A HIPOTAXE ADVERBIAL: FUNÇÕES TEXTUAL

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A HIPOTAXE ADVERBIAL: FUNÇÕES TEXTUAL
IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação
Múltiplos Olhares
05, 06 e 07 de junho de 2013
ISSN: 1981-8211
A HIPOTAXE ADVERBIAL: FUNÇÕES TEXTUAL-DISCURSIVAS NO GÊNERO
RESPOSTA ARGUMENTATIVA
Fátima Christina CALICCHIO (UEM)
Introdução
Analisando-se os compêndios gramaticais, pode-se observer que os processos de
coordenação e subordinação têm seus estudos focalizados por meio de um ponto de vista
sintático, e as relações de dependência ou independência limitam-se ao âmbito da frase, o
que justifica novos estudos se preocupem com processos de articulação de orações. Nesse
sentido, a análise que será apresentada nesta pesquisa, considera o papel do usuário da
língua na organização de seu discurso, sua intenção comunicativa, atribuindo funções
textual-discursivas às escolhas que ele faz. Para isso, este trabalho tem como aporte teórico
a perspectiva funcionalista, cuja abordagem prevê que a integração entre orações ultrapasse
o nível sintático, levando em consideração o contexto, aspectos semânticos e pragmáticos1.
Por esse viés, objetivamos discutir as funções textual-discursivas das
orações adverbiais2 como “guia”, “foco”, “ponte de transição” dentre outras funções na
articulação de orações que podem servir como um recurso argumentativo para o produtor
do texto, além de uma alternativa para os estudos sobre as orações adverbiais. Para efeito
de análise será considerado a hipotaxe adverbial como um mecanismo de articulação de
orações do tipo núcleo-satélite3. Essa relação é defendida por Mann & Thompson (1983) e
Mann & Thompson (1988) como integrante da Teoria da Estrutura Retórica (RST –
Rhetorical Structure Theory), que evidencia o caráter de satélite assumido pela oração
1
Leva em conta não só a função de cada elemento em relação a todo o sistema linguístico (fonologia,
morfologia, sintaxe, semântica) como também a relação ao contexto de uso (pragmática) (HALLIDAY,
1985).
2
De agora em diante, o termo hipotaxe fará referência às tradicionais orações subordinadas adverbiais.
3
Relação núcleo-satélite, uma porção do texto satélite é dependente da porção núcleo que é considerada mais
central para os propósitos do produtor do texto.
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hipotática adverbial. Essa relação leva em conta as “proposições relacionais”
4
que
emergem desse tipo de combinação.
Para nossa discussão, selecionamos como corpus algumas produções textuais que
foram melhor avaliadas pela Banca de Avaliação dos candidatos ao vestibular de verão da
UEM/2011. Fizemos um recorte constituído por cem redações para nossa dissertação de
Mestrado, selecionamos para este artigo dez dessas redações e o critério de escolha se deu
de forma aleatória. Posteriormente, procedemos à quantificação das ocorrências das orações
adverbiais e suas posições no texto a fim de observar a recorrência dessas orações no
recorte com o objetivo de analisar se as funções textual-discursivas das orações adverbiais
podem contribuir para a construção da argumentatividade do gênero Resposta
Argumentativa, além de constituírem-se em uma alternativa para os estudos sobre a
articulação de orações.
1. A teoria funcionalista
Entre as teorias linguísticas que levam em conta fatores interacionais e pragmáticos em
sua análise, destaca-se o funcionalismo. Essa abordagem estuda a estrutura gramatical
inserida na situação real de comunicação, considerando o objetivo da interação, os
participantes e o contexto discursivo. De acordo com essa linha de estudo,
cada porção do comportamento linguístico tem um propósito
comunicativo específico que o ativa; (...) a forma é determinada por sua
adequação para expressar esse propósito no interior da organização
pragmática geral da comunicação. (NARO E VOTRE, 1986, p.454).
Essa citação refere-se ao princípio universal da iconicidade5, segundo o qual a
forma linguística tende a ser motivada pela função, entretanto, isso não significa dizer que
não haja arbitrariedade linguística, mas sim, que, ao produzir uma situação discursiva,
fazemos escolhas lexicais e estruturais de acordo com os nossos objetivos e, de alguma
forma, atuamos sobre os interlocutores.
4
Na visão da RST, além do conteúdo proposicional explícito veiculado pelas orações de um texto, há
proposições implícitas, chamadas proposições relacionais, que surgem das relações que se estabelecem entre
porções do texto. Essas relações podem se estabelecer tanto entre orações quanto entre porções de texto
maiores do que uma oração.
5
A abordagem funcionalista entende que no princípio da iconicidade há alguma relação entre expressão e
conteúdo.
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Antonio (2009), explica que, ao contrário das chamadas teorias formalistas, em
especial o gerativismo e o estruturalismo que têm na frase sua unidade de análise e
consideram a sintaxe autocontida e autônoma, é comum as teorias funcionalistas6
reconhecerem a importância do discurso e das relações contextuais, uma vez que a
comunicação não se dá apenas por meio de frases, mas também pelo discurso.
O autor ressalta que, no paradigma funcional, as expressões linguísticas não são
estudadas isoladamente, mas levam em conta os propósitos para os quais foram utilizadas
nos textos em que ocorrem. Assim, a adoção de uma perspectiva funcionalista, que tem
como principal característica o estudo da função dos elementos linguísticos, permite que se
façam incursões na área da relação entre gramática e discurso.
Como se pode observar, a abordagem funcionalista não se limita a uma análise
categorial de um determinado elemento ou a uma análise isolada de um determinado
componente, ao contrário, uma análise funcionalista leva em conta a função de cada
elemento em relação a todo o sistema linguístico (fonologia, morfologia, sintaxe,
semântica) e em relação ao seu contexto de uso (pragmática) (HALLIDAY, 1985).
Neste trabalho, pretende-se relacionar o fenômeno gramatical, da articulação de
orações, à estrutura organizacional do texto. Por sua vez, a análise dos exemplos das
redações que integram o corpus leva em conta as relações estabelecidas entre as porções do
texto, ou seja, trata das funções das porções do texto em relação a outras porções, bem
como da função das porções do texto em relação aos objetivos discursivos.
Nesta pesquisa, procura-se demonstrar que as proposições relacionais podem
desempenhar um papel significativo quanto à argumentação do gênero Resposta
Argumentativa. Assim, citam Mann e Thompson,
Embora as proposições relacionais desenvolvam, em algum sentido,
expandindo limites internos do texto, sendo inerentemente combinações,
elas fazem mais do que simplesmente relacionar partes do texto. Isto é,
elas não tratam somente de adjacência, precedência textual, limites das
6
Gramática Funcional de linha holandesa (Functional Grammar – FG) e a Gramática Discursivo Funcional
(Functional Discourse Grammar – FDG), a Gramática Sistêmico-Funcional de M. A. K. Halliday (Systemic
Functional Grammar – SFG), os trabalhos dos pesquisadores que compõem o grupo conhecido como
Funcionalismo da Costa-Oeste dos EUA (West Coast Functionalism – WCF) e a Teoria da Estrutura Retórica
(Rhetorical Structure Theory – RST), desenvolvida no âmbito do WCF e da SFG.
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partes do texto, ou outras questões que devam ser derivadas da
contribuição das partes. No lugar disso, expressam a ideia essencial.
(1983, p.16)
Consoante aos objetivos desta pesquisa, consideramos, portanto, que o estudo das
proposições relacionais se torna relevante, porque elas não necessitam de algum elemento
que as determine, não é preciso que haja uma marca estrutural no texto para que sejam
detectadas; desse modo, como afirmam Mann e Thompson (1983), elas se referem à relação
que pode ser estabelecida pelo texto, não necessariamente entre partes adjacentes.
Matthiessen e Thompson (1988) evidenciam que não há como analisar as orações
sem observar também os fatores pragmáticos e culturais. Nessa perspectiva, analisar as
orações adverbiais, observando as relações que emergem das cláusulas que se articulam,
permite perceber que não se deve pautar na presença ou ausência dos conectivos que
encabeçam essas orações.
1.2 Teoria da Estrutura Retórica (Rhetorical Structure Theory - RST)
Para que possamos oferecer uma alternativa acerca do estudo da articulação de orações,
especificamente da hipotaxe adverbial e suas funções textual-discursivas e das ações que se
realizam na organização do texto, adotamos a Teoria da Estrutura Retórica (RST, de agora
em diante), que possibilita descrever, caracterizar e analisar a organização textual. De
acordo com Mann & Thompson (1988); Matthiessen & Thompson (1988); Mann,
Matthiessen & Thompson (1992), “a Teoria da Estrutura Retórica é uma teoria descritiva
que tem por objetivo o estudo da organização dos textos, caracterizando as relações que se
estabelecem entre as partes do texto”.
Nas palavras de Antonio (2008), segundo a RST, além do conteúdo proposicional
explícito veiculado pelas orações de um texto, há proposições implícitas, chamadas
proposições relacionais, que surgem das relações que se estabelecem entre porções do
texto. De acordo com a RST, as relações proposicionais dão coerência ao texto, conferindo
unidade e permitindo que o produtor atinja seus propósitos com o texto que produziu, ou
seja, essa teoria fundamenta-se no princípio de que o texto tem uma estrutura retórica
subjacente à estrutura superficial e, por meio de uma análise dessa estrutura, seria possível
recuperar o objetivo comunicativo que o produtor do texto pretendeu atingir ao escrevê-lo.
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Dessa forma, consideramos que o estudo das proposições relacionais se torna
relevante, porque elas não necessitam de algum elemento que as determine, não é preciso
que haja uma marca estrutural no texto para que sejam detectadas; desse modo, como
afirmam Mann e Thompson (1983), elas se referem à relação que pode ser estabelecida
pelo texto, não necessariamente entre partes adjacentes.
1.2.1 Os tipos de relações e suas definições
De acordo com a RST, uma lista de aproximadamente vinte e cinco relações 7 foi
estabelecida por Mann e Thompson (1987), após a análise de centenas de textos, por meio
dessa teoria. Essa lista não representa um rol fechado, mas um grupo de relações suficientes
para descrever a maioria dos textos. As funções globais das relações podem ser divididas
em dois grandes grupos: a) funções que dizem respeito ao assunto, que têm como efeito
levar o enunciatário a reconhecer a relação em questão; b) funções que dizem respeito à
apresentação da relação, que têm como efeito aumentar a inclinação do enunciatário a agir
de acordo com o conteúdo do núcleo, concordar com o conteúdo do núcleo. Ainda, a
divisão das relações, é apresentada por grupos:
i.
Assunto: elaboração, circunstância, solução, causa volitiva, resultado volitivo,
causa não volitiva, resultado não volitivo, propósito, condição, senão,
interpretação, meio, avaliação, reafirmação, resumo, sequência, contraste;
ii.
Apresentação: motivação, antítese, background, competência, evidência,
justificativa, concessão, preparação.
Com base nessa organização, as relações são divididas em dois tipos:
a) Relações núcleo-satélite: uma porção do texto (satélite) é ancilar da outra (núcleo), como
na figura 1, na qual um arco vai da porção que serve de subsídio para a porção que funciona
como núcleo;
b) Relações multinucleares: uma porção do texto não é ancilar da outra, sendo cada porção
um núcleo distinto, como na figura 2.
7
A lista das relações pode ser encontrada no site: http://www.sfu.ca/rst/
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Figura 1 – Esquema de relação núcleo-satélite
Adaptado de ANTONIO (2008, p. 101).
Figura 2 – Esquema de relação multinuclear
Esses dois esquemas, representados pelas figuras 1 e 2, são padrões pré-definidos que
especificam de que modo porções do texto se relacionam para formar porções maiores ou o
texto todo. Por meio de todos esses recursos, a RST permite descrever funções e estruturas
que fazem do texto um instrumento de efeito e compreensão para a comunicação humana.
1.3 A Articulação de Orações
1.3.1 A abordagem tradicional da articulação de orações
Na articulação de orações8, segundo os conceitos da gramática tradicional, resultam
relações de igualdade sintática ou de dependência sintática, ou seja, relações de
coordenação ou de subordinação, respectivamente. A coordenação e a subordinação são
processos sintáticos analisados dentro do período composto. Por sua vez, no período
composto, podem ocorrer três tipos básicos de orações: principal, subordinada e
coordenada.
Cunha (1971) defende que a coordenação se constitui de orações, independentes, ou
seja, cada uma tem sentido próprio e não funcionam como termos de outra oração, apenas,
uma pode enriquecer com o seu sentido a totalidade da outra (CUNHA, 1971, p. 399).
Acerca das subordinadas, são classificadas como termos essenciais, integrantes ou
acessórios de outra oração. Assim como Rocha Lima (1968), Cunha (1971) considera os
aspectos semânticos para conceituar a coordenação e os sintáticos para a subordinação.
Bechara (2006) usa o termo hipotaxe ao tratar da subordinação e a define como um
fenômeno de estruturação de camadas gramaticais em que uma das orações passa a
funcionar como membro de outra camada inferior e, desse modo, funciona como membro
sintático da outra. Sobre as coordenadas, ele afirma que são sintaticamente independentes.
8
Nesta pesquisa entendemos a articulação de orações de acordo com a forma com que o usuário combina ou
articula as orações no português em uso.
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Como se pode observar, a abordagem tradicional da articulação de orações baseiase na classificação das orações de acordo com suas funções sintáticas e semânticas, não
considerando os aspectos pragmáticos e o estudo limita-se ao nível da frase.
1.3.2 As abordagens funcionalistas dos processos de articulação de orações
Dentro do estudo da organização e da articulação de enunciados com uma
perspectiva funcionalista, são levados em conta elementos sintáticos, semânticos e
pragmáticos.
Para o funcionalismo, um aspecto de fundamental importância é a
combinação entre orações que se integram estruturalmente em outra e entre orações que
não são sujeitas a essa integração. Nesse processo, a preocupação em descrever a relação
entre as cláusulas no nível do discurso, segundo Decat (2001), tem levado estudiosos a
abandonar o termo “subordinação” e examinar o fenômeno de combinação ou articulação
de cláusulas. Hopper & Traugott (1993:169) propõem para a combinação de cláusulas:
a) Parataxe – independência relativa entre as cláusulas, em que o vínculo das orações
depende apenas do sentido, isto é, apresentam dependência semântica;
b) Hipotaxe – interdependência entre as cláusulas, sendo uma cláusula núcleo e uma
ou mais cláusulas (margens) que não podem figurar sozinhas no discurso e, por isso,
são relativamente dependentes;
c) Subordinação ou encaixamento – total dependência entre as cláusulas em relação ao
núcleo. Esse continuum pode ser elaborado por combinações de características como + ou –
dependente e + ou – encaixada, conforme se pode observar no quadro estabelecido por
HOPPER & TRAUGOTT (1993):
Parataxe>
Hipotaxe>
Subordinação
- dependente
+ dependente
+ dependente
- encaixada
- encaixada
+ encaixada
Figura 3: Relação de dependência e encaixamento. (HOPPER & TRAUGOTT, 1993:170).
No continuum de Hopper & Traugott (1993, p.170) apresentado, a subordinação
pressupõe dependência e encaixamento; a parataxe caracteriza-se pela não dependência e
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pelo não encaixamento, e a hipotaxe diferencia-se pela dependência e pelo não
encaixamento sintático. Ao se estabelecer esses três tipos de arranjos redefinem se a
terminologia de duas tradições distintas: a subordinação e a coordenação.
Em estudo anterior ao de Hopper & Traugott (1993), Halliday (1985, p.373) já
apresentava dois sistemas básicos para determinar como as cláusulas se relacionam entre si:
(i) o grau de interdependência: hipotaxe e parataxe e (ii) a relação lógico: por projeção ou
por expansão. Assim, Halliday (1985, p.373) defende que todas as cláusulas que
apresentam relação lógico-semântica entre si são interdependentes, o que é a natureza da
estrutura relacional: uma unidade interdependente de outra unidade.
Dessa forma, distingue-se a hipotaxe – ou subordinação - da visão tradicional da
hipotaxe e da subordinação dentro da visão funcionalista, segundo a qual uma cláusula
subordinada pressupõe encaixamento sintático em outra, enquanto que na articulação
hipotática não há encaixamento ou dependência, mas interdependência sintática pelo não
encaixamento sintático enquanto que na articulação hipotática não há encaixamento ou
dependência, mas interdependência sintática entre as cláusulas.
Esses autores buscam, dessa forma, uma interpretação gramatical para a articulação
de cláusulas9 que tenha sentido funcional no discurso. Para eles, a interdependência entre as
cláusulas não estabelece uma relação subordinada, pois uma não é parte da outra e o grau
de interdependência também se dá no nível das funções discursivas, pois as relações
semânticas dessas orações são relações retóricas que ocorrem em quaisquer partes de um
texto (Matthiessen e Thompson, 1988 p. 283).
Matthiessen e Thompson (1988) evidenciam que não há como analisar as orações
sem observar também os fatores pragmáticos. Esses autores ressaltam que as orações
adverbiais, muitas vezes, são inseridas em um paradigma fechado, em que suas
classificações são determinadas em razão dos conectivos explícitos que as introduzem.
Dessa forma, é preciso que se estudem essas orações levando em conta as relações retóricas
que se articulam no discurso, pois as porções textuais10 não se limitam a uma função
gramatical, há também uma função discursiva.
9
Neste estudo, designou-se cláusula como oração, assim como considerou Decat (2001).
Porções de texto maiores do que a oração. (MANN & THOMPSON, 1983)
10
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Decat (2001) considera um problema as classificações hipotáticas se resumirem a
um número fixo de relações. Na NGB (Nomenclatura Gramatical Brasileira), por exemplo,
ao se tratar a respeito das hipotáticas adverbiais, menciona-se um número limitado de
orações que receberiam essa classificação, tais como: causal; comparativa; concessiva;
condicional; conformativa; consecutiva; final; proporcional e temporal. Assim, torna-se
relevante, então, empreender uma análise que esteja centrada nas relações mantidas entre as
cláusulas que se articulam hipotaticamente e as funções discursivas a que elas estejam
servindo (DECAT, 2001, p. 114).
Por essa perspectiva, estudar a hipotaxe adverbial, considerando as relações que
emergem das cláusulas que se articulam, pode permitir que não se deva pautar na presença
ou não dos conectivos que encabeçam essas orações. Uma vez apresentada a revisão geral
dos processos de articulação de orações sob diferentes perspectivas, daremos início a um
breve estudo, a respeito das funções textual-discursivas da hipotaxe adverbial.
1.4 Materializações e funções textual-discursivas da hipotaxe adverbial
Decat (2009), explica que várias são as funções textual-discursivas que estão na base do
uso das orações hipotáticas adverbiais, pois, além de exibirem a relação semântica como
tempo, modo, causa/motivo, concessão, condição etc., elas exercem funções textualdiscursivas que podem propiciar o entendimento da intenção do usuário da língua ao fazer
as combinações entre as orações na organização do texto. Para essa autora, a combinação
de orações não se dá necessariamente entre cláusulas adjacentes, uma cláusula adverbial
pode estar relacionada com outra bem anterior no texto, ou se relacionar com o discurso
subsequente, à maneira de “guias”; ou ainda poderá servir de “fundo”, de “moldura” para
uma informação contida no co-texto; e, às vezes, como “ponte de transição”, em função
anafórica e catafórica simultaneamente. Segundo Decat (2009), além dessas cláusulas, a
hipotaxe adverbial poderá servir a uma função tópica, funcionando como ponto de partida
para a estruturação da informação.
Para analisar os exemplos do corpus desta pesquisa, tomamos por base os estudos de
Decat (2009), sobre a hipotaxe adverbial em português: materializações e funções textualdiscursivas, além de Antonio (2005, 2011), Neves (2000), Givón (1995), Thompson (1985),
os quais compartilham a ideia de que as relações do tipo núcleo-satélite são substanciais
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para a unidade do texto e seus núcleos possuem informações essenciais ao direcionamento
persuasivo do leitor. Segundo Matthiessem e Thompson (1988, p. 275-329),
[...] os satélites figuram como essenciais ao funcionamento do texto por
serem eles um meio pelo qual o falante cumpre certos objetivos na
comunicação e o ouvinte pode obter informações que o auxiliam a
descobrir os objetivos por que o texto foi produzido.
As relações proposicionais se referem ao modo como as partes do texto se relacionam,
a fim de verificar a unidade do texto. Assim, as definições das relações são orientadas por
meio da plausibilidade, uma vez que se considera que o analista não tem acesso ao produtor
nem ao locutor do texto. Segundo Mann e Thompson. (1988, apud ANTONIO, 2008),
[...] a análise é feita com base em julgamentos de plausibilidade, ou seja, o
analista julga que tais informações são plausíveis com base em seu
conhecimento a respeito do produtor do texto, dos seus prováveis
destinatários, das convenções culturais e do contexto de produção do
texto. (p. 99).
De acordo com os autores da RST, sempre haverá uma relação considerada mais
proeminente em um determinado texto e, em situações de ambiguidade, haverá uma relação
mais adequada a ser considerada pelo analista. Partilha dessa ideia Decat (2009): “as
escolhas dos meios linguísticos podem revelar as intenções comunicativas do produtor do
discurso”. Dessa forma, as escolhas do falante estão condicionadas à avaliação que ele faz
do seu interlocutor e isso vai refletir na escolha dos meios linguísticos para que ele possa
organizar seu texto e atingir seus objetivos.
1.5 Análise
Na combinação de orações da primeira porção textual do RA11, exemplo (1) o
produtor do texto introduz o tema e expõe seu ponto de vista, por meio da função moldura,
ou seja, porção que apresenta a informação que o produtor considera necessária à
compreensão entre as porções textuais. Do ponto de vista semântico, a hipotaxe temporal
11
De agora em diante, por questão de economia, será omitida a expressão “Resposta Argumentativa” nas
referências aos exemplos das produções desse gênero. Será mencionado apenas (RA) assim como denominou
SANTOS (2012).
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serve a essa função pragmática. E a relação se estabelece entre a pergunta do comando,
núcleo, “Morar em república é ou não uma experiência enriquecedora?” e as demais
porções que compõem o gênero (RA).
(1) “Me tornei um morador de república logo quando entrei na
faculdade, aos 19 anos.”. (grifo nosso)
Na porção seguinte desse gênero, exemplo (2), encontramos a hipotaxe adverbial
com a função textual-discursiva de ponte de transição, ao evidenciar uma retomada da
informação da porção do texto anterior, estabelecendo um elo entre o discurso precedente e
o subsequente.
Como expõem os estudos de Decat (2009), essa função mostra uma
inadequação de análises que costumam considerar somente o nível sentencial. É o caso da
gramática tradicional, que considera apenas o nível frásico.
Segundo estudos de Decat (2010), na articulação da hipotaxe adverbial há de se
destacar a função ponte de transição, ao retomar anaforicamente uma informação
precedente e remeter à subsequente. Essa função de retomada é considerada por Thompson
e Longacre (1985), como um mecanismo de ligação entre parágrafos em que a primeira
oração de um parágrafo de certa forma recapitula, ou resume o que foi referido no
parágrafo anterior, estabelecendo uma relação hipotática num nível macro da estruturação
do texto.” (p. 55-84).
Em (2), observamos a função de ponte de transição exercida pela adverbial
temporal, pois há uma retomada da informação anterior, e remete-se o leitor a informação
subsequente estabelecendo um elo entre as porções textuais.
(2) “Morar em república é uma experiência extremamente enriquecedora
para qualquer jovem estudante, assim como eu. Esse pode ser um grande
passo em relação à maturidade e crescimento que tantos jovens
necessitam nessa fase da vida. Ao sair da casa dos pais, o estudante
adquire responsabilidades – como a de pagar contas – e aprende a dar seus
passos sozinhos, digo, sozinho, o que é definitivo para o crescimento
intelectual e futuramente, profissional desse indivíduo.” (grifo nosso).
Se considerarmos a segunda porção de texto do exemplo anterior, por ocorrer no
início, a hipotaxe temporal, materializa-se pragmaticamente como guia para o interlocutor e
demarca o discurso subsequente e sua interpretação. Vejamos,
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(2) “Ao sair da casa dos pais, o estudante adquire responsabilidades –
como a de pagar contas – e aprende a dar seus passos sozinhos, digo,
sozinho, o que é definitivo para o crescimento intelectual e futuramente,
profissional desse indivíduo.” (grifo nosso).
É interessante destacar que, por razões pragmáticas, o produtor pode não
considerar o posicionamento de uma oração ao atribuir foco em uma determinada porção
textual, pois, a hipotaxe adverbial pode constituir nesse sentido uma forma de avaliação por
parte do falante/produtor sobre o que vem expresso na porção núcleo, em especial, quando
posposta a esse núcleo. No exemplo (3), podemos evidenciar a função de foco
materializado como avaliação.
(3) “Cada estudante carrega consigo sua própria bagagem cultural e a
convivência promove esta constante troca de experiências não só
relacionadas aos estudos, como também acerca da religião, política,
música e até hábitos alimentares.” (grifo nosso).
De acordo com os estudos de Decat (2011), a hipotaxe adverbial concessiva
sustentada pela relação tese-antítese contribui para a argumentação e por meio dessa
articulação de orações o falante faz uma avaliação sobre o que vem expresso na porção
núcleo. Para Neves (2000, as construções concessivas são essencialmente argumentativas e
pode-se considerar que a ordem dessas construções obedecem aos propósitos
comunicativos:
Vistas de um ponto de vista pragmático, as concessivas indicam que o falante
pressupõe uma objeção à sua asserção, mas que a objeção é por ele refutada,
prevalecendo a sua asserção. O que está implicado, aí, é que, nas construções
concessivas – como nas condicionais – existe uma hipótese, que, no caso das
concessivas, é a hipótese de objeção por parte do interlocutor. (NEVES, 2000, p..
874)
De acordo essa autora, as concessivas antepostas carregam informação mais
conhecida do interlocutor, ocupando uma posição mais tópica, e que se refuta uma possível
ou previsível objeção do interlocutor e depois se faz uma asseveração quanto às pospostas,
não se pode invocar a função de tópico discursivo, elas tem muito mais de um adendo,
porção do enunciado em que o falante volta ao que acaba de dizer.
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No exemplo (4), pode-se evidenciar a hipotaxe adverbial com função focal
materializada como avaliação, ou seja, uma relação sustentada pela relação de tese- antítese
ou ainda nos termos de Neves (2000) e Givón (1995); a função de adendo.
(4) “Morar em república é uma experiência enriquecedora, uma vez que
não é uma vida fácil, apesar de, para algumas pessoas, parecer.” (grifo
nosso).
Essa função serve aos objetivos comunicativos do usuário da língua com a
finalidade de trazer conteúdos novos, ou mesmo novos argumentos para o que está dito no
núcleo da relação núcleo-satélite. Para Thompson (1985), a adverbial de propósito
anteposta tem a função de apresentar um problema e criar uma expectativa de solução para
a porção nuclear. Para a autora, a adverbial de propósito anteposta fornece um quadro em
que a porção núcleo pode ser interpretada e ela faz isso ao criar um conjunto de
expectativas a partir da porção textual precedente e do conhecimento partilhado dos
interlocutores. Dentro desse conjunto de expectativas, cria-se não só um problema, como
também uma expectativa de solução para esse problema ao leitor.
Pode-se notar nos exemplos a seguir que a porção textual que precede a adverbial de
propósito anteposta cria um conjunto de expectativas em relação ao “problema de morar em
uma república” como afazeres domésticos. Por sua vez, a porção adverbial de propósito
anteposta fornece um quadro em que o leitor deve interpretar esse conjunto de expectativas
encaminhando - o para uma solução do “problema”. O exemplo a seguir exibe essa função
da oração adverbial de propósito anteposta:
(5) “Em nossa república para manter uma ordem fizemos tabelas as
quais contém as despesas e como vamos dividi-las, escalas de limpeza
e até mesmo quem fica responsável pela comida. Em nossa república
para manter uma ordem fizemos tabelas as quais contém as despesas e
como vamos dividi-las, escalas de limpeza e até mesmo quem fica
responsável pela comida.” (grifo nosso).
A hipotaxe adverbial na combinação entre as porções textuais ao ocorrerem no
inicio a exemplo da função de tópico, além da relação semântica de condição podem ser
também de motivo e tempo. Nesse sentido, podemos evidenciar a intenção do produtor do
texto ao construir sua argumentatividade por meio dessas adverbiais que servem de ponto
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de partida para a estruturação da informação do que vem expresso na porção nuclear.
Vejamos essa função discursiva nos exemplos a seguir:
(6) ”Se eu tivesse passado a vida inteira na casa dos meus pais eu não
saberia dessas coisas, pois lá não tinha que me preocupar.” (Grifo nosso).
(7) “Também, quando algum de nós esta “apertados” com provas,
trocamos a escala de limpeza para possibilitar ao outro mais tempo de
estudo.” (Grifo nosso).
Esses exemplos nos permitem observar como pode se materializar a hipotaxe
adverbial no gênero RA e algumas funções textual-discursivas mantidas por essas orações,
levando em conta as relações retóricas que se articulam no discurso.
Considerações Finais
Por meio da análise, acreditamos ter atingido nosso objetivo, ao apresentarmos uma
alternativa para os estudos sobre as orações adverbiais, além dos estudos preconizados
pelos compêndios gramaticais. O estudo aqui realizado evidenciou a forma como pode se
materializar a hipotaxe adverbial no português escrito, especificamente nas produções do
gênero resposta argumentativa e algumas funções textual-discursivas mantidas por essas
orações, considerando não só a pragmática como um componente da gramática da língua,
ao lado da sintaxe e da semântica, como também um estudo das orações levando em conta
as relações retóricas que se articulam no discurso, visto que as porções textuais não se
limitam apenas a uma função gramatical, mas também uma função discursiva. O fio
condutor dessa pesquisa assenta-se em observar como as funções textual-discursivas da
hipotaxe adverbial podem contribuir para a construção da argumentatividade do gênero RA,
além de constituir-se uma alternativa para os estudos sobre articulação de orações. Nesse
sentido, espera-se que as discussões dessa pesquisa possam contribuir para o estudo dessas
cláusulas uma vez que, muitas vezes, suas classificações são restritas ao nível da frase.
Referências
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narrativas escritas do português. 2004. 247f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua
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