Prólogo - romancesnovacultural

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Prólogo - romancesnovacultural
Prólogo
Nova Orleans, 1840
—N
ão tem nada de errado com o conde DeVereaux —
Magdalena protestou. Ela estava na enorme sala da
casa-grande, discutindo com o pai. Sentada em uma poltrona,
tinha os pés firmes no chão e as costas empertigadas.
Observando-a, Jason Montgomery suspirou e sacudiu a cabeça com tristeza. Odiava magoar Magdalena, mas não havia
outro jeito. Era sua única filha, bonita demais, com uma vontade de ferro e uma inteligência vivaz, tudo isso aliado à graça
de uma gazela e aos movimentos elegantes. Por vezes, podia
parecer suave, terna, doce e sedutora como a mais inocente
das mulheres. Era ainda muito jovem, impressionável, apaixonada. Ele lhe ensinara a ser forte; afinal, não tinha herdeiros
homens. Era o senhor de tudo o que os rodeava ali naquela
enorme propriedade, respeitado por todos os homens na
Louisiana, homens que eram agora americanos, fossem seus
ancestrais franceses ou ingleses. Era uma pessoa sensata, experiente e, na verdade, poderosa. Tentara transmitir à filha tudo
o que o transformara no que era.
E agora Magdalena usava esses ensinamentos contra ele.
— O senhor não gosta do conde porque ele é francês —
ela o censurou.
— Não gosto do conde porque ele é... — Jason interrompeu
Shannon Drake
a frase subitamente. Não queria que o julgasse um louco.
Magdalena precisava respeitar a opinião dele e suas ordens
porque era sua filha.
— Escolhi viver neste lugar, onde meus associados são
na maioria franceses — ele retrucou. Sim, isso era verdade.
Em Nova Orleans havia homens e mulheres de ascendência
colonial americana; havia os franceses, os ingleses, e também
os creoles, nascidos de ancestrais franceses. Existia gente
de sangue mestiço, de pele escura, e que sabia... sobre os
segredos das sombras. Aquilo não seria possível. Não permitiria uma união do conde com sua filha. Levantou o punho, sacudindo-o. — Sou seu pai. Você não vai se encontrar
com Alec DeVereaux nunca mais. Decidi que se casará com
Robert Canady, e isso acontecerá nos próximos meses.
— Não! — Magdalena gritou, levantando-se. Seus olhos
irradiavam paixão e fúria. — Não farei isso, papai. — De
repente, começou a soluçar. — O senhor nunca me tratou
assim! Ensinou-me a pensar e a sentir...
— Mas você não está pensando! — Jason exclamou. —
Se estivesse, jamais iria querer se envolver com esse conde.
Iria querer conhecer os pais dele, ter provas de quem ele é,
de onde veio...
— Está sendo arrogante, papai! Escute a si mesmo. O senhor me disse que esta terra passou a ser os Estados Unidos
da América. Não nos curvamos a reis e rainhas, e um homem
faz o seu próprio destino...
— E garotas tolas desmaiam diante de homens misteriosos com títulos de nobreza!
— Papai, eu não me impressiono com títulos. O senhor
não o conhece. Alec é instruído, e abriu um mundo novo para
mim. Fez-me ver lugares distantes, entender a história de homens e mulheres, coisas que aconteceram, e outras que ainda
estão para acontecer. Eu estou apaixonada por ele porque...
— Oh, não... — Jason murmurou, em desespero.
— Estou apaixonada por ele porque Alec é corajoso,
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porque às vezes é muito sério, porque pode ser feroz e ao
mesmo tempo terno, porque...
— Ele seduziu você, minha filha.
— Papai, ele é um homem honesto, e deseja se casar
comigo.
— Nunca! Nunca, está me ouvindo? — Jason rugiu. Voltouse ao criado que estava na sala. — Tyrone! Escolte minha
filha ao quarto. Ela está proibida de sair dali!
Tyrone era um negro livre. Ele caminhou na direção de
Magdalena, com o olhar baixo.
— Desculpe, srta. Magdalena.
Magdalena olhou para o rosto atormentado do homem
que era o braço direito de Jason Montgomery. O único defeito de Tyrone era o fato de ser totalmente fiel ao seu pai. Ele
a carregaria à força ao quarto se fosse necessário.
Voltou-se para o pai, ainda incapaz de acreditar no ódio
que ele sentia pelo jovem por quem se apaixonara.
— Nem reis, nem rainhas, pai! Nenhum homem ou mulher, por mais poderoso que seja, nos comandará. Isto é
América. Não me curvarei à vontade de ninguém!
Magdalena subiu as escadas, com Tyrone acompanhando-a de perto.
— Filha!
Ele era seu pai. Antes daquele momento, era sua queridinha, sua melhor amiga. Magdalena parou e se voltou.
— E quanto ao amor, menina? Você se curvaria à minha
vontade porque ela vem do amor de um pai?
— Vou amar o senhor durante toda a minha vida, papai.
Mas existe outro tipo de amor, e é por isso que precisarei
desafiar o senhor.
— Você se casará com Robert Canady.
— Não vou fazer isso.
— Oh, criança, você fará, sim.
Magdalena arqueou a sobrancelha com ironia.
— Vai me manter presa até o dia da cerimônia?
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— Oh, sim, filha, pela escuridão de cada noite que virá,
juro que é isso o que vai acontecer!
Ela olhou para o pai, parado ali com incrível dignidade.
— Não me chame de filha — disse suavemente, e então
recomeçou a subir a escada.
Dessa vez, não olhou para trás. Sentia o coração despedaçado. Lágrimas vieram aos seus olhos. Outros pais escolhiam
os maridos de suas filhas. Não Jason. Ele sempre fora também
seu amigo.
Como não compreendia seus sentimentos? Um dia, ele
também amara. Tinha confessado isso muitas vezes enquanto descrevia sua mãe com intenso ardor. Jason adorara
Marie d’Arbanville e se estabelecera naquele lugar para
que ela se sentisse mais próxima de sua gente em Paris. Bem,
isso não importava agora. Se ele conhecera o amor, agora
o havia esquecido.
Magdalena sentiu o coração bater mais forte. Robert
Canady era um bom homem. Um viúvo bonito por quem já
se sentira atraída. Chegara a desejar se casar com ele, mas
conhecera Alec. E o ouvira murmurar em seu ouvido, e sentira o seu olhar. Desde que Alec chegara a Nova Orleans, desde que haviam dançado no baile do governador, desde que
tinham rido, conversado, cavalgado juntos, não existia qualquer outro homem para ela. Ninguém mais com olhos de
fogo e um murmúrio que despertava um anseio em seu íntimo.
Entrou no quarto e bateu a porta. Prometera a Alec que iria
vê-lo e que cavalgaria pelo riacho, voando pela noite, se isso
fosse o necessário para encontrá-lo. Olhou para a janela do
quarto. Precisava ser rápida.
Puxou os lençóis da cama e procurou moldá-los no formato de um corpo, cobrindo-as depois com a colcha. Pegou sua
capa e correu até a janela.
Magdalena!
Ela parou, confusa. Era como se tivesse escutado o chamado de Alec, um sussurro em seu ouvido. Como se ele
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estivesse ali perto, chamando por ela.
A brisa da noite a envolveu por inteiro.
Estou indo, meu amor, respondeu em pensamento.
Junto à janela havia uma árvore. Magdalena a alcançou
com agilidade e foi descendo bem devagar pelos galhos. Ao
passar pela janela da sala, viu o pai, com a cabeça inclinada e
os ombros baixos, sentado perto da lareira. A cena a comoveu.
Meu amor, meu amor...
Ela escutou o murmúrio outra vez, como uma carícia.
Deixou a casa e correu em silêncio até os estábulos. Selou
seu animal favorito e o conduziu para fora.
A lua estava cheia naquela noite sem estrelas, envolta por
um tom escarlate misterioso. Talvez fosse uma tempestade
chegando. A imagem era linda, apesar de um pouco assustadora. Parecia que a lua se banhara em sangue.
Já longe de casa, Magdalena disse a si mesma que não
poderia sentir medo. Uma vez que o pai compreendesse que
ela se comprometera com o conde, decerto cederia e aceitaria
que os dois se casassem.
Cavalgou rapidamente pelos campos, e depois seguiu com
mais cuidado pelo pântano. Sabia o caminho, conhecia bem
o riacho. Nascera naquela região, e não tinha medo de nada,
nem de qualquer criatura da noite.
A lua escarlate a seguia. Mesmo com o coração pesado por
estar desobedecendo ao pai, ela chegou à velha mansão que
Alec comprara ao se mudar para Nova Orleans. A casa adquiria o tom avermelhado do luar, como se as colunas brancas
ganhassem sombras vermelhas, e a fumaça saindo da chaminé
parecesse tocada por fagulhas em forma de gotas de sangue.
Da janela de seu quarto, Alec DeVereaux sentiu um arrepio. Havia esperado uma eternidade por ela. Soubera, no momento em que vira Magdalena rindo no salão de baile, que a
amaria. Então a segurara em seus braços enquanto dançavam,
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e a desejara com uma angústia que suplantava a luxúria.
Passara a noite atormentado pelo desejo. Poderia tê-la seduzido; afinal, era um mestre nisso. Mas ela tinha de amá-lo
também. E, por isso, esperara.
Até esta noite...
Ela viera, montada em um garanhão negro, banhada pelo
brilho do luar. O cavalo começou a trotar pela alameda rodeada de jardins. Alec observou-a desmontar, fascinado. Ouviu-a
falando com Thomas na entrada, e escutou o som suave de
seus passos enquanto subia as escadas.
Abriu a porta do quarto, e ela estava ali. Estendeu a mão,
tocando-a finalmente, e lhe abaixou o capuz do casaco.
— Você veio — ele murmurou, e deu um passo para trás,
convidando-a a entrar em seus domínios. A mão de Magdalena
parecia tão pequena entre as suas. Delicada, elegante. Tiroulhe o manto e o largou no chão, deslizando o olhar por todo
o lindo corpo.
Ela estendeu as mãos para sentir o calor do fogo na lareira. Alec a seguiu, segurou-a pelo ombro e aspirou o perfume
de seus cabelos.
— Onde seu pai pensa que você está?
— Na cama.
Ele viu o pulsar de uma veia no pescoço de Magdalena e
tocou o ponto com um beijo leve. Ela se virou, com ímpeto.
— Oh, Alec, não consegui mentir! Tivemos uma briga
horrível. Eu... eu disse ao meu pai que queríamos nos casar.
— Ma belle, está tudo bem.
Magdalena suspirou antes de abraçá-lo.
— Ele precisa aceitar a nossa união porque eu te amo,
Alec.
— Você me ama? Realmente me ama? — indagou. — Isso
significa muito para mim. Nem sequer pode começar a entender o quanto.
Magdalena levantou o olhar, confusa. Ele era tão alto,
e tinha os cabelos e olhos tão negros! Os ombros eram
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maravilhosamente largos, o peito firme, o queixo perfeito. Não havia uma mulher em toda a Louisiana que tivesse
dançado com Alec e não o considerasse o homem mais bonito
que tinha conhecido.
Ele lhe contara um pouco sobre sua vida. A maior parte
de sua família morrera durante a Revolução Francesa, mas
havia alguns sobreviventes que desafiavam a guilhotina.
Ele próprio lutara na Batalha de Nova Orleans, quando menino, claro, trabalhando para o pirata Jean Lafitte. Tinha
viajado muito, enfrentara um bom número de duelos com
pistolas e espadas. Era um excelente atirador. Por tudo isso,
por tudo o que fizera, era um homem magnífico.
Subitamente, Alec se afastou. Havia uma garrafa de vinho em uma bandeja de prata depositada em uma mesinha.
Serviu dois cálices, ainda de costas para ela. Magdalena aproveitou para observar o quarto. Uma colcha de cetim preto fora
estendida sobre a cama, contrastando com os lençóis brancos; sobre ela, havia uma pilha de travesseiros. Na mesinha
de cabeceira, outra garrafa, provavelmente de champanhe, ela
pensou. Alec não disfarçava a razão de querer sua presença
ali. No momento, vestia apenas um roupão preto com listras
vermelhas. Magdalena tinha certeza de que ele não usava
nada por baixo. Mesmo assim, Alec parecia estar ostensivamente se distanciando dela.
—Talvez seu pai tenha razão. Talvez você não devesse
me amar.
— Você me ama? — ela quis saber.
Alec se voltou para encará-la, solene.
— Com todo o meu coração. E vou amá-la por toda a
minha... não, por toda a eternidade.
— Então não tem razão para que eu não te ame.
— E se eu for uma espécie de monstro?
— Por ser francês?
Alec sorriu de leve, e Magdalena o amou ainda mais.
— Por assombrar a escuridão — ele falou suavemente.
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— Por assombrar a noite. Eu matei...
— Muitos homens tiveram de fazer isso — Magdalena o
interrompeu.
Ele sorriu de leve mais uma vez, observando-a, e ela
sentiu os olhos dele. Verdadeiramente os sentiu. O fogo daquele toque parecia entrar em seu corpo, em seu sangue.
Sentiu-se tonta, faminta, deliciosa. Desejava aquele homem
mais do que qualquer coisa em sua vida; tanto, que chegava
a doer. Precisava tocá-lo, sentir as mãos dele em seu corpo,
os beijos dele em toda a parte. Queria-o dentro de si.
Mal podia respirar. Umedeceu os lábios e começou a
abrir os botões de seu vestido.
— Ma petite chérie — Alec murmurou. — Você não veria
mal em ninguém.
— Sei que não há mal algum em você.
Magdalena deixou o vestido cair no chão, ficando diante
dele apenas com as roupas de baixo. Queria sentir os dedos
de Alec em seu corpo. Você não está pensando, o pai dissera,
e era verdade, ela não estava pensando.
Não se importava. Sabia a diferença entre o certo e o errado, e que Deus a ajudasse, queria fazer o errado. No entanto,
poderia ser errado amar tão profundamente?
Alec atravessou o quarto e pressionou o cálice de vinho
entre seus dedos. Estavam muito próximos, e Magdalena viu
o tormento nos olhos dele, a paixão angustiada. Ele levou o
cálice aos seus lábios, e ela bebeu. A brisa da noite que circulava pelo aposento pareceu erguer-se e baixar em ondas
avermelhadas.
— E se eu for o Mal? — ele indagou.
— Você não é, Alec.
— Nunca quis ser...
A névoa se ergueu. Magdalena não estava mais com o
cálice nas mãos, mas não se lembrava de tê-lo colocado em
outro lugar. Piscou. O roupão de Alex jazia no chão, e ele
estava nu. Com as mãos estendidas, ele a fitava. Um tremor
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começou a percorrer seu corpo, seu sangue, sua alma, todo
o seu ser. Desejava-o com uma intensidade assustadora.
Ele era forte e perfeito. O peito largo, coberto por pelos escuros; as pernas, musculosas; os quadris, estreitos. Olhou admirada para a ereção e estremeceu.
— Não me importo com o que você seja. Eu não me
importo!
— Posso lhe trazer dor...
— Mas estou em agonia agora — ela disse. Não conseguindo mais resistir, abraçou-o, seus lábios buscando os dele.
Mal beijara antes, mas subitamente era como se soubesse
devorar a boca de Alec, procurar pela língua dele, seduzindoo, excitando-o.
Alec hesitou por um instante, lutando contra alguma força
interior, e então a envolveu nos braços. O beijo foi tão apaixonado que ela sentiu o corpo em chamas, e foi envolvida
pela sensação de voar em meio à escuridão. Ele a colocou na
cama e terminou de despi-la. A urgência dos gestos não a
assustava. Ao contrário.
Por fim, começou a tocá-la. Beijos quentes e úmidos
seguiam cada toque. Ele buscou suas pernas, e então sua
intimidade. Seu coração pulsava com força, em um ritmo
frenético. Ela tremia e de repente sentiu um pouco de medo.
Contudo, as sensações que experimentava eram tão fortes
que a fizeram ignorar o temor. Alec a acariciou eroticamente.
Estava úmida. E então sentiu o toque mais íntimo de um
dedo...
Magdalena não conseguiu evitar o grito. Ele estava ao
seu lado, os olhos escuros avermelhados como o luar, as
palavras intensas, angustiadas.
— Pode me amar? Consegue amar uma criatura da noite?
— Oh, Deus, por que não acredita em mim? Eu te amo.
Amo o homem que me faz rir, que me faz sentir viva, que me
faz desejar algo que eu desconhecia. Um homem que viveu,
lutou, aprendeu. Um homem que comanda, que escuta, que
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é firme e terno. Eu te amo, Alec.
Não conseguia entendê-lo. Desejava-o, queria realizar
a promessa de êxtase. Queria abraçá-lo, remover a angústia
dos olhos dele, assegurar-lhe...
— Sou uma criatura da noite — voltou a dizer. — E
não sei se Deus ainda se lembra de mim!
Magdalena puxou-lhe a cabeça, querendo que ele voltasse
a beijá-la. Pôs a mão dele em seus seios, encostando-se mais
no peito forte, querendo fazer parte daquele homem.
— Deus nos ensinou a amar, e eu te amo. Não existe mal
que eu não consiga superar. O que é isso, essa criatura da
noite que você diz ser?
— Vampiro! — Charles Godwin, o professor alemão,
afirmou. Fora à casa de Montgomery naquela noite junto
com Gene Courtemarch, o velho médico, e o jovem Robert
Canady, que tanto adorava a bela Magdalena.
Canady não estava familiarizado com aqueles assuntos,
e na verdade não acreditava neles. Godwin e Courtemarch
tinham amplos conhecimentos a respeito das criaturas da
escuridão.
— Sim, concordo — aquiesceu Jason, exausto de preocupação e dor. Havia chamado os amigos logo depois que a
filha subira para o quarto.
— Cavalheiros — Robert Canady disse, meneando a cabeça —, não acredito nessa loucura, nessa ação que estão
propondo! Eles enforcarão a nós todos, Jason, um por um! E,
apesar de que eu morreria feliz por sua filha, desse jeito minha
morte não vai servir para nada. O conde acabou de chegar
e pode ser bastante misterioso, mas se comporta como um
cavalheiro o tempo todo.
— Você é idiota, meu jovem? — Godwin explodiu. — Ele
está se apossando da mulher que você ama.
Robert respirou profundamente.
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— Que Deus me ajude, sim, amo Magdalena! Mas não
posso assassinar um homem porque a mulher que amo o
preferiu a mim.
— Você não entende? — Jason gritou, exasperado.
Naquele momento, foram interrompidos pelos passos
pesados de alguém descendo as escadas.
— Sr. Montgomery! — Tyrone gritou. — Ela nos enganou,
senhor!
— O quê?
— Ela simulou estar na cama, mas deixou o quarto.
— Minha filha fugiu!
— Nós a seguiremos — Godwin gritou. — Tyrone, chegou a hora. Traga as estacas e as espadas. Depressa. Deus nos
ajude, e que cheguemos a tempo!
— Cavalheiros! Mesmo que ela tenha escolhido amar
aquele homem, ainda assim não podemos cometer um assassinato! — Robert Canady protestou, tentando, em vão, fazer
os homens raciocinar. Aqueles velhos tolos não percebiam
a gravidade do ato? Ninguém se sentia mais traído do que
ele. Amava Magdalena, queria desposá-la. A dor era como
uma faca cravada em seu corpo. Mas ela amava o francês.
— Maldição, Robert! — Jason protestou. — Você não
escuta.
— A um bando de velhos tolos?
— Não, ao vento. À lua, à névoa, aos sons estranhos da
noite! Já olhou para cima? O céu parece chorar lágrimas
de sangue. Você não entende. Veja a lua escarlate!
— E precisa entender! — Godwin exclamou.
— Pelo amor de Deus, você tem de entender! — insistiu
Courtemarch.
— Ele é... — Jason começou a dizer.
— Um vampiro! — Courtemarch terminou. — Por tudo o
que é sagrado, deve compreender. O amante de Magdalena
é um vampiro!
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Alec estava com o corpo sobre o de Magdalena. Poderoso
e lindo, ela pensou, as feições masculinas e, no entanto, bem
definidas e alinhadas, os olhos tão escuros que pareciam
brilhar com um estranho fogo.
— Vampiro — ele disse suavemente.
Ela sorriu devagar a princípio. Depois meneou a cabeça.
— Não. Alguém o fez pensar que é isso.
— Sou uma criatura da escuridão, da noite — insistiu.
Um arrepio percorreu o corpo de Magdalena. Ela o
observou e viu seriedade no olhar de Alec.
— Talvez o amor possa me libertar. Essa é a promessa,
a lenda. E eu te amo profundamente. Como se tivesse esperado cem anos para experimentar essa doçura. Você precisa
entender, estou com medo, com medo de que a lenda seja
uma mentira, de que a promessa seja falsa. Eu não suportaria
feri-la...
— Meu amor, pare com isso. — Colocou o dedo sobre
os lábios de Alec. — Você não pode ser o que diz. Não vou
acreditar nisso! — Pressionou o corpo contra o dele. Beijou-o
no rosto, no pescoço, no peito, deslizando as mãos pelo
corpo viril.
Alec deixou escapar um gemido e a abraçou de novo.
— Posso lhe trazer o fogo do inferno, a condenação...
— Então pode trazer tudo isso, meu amor, porque não
vou deixá-lo, não conseguiria fazê-lo. Não me importo com
o que aconteça.
Ela não se importava...
Alec deitou-se sobre sua amada, tocando todo o seu corpo, beijando-a em todo lugar, envolvendo-a no fogo provocado pelas carícias íntimas, fazendo-a tremer e implorar e jurar
que sempre o amaria. Seus olhares se encontraram, e ele a
penetrou devagar. Magdalena estremeceu e agarrou-o até
a dor diminuir.
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— Beije-me — ela sussurrou.
Alec tomou-lhe os lábios, afagando-a nos cabelos, antes de deslizar a boca até seu pescoço. E então ela sentiu os
dentes dele, e uma dor breve e aguda...
Um grito escapou de seus lábios, mas dor e prazer se mesclavam, e a tempestade de emoções reinou. A sensação era
tão boa que ela viu a escuridão aveludada, o tom escarlate do
céu, um brilho intenso... Tudo escureceu por um segundo,
antes de as estrelas voltarem. A dor, o prazer... Alec apossarase de seu corpo; extraíra desejo, vida, sangue...
Vampiro... ele dissera.
Se ela tocasse em seu pescoço, encontraria um fio de
sangue. Por Deus, talvez...
Não. Alec não podia ser um vampiro. Ainda sentia a maravilha, a excitação, a saciedade do desejo. Quase morrera
de prazer. Havia alcançado um êxtase tão intenso que tudo
o mais desaparecera. Testara os fogos do inferno, e eles eram
esplendorosos. Uma sensação de completude a envolveu.
— Amo você — murmurou.
Alec começou a responder. Magdalena viu seus olhos negros brilhar, a boca se curvar em um sorriso sensual. E então
ele ficou em silêncio, imóvel.
Ela o fitou sem compreender nada por alguns segundos
antes de ver a estaca que o atravessara pelas costas, saindo
por seu peito. Uma mancha escarlate se espalhava por seu
corpo, começando a pingar.
— Vampiro! — alguém bramiu.
Magdalena começou a gritar. Viu Alec sendo puxado para
trás e o brilho provocado pelo movimento de uma espada.
Eles o estavam decapitando!
Misericordiosamente, o instinto a levou a fechar os olhos.
Ao sentir o sangue quente cair sobre sua pele, gritou. O
corpo foi tirado de cima dela. Chocada, abriu os olhos e não
acreditou no que via. O pai e os amigos estavam ali. Robert
também. Sério e triste enquanto a observava. Ele estendeu
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os braços em sua direção.
Aquilo era um pesadelo, não podia estar acontecendo.
Mas sentia o sangue do amante sobre seu seio, exatamente
como sentia o próprio sangue saindo do ferimento no pescoço. Era algo horrível demais para ser compreendido; talvez
não conseguisse entender. Ainda assim, o sangue era real.
A morte de Alec era real.
— Magdalena! — Robert gritou, envolvendo-a em seu
manto.
Sentia muito frio, mas não podia aceitar o conforto dele.
Continuou gritando.
Robert a apertou com mais força nos braços.
— Ela também é uma vampira agora! — Godwin insistiu,
segurando a espada com firmeza.
— Deixe-a! — Robert gritou. — Malditos sejam todos
vocês! Querem machucá-la ainda mais?
— Ela é minha filha. Não está morta, nem é uma vampira.
Posso curá-la! — Jason rugiu.
Curá-la...
Nada jamais poderia curá-la. Não depois daquela noite. Conhecera o amor, e agora eles chamavam seu amante
de monstro, e ele jazia morto no chão, coberto de sangue,
com a cabeça separada do corpo. Eles o haviam decapitado,
e esse poderoso homem, Godwin, pretendia também decapitá-la, assim que Courtemarch a empalasse com uma estaca.
Não sabia se isso importava. A vida não tinha mais sentido
algum...
Na verdade, parecia estar se esvaindo de seu corpo. Indo
embora, através da marca no pescoço. Era uma sensação
boa. Estava entorpecida. Tentou se afastar de Robert para ver
seu amado uma última vez.
O pai se aproximou, segurando-a.
— Não, Magdalena — ele sussurrou.
Mas ela viu. Oh, Deus. Não havia corpo algum. Nem
sangue. No lugar onde seu amante caíra, o chão parecia
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queimado, com uma mancha negra no formato de uma criatura alada.
Ela começou a gritar novamente.
E então seu grito foi sumindo, e morreu na garganta,
levando junto sua consciência.
— Ela morreu e vai se tornar uma daquelas criaturas! —
Godwin exclamou.
— Não, ela dorme! — Jason protestou.
— O sono da morte.
— Ela dorme! — Robert Canady rugiu.
— O sono da vida! Ela é minha filha, minha carne, meu
sangue. Eu a curarei!
Jason pegou a filha nos braços, tirando-a até mesmo de
Robert, e levou-a embora. Afastou-se da casa que antes era
branca e agora parecia vermelha sob o brilho da lua escarlate. Tropeçou, quase caiu.
Levantou-se e continuou carregando Magdalena.
Jason olhou para cima e percebeu que o luar estava
sumindo e que o sol começava a surgir.
O sol. Um novo dia raiava no horizonte.
Começou a correr para a carruagem.
Ela jazia no estranho e gelado mundo da escuridão.
Sabia que deveria lutar contra a sensação de sombras e frio.
As pessoas a chamavam, mas as vozes pareciam vir de muito
longe. De algum lugar, conseguia ver uma luz distante, mas
não alcançá-la. Alguém a segurava. Queria alcançar a luz.
Não podia. Queria gritar que a deixassem ir, mas seu pedido mudo se perdeu na escuridão, no vazio, na solidão além
da morte...

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