transmitir bem”,
mastigar bem os assuntos, simplificar os que são difíceis, de tal sorte que absorver se
torne condição tranquila; de certa forma, replica os fetiches da motivação, quando
imagina que conteúdo é menos importante que a roupagem externa; também por isso
tais professores são capazes de falar mais de uma hora sem dizer nada e contar com a
apreciação entusiasmada dos alunos; trabalhar bem os conteúdos curriculares implica
mais que retórica, em geral acarreta confronto com métodos e ideias novas e que
provocam desarrumação mental facilmente incômoda; faz da cátedra um púlpito;
f)
O professor autoritário, resquício da pedagogia disciplinadora, incontestável e
intocável; pode ainda considerar reprovação como demonstração de qualidade do
curso, em particular em áreas mais complexas, como matemática e física (Penrose,
2004. Drenthen et alii, 2009); coloca entre ele e o aluno parede intransponível, não se
preocupando em tratar bem o aluno; este precisa virar-se como pode, correndo atrás;
ele determina, sozinho, o que acontece em sala de aula, em especial o comportamento
discente, restrito a acatar tudo sem contestação; por não deter mínimo espírito crítico,
não cultiva isso nos alunos, chegando a considerar esta perspectiva como “frescura”;
g) O Professor horista, figura de proa da instituições privadas, em geral barato e útil, que
ganha apenas para dar aula, sem inserir nisso a devida preparação; facilmente é
biscateiro, correndo atrás de aula por toda a parte, para amealhar soldo mínimo; tende a
dar qualquer aula, por sobrevivência; embora cultive a pecha de que ser professor é
apenas dar aula, no fundo é a vítima maior deste sistema instrucionista, à medida que
se lhe nega o direito de estudar; em geral, este tipo de professor representa maneira
comum de começar a carreira, catando aula, na expectativa de que, mais para a frente,
possa assentar-se em instituição onde possa, pelo menos, ser professor de tempo
parcial.
O pesquisador educador ainda é figura um tanto rara e possivelmente estranha, seja
porque o pesquisador não vê necessidade de aperfeiçoar-se como educador, seja porque o
educador não vê necessidade de pesquisa. São dois mundos ainda avessos entre nós. Esta
animosidade, porém, não é natural, mas plantada na própria universidade, à medida que se
adota o instrucionismo. Este nem pesquisa, nem educa. Torna-se crucial, então, retornar para o
questionamento das origens: como se forma um “outro professor”. Nos deparamos aqui com
círculo vicioso temerário: professores são mal formados porque a universidade não é lugar
adequado de formação; universidade é medíocre porque seus professores são medíocres. Urge
quebrar este círculo, pois, para sair do círculo vicioso, há que quebrá-lo. Sugiro que esta quebra
se dê no professor (até porque parece mais fácil mudar o professor do que mudar a universidade
como um todo). Nesses termos, são expectativas fundamentais:
a) Primeiro, mudar a formação do professor básico, porque grande parte dos problemas
de formação universitária têm como fonte a má formação básica (aí está a reclamação
constante e monótona de que os alunos chegam à universidade sem saber nada...);
esta mudança, porém, não provém, antes de tudo, da própria escola e do próprio
professor, mas da universidade que concebe este professor e esta escola (Demo,
2005a); na prática, o professor básico, saindo à imagem e semelhança do professor
universitário, revida os mesmos procedimentos destituídos de autoria;
b) Segundo, mudar a pedagogia e licenciaturas, porque eivadas de instrucionismo: em
vez de sinalizarem o que é aprender bem, encardem mais ainda a expectativa da aula
reprodutiva; pedagogia é curso estratégico (define o que é aprender), deveria receber a
máxima atenção e prestar-se a ser “curso modelo”, no qual todos os outros poderiam
se espelhar para cuidar bem da aprendizagem discente; hoje ocorre o contrário:
pedagogia está entre os piores; quanto às licenciaturas, deveriam ser organizadas
como curso posterior ao bacharelado, e como tempo de estudo pedagógico, de
preferência conduzido pela pedagogia; aí não se “aprende a ensinar”, mas aprende-se
a aprender, conjugando pesquisa e educação;
c) Terceiro, todo professor universitário precisa de formação pedagógica aprimorada, não
para dar aula, mas para cuidar que o aluno aprenda (Demo, 2004); não basta titulação,
é imprescindível formação apropriada, na qual se exercitem autoria e autonomia,
combinando qualidade formal e política; resultado desta ideia é requerer que todo
professor, antes de lidar com alunos, faça curso específico e suficientemente longo
para saber manejar aprendizagem em si em no aluno; aluno aprende bem com
professor que aprende bem; educação é parte integrante da profissão docente;
d) Quarto, professor universitário deve ser pesquisador profissional, tanto para contribuir
com a produção de conhecimento, quanto também para continuar aprendendo sempre,
na condição de autor; neste sentido, todos os cursos deveriam elevar as exigências em
torno da metodologia científica e métodos de pesquisa, de tal sorte que pesquisar se
torne o “pão nosso de cada dia”; dominar conteúdos é fundamental, mas nem de longe
o desafio mais estratégico; este aponta para a capacidade infinda de “renovação dos
conteúdos”: frente a conteúdos, em especial a novos conteúdos, precisamos nos
postar como autores, não como copiadores.
A qualidade docente é decisiva para a qualidade discente – em geral se reconhece que é o
fator mais decisivo externo ao aluno (Bain, 2004. Stigler & Hiebert, 1999). Se reclamamos de
nossos ambientes, porque de fato são muito atrasados, nem todos os ambientes de países mais
avançados são pertinentes. Há universidades consideradas de ponta, mas que ainda ministram
aulas em excesso, ou nas quais os grandes pesquisadores estão muito distantes dos alunos. O
cuidado com o aluno é ainda referência peregrina, de tal sorte que a qualidade política é
incentivada por vias externas (associações, voluntariado, atividades de extensão, etc.), não se
admitindo ainda que qualidade política deva ser forjada no próprio processo de cultivo da
qualidade formal. Em muitas delas, qualidade política é termo estranho, se não indesejável, seja
por conta do reprodutivismo de conteúdos sem discussão, seja por conta de visões positivistas
de conhecimento. Mas há em geral um consolo: sendo tais universidades produtoras
reconhecidas de conhecimento, cumprem esta tarefa bem, enquanto a tarefa educativa fica em
segundo plano. Neste sentido, é difícil encontrar pesquisadores educadores que combinem
ambas a expectativas de maneira adequada. Lendo a obra de Bain (2004), onde se descrevam
professores maravilhosos (bons pesquisadores e bons educadores, profundamente dedicados a
seus estudantes), fica-se com a impressão de que está argumentando pela exceção. Seja como
for, existem. Esta seria a meta: montar visão de outro professor – pesquisador/educador.
2. Formato institucional
Hoje, universidade é um monte de sala de aula. Esta é a instalação mais essencial em
termos físicos. Algumas salas são mais amplas que outras (dentro da discussão eterna de qual
seria o número ideal de alunos por sala), há também anfiteatros e auditórios, bem como
biblioteca e laboratórios. De tudo, porém, nada é mais típico do que sala de aula, sem a qual não
seria sequer pensável uma instituição como universidade e escola. Por trás, está a ideia
assentada tradicionalmente de que vamos à escola e à universidade para frequentar aulas. Os
pais também acham isso. Quando se pede ao aluno para pesquisar fora da escola ou se faz
alguma atividade de pesquisa em lugar da aula, muitos pais levantam logo a suspeita de que o
professor está “matando” aula. Nesta visão não haveria perda maior na vida do aluno do que
perder aula. A greve universitária assume isto à risca: suspende as aulas (depois, diz que as
repõe). Em universidades mais avançadas já não é bem assim: mesmo com aulas suspensas,
continua a pesquisa, o atendimento à pós-graduação, o manejo de laboratórios, também porque
há bolsas de estudo aí implicadas e que não poderiam ser suspensas. No entanto, o clima
prevalente ainda é do apego à aula como alma da vida universitária.
Com o advento dos ambientes virtuais de aprendizagem, a aula está sendo destronada em
geral, e em particular a aula instrucionista. Simplesmente repassar conteúdos não justifica
prédios e instituições, porque pode ser feito – e com muito maior elegância e motivação –
eletronicamente. Ocorre, porém, que simplesmente repassar conteúdos não faz qualquer
sentido, conforme as melhores teorias de aprendizagem. Segundo a autopoiese, mesmo que
quiséssemos, a mente humana não consegue simplesmente repassar, por conta de sua
autorreferência. Mesmo assim, não é o caso fazer guerra à aula como tal. Guerra deve ser feita à
aula instrucionista, porque é expressão de professor que não sabe aprender para aluno que não
vai aprender. Em parte, ambientes virtuais de aprendizagem promovem modos de aprendizagem
não formal (Maeroff, 2003), organizados sob autogestão ou coletivamente, fora do ambiente
escolar. Aula não aparece mais como referência importante. Importante é saber estudar,
aprender, pesquisar, elaborar, argumentar, como é o caso sonoro da wikipedia: seus editores
aportam textos próprios produzidos não formalmente. De fato, pode-se aprender sozinho, ainda
que esta expressão detenha laivo contraditório, pois não existe a condição de aprendizagem
completamente solitária, a não ser como processo individualizado e subjetivo. Mesmo que não
haja o contato com algum mediador formal, o aprendiz entra em contato com a bagagem cultural
disponível, leva em conta os relacionamentos de que é parte, fabrica sua autoria a partir de
outras, e assim por diante.
No entanto, não precisa de aula tradicional, por mais que precise de orientação,
convivência, interatividade. A criança pequena pode alfabetizar-se por conta própria, tendo à
mão computador e internet, à medida que é motivada por colegas da mesma idade. Não faz
curso formal de computação, nem mesmo de leitura. Vai aprendendo interativamente,
experimentando com o teclado (onde há letras e números), ajeitando palavras e enviando por
email ou elaborando em chats. Chega facilmente ao “internetês”, ainda que isto não baste para a
vida (domínio da linguagem acadêmica é essencial) (Demo, 2009. Sheridan & Inman, 2010). Até
aí não precisa de professor tradicional, ou como se diz nos Estados Unidos, a criança se
alfabetiza desde que os adultos não atrapalhem! Mas ela tem outros “professores”, que são os
coleguinhas e mesmo orientações possíveis online, o que significa que não faz tudo sozinha,
mas em interação. Ademais, para a nova geração aula vem carregada de argumento de
autoridade, não lhe sendo simpática a ideia de ficar passivamente escutando alguém falar
(Tapscott, 2009. Garlikov, 2009). Acostumada às plataformas da web 2.0, a nova geração quer
participar, mesmo que a participação possa ser frívola. O exemplo da wikipedia é claro: em vez
de receber enciclopédia pronta, é mais inteligente fazer outra, na qual todos podem editar...
Não sendo mais aula a grande referência, é natural que nos sintamos perdidos, tateando
alternativas ainda envoltas em penumbras. De partida, universidade gira em torno de pesquisa e
educação. Precisa ser, pois, espaço de estudo, pesquisa, elaboração, argumentação, exercício
da autoridade do argumento, não do argumento de autoridade, bem como exercício da cidadania
que sabe pensar. Sem procurar receitas, arriscaria sugerir:
a) Em vez de sala de aula (também pode haver, claro), priorizar espaços de estudo
individual e coletivo, nos quais seja agradável pesquisar e elaborar, ao estilo de
laboratórios ou coisas parecidas, e com amplo apoio eletrônico (computador, internet,
data show, DVDs, etc.); os alunos viriam à universidade para estudar sob orientação
docente, participar de pesquisas dos professores, desenvolver as próprias, sempre com
o intuito de aprimorar sua autoria; a universidade deveria ser amplo laboratório de
aprendizagem, um lugar feito para se exercitar aprendizagens autorais;
b) A biblioteca e termos correlatos precisam tornar-se lugar de estudo, no qual se tenha
acesso facilitado e pronto a materiais de pesquisa (livros, revistas, bancos de dados,
etc.), de maneira impressa e digital, sobressaindo hoje a importância de plataformas
dotadas de motores de busca mais potentes e inteligentes (web semântica) (Mika, 2007.
Pollock, 2009), com vistas a aprender a pesquisar na internet; de lugar do plágio fácil
(Blum, 2009), a internet precisa evoluir para condição de referência privilegiada da
pesquisa e produção de conhecimento, evitando-se acomodação em textos curtos,
sumários, caricaturais (também para caberem na tela pequena); livro físico continua
importante, mas livro virtual vai ganhando espaço, e, provavelmente, virá a preponderar;
c) Todos os espaços de estudo precisam deter infraestrutura suficiente para acesso de
equipamentos eletrônicos, com vistas a estabelecer habilidades de fluência tecnológica
e manejo de textos multimodais (para além do impresso) (Kress & Leeuwen, 2005.
Kress, 2005. Hayles, 2008); é importante haver chance de produzir e usar imagem e
movimento como argumentação (Ertl, 2010), não mais como mera ilustração,
inaugurando outros formatos de dissertações, teses e monografias;
d) A universidade, em nome de tempos mais interativos, precisa aprimorar sua vocação de
centro de convivência, entremeando espaços de estudo com espaços de lazer, também
para assumir seu papel de motivação; o aluno poderia sentir-se mais atraído a
permanecer na universidade (mesmo à noite), se ela apresentasse formato de
convivência aprazível e voltado para o estudo;
e) Esta visão mudaria profundamente a questão do espaço físico, e mesmo dos campi,
tendo em vista que estes tendem a ser locais fora da cidade e da vida; marcados pela
agregação de salas de aula, não alimentam a convivência e a vinculação com o dia a
dia, além de dificultar a locomoção interna; é preciso levar em conta que aparece
concorrência importante entre o tempo gasto na universidade e outro tempo usado para
estudar fora da universidade; disponibilidade exuberante de contato virtual talvez venha
a ser uma das necessidades mais decisivas para instaurar ambientes produtivos de
estudo e pesquisa;
f)
Todos os cursos precisam aceitar o desafio dos novos tempos, ou
seja, mesclar
aportes de presença física e virtual, supondo no aluno fluência tecnológica conveniente,
também porque indispensável no mundo de hoje; os cursos como são oferecidos
atualmente parecem mais com a vetusta produção artesanal, pré-industrial; seria óbvio
que cada aluno tenha computador e acesso à internet, assim como seria óbvio que todo
professor saiba manejar ambientes virtuais de aprendizagem; não seria dispensada
presença física, mas tornar-se-ia menos prevalente, até presença virtual preponderar;
g) Com apoio de plataformas eletrônicas adequadas (a exemplo da wiki) deve-se promover
intensamente o trabalho coletivo, evitando-se, porém, a mazela comum de um ou alguns
fazerem a tarefa de todos no grupo; a wiki contribui para superar este problema (quem
não faz texto, não aparece, além de ficarem gravadas todas as inserções); por isso,
deve haver locais de estudo coletivo, pesquisa coletiva, elaboração coletiva,
promovendo-se este tipo de autoria fundamental para o mundo de hoje, para a
democracia e também para o mercado;
h) Sendo imprescindível fomentar a produção e uso da autoridade do argumento, é
importante haver lugar para seminário, discussão, encontro, oficina, nos quais se
exercite a argumentação (Ertl, 2010) de cunho científico, resultando em consensos
negociados e criativos; é crucial cultivar o ambiente das “novas epistemologias”,
marcadas pela discutibilidade do conhecimento científico (Demo, 2000) e dinâmica
sempre aberta; para tanto a interatividade digital é estratégica, permitindo permutar
argumentações pelo mundo afora, com sentido eminentemente formativo;
i)
Anfiteatros e auditórios são igualmente importantes para aglomerar números elevados
de estudantes, organizar congressos, reunir e ouvir pesquisadores e educadores, mas
esta atividade é, sempre e a rigor, supletiva; também esses espaços são de estudo e
produção de conhecimento, não apenas de badalação.
Do ponto de vista da pesquisa e da educação, a universidade precisa oferecer devidas
oportunidades de divulgação e argumentação (Ertl, 2010), para além da produção. Usam-se para
tanto plataformas virtuais que podem facilmente unir as três intenções, a exemplo de blogs e
wikis: nelas se pode produzir conhecimento, divulgar e discutir, exercitando-se a autoridade do
argumento. Mas não cabe apenas a expressão virtual. Não é menos importante poder apresentar
trabalhos (em especial os considerados exemplares) ao vivo, em auditórios maiores e menores,
dependendo do evento que se queira organizar. O sentido é oferecer o palco merecido a quem
produz bem e demonstra processo de formação convincente. De um lado, trata-se de cultivar o
espírito científico, a capacidade de produzir conhecimento próprio, o traquejo metodológico, a
habilidade de pesquisador, com qualidade formal exemplar. Toda universidade precisa ser
“ágora” privilegiada do conhecimento disruptivo e rebelde, em eterna desconstrução e
reconstrução, não de mero repasse e plágio, na penumbra das sobras advindas de países
avançados e que são avançados porque produzem conhecimento próprio (Amsden, 2009). De
outro, trata-se de impulsionar a cidadania que sabe pensar, inspirada na autoridade do
argumento, na habilidade de argumentar com fundamento sólido e sempre aberto, no desafio de
construir consensos perspicazes científicos e democráticos, na capacidade de produção coletiva,
com qualidade política exemplar. Nisto transparece o repto formativo da universidade, unindo a
expertise à cidadania, tendo com objetivo, entre outros, direcionar a produção de conhecimento
para fins do bem comum (Benkler & Nissenbaum, 2006. Barbrook, 1998. Veale, 2003).
Referência crucial é aprender a argumentar adequadamente (com qualidade formal e política),
cultivando a cidadania que sabe pensar. Ao mesmo tempo, este palco fomenta o espírito das
novas epistemologias, inspiradas em conhecimento discutível, sempre aberto e dinâmico, nunca
como pacote curricular fechado. Tem a vantagem enorme de tornar todos os pesquisadores
figuras “discutíveis”, porque o que produzem se mantém objeto infindo de discussão. A
fundamentação formalizada, passo imprescindível do conhecimento científico, em vez de
desembocar
em
pretensões
universalistas,
colonizadoras
e
indiscutíveis,
alimenta
a
“discutibilidade” formal e política como critério maior de cientificidade (Demo, 1995; 2000).
Fundamentar bem não é acabar com a discussão, exterminando as dúvidas. Ao contrário, é a
maneira sábia de a manter em pauta (Demo, 2009a).
O espaço da divulgação pode preferir ambientes virtuais, porque são bem mais maleáveis e
acessíveis (todo mundo pode ter, por exemplo, seu blog), com destaque talvez para “revistas
eletrônicas” ou também “livros eletrônicos” (estão se tornando moda). Mas não se dispensam
modos físicos, a começar pelo livro e texto impressos. Tanto “artigos” – hoje em geral preferidos,
por manterem mais visivelmente o “estado da arte” – como livros são importantes. No caso dos
livros – por vezes questionados por conta da fragilidade de editoras, possibilidade de se publicar
qualquer coisa desde que se pague, etc. – tornam-se importantes quando se sucedem edições
rapidamente, revelando que são apreciados e consumidos. Neste sentido, é importante que o
processo de divulgação esteja marcado visivelmente por processos decentes de avaliação, como
pode acontecer em blogs (todos podem comentar) ou em wikis (todos podem editar). Sendo
conhecimento fonte precípua de poder, desde sempre, a academia facilmente tende a constituir
feudos e máfias, sob rótulos inacreditáveis de objetividade e neutralidade! Nada afoga mais
efetivamente a dinâmica disruptiva do conhecimento do que seus “donos”, como bem sugeriu
Kuhn (1975), tendo em vista que, temendo perder o posto, coíbem a inovação.
O formato institucional, portanto, teria a configuração de “laboratório”, não propriamente no
sentido tradicional da física e da química, mas de local intensamente voltado para pesquisa,
experimentação, produção de conhecimento, combinando-se este intento com o formativo. Não
se trata, pois, de construções cada vez maiores e complexas, mas de locais dotados de
oportunidade de pesquisa e elaboração, munidos da leveza e maleabilidade de artefatos digitais.
Neste sentido, talvez amplos espaços organizados em módulos flexíveis para diversos tipos e
tamanhos de reunião e trabalho, poderiam ser boa ideia. Lembrando da análise interessante de
Raymond (2001) sobre a contraposição entre catedral e bazar (aquela é linear, este é não
linear), a universidade ficaria mais bem posta como bazar: estrutura flexível, menos hierárquica,
cheia de bifurcações e tumultos criativos, indócil – isto ecoaria bem melhor a dinâmica não linear
do conhecimento (Demo, 2002a), rebelde, interminável, provocativa, crítica e criativa. A noção de
fundo é: conhecimento em discussão, em ebulição, não acomodado em grades curriculares. Por
isso, ficaria bem arrumar lugares com cara de “ágora” – praça pública onde se discutem
livremente ideias, valendo como regra a força sem força do melhor argumento (Habermas,
1989).
Referência das mais fundamentais é organizar a instituição em torno da dinâmica disruptiva
do conhecimento e do desafio educativo, procurando traduzir esta dinâmica para a instância
física. Catedrais são pesadas, hierárquicas, fixas. Bazares acompanham a natural confusão do
trânsito das pessoas e ideias, estão sempre abertos e efervescentes, não apresentam produtos
acabados, antes, instigam a inventar novos e que logo envelhecem. Professor tende a preferir a
catedral, até porque se acha profeta indiscutível e gostaria de sentar-se sobre seus louros. A
nova geração se entende como habitante nômade do bazar, também porque considera
conhecimento dinâmica nômade. Ao mesmo tempo, a universidade não pode ser instância tão
distante da vida concreta, ou, como se diz, torre de marfim. Hoje, a formação universitária tende
a ser vista como parêntesis na vida da pessoa: tranca a vida por quatro anos, retirando-se para
um campus, fora da cidade e do cotidiano, onde o exercício teórico formal é a regra, retornando
depois para a vida real. Incita-se a impressão de que estudar é coisa para um tempo
determinado e separado. Terminado este tempo, estamos prontos (diploma) definitivamente.
Os dirigentes institucionais teriam como missão primeira cuidar da pesquisa e da
aprendizagem dos alunos. Se os alunos não pesquisam e aprendem bem, nada foi feito digno de
nota. Segunda missão é cuidar da qualidade docente, ancorada em autoria. A aprendizagem
discente é reflexo muito próximo da aprendizagem docente. Neste sentido, seria fundamental
que o Reitor fosse tipicamente pesquisador educador, não mero gestor, nem apenas bem eleito.
Também é importante organizar o currículo de cada curso e fazê-lo funcionar. Mas isto é meio.
Fim é a produção de conhecimento próprio e a educação primorosa dos estudantes. Os
dirigentes são gestores de conhecimento e educação, e, como consequência, gestores físicos
também.
“NOVA” UNIVERSIDADE
A Universidade, em suas faces mais ambíguas, apresenta seu lado hipócrita. Declama-se
como casa da inovação, porque é uso vincular educação e conhecimento com inovação. Mais
que isto, proclama que ela sabe – sozinha – o que é inovação decente. Não aquela do mercado
ou dos poderosos, mas aquela comprometida com a sociedade e seus cidadãos. A primeira
hipocrisia é pretender que cidadania se constitui pela via da extensão, que sequer é curricular.
No fundo, acena com tipo opcional, eventual de cidadania, totalmente dissociado da montagem
curricular e da pesquisa como é feita hoje. A segunda hipocrisia é propor mudanças que jamais
aplicaria a si mesma. Na verdade, seu negócio não é mudar, mas controlar a mudança. Tornouse já proverbial: entre as figuras mais difíceis de mudar está o professor (Moe & Chubb, 2009).
De fato, como mostrou ferinamente Christensen (2002), “donos” da mudança fazem de tudo para
não mudar (Christensen & Karp, 2003). De fato, quem propõe mudanças, não as deveria gerir,
porque “gerir mudança” tende a coincidir com seu controle. Gestores podem ser incentivadores
da mudança, mas, como regra, tendem a controlá-las (Duderstadt, 2003. Evans, 2001). Terceira
hipocrisia é falar de pesquisa e educação em ambientes flagrantemente instrucionistas. Conceito
e prática da docência persiste altamente promíscuos, com presença avassaladora ainda de
horistas e especialistas. O que se faz, na prática, é repasse copiado de conhecimento (melhor
seria usar o temo “informação”, mas sem estigmatizar informação), para ser copiado. É a casa
da apostila e da aula sumária, tudo encurtado para caber na miséria geral. Quarta hipocrisia é
produzir professores básicos inacreditavelmente mal formados, exigindo deles que forjem alunos
exemplares. Quinta hipocrisia é proclamar-se vanguarda da sociedade, quando é, muito
ostensivamente, retaguarda própria do século passado. Enquanto seus “canudos” continuam
importantes (em geral para mercados obsoletos), a formação se apresenta decadente, ladeira
abaixo. No plano das novas tecnologias, avança titubeante, ao sabor das novidades/modismos e
do mercado, ainda muito longe das habilidades do século XXI e da fluência tecnológica,
essencial para qualquer profissão (Shelly & Frydenberg, 2010. Kilian, 2007. Harris, 2008. Pollock,
2009). Em parte, a universidade hoje é mundo do atraso, assim como a escola.
Este atraso pode ser aquilatado através do que se entende, em geral, por “nova
universidade”. Sempre reaparece esta expectativa, em particular agora com algumas novas
universidades federais, montadas, porém, à imagem e semelhança das federais tradicionais.
Algumas expectativas são adequadas, como fomentar a transdisciplinaridade de cursos,
introduzir início comum a todos os cursos (com tendência a uma nivelação geral dos estudantes),
o intercâmbio de culturas e a globalização de interesses acadêmicos, desenvolvimentos
regionais e dos interiores, e assim por diante. São, porém, iniciativas reformistas que partem do
acerto do modelo federal vigente, por ser, pelo menos em parte, referência importante da vida
universitária. Neste sentido, as propostas continuam antiquadas:
a) Não se toca na base da concepção universitária (ensino, pesquisa e extensão), do que
segue invariavelmente que ensino toma conta de tudo, em geral ensino de qualidade
extremamente duvidosa; extensão é visão pífia da formação da cidadania estudantil,
porque não é curricular nem faz parte da formação docente; pesquisa ainda é ilustração,
não essência da vida acadêmica; é urgente rever esta trilogia vetusta, colocando em
seu lugar o destaque devido para pesquisa e educação; ensino e extensão cedem lugar
para educação, enquanto extensão, então, é absorvida curricularmente; universidade
precisa ser stricto sensu entidade de pesquisa, na qual educam-se estudantes pela via
da pesquisa (Demo, 1996);
b) Não se toca na formação docente, aceitando-se passivamente o modelo vigente que
define docência pela aula; assim, não se combina pesquisa e educação, porque o
ambiente é marcado por ambiguidades gritantes: doutores ainda são poucos, em
especial em entidades privadas e municipais, abundam especialistas e horistas,
esperando-se deles, acima de tudo e quase exclusivamente, aula; o torna a
universidade entidade de pesquisa e educação são professores bem formados formal e
politicamente; na prática, universidade nova só é factível com professor novo; este é a
alma do negócio, ainda que não seja, jamais, fator isolado;
c) Não se refaz a vinculação da universidade com a formação de professores básicos,
mantendo pedagogia e licenciaturas como propostas pré-históricas; sem pedagogia
minimamente adequada a universidade não discute e reconstrói a aprendizagem
discente e docente, mantendo esquemas instrucionistas ad aeternum; por mais que se
reclame do baixíssimo nível dos alunos que acedem à universidade, no centro do
problema está a própria universidade que não sabe propor visão adequada de
aprendizagem; nas licenciaturas repete-se o problema por conta do instrucionismo
avassalador;
d) Não se foca a alfabetização científica considerada parte crucial das habilidades do
século XXI, embora esta visão esteja fortemente influenciada pelo mercado neoliberal
globalizado; produção científica é algo lateral, de alguns heróis, enquanto se diplomam
estudantes para trabalharem em economias ultrapassadas; é proposta importantíssima
fomentar “educação tecnológica” (Dakers, 2006), mas não é menos fundamental
fomentar a produção científica tecnológica, através de pesquisadores profissionais que
sejam igualmente educadores; ambientes tecnológicos acadêmicos ainda estão
exageradamente marcados pelo repasse curricular;
e) Não se promovem ambientes virtuais de aprendizagem, porque se veem como
opcionais e novidades colaterais; enquanto fluência tecnológica e autorias digitais são
essenciais para dar conta dos novos desafios da vida e da economia, as universidades
andam devagar, quase parando; insistem ainda cegamente em presença física, sem
perceber que isto favorece apenas professores autoritários que desfrutam impunemente
de plateias cativas; por outra, oferta de “educação à distância”, embora progrida
sustenta e rapidamente, continua sob grande suspeita, não porque não caiba, mas
porque lhe falta qualidade; a universidade, entretanto, seria o lugar ideal para discutir o
acerto de ambientes virtuais de aprendizagem, nos quais aprendizagem seja
compromisso inequívoco;
f)
Não se revisam defeitos crônicos das federais, como excesso de professores, currículo
extensivo girando em torno de ofertas curriculares infladas, pouca vinculação da
docência com pesquisa, cursos verbosos e retóricos destituídos de cuidados
metodológicos da produção científica, instrucionismo dominante, elitismo clamoroso,
etc.; mudando-se para o currículo intensivo (Demo, 1996), a relação professor aluno
pode subir consideravelmente, tanto porque não se requer currículo abarrotado de
conteúdos (é melhor fazer menos, mas com devida qualidade formal), quanto, não
sendo aula referência importante, a função docente é sobretudo de orientação e
avaliação, podendo cobrir número maior de alunos; insiste-se ainda na obsessão por
presença física, como se o aluno só aprendesse sob os olhos censores do professor.
Questão chave é a organização curricular. Tendencialmente muito disciplinar, mantém
principalmente a pecha de entupimento discente. Definem-se conteúdos em penca, que se
imaginam parte necessária da respectiva profissão, tendo o professor a tarefa – quase sempre
muito instrucionista – de repassá-los, passo a passo, aula após aula. Não se trata de condenar
conteúdos, porque são indispensáveis para qualquer exercício profissional, mas de tomar em
conta algumas discussões atuais muito relevantes (Ertl, 2010), tais como: i) toda montagem de
conteúdos é naturalmente seletiva, porque são, em princípio, infinitos; podem-se definir
conteúdos mais importantes, dependendo do perfil do diplomado que se almeja, mas não há
conteúdos necessariamente sagrados e intocáveis; ii) ao lado de dar conta de conteúdos, não é
menos importante aprender a desconstruir e reconstruir conteúdos, correspondendo à dinâmica
disruptiva e rebelde do conhecimento; vale também para as áreas mais formalizadas
(matemática e física, por exemplo) (Lesh et alii, 2007): é fundamental “fazer” matemática e física,
também seus teoremas e leis, não para inventar a roda, mas para cultivar a noção de autoria; iii)
como conhecimento não se faz por atacado, mas pela via do aprofundamento analítico, tão
importante quanto tratá-los bem é desenvolver habilidades de aprendizagem, pesquisa,
elaboração, argumentação; destas precisamos a vida toda, enquanto os conteúdos envelhecem
e são substituídos; aprender a estudar é parte decisiva da organização curricular, começando
pelo professor; iv) manejo curricular implica manejo metodológico acurado, exercício do método
científico, modos aprimorados de elaboração e argumentação, ou seja, mescla inteligente de
qualidade formal e política; preferir a autoridade do argumento ao argumento de autoridade é
referência substancial da trajetória formativa do estudante, rumo à cidadania que saber pensar;
v) currículo é montagem de espaço flexível de estudo e pesquisa, não pacote fechado contido
em apostilas indiscutíveis; estão em jogo compromissos de pesquisar e educar, não “grades
curriculares” que aprisionam a mente e repõem o argumento de autoridade; a organização
curricular precisa ecoar inspiradamente a dinâmica disruptiva e rebelde do conhecimento.
Faz parte deste tipo de organização curricular que o professor não dá qualquer aula
prevista no currículo. Só dá aula do que produz. Não existe, pois, obrigação fatal de repassar
“tudo”, do que em geral segue a sacralização de cada aula. Existe, porém, obrigação de
reconstruir conteúdos curriculares considerados estratégicos, conjugando qualidade formal e
política. O aluno pode ter expectativas para além do que o professor trata em sala de aula, mas
isto não redunda em exigência de aula. A saída mais efetiva é recorrer à habilidade de pesquisa
e elaboração: o aluno que sabe pesquisar não precisa propriamente de aula, mas de orientação
e avaliação (funções essenciais da docência). Entre nós esta preocupação se coloca nas pós-
graduações: o candidato se compatibiliza com o programa e só pode desenvolver temas para os
quais haja orientador com produção própria. Assim, é parte mais crucial do currículo, não a
transmissão de conteúdos, mas o compromisso de aprendizagem do aluno, incluindo-se a
habilidade de aprender a aprender. A tradução linear de conteúdos em aulas revela apenas o
quanto o instrucionismo domina a cena. Conteúdos precisam ser transformados em
aprendizagem, não em aulas.
Seria fundamental rever o formato dos cursos. Algumas sugestões poderiam ser:
a) Propor cursos híbridos ou mesclados (presença física e virtual); acabar com a mania de
comparecer todo dia à universidade para frequentar aula; o comparecimento será
exigido na medida da orientação e avaliação no professor e da pesquisa e elaboração
no aluno;
b) Usar plataformas digitais de gestão de curso (Horton, 2006. Koper & Tattersall, 2004),
tipo moodle, com o objetivo não só de fomentar fluência tecnológica, mas principalmente
de cultivar o espírito da web 2.0 (ainda que seja também terrível modismo) (Demo,
2009); resultado esperado é disponibilizar ambiente de produção própria, individual e
coletiva, sob orientação e avaliação docente, buscando iluminar o caminho da autoria
docente e discente;
c) Pode-se adotar a ideia de antepor à profissionalização um tempo introdutório, iniciático,
voltado para o desafio de aprender bem (Demo, 2009b): pesquisar, elaborar,
argumentar, fundamentar, crítica da ciência, educação/alfabetização científica, etc.;
antes de profissionalizar-se em engenharia ou medicina, o aluno aprende a aprender,
porque precisa disso tanto quanto o domínio dos conteúdos profissionais;
d) Propor a elaboração de três a quatro textos por semestre, acompanhados passo a
passo no moodle, discutido abertamente em plataformas que permitem comentar/editar
(blog e wiki, por exemplo); isto supõe o currículo intensivo: não penca de conteúdos,
mas seleção estratégica dos mais relevantes e que serão pesquisados e reconstruídos
a fundo, exercitando autoria e método científico acurado;
e) Aulas seriam apenas para “informação geral”, dadas a grandes números pelos melhores
professores com produção própria reconhecida; aprender, por sua vez, se faz em grupo
menor, com orientação próxima (não precisa ser física), acompanhamento de perto do
processo produtivo de conhecimento de cada aluno;
f)
Avaliação através dos textos produzidos, que podem sempre ser refeitos; trabalhar
também com avaliação feita pelos pares em plataformas digitais de ida e volta (todo
texto pode ser comentado, bem como todo comentário); cuidar da qualidade da autoria
discente e que, ao final, espelha a autoria docente;
g) Cultivar a transdisciplinaridade, à medida que se possa trabalhar com “disciplinas”
diversificadas e seus respectivos atores, ou com enfoques diferenciados, com o objetivo
de observar que a realidade não é disciplinar; as análises são, também por vício
metodológico;
h) Montar o curso de tal forma que seu resultado final seja a forja do autor de sua própria
profissão, não apenas executor de ordens e estruturas; parte fundamental é saber
reconstruir
todas
as
sugestões
curriculares,
aprender
a
aprender,
estudar
reconstrutivamente;
i)
Cuidar das habilidades do século XXI; não cabe estar fora dos desafios tecnológicos
postos para a aprendizagem (ambientes virtuais de aprendizagem); agregar formação
crítica, sobretudo autocrítica; exercitar método científico e produção qualitativa de
conhecimento; incitar a capacidade de trabalho em equipe;
j)
Acentuar com determinação na parte introdutória (iniciática) ou logo no início do curso,
formação esmerada metodológica, preparando o aluno para pesquisa profissional: i)
domínio do método científico; ii) capacidade analítica; iii) habilidade de formalização da
realidade, usando instrumentação matemática e lógica; iv) exercício da argumentação
científica, em especial uso da autoridade do argumento.
Este último ponto é dos mais decisivos. Significa que o curso precisa ser formatado para
forjar o pesquisador profissional, não apenas o profissional pesquisador. Antes, era suficiente um
profissional que via na pesquisa instrumentação opcional ou intermitente. Agora, não mais. Toda
pessoa que apresente formação superior precisa saber pesquisar com todas a virtudes da
formalização científica, porque esta é a porta correta de entrada na sociedade intensiva de
conhecimento. Pesquisa como princípio educativo (Demo, 1996) não substitui pesquisa como
princípio científico, ainda que seja a finalidade de tudo. Parte importante é domínio de métodos
empíricos, estatisticamente regulados, por mais que não sejam o fetiche que o positivismo prega
(Besson, 1995). Ademais, estando, nesta sociedade marcada pela web, informação cada vez
mais disponível e também embaralhada, urgem capacidade analítica, discernimento crítico e
autocrítico,
capacidade
de
ordenamento
empírico/estatístico,
apresentações
gráficas
alternativas.
Pode haver “turmas” que avançam unidas, semestre a semestre, bem como pode haver
maleabilidade curricular: cada aluno avança na velocidade que lhe é condizente – pode fazer no
semestre, em vez de quatro textos, apenas dois; pode recuperar isso depois; ou pode fazer o
curso em tempo maior. Isto implica elevação de custos para o sistema, porque facilmente alunos
se atrasam, por mil razões. Mas teria a vantagem de preservar o senso pela autoria
individualizada. Em vez de aulas, organizam-se “tempos de estudo”, oportunidades de pesquisa
e elaboração de textos, nos quais os alunos são motivados a assumir o compromisso de
produção de textos científicos. O objetivo não é mais o profissional com diploma, mas o
profissional que sabe engendrar sua própria profissão, mantendo-a aberta aos solavancos da
vida (também do mercado). Não faz nenhum sentido trabalhar conteúdos curriculares sem
acarretar, com toda veemência, a habilidade de aprender a aprender no aluno. Esta habilidade,
ao final, é mais decisiva para manter-se profissional a vida toda.
A novidade das novidades na “nova” Universidade é a qualidade docente. Sem mudar o
professor, não se muda nada (Moe & Chubb, 2009). Embora a razão maior de ser seja o aluno,
obviamente, a mediação decisiva é o professor. Urge colocar em discussão o que se define hoje
como professor. Urge não menos colocar em discussão o que se define hoje por “Universidade”,
também as federais. São instituições envelhecidas, próprias de outras eras (Duderstadt, 2003).
Não vale pretender apenas reformar tais sarcófagos, porque dentro continua o mesmo cadáver.
As habilidades do século XXI pedem, insistentemente e sem volta, outras configurações, entre
elas ambientes virtuais de aprendizagem, e que carecem, antes de mais nada, ser exercitados
pelo corpo docente (Fadel, 2009. Coiro et alii, 2008). A universidade está sofrendo mudanças
profundas, em geral, à revelia, porque, colocando-se apenas na resistência, são tragadas pelo
torvelinho que vem de cima e de fora (principalmente do mercado). Parece claro que será
carcomida pelo mercado implacavelmente, desde que se reconheceu seu caráter de empresa
comum de lucro (Kirp et alii, 2004. Washburn, 2005). Embora não seja o caso apenas condenar,
porque de nada adianta apenas condenar o mercado neoliberal, isto denota que é bem mais
inteligente tomar a dianteira das mudanças, para não ser mero penduricalho delas.
Se tomarmos em mente, mui simplificadamente, os dois “modelos” universitários – das
federais e das privadas – diria que ambos são ultrapassados. As federais não apresentam
produtividade compatível com seus gastos, em especial em pesquisa, mas igualmente no
“ensino” (a maioria continua profundamente medíocre, instrucionista tipicamente), mantêm
configuração docente perdulária e elitista, não favorece o mérito acadêmico (por conta dos
excessos da isonomia), cuidam marcantemente da sempre mesma elite do país (afrontando a
gratuidade), não se apressam na busca de atualização tecnológica, preservam instrucionismo
clamoroso no “ensino”, e assim por diante. A peça, porém, mais intocável é professor, que se
tem por figura acima de qualquer suspeita. Gosta de discutir tudo, desde que não seja posto em
discussão. Exige sua liberdade acadêmica (justa em grande parte) de poder dar o curso que
quer, como quer, quando quer, mantendo-se no centro de tudo. Ainda não percebeu, porém, que
no centro está o aluno (Weimer, 2002). Professor é indispensável, mas é da ordem da
“mediação”. Ao mesmo tempo, junto com algumas outras parcerias (em especial universidades
estaduais, com destaque para as paulistas), as federais tendem a formar cartel elitista, que
concentra os recursos públicos destinadas à educação e pesquisa, afunilando ainda mais as
oportunidades de desenvolvimento em poucas mãos.
Já as privadas, ainda que tenham se expandido enormemente nos últimos anos,
apresentam deficiências de toda ordem, cometendo, entre outras injustiças, flagrante desordem
com respeito à docência. Sua figura central ainda é o “horista”, uma espécie de trabalho escravo
em plena sociedade intensiva de conhecimento. O instrucionismo é sua alma, porque não fazem
mais – com poucas exceções – que “dar aula”. Concentram-se em áreas que pedem menor
investimento (para não ter que oferecer laboratórios sempre atualizados, e outras necessidades).
Os pedagogos e licenciados “deformados” em entidades privadas não são profissionais, ainda
que isto possa ocorrer também nos sistemas públicos (em especial nos municipais). Num lado
temos oferta de qualidade mais elevada, mas como quota dos mais ricos, gratuidade às avessas.
De outro, temos oferta decaída e paga, incapaz de preparar profissionais para o século XXI.
Mas, como visões lineares não são adequadas, no mundo privado também há expressões de
qualidade respeitável, como são muitas confessionais, com destaque para as PUCs e similares.
Qual igreja milenar, a universidade despreza os tempos. Imagina-se acima deles. Não
percebe que os tempos a estão carcomendo implacavelmente, questionando-a por inteiro. O
mais sarcástico nesta relação petrificada é que, oferecendo-se como casa do conhecimento
inovador, não sabe inovar nada, em especial a si mesma.
ARREMATANDO
Outra Universidade é, na prática, outro professor, principalmente. Corre-se o risco de
centralizar as coisas tanto no professor que logo vira culpado e o “resto” algo insignificante.
Culpa não é termo analítico e, por isso, fica logo fora de nosso propósito aqui. Trata-se, na
verdade, de valorizar o professor devidamente, conferindo-lhe a dignidade que merece. Embora
professor universitário tenha outro status, cabe lembrar que muitos são apenas horistas e
especializados. O “mercado acadêmico” tornou-se mais duro, com a entrada em cena de
entidades tipicamente empresariais e que têm o lucro como referência maior. Por certo, valorizar
o professor implica questioná-lo, porque é parte imprescindível da valorização fundamentada.
Problema candente da Universidade é a tendência – advinda da soberba histórica – de não se
questionar: tudo que nela ocorre, seria mais que “natural”, para não dizer indiscutível. Sobretudo
suas aulas são intocáveis e incontornáveis. Os professores também são vestais do outro mundo.
Por se imaginarem figuras já completas (sobretudo quando já possuem PhD ou coisa parecida),
não suportam a ideia de se desconstruir e reconstruir. Mal percebem que se alijam da própria
dinâmica do conhecimento, tipicamente desconstrutiva e reconstrutiva. Muitos, ademais, se
colocam fora do mundo, ao não enfrentarem as novas tecnologias, fechando-se em
procedimentos ultrapassados de formação discente e docente. Mas percebem o quanto se
necessita deles, precisamente para tornar as novas tecnologias instrumento de aprendizagem
adequada. O olhar do educador é imprescindível para que os ambientes virtuais de
aprendizagem correspondam à qualidade esperada e necessária.
Não cabe, contudo, apenas criticar o professor, nem a universidade. São referências
fundamentais desta sociedade. É importante o movimento mundial de “popularização” do acesso
à universidade, oferecendo profissionais ao mercado muito além do que seria, em si, necessário.
Talvez seja sinal dos tempos. As pessoas se formam, por vezes, por questão de autoestima,
porque descobriram a importância da formação aprimorada, no contexto da aprendizagem
permanente. Provavelmente, os diplomas sofrerão este tipo de pressão: não podem valer para
sempre, porque não há “para sempre” em termos de educação. De tempos em tempos será o
caso retornar à universidade, voltar a estudar mais sistematicamente, refazer o caminho anterior,
procurar estar à altura das novas invectivas. A Universidade poderia assumir lugar ainda mais
fundamental na sociedade, à medida que representasse chances sempre renovadas de
continuar estudando, mesclando propósitos formais com não formais. Isto poderia ocorrer, por
exemplo, na “Universidade da melhor idade”, uma instituição devotada aos idosos sob todos os
ângulos considerados relevantes para este público: estudo, graduações e pós-graduações
formais, conclusões não formais ou cursos abertos indefinidamente, cuidado com saúde e com a
mente, espaço para exercício físico, flexibilidade curricular, e assim por diante.
Seria oportuno produzir o acordo de que a Universidade carece colocar-se em questão –
por completo – regularmente. O exercício de desconstrução, seguido de reconstrução, é
iniciativa salutar para manter a instituição aberta aos novos desafios, principalmente para
incentivar a capacidade de produzir novos desafios. Como é missão precípua dela questionar a
sociedade, em nome do conhecimento disruptivo e rebelde, não é menos saber autoquestionarse, mantendo viva a expectativa socrática: quem questiona é o primeiro a ser questionado.
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