taxa de juros livre de risco

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taxa de juros livre de risco
Publicação Original 2015 por FinanceFlix. Copyright © por Fernando Posch
TAXA DE JUROS
LIVRE DE RISCO
O capítulo anterior teve uma carga matemática relativamente pesada,
contudo com o conhecimento das diferentes formas de cálculo de taxas de
juros consolidado podemos passar para o tema seguinte, a taxa de juros livre
de risco. O mercado financeiro e nosso dia a dia como consumidores está
repleto de diferentes taxas de juros e seus mais diversos nomes, elas variam
de percentuais na casa das centenas no cartão de crédito até taxas bastantes
baixas como a remuneração do fundo do FGTS na casa dos 3%. Em meio a
esse oceano de diferentes taxas e nomenclaturas muitas vezes esquecemos
que existe uma taxa de juros básica, sobre a qual todas as demais são
definidas, essa taxa é conhecida como taxa de juros livre de risco.
Nesse capítulo vou falar sobre a taxa de juros livre de risco no Brasil,
veremos as definições de operações compromissadas e como elas
determinam a Taxa Selic e a Taxa DI. Analisaremos também a diferença
entra taxa e meta Selic e o famoso e muitas vezes intrigante descolamento
entre a taxa DI e a taxa Selic.
3.1
TAXA DE JUROS LIVRE DE RISCO
A taxa de juro livre de risco é a taxa na qual instituições financeiras tomam e
emprestam dinheiro entre si correndo um risco de crédito muito baixo,
próximo de zero. Ou seja, por definição operações de empréstimo e aplicação
de recursos financeiros feitas na taxa de juros livre de risco em tese jamais
sofrerão perdas relacionadas a calotes.
Definição 3.1
Taxa de juro livre de risco é a taxa que remunera aplicações, ou onera
dívidas, cuja probabilidade de calote é teoricamente zero.
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Para determinar e entender como funciona a taxa de juros livre de risco em
no Brasil antes devemos compreender alguns conceitos:



3.2
Operações compromissadas
Taxa Selic
Taxa DI
OPERAÇÕES COMPROMISSADAS
Operações compromissadas são contratos financeiros onde uma das partes
vende/compra um título público ou privado por um preço determinado, com o
compromisso de recomprar/vender esse título no futuro, pelo preço inicial de
venda ou compra acrescido de uma taxa de juros conhecida como taxa da
compromissada. Operações compromissadas podem ser classificados em
venda com recompra ou compra com revenda, no mercado financeiro
internacional essas operações são conhecidas respectivamente por
“repurchase agreement” ou simplesmente “repo” e por “reverse repurchase
agreement ” ou simplesmente “reverse repo”.
Operações compromissadas devem ser entendidas simplesmente como
operações de crédito com garantia, uma vez que a instituição que vende
títulos com o compromisso de recompra-los está na realidade tomando
dinheiro emprestado e dando os títulos como lastro, um tipo de seguro, para a
contraparte. Por envolverem um lastro as operações compromissadas
teoricamente apresentam um risco de crédito muito menor do que operações
de empréstimo sem nenhum tipo de garantia, contudo o risco de crédito
inerente a uma operação compromissada é função direta da qualidade e
liquidez1 do título dado como lastro. Por sua vez, a qualidade do título é
função da capacidade de pagamento do emissor, até a publicação dessa
edição no Brasil os títulos públicos são considerados os títulos de melhor
qualidade de crédito e melhor liquidez, ou seja, de melhor qualidade.
A figura 3.1 descreve os dois momentos de uma operação compromissada,
a contratação ou momento inicial, onde o banco A realiza uma venda com
recompra, “repo” e o banco B realiza uma compra com revenda, “reverserepo”. No vencimento ou momento final, os títulos são recomprados pelo
banco A pelo valor de venda no momento inicial acrescido de juros com base
na taxa da compromissada. Observe que na figura 3.1 o banco A tomou um
empréstimo do banco B, utilizando títulos como lastro ou garantia.
1
A liquidez é importante uma vez que se ocorrer o calote da dívida o credor irá a mercado
vender os títulos dados a ele como garantia ou lastro.
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Teoria na Prática 3.1 Operações Compromissadas no Brasil
________________________________________________________
No mercado financeiro brasileiro as operações compromissadas
envolvendo títulos públicos como lastro são muito comuns em prazos
curtos, de um dia até 6 meses.
O banco central utiliza operações compromissadas de um e dois dias
para diariamente equilibrar o excesso ou falta de dinheiro em caixa no
sistema financeiro nacional. O procedimento ocorre da seguinte forma,
por volta das 8:45, o Banco Central realiza uma pesquisa por telefone
entre todas as instituições financeiras operando no Brasil, ele pergunta
qual o valor de abertura do caixa dessas instituições. Se as instituições
como um todo estão com caixa próximo de zero, o sistema está em
equilíbrio e o banco central não realiza nenhuma operação
compromissada, se existe excesso de caixa o banco central realiza um
leilão de operação compromissada de compra com revenda, “repo”,
geralmente enxugando todo o excesso de liquidez do sistema. Se por
outro lado, se existe uma falta de caixa no sistema o banco central
realiza um leilão de operação compromissada de venda com recompra,
“reverse repo”, geralmente provendo toda a liquidez que falta ao
sistema. Esses leilões são conhecidos no mercado financeiro brasileiro
como leilões de “go around”.
Existe um outro tipo de operação compromissada que o banco central
realiza no final do dia, por volta das 17:00, conhecido por “operação de
nivelamento”. No “nivelamento” o banco central se dispõe a realizar
operações compromissadas de recompra e revenda pelo prazo de dois
dias úteis a taxas de juros punitivas, geralmente a taxa na qual ele toma
emprestado é 0,80% menor e a taxa na qual ele empresta é 0,80%
maior que a taxa média das compromissadas, conhecida por taxa
SELIC.
O banco central também realiza operações de prazos mais longos,
geralmente após cada reunião do COPOM o banco central realiza um
leilão de compromissada com data de vencimento na próxima reunião
do COPOM, um prazo que gira entre um e dois meses. Outro tipo de
“reverse repo”, que o banco central realiza é a compromissada de três e
seis meses, geralmente realizada respectivamente todas as segundas e
sextas feiras, a taxa paga pelo banco central é em geral sempre maior
que a taxa livre de risco para a data, o prêmio varia de 0,05% a 0,15%.
O prêmio pago pelo banco central é uma tentativa, na minha opinião
fracassada, de se forçar o desenvolvimento de um mercado
interbancário de empréstimos de longo prazo. Essas operações de
prazos mais longos são também bastante úteis e interessantes para
participantes interessados em vender títulos públicos a descoberto.
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Figura 3.1 Mecânica das operações compromissadas
- Momento inicial
- Vencimento
Exemplo 3.1
O banco da cidade está com o caixa em reais negativo em R$ 100
milhões e tem uma carteira de títulos públicos livres para negociação
de R$ 750 milhões. O banco do vale está disposto a realizar uma
operação compromissada de revenda, “reverse repo”, de um dia à taxa
de 7,15%. Qual operação compromissada de um dia o banco da
cidade deve realizar para equilibrar seu caixa em reais, qual será o
montante final e o custo dessa operação?
1⁄
252
𝐴1 = 𝑅$100.000.000,00 × (1 + 0,0715)
= 𝑅$100.027.408,33
O banco da cidade deve realizar uma compromissada de venda com
recompra, “repo”, utilizando R$ 100 milhões dos seus R$ 750 milhões
de títulos públicos livres como lastro. O montante final do empréstimo
de R$ 100 milhões para equilibrar o caixa será de R$100.027.408,33 e
o custo da operação de “repo” será de R$ 27.408,33.
3.3
TAXA SELIC
A taxa SELIC é uma taxa de juros expressa ao ano, com prazo de 1 dia,
calculada e publicada diariamente pelo sistema SELIC, a taxa SELIC também
é divulgada diariamente no site do banco central do brasil2.
Definição 3.2
A taxa SELIC é por definição a taxa média ponderada de todas as operações
compromissadas realizadas no dia com lastro em títulos públicos e prazo
igual a um dia.
2
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Origem da Taxa SELIC
A taxa SELIC herda seu nome do sistema que a calcula, o sistema SELIC, um
sistema informatizado criado em 1979 a partir de uma associação entre o
Banco Central do Brasil e a ANDIMA. O SELIC, ou sistema especial de
liquidação e custódia, foi criado para organizar e tornar mais eficiente o
registro, liquidação e custódia de títulos públicos federais, que antes de 1979
eram feitos através de papel, registros e controles manuais.
Podemos ilustrar o funcionamento do sistema SELIC da seguinte forma,
toda vez que duas instituições financeiras negociam um título público, após
definidos o tipo, vencimento do título, sua taxa, preço e data de liquidação,
cada instituição lança os dados no sistema SELIC, antigamente o lançamento
era feito via terminal hoje é feito via web. Uma vez que ambos os lados
lançaram os dados e os mesmos são iguais o SELIC imediatamente transfere
o registro do título para o comprador e credita o dinheiro na conta do
vendedor.
Ao final do dia o mesmo sistema que realizou todos os registros e
liquidações calcula a taxa média ponderada das operações compromissadas
de recompra e revenda de prazo igual a um dia, se a distribuição das taxas
negociadas for simétrica o sistema exclui as 2,5% maiores e menores taxas,
se a distribuição for assimétrica para a direita o sistema exclui a 5% maiores
taxas, por fim, se a distribuição for assimétrica para a esquerda o sistema
exclui as 5% menores taxas.
Meta Selic
A meta SELIC é uma taxa de juros expressa ao ano, com prazo de 1 dia,
definida e publicada ao fim de cada reunião do COPOM, comitê de política
monetária.
Definição 3.3
A meta SELIC é a taxa de juros de referência para a taxa SELIC, para o bom
funcionamento da estratégia de política monetária do Banco Central a taxa
SELIC não deve se desviar muito da meta SELIC.
O COPOM determina a meta SELIC com base em análises e previsões
econômicas, seguindo os preceitos e modelos do sistema de metas de
inflação. Teoricamente a meta SELIC deve ser calibrada de tal forma que a
inflação fique sob controle, próxima ao centra da meta fixada pelo CMN,
conselho monetário nacional3.
3
A centro da meta de inflação é determinada pelo CMN com 2 anos de antecedência, ao
escolher o centro da meta o CMN também escolhe a banda superior e inferior, até a data da
publicação dessa edição o centro da meta de inflação para os próximos dois anos era de 4,5%
com limite superior de 6,5% e limite inferior de 2,5%. Se a inflação oficial acumulada no ano,
medida pelo IPCA do IBGE, ultrapassar o teto da meta determinada pelo CMN o presidente do
banco central deve escrever uma carta aberta explicando os motivos do estouro e a estratégia
para a redução da inflação futura para o ministro da fazenda.
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Entre 2009 e 2011, desde o estouro da crise do mercado imobiliário
americano em 2008 e do estouro da crise fiscal na zona do euro em 2011,
muitos bancos centrais do mundo, inclusive o brasileiro, passaram a se
preocupar com variáveis como taxa de câmbio, nível de emprego e nível de
atividade, além de pura e simplesmente olhar apenas para à taxa de inflação.
Essa guinada heterodoxa na condução da política monetária gerou e gera
muitas dúvidas por parte de analistas, políticos, economistas e operadores do
mercado financeiro, muitos acreditam ser uma tarefa impossível para os
bancos centrais controlar tantas variáveis no médio prazo, sendo que o ajuste
acabará por ocorrer em uma delas, no caso o ajuste viria por um descontrole
inflacionário.
Diferença entre Taxa Selic e Meta Selic
Para o bom funcionamento da estratégia de política monetária adotada pelo
banco central é essencial que a taxa SELIC fique próxima à meta SELIC,
caso isso não ocorra a estratégia escolhida pelo COPOM simplesmente não
terá efeitos práticos na economia, é como um carro esportivo que foi
concebido por engenheiros para ter um desempenho fenomenal, mas se for
abastecido com um combustível de qualidade muito diferente daquela
imaginada pelos engenheiros, ao realizar o projeto, perde todo seu potencial
de desempenho.
Contudo as forças básicas da economia que vimos no capítulo um, de
oferta e demanda de dinheiro no sistema financeiro, também exercem efeito
na taxa SELIC, o que acaba por levá-la a níveis um pouco abaixo ou um
pouco acima da meta. É o banco central o agente responsável por definir qual
o tamanho razoável desse desvio para que não ocorra perda significativa da
eficiência da estratégia de política monetária traçada pelo COPOM. O banco
central faz a gestão desse desvio quase que diariamente ao determinar a taxa
dos leilões de compromissadas de revenda e recompra com lastro em títulos
públicos, leilões de “go around”.
Nos últimos 8 anos o sistema financeiro nacional apresentou na maior parte
do tempo um viés de excesso de caixa, em média de 50 bilhões de reais,
esse fato pode ser confirmado na figura 3.2, observando-se o valor dos leilões
diários de compra com revenda que o banco central realizou nos últimos oito
anos. Lembre-se que ao realizar leilões de compromissadas de compra com
revenda o Banco Central está enxugando o excesso de caixa do sistema.
Observe que o valor dos leilões de venda com recompra, que somente ocorre
quando o caixa do sistema financeiro nacional está negativo, é bastante
inferior, girando ao redor de três bilhões de reais nos últimos 8 anos.
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Figura 3.2 Volume dos leilões de “go-around” do Banco Central.
Observe agora a figura 3.3, pelo fato do caixa do sistema financeiro nacional
ter tido um viés credor nos últimos 8 anos, como vimos na figura 3.2, a Taxa
SELIC apresentou-se persistentemente abaixo da Meta SELIC, sendo que o
descolamento ficou entre -0,20% e 0.00%, com média de -0,05% nos últimos
8 anos, um nível que parece ser pequeno o suficiente para não prejudicar o
bom andamento da política monetária. Por fim, é importante mencionar que o
valor do descolamento seria provavelmente positivo se o sistema financeiro
nacional tivesse um viés devedor de caixa, o que implicaria na necessidade
do banco central realizar operações compromissadas de venda com
recompra.
Figura 3.3 Descolamente entre Taxa Selic e Meta Selic
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3.4
TAXA DI
Antes de apresentar a definição de taxa DI é importante conhecer um
importante instrumento de captação bancário ao qual a taxa DI está
intimamente relacionada. O DI é um instrumento de captação bancária ou
simplesmente um título de crédito que somente pode ser emitido e negociado
por bancos, no mercado financeiro ele também é conhecido por CDI,
certificado de depósito interbancário. O DI pode ser emitido em taxa fixa ou
flutuante4 e com diversos prazos, aqui nos interessa o DI emitido à taxa fixa e
prazo de um dia, pois é a partir da média ponderada da negociação desses
títulos que é calculada diariamente a taxa DI.
A taxa DI também é conhecida como taxa CDI5, é uma taxa de juros
expressa ao ano, com prazo de 1 dia, calculada e publicada diariamente pelo
sistema CETIP. A taxa DI também é divulgada diariamente no site da CETIP6.
Definição 3.4
A taxa DI é por definição a taxa média ponderada de todas as emissões de
CDI com taxas pre-fixadas e de prazo igual a 1 dia.
Origem da Taxa DI
A taxa DI herda seu nome do título de crédito que determina seu valor, o DI
ou depósito interfinanceiro. O sistema que a calcula é o CETIP, um sistema
informatizado criado em 1984 pela empresa de mesmo nome, CETIP ou
central de custódia e liquidação financeira de títulos, então uma organização
sem fins lucrativos7 criada pelo CMN.
Assim como o SELIC, o CETIP foi criado para organizar e tornar mais
eficiente o registro, liquidação e custódia de títulos privados, que antes de
1984 eram feitos através de papel, registros e controles manuais. Na época
de sua criação o CETIP apenas tratava títulos privados, contudo ao longo do
tempo o CETIP evoluiu, incorporando em 1990 alguns tipos de títulos
públicos, cotas de fundos e derivativos de balcão.
Podemos ilustrar o funcionamento do sistema CETIP da seguinte forma,
toda vez que duas instituições financeiras negociam um título privado, após
definido o tipo, seu vencimento, sua a taxa, preço e data de liquidação, cada
instituição lança os dados no sistema CETIP, antigamente o lançamento era
feito via terminal, hoje é feito via web. Uma vez que ambos os lados lançaram
4
Quando o CDI é emitido em taxa flutuante geralmente isso é feito em um percentual da taxa
DI ou a 100% da taxa DI mais uma taxa de juros que pode ser positiva ou negativa.
5
DI refere-se a depósito interfinanceiro ou depósito interbancário, CDI refere-se a certificado
de depósito interbancário. DI e CDI são nomes diferentes para a mesma coisa, um título de
crédito emitido por bancos e negociado apenas entre bancos.
6
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7
O CETIP vem crescendo rapidamente como empresa desde sua criação em 1984, em 1988 a
CETIP fez um acordo com a ANDIMA para operar o SND, sistema nacional de debêntures, em
2008 início o processo de desmutualização, em 2009 passou a ser empresa de capital aberto
com ações negociadas em bolsa, em 2010 comprou a GRV solutions, empresa responsável
pelo processamento e custódia das informações de transações de financiamento de veículos
em todo Brasil.
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os dados e os mesmos são iguais o CETIP imediatamente transfere o registro
do título para o comprador e credita o dinheiro na conta do vendedor.
Ao final do dia o mesmo sistema que realizou todos os registros e
liquidações calcula a taxa média ponderada das emissões de CDI com taxas
fixas e prazo igual a um dia, o sistema então exclui as operações intragrupo,
dentro de um mesmo conglomerado financeiro e também exclui as 5%
maiores e menores taxas.
Diferença entre Taxa Selic e Taxa DI
Por definição a taxa Selic remunera uma operação de empréstimo de menor
risco de crédito do que a taxa DI, afinal a taxa Selic remunera operações com
garantia em títulos públicos, enquanto a taxa DI remunera operações de
crédito sem nenhum tipo de garantia. Portanto, seguindo regra do risco
versus retorno8, a taxa DI deveria ser maior que a taxa SELIC, pelo simples
fato de remunerar um empréstimo com maior risco de crédito. Contudo isso
não é observado na prática, o que ocorre é que a taxa DI é na realidade
persistentemente menor do que a taxa SELIC.
Existem algumas linhas de pensamento que tentam explicar o fato da taxa
DI ser inferior a taxa SELIC, alguns falam em manipulação por parte de
alguns bancos outros em anomalias relacionadas ao baixo volume negociado
no mercado de CDI de um dia e ao persistente excesso de caixa no sistema
financeiro. Particularmente eu prefiro a linha de pensamento que atribui essa
distorção ao baixo volume do mercado de CDI e ao excesso de liquidez no
sistema financeiro. O mercado de CDI com taxa fixa e prazo de um dia teve
um volume diário médio de cinco bilhões de reais nos últimos 8 anos,
enquanto o mercado de operações compromissadas com lastro em títulos
públicos e prazo de um dia teve um volume médio de cinquenta bilhões de
reais no mesmo período, dez vezes maior que o mercado de CDI. Em
qualquer mercado onde ativos são negociados a liquidez, quando baixa, é
sem dúvida um fator importante na distorção de preços ou taxas.
Outro fator que explica o aumento do descolamento é a desaceleração da
atividade de crédito ou o aumento da inadimplência, nessas situações os
bancos médios e pequenos reduzem suas carteiras de crédito, isso gera um
excesso de caixa que acaba sendo forçado no repasse em CDI de um dia
para os grandes bancos à taxas de juros baixas, uma vez que nem todos os
bancos médios e pequenos possuem uma carteira de títulos públicos grande
o suficiente, ou disponível e fora de margem na BMF, para acessar os leilões
de compromissada do banco central. Observe na figura 3.4 as linhas de
tendência traçadas em preto contínuo e tracejado, o descolamento tende ser
maior quando o volume no mercado de CDI diminui e também em anos de
baixo crescimento econômico e retração do crédito, como em 2003 após a
crise da eleição do presidente Lula, ou no final de 2008 e começo de 2009,
após a quebra do banco Lehman Brothers e finalmente em 2012 quando o
Brasil registrou crescimento abaixo de 1% em meio a persistente crise fiscal
europeia.
8
Quanto maior o risco, maior o retorno necessário.
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Figura 3.4 Descolamento entre Taxa DI e Taxa SELIC
3.5
TAXA LIVRE DE RISCO DE UM DIA
Segundo a definição 3.1, a taxa de juros livre de risco de um dia é a taxa que
remunera operações de empréstimo sem risco de crédito. Entre as operações
monetárias que vimos nesse capítulo aquela que mais se adequa a essa
condição é a operação compromissada de prazo igual a um dia e lastro em
títulos públicos, a taxa representativa dessas operações é a taxa SELIC, daí
vem a definição 3.5.
Definição 3.5
Teoricamente a taxa livre de risco de prazo igual a um dia no Brasil é a taxa
SELIC.
Infelizmente na prática as coisas geralmente são mais complexas do que no
mundo teórico e não poderia ser diferente em relação à taxa de juros livre de
risco aqui no Brasil. Na prática as instituições financeiras e empresas
consideram a taxa DI como sendo a taxa de juros livre de risco de prazo igual
a um dia e não a taxa SELIC. Por incrível que pareça, isso não é mais uma
das especificidades do mercado financeiro brasileiro, como a convenção de
contagem de dias BUS/252, na verdade isso ocorre na maioria dos mercados
financeiros do mundo. Os participantes do mercado não gostam de utilizar
como taxa de juros livre de risco uma taxa cujo valor pode ser determinado ou
influenciado por uma instituição pública ou ligada ao governo, como o Banco
Central do Brasil no caso da taxa Selic.
Não por acaso, o maior participante no mercado de compromissadas com
lastro em títulos públicos, mercado que determina a taxa Selic, é o próprio
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Banco Central do Brasil, uma vez que ele utiliza esse instrumento para
equilibrar o excesso ou escassez de dinheiro no sistema financeiro nacional.
Já o mercado de depósitos interfinanceiros, DI, é dominado pelos bancos
privados, mesmo sendo o volume imensamente menor se comparado ao
mercado de compromissadas de um dia.
Definição 3.6
Em situações de solidez no sistema financeiro nacional, a taxa DI de prazo
igual a um dia tem características de taxa livre de risco, portanto, é na prática
utilizada como taxa de juros livre de risco de um dia.
Exemplo 3.2
O banco da cidade está com o caixa em reais positivo em R$ 100
milhões. O banco do vale, com o caixa negativo em R$ 100 milhões e
uma grande carteira de títulos públicos é indiferente entre duas
operações monetárias: realizar uma operação compromissada de
venda com recompra de um dia no nível de consenso da taxa SELIC
de 7,15% ou tomar os recursos em CDI utilizando o consenso da taxa
DI de 7,10%. Qual operação monetária de um dia o banco da cidade
deve realizar com o banco do vale para minimizar o risco de crédito? E
por fim, qual operação o banco do vale deve realizar com o banco da
cidade para maximizar seus ganhos financeiros?
Para minimizar o risco de crédito o banco da cidade deve optar pela
operação compromissada onde ele compra títulos públicos do banco
do vale com o compromisso de revende-los no dia seguinte.
1⁄
252
𝐴1 = 𝑅$100.000.000,00 × (1 + 0,0715)
= 𝑅$100.027.408,33
O resultado financeiro dessa operação é de R$ 27.408,33, caso o
banco do vale falhe o pagamento na data da revenda, o banco da
cidade pode ir a mercado e vender os títulos públicos dados como
lastro, minimizando bastante ou até zerando qualquer perda potencial.
Para maximizar o ganho financeiro, o banco do vale deve optar pela
emissão de um CDI de um dia à taxa de 7,10%.
1⁄
252
𝐴1 = 𝑅$100.000.000,00 × (1 + 0,0710)
= 𝑅$100.027.223,07
O custo financeiro dessa operação para o banco do vale é de R$
27.223,33, menor do que o custo de uma compromissada, é
interessante e incomum observar que isso ocorra com um instrumento
de captação que apresenta um risco de crédito maior.
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Teoria na Prática 3.2 Equivalentes da Taxa DI e Taxa SELIC no G10
_________________________________________________________
O equivalente da taxa DI referente as moedas das dez mais
importantes economias do mundo, G10, é a Libor. A libor é a taxa de
juros de empréstimos interbancários entre instituições financeiras do
G10 com ótimas notas de risco de crédito entre as mais conhecidas
agências de avaliação, notas AAA. As moedas que compõem o G10
são o dólar americano, o euro, o dólar canadense, a libra esterlina, o
iene japonês, o dólar australiano, o dólar neozelandês, a coroa sueca, a
coroa dinamarquesa e o franco suíço. A Libor, diferente da taxa DI,
apresenta um volume robusto para diversos prazos, de um dia, uma e
duas semanas, e depois de um mês até doze meses.
O equivalente da Taxa Selic nos Estados Unidos é a taxa Fed Funds,
antes do início do primeiro QE, quantitative easing ou política de
expansão do balanço do FED, o Fed Funds era a taxa média que
remunerava operações compromissadas de um dia com lastro em
treasuries ou títulos públicos americanos.
Logo após o início das operações de QE o FED parou de realizar as
operações compromissadas e definiu uma taxa inferior que remunera
os depósitos compulsórios no FED ( IOER - interest over excess
reserves ) e uma superior que determina o custo de empréstimos de um
dia do FED ( DISCOUNT ), ambas válidas para bancos americanos com
altas notas de crédito. O interessante é que as GSEs – Goverment
Sponsored Enterprises – como a Fannie Mae e a Freddie Mac não são
elegíveis para depósitos no IOER, com uma avalanche de dinheiro no
sistema financeiro após os quatro QEs as GSEs repassam o excesso
de caixa para os bancos via operações de Fed Funds, isso explica a
razão do Fed Funds ficar em média 0,10% abaixo da taxa do IOER de
0,25% e abaixo da meta do Fed Funds também de 0,25%, similar ao
comportamento da diferença entre a Taxa Selic e a Meta Selic.
Enquanto for interessante para o FED manter os juros muito baixos
esse spread é útil para o FED, contudo quanto for necessário subir o
custo do dinheiro com o mercado inundado com excesso de recursos o
FED deverá subir a IOER acima da meta do FED FUNDS ou voltar a
atuar no mercado de repo.
3.6
RESUMO
Iniciamos esse capítulo com a definição de taxa de juro livre risco, uma taxa
que remunera aplicações ou onera dívidas cuja probabilidade de calote é
teoricamente nula. Em seguida passamos à análise de um importante
instrumento financeiro e duas taxas de juros, que juntas determinam a taxa de
juro livre de risco no Brasil, são eles as operações compromissadas, a taxa
Selic e a taxa DI. Operações compromissadas são operações monetárias de
crédito, empréstimos, onde títulos públicos ou privados são utilizados como
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lastro. Operações onde recursos estão sendo doados são conhecidas como
compromissadas de compra com revenda ou “repo” enquanto operações
onde recursos estão sendo tomados são conhecidas como compromissadas
de venda com recompra ou “reverse-repo”.
A taxa Selic é a taxa média ponderada pelo volume das operações
compromissadas com lastro em títulos públicos e prazo igual a um dia, o
responsável pelo cálculo e publicação da taxa Selic é o Banco Central, por
intermédio do sistema SELIC. Além da taxa Selic existe a meta SELIC, que
teoricamente é a taxa de juros definida pelo COPOM para que a inflação fique
próxima ao centro da meta dada a estratégia de política monetária adotada.
Para o bom desempenho da estratégia de política monetária a meta Selic não
deve se afastar muito da taxa Selic, esse descolamento é administrado pelo
Banco Central através dos leilões de “go-around”.
A taxa DI é a taxa média ponderada pelo volume dos negócios com CDI de
prazo igual a um dia e taxa de juros fixa. CDI ou certificados de depósito
interfinanceiro, são títulos de crédito que podem ser emitidos e comprados
apenas por instituições financeiras, esses títulos não possuem nenhum tipo
de garantia de crédito. Operações em CDI são mais arriscadas que
operações compromissadas do ponto de vista do risco de crédito, contudo a
taxa DI é persistentemente menor que a taxa Selic. Esse descolamento
negativo é assunto muito debatido na mídia e apesar de não existir uma
explicação única para o mesmo, particularmente gosto de atribuí-lo ao baixo
volume do mercado de CDI e a momentos econômicos onde ocorre contração
do crédito e menor crescimento na economia.
Por fim falamos da taxa de risco livre de risco de um dia no Brasil,
teoricamente essa taxa deveria ser a taxa Selic, pelo fato das operações
compromissadas apresentarem menor risco de crédito do que as operações
de CDI. Contudo, na prática o mercado considera a taxa DI como a taxa de
juro livre de risco de um dia, apesar de soar estranho para alguns, essa
prática é comum em boa parte do mundo financeiro e se deve ao fato da taxa
ligada às operações compromissadas, como a taxa Selic, ser muito mais
dependente de um único participante, o Banco Central.
3.7
EXERCÍCIOS BÁSICOS
3.1 Explique o que é uma taxa de juro livre de risco.
3.2 Explique o que é uma operação compromissada, desenhe um diagrama.
3.3 Qual a relação entre operação compromissada, títulos públicos e taxa
Selic?
3.4 Qual a diferença entre Meta Selic e Taxa Selic, qual agente financeiro
controla o descolamento entre essas duas taxas?
3.5 O que é um certificado de depósito interfinanceiro, ou CDI? Qual sua
relação com a Taxa DI?
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3.6 Por que a taxa DI mostra-se persistentemente abaixo da taxa Selic nos
últimos 10 anos? Existe alguma relação entre o volume negociado no
mercado de CDI, crescimento econômico e taxa de crescimento do
crédito/inadimplência na economia?
3.7 Observe as cotações de mercado no dia 10 de fevereiro de 2011, na
tabela I e responda:
Tabela I
Meta Selic: 11,25%
Taxa Selic: 11,17%
Taxa DI: 11,14%
a. Por que a Taxa Selic é menor que a Meta Selic?
b. Do ponto de vista do risco de crédito, a taxa DI deveria ser menor ou
maior que a taxa Selic?
c. Explique por que a taxa DI é inferior a taxa Selic.
3.8 O banco A tem uma grande carteira de títulos públicos, no valor de R$ 2
bilhões de reais e precisa de um empréstimo de R$ 750.000.000,00 por um
dia útil. Considere a tabela I do exercício 3.1 e responda:
a.
b.
c.
Qual operação monetária o banco A deve realizar para minimizar o
custo de captação?
Qual operação monetária o banco A deve realizar para minimizar o
risco de crédito no sistema financeiro?
Qual o custo em reais das operações sugeridas nos itens a e b?
3.9 Teoricamente qual deveria ser a taxa livre de risco de um dia no Brasil, na
prática qual é utilizada?
3.8
EXERCÍCIOS AVANÇADOS
3.10 Através de uma operação de capital de giro, um banco empresta R$ 150
milhões por 21 dias úteis à taxa de 11%a.a ( juros compostos, BUS252 ). Na
data de início do empréstimo, a taxa de juros livre de risco com vencimento
em 21 dias úteis era negociada a 10,50%a.a. O banco opta por realizar o
“funding” do empréstimo através de emissões diárias de CDI, no valor de R$
150 milhões cada pelos próximos 21 dias úteis. A partir da tabela II abaixo,
calcule:
Tabela II
Dia
Taxa DI
Dia
Taxa DI
Dia
Taxa DI
1
10,45%
8
10,45%
15
12,50%
2
10,45%
9
10,45%
16
12,50%
3
10,45%
10
10,45%
17
12,50%
4
10,45%
11
12,50%
18
12,50%
Publicação Original 2015 por FinanceFlix. Copyright © por Fernando Posch
5
6
7
a.
b.
c.
10,45%
10,45%
10,45%
12
13
14
12,50%
12,50%
12,50%
19
20
21
12,50%
12,50%
12,50%
A taxa DI acumulada nos 21 dias úteis.
O valor do “spread” de crédito, cobrado pelo banco, no vencimento.
O resultado do banco no vencimento.
3.11 Suponha que a carteira de ativos de um banco é composta por títulos
públicos que remuneram taxa Selic, LFT, e títulos públicos que remuneram
uma taxa fixa, LTN, NTNF e NTNB. O banco também tem uma grande
carteira de empréstimos entre seus ativos, empréstimos imobiliários, de
veículos e crédito pessoal, todos feitos a taxas fixas. Suponha também que a
carteira de passivos do banco, seu “funding”, é composto na grande maioria
por depósitos em CDB contratados a taxas de juros flutuantes, geralmente um
percentual da taxa DI e por poupança, que rende 70% da meta Selic. Qual o
impacto no resultado do banco de um aumento do descolamento entre a taxa
DI e a taxa SELIC ( taxa DI menor que a taxa SELIC ).
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