o programa nuclear e o planejamento energético - DEE

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o programa nuclear e o planejamento energético - DEE
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE TECNOLOGIA
DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA ELÉTRICA
INDIRA PONTE RIBEIRO
O PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO E O PLANEJAMENTO
ENERGÉTICO
FORTALEZA
2014
1
INDIRA PONTE RIBEIRO
O PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO E O PLANEJAMENTO
ENERGÉTICO
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à Coordenação do Curso de
Graduação em Engenharia Elétrica da
Universidade Federal do Ceará Campus do
Pici, como requisito parcial à obtenção do
título de Graduação em Engenharia Elétrica.
FORTALEZA
2014
2
__________________________________________________________________________
Página reservada para ficha catalográfica que deve ser confeccionada após
apresentação e alterações sugeridas pela banca examinadora.
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___________________________________________________________________________
13
INDIRA PONTE RIBEIRO
O PROGRAMA NUCLEAR E O PLANEJAMENTO ENERGÉTICO NACIONAL
Trabalho de conclusão de curso submetido
à Universidade Federal do Ceará para a
obtenção do grau de Graduado em Engenharia
Elétrica.
Aprovada em: ___/___/______.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Prof. M.Sc. Tomaz Nunes Cavalcante Neto (Orientador)
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_________________________________________
Prof. Dr. Ricardo Silva Thé Pontes
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_________________________________________
Eng. Leila Cristina Jovina da Silveira
Associação Técnico-Científica Eng.° Paulo de Frontin (ASTEF)
3
A Deus.
4
AGRADECIMENTOS
À Deus, pela luz, força e inspiração necessárias ao longo dessa jornada.
A meus pais, Sammy e Silvia, meus exemplos de dedicação e hombridade.
Obrigada por todo o incentivo, compreensão, paciência e companheirismo.
Obrigada por todos os esforços para me tornar quem sou hoje.
A minha irmã, Marina, pelos cuidados com meu bem-estar, pelos conselhos e
pelos momentos de descontração.
A todos os meus mestres, pelo conhecimento repassado, em especial ao
orientador desse trabalho, Tomaz Nunes, por todas as oportunidades fornecidas
para o meu crescimento profissional.
A ASTEF, por me guiar no início da minha jornada profissional.
Aos meus colegas da gestão Laranja Mecânica, do Centro Acadêmico, em
especial Samuel, pela ajuda fornecida tanto no desenvolvimento desse trabalho
quanto ao longo do curso, e Cláudio Wagner, por todos projetos que elaboramos e
executamos ao longo do curso.
Ao engenheiro Lucas, pela ajuda e pelos conselhos valiosos na execução
desse trabalho.
A todos os meus amigos e colegas que me apoiaram nessa jornada, meus
sinceros agradecimentos.
5
Nicolau Maquiavel
6
RESUMO
Este trabalho visa ao estudo da participação das usinas termonucleares no
cenário energético nacional. Serão abordadas as estruturas de uma planta
termonuclear e o Programa Nuclear Brasileiro, analisando as motivações que
conduziram à criação deste projeto, seu histórico, sua implantação e os avanços
obtidos no domínio da tecnologia nuclear. Analisar-se-á a influência da fonte
nuclear nos custos relativos à energia elétrica e as consequências da expansão
do parque nuclear.
Palavras-chave: Programa Nuclear Brasileiro. Cenário energético. Expansão.
Planejamento Energético. Geração Termonuclear.
7
ABSTRACT
This paper aims to study the contribution of the nuclear plants in the national
energy scenario. Along for the text, the standard thermonuclear plant structure will
be addressed, as well as the Brazilian Nuclear Program, analyzing the motivations
that led to the creation of this project, its history, its implementation and the
progress made in the field of nuclear technology. The effects of the nuclear source
in the costs of electricity and the consequences of the expansion of nuclear power
plants will be analyzed.
Keywords: Brazilian nuclear program. Energy scenario. Expansion. Energy
planning. Thermonuclear generation.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1-
Esquemático de uma usina nuclear
29
Figura 2-
Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto
39
9
Gráfico 1-
LISTA DE GRÁFICOS
Geração de energia nuclear por país em 2013
20
Gráfico 2-
Oferta de potência de geração elétrica
45
Gráfico 3-
Geração termelétrica estimada página
51
Gráfico 4-
Taxa de crescimento do PIB mundial: Período 2005-2030
52
Gráfico 5-
Taxa de crescimento do PIB: comparação entre Brasil e Mundo 53
no período 2005-2030
Gráfico 6-
Comparação dos custos
61
10
LISTA DE TABELAS
Tabela 1-
Número de países que possuem reatores nucleares em 19
operação/construção em 2013
Tabela 2-
Densidade energética dos combustíveis
27
Tabela 3-
Informações Angra I
40
Tabela 4-
Informações Angra II
42
Tabela 5-
Oferta de capacidade instalada de geração elétrica segundo 44
diferentes configurações
Tabela 6-
Capacidade instalada de geração elétrica/2013
45
Tabela 7-
Comparativo da oferta interna da energia elétrica nacional
46
Tabela 8-
Taxas de crescimento do nível de atividade
49
Tabela 9-
Potencial de geração nuclear
55
11
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
PLD
Preço de Liquidação das Diferenças
PIB
Produto Interno Bruto
IAEA
Agência Internacional de Energia Nuclear
CNEN
Comissão Nacional de Energia Nuclear
MME
Ministério de Minas e Energia
CBTN
Companhia Brasileira de Tecnologia Nuclear
KWU
Kraftwerk Union
TNP
Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares
CNAAA
Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto
PWR
Reator a Água Pressurizada
CNPE
Conselho Nacional de Política Energética
SIN
Sistema Interligado Nacional
APE
Autoprodutor cativo
Cativo
EPE
Empresa de Pesquisa Energética
PDE
Programa Decenal de Expansão
PNE
Programa Nacional de Energia
ANEEL
Agência Nacional de Energia Elétrica
UTE
Usina Termoelétrica
CCEE
Câmara de Comercialização de Energia Elétrica
12
Sumário
1.
INTRODUÇÃO
1.1
2.
ESTRUTURA DO TRABALHO
A USINA TERMONUCLEAR .......................................................................................... 16
2.1
Histórico
2.2
A energia nuclear no mundo
2.2.1
Políticas energéticas nucleares em alguns países
2.2.1.1
Alemanha
2.2.1.2
China
2.2.1.3
Coreia do Sul
2.2.1.4
Estados Unidos da América
2.2.1.6
Japão
2.2.1.7
Rússia
2.3
A geração de energia
2.4
Estrutura da usina nuclear
2.5
Subprodutos e segurança nas usinas nucleares
2.5.1
Subprodutos
2.5.2
Segurança
2.6
Uso do combustível nuclear
3.
O PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO...................................................................... 33
3.1
Histórico
3.2
O Acordo Nuclear Brasil-Alemanha
3.3
Programa Nuclear Paralelo
13
3.4
Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto
3.4.1
Angra I
3.4.2
Angra II
3.4.3
Angra III
4.
O FUTURO DA ENERGIA NUCLEAR NO BRASIL ....................................................... 44
4.1
Características do sistema elétrico brasileiro
4.2
Planejamento Energético
4.2.1
Plano Decenal de Expansão 2022
4.2.2
Plano Nacional de Energia 2030
4.3
Justificativas para o incentivo da geração nuclear
5.
ESTUDO DE CASO: IMPLANTAÇÃO DE USINA NUCLEAR NO CEARÁ .................. 60
5.1
Introdução
5.2
UTE Pecém I e II
5.3
Metodologia do estudo
5.4
Resultados
6.
6.1
CONCLUSÃO .................................................................................................................. 63
Trabalhos futuros
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................ 65
14
1. INTRODUÇÃO
Os recursos energéticos possuem papel fundamental para o desenvolvimento
das nações. As decisões relacionadas a estes recursos, tomadas por cada país,
devem levar em consideração as relações existentes entre os setores
energéticos, econômicos, sociais e ambientais, tornando impossível a existência
de uma única estratégia de sucesso.
O Brasil, cuja abundância de recursos hídricos torna esta fonte responsável
pela produção de 69,3% da energia, vive um período de incerteza quanto ao
abastecimento de eletricidade. A demanda crescente de energia, cujo valor é
superior ao PIB nacional, associada com as secas e os baixos níveis dos
reservatórios, resultou no aumento do preço da energia elétrica no mercado de
curto prazo, fazendo o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) bater seu valor
máximo, permitido por lei, de R$ 822/MWh no primeiro semestre de 2014. Este
aumento, que desestimula a negociação de contratos de venda a médio e longo
prazo, pode ser justificado pela necessidade de acionamento de termoelétricas,
cujo custo de operação é mais elevado, expõe a necessidade de uma estrutura
forte de planejamento, a fim de reduzir os riscos de desabastecimento devido a
fatores climáticos.
Diante deste quadro, o incentivo a fontes com alto grau de confiabilidade se
faz necessário. Dentre as opções, cita-se a geração termonuclear, que apresenta
como principais vantagens a necessidade de pequenas áreas para sua
implantação, a mobilidade, a ausência de emissão de CO 2, a independência de
fatores climáticos e a elevada densidade energética do urânio. No entanto, esta
fonte apresenta como grandes desvantagens o risco de acidentes nucleares e a
geração de resíduos radioativos.
Este trabalho foi motivado pela incerteza energética nacional e visa ao estudo
da viabilidade da retomada do Programa Nuclear Brasileiro e à sua influência no
planejamento energético do país.
1.1 ESTRUTURA DO TRABALHO
Este trabalho é composto de cinco capítulos. No primeiro
introdução e motivação ao estudo.
faz-se uma
15
No segundo capítulo, é feita uma explicação sobre a energia nuclear,
abordando o seu histórico, a geração de energia via urânio e os seus
subprodutos.
No terceiro capítulo, é feita uma análise do Programa Nuclear Brasileiro,
citando seu histórico, suas motivações e o que foi implementado até o presente
momento.
O capítulo quarto envolve o estudo do planejamento energético e a análise da
viabilidade de usinas termonucleares.
O capítulo quinto se refere a um estudo de caso, em que se comparam os
custos referentes a usinas térmicas a carvão e usinas nucleares.
O sexto capítulo é a conclusão do trabalho.
16
1. A USINA TERMONUCLEAR
1.1 Histórico
A propriedade da emissão de radiação por sais de urânio foi estabelecida por
Henri Becquerel em 1896, ao perceber que estes compostos conseguiam
impressionar chapas fotográficas. Em 1898, Madame Curie e Schmidt
descobriram, simultaneamente, que o tório possuía as mesmas propriedades
radioativas do urânio. O casal Curie, que já explicava a radioatividade como
propriedade atômica, descobriu o Polônio em 1898. Em 1910, Madame Curie
descobriu o Rádio.
Em 1934, através dos trabalhos de Frederick e Irene Joliot-Curie, obteve-se
pela primeira vez a radioatividade artificial.
O desenvolvimento e aperfeiçoamento do átomo como fonte de energia estão
fortemente ligados ao nome do italiano Enrico Fermi. Através de seus
experimentos envolvendo geração de átomos radioativos via bombardeio de
nêutrons, pode-se observar o fenômeno da fissão nuclear, mas tarde comprovada
por Otto Hahn.
Após a sua partida da Itália para os Estados Unidos e diante da ideia da
conversão em energia elétrica do calor liberado pela fissão nuclear, Fermi,
juntamente com seus colaboradores, iniciou seus estudos sobre a possibilidade
da liberação de nêutrons no processo de fissão. Esta ideia foi comprovada em
1939.
O primeiro reator nuclear, construído pela equipe de Fermi na Universidade
de Chicago, entrou em operação em 1942, com uma reação em cadeia
autossustentável. Começava-se a era atômica.
Ao longo da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), as pesquisas referentes à
utilização da energia atômica se tornaram assunto militar. Após o encerramento
do conflito, os Estados Unidos visaram ao desenvolvimento de um programa
nuclear com finalidades pacíficas, de forma a manter a sua superioridade na
tecnologia militar desta fonte.
Em 1946, o primeiro reator europeu entrou em operação, na cidade de
Moscou. Em 1951, em Idaho Falls, EUA, entrou em operação um pequeno reator
17
nuclear, cuja finalidade era o estudo das propriedades regeneradoras de um
reator rápido.
No ano de 1953 foi lançado o programa Átomos para a Paz, o qual propunha
a utilização pacífica da energia atômica, a partir de colaborações internacionais. O
programa, lançado pelo presidente Eisenhower, foi proposto pouco tempo após o
primeiro teste de bomba atômica feita pelos soviéticos.
A primeira planta nuclear de potência dos soviéticos foi inaugurada em 1954.
Durante o período de 1955-1956, a cidade de Argo, em Idaho, EUA, tornou-se a
primeira cidade a ser totalmente iluminada através de uma central nuclear. Em
1956, foi construído o primeiro reator comercial dos EUA, o qual operou até 1982.
Em 1957, fundou-se a Agência Internacional de Energia Atômica.
No dia 28 de março de 1979, ocorreu o pior acidente nuclear americano até
então, na usina de Three Mile Island, o qual não causou vítimas fatais. Em 28 de
abril de 1986, ocorreu o pior acidente nuclear até então da história, em Chernobyl,
Ucrânia, que espalhou radioatividade por uma extensa área europeia. A explosão
liberou mais radiação que a bomba de Hiroshima e não se sabe ao certo qual a
extensão da mortalidade associada a este acidente.
Em março de 2011, em Fukushima, ocorreu o pior acidente nuclear japonês
até então. Após este incidente, muitas nações passaram a rever seus programas
nucleares.
1.2 A energia nuclear no mundo
Em decorrência do acidente de Fukushima, em março de 2011, toda a
indústria nuclear se mobilizou, a fim de avaliar o evento e as providências a serem
tomadas, de modo a evitar a ocorrência de desastres em outras centrais.
Conforme o resultado da avaliação feita por cada país, uma série de providências
foi gerada, sendo a maioria delas voltadas para a garantia da resistência dos
reatores a eventos extremos, como terremotos e tsunamis, e para o
comportamento dos sistemas de segurança e desligamento seguro das centrais.
Atualmente, a energia nuclear responde por 12% da capacidade elétrica
instalada. De acordo com projeções feitas em 2013 pela Agência Internacional de
Energia Atômica (IAEA), a participação da fonte nuclear na capacidade instalada
mundial subiria para, no mínimo, 17% até 2030. No entanto, ao se comparar as
18
estimativas para esta fonte até 2030, feitas em 2012 e 2013, percebe-se que a
projeção mais recente foi inferior, refletindo o impacto do acidente nuclear de
Fukushima e a queda no valor do gás natural. Apesar disso, o crescimento da
capacidade instalada ainda continuará, sendo liderado por China, Coreia do Sul,
Índia e Rússia.
Até o final de 2013, 434 reatores nucleares de potência estavam em
operação, com capacidade instalada de 371,7 GW e outros 72 estavam em
construção, sendo este o melhor número desde 1989. Ainda segundo a Agência,
dos 30 países que possuem usinas nucleares, 25 estão planejando ou
expandindo seus parques nucleares. (IAEA, 2013)
Na tabela 1, observam-se as características da geração nuclear no mundo.
Deve-se destacar que em dois deles, Emirados Árabes Unidos e Belarus,
iniciaram-se as obras de construção das primeiras usinas.
19
Tabela 1-Número de países
operação/construção em 2013
que
possuem
reatores
nucleares
em
Fonte: IAEA, 2013
No gráfico 1, observa-se a geração nuclear por país. Deve-se destacar
considerável redução no Japão, que precisou desativar grande parte do seu
parque nuclear para testes após os eventos de Fukushima, e na Alemanha, que
optou pelo desligamento de suas usinas após março de 2011. Deve-se também
observar que a maioria dos países aumentou a geração de energia por fonte
nuclear.
20
Gráfico 1-Geração de energia nuclear por país em 2013
Fonte: The World Nuclear Industry Status Report, 2014
1.2.1 Políticas energéticas nucleares em alguns países
1.2.1.1
Alemanha
A matriz energética alemã é bastante diversificada, composta por carvão
(47%), gás (11%), hidrelétrica (5%), outras fontes renováveis (19%), óleo (2%) e
nuclear (16%). Esta última possui capacidade atual de 12.068MW, fornecidas por
9 usinas autorizadas a operar. (Eletrobrás Eletronuclear, 2013)
No ano de 2010, após longas discussões no congresso alemão, aprovou-se a
proposta de expandir a vida útil das usinas em mais 8 ou 12 anos, dependendo da
idade da instalação, em vez do término previsto das usinas existentes para 2022.
No entanto, após o acidente de Fukushima, a posição adotada em 2010 foi
revertida, desligando-se todas as 17 usinas por 3 meses, para realização de
testes. Após esse período, as oito usinas mais antigas foram desligadas, ficando
o fechamento das outras 9 conforme cronograma.
O dano real provocado pela geração nuclear para pessoas ou para o
ambiente tem sido extremamente baixo, em especial quando comparado com o
registro de outras fontes. Isso se comprova por uma pesquisa realizada em 2012,
21
a qual mostrou que 77% dos alemães se preocupam mais com a manutenção da
eletricidade acessível do que com o abandono da geração nuclear. (Eletrobrás
Eletronuclear, 2013)
Com esta medida, 10% da energia do país deixou de se gerada, tornando a
Alemanha dependente da importação de eletricidade de fontes nucleares
francesas, tchecas e russas. Além disso, houve aumento de 12% no custo da
energia e de 10% na emissão de CO 2. Tais dados minam a credibilidade desta
decisão, movida por forças políticas nacionais. Também deve-se citar como
consequências desta decisão a perda de empregos e a redução na
competitividade para a indústria, em especial a de metais.
Não se sabe exatamente como a Alemanha cumprirá seus compromissos de
redução das emissões de CO2 com a desativação de todos os reatores. Apesar
do forte subsídio à geração solar e da grande aposta na eólica, mesmo que a
participação destas fontes na matriz energética dobrasse, seria necessário o
investimento de 122 bilhões de euros no setor, conforme estimativas do Ministério
de Meio Ambiente e Conservação da Alemanha, excluindo-se desse valor os
investimentos nas centrais a gás de back-up das renováveis, na expansão das
linhas de transmissão e os custos de possíveis racionamentos de energia.
Segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas da Alemanha, os custos dessa
decisão podem chegar a 200 bilhões de euros.
1.2.1.2
China
A China é, atualmente, o maior consumidor de energia do mundo. O país
possui pouca disponibilidade de petróleo e gás, mas possui vastas reservas de
carvão, o qual responde por 83% da matriz energética chinesa. O Governo, no
entanto, motivado por questões ambientais, planeja reduzir essa participação. A
China, assim como o Brasil, dispõe de um importante potencial elétrico, e possui a
maior hidrelétrica do mundo, Três Gargantas, com potência de 18.000 MW.
(Eletrobrás Eletronuclear, 2013)
O consumo de energia per capita chinês é aproximadamente metade do
brasileiro, mas a população é quase 7 vezes maior.
22
Os incentivos chineses na geração nuclear visam à diversificação da sua
matriz energética, a fim de evitar colapsos no fornecimento de energia. Ao todo, a
China possui 18 usinas nucleares instaladas, fornecendo 14.742 MW, e prevê-se
a construção de outras 54 nos próximos 50 anos. O país pretende atingir 70 GW
de capacidade instalada em 2030, o que representará 5% de geração por fonte
nuclear neste ano. (Eletrobrás Eletronuclear, 2013)
1.2.1.3
Coreia do Sul
A Coreia do Sul possui a 4ª maior economia asiática. Sem reservas
energéticas, o país importa cerca de 97% de suas necessidades. O carvão é a
principal fonte energética coreana, respondendo por 42% da eletricidade gerada.
A política energética da Coreia do Sul visa à redução da dependência de
combustíveis fósseis, bem como à diversificação da matriz energética. Há um
maior incentivo à geração nuclear, devido à confiabilidade do fornecimento de
energia e à segurança. As pesquisas coreanas no campo nuclear são voltadas
para o gerenciamento de resíduos, domínio do ciclo do combustível e
desenvolvimento de reatores.
Em 2009, a Coreia do Sul ganhou a concorrência para fornecimento de 4
reatores de 1.400 MW para os Emirados Árabes Unidos. Isso aumentou a
aprovação popular do desenvolvimento da indústria nuclear para 88,4%.
O país possui 23 reatores em operação, correspondendo a 20.700 MW de
capacidade instalada. Em 2012, a produção dessas usinas correspondeu a
34,64% do total consumido no país. Espera-se que em 2015, a capacidade
instalada das usinas nucleares coreanas chegue a 27 GW. (Eletrobrás
Eletronuclear, 2013)
1.2.1.4
Estados Unidos da América
Os Estados Unidos possuem 100 usinas nucleares em operação, com
capacidade instalada de 98.560 MW, tornando-se o proprietário do maior parque
nuclear do mundo. A capacidade instalada bruta sofreu uma redução em 2013,
com o fechamento de 4 centrais, uma vez que o consumo da região em que
23
estavam instaladas não cresceu como desejado e que não seria econômico
remodelá-las. (Eletrobrás Eletronuclear, 2013)
Houve um expressivo aumento da capacidade instalada das usinas
americanas nos últimos anos, como consequência da ampliação das suas
capacidades, chegando a 6.862 MW em 2013, sem que usina alguma fosse
construída. Deve-se também citar o aumento da vida útil para 60 anos de 73
usinas, equivalente a 66.735 MW funcionando por mais 20 anos, sem os custos
de capital para a construção. (Eletrobrás Eletronuclear, 2013)
Os efeitos de Fukushima nas políticas energéticas americanas não foram
muito expressivos, limitando-se a revisões de segurança das instalações.
A adoção de políticas para reduzir a emissão de gases causadores do efeito
estufa incentivou o aumento na participação da fonte nuclear na matriz energética
americana. Especula-se um aumento de 50 GW da participação nuclear até 2020,
ano em que se espera um índice de 28% na emissão de CO 2.
1.2.1.5
França
A França possui 58 usinas nucleares em operação, com capacidade de
65.880 MW. Dada a população de 64 milhões de habitantes, o país possui mais
de 1 GW de capacidade instalada por milhão de habitantes. Em decorrência do
término da vida útil, 11 usinas foram fechadas. (Eletrobrás Eletronuclear, 2013)
O país depende entre 75 e 85% da eletricidade de origem nuclear. É o maior
exportador de energia da Europa e as suas emissões de CO 2, entre 70 e
80g/kWh, são menores que a média europeia. A França também produz a energia
mais barata do continente. (Eletrobrás Eletronuclear, 2013)
Uma característica do parque nuclear francês é a dificuldade na manutenção
do alto desempenho de suas usinas, uma vez que elas não operam na base,
sendo obrigadas a acompanhar as mudanças na carga. Outra característica a se
destacar é o envelhecimento do parque gerador. Até 2022, 22 reatores franceses
atingirão o término da vida útil, restando poucas opções para o suprimento da
demanda energética que não a expansão da vida útil dessas plantas.
24
Os efeitos de Fukushima foram relevantes. Apesar dos testes realizados após
esse evento atestarem um bom nível de segurança, o governo socialista começou
a admitir a necessidade de diminuir a dependência das usinas nucleares,
desejando implementar uma redução parcial da participação desta fonte para 50%
até 2025, substituindo a capacidade cortada por fontes renováveis. No entanto, os
investimentos para esse projeto são expressivos, chegando a 15 bilhões de
euros, segundo o operador do sistema francês, o RTE. No entanto, esse projeto
foi abandonado, uma vez que não se considerou viável a substituição da nuclear
por outras fontes, investindo-se na pesquisa e desenvolvimento de reatores de
quarta geração.
1.2.1.6
Japão
O Japão é extremamente dependente de fontes externas de energia primária.
Possui 50 usinas nucleares em condição operacional, com capacidade de 44.114
MW, 2 usinas em construção e 9 reatores fechados permanentemente.
Com o acidente de Fukushima, todas as usinas foram desligadas para a
realização de testes. Em setembro de 2012, apenas 2 haviam retornado à
operação, ficando as demais no aguardo do término e aprovação dos testes, bem
como da aprovação das prefeituras locais. O desligamento de todas as usinas
resultou no aumento da importação de petróleo, gás e carvão para o despacho
das térmicas convencionais, aumentando as emissões de gases do efeito estufa
em 1,2 gigatones/ano. O desligamento das usinas nucleares também levou a uma
solicitação de redução de consumo, a fim de evitar racionamento compulsório.
(Eletrobrás Eletronuclear, 2013)
As consequências desse acidente devem influenciar o Japão na formação do
seu novo posicionamento energético. A dependência externa de combustíveis e
os custos de alteração da matriz energética japonesa são outros fatores a se
analisar. Até 2030, deverá ser tomada uma decisão entre 3 cenários, nos quais a
participação da fonte nuclear varia de 0 a 20 ou 25%. (Eletrobrás Eletronuclear,
2013)
Apesar das discussões quanto ao futuro da energia nuclear no Japão, o país
continua com a sua política de exportação de tecnologia nuclear.
25
1.2.1.7
Rússia
A Rússia possui 33 usinas em operação, com capacidade de 25.242 MW, 11
em construção e 44 planejadas, sendo que 20 destas possuem data de início de
operação prevista. (Eletrobrás Eletronuclear, 2013)
O enfoque da política energética russa na geração nuclear tem por objetivo a
exportação do gás natural para a Europa, o que é mais lucrativo que seu uso para
geração de energia nas térmicas convencionais, e na substituição do parque
gerador.
O governo russo estima que até 2020 a capacidade instalada desse parque
gerador será de 30 GW, correspondendo a 25 ou 30% da energia do país nessa
data. (Eletrobrás Eletronuclear, 2013)
Os eventos de Fukushima levaram os russos a adotar os mesmos testes que
os demais membros da União Europeia. Além disso, está em andamento um
programa de inspeções nas centrais, relativos aos possíveis riscos associados à
falta de água e energia de emergência para os sistemas de refrigeração.
Deve-se também citar a ampliação do número de acordos comerciais e de
cooperação firmados com diversos países, relativos à construção de novos
reatores, desenvolvimento e exploração de combustíveis e pesquisas em geral.
Segundo os seus dirigentes, a Rússia será fornecedora de 30% dos novos
negócios na área nuclear.
1.3 A geração de energia
A geração da energia nuclear baseia-se na fissão nuclear. Este processo é
descrito como a desintegração, espontânea ou forçada, do núcleo, gerando dois
novos átomos de peso atômico menor e fornecendo energia e nêutrons livres.
Dentre as diversas metodologias para se induzir a fissão nuclear, cita-se o
bombardeio por nêutrons, o qual apresenta como vantagem o fato do nêutron não
ser repelido ao se aproximar do átomo. Caso esta partícula não possua
velocidade tão alta, aumentam-se as chances de choque e se o impacto for
suficientemente forte, ocorrerá a divisão do átomo. Caso os nêutrons liberados
26
pela divisão sejam absorvidos por outros átomos, inicia-se a reação em cadeia e
aumentam-se as chances do processo tornar-se autossustentável.
Apenas átomos de elevado peso atômico e mássico são físseis. Dentre os
que possuem esta capacidade, cita-se o urânio, o último elemento químico natural
da tabela periódica. Encontrado na forma de minério, o urânio possui dois
isótopos naturais, o U238 e U235, na proporção de 1398/10. Este último isótopo, no
entanto, é o mais visado para a produção de energia, uma vez que a
probabilidade de ocorrência de fissão neste núcleo ser superior a de vários
elementos. Para tanto, submete-se o urânio a um processo de enriquecimento, de
forma a aumentar a proporção de U235 para 3,5%, podendo chegar a 5%. O
enriquecimento do urânio pode ocorrer por diversos métodos, sendo os mais
comuns a ultracentrifugação e a difusão gasosa.
O processo de fissão geralmente resulta em perda de massa. Assim,
conforme a equação de Einstein
(1)
observa-se que uma quantidade considerável de energia é liberada no
processo. A tabela 2 permite a visualização da densidade energética do urânio,
comparando-a com combustíveis.
27
Tabela 2-Densidade energética dos combustíveis
Energia
produzida(kWh)
Combustível
Massa
Madeira
1 kg
2
Carvão
1 kg
3
Petróleo
1 kg
4
Gás natural
1 m³
6
Urânio
PWR)
(reator
1 kg
60.000
Urânio
FBR)
(reator
1 kg
3.000.000
Fonte: Internacional Nuclear Societies Council, Report on nuclear power
A geração nuclear deve garantir fornecimento de calor e ao mesmo tempo
deve evitar que o núcleo do reator se torne supercrítico e derreta. Para tanto, é
obrigatório o controle da reação em cadeia, a qual depende de vários fatores,
como a velocidade dos nêutrons de bombardeio, a concentração de núcleos
físseis e a distribuição geométrica do material físsil no reator.
1.4 Estrutura da usina nuclear
A usina nuclear utiliza o ciclo de Rankine, que descreve a operação de
turbinas a vapor para produção de energia. Neste ciclo termodinâmico, há a
transformação da água em vapor, o qual acionará a turbina, produzindo energia.
O ciclo é finalizado em um condensador, onde o vapor de exaustão é resfriado e a
água resultante é devolvida a um trocador de calor para reiniciar o processo.
Para estas plantas, que normalmente operam como usinas de base, é
indispensável um sistema de resfriamento, condicionando a sua localização nas
proximidades de rios, lagos ou mares.
A composição de uma planta nuclear é semelhante à de uma térmica
convencional, apresentando gerador síncrono, turbina a vapor, condensador,
sistema de refrigeração, trocador de calor e reator nuclear.
28
O reator nuclear é definido como todo sistema capaz de produzir reação em
cadeia de material físsil, sob condições efetivamente controláveis, mantidas no
núcleo.
A construção do reator nuclear deve levar em consideração os seguintes
elementos:
Moderador: é um dos elementos que caracterizam o reator. São
materiais
leves
que
regulam
a
velocidade
dos
nêutrons,
desacelerando-os sem absorvê-los, ajudando a manter as condições
de serviço controláveis;
Refrigerante: é um dos elementos que caracterizam o reator. Sua
função é manter a temperatura da reação em cadeia em níveis
aceitáveis, extraindo calor. O fluido quente percorre um circuito
fechado e, ao passar pelo trocador de calor, transmite a energia
térmica para um gerador de vapor, o qual aciona a turbina;
Barras ou varas de controle: sua função é o controle da taxa de
nêutrons e, consequentemente, da taxa de fissão. São feitas de
elementos químicos não físseis capazes de absorver nêutrons.
Geralmente, são posicionados verticalmente dentro do núcleo do
reator, podendo ser inseridos e colocados ou pela parte superior ou
inferior do vaso de pressão, dependendo do tipo de reator adotado. As
varas são usadas para variações rápidas de potência do reator, sendo
parcialmente removidas do núcleo para permitir a ocorrência da reação
em cadeia;
Refletor de nêutrons: material que cerca o núcleo do reator, sua função
é reduzir a perda de nêutrons por escape. A determinação da natureza
do material que o constitui é dada pela distribuição energética dos
nêutrons existentes no reator;
Peças estruturais: devem ser capazes de resistir as radiações e as
temperaturas de operação;
Casca geral: sua função é reter o excesso de radiação, assegurando
uma proteção adequada aos operadores. Deve ser feita de material
denso e inerte.
29
A turbina a vapor é o componente da usina responsável pela conversão da
energia térmica em energia mecânica, permitindo a expansão do vapor. A turbina
aciona o gerador, que funciona a velocidades muito superiores do que nas usinas
hidroelétricas. Apesar do processo de fazê-la funcionar a uma velocidade
adequada, sincroniza-la e carrega-la a seu valor nominal ser bastante lento, uma
vez que o gerador entra em operação, é capaz de reagir a mudanças muito
elevadas de carga por minuto sem sofrer dano.
Após passar pela turbina, o vapor é resfriado no condensador e o fluido
resultante é devolvido a um trocador de calor, reiniciando o processo. Na figura 1,
pode-se visualizar um esquemático de uma usina nuclear.
Figura 1-Esquemático de uma usina nuclear
Fonte: http://www.inovacaotecnologica.com.br
1.5 Subprodutos e segurança nas usinas nucleares
1.5.1 Subprodutos
A produção de lixo radioativo, que ocorre em todos os estágios do ciclo do
combustível
nuclear,
é
uma
das
grandes
desvantagens
desta
fonte,
especialmente devido à propriedade denominada meia-vida, ou seja, o tempo
necessário para que metade da quantidade original daquela substância decaia e
que varia significantemente conforme o elemento considerado. Desta forma,
30
torna-se essencial a promoção de um armazenamento deste subproduto de forma
segura e inviolável.
A operação normal de uma usina nuclear resulta no despejo de resíduos
líquidos juntamente com a água de resfriamento da turbina no meio ambiente e na
produção de isótopos extremamente perigosos. No primeiro caso, no entanto, há
um controle do despejo deste resíduo, a fim de não alterar a radioatividade natural
do meio aquático.
Existem 3 categorias de lixo radioativo:
Resíduos de alto nível: consiste principalmente de rejeitos líquidos de
alta atividade, gerados durante o reprocessamento, e combustíveis
irradiados oriundos dos núcleos dos reatores. Esta categoria possui o
subgrupo SNF (spend nuclear fuel), a qual é formada por isótopos que
não podem ser reciclados. Para esses resíduos, existem duas
estratégias de gerenciamento: o reprocessamento e tratamento como
rejeito. Nos dois casos, o combustível irradiado é primeiramente
armazenado
na
piscina
do
reator
e
depois
em
repositórios
intermediários;
Resíduos de nível intermediário: esta categoria engloba rejeitos
químicos, peças de metal do reator e as latas de combustível que
originalmente abrigavam urânio. Os subprodutos enquadrados nesta
categoria devem ser blindados;
Resíduos de baixo nível: são os subprodutos que não exigem
blindagem durante o manuseio e transporte, como peças de proteção e
equipamentos de laboratório que possivelmente entraram em contato
com material radioativo.
Muito se discute a respeito do destino final do lixo tóxico. A solução mais
adotada, o armazenamento dos resíduos em caixas blindadas, acompanhadas
pelo seu enterro, resulta, no entanto, em risco de contaminação da água e do
solo.
Além dos resíduos gerados pelo funcionamento normal de uma usina, devese considerar os provenientes da desativação do reator nuclear, uma vez que
muitas das peças que o compõe se tornam radioativas. O processo de tratamento
de uma usina nuclear após a sua desativação, chamada de descomissionamento,
31
não possui, no entanto, consenso sobre o melhor destino da edificação, podendo
variar entre a retirada da estrutura, a sua cobertura com concreto ou o seu
enterro. Uma vez que os custos do descomissionamento ainda são alvos de muita
especulação,
não
se
sabe
como
desmantelar,
de
forma
segura
e
economicamente viável, uma usina nuclear.
1.5.2 Segurança
Ainda que os riscos de acidentes em reatores sejam pequenos, não se pode
prever todas as situações que conduziriam a isto, a fim de preveni-los. Assim, fazse necessária a exigência de um elevado grau de segurança em usinas
nucleares.
Generalizando, existem 3 objetivos primários de segurança:
Controle da reatividade, o qual deve ser intrínseco ao projeto e que
determina a possibilidade de eliminação da reação em cadeia;
Remoção do calor por decaimento;
Barreiras múltiplas para confinamento da radioatividade.
Existem 3 tipos de sistema de segurança do reator:
Sistema ativo: projetado de forma redundante, são baseados no
controle ativo, elétrico ou mecânico de equipamentos;
Sistema passivo: não dependem de mecanismos complexos ou da
interferência humana para operarem, e sim de fenômenos físicos
como, por exemplo, a gravidade;
Sistema inerente: está fundamentado na eliminação de um dado risco
por meio do uso de conceitos de projeto ou materiais específicos.
Para que ocorra o licenciamento e o exercício de uma usina nuclear, é
indispensável a elaboração do relatório de segurança. Esta exigência normativa
visa à demonstração que a usina foi construída de modo que:
A probabilidade de ocorrência de incidente seja mínima;
Não haja danos à instalação, no caso de ocorrer um acidente;
32
As consequências de um acidente de grande porte sejam contidas sem
resultar em danos a população das redondezas.
1.6 Uso do combustível nuclear
Existe um grande debate sobre a utilização da fonte atômica. Desde a
demonstração do seu poder destrutivo, com as bombas de Hiroshima e Nagasaki
e com os acidentes nucleares ocorridos em Three Mile Island, Chernobyl e
Fukushima, associa-se a geração nuclear um grande fator de risco a humanidade.
Apesar da existência de rígidos controles da proliferação de armas nucleares
por organizações internacionais e da redução dos riscos de acidentes em usinas,
o risco ao meio ambiente continua como um problema sem solução, uma vez que
a quantidade de resíduos é proporcional à capacidade de geração.
Apesar destas desvantagens, muitos especialistas, inclusive ambientalistas,
defendem o uso da fonte nuclear. Isso se deve ao fato desta geração ser capaz
de produzir grandes blocos de energia em curto prazo, sem envolver a produção
de gases poluentes. Além disso, usinas nucleares requerem menos combustível
para a geração de eletricidade, tornando a energia produzida mais barata, em
comparação com a produção via usinas térmicas. Também é citado como
argumento o exemplo da França, onde mais de 75% da energia é produzida via
usina nuclear e não houve, até o presente, nenhum acidente digno de menção.
(Neto;Carvalho,2012)
33
2. O PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO
3.1 Histórico
O acompanhamento brasileiro da tecnologia nuclear ocorre desde 1938, ano
em que foi descoberta a fissão nuclear. Após o término da Segunda Guerra
Mundial (1939-1945), o país adotou medidas que permitissem o seu
desenvolvimento de fornecedor de matéria-prima a nação detentora do ciclo
nuclear.
A década de 1950 foi caracterizada pelo início das pesquisas tecnológicas
brasileiras, envolvendo a criação de vários institutos. Esta fase foi marcada pela
intensa atuação do almirante Álvaro Alberto, o pioneiro desta área no país. O
almirante, que após os eventos finais da 2ª Guerra Mundial se interessou pelas
aplicações militares da energia atômica, propôs que países exportadores de
matéria-prima para as usinas nucleares fossem compensados através da
transferência de tecnologia para pesquisa e produção de energia nuclear para fins
pacíficos. Dentre os diversos feitos dos quais o almirante é responsável, cita-se a
criação do Conselho Nacional de Pesquisa, em 1951, e pela compra de duas
ultracentrifugadoras alemãs para estudos do enriquecimento do urânio, em 1953.
Entretanto, a década de 1950 também ficou marcada pela ausência de um
programa nuclear brasileiro global, permitindo o surgimento de uma política
nuclear dicotômica, marcada pela coexistência de discursos defendendo a
autonomia nacional neste setor com uma dependência às regras impostas pelos
EUA, garantidas pelos acordos bilaterais firmados com este país, os quais
garantiam a venda de urânio e tório a preços muito baixos e ao mesmo tempo
autorizavam e expunham o potencial atômico brasileiro a minuciosas avaliações
dos americanos.(Floripes,2009)
A mudança na política nuclear brasileira se iniciou no governo de João
Goulart, durante o qual ocorreu a sua reorganização, a garantia do monopólio
brasileiro sobre seus minérios nucleares e pela reformulação da Comissão
Nacional de Energia Nuclear (CNEN). No entanto, foi durante o governo militar
que as diretrizes para o setor nuclear brasileiro foram invertidas. Durante este
34
período, a CNEN foi transferida para o Ministério de Minas e Energia (MME) e o
Brasil estreitou seus laços com a Alemanha e a França, visando a um aumento na
autonomia no plano nuclear.
Ao longo da década de 1960, estudos visando à instalação de usinas
nucleares de pequeno porte foram iniciados, mas nenhum foi implementado.
Neste mesmo período, um levantamento energético da região Sudeste revelou a
existência de reservas hídricas vastas o suficiente para garantir o atendimento à
demanda da região por muitos anos. Este estudo também mostrou que seria
necessária a instalação de usinas termoelétricas na região a partir da década de
1970. Em 1967, organizou-se um Grupo de Trabalho Especial, formado por
representantes da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), MME, CNEN e
Eletrobrás, para avaliar a viabilidade da implementação de usinas nucleares
dentro deste novo contexto. A usina a ser instalada, recomendada pelo Grupo,
possuía capacidade de 500MW e não era necessariamente competitiva com uma
usina térmica convencional equivalente, mas possuía a capacidade de contribuir
no suprimento da demanda da região, bem como fornecia ao país a oportunidade
de obter experiência com esta nova tecnologia e incentivava a instalação de
outras usinas nucleares. A confirmação da escolha da usina pelo Grupo ocorreu
em 1968, através de um relatório feito por técnicos nucleares nomeados pelo
IAEA. Em 1969, o Governo brasileiro autorizou a construção da primeira usina
nuclear.
Em 1972, um contrato de fornecimento do sistema nuclear foi assinado com a
Westinghouse. O local escolhido para a instalação da primeira usina nuclear foi a
Praia de Itaorna, localizada nas proximidades da cidade fluminense de Angra dos
Reis. Deve-se observar que a falta de urgência na busca da completa tecnologia
para construção de reatores de potência, bem como do domínio do ciclo do
combustível foi resultado das oportunidades de exploração do potencial hídrico
nacional, bem como dos preços acessíveis do petróleo.
Em 1973, a crise do petróleo forçou o Brasil a reavaliar a sua dependência
deste combustível. O país, que se encontrava num estado de euforia de
-se com um problema
energético gravíssimo. A ameaça ao desenvolvimento da nação se tornou mais
35
séria após estudos realizados pela Companhia Brasileira de Tecnologia Nuclear
(CBTN) concluírem que haveria, até 1990, um progressivo esgotamento do
potencial hidroelétrico da região centro-sul, o que levou o Brasil a procurar uma
solução de geração de 10.000MW de energia complementar. A escolha da usina
nuclear como fonte complementar foi justificada por diversos fatores, como o
baixo valor do urânio e a competitividade da planta nuclear, quando comparada
com a térmica convencional.
Para a efetivação de um verdadeiro programa nuclear, foram necessárias
duas ações simultâneas: a reorganização da estrutura administrativa do setor
nuclear brasileiro e a escolha do parceiro altamente qualificado para a execução
do programa nuclear, uma vez que o Brasil não possuía nem tempo nem a
tecnologia necessária para executar um programa nuclear autônomo. Para a
geração de 10000MW complementares, era necessária a construção de oito
usinas, a serem instaladas ao longo do período de 1982-1990.
Assim, já no primeiro semestre de 1974, iniciaram-se as negociações com
países amigos, detentores da tecnologia de reatores para fins pacíficos, para um
programa integrado de cooperação, envolvendo todas as etapas da indústria
nuclear, principalmente a do ciclo do combustível.
Os países com os quais o Brasil possuía programas de cooperação no campo
nuclear eram Alemanha, França e EUA. No entanto, apenas aos dois primeiros foi
proposto acordo de cooperação em um programa para o desenvolvimento e
aplicação
da
tecnologia
nuclear
no
país.
Esta
proposta
foi
acolhida
favoravelmente tanto pela Alemanha quanto pela França. Os EUA, por sua vez,
não apareceram como opção para este programa porque, apesar de possuírem
toda a tecnologia desejável, não poderiam transferi-la, devido a proibições da
legislação americana. Além disso, a experiência obtida na primeira usina nuclear
brasileira, na qual houve completa dependência dos EUA, desmotivou o país a
procurar firmar futuros acordos com os americanos.
A França, apesar de aceitar instalar uma fábrica de urânio enriquecido no
Brasil, não concordou com a transferência de tecnologia, contrariando a ambição
36
brasileira de, num estágio seguinte, atingir uma tecnologia própria, a partir da
elaboração de uma consciência profissional no setor nuclear.
A Alemanha, por sua vez, atendeu prontamente ao desejo brasileiro de um
programa abrangente. Assim, em 27 de junho de 1975, assinou-se o Acordo
Nuclear Brasil-Alemanha.
Em 2002, assinou-se com França um acordo de cooperação para o uso
pacífico da energia nuclear. Este país participa do projeto de Angra III, fornecendo
tanto serviços de engenharia quanto equipamentos. A participação francesa
nesse projeto pode ser explicado pela incorporação da Siemens/KWU pelo
conglomerado francês Areva NP.
3.2 O Acordo Nuclear Brasil-Alemanha
O Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, assinado em 1975, estabelecia um
comprometimento entre as duas nações para desenvolver um programa que
abrangesse tanto a construção de oito reatores nucleares de potência, quanto a
implantação no Brasil de uma indústria teuto-brasileira para a fabricação de
componentes e combustíveis para os reatores, ao longo de 15 anos. Apesar de
não incluir a opção pela tecnologia de urânio enriquecido, o acordo permitia ao
Brasil desenvolvê-la dentro do país.
Para a Alemanha, representada pelo grupo Kraftwerk Union (KWU), do grupo
Siemens, o acordo com o Brasil possuía diversas vantagens, como:
Ampliação de seu mercado consumidor na América Latina;
Garantia de suprimento de matérias-primas físseis e férteis;
Aumento do volume de negócios com o maior país sul-americano,
situado geograficamente na zona de influência de seu principal
competidor.
A fase de negociação do acordo, ocorrida entre 1974 e 1975, foi mantida em
sigilo, uma vez que este acordo contrariava interesses comerciais de muitos
países, os quais poderiam pressionar os bancos internacionais para impedir o
financiamento deste projeto. No entanto, após a sua assinatura, o acordo foi
37
duramente criticado dentro e fora do país e sofreu muitas pressões da imprensa e
do Congresso americano. A recusa do Brasil em assinar o Tratado de Não
Proliferação de Armas Nucleares (TNP), em 1968, gerou preocupações em quase
todos os grandes países. Como resultado destas pressões, a Alemanha forçou o
Brasil a assinar, em 1976, um acordo tripartite com a IAEA, em que se
estabeleceram salvaguardas mais rígidas que as previstas no TNP. Este acordo
determinava a extensão do controle internacional sobre qualquer desenvolvimento
posterior de tecnologias adquiridas aos alemães, implicando também em
submeter a inspeções da IAEA até instalações ou setores nacionais que
entrassem em contato com qualquer elemento da RFA trazido pelo acordo.
Os resultados não satisfatórios do Acordo Brasil-Alemanha incentivaram os
militares brasileiros a elaborar seu próprio programa de desenvolvimento de
tecnologia para o enriquecimento de urânio, o qual ficou conhecido como
Programa Nuclear Paralelo.
3.3 Programa Nuclear Paralelo
Iniciado em 1979, o Programa Nuclear Paralelo foi fruto da insatisfação de
militares de alta patente, políticos e cientistas, os quais acreditavam que as
salvaguardas impostas pelo Acordo Nuclear Brasil-Alemanha colocavam todos os
itens
do
programa
sob
estrito
controle
internacional,
interrompendo
o
desenvolvimento da tecnologia nuclear brasileira.
O programa paralelo visava ao domínio completo do ciclo do combustível
nuclear, preferencialmente através de tecnologia desenvolvida nacionalmente. As
três armas se dedicaram a opções diversas, no entanto apenas a Marinha, que
objetivava o desenvolvimento de um submarino de propulsão nuclear, aparentava
ter condições de desenvolver atividades em nível industrial.
Para o alcance de tal objetivo, algumas medidas foram tomadas, entre elas:
Envio de pesquisadores brasileiros ao exterior, a fim de acelerar o esforço
tecnológico próprio. Ao todo, 700 bolsas foram concedidas para estudantes
civis e militares entre 1979 e 1983, os quais retornaram como especialistas,
mestres e doutores em diversas áreas, como segurança de reatores,
materiais nucleares, infraestrutura de pesquisa e desenvolvimento, dentre
outras;
38
Remoção do então presidente do CNEN, prof. Hervásio de Carvalho, que
não era considerado um incentivador da tecnologia nacional, sendo
substituído pelo prof. Rex Nazaré Alves.
Como resultado destas medidas, obteve-se elevado nível de autonomia
tecnológica, estimado em até 80%.
O Programa Nuclear Paralelo começou a se tornar público em 1986, quando
uma reportagem do jornal Folha de São Paulo revelou a existência de covas e
cisternas na Serra do Cachimbo, no Pará, destinadas a realização de testes
nucleares. Investigações do Ministério Público e do Congresso Nacional
revelaram a existência de diversas contas bancárias associadas ao Programa
Paralelo. Em setembro de 1987, o domínio do ciclo do urânio, objetivo principal do
Programa Paralelo, foi anunciado pelo então presidente José Sarney.
3.4 Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto
A Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAAA), assim nomeada em
homenagem ao pesquisador pioneiro da tecnologia nuclear no Brasil, é o
resultado do Programa Nuclear Brasileiro, iniciado na década de 1950. O CNAAA
possui potência total de 2007 MW e já produziu mais de 200 milhões de
megawatts.
39
Figura 2-Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto
Fonte: Eletronuclear
A CNAAA, constituída pelas usinas termonucleares Angra I, Angra II e Angra
III, estando esta última em construção, está localizada às margens da rodovia BR101, na Praia de Itaorna, no munícipio de Angra dos Reis, Rio de Janeiro. A
escolha deste local como sede do complexo nuclear deve-se a três fatores:
Proximidade do mar;
Proximidade dos três principais centos de carga do país, isto é São Paulo,
Rio de Janeiro e Belo Horizonte;
Facilidade de acesso para os componentes pesados, como o urânio.
Operada pela Eletronuclear, a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, além
das três usinas, é composta por:
Centro de Gerenciamento de Rejeitos;
Laboratório de Monitoração Ambiental;
Subestação principal: composta por três transformadores monofásicos de
25/525 kV, receberá a energia gerada por Angra III;
40
Subestação de Furnas: de 500kV, recebe a energia produzida na CNAAA e
interliga a rede com três subestações, sendo duas localizadas no estado do
Rio de Janeiro e uma em São Paulo;
Subestação de 138kV: realiza outra interligação com o Sistema Furnas, para
o caso de perdas no sistema de 500kV.
3.4.1 Angra I
Angra I é a primeira usina nuclear brasileira. Fruto de um acordo com a
Westinghouse, Angra I teve suas obras iniciadas em 1972 e entrou em operação
em 1985. Seus indicadores de eficiência são superiores aos de muitas usinas
similares. Opera com reator de água pressurizada (PWR) e possui potência
instalada de 657 MW, sendo capaz de suprir sozinha a demanda de uma cidade
de 1 milhão de habitantes, como São Luís ou Porto Alegre.
fechado, em que não se previa a transferência de tecnologia por parte dos
fabricantes. Ainda assim, devido à experiência acumulada ao longo dos anos de
operação de Angra I, garantiu-se à Eletronuclear a capacidade de realizar
programas de melhoria tecnológica, incorporando os mais recentes avanços da
indústria nuclear.
Na tabela 3, pode-se visualizar outros dados referentes à Angra I.
Tabela 3-Informações Angra I
Situação atual
Em operação
Tipo de reator
Água pressurizada (PWR)
Fornecedor do sistema
WESTINGHOUSE
Potência elétrica bruta
640 MW
Faixa operacional contínua
80%-100%
Rendimento térmico
34,2% (Temp. água do mar 27º C)
Material combustível
Urânio enriquecido
41
Número de estágios da turbina
Enriquecimento
do
combustível
1 AP, 2 BP
no 4%
recarregamento
Frequência de carregamento
Aproximadamente 12 meses
Refrigerante
H2O
Tipo de refrigeração do condensador
Água do mar
Fonte: Eletronuclear
3.4.2 Angra II
Angra II é a primeira da série de oito usinas previstas no Acordo Nuclear
Brasil-Alemanha. A segunda termonuclear brasileira teve suas obras iniciadas em
1981, mas devido à crise econômica que assolava o país nesta década, teve seu
ritmo de construção desacelerado em 1983 até chegar a sua parada, em 1986. As
obras foram retomadas em 1994 e concluídas em 2000. No ano de 2001, a usina
entrou em operação, amenizando as consequências do racionamento de energia
ao permitir a economia de água nos reservatórios.
A construção de Angra II propiciou transferência de tecnologia para o país,
conduzindo o Brasil a um desenvolvimento tecnológico próprio, dominando todas
as etapas do ciclo do combustível, e a uma qualificação dos profissionais.
No ano de 2009, Angra II foi a 33ª em geração de energia dentre as 436
usinas em operação mundialmente, segundo a publicação especializada em
energia nuclear Nucleonics Week(encontrar data desta publicação). No mesmo
ano, a usina foi a 21ª dentre as 50 melhores usinas americanas, conforme análise
dos indicadores de desempenho da Associação Mundial de Operadores
Nucleares (Wano). (Eletrobrás Eletronuclear, 2012)
Angra II, assim como Angra I, possui reator a água leve pressurizada (PWR).
Sua potência, de 1350 MW, é capaz de alimentar uma cidade de 2 milhões de
habitantes, como Belo Horizonte. Na tabelo abaixo, apresentam-se os dados de
Angra II.
42
Tabela 4-Informações Angra II
Situação atual
Em operação
Tipo de reator
Água pressurizada (PWR)
Fornecedor do sistema
SIEMENS/KWU
Potência elétrica bruta
1350 MW
Faixa operacional contínua
80%-100%
Rendimento térmico
35,8% (Temp. água do mar 27º C)
Material combustível
Urânio enriquecido
Número de estágios da turbina
1 AP, 3 BP
Enriquecimento
do
combustível
no 4%(atual)
recarregamento
Frequência de carregamento
Aproximadamente 13 meses
Refrigerante
H2O
Tipo de refrigeração do condensador
Água do mar
Fonte: Eletronuclear
3.4.3 Angra III
Angra III é a segunda da série de oito usinas previstas no Acordo Nuclear
Brasil-Alemanha. Único projeto nuclear em andamento no país, a usina terá
potência de 1405 MW e capacidade de geração superior a 10 milhões de
MWh/ano, equivalente ao consumo do Uruguai.
As obras de Angra III foram iniciadas em 1984 e paralisadas em 1986, devido
à crise econômica que repercutia no Brasil na década de 1980. Em 2007, o
Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) autorizou a retomada da
construção de Angra III e em 2010 o CNEN concedeu a Licença de Construção
da usina. No ano de 2013, firmou-se um acordo entre a Eletronuclear e a empresa
43
francesa Areva para o fornecimento de serviços de engenharia e equipamentos
importados para Angra III.
A decisão do CNPE em retomar as obras de Angra III foi justificada pelo
consumo crescente de energia no Brasil, superior ao PIB. As análises dos
cenários energéticos nacionais futuros, feitas pelos Planos Decenais de Energia,
indicaram a necessidade da expansão dos parques termonucleares, uma vez que
as térmicas a gás natural apresentam sérias desvantagens, como a dependência
da importação do combustível, a perspectiva do aumento do preço do gás natural
e as dificuldades de garantia de suprimento do mesmo.
Angra III possui grande semelhança com Angra II e este fato permitiu o
aproveitamento de grande parte do projeto de engenharia a ser usado na nova
usina.
Está prevista para maio de 2018 a entrada em operação de Angra III.
44
O FUTURO DA ENERGIA NUCLEAR NO BRASIL
4.1 Características do sistema elétrico brasileiro
Para fins de planejamento e operação, o sistema elétrico nacional é dividido
em dois blocos: sistemas isolados e Sistema Interligado Nacional (SIN). O
segundo compreende sete subsistemas: Sul, Sudeste/Centro-oeste, Norte,
Nordeste, Manaus, Acre e Rondônia.
Em dezembro de 2013, o Brasil dispunha de uma oferta total de potência de
132,6 GW, sendo 126,8 GW de capacidade instalada distribuídas em 3097
usinas, e 5,9 GW obtidos via importação. Destes 132,6 GW, 3,3GW são
provenientes dos sistemas isolados, 10,4 de APE cativo e 118,9 GW do SIN,
conforme pode ser visualizado na tabela 5.
Na tabela 6 apresentam-se as participações de cada fonte na capacidade
instalada.
É
interessante
se
observar
a
supremacia
das
hidrelétricas,
representando 69,3% da capacidade instalada. Deve-se observar também a
participação dos autoprodutor cativo (APE Cativo), em especial na geração
térmica.
No gráfico 2, visualiza-se a oferta de potência de energia elétrica. Deve-se
ressaltar a participação das fontes renováveis na matriz nacional,
de
aproximadamente 80%, especialmente quando comparada com a média mundial,
de 20%.
Tabela 5-Oferta de capacidade instalada de geração elétrica segundo
diferentes configurações
Fonte: Resenha Energética 2013
45
Gráfico 2- Oferta de potência de geração elétrica
Fonte: Resenha Energética 2013
Tabela 6-Capacidade instalada de geração elétrica/2013
Fonte: Resenha Energética 2013
O Plano 2015 (Eletrobrás, 1992) estimou em 260 GW o potencial hidrelétrico
brasileiro. Destes, 30% corresponde ao potencial aproveitado e os outros 70%
encontram-se na Amazônia e no Cerrado. Nessas zonas se apresenta de forma
46
muito nítida o debate acerca da definição de políticas e práticas de manejo
ambiental sustentável.
Ainda no ano de 2013, a entrada em operação de novas usinas e de novas
unidades em usinas em expansão somou 5889 MW. Destes, 2611 MW são
provenientes de usinas térmicas a combustíveis não renováveis.
Analisando-se os últimos 40 anos, percebe-se que o Brasil apresentou uma
queda na participação de petróleo e hidráulica na matriz energética. Observa-se
também um aumento na participação do gás natural e de fontes renováveis, como
a biomassa e a eólica. Na tabela 7, comparam-se as estruturas da matriz
energética nacional.
Tabela 7-Comparativo da oferta interna de energia elétrica nacional
Fonte
Período
1973
2013
Petróleo
7,2%
3,6%
Gás
0
11,3%
Carvão mineral
1,7%
2,4%
Nuclear
0
2,4%
Hidráulica
89,4%
70,7%
Biomassa/eólica/outras
1,7%
9,6%
Total (TWh)
65
610
Fonte: Resenha Energética 2013
47
4.2 Planejamento Energético
Por planejamento energético entende-se a determinação da estratégia de
expansão do sistema, de forma a atender à demanda futura de energia elétrica,
garantindo custos mínimos de expansão, bem como condições para a operação
econômica e segura do sistema elétrico.
O planejamento do setor energético abrange todo um processo, incluindo
estudos para desenvolvimento do setor energético, o levantamento do potencial
energético, os estudos comparativos de fontes geradoras de energia e as
iniciativas para o gerenciamento da demanda. Para que se determinem a
metodologia e o processo de planejamento, bem como o processo de
comercialização de energia, faz-se necessário conhecer as características do
setor elétrico.
Podem-se diferenciar no planejamento de sistemas elétricos duas acepções
principais: o planejamento da expansão e o planejamento da operação. A primeira
diz respeito à formulação de uma estratégia de expansão, de modo que atenda à
demanda projetada de forma segura e econômica, considerando os recursos
energéticos e tecnológicos disponíveis. Tem como objetivo a determinação da
data de entrada em operação dos empreendimentos necessários para o
atendimento do crescimento da demanda de energia. O planejamento de
operação visa ao atendimento da demanda, de forma a minimizar o custo de
operação para um nível de segurança preestabelecido, diante da estratégia de
expansão formulada.
No caso brasileiro, em que há predominância da geração hidroelétrica e um
grau de regularização variável, torna-se necessário decidir, a cada instante, qual o
nível de geração termoelétrica e/ou quanto depleciar os reservatórios. Desta
forma, o planejamento da operação envolverá decisões sobre o uso imediato ou
futuro do estoque de água, minimizando o valor esperado do custo total e o
planejamento de expansão se baseará em decisões e compromissos entre o uso
imediato ou futuro dos recursos de capital disponíveis para a expansão do
sistema.
48
O planejamento da expansão da oferta de energia é efetuado baseando-se
nas normas do CNPE. Assim, para fins de otimização do problema de
planejamento, considera-se o momento ideal para expandir a capacidade
instalada quando o custo marginal de operação se iguala ao custo marginal de
expansão, com risco máximo de déficit permitido em cada subsistema do SIN de
5%. Utiliza-se o modelo NEWARE, com a consideração de 2000 cenários
hidrológicos, para realizar as simulações energéticas necessárias tanto às
ampliações nas interligações quanto ao ajuste do plano de oferta de energia. Este
modelo também é utilizado para o planejamento da operação.
É de responsabilidade da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) a
realização de estudos, projetos e atividades de planejamento energético, incluindo
o tratamento de questões sócio-ambientais, em apoio à execução de atividades
na área de planejamento do setor energético sob responsabilidade do MME. Os
estudos são unificados no Plano Decenal de Expansão (PDE), cujo horizonte é de
10 anos, e no Plano Nacional de Energia (PNE), com horizonte mínimo de 30
anos. Para o PNE, realizam-se análises de estratégias de expansão das fontes de
energia e da rede elétrica, bem como prospecções tecnológicas nas áreas de
geração e transmissão de energia. O PDE formaliza o programa de obras de
novas usinas e interligações regionais, levando em consideração as estratégias
de longo prazo definidas no PNE, além de elaborar estudos complementares de
geração, cuja necessidade se define à medida que são realizados os estudos no
horizonte decenal.
4.2.1 Plano Decenal de Expansão 2022
Para a elaboração do cenário de referência para o Plano Decenal de Energia2022 (PDE 2022), foram adotadas certas premissas, as quais mantém a
possibilidade de alto crescimento econômico brasileiro nos próximos anos. Neste
cenário, há a perspectiva de recuperação da economia mundial, ainda que de
forma moderada, aumentando a participação dos países emergentes no comércio
internacional. Espera-se que, ao longo do horizonte de estudo deste plano, o
Brasil mantenha taxas de crescimento da economia superiores à média mundial,
assumindo valores entre 4,5% a.a e 5% a.a, conforme pode ser visto na tabela 8.
49
50
Tabela 8-Taxas de crescimento do nível de atividade
Fonte: IBGE e FMI/EPE
Em relação às premissas demográficas, espera-se um crescimento
populacional médio de 0,6%, sendo este resultado maior nas regiões Norte e
Centro-oeste. Isso, no entanto, não afeta a estrutura da população, que
continuará concentrada nas regiões Sudeste e Nordeste. Prevê-se também que o
número de domicílios particulares se elevará em ritmo superior ao crescimento da
população do país.
Nas premissas setoriais, estima-se queda na participação das indústrias como
consequência do crescimento do setor de serviços acima da média do valor
adicionado.
Nas projeções de consumo e de carga de energia, considerou-se que, até
2022, ocorrerá a interligação do sistema Tucuruí-Macapá-Manaus ao subsistema
Norte, bem como a interligação do sistema Boa Vista. Logo, ao longo do horizonte
do estudo, estima-se um aumento na capacidade de geração, partindo de
119,5GW para 183,1 GW. Ainda assim, ao se comparar esta projeção com as
previstas no PDE 2021, observa-se que a carga de energia verificada em 2012 é
335 MWmédios inferior, como consequência de uma expansão da economia mais
modesta que a prevista no plano anterior.
Neste horizonte de estudo, pode-se verificar um grande potencial de oferta de
energia proveniente de fontes renováveis, Até o final de 2022, estima-se um total
de 19917 MW provenientes de novos projetos elétricos a serem viabilizados entre
2018
e
2022.
Estima-se
que
12965
MW,
provenientes
de
alguns
empreendimentos de grande porte, os quais possuem longo período de
motorização, estejam disponíveis no final do horizonte do PDE 2022. Dentre as
outras fontes renováveis, espera-se uma expansão média anual de 10%, com
destaque para as plantas eólicas.
51
No que se refere às plantas térmicas, espera-se que a sua capacidade
instalada no SIN seja de aproximadamente 21 GW no final de 2015, em
consequência de leilões realizados até esta data. No período compreendido entre
2018 e 2022, estima-se uma expansão de 1500 MW nas regiões Sudeste/Centrooeste e Sul, a fim de atender de forma adequada ao crescimento da carga. Esta
expansão, no entanto, depende da disponibilidade de combustível e da
competitividade desses projetos em leilões futuros.
Para efeitos de simulação e apresentação de resultados, considerou-se que a
expansão será feita por termelétricas a gás natural. Em caso de inviabilidade
deste combustível, adotar-se-ão outras fontes, como o carvão mineral.
A expansão das plantas nucleares se dará exclusivamente pela implantação
de Angra III, prevista para 2018. Esta expansão aumentará a potência do parque
nuclear existente em 70%.
O PDE 2022 cita dois motivos para a expansão das térmicas se restringir a
Angra III: a realização de estudos para seleção de novos sítios e os prazos
necessários para implantação de novas usinas, estimados em 10 anos e contados
a partir da data de definição de sítios para localização da central nuclear e da
decisão para o início das medidas efetivas para a sua implantação.
No gráfico 3, pode-se visualizar a expectativa de geração termelétrica no
horizonte de planejamento do PDE 2022.
Gráfico 3-Geração termelétrica estimada
Fonte: EPE
52
4.2.2 Plano Nacional de Energia 2030
Para se realizar um estudo prospectivo da demanda de energia, devem-se
definir as premissas para o crescimento econômico, uma vez que a correlação
entre eles é bastante significativa. Para a elaboração do Plano Nacional de
Energia 2030 (PNE 2030), utilizou-se a técnica dos cenários, considerada a mais
indicada para estudos cujos horizontes são tão amplos.
A construção dos cenários mundiais foi realizada considerando 3 elementos
básicos de incertezas: padrão de globalização, estrutura do poder econômico e
solução dos conflitos. Diante disso, formularam-se 3 cenários distintos:
Mundo Uno: o mais favorável dos cenários. Caracterizado por um
equilíbrio de forças na estrutura do poder político e econômico mundial,
pelo multilateralismo e pela atenuação de divergências étnicas,
religiosas e sociais;
Arquipélago: cenário intermediário. Caracterizado por conexões
assimétricas, dividindo as nações em blocos em que o regionalismo
predomina de forma significativa, e pela apresentação em diferentes
estágios, conforme o bloco, das inseguranças devido aos conflitos;
Ilha: cenário mais desfavorável, marcado por padrões instáveis nas
conexões entre nações, protecionismo, lenta recuperação econômica,
devido à rupturas das relações comerciais sino-americanas e alta
difusão das inseguranças resultantes de conflitos religiosos, étnicos e
sociais.
No gráfico 4, pode-se observar a estimativa do crescimento econômico
mundial. Deve-se destacar que em nenhum dos casos há o retorno ao
crescimento vigoroso observado nos anos anteriores ao estudo.
53
Gráfico 4-Taxa de crescimento do PIB mundial: Período 2005-2030
Fonte: EPE
A elaboração dos cenários nacionais considerou as potencialidades e os
obstáculos a se superar diante dos cenários mundiais anteriormente descritos. Os
6 cenários nacionais concebidos seguiram a orientação estratégica que considera
o desenvolvimento das competências nacionais, de forma a aproveitar as
oportunidades e se defender das ameaças presentes no ambiente mundial.
Destes 6 cenários, 2 foram excluídos na formulação do planejamento, uma vez
que a análise de todas as opções não resultaria em benefícios em termos de
posicionamento estratégico. Os 4 cenários restantes foram associados aos 3
-se notar que em
nenhum dos cenários admitiu-se crescimento do PIB nacional inferior ao mundial,
conforme pode-se observar no gráfico 5.
54
Gráfico 5-Taxa de crescimento do PIB: comparação entre Brasil e Mundo no
período 2005-2030
Fonte: EPE
Em relação à estrutura setorial do PIB, espera-se queda na participação da
indústria, como consequência do aumento da participação do setor de serviços. O
setor primário não deverá diminuir a sua parcela na formação do PIB, em virtude
do seu atual estágio de desenvolvimento no país e a reconhecida vantagem
comparativa da agropecuária.
Quanto às premissas demográficas, projeções do IBGE estimam que, em
2030, a população brasileira ultrapasse 238 milhões, com taxa de crescimento
médio de 1,1% a.a. Combinando a premissa demográfica com as hipóteses
formuladas para a expansão da economia, tem-se que a renda per capita nacional
pode evoluir, até 2030, entre 1,2% e 4,1% a.a, dependendo do cenário adotado.
Para tornar o planejamento energético mais eficaz, é necessário que se
identifiquem os determinantes de maior relevância para a evolução do setor de
energia dentro do horizonte estudado. Analisando-se o contexto energético atual,
o PNE 2030 indica os preços internacionais do petróleo e do gás natural, o
desenvolvimento tecnológico e os impactos ambientais como os principais
condicionantes da matriz energética nacional.
Estima-se que, em 2030, o consumo energético estará entre 950 e 1250
TWh/ano. Estes valores, em especial quando comparados com o consumo de
55
2013, de 516,3 TWh, indicam a necessidade de investimentos pesados na
expansão da oferta da energia elétrica. Caso esta expansão priorize as
hidroelétricas observa-se que, mesmo com a instalação adicional de 120 GW,
elevando para 80% o uso do potencial desta fonte, ainda assim haveria o risco do
não atendimento da demanda, indicando o esgotamento desta fonte.
O suprimento crescente da fonte hidrelétrica, segundo PNE 2030, será
possível até 2015, caso se explore o potencial da bacia Amazônica, nos locais
onde se acredite não existir impacto ambiental relevante, e das demais bacias,
até um índice de 70% de utilização. A partir de 2010, outras fontes aumentarão a
participação no quadro de geração de eletricidade, utilizando-se, num primeiro
momento, o gás natural, que apresenta capacidade complementar em média de
480 TWh/ano, o que possibilita o suprimento da necessidade de energia elétrica,
e num segundo momento, a partir de 2020, outras fontes renováveis, como a
eólica e a solar, que devem apresentar preços mais competitivos e tecnologias
mais maduras.
A geração nuclear, segundo o PNE 2030, é uma alternativa em uma
perspectiva de longo prazo que não pode ser descartada. No horizonte de estudo
do PNE 2030, o potencial de geração de energia por esta fonte é dado pela
potência que poderia ser instalada a partir da disponibilidade do recurso, ou seja,
do tamanho das reservas, do consumo do combustível, do tempo de operação
das usinas e do regime operativo. Desta forma, para efeito do cálculo do potencial
estimado, consideraram-se apenas as reservas nacionais de urânio, as quais
foram classificadas conforme o custo estimado de operação, gerando 3 cenários
possíveis:
Cenário 1: custo de exploração inferior a US$ 40/kg U 3O8;
Cenário 2: custo de exploração entre US$ 40 e US$ 80/kg U3O8;
Cenário 3: custo de exploração superior a US$ 80/kg U3O8.
Assim, adotando-se o cenário 1, potência unitária de referência de 1000MW
estima-se que, até o final de 2030, haverá expansão da oferta nuclear em 4 mil
MW, conforme tabela 9.
56
Tabela 9-Potencial de geração nuclear
Cenário
Volume
de Potencial
Potencial novas usinas
reservas
total
T U3O8
MW
MW
Unidades
1
66200
7800
4500
4
2
177500
20800
17500
17
3
309370
36400
33000
33
Fonte: PNE 2030
Deve-se observar que, apesar do grande potencial, a participação efetiva
desta fonte na matriz energética brasileira depende do exame de outros aspectos,
como a competitividade relativa a outras fontes, estratégia nacional para
diversificação da matriz, capacitação da indústria nacional, aspectos ambientais e
regulatórios, dentre outros.
4.3 Justificativas para o incentivo da geração nuclear
O Brasil é a sétima economia do mundo e o décimo consumidor mundial de
energia. Conforme já citado, sua matriz energética é fortemente apoiada na
geração hidrelétrica, correspondendo a 69,3%. No entanto, conforme avaliação do
PNE 2030, há indícios de esgotamento desta fonte, sendo necessários
investimentos na expansão das plantas térmicas.
Diante disso, para se garantir o atendimento da demanda energética nos
próximos anos e manter baixos os índices de emissão de gases do efeito estufa,
conforme solicitado pela ONU, a geração nuclear se apresenta como uma
alternativa que não pode ser desprezada.
Conforme estudos do PNE 2030, o potencial de geração de energia por esta
fonte é dado pelo tamanho das reservas de urânio. Atualmente, o Brasil possui a
6ª maior reserva de urânio, com reservas nos estados da Bahia, Ceará, Paraná e
Minas Gerais, sendo as duas primeiras as principais. A única mina de extração no
país é a de Caetité, na Bahia. A jazida de Santa Quitéria, embora possua
reservas geológicas de 142,5 mil toneladas de urânio, sendo a maior reserva
57
nacional, tem a sua viabilidade econômica dependente da exploração do fosfato
associado ao combustível. É importante se ressaltar que apenas 25% do território
nacional foram prospectados.
Ainda segundo o PNE 2030, espera-se que até 2030 sejam construídas de 4
a 8 usinas termonucleares. Com base nesse planejamento, a Eletrobrás
Eletronuclear iniciou a seleção de sítios propícios para abrigar as novas centrais
nucleares. Uma vez que o documento aponta o Nordeste como prioridade na
construção das usinas, o estudo foi iniciado nesta região, focando no litoral entre
Recife e Salvador, os dois maiores centros de carga do Nordeste, e no vale dos
grandes rios que desembocam nesse litoral. Espera-se que metade da potência a
se instalar seja alocada no Nordeste, ficando a outra metade no Sudeste.
Quando comparada com as térmicas convencionais, devem-se citar 3
características principais da geração nuclear: a elevada densidade energética,
explicada no capítulo 2, o preço do combustível e o fator de capacidade da usina.
Conforme determinação da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), o
valor da receita fixa da Eletronuclear pela venda de energia, em 2014, será de R$
2,146 bilhões. Ao se dividir a receita fixa pela energia contratada para ser
comercializada, obtém-se
preço médio de
R$156,79/MWh. A
título de
comparação, no 8º Leilão de Energia Nova, realizado em agosto de 2009, e um
dos últimos em que foi vendida energia proveniente de termelétricas
convencionais, o preço médio da energia foi de R$ 144,60/MWh. Pode-se
também citar que o preço de venda da energia produzida por Angra I e II, em
dezembro de 2013, foi de R$ 135,69/MWh, aproximadamente 67% inferior à
média do preço de um grupo nos últimos 2 anos de 15 termelétricas despachadas
na base pelo Operador Nacional do Sistema (ONS), da ordem de R$ 410/MWh.
(Eletronuclear, 2014)
O fator de capacidade, parâmetro de avaliação essencial para sistemas com
predominância da geração hidrelétrica e que caracteriza o comportamento das
usinas, é definido como a relação entre a geração da usina e sua potência
instalada. Usinas nucleares possuem fator de capacidade médio de 85%, contra
40% das termelétricas convencionais. Isso significa que a geração nuclear opera
58
por mais de 7400 horas/ano, enquanto as demais usinas não chegam a operar
3500horas/ano.
Entretanto, o longo prazo para construção de usinas de grande porte, como
Angra II e III, somadas a descontinuidades políticas, que resultaram na
paralisação das obras destas duas usinas, a produção de rejeitos radioativos e o
risco, tanto de acidentes quanto de proliferação de armas nucleares, são fatores
que geram desconfianças quanto à expansão do parque nuclear.
Com os eventos de Fukushima, a Eletrobrás Eletronuclear, após a realização
de revisões técnicas, iniciou as ações para reduzir riscos associados à ocorrência
de acidentes severos. Deve-se ressaltar que a probabilidade de ocorrência de um
acidente como o de Fukushima em território nacional é muito baixa, uma vez que
o país se encontra distante das bordas da placa tectônica que o abriga.
O risco de proliferação de armas nucleares poderia ser eliminado com a
adoção do tório como combustível, uma vez que, durante a operação da usina,
ele não gera plutônio ou outros materiais que podem se destinar a armas
nucleares. Além disso, esse combustível é 4 vezes mais abundante que o urânio
no planeta e os depósitos conhecidos em vários países, inclusive no Brasil,
poderiam fornecer energia por milhares de anos.
O longo tempo de construção de usinas nucleares pode ser reduzido caso se
optasse pela instalação de usinas com reatores de pequeno porte. Essa decisão
possui uma série de vantagens, como a possibilidade de desenvolvimento de
tecnologia própria, com possibilidades de transformar o país em fornecedor desse
tipo de serviço para países de economias menores, como o fez a Coreia do Sul;
melhor atendimento a locais hoje abastecidos por sistemas isolados; utilização do
aprendizado obtido com usinas anteriores; padronização e serialização de
sistemas e componentes de usinas, dentre outras. Também deve se destacar que
o Brasil possui como consequências do Programa Nuclear Paralelo o domínio do
ciclo do combustível nuclear e o aprofundamento dos conhecimentos da
tecnologia de reatores nucleares, e que realizou estudos visando ao
desenvolvimento de reatores de pequeno porte para propulsão naval.
59
Analisando-se as políticas energéticas dos países citados no capítulo 2,
percebe-se a eficácia da expansão dos parques nucleares: a política nuclear
francesa permite que o país possua os títulos de maior exportador europeu de
energia e de país que gera a energia mais barata e com menor emissão de gases
do efeito estufa; o Japão, país altamente dependente de importação de fontes
primárias de energia e exportador de tecnologia nuclear, ainda não decidiu pelo
abandono completo da geração nuclear; a Alemanha, país que possui matriz
energética diversificada e optou pelo desligamento de todos os reatores, não se
encontra completamente livre da geração nuclear, uma vez que passou a importar
grandes quantidades de energia produzidas por esta fonte, além de sofrer como
consequências do abandono desta fonte o aumento nos preços da energia, a
perda de empregos e de competitividade nas indústrias, além de instabilidades
nos sistemas de produção e distribuição de energia; a China incentiva a geração
nuclear como forma de se proteger da oscilação dos preços de combustíveis
fósseis; a Coreia do Sul incentiva a geração nuclear, a qual possui altos índices
de aprovação no país, e tornou-se exportador de tecnologia de reatores, apesar
de depender da importação de fontes primárias de energia; e Estados Unidos,
que retomou a expansão desses parques, devido às vantagens desta fonte.
Diante da comprovação mundial da viabilidade da implantação da geração
nuclear, associadas ao potencial brasileiro nesta área, percebe-se a viabilidade
da expansão dos parques nucleares no país. A adoção desta medida possibilitaria
ao Brasil não somente a proteção contra flutuações nos preços de combustíveis
fósseis e de gás natural, como também contribuiria para o atendimento à
demanda energética futura. Além disso, com a expansão do número de usinas, o
Brasil poderia assumir uma posição de maior destaque no campo nuclear, seja
através da exportação de combustível enriquecido, seja pela exportação de
reatores de pequeno porte, caso adote a ideia de desenvolvimento de uma linha
própria de reatores, aproveitando a experiência que já possui.
60
4. ESTUDO DE CASO: IMPLANTAÇÃO DE USINA NUCLEAR NO CEARÁ
5.1 Introdução
Conforme a Eletronuclear, espera-se a implantação de duas usinas nucleares
no Nordeste brasileiro até 2030. Diante desta expectativa, realizou-se uma
análise comparativa entre os custos, para o Sistema Elétrico, correspondentes a
uma usina nuclear fictícia e usinas a carvão, tomando como referência as UTE
Pecém I e II.
Para este estudo, considerou-se a metodologia adotada por (Mathias;Lima,
2007).
5.2 UTE Pecém I e II
As UTE Pecém I e II localizam-se em São Gonçalo do Amarante, a 59km de
Fortaleza e ao lado do complexo portuário e industrial do Pecém. As usinas,
integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo
Federal, possuem potencial instalado de 1085 MW, sendo 720 MW provenientes
de Pecém I, também conhecido como Energia Pecém, e os outros 365 MW
advindos de Pecém II. Metade da participação dos negócios é detida pela MPX.
Um total de 891 MW médios foi contratado nos leilões de energia nova A-5,
de setembro e outubro de 2007, em contratos de 15 anos. As usinas,
alimentadas a carvão mineral importado da Colômbia, produzem energia capaz
de atender a 1,5 milhão de casas populares, e se posicionam como uma das
usinas térmicas mais baratas do subsistema Nordeste, com Custo Variável
Unitário (CVU) de R$ 104,62, segundo o ONS. Pecém II possui renda fixa anual
de R$ 269,2 milhões, enquanto a Pecém I é de R$ 567,2 milhões.
5.3 Metodologia do estudo
A metodologia abordada nesse estudo envolve a análise dos custos
associados à produção e contratação de energia das usinas que participam dos
leilões de energia nova, realizados pela Câmara de Comercialização de Energia
Elétrica (CCEE). Esses custos, integralmente assumidos pelas distribuidoras e
repassados aos consumidores finais, são relativos aos riscos hidrológicos, e
61
correspondem aos custos variáveis de operação e manutenção e aos custos
decorrentes a exposições financeiras no mercado de curto prazo. Este último, no
entanto, não foi considerado na avaliação devido à dificuldade de previsão dos
valores do Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) e ao fato que o PLD é
igualmente aplicável aos desvios de suprimento de todas as termelétricas.
Desta forma, determina-se o custo de produção e contratação de energia
elétrica de plantas térmicas, por unidade de energia, como:
(2)
sendo:
CT: custo total por energia contratada [R$/MWh]
RF: receita fica anual [R$/ano]
CVU: custo variável unitário [R$/MWh]
EC: energia contratada [MWh/ano]
EG: energia gerada [MWh/ano]
A avaliação dos custos correspondentes às UTE Pecém I e II é feita baseado
no fator de utilização das mesmas, calculado como a razão entre a energia
gerada e a energia contratada.
Para se fazer a comparação dos custos com as UTE Pecém I e II, adotou-se
uma usina nuclear hipotética de 1000MW com a mesma energia contratada das
termelétricas de referência. Tomando-se como referência os valores de tarifa
estimados pela Eletronuclear para a comercialização da energia de Angra III,
tem-se os seguintes dados:
Potência Nominal: 1000 MW
Energia contratada: 891 MWmédios
Fator de capacidade: 89,1%
Tarifa prevista: R$ 140,00/MWh
Custo do combustível: R$ 22,00
Deve-se observar que o custo com combustível já está considerado na tarifa,
logo este não é classificado como um custo adicional para o sistema elétrico.
62
5.4 Resultados
No gráfico 6, pode-se observar os resultados do estudo. Verifica-se que,
como os custos da usina nuclear fictícia independem do custo do combustível, a
sua curva corresponde a um segmento de reta paralelo ao eixo horizontal.
Conforme dados do Boletim Diário de Operação do ONS, a energia gerada
pelas UTE Pecém I e II é de 731,62 MW, com fator de utilização de 86,64% e
CT=R$207,13/MWh. Desta forma, pela análise do gráfico, pode-se constatar que
os custos da usina nuclear fictícia são inferiores, comprovando a viabilidade
econômica desta fonte de geração.
Gráfico 6-Comparação dos custos
Fonte: O autor
63
5. CONCLUSÃO
A demanda crescente por energia, a volatilidade dos preços de combustíveis
fósseis e gás natural, a segurança do abastecimento de energia e as
preocupações com as mudanças climáticas fazem da energia nuclear uma
alternativa que não pode ser descartada no planejamento energético a longo
prazo. Esse fato se torna evidente ao se constatar que, apesar do acidente de
Fukushima, a maioria dos países produtores de energia nuclear optou por não
abandoná-la. Outros, que ainda não a incluíram nas suas matrizes energéticas,
pretendem fazê-lo futuramente. Os poucos países que decidiram desativar todas
as suas usinas não se encontram completamente livres de questões nucleares,
uma vez que devem lidar com o descomissionamento e gestão dos resíduos.
A perspectiva de alterações na matriz energética brasileira, diante do indício
de esgotamento da fonte hidrelétrica, torna necessário maior incentivo à geração
termelétrica. Nesse ponto, deve-se incentivar a retomada do Programa Nuclear
Brasileiro, dado o enorme potencial que o país possui. Essa retomada, além de
benefícios no campo energético, pode dar ao país uma posição de maior
relevância dentro do setor energético, por representar oportunidade de
desenvolvimento de uma tecnologia nacional, como o fez a Coreia do Sul. Além
disso, conforme comprovado pelo estudo de caso realizado no capítulo 5,
tomando-se como variáveis o fator de utilização e o custo associado à produção e
contratação de energia das usinas, é mais viável a implantação de plantas
nucleares.
Embora sejam fortes as críticas à geração nuclear e o país possua poucos
incentivos para aumentar a participação desta fonte na sua matriz energética
devido a diversos fatores, como a excelente oportunidade de expansão da
produção de energia por meio de fontes renováveis, a geração térmica será
indispensável, especialmente devido a sua confiabilidade. Para tanto, deve-se,
primeiramente, desmistificar a geração nuclear, abordando a avaliação de
políticas energéticas de outros países e comparando as alternativas para o
atendimento energético à população nacional. Com um melhor esclarecimento
das características das opções que o país dispõe nesse setor, pode-se realizar
um amplo debate, a fim de se fazer a melhor escolha para a nação.
64
6.1 Trabalhos futuros
Recomendam-se como trabalhos futuros os seguintes temas:
Influência da expansão do parque termonuclear nas tarifas energéticas;
Avaliação do uso do tório como combustível, comparando-o tanto com o
urânio quanto com os combustíveis convencionais;
Análise das mudanças nos despachos de usinas térmicas.
65
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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FLORIPES, F.V. Economia e Política da Energia Nuclear no Cone Sul: Os
caminhos Cruzados de Brasil e Argentina. Florianópolis, 2009.
MATHIAS, S.G.; LIMA, A.G.C. Análise comparativa entre os custos
correspondentes às usinas termelétricas vencedoras do leilão de energia nova
realizado em 16/10/07 e os custos previstos para a usina nuclear Angra 3.
Economia e Energia, n. 65, 2007/2008.
CARAJILESCOV, P.; LOSADA, J. M. M; FERNADEZ, E. F.Y. O Futuro Nuclear do
Brasil. Disponível em
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