Informação e ação – Lutas ambientais em Belo - Net

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Informação e ação – Lutas ambientais em Belo - Net
Informação e ação – Lutas ambientais em Belo Horizonte e o movimento Fica Fícus
José Nunes do Nascimento1
[email protected]
RESUMO
A cidade de Belo Horizonte foi inaugurada em 1897 com o projeto baseado principalmente na
cidade de Paris e La Plata. No início do século XX foi implantada a arborização, que
transformou a cidade nos anos 1930 e 1940 em “cidade jardim”. Com o processo de
industrialização nos anos seguintes, os lugares verdes passaram por processos de transformação
para vias de circulação de veículos. Na década de 1960, a avenida Afonso Pena, principal via e
símbolo da arborização da cidade foi completamente desarborizada para alargamento das vias,
sem a manifestação ativa da população, pois o país vivia sob o regime da ditadura militar, que
proibia qualquer tipo de manifestação. Cinqüenta anos depois, em março de 2013, registra-se
uma nova investida da Prefeitura na região hospitalar, desta vez contras as árvores da Avenida
Bernardo Monteiro, consideradas patrimônio da cidade e que foram atacadas por uma praga
denominada “mosca branca”. Diante da arbitrariedade do poder público, muitas pessoas se
mobilizaram e alertaram que o extermínio das árvores tinha na verdade, razões ditadas por
interesses comerciais e empresariais, deixando-se de lado o real compromisso com a qualidade
de vida dos cidadãos. Começava ai o movimento “Fica Fícus”, com alguns aspectos similares ao
movimento Gezi Park (Turquia), e que ganhou dimensão através da mobilização nas redes
sociais garantindo o cancelamento da derrubada das árvores, e as tornaram símbolo da luta
contra eliminação das áreas verdes e comercialização dos espaços públicos. Desde 2013 o
movimento ambiental “Fica Fícus” reivindica o direito a cidade, e dos espaços públicos como
um lócus de sociabilidade e um local de exercício da política.
Palavras-chave: Redes sociais, Arborização, Conflitos urbanos.
ABSTRACT
1
Possui Graduação em Ciências Sociais - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) cursa o
Mestrado em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável (MACPS) na Escola de Arquitetura
(UFMG) e participa do Núcleo de Estudo da História da Ciência e da Técnica (NEHCIT) na Universidade
Federal de Minas Gerais.
The city of Belo Horizonte was inaugurated in 1897 with the project mainly based in the city of
Paris and La Plata. In the early twentieth century it was implemented afforestation, which
transformed the city in the 1930s and 1940s in "garden city". With the industrialization process
in the following years, the green places have gone through transformation processes for vehicle
traffic routes. In the 1960s, the avenue Afonso Pena, main gate and symbol of the city of trees
was completely treeless for widening of roads without the active manifestation of the
population, as the country was under the rule of the military dictatorship, which prohibited any
kind of manifestation . Fifty years later, in March 2013, registers a new onslaught of City Hall
in the hospital area, this time the trees cons of Bernardo Monteiro Avenue, considered heritage
of the city and were attacked by a plague called "white fly". Faced with the government's
arbitrariness, many people mobilized and warned that the extermination of the trees had actually
reasons dictated by commercial and business interests, leaving aside the real commitment to
quality of life. He began there the movement "Fica Ficus" with some similar aspects to the
movement Gezi Park (Turkey), which won dimension by mobilizing social networks ensuring
the cancellation of the felling of trees, and become a symbol of the fight against elimination of
green areas and commercialization of public spaces. Since 2013 the environmental movement
"Fica Ficus" claims the right to the city, and public spaces as a locus of sociability and a
political exercise site.
Keywords: social networks, afforestation, urban conflicts.
Introdução
A cidade é uma apropriação do espaço, da paisagem que sofre sucessivas transformações em
tempos cada vez mais curtos e as suas superfícies contam histórias no tempo através da
multiplicidade e simultaneidade dos processos que formam uma infinita geometria de
superposições (HOLSTON,1996, p.263).
O modelo econômico excludente explica a relação direta entre as questões ambientais urbanas e
os problemas sociais de nossa sociedade como: a intensa concentração demográfica, que
provoca o crescimento desordenado nas regiões metropolitanas; o aumento do número e da
circulação de veículos em vias públicas; o saneamento básico precário, a deficiência do
abastecimento de água; a poluição do ar; o aumento de lixo; a destruição dos espaços verdes,
fragilizando o solo e possibilitando a ocorrência e freqüência dos desastres ambientais, como
enchentes e desmoronamento de terras, que atingem em grande parte a população menos
favorecida economicamente.
A natureza sempre foi matéria prima do processo produtivo2, baseada na destruição, roubo,
violência e saques dos bens coletivos e recursos naturais.
Os movimentos da sociedade, atribuindo novas funções geográficas, que
transformam a organização do espaço, criam novas situações de equilíbrio e
ao mesmo tempo novos pontos de partida para um novo movimento. Por
adquirirem uma vida sempre renovada pelo movimento social, as formas –
tomadas assim formas-conteúdo - podem participar de uma dialética com a
própria sociedade e assim fazer parte da própria evolução do espaço
(SANTOS, 2006, p.69).
Na ordem capitalista, a urbanização e a industrialização são fenômenos mundiais, que colocam
os indivíduos em um paradoxo da crença de aceleração e de expansão da acumulação sem fim,
com a necessidade de vencer todo o espaço em relação ao tempo. Cria-se a desarticulação entre
o homem e a natureza (como se o homem não fizesse parte da natureza) e transparece a imagem
do desejo, que fundamenta em uma nova mitologia do capitalismo, a da realização dos sonhos
através do consumo de produtos fabricados que resultam na obsolescência planejada, isto é, os
produtos são fabricados para uma vida útil pré-estabelecida, degradando ainda mais o meio
ambiente pela exploração de matéria-prima.
Para Guattari (2001) nos dias atuais a vida doméstica está em função do consumo e da
propriedade, amplamente anunciado pelas mídias e há uma padronização de comportamentos
que “reduz o convívio das pessoas, que refletem diretamente em questões ecológicas” […] se
por um lado as transformações técnico-científicos proporcionam melhorias na qualidade de vida
humana nas cidades, “em contrapartida engendram fenômenos de desequilíbrios ecológicos que
se não forem remediados, ameaçam a vida” (GUATTARI, 2001, p.7-8).
Segundo Guattari (2001)
Na obra “A parte maldita”, Georges Bataille (1975) busca construir uma exposição sistemática
de visão do mundo, que tem sempre a noção de excesso que considera o movimento da
energia sobre a Terra, que no nosso sistema cósmico há sempre o excesso da irradiação solar
que dá origem a todo o crescimento visto que é dada sem contrapartida “o sol dá sem nunca
receber em troca, neste fato há então necessariamente acumulação de uma energia que só
pode ser desperdiçada na exuberância e na ebulição” (Bataille, 1975, p.14).
Porém em todas as modalidades do crescimento da vida, há limites, que as descobertas
permitem ao crescimento dar saltos à frente, que lhe abrem novos espaços acompanhados
com o reaparecimento dos outros limites, e a perda se torna inelutável.
Para Bataille (1975, p.14) nessa história da vida, o homem desempenha um papel eminente
com dupla razão que por um lado faz uso da técnica humana que abre caminhos para novas
possibilidades, assim como feito na natureza pela “ramagem de árvores” e por outro lado é de
todos os seres vivos, o mais apto a consumir, intensamente, luxuosamente, o excedente de
energia, isso significa uma facilidade infinita de consumo inútil, que estimula a multiplicação de
indústrias, que consomem em ritmo elevado a energia do mundo.
2
o grande desafio passa por questões de como viver no planeta daqui em diante
no contexto das acelerações das mutações técnico-científicas com um
crescimento demográfico redobrado [...] que por um lado temos a capacidade
de resolver os problemas ecológicos dominantes com a técnica e a ciência, e do
outro lado somos incapazes de direcionar as forças sociais, com as suas
diversas formações subjetivas construídas para apropriar desses meios para
torná-los operativos (GUATTARI, 2001, p.2-12).
A degradação do meio ambiente não é democrática e os seus efeitos afetam a todos e não haverá
uma resposta à crise ecológica a não ser em escala planetária. É nesta oposição de atitudes e
posturas (de pensar um mundo para as pessoas) que surgem os movimentos como resistências e
protestos de pessoas afetadas e, logo são transformados em lutas por controle coletivo dos
recursos, ou até mesmo pela autodeterminação de suas próprias condições nas lutas contra as
formas predadoras dos recursos naturais.
Belo Horizonte e a arborização
Com a instalação da República no Brasil em 15 de novembro de 1889, revigorou-se a ideia da
transferência da capital do Estado de Minas Gerais, de Ouro Preto para uma nova cidade.
Para Letícia Julião (1992) em seu texto “Belo Horizonte: itinerários da cidade moderna (18911920)”,
A possibilidade de fundar uma nova cidade instigou as mentes
contemporâneas, que projetaram em suas falas seus sonhos e ideais de vida
social. E a capital ia sendo, assim desenhada no território da utopia. Em
particular, as representações urbanas estavam estreitamente associadas ao
universo ideológico republicano (JULIÃO, 1992, p.10).
Nos discursos, a percepção de que se vivia o marco zero de um novo tempo, associado à virada
do século, a mudança do Império para República, “acessavam para a possibilidade de se instituir
uma nova ordem social” (JULIÃO, 1992, p.11), aquele novo tempo de transição com estímulo
de sentimentos que propagavam nos meios políticos e intelectuais de rompimento com a
herança colonial, despertando o desejo e a confiança na ideia do desenvolvimento.
Belo Horizonte foi uma cidade planejada e inaugurada em 12 de dezembro de 1897, já nasceu
capital do estado de Minas Gerais (MOURÃO, 1970, p. 9; ROMANO, 1997, p.20).
A nova cidade foi fundada em duas perspectivas históricas. Para os otimistas a nova cidade era
uma obra capaz de atrair o desenvolvimento e superar a nova ordem como uma “cidade vitrine”
e exibir os aspectos da modernidade. Aqueles que não tinham o mesmo otimismo, e via apenas
um impulso material e simbólico, uma estratégia salvacionista do Estado a beira de uma
estagnação econômica e ameaçado por separatismo regional. “Patriotismo, democracia,
progresso e povo compunham, assim, um repertorio de signos, a partir dos quais os discursos
procuravam criar sentimento de identidade regional” (JULIÃO, 1992, p.26).
Para o traçado da futura capital de Minas Gerais a comissão idealizadora inspirou-se no
urbanismo neoclássico do século XIX e no positivismo; a planta original desenvolvida pelo
engenheiro Aarão Reis no final da última década do século XIX refletia o ideal de uma cidade
funcional e organizada no conceito urbanístico europeu de uma trama ortogonal associada a
uma malha diagonal, basicamente no modelo dos reformadores das cidades européias na busca
da modernidade e universalidade, como a cidade de Paris do final do século XIX.
Figura 1. Planta Geral da Cidade de Minas, organizada sobre a planta geodésica topográfica e cadastral de
Belo Horizonte. 1895.
Fonte: Arquivo da Cidade de Belo Horizonte.
Portanto “ora contemplava ao projeto de L’Enfant para a cidade de Washington (1791), ora á
remodelação de Paris, por Haussmann (1853/1869), ou ao traçado da cidade de La Plata (1882)
construída para ser o centro político-administrativo da Província de Buenos Aires” (RIBEIRO,
2000, p.157-158) visando reorientar o espaço urbano, com o predomínio das linhas retas na
configuração de avenidas largas, calçadas arejadas, bem iluminadas e arborizadas (ROMANO,
1997, p.21; PREFEITURA DE BELO HORIZONTE, 2000, p.21).
No projeto original, havia em Belo Horizonte um grande número de praças e parques,
destacando o “Parque Municipal” na área central na Avenida Afonso Pena, a principal via da
cidade, que recebeu um cuidado especial e ali foram plantadas centenas de mudas de ‘Fícus
Benjamira’, em toda sua extensão, transformando-a nos anos seguinte em um corredor verde
emoldurado pela Serra do Curral.
As árvores tinham sido plantadas no início do século XX, pouco depois da
inauguração da cidade, em 1897, e integravam a proposta paisagística de uma
capital moderna, civilizada construída segundo padrões de higiene e
planejamento racional (DUARTE, 2013, p.11).
Figura 2. Praça Sete de Setembro, em 1905 (antigo nome Praça 12 de outubro).
Fonte: Arquivo da Cidade de Belo Horizonte.
No início dos anos 30 do século XX, ocorreram as primeiras intervenções da administração
pública nas árvores.
O corte desnudou os prédios ao longo da Avenida Afonso Pena, configurando
uma paisagem irreconhecível e gerando protestos pois, “para muita gente, à
proporção que marchava o desbaste, cresciam a desilusão” e a capital parecia
perder seu encanto (EM 29/043/1930 apud DUARTE, 2007, p.32).
Para a administração pública tudo aquilo era um mero desbaste, onde a via ganhava iluminação,
beleza, assim como tantas ruas de terras civilizadas. Nos anos seguintes varias daquelas árvores
adoeceram, sem que a Prefeitura diagnosticasse a origem do mal (DUARTE, 2007, p.32).
Em 1934, registram-se as primeiras iniciativas de muitos cidadãos em defesa da arborização.
Temerosos em perder um dos maiores encantos, uma parte integrante da cidade, um pouco da
vida cotidiana, solicitaram providencias para assegurar a sobrevivência das árvores que há anos
estavam doentes; muitas morreram e foram substituídas por outras da mesma espécie.
Do período final da década de 30 até os anos 50, mesmo com a expansão de edifícios cada vez
mais altos, as árvores continuaram como principal elemento da vista da cidade, novamente com
a sombra dos fícus (DUARTE 2007 p.32), época que ainda era conhecida como “Cidade
Jardim”, Belo Horizonte, causava deslumbramento, e atraia os olhares dos viajantes vindos do
interior, pela grandiosidade da massa verde que intercalava as esquinas agudas e obtusas
(ROMANO, 1997, p.23).
Figura 3. Avenida Afonso Pena, Serra do Curral ao fundo, 1920.
Figura 4. Avenida Afonso Pena, 1930. acervo J. Góes
Fonte: Arquivo da Cidade de Belo Horizonte
Para DUARTE (2007, p.33), a partir de 1950, as áreas próximas de Belo Horizonte foram
atingidas pelo ritmo alucinante de desflorestamentos. E vários fatores contribuíram para esse
efeito como a fundação do Parque Industrial, a migração (aumento populacional de 350 para
700 mil habitantes em dez anos de 1940/1950), aberturas de estradas, o incremento da
construção civil e o alto índice de crescimento de favelas. Todo esse desenvolvimento
necessitava de madeiras como matéria prima; na indústria, na construção civil e nos
assentamentos de pessoas provenientes de imigração.
A década de 1960 foi um marco significativo da redução da arborização do centro de Belo
Horizonte, a população assistia a eliminação dos fícus da Praça Sete e da Avenida Afonso Pena,
para a melhoria do trânsito com a circulação de aproximadamente 30 mil veículos.
O corte dos fícus da Afonso Pena repercutiu e foi intensamente debatido durante aqueles dias do
evento, envolvendo atores políticos, moradores de toda a cidade, lojistas da avenida, cronistas,
poetas e toda a imprensa, porque representava uma medida arbitraria (as podas trazidas pelo
progresso) e também porque era contemplado como uma medida corajosa da Prefeitura, frente á
necessidade de desenvolvimento. O cenário político dos anos 60 dispersava as atenções para a
conturbada articulação contra o governo do Presidente João Goulart e para o assassinato do
Presidente americano John Kennedy e o corte das árvores era um evento onde se implicavam
muitas outras escolhas e dilemas. Chegavam ao fim, os abrigos de sombras e também o
incômodo da forte praga de insetos que imperava naqueles anos (Duarte, 2007, p.25).
Figura 5. Corte dos fícus na Praça Sete, 1962.
Figura 6. Corte
dos fícus na
Avenida
Afonso Pena,
1963.
Fonte: Arquivo
da Cidade de
Belo Horizonte,
acervo J. Góes.
Fonte: Jornal Estado de Minas
O período entre os anos 1990 e 2000 ficaram marcado por incipientes questões que reportavam
os atritos entre a população que começava a assimilar a nova Constituição de 1988 e os órgãos
oficiais - Centrais Elétricas de Minas Gerais (CEMIG) e Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) que praticavam podas antiecológicas nas árvores da cidade, através de empresas terceirizadas
sem o compromisso com a questão ambiental (podas radicais que quase suprimem toda a árvore
para preservar a rede elétrica e que na maioria dos casos em curto tempo a Prefeitura viabiliza a
supressão do que restou sem nenhuma punição aos responsáveis pela intervenção). No discurso
da Secretaria do Meio Ambiente (SMA), a afirmação que a “cidade perde seu verde em função
de seu desenvolvimento”.
Em março de 2013, registra-se uma nova investida da Prefeitura, desta vez contra as árvores da
região hospitalar, que foram atacadas pela Singhiella simplex (mosca branca) que causa a queda
das folhas e o enfraquecimento dos galhos, e desta forma justificando-se podas radicais e até
mesmo a supressão de árvores. Diante da arbitrariedade da Prefeitura, uns grandes números de
pessoas se mobilizaram, alertando a opinião pública para a ação de extermínio das árvores que
tinha razões ditadas por interesses comerciais e empresariais, deixando-se de lado o real
compromisso com a qualidade de vida dos cidadãos (DUARTE, 2013, p.14).
Essa questão reforça a ideia de que a partir dos últimos anos do século XX a política urbana da
cidade passou por uma série de reformulações com o enfoque mercadológico de estímulo ao
crescimento e a criação de empregos (CASTRIOTA, 2009 p.247). Na prática a Prefeitura e os
grupos empresariais se aliaram para a atração de capitais na tentativa de estimular o mercado
imobiliário, e para isso desregulamentam o controle do uso do solo e aprovaram os
financiamentos de empreendimentos, colocando o aparato público como um dos principais
agentes de reprodução do capital na produção do ambiente construído (GOUVÊA, 2005, p.50).
Antigas áreas decadentes, terrenos vagos e áreas verdes nos centros dão lugar a
empreendimentos imobiliários com as construções de shopping centers, hotéis, restaurantes,
complexos de escritórios sob a técnica do planejamento estratégico gerenciado por empresários;
assim estas áreas da cidade passam ser um produto a ser visto, vendido, visitado, atraindo a
classe social com maior poder econômico, provocando uma grande valorização imobiliária.
Estas apostas em Parcerias Público-Privadas (PPPs), vem transformando a cidade em negócio, e
contestadas por manifestações.
Para a questão ambiental em Belo Horizonte, a partir do ano de 2013 o conflito é revelado
principalmente na disputa pelo território, pelo poder de seu uso e ocupação da Avenida
Bernardo Monteiro na região centro-sul, um local que foi criado para ser um espaço de
caminhada, como uma forma de vivência da cidade, no eixo de interseção com o Parque
Municipal. É um local que tem para o poder público uma outra perspectiva, a de exploração
capitalista com investimentos em infraestrutura para novos ciclos do capital, (na tentativa de
recuperar as quedas do Produto Interno Bruto (PIB) durante os anos 1990 até o início dos anos
2000) “enquanto para os sujeitos, desvela sentimentos, valores e preferências transmitidas
através de gerações que construíram sua própria cultura e atribuíram, para além do valor
material um valor simbólico” (ZHOURI, 2010, p.258).
Ativismo ambiental em Belo Horizonte
Muitos aspectos aproximam o Brasil e a Turquia, além de pertencerem a economias de
mercados emergentes, uma série de manifestações, mobilizaram estes países em 2013 com a
ação violenta do Estado através da polícia, fato que levaram milhares de adesões aos protestos.
As mobilizações de 2013 em Istambul (Turquia) na Praça Taksim, local do Parque Gezi,
representou o descontentamento da população contra a arbitrariedade política adotada para a
cidade, que comercializa e privatiza o espaço público. Começou como um movimento
anticapitalista.
O Parque Gezi não era a última área verde em Istambul, mas as transformações urbanas estavam
reduzindo-as, principalmente no centro da cidade, e quando os operários começaram a cortar as
árvores, os protestos foram para o ambiente virtual do facebook, fato que desencadeou a ação
prática com diversos ativistas ocupando o parque, mesmo com a reação da polícia para a
desocupação.
No mesmo ano (2013) na cidade de Belo Horizonte, o que originou o movimento ‘Fica Fícus’,
foi também a possibilidade de privatização do espaço público para criação de um
estacionamento subterrâneo e estações de ônibus com a extinção dos centenários fícus na área
hospitalar, na região centro-sul da cidade.
O ‘Fica Fícus’, é um grupo formado por biólogos, engenheiros, arquitetos, urbanistas e outros
diversos manifestantes ligados ao meio ambiente e ao patrimônio cultural, que defendem a
manutenção dessas árvores; e que reúne mais de 2000 membros e ganha novos adeptos
diariamente através das redes sociais que relativiza a noção de espaço e tempo, reduzindo os
rituais sincrônicos e a dimensão geográfica, com novos padrões de cooperação.
Assim como na manifestação do ‘Parque Gezi’,no ‘Fica Fícus’ a comunicação promoveu uma
grande visibilidade por meio das redes sociais, com destaque para o facebook; com um
diferencial para o movimento do ‘Parque Gezi’, porque já havia limitação da população de
expressar publicamente. Agora os ativistas podiam produzir suas próprias notícias pelo
jornalismo cidadão que eram divulgadas no mundo virtual, enquanto a mídia convencional
mostrava uma situação adversa.
O movimento ‘Fica Fícus’ representa uma população que não está satisfeita com as diversas
atitudes que estavam caminhando em direção a um desmatamento das florestas urbanas e a
extinção dos fícus, um dos símbolos da cidade de Belo Horizonte. O movimento defende
principalmente, os 53 fícus da Avenida Bernardo Monteiro, que são árvores centenárias e
patrimônio paisagístico e cultural da cidade.
Figura 7. Avenida Bernardo Monteiro, 2014.
Fonte: <http://ficaficus.concatena.org/>
O local do conflito é a Avenida Bernardo Monteiro, uma das vias mais arborizadas da cidade,
onde os fícus centenários sofreram podas radicais no início de 2013, e isso aconteceu depois da
identificação de uma praga que põe em risco a saúde das árvores.
Segundo a Prefeitura da cidade a poda foi para a redução de risco à população com a retirada de
galhos secos que poderiam causar qualquer dano, e a outra prática esperada era o manejo e o
controle da mosca branca. E o que há de concreto para a população é uma cultura do medo dos
insetos e o entendimento de que eles são prejudiciais.
Um outro paradigma para os administradores é a crença da “cidade jovem” que nem as árvores
podem envelhecer. Com a retirada de árvores é desencadeado o desequilíbrio ecológico,
comprometendo o habitat dos insetos predadores, criando pragas; e isto representa uma visão
sanitarista, que vê na natureza uma ameaça, gerando motivos para desinfetar o mundo. Para os
ativistas do ‘Fica Fícus’ a principal preocupação é que as intervenções urbanísticas prevista pela
Prefeitura fiquem camufladas no discurso de resolução do problema da infestação, já que nas
podas a Prefeitura não cortavam somente as partes doentes das árvores.
Tanto as retiradas das árvores na capital nos anos 1960, ou 2013, não deixam de provocar
reações negativas nas pessoas. Se na década de 1960 o espanto da retirada dos fícus se deu por
conta de Belo Horizonte ser reconhecida como cidade jardim, hoje é devido à sustentabilidade.
Uma das conquistas do movimento ‘Fica Fícus’ foi a construção de um mapa colaborativo que
mostra a situação das árvores de Belo Horizonte, onde qualquer pessoa com o celular ou um
computador com acesso à internet, pode sinalizar podas indevidas, cortes ou simplesmente a
existência de qualquer vegetação pela cidade. Qualquer pessoa passando todos os dias pela
aquela árvore, tem condições de ver se tem algum problema. À medida que as pessoas começam
a dar visibilidade, a postar o que está acontecendo e, como está acontecendo, mostrando que
pode ser diferente, isso desperta uma atenção dos outros que passam também a prestar atenção
no que está acontecendo na cidade.
Para Sérvio Pontes Ribeiro3, professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e ativista
do movimento ‘Fica Fícus’, a criação de aparatos institucionais se dá em função de mobilização
de setores variados da sociedade civil, e não de ações iluminadas do Estado ou do Governo.
Portanto abandono do conjunto arbóreo pelo poder público representa a insatisfação dos
cidadãos da postura da Prefeitura diante da preservação e manutenção do meio ambiente;
também para Myriam Bahia4, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e
ativista do movimento; a ideia é discutir a partir da árvore, a questão do espaço coletivo e
desenvolver a cidadania em lugares onde os moradores passeiam, onde podem andar pela
sombra, como foi pensado na época da construção de Belo Horizonte, e quando não se
reconhecem esse espaço, os cidadãos se sentem acuados, e isso induz a violência, a degradação.
O espaço público coletivo tem grande visibilidade e diversos setores querem produzir lucros
nestes locais, mas a população tem ido às ruas para reivindicar desde a questão ecológica, como
a derrubada de árvores, até a não construção, de shopping centers e,
Belo Horizonte está dentro desse conflito – do capitalismo – que estabelece o
valor de uso e o valor de troca, que opõe a vida urbana em sua essência, porque
uma cidade é para ser vivida e não para dar lucro, é o que diz respeito a vida
das pessoas por gerações. Nas ações de proteção ambiental, a população
deveria estar consciente que a sua contribuição com os impostos, propicia a
Prefeitura plantar e derrubar árvores, e que a obrigação do gestor público é de
cuidar da cidade para as pessoas, o espaço público não é um negócio de
interesses comerciais e empresariais, os serviços públicos terceirizados sujeitos
a lógica da produção são nocivos à vida na cidade (LOPES, 2013).
Para Castells (2013) a rede virtual converteu-se num espaço público para o fortalecimento das
demandas dos atores da sociedade civil. Desta forma a participação das pessoas em
manifestações nas redes sociais, encontrou na internet um espaço de autonomia, “muito além do
controle de governos e empresas, que ao longo da história, haviam monopolizados os canais de
comunicação como alicerces de seu poder” (CASTELLS, 2013, p.9).
3
Sérvio Pontes Ribeiro divulga em seu blog educacional, discussões acadêmicas sobre a Ecologia
Evolutiva. http://sociobiolodia.blogs.sapo.pt/
4
Myriam Bahia Lopes coordena o Núcleo de Estudos da História da Ciência e da Técnica (NEHCIT) da
Escola de Arquitetura e Urbanismo (EA) na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
http://www.arq.ufmg.br/nehcit/index.php
Este outro espaço público (virtual) que possibilita novos caminhos para a interação política,
econômica e social; que transforma qualquer cidadão independente das barreiras econômicas e
geográficas em um ator com diversos papéis ao mesmo tempo (militante, editor, consumidor,
distribuidor, articulador e outros) avança para prática deixando a “segurança do ciberespaço
para ocupar o espaço público, num encontro às cegas entre si e com o destino que desejavam
forjar, ao reinventar seu direito de fazer história - sua história -, uma manifestação de
autoconsciência que sempre caracterizou os movimentos sociais” (CASTELLS, 2013, p.10)
Essas novas redes virtuais também podem se enquadrar como dispositivos (AGAMBEN, 2009)
que estão sempre inscritos nos jogos de poder e desta forma contribuir para o processo de
multiplicação de vozes, com a tomada de palavras coletivas.
A tecnologia digital estimula o processo de criação de relações híbridas (polifonia de vozes,
com atuações múltiplas) não só de conexão, mas sobretudo de “experimentação em tempo real
que continuamente modificam os cenários sociais, passando a ressignificar, do mesmo modo,
práticas e atuações” (DI FELICE, 2009, p.277).
Segundo John Palfrey e Urs Gasser (2011, p. 288) a internet não mudou a natureza da ação
política, mas possibilitou os meios para se obter uma maior participação.
A internet proporciona as ferramentas que capacitam as pessoas, jovens e
velhas, a ter um maior nível de participação direta e pessoal no processo
formal da política – se elas assim o quiserem. Nenhuma tecnologia nova vai
fazer alguém ter experiência de conversão. O que a rede proporciona é uma
plataforma cada vez mais útil e atrativa para aqueles que estão predispostos a
serem ativos na vida cívica (PALFREY & GASSER, 2011, p. 288).
No contexto de cooperação em rede abrem-se espaços para a articulação das comunidades de
prática, que de acordo com McDermott (2000) representam
agrupamentos de pessoas que compartilham e aprendem uns com os outros
por contato físico ou virtual, com um objetivo de resolver problemas, trocar
experiências, desvelamentos, a construção de modelos padrões, técnicas ou
metodologias, tudo isso com previsão de considerar as melhores práticas.
Essas comunidades, consideradas territórios neutros das pressões sociais e da
demanda por produtividade, devem possuir um domínio de atuação
partilhado de forma colaborativa ou comunitária e compartilharem práticas
comuns experiências, problemas e soluções, ferramentas, vocabulários e
metodologias (MCDERMOTT, 2000, p.3-4).
No ambiente virtual as redes sociais são responsáveis pela rápida expansão de mensagens
informativas das atividades da organização, em segundos, é possível conectar pessoas de todo
mundo, sendo diversas as opções de interatividade, como encaminhar e distribuir e-mails,
comentar notícias, iniciar fórum e debates do movimento social, produzir e assistir vídeos que
fomentam a causa ambiental no youtube, ou ainda seguir o grupo nas redes sociais, Twitter e
Facebook, e outras.
Na produção do espaço urbano, os movimentos sociais nascem das condições de vida das
diversas classes, que estabelecem pontos comuns de coesão e solidariedade para viabilizar as
reivindicações junto aos poderes públicos, a fim de promover a satisfação de demandas que
decorrem das próprias urgências da vida urbana.
Desta forma os movimentos sociais são ações coletivas com o objetivo de manter ou de mudar
uma situação, ou seja, não são predeterminados, dependem sempre das condições específicas
em que se desenvolvem das forças sociais e políticas que os apóiam ou confrontam; dos
recursos existentes para manter a ação e dos instrumentos que são utilizados para obter
repercussão.
Os movimentos de resistências funcionam como redes e as mobilizações sobre laços
comunitários buscam respostas à agressividade das decisões do Estado e das empresas que
criam impactos nos ecossistemas e se apresentam para negociar de forma mais democrática
possível e pensar soluções, cobrando do poder público o cumprimento de seu papel na
sociedade.
Referências bibliográficas
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